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Experiencias de uma equipe
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CYBELE CAROLINA MORETTO
EXPERINCIAS DE UMA EQUIPE INTERDISCIPLINAR DE SADE MENTAL:
um estudo psicanaltico
PUC-CAMPINAS 2008
CYBELE CAROLINA MORETTO
EXPERINCIAS DE UMA EQUIPE INTERDISCIPLINAR DE SADE MENTAL:
um estudo psicanaltico
Dissertao apresentada ao programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Psicologia do Centro de Cincias da Vida - PUC-Campinas, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Psicologia como Profisso e Cincia.
Orientador: Prof. Dr. Antonios Terzis
PUC-CAMPINAS 2008
Ficha Catalogrfica Elaborada pelo Sistema de Bibliotecas e
Informao - SBI - PUC-Campinas
t618.928917 Moretto, Cybele Carolina. M845e Experincias de uma equipe interdisciplinar de sade mental: um estudo psicanaltico / Cybele Carolina Moretto. - Campinas: PUC-Campinas, 2008. 123p. Orientador: Antnios I. Trzis. Dissertao (mestrado) - Pontifcia Universidade Catlica de Campinas, Centro de Cincias da Vida, Ps-Graduao em Psicologia. Inclui anexos e bibliografia. 1. Psicanlise infantil. 2. Sade mental infantil. 3. Psicanlise de grupo. 4. Crianas - Problemas emocionais. I. Trzis, Antnios. II. Pontifcia Universidade Catlica de Campinas. Centro de Cincias da vida. Ps-Graduao em Psicologia. III. Ttulo. 22.ed.CDD - t618.928917
CYBELE CAROLINA MORETTO
EXPERINCIAS DE UMA EQUIPE INTERDISCIPLINAR DE SADE
MENTAL: um estudo psicanaltico
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Presidente Prof. Dr. Antonios Terzis
__________________________________________
Prof. Dr Leopoldo Pereira Fulgncio Junior
__________________________________________
Prof. Dra. Vera Lcia Rezende
PUC-Campinas
2008
"Quando se sonha sozinho apenas um sonho. Quando sonhamos
juntos o comeo da realidade".
Dom Quixote
AGRADECIMENTOS
Aos meus amados pais, Dorival e Sonia, pelo exemplo de vida baseado
no respeito e no amor mtuo. Pelo incentivo constante e por oferecerem
espao para minha liberdade e escolhas.
Ao meu irmo e minha cunhada, Marcelo e Eriane, pelo carinho e apoio.
Ao meu futuro esposo Jorge Flix, pelo amor e companheirismo nos
momentos mais estressantes deste percurso.
Aos queridos amigos, profissionais e estagirios da equipe que
participaram da pesquisa.
s minhas amigas de mestrado, Carla, Cntia e Ftima, pelas trocas de
experincia que, por vezes, iluminaram esta caminhada.
A todos meus amigos, em especial, aqueles com quem compartilho as
vivncias dirias.
Ao meu analista, Hang Ly, pela constante disposio em me
acompanhar na descoberta e compreenso de meu mundo interno.
Aos professores de todas as disciplinas, por seus ensinamentos
preciosos, em especial a Helosa Pieri e Leopoldo Fulgncio, que forneceram
contribuies decisivas para este estudo na qualificao.
CAPES, pela concesso da bolsa.
Por fim, ao Professor Antonios Terzis, por ter acompanhado e auxiliado
meu amadurecimento profissional, a quem devo a entrada na carreira
acadmica.
RESUMO Moretto, C.C. (2008). Experincias de uma equipe interdisciplinar de sade mental: um estudo psicanaltico. Dissertao de Mestrado, Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Psicologia do Centro de Cincias da Vida da PUC Campinas.
O presente estudo foi realizado a partir de um grupo natural e,
concomitantemente com as atividades que a autora desenvolve numa
instituio de sade mental infantil, como psicloga. Teve como objetivo geral
investigar algumas experincias emocionais de uma equipe interdisciplinar,
com o intuito de compreend-las a partir dos vnculos que se formam. Os
objetivos especficos foram descrever e compreender alguns fenmenos
emocionais produzidos no aqui-agora do grupo. Por se tratar de um grupo
natural, quando a pesquisa foi iniciada j havia um enquadre determinado nas
reunies da equipe, o qual se assemelhava ao grupo de formao (Anzieu &
Kas, 1989). Os participantes foram os profissionais e estagirios da equipe,
totalizando 15 pessoas. Os registros foram realizados da seguinte maneira: em
cada reunio, um membro do grupo escrevia todo o contedo que, ao final, era
lido em voz alta para todos os integrantes. Conforme havia a necessidade de
alteraes, essas eram feitas pelo redator. O procedimento adotado visou
objetividade no estudo, fidedignidade do registro e iseno da subjetividade do
redator. A experincia do estudo permaneceu durante seis reunies, com
durao de duas horas cada, sendo que, dessas, apenas quatro fizeram parte
da anlise. Utilizamos o modelo qualitativo de pesquisa de anlise do
contedo proposto por Mathieu (1967) e Kas (1977). Tal anlise visou
ultrapassar a mera descrio do contedo das mensagens, com aplicao de
inferncias que possibilitam uma interpretao aprofundada. Conclumos que o
espao grupal possibilitou a sensibilizao aos fenmenos de grupo e a
compreenso de certas formulaes psquicas deste, funcionou como um
facilitador para que os integrantes expressassem tenses e sentimentos e
proporcionou a reflexo sobre as prticas de trabalho.
Palavras-chaves: psicanlise de grupos, equipe interdisciplinar, sade mental.
ABSTRACT
Moretto, C.C. (2008). Experiences of a mental health multidisciplinary team: a psychoanalytic study. Dissertation (Master Degree), Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu em Psicologia do Centro de Cincias da Vida da PUC Campinas.
The development of this paper was based on a natural group and activities
performed simultaneously by the author at a child mental health institution, as
psychologist. This study aimed to investigate some emotional experiences of a
multidisciplinary team, focusing on understanding of ties formed. The specific
aims were describing and understanding of some emotional phenomenon
produced spontaneously on group. Considering it a natural group, when this
research began, there were some directions already defined on team meetings,
which were similar to forming group of Anzieu and Kas (1989). Participants
were the professionals and interns of the team, altogether fifteen people.
Records were done as following: each meeting, a member written all content
and, at the end, it was read in a loud voice for everybody. According needs,
some changes could be done by the speaker. This procedure aimed objectivity
on study, trust on records and subjectivity free from speaker. The experience of
study took six meetings, with two hours long. But only four of them were used to
the analysis. It was used the technique content analyzing of qualitative proof,
proposed by Mathieu (1967) and Kas (1977). The target was going beyond the
description of messages content, applying inferences that allowed a deep
understanding. Concluding, the group made possible the sensitization to the
phenomenons group and to understanding some psychic formulations of it, it
worked as an easy way for members to express stress and feelings and
provided a reflection about practices of work.
Key words: psychoanalysis groups, multidisciplinary team, mental health.
NDICE
Apresentao...................................................................................................01
1 Introduo..................................................................................................04 1.1-Contribuies tericas de grupo: uma breve resenha histrica...................05
1.2-Algumas compreenses psicanalticas sobre os grupos nas instituies...17
1.3-Perspectiva interdisciplinar no trabalho em equipe.....................................23
2 Objetivos.....................................................................................................36
3 Mtodo........................................................................................................37 3.1 - Participantes..............................................................................................39
3.2 - Campo de Pesquisa..................................................................................40
3.3 Instrumento...............................................................................................41
3.4 - Procedimentos ..........................................................................................42
3.4.1 Funcionamento das reunies da equipe..........................................45
3.4.2 Registro............................................................................................46
3.5 - Anlise dos resultados...............................................................................47
4 Resultados e discusso............................................................................50 4.1 Anlise da primeira reunio..................................................................... 50
4.2 Anlise da segunda reunio.................................................................... 66
4.3 Anlise da quarta reunio........................................................................ 76
4.4 Anlise da sexta reunio...........................................................................91
4.5 Formulaes psquicas da equipe de trabalho...................................... 104
4.6 Impresses pessoais da pesquisadora...................................................109
5 Concluses...............................................................................................111 6 - Referncias...............................................................................................113
Anexos............................................................................................................120
1
APRESENTAO
Inicio esta apresentao relatando a trajetria profissional que me
conduziu ao tema da pesquisa. Um relato assim sempre uma referncia
autobiogrfica na medida em que qualquer empreendimento humano, por mais
formal que sejam as regras que o orientam, tem sempre um fundo existencial
que, em ltima anlise, o determina.
As motivaes que me levaram escolha do tema relacionado a grupos
surgiram durante a graduao em psicologia, quando iniciei, em 1998, um
estgio extracurricular em uma instituio de sade mental infantil. Desde a
concluso do curso, em 2002, trabalho nessa instituio como psicloga e fao
parte da equipe interdisciplinar.
Nessa instituio, atendo grupos de crianas e adolescentes, na faixa
etria de 4 a 14 anos de idade, e seus familiares, portadores de diversos tipos
de transtornos psquicos. O objetivo do atendimento proporcionar o
desenvolvimento nas reas social, emocional, cognitiva, afetiva e corporal.
Desde o estgio at o exerccio profissional atual, participo de reunies
da equipe interdisciplinar para reflexo das prprias prticas. Estas reunies
pareciam favorecer a sensibilizao aos fenmenos emocionais, tanto dos
indivduos no grupo, como do grupo como um todo.
A tarefa de cuidar do outro uma das prticas humanas que colocam o
indivduo diante de seus mais ntimos conflitos, pois em poucas atividades o
profissional se encontra to incisivamente sujeito s presses de vrias ordens.
Percebi, a partir da experincia, a necessidade de cuidados com
aqueles que exercem a tarefa de cuidar e de promover o bem-estar fsico,
2
psicolgico e social de outro ser humano, com a finalidade de evitar a
sobrecarga de quem a exera, ou ainda, acarrete aos trabalhadores
sofrimentos comparveis aos daqueles a quem cuidam.
importante mencionarmos que nessa experincia, reafirmada atravs
da literatura pesquisada, observei que nos trabalhos caracterizados por aes
integradas em sade, so utilizadas terminologias distintas (multiprofissional,
multidisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar) para aes similares,
indicando que no existe um consenso sobre os conceitos. Desse modo,
consideramos que, diante disso, nesse estudo foi adotado o termo
interdisciplinar com o intuito de caracterizar um grupo com profissionais de
diferentes campos de conhecimento e atuao. No entanto, o estudo tambm
visou levantar a problemtica dos diversos conceitos de trabalhos em equipe.
Dentre os benefcios do trabalho em equipe, na literatura acadmica,
encontramos o planejamento de servios, a gerao de intervenes mais
criativas e a reduo de intervenes desnecessrias pela falta de
comunicao entre os profissionais.
Enfim, desde o incio de minha vida profissional, tive a vivncia de que
as prticas grupais podem ser promotoras de sade mental, tanto dos usurios
como da equipe de atendimento, o que explica, de certa forma, o interesse de
pesquisar grupos. As experincias referidas anteriormente suscitaram em mim
inquietaes e questionamentos sobre quais so os processos emocionais
vividos pela equipe de atendimento e como favorecem ou comprometem
negativamente suas atividades. Portanto, a anlise de algumas experincias
emocionais desse grupo o que esta pesquisa se props a estudar.
3
Devemos enfatizar a importncia dos estudos com as equipes de
trabalhadores da rea de sade mental. O presente trabalho insere-se entre
aqueles realizados em um grupo natural, composto por profissionais, na
instituio de trabalho e dentro de suas rotinas.
O levantamento desse tema tem um significado cientfico e social, pois
suscita e destaca questes dentro de uma perspectiva preventiva. Prevenir
para que os cuidadores no adoeam das mesmas patologias das quais
tratam, visando com isso promoo da sade do cuidador e melhorias do
atendimento aos usurios.
4
1 - INTRODUO
Atualmente, observamos um interesse e uma valorizao pelos grupos e
as relaes entre seus membros. A mdia tem dado mais ateno a assuntos
sobre trabalho em equipe, importncia das relaes interpessoais para a
produtividade e motivao dos trabalhadores.
Observamos, tambm, cada vez mais o interesse pelo estudo dos
pequenos grupos. O fato de a experincia humana situar-se sempre em
grupos, como os grupos familiares, os polticos, os religiosos, os teraputicos,
de trabalho, fomentou a esperana de que o estudo dos grupos nos permitisse
descobrir as leis do funcionamento mental que regem tanto o indivduo como a
sociedade.
A psicanlise de grupo est cada vez mais sendo reconhecida como
uma forma de compreenso e uma tcnica teraputica significativa para atingir
aspectos inconscientes do ser humano, levando em considerao a
grupalidade da mente. Como cincia do homem, tem um importante papel
quanto possibilidade de oferecer contribuies para o aprofundamento da
compreenso dos processos grupais, fortalecendo seu lugar na sociedade e no
desenvolvimento de suas prprias teorias.
Encontramos na etimologia da palavra grupo, do antigo vocbulo group
(lao ou n) derivado do germano ocidental kruppa (massa circular), a
considerao de duas linhas de fora: o lao demonstrando a unio e o crculo
representando o espao fechado, cuja metfora a envoltura corporal e o
corpo materno. Dessa forma, uma das caractersticas de um grupo a
5
possibilidade de oferecer um espao que acolhe seus participantes e tambm
poder provocar sentimentos de aprisionamento e frustrao (Anzieu, 1966).
Assim, neste estudo, buscamos compreender alguns fenmenos
emocionais de uma equipe interdisciplinar, utilizando-se de conhecimentos
tericos e tcnicos elaborados por autores renomados.
1.1 - Contribuies tericas de grupo: uma breve resenha histrica
O grupo objeto de estudo de diversas cincias e tambm da
psicanlise e ser nessa abordagem, mais precisamente a psicanlise dos
grupos, em que centraremos nossa discusso, fazendo um breve levantamento
histrico de seu desenvolvimento, bem como dos principais contedos
desenvolvidos por esta cincia.
Em meados do sculo XX, um autor que deu contribuies acerca da
teoria de grupos foi o psiclogo alemo Kurt Lewin (1978), criador da
expresso dinmica de grupo, sua teoria influenciou a psicologia social e a
sociologia. Para o autor, o trabalho com grupos proporcionava a alterao nas
condutas de um membro e, conseqentemente, a partir das relaes
estabelecidas, uma transformao em todos.
A psicanlise clssica, em sua aplicao teraputica, desenvolveu-se
atravs da dade analista-paciente e assim permaneceu nas primeiras dcadas
do sculo XX. No entanto, Freud no deixou de considerar a importncia do
homem enquanto ser social, estudando as origens da sociedade humana, dos
ritos religiosos e mitolgicos. As teorias elaboradas a partir desta dade teoria
6
da libido, teoria estrutural, teoria edpica, teoria do superego reportam-se ao
sujeito relacionado com objetos e a uma psicologia multipessoal (Terzis, 2006).
Freud, apesar de nunca ter atendido grupos, apresentou importantes
contribuies tericas psicologia dos grupos humanos em: Totem e Tabu
(1913), Psicologia das massas e Anlise do Ego (1921) e Mal-estar da
Civilizao (1930).
Segundo Freud (1913), a horda primitiva originalmente era dirigida por
um velho tirano e brutal que se reservava a posse das mulheres e expulsava os
filhos em idade de se tornarem seus rivais. Os irmos, ento, se unem para
cometerem juntos o assassinato do pai, partilham e devoram seu corpo. Essa
comunho totmica produz uma identificao com o pai morto, tornando-se a
lei simblica. Essa identificao e esse acesso lei fundam a sociedade.
Assim, os dois primeiros tabus: no matar o totem (substituto do pai), e no se
casar com os pais (tabu do incesto), constituem a transposio social do
complexo de dipo. Portanto, na perspectiva freudiana, o complexo de dipo
o ncleo psquico da cultura e da sociabilidade.
Freud (1921) assinalou, ainda, que no h diferenas essenciais entre a
psicologia individual e social. O objetivo de sua teorizao era compreender o
que mantm um grupo unido. A partir disso, formulou sobre as relaes do
ideal de ego com o lder e o mecanismo de identificao no grupo. Atravs do
processo de identificao, as pessoas elegem um lder que se tornar ideal e o
responsvel por todos e por todas as decises do grupo. Cria-se um
sentimento de iluso grupal e os membros passam a achar que o lder capaz
de amar a todos sem distino. Conseqentemente, o indivduo age de forma
7
impulsiva, atuando mais pela emoo, havendo uma diminuio da
racionalidade e do senso crtico.
A respeito das possibilidades de desdobramentos da cincia
psicanaltica, Freud, em 1919, afirmou:
Tocarei de relance numa situao que pertence ao futuro . . . Os senhores sabem que
as nossas atividades teraputicas no tm um alcance muito vasto . . . Vamos presumir
que, por meio de algum tipo de organizao, consigamos aumentar os nossos nmeros
em medida suficiente para tratar uma considervel massa da populao . . .. Defrontar-
nos-emos, ento, com a tarefa de adaptar a nossa tcnica s novas condies (p.180-
181).
Tomaremos como referncia a nomenclatura que Kas (1976b)
apresenta em seu livro Teorias Psicanalticas de Grupo, no qual o autor rene
autores diversos que, em sua maioria, fundaram escolas independentes de
pensamento e que, ao mesmo tempo, passam a fazer parte de certo contnuo
histrico. Nesse estudo, vamos nos reter aos pontos mais importantes das
teorias dos seguintes autores:
Anos 40 - escola inglesa: Foulkes e Anthony (1957) e Bion (1961); Anos 50 escola latino-americana: Pichon-Rivire (1980) e
Bleger (1979);
Anos 60 escola francesa: Anzieu (1966) e Kas (1976). Dentre as principais contribuies de Foulkes e Anthony (1957)
destacamos a viso do grupo como totalidade, portanto, mesmo o que ocorre
em um indivduo dentro de um grupo, pensamentos, falas ou sofrimento e
adoecimento, tambm resultado das foras em jogo no grupo e constituem
uma via de acesso s mesmas.
8
Os autores afirmam que a vida do ser humano processa-se em grupos
que se transformam continuamente, assim como a concepo do homem, de
seu grupo e da relao entre ambos est em constante desenvolvimento
(geogrfico, econmico, histrico, cultural). Assim, para eles, o sentimento de
fazer parte de algum grupo, de ser seu membro efetivo, e capaz de
compartilhar, so algumas experincias positivas da vida humana, sem as
quais nenhuma sade possvel.
Outro aspecto assinalado pelos autores que em termos de
desenvolvimento da pessoa, o grupo est primeiro. Antes de o indivduo se
afirmar como unidade independente, j se encontra modelado pela experincia
do estar em grupo. Essa posio pode ser reavaliada luz das investigaes
do desenvolvimento inicial da relao de objeto em que se descobre a
progressiva diferenciao do Eu a partir da matriz de relao primria.
No grupo tambm ocorre a funo de espelho, no qual o indivduo entra
em confronto com vrios aspectos de si mesmo a partir da relao com o outro
(processo primitivo de diferenciao ocorrendo ao longo da vida). E o
fenmeno de cadeia que promovido pela associao livre circulante, onde
cada participante contribui com um elo, principalmente quando algum tema
coletivamente condensado liberado.
Segundo Foulkes e Anthony (1957), outro fenmeno encontrado nos
grupos a ressonncia (termo retirado da fsica) que consiste, a partir dos
estgios psicossexuais do desenvolvimento, quando algo interfere no processo,
ocasiona uma regresso a uma fase anterior, deixando o indivduo fixado. No
grupo cada participante poder apresentar uma tendncia de reverberar a
situao grupal de acordo com o estgio psicossexual em que se encontra. Ao
9
conceito de ressonncia, acrescentamos que, como um jogo de diapases
acsticos, a comunicao que trazida por um membro do grupo ressoa em
outro, o qual, por sua vez, vai transmitir um significado afetivo equivalente,
apesar da diferena de contexto narrativo, e assim por diante. A funo do
coordenador discernir o tema comum, realizar uma sntese, extrair o que
comum das mensagens emitidas e integr-las em um todo coerente e
unificado. Consideramos que esses fenmenos podem ser encontrados no
grupo interdisciplinar da sade mental que foi pesquisado, e em qualquer
grupo.
Bion (1961), outro autor da escola inglesa, elaborou seu trabalho sobre
grupos a partir das suas experincias nos perodos da Segunda Guerra
Mundial e ps-guerra, representando relevante contribuio para o estudo dos
grupos humanos num momento de grandes transformaes sociais,
econmicas e polticas.
O autor trabalhou em um hospital psiquitrico militar com 400 soldados
veteranos no qual reinava o no cumprimento dos deveres e a anarquia.
Comeou a realizar encontros grupais nos quais os internos tinham liberdade
de expresso das emoes. Aos poucos, observou que os soldados
apresentavam maior organizao nas atividades cotidianas e cooperao em
suas condutas. Deste modo, constatou que os grupos proporcionavam relaes
interpessoais mais satisfatrias e um espao acolhedor e continente das
angstias.
Bion (1961) assinala que o grupo cria um campo favorvel de estudo
para aspectos individuais e coloca em evidncia fenmenos psicolgicos que
10
no podem ser estudados no contexto individual, revelando algo que no
visvel de outra maneira.
importante mencionarmos, nos valendo das idias do autor acima, das
quais compartilhamos, que os objetivos do grupo so s vezes interrompidos
ou ocasionalmente promovidos por emoes inconscientes. Para Bion (1961),
ansiedades psicticas esto presentes nos grupos e os supostos bsicos
seriam formas do grupo defender-se dessas ansiedades.
A partir disto, o autor formulou trs suposies bsicas presentes em
todo grupo humano: o suposto de dependncia, o suposto de luta e fuga e o
suposto de acasalamento.
No suposto de dependncia o lder o centro de um culto em pleno
poder, uma estrutura grupal em que um dos membros um deus, uma
teocracia em miniatura. esperado de o lder assumir a posio de suprir as
necessidades e fornecer amparo para o grupo imaturo, o qual permanece na
posio de ser saciado completamente. Neste grupo, o lder um ser que
existe para providenciar que nenhum acontecimento desagradvel seja
causado pelas irresponsabilidades dos membros.
O suposto de luta ou fuga opera contra algo a que o grupo percebe
vagamente como tais inimigos. O lder considerado adequado aquele que
protege e mobiliza o grupo para atacar ou fugir.
No suposto bsico de acasalamento, surge o sentimento de esperana,
de que algo est por vir e a ateno se volta para o futuro:
. . . ser uma pessoa ou uma idia que salvar o grupo na realidade, dos sentimentos
de dio, destrutividade ou desespero de seu prprio grupo ou de outro mas a fim de
realizar isso, evidentemente, a esperana messinica nunca deve ser alcanada . . .,
11
pois apenas enquanto permanece sendo uma esperana, que a esperana persiste
(Bion, 1961, p.139).
As suposies bsicas possuem semelhanas mtuas e vo se
alternando no grupo, denotando um estado primitivo do desenvolvimento. A
participao instintiva e involuntria e suas caractersticas comuns so a
dificuldade de colaborao entre os membros e a presena de emoes
intensas, como ansiedade, medo, dio e amor.
Bion (1961) tambm formula o conceito de grupo de trabalho (grupo T),
ou evoludo, que se ope ao grupo (ou momentos do grupo) dominado pelos
supostos bsicos. Estes fenmenos (grupo T e supostos bsicos) so prprios
da realidade de grupo. Porm, para o autor, esses fenmenos compem a vida
cotidiana de todas as pessoas, isto porque estes fenmenos de grupo no se
do somente em grupos teraputicos, j que no h indivduo que viva fora de
grupos por mais isolado em tempo e espao que ele esteja.
O grupo T reconhece a necessidade de compreenso e de
desenvolvimento e ao longo de seu processo se sobressai, a despeito das
interferncias das emoes regredidas. O grupo tem como obstculo as
emoes arcaicas, porm estas so responsveis em auxiliar o
desenvolvimento maturacional de seus membros.
Em nosso estudo, investigamos se na reunio de trabalho, a finalidade
para a qual a equipe fora constituda era coerente com o resultado obtido.
Investigamos, tambm, se ocorreu dos membros criarem dificuldades onde
aparentemente no existiam, e no reconhecerem aquelas mais importantes,
se ignoraram o planejamento do dia, ou discutiram sem rumo e tomaram
decises que, ao sarem da reunio, logo teriam esquecido.
12
Pichon-Rivire (1980) tambm ofereceu contribuies relevantes acerca
do processo grupal. Seus estudos partiram de um trabalho, realizado em 1958,
denominado Experincia Rosrio. Esse trabalho foi desenvolvido,
primeiramente, divulgando-se uma pesquisa sob o tema grupos na cidade de
Rosrio, na Argentina. Foram formados quinze grupos com os interessados e
estes coordenados de forma a favorecer a comunicao entre os membros. A
experincia foi realizada por profissionais do Instituto Argentino de Estdios
Sociales (IADES), com carter interdisciplinar, acumulativo e de ensino
orientado.
Concordamos com o autor quando afirma ser impossvel conceber uma
interpretao do ser humano sem levar em conta seu contexto e sua influncia
na constituio de diferentes papis que assumimos ao longo da vida. O autor
desenvolveu o conceito de grupo operativo como um conjunto de pessoas com
um objetivo comum que procura atingir trabalhando como equipe. O trabalho
do grupo operativo consiste no treinamento para trabalhar como equipe.
Pichon entende por grupo operativo aquele centrado em uma tarefa de
forma explcita (por exemplo: aprendizado, cura, diagnstico de dificuldade), e
uma outra tarefa de forma implcita, subjacente primeira. O objetivo da
tcnica abordar, atravs da aprendizagem, os problemas pessoais
relacionados com a tarefa promovendo a capacidade de pensamento. A esse
respeito, parece-nos vlido que o grupo operativo uma tcnica de
investigao que possui, indiretamente, uma funo teraputica.
Com base na definio de grupo operativo, investigamos se nas
reunies do grupo interdisciplinar, o objetivo comum era a interao dos
membros, de modo a refletir sobre as prticas de trabalho e os
13
relacionamentos interpessoais. Teve por objetivo criar condies para que seus
membros enfrentassem juntos as angstias e sofrimentos suscitados pelo
trabalho? Ou foi um grupo que no ofereceu apoio e acolhimento s emoes
dos participantes? Cumpriu o objetivo para o qual se disps? Tomou as
reunies um carter administrativo?
O autor distinguiu trs momentos, como um processo evolutivo,
presentes no grupo: a pr-tarefa, a tarefa e o projeto.
Na pr-tarefa ocorrem os mecanismos de defesa, resistncias
mudana, ansiedades frente ao desconhecido, de perda e ataque, e tem como
objetivo postergar a elaborao dos medos bsicos. Nessa fase, as defesas
so de caractersticas esquizoparanide, conforme formulou Klein (1957).
Observam-se condutas parcializadas e dissociaes entre o pensar, agir e
sentir. Realizam-se tarefas sem sentido apenas para passar o tempo, o que
acaba por gerar uma insatisfao entre os integrantes. O que paralisa o
movimento e bloqueia a tarefa a fantasia inconsciente de angstias
depressivas e paranides relativas ao processo de mudana, a conseqente
perda de antigos padres e surgimento de acontecimentos novos para o qual o
sujeito no se sente preparado.
necessrio o enfrentamento e a elaborao das ansiedades
persecutrias para que o grupo entre na tarefa e, conseqentemente, na
posio depressiva. A noo de tarefa envolve, necessariamente, a
constituio de vnculos. Desse modo, o termo tarefa exige que, no grupo,
ocorra uma elaborao psquica concomitante realizao daquela
explicitamente colocada, pois, para Pichon, no h incompatibilidade entre
realizar um trabalho e o desenvolvimento psquico. Na tarefa ocorre a
14
integrao entre o sentir, o pensar e o agir. Segundo o autor, este o conceito
de sade e d-se na posio depressiva.
O projeto decorre da tarefa e promove o planejamento para o futuro.
Nessa fase, ocorre uma ampliao da percepo do indivduo e maior
possibilidade do situar-se como sujeito e intervir nas situaes. No grupo
operativo, a comunicao, a aprendizagem, o conhecimento e a realizao de
tarefas coincidem com a cura.
Aqui levantamos a hiptese se a equipe interdisciplinar, que foi
estudada, processou-se em termos de realizao da tarefa, ou seja, cumpriu
com seus objetivos de reflexo sobre a execuo das atividades profissionais,
e se teve uma funo teraputica para seus prprios membros.
Bleger (1979), por sua vez, complementa dizendo que os grupos podem
proporcionar tanto o adoecimento aos seus membros como a cura, a
desorganizao e a organizao, o processo de integrao e a desintegrao:
O grupo operativo nos ensina, que num grupo, pode ocorrer no apenas uma
degradao das funes psicolgicas superiores e uma reativao de nveis
regressivos e psicticos . . ., mas tambm pode-se alcanar o mais completo grau de
elaborao e funcionamento dos nveis mais integrados e superiores do ser humano,
com um rendimento que no se pode alcanar no trabalho individual (p. 93).
Anzieu e Kas trouxeram contribuies para o estudo psicanaltico de
grupos ao estabelecerem que os grupos se constituem dentro de um
referencial corporal (Terzis, 2006).
Para Anzieu (1966), o grupo uma colocao em comum das imagens
interiores e angstias dos integrantes. O autor parte da perspectiva do grupo
como objeto de investimento pulsional propondo a analogia do grupo com o
sonho, dizendo que o desejo realizado no grupo e no sonho um desejo
15
reprimido no dia anterior. No entanto, o desejo realizado no grupo e no sonho
, tambm, um desejo reprimido de infncia, pois o contexto grupal promove
uma regresso de seus membros. Alm disso, o desejo, no grupo e no sonho,
diz mais respeito ao desejo fixado em um sintoma ou uma estrutura patolgica
que ao desejo emergindo do inconsciente.
Este universo da realizao do desejo est em estreita relao com
aquilo que o autor identificou como iluso grupal que para ele um estado
psquico particular que se observa tanto nos grupos naturais quanto nos grupos
teraputicos e que os integrantes expressam como um sentimento de
integrarem um bom grupo e terem um bom lder. Anzieu (1966) especifica as
condies para a iluso grupal, dizendo que poderia ser compreendida como
defesa contra as ansiedades despertadas pela situao de grupo.
Os estudos psicanalticos feitos sobre grupos, depois de Freud,
organizam-se sob a hiptese de que o grupo, enquanto conjunto intersubjetivo
o lugar de uma realidade psquica prpria (Kas, 1976).
Kas (1976), por sua vez, formulou o projeto de uma metapsicologia
psicanaltica dos conjuntos intersubjetivos, propondo a hiptese de um
aparelho psquico grupal. O autor explicita a idia de que o grupo o lugar de
uma realidade psquica prpria, realidade esta que seria produzida, contida,
transformada e gerada pelo que ele chamou de aparelho psquico grupal. A
relao entre este aparelho psquico grupal e o aparelho psquico proposto por
Freud torna-se uma questo fundamental para Kas. Segundo Terzis (2005),
esta questo contm em si uma dimenso epistemolgica relativa s
possibilidades de trnsito entre diferentes contextos tericos, contendo uma
investigao sobre a constituio do sujeito em sua relao ao grupo e uma
16
preocupao indita de compreender e nomear as modalidades e formas de
relao entre o sujeito e o grupo.
Para Kas (1976), grupo tambm designa a forma e a estrutura de uma
organizao de vnculos intersubjetivos, sob o prisma de que as relaes entre
vrios sujeitos do inconsciente produzem formaes e processos psquicos
especficos. Uma teoria restrita do grupo descreve o grupo familiar, uma
equipe de trabalho (itlicos nossos), um bando, etc (p.18), e estabelece
classificaes de acordo com as variveis e distingue as organizaes e os
efeitos de subjetividade prpria.
17
1.2 - Algumas compreenses psicanalticas sobre os grupos nas
instituies
Nesta parte pensamos ser importante trazer algumas concepes
psicanalticas sobre as relaes grupais estabelecidas no contexto das
instituies. Baseamo-nos no pressuposto de que a instituio, ainda que seja
um campo heterogneo ao da psicanlise tradicional, constitui-se um
dispositivo capaz de manifestar os efeitos do inconsciente, tornando possvel
um trabalho de inspirao psicanaltica.
Bleger (1979) foi um dos autores que desenvolveu estudos voltados
compreenso dos grupos nas instituies. O Diccionario de psicologa y
psicoanlisis, citado pelo autor, define instituio como uma organizao
permanente de algum aspecto da vida coletiva, regulada por normas,
costumes, ritos ou leis. Afirma que o termo pode ser usado de forma abstrata
(por exemplo, a instituio do matrimnio) ou especfica (um clube local, um
estado ou governo, uma priso, uma igreja). Autores como Bleger e Kas
ocuparam-se em discriminar essas duas acepes do termo, diferenciando-as
em instituio e organizao. Para Bleger (1979), a instituio refere-se ao
conjunto das normas, regras e atividades agrupadas em torno dos valores e
funes sociais. J para o termo organizao, o autor reserva aquela
disposio hierrquica das funes que geralmente ocorrem no interior de uma
rea delimitada, como um edifcio, por exemplo.
Bleger (1979) afirmou, ainda, que os grupos so instituies complexas.
Se por um lado cada grupo constitudo por um conjunto de instituies, por
outro, ele tem a tendncia de se estabelecer como uma organizao. Em
18
outras palavras, um grupo tem a tendncia de passar a existir por si mesmo,
tornando o objetivo inicial cada vez mais marginalizado. Uma instituio pode
cristalizar-se e as relaes interpessoais passam a causar uma reao
teraputica negativa, gerando um grupo antiteraputico. No s os grupos, mas
toda organizao corre o risco de ter seus objetivos primrios deixados em
segundo plano, submetidos a uma ordem e normatizao alienantes.
O autor ocupou-se em descrever o conceito de sociabilidade, sendo o
primeiro nvel de identidade e funcionamento de um grupo, o da sociabilidade
por interao, que se baseia no nvel consciente, dos dilogos manifestos, dos
indivduos relacionando-se discriminadamente e comunicando-se verbalmente.
Num segundo nvel, inconsciente, Bleger chamou de sociabilidade
sincrtica ou simbitica, quando ocorre a interao indiscriminada entre seus
membros, a linguagem no-verbal e a comunicao onipresente que transita
por todos e pertence a todos:
Essa sociabilidade muito particular, que se caracteriza por uma no-relao e por uma
indiferenciao, na qual cada indivduo no se diferencia do outro ou no se acha
discriminado do outro, e na qual no existe discriminao estabelecida entre eu e no-
eu, nem entre corpo e espao, nem entre eu e o outro (Bleger,1979, p.105).
As instituies no servem apenas de defesa contra as angstias
psicticas, mas so depositrias da sociabilidade sincrtica dos indivduos e,
por isso, tm uma tendncia para a burocratizao e resistncia mudana. O
autor acrescenta que as equipes administrativas de um hospital, por exemplo,
(e aqui incluiramos as instituies de sade mental) tm esta tendncia de se
estabelecerem como organizaes em que os meios superam os fins. E que as
dificuldades e resistncias mudana encontradas nestas instituies no
19
provm somente dos pacientes e de suas famlias, mas tambm do prprio
corpo de trabalhadores.
O autor ainda afirma que o grupo e a organizao so a personalidade
de seus membros. Da se compreende a necessidade de um trabalho
desenvolvido com a equipe tcnica das instituies. Ao mesmo tempo, fica
clara a sua importncia: se o grupo e a organizao so a personalidade de
seus membros, as tentativas de mudanas nas organizaes podem produzir
mudanas drsticas, levando possivelmente desagregao da personalidade
(Bleger, 1979).
Bleger (1979) prope que seja realizada uma quarta revoluo
psiquitrica que esteja orientada para o desenvolvimento de trabalhos de
preveno. Afirma que temos conhecimentos e tcnicas muito desenvolvidas,
mas necessitamos de estratgias diferentes na atuao institucional, seja nas
instituies de sade mental, hospitalares, ou demais organizaes. Em suas
palavras: . . . possvel que a melhor gesto dos nossos meios no seja a de
organizar grupos teraputicos, mas de dirigir os nossos esforos e os nossos
conhecimentos para a prpria organizao (p. 70).
A esse respeito, Schneider (1997) tambm aponta para a questo das
equipes de atendimento nas instituies. Assinala que para que haja mudanas
no ambiente institucional e, conseqentemente, no atendimento oferecido
populao, necessrio trabalhar as equipes:
Reforar aos membros dos grupos, em suas instituies, a possibilidade de tomar suas
prprias decises, respeitar suas diferenas e compreender seu processo, para que
possam se desenvolver com suas caractersticas e foras inerentes sua realidade,
a parte mais importante e complexa do trabalho de atendimentos a grupos em
instituies (p. 411).
20
Kas (1988) tambm assinala que os grupos nas instituies podem ser
um palco para possveis discusses que so meras repeties de idias,
bloqueio da capacidade de pensamento, surgimento de sentimentos
poderosos, dios incontrolveis, ataques contra a inovao e contra processos
de diferenciao de seus participantes. Ao mesmo tempo, o grupo um local
frtil para a criao e o desenvolvimento de seus membros, local que oferece
vitalidade e dinamismo.
Para o autor, o sofrimento institucional provm de diferentes fontes: do
prprio fato institucional, das caractersticas e estrutura inconsciente de uma
instituio especfica, assim como da configurao psicolgica do prprio
sujeito. Ele identifica ainda o sofrimento oriundo das prprias vicissitudes da
vida, das limitaes, desiluses e renncias enfrentadas por cada um e,
tambm, dentro da instituio.
O sofrimento ocorrido pelo fato institucional em si seria aquele
decorrente dos contratos, acordos e pactos estabelecidos consciente e
inconscientemente, das relaes que necessariamente implicam dissimetria e
desigualdade, das exigncias recebidas em comparao com os benefcios,
pelas falhas institucionais, especialmente em garantir os termos contratados.
Kas afirma que uma instituio pode falhar por excesso, por falta ou por
inadequao das formas contratuais. Uma das formas dessa falha o no-
fornecimento de uma iluso que garanta os investimentos imaginrios,
identificaes narcsicas e sentimentos de filiao que possibilitem a realizao
de seu projeto.
A iluso importante porque sustenta o risco e os sacrifcios produzindo
o resultado almejado. Uma instituio nova no pode dispensar a iluso de ser
21
inovadora e conquistadora. As equipes de um novo centro de tratamento so
recrutadas na esperana de participar dessa aventura. (Kas, 1988, p. 53).
Quando isto no ocorre, h ataques dos sujeitos para a instituio e dela para
eles. Os fracassos decorrentes podem ser compreendidos como sofrimentos
advindos da funo instituinte, que pode estabelecer desejos de realizao
inacessveis, ausncia de leis ou leis parciais impostas a seus membros.
H que se considerar tambm os entraves para a realizao da tarefa
primria e o surgimento de tarefas paralelas, concorrentes e at contraditrias,
que em muitos casos assumem a supremacia. Um ponto importante a ser
avaliado nestes casos que a natureza dos investimentos psquicos
mobilizados na tarefa primria interfere nos resultados. Em instituies ligadas
formao ou tratamento humano, por exemplo, o tipo de vinculao com a
tarefa mobiliza partes psquicas e exige investimentos para os quais o sujeito
no necessariamente est estruturado, podendo gerar defesas que traro
ainda mais sofrimento. Esta distncia que se cria entre a tarefa primria e o
funcionamento psquico institucional que ela causa, dificultam a criao de um
espao psquico de conteno, ligao e transformao na instituio.
Encontramos em Osrio (1997) a afirmao, assim como para Bleger,
de que todo grupo humano tende a institucionalizar-se e criar uma identidade
prpria. O autor descreve os mecanismos obstrutivos nos grupos e nas
instituies que manifestam-se de forma insidiosa, latente e contnua,
debilitando os grupos e minando seus objetivos.
O autor utiliza o conceito de pulso de morte de Freud para analisar a
forma de inrcia ao movimento em direo vida, ao desenvolvimento, a
diferenciao e a considerao pelo outro. Nos grupos podem surgir obstculos
22
s interaes afetivas, menos considerao pelo outro, ausncia da
cooperao. Os processos obstrutivos podem ser exteriorizados tambm como
florescimento da inveja, da arrogncia, do servilismo, da hipocrisia, e sabotam
o desenvolvimento de um grupo e destruir seus princpios fundamentais,
trazendo como conseqncia, a inrcia e a estagnao (Osrio, 1997).
23
1.3 - Perspectiva interdisciplinar no trabalho em equipe
Nesta parte, trataremos de algumas questes da sade pblica no Brasil
e trabalhos em equipes multiprofissionais.
A histria da sade e da doena mental passa por explicaes mgicas
e msticas, percorre a excluso, encarceramento e explorao econmica.
Deflagra a luta antimanicomial e a reforma do modelo assistencial, at chegar
ao processo atual de busca pela humanizao em seu tratamento (Coga &
Vizzotto, 2002-2003).
A legislao brasileira que organiza o Sistema nico de Sade (SUS)
orientada pela Constituio Federal de 1988, as leis federais n 8.080, de 19 de
setembro de 1990, e n 8.142, de 28 de dezembro de 1990, as quais visam
incorporar aes de promoo, proteo e recuperao da sade,
fundamentando um conceito de sade que deixa de ser centrado na doena, e
visa um novo modelo de ateno integral em sade.
A constituio de 1988 props diretrizes polticas inovadoras a fim de
melhorar a qualidade da ateno sade no pas. Dentre elas, destacamos: o
conceito abrangente de sade considerando o meio fsico, socioeconmico e
cultural, fatores biolgicos e o acesso aos servios de preveno e cura; o
direito de todos s aes de sade, sendo do poder pblico o dever de prover
tal direito; e o estabelecimento do SUS.
Desta forma, o conceito de sade, segundo o Ministrio da Sade (MS,
2007), amplo e deve ser definido como um fator resultante de condies de
alimentao, habitao, educao, renda, meio ambiente, trabalho, transporte,
lazer, liberdade e acesso a servios de sade. Este processo aponta para uma
24
concepo em que sade no se reduz ausncia de doenas, e sim a uma
vida com qualidade.
A busca da conquista da sade enquanto direito, com um novo modelo
de assistncia s pessoas, foi, e ainda articulada por trabalhadores da sade
mental, usurios e seus familiares, que reivindicaram, principalmente a partir
dos anos 1980, a garantia dos direitos das pessoas com sofrimento psquico, e
que, amparados pelos princpios e diretrizes do SUS, de universalidade,
integralidade, igualdade, eqidade, descentralizao e participao da
comunidade, tm mais argumentos legais para enfrentar este desafio (Coga &
Vizzotto, 2002-2003).
Podemos acompanhar que desde 1992, o MS (2007), prev em sua
portaria n 224/92 servios condizentes com a nova poltica de sade mental.
Essa portaria regulamenta os seguintes atendimentos em regime ambulatorial:
a Oficina Teraputica (OT) que se caracteriza por ser um espao onde se
desenvolvem atividades grupais de expresso e insero social (a equipe que
foi alvo dessa pesquisa presta esse atendimento); o Centro de Ateno
Psicossocial (CAPS), que utilizado como intermedirio entre o hospital
psiquitrico e o atendimento no ambulatrio; a Sade Mental em Unidade
Bsica de Sade (UBS), que exige uma equipe mnima composta por:
psiclogo, assistente social e psiquiatra; o Ambulatrio de Especialidade que
exige a composio completa de equipe multidisciplinar; e a Residncia
Teraputica, para pacientes que receberam alta do hospital psiquitrico.
Em 2001, foi aprovada a lei 10.216, conhecida como a lei da reforma do
modelo assistencial, a qual dispe sobre a proteo e os direitos das pessoas
portadoras de transtornos mentais, e ainda, redireciona o modelo assistencial
25
em sade mental. Essa lei e as portarias subseqentes do MS (2007)
determinam a progressiva desinstitucionalizao e desospitalizao das
pessoas com sofrimento psquico, levando os antigos manicmios a serem
substitudos por servios de sade mental, os quais devem seguir a lgica da
descentralizao e da territorializao do atendimento em sade, prevista na lei
federal que instituiu o SUS.
Apesar de ser um processo lento e com desafios e dificuldades, h
conquistas, que tm estimulado a constituio de redes de ateno
psicossocial de base comunitria, substitutivas ao modelo centrado na
internao hospitalar, como forma de garantir os direitos dos usurios com
transtornos mentais (MS, 2007). Neste novo modelo de cuidado, h mudanas
no tratamento dos usurios, o qual: passa a ser humanizado; h a disposio
de equipes multidisciplinares para o acompanhamento teraputico; os usurios
adquirem tambm o papel de agentes no prprio tratamento; e conquistam o
direito de se organizar em associaes e cooperativas, promovendo a insero
social de seus membros.
Para acompanhar o processo da sade em geral foi criada a Poltica
Nacional de Humanizao (PNH) de ateno e gesto no SUS, conhecida
como Humaniza SUS. De acordo com essa diretriz, a humanizao na rea da
sade se remete s seguintes propostas: tica - todos passam a ser co-
responsveis, trabalhadores e usurios, pelas aes em sade; esttica -
busca abranger o sistema de produo de sade de pessoas vistas
subjetivamente como autnomas e protagonistas desse processo; poltica -
organizao social e institucional das prticas de ateno e gesto do SUS.
26
O processo de humanizao deve ser orientado pelos seguintes valores:
autonomia, co-responsabilidade, protagonismo dos sujeitos envolvidos,
solidariedade entre os vnculos estabelecidos, respeito aos direitos dos
usurios e participao coletiva no processo de gesto (MS, 2007).
A construo desse processo foi possibilitada pela evoluo social,
mudanas culturais, evoluo na formao dos profissionais e avano para
uma medicao mais eficaz. Segundo Antunes e Queiroz (2007) o processo de
humanizao da sade originou-se nos movimentos de reformas sanitrias,
pela conquista de uma ampliao no conceito de sade, que passou a
incorporar entre seus determinantes, as condies de vida e a deslocar no
sentido da comunidade, a assistncia que era focada como mdico-hospitalar,
no processo de ateno sade.
A reflexo constante por parte daqueles que atendem uma clientela
carente de recursos emocionais e financeiros corresponde PNH do SUS em
sade mental que prope transformar o modelo assistencial e construir um
novo estatuto social. A garantia dos direitos das pessoas com sofrimento
psquico, levando em conta os princpios e diretrizes do SUS, supe a criao
de uma rede de servios de ateno psicossocial, de base comunitria (MS,
2007).
Quando se pensa em humanizao na sade h a valorizao de
diferentes sujeitos: usurios, familiares, trabalhadores e gestores, que esto
envolvidos num contexto maior que a comunidade. Esse processo de
humanizao passa por todos os sujeitos e, tambm, pela construo de trocas
solidrias e comprometidas com a dupla tarefa de produo de sade e
produo de sujeitos.
27
Portanto, de acordo com a PNH, para que ocorra, de fato, a
humanizao na sade, necessrio que se construam e se mantenham
espaos de reflexo e de transformao constantes das prticas profissionais e
que por meio de decises compartilhadas, a equipe possa se nutrir para novos
desafios. Um dos princpios norteadores dessa poltica , justamente, o
fortalecimento do trabalho em equipe multiprofissional e a gesto do trabalho
em sade. O Ministrio prope a promoo de aes que assegurem a
participao dos trabalhadores nos processos de discusso e deciso,
fortalecendo-os e valorizando-os na sua motivao, no autodesenvolvimento e
no crescimento profissional.
A questo do trabalho em equipe multiprofissional, por sua vez, j era
enfatizado por Basaglia (1985) em suas crticas instituio manicomial. A
nfase de sua proposta envolvia a diminuio de leitos nos hospitais
psiquitricos e o desenvolvimento de servios compostos por equipes
multiprofissionais, capazes de responder s necessidades de ser e de
integridade dos seres humanos.
Sade um fenmeno integral que s pode ser acessvel a um conjunto
de especialidades em constante interao e dilogo. Por isso, cada vez mais
crescente a necessidade e a busca por abordagens humanizadas s pessoas
em sofrimento por parte dos profissionais de sade que as assistem. Portanto,
a abordagem multidisciplinar a que mais se aproxima da viso da
complexidade que caracteriza os cuidados em sade, numa tentativa de
superao do enfoque biomdico, remediativo e fragmentado.
Para Toledo (2004) e Oliveira e Alessi (2003), a justificativa fundamental
do trabalho em equipe multidisciplinar a busca do reconhecimento do ser
28
humano em sua totalidade. Essa viso global do indivduo confirmada no
processo de humanizao proposto pelo SUS, o qual prope a constituio dos
profissionais da sade como co-responsveis por um trabalho coletivo de
superao das prticas hegemnicas biolgicas. A atuao conscientizada do
tcnico de seu papel profissional e social, inserido em um contexto social e
poltico, possibilita a escolha por prticas de trabalho que visem, tambm, ao
resgate desta condio ao usurio.
Scherer et al. (2007) definem que o trabalho em equipe tem como ideal
a ao integrada e complementar de cuidados com o intuito de oferecer um
atendimento humanizado ao usurio. Observam que so fatores determinantes
no trabalho em equipe, a distribuio e articulao das tarefas tcnicas, a
clareza do papel profissional de cada um, bem como do outro, os limites e a
responsabilidade de cada rea de atuao.
Antunes e Queiroz (2007) tambm descrevem que a perspectiva
multiprofissional reside na concepo de que o conhecimento sobre o ser
humano se processa em campos ampliados, e no em mundos particulares e
isolados. Desse modo, a proposta de um novo paradigma assistencial conduz o
profissional a reflexes sobre a prtica, estimula novas formas de pensar, fazer
sade e trabalhar a sade mental.
A respeito das distintas terminologias utilizadas na denominao de
trabalhos em equipe, como assinalado no incio dessa pesquisa, os estudos de
J.P.L. da Silva e Tavares (2003) consideram que, embora a literatura assinale a
existncia de diferenas entre tais termos, h uma carncia de anlise quanto
s relaes estabelecidas nessas prticas. Alguns autores, como Crevelin e
Peduzzi (2005), reforam a importncia de que a perspectiva de aes
29
integradas, independente da denominao que recebem, tem-se constitudo
em indicativos para a organizao da assistncia em sade.
As definies para trabalho em equipe destacam uma concordncia em
relao aos aspectos significativos sua construo, estrutura e composio, e
esto em consonncia com os pressupostos presentes nas equipes em geral,
no pertencentes ao setor da sade. Os pontos cruciais que esto na base de
formao de qualquer equipe podem ser identificados como: desempenho,
responsabilidade e tomada de deciso coletiva, e uso de habilidades e
conhecimentos complementares. Em contrapartida, nas equipes,
especificamente, de sade verificamos a existncia de situaes especficas ao
setor, que impactam a sua estruturao, tais como: relaes de poder e
dominncia de um discurso particular, resultando na excluso de outro, e falta
de confiana interprofissional (Pinho, 2006).
Dentre as definies dos termos sobre trabalho em equipe, no estudo de
Waidman e Elsen (2005), o termo multidisciplinaridade empregado quando a
soluo de um problema necessita da obteno de contribuies de duas ou
mais cincias sem que as disciplinas envolvidas no processo sejam
enriquecidas mutuamente. J a interdisciplinaridade considerada pelos
autores, como o nvel em que a interao entre vrios conhecimentos conduz a
uma reciprocidade no intercmbio e a um enriquecimento.
Os estudos de Almeida Filho (1997) tambm sugerem algumas
definies de trabalho em equipe:
Multidisciplinar: a agregao de duas ou mais reas do conhecimento, sem que os profissionais implicados com um mesmo tema
30
estabeleam entre si efetivas relaes tcnicas. Funciona com a justaposio
de disciplinas, sem cooperao sistemtica entre si.
Pluridisciplinar: processam-se as relaes entre as disciplinas, com algum grau de cooperao, mas sem ocorrer coordenao comum de
aes.
Interdisciplinar: processo de aes recprocas, enriquecimento mtuo e tendncia a horizontalizao das relaes de poder entre os campos.
Transdisciplinar: integrao das disciplinas, implicando na criao de um campo novo que desenvolver uma autonomia perante as disciplinas
que o compem.
Peduzzi (2001) observa que os estudos sobre equipes abordam a
questo estritamente tcnica, em que o trabalho de cada profissional
apreendido como conjunto de atribuies e tarefas, sem se considerar a
articulao dos trabalhos. Dessa forma, o trabalho em equipe multiprofissional
tomado como uma organizao a priori, j dada, devido ao fato de existirem
profissionais de diferentes reas atuando conjuntamente.
A partir disso, a autora desenvolve um conceito e uma tipologia de
trabalho em equipe e os critrios de reconhecimento de seus tipos, analisando
aspectos de complementaridade, articulao das aes, comunicao entre os
agentes, questionamento das desigualdades estabelecidas entre os diversos
trabalhos e o reconhecimento do carter interdependente da autonomia
profissional.
A tipologia de trabalho em equipe multiprofissional distinguida, por
Peduzzi (2001), como equipe agrupamento e equipe integrao. A equipe
agrupamento seria caracterizada pela fragmentao, ocorrendo a justaposio
31
das aes e o agrupamento dos agentes e uma maior nfase na especificidade
dos trabalhos. Ocorre, tambm, a complementaridade objetiva dos trabalhos
especializados, convivendo com a independncia do projeto assistencial de
cada rea tcnica, denotando uma concepo de autonomia plena dos
agentes. A equipe integrao, por sua vez, definida pela articulao das
aes e a interao de seus agentes e flexibilidade da diviso do trabalho. H
complementaridade e colaborao no exerccio da autonomia tcnica e no h
independncia dos projetos de ao de cada profissional (Peduzzi, 2001).
Concordamos com a autora quando refere que o trabalho em equipe
uma modalidade de trabalho coletivo que se configura na relao recproca
entre as intervenes tcnicas e a interao dos diferentes profissionais. A
partir da relao estabelecida entre trabalho e interao, os profissionais
podem construir consensos que configuram um verdadeiro projeto assistencial
comum, em torno do qual se d a integrao da equipe de trabalho.
Por isso, a elaborao de um projeto assistencial comum trata-se de um
plano de ao para uma situao concreta de trabalho coletivo em equipe. Os
agentes partem de uma realidade dada, que toma em considerao o projeto
assistencial hegemnico, biomdico, e dentro de certo campo de
possibilidades, constroem, por meio de suas atividades tcnicas cotidianas, um
projeto pertinente s necessidades de sade, com base no dilogo e no
reconhecimento intersubjetivo, investindo na construo conjunta de um projeto
assistencial que abarque a complexidade e a multidimensionalidade da sade.
importante mencionarmos, ainda nos valendo das idias da autora
acima, das quais compartilhamos, a questo das diferenas ou desigualdades
das diversas categorias profissionais. As diferenas tcnicas de trabalho
32
acabam por configurarem-se, desnecessariamente, desiguais quanto a sua
valorizao social:
As diferenas tcnicas transmutam-se em desigualdades sociais entre os agentes de
trabalho, e a equipe multiprofissional expressa tanto s diferenas quanto as
desigualdades entre as reas, e concreta e cotidianamente, entre os agentes-sujeitos
do trabalho. (Peduzzi, 2001, p. 107).
Em nossa experincia profissional, observamos que, na situao de
trabalho coletivo em que h menor desigualdade entre os diferentes trabalhos e
agentes, ocorre maior integrao na equipe, pois medida que o trabalho em
equipe construdo em uma relao de interao, maiores as possibilidades
dos profissionais interagirem em situaes livres de coao e de submisso.
A autora, finalmente, destaca a necessidade de se preservar as
especificidades de cada trabalho, assim como a flexibilizao da diviso de
cada rea profissional. Os profissionais realizam atividades prprias de suas
reas, mas tambm podem executar aes comuns, nas quais esto
integrados campos distintos. Os dois tipos de intervenes, as especficas e as
comuns, compe o projeto assistencial construdo, de fato, pela equipe como
um todo (Peduzzi, 2001).
Devemos mencionar, tambm, a existncia de algumas dificuldades no
trabalho em equipe, como a questo da diviso social e tcnica do trabalho,
resultado de um processo de especializao do saber na formao acadmica
dos profissionais, acabando por gerar uma viso reducionista e fragmentada do
ser humano. Alm disso, concordamos com Pinho (2006) quando afirma que
h, ainda, muita confuso acerca dos conhecimentos, habilidades e atitudes
que compreendem a prtica desse trabalho.
33
Por isso, nos valendo das idias de Scherer et al. (2007), das quais
compartilhamos, enfatizamos a importncia da implementao de estratgias
para amenizar os conflitos, exigindo a criao de um espao para a reflexo
acerca da prtica direta junto ao usurio, bem como da busca de coeso.
Coeso entendida como o oferecimento de apoio e formao de vnculos,
favorecendo a integrao da equipe e das aes, ou seja, as reunies
sistemticas dos profissionais que compem a equipe surgem como recurso
para integrar as diversas formas de sentir, pensar e agir.
Especificamente a respeito das reunies de equipe, encontramos
diversos estudos que ressaltam sua importncia. Dentre os quais, citamos o
estudo de Matumoto et al. (2005) que considera as reunies de equipes como
promotoras da construo da grupalidade e de um projeto de trabalho na
perspectiva de possibilitar que as prprias equipes analisem suas prticas e
reflitam sobre como trabalhar (p.10).
Para tanto, necessria a criao e a manuteno de um espao
continente, onde todos se sintam predispostos s trocas mtuas sobre as
vivncias de seu dia-a-dia profissional, bem como a refletir sobre maneiras de
atenu-las. Um ambiente favorvel aos relacionamentos equipe-equipe e
equipe-usurio que proporcione a tolerncia s frustraes; o suporte das
ansiedades, das impotncias e dos conflitos decorrentes de rivalidades
profissionais; a convivncia com as diferenas de atuao profissional; e,
principalmente, o trabalho em equipe.
Sobre isso, L. M. Silva e Santos (2006) acrescentam que somente um
trabalho de efetiva integrao e o estabelecimento de inter-relaes entre as
diversas disciplinas proporcionar a criao de condies propcias para
34
enfrentar a complexidade do cuidar. Nesse sentido, a busca de aes
integradas na prestao de servios e a associao entre assistncia, ensino e
pesquisa so estratgias importantes para a construo de uma prtica
assistencial comprometida com as reais condies de vida da populao.
Esses autores relatam a experincia de reunies semanais da equipe e
enfatizam a importncia da comunicao entre os membros. H uma . . .
preocupao de se fomentar condies propcias para que se crie a
possibilidade de se perceberem as falhas e lacunas nas condutas da equipe,
sendo que dificuldades podem ser gradualmente repensadas e reavaliadas
(p.418). Enfatizam, ainda, que devido s peculiaridades enfrentadas no
cotidiano profissional, muitas vezes surgem questionamentos sobre a
necessidade de a prpria equipe tambm ser cuidada:
O exerccio da interdisciplinaridade muito exigente. O momento do encontro no
resultado de um desdobramento natural, mas deve ser pacientemente construdo pela
equipe interdisciplinar . . .. aprender a observar a si mesmo enquanto se olha para o
outro. E aprender tambm a olhar para o outro ao olhar para si. Atuar enquanto equipe
integrada e afinada com os mesmos pressupostos terico-clnicos exige muito trabalho,
dedicao e f na capacidade coletiva de gerir problemas humanos (L.M.Silva &
Santos, 2006, p.419).
A busca de suporte emocional para a equipe implica no reconhecimento
da necessidade dos profissionais envolvidos manterem um constante dilogo
entre si (nvel interpsquico) e consigo mesmos (nvel intrapsquico), com o
intuito de assegurar qualidade ao atendimento. Desse modo, pode-se melhorar
no somente a qualidade de vida de quem cuidado, como tambm a de quem
cuida.
Diante deste contexto da sade mental pblica no Brasil, a escolha de
uma equipe interdisciplinar em sade mental, pareceu-nos uma oportunidade
35
para compreender algumas experincias emocionais da mesma, tendo como
pano de fundo esse cenrio.
36
2 - OBJETIVOS
2.1 - Objetivo Geral
O presente trabalho foi realizado, concomitantemente, com as atividades
que a autora desenvolve numa instituio de sade mental infantil, como
psicloga. Teve como objetivo geral investigar algumas experincias
emocionais de uma equipe interdisciplinar, da qual a mesma faz parte, com o
intuito de compreend-las a partir dos vnculos que se formam.
2.2 - Objetivos Especficos
Descrever alguns fenmenos e processos emocionais que foram produzidos no aqui-agora do grupo;
Compreender os fenmenos emocionais ocorridos nas relaes interpessoais e na execuo das tarefas profissionais da equipe.
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3 - MTODO
O mtodo cientfico consiste em uma tentativa de desenvolver
concepes sobre o homem, a natureza e o conhecimento segundo o momento
histrico e as convices da comunidade cientfica (A.C.B. da Silva, 2003).
Essa pesquisa seguiu uma abordagem qualitativa sob orientao do
mtodo psicanaltico de grupos, mais especificamente, os conceitos de Freud e
os autores Anzieu e Kas para compreenso da experincia grupal. Teve como
objeto de investigao as produes do inconsciente; nesse caso, da equipe
interdisciplinar. Para Anzieu (1966), esse mtodo o nico mtodo cientfico
utilizvel para o estudo das manifestaes do inconsciente, e que no h
nenhum campo no qual o mtodo geral da psicanlise seja inaplicvel.
Tal mtodo permite ainda, observar, descrever e compreender em
profundidade os fenmenos humanos a partir de uma relao entre o
pesquisador e o objeto de estudo. a postura de considerar o particular, com a
intencionalidade de compreender o que est acontecendo.
A psicanlise chamada de aplicada um conjunto de prticas do
mtodo geral com as devidas transposies necessrias do mtodo tradicional
de acordo com o campo, com a natureza dos sujeitos envolvidos e com o
objetivo do trabalho.
Anzieu (1966) procurou:
. . . aplicar a teoria e a clnica psicanaltica compreenso no somente dos grupos
ditos ocasionais ou artificiais . . ., mas dos grupos sociais ditos reais ou naturais
(associaes, organizaes de todas as espcies, equipes de trabalho, reunies
profissionais, etc. [itlicos nossos]) (p. 48).
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No entanto, coloca que para isto preciso admitir a tese segundo a qual
o essencial o inconsciente, tanto nos grupos naturais como artificiais. O autor
afirmou que sua metodologia operativa, tanto para a compreenso
psicanaltica, quanto para a interveno nos grupos.
Para Anzieu (1966), h duas maneiras diferentes de estudar o grupo de
acordo com o objetivo desejado: 1 o grupo humano como uma sociedade em
miniatura objeto de estudo da sociologia; e 2 o grupo humano como um
encontro de pessoas, local de confronto e de laos, fora de qualquer referencial
social. Essa segunda perspectiva a do estudo psicanaltico dos grupos, quer
sejam ocasionais como os grupos de . . . psicoterapia quer se trate de grupos
sociais reais (p.62). O autor tambm apresentou os seguintes critrios de
cientificidade os quais devem ser submetidas s hipteses sobre os processos
inconscientes a qualquer que seja o campo onde se aplicar a psicanlise:
- a cada tipo de fato observado deve corresponder uma hiptese que o
justifique, e cada hiptese deve se apoiar num material clnico significativo e
preciso;
- cada hiptese deve caber num corpo coerente de hipteses prprias a
esse campo, bem como ligar-se ou ser deduzida de hipteses j estabelecidas
em psicanlise geral;
- cada hiptese tem de confirmar sua verdade por sua fecundidade em
outro domnio que no aquele sobre o qual foi estabelecida.
Anzieu (1966) retoma as regras reguladoras descritas por Ezriel no que
diz respeito interpretao (no caso da pesquisa, o que a particulariza o
aspecto de ficar reservada compreenso e anlise dos resultados obtidos):
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- deve configurar-se uma interpretao no-histrica, de modo a
evidenciar angstias, defesas e desejos inconscientes atuais;
- deve ser endereada ao conjunto dos participantes.
Kas (1976) tambm estabeleceu algumas condies em que o grupo
pode constituir um paradigma metodolgico apropriado a anlise. Para ele,
enquanto mtodo, o grupo uma construo, um artifcio, regulado por um
objetivo, o inconsciente, que no pode ser atingido de outra maneira com os
mesmos efeitos.
Segundo o autor, a utilizao do grupo como mtodo tornou possvel a
emergncia de processos psquicos, permitindo por em suspenso seus
vnculos com as formaes que funcionam nos grupos empricos. Desse modo,
no so as formaes sociais, culturais, polticas que so objeto da anlise,
mas seus efeitos psquicos. No caso de nossa pesquisa, no foram as
questes sociais envolvidas no trabalho da equipe, o objeto preferencial da
investigao, mas seus efeitos, na medida em que foram traduzidos no campo
da realidade psquica do grupo interdisplinar.
3.1 - Participantes
Os participantes da pesquisa foram os profissionais e estagirios da
equipe. O grupo com o qual trabalhamos foi um grupo natural, que constitui
uma equipe interdisciplinar de uma instituio de sade mental infantil.
A equipe foi composta por 15 pessoas, incluindo a pesquisadora-
participante, sendo 8 profissionais de nvel superior e 7 estagirios
universitrios, 12 mulheres e 3 homens, na faixa etria entre 20 e 34 anos, das
reas de Psicologia, Terapia Ocupacional, Servio Social, Fonoaudiologia e
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Educao Fsica (anexo I). Os participantes tm suas horas de trabalho
distribudas durante a semana. Os profissionais formados apresentam
graduao entre 6 meses e 10 anos e o subgrupo de estagirios esto entre o
5 e 9 perodo de curso universitrio.
Os membros da equipe enfrentam dificuldades emocionais dirias, como
angstias, inseguranas, rivalidades, impotncias, desencontros,
desentendimentos e conflitos nas relaes entre si, diante das necessidades
dos usurios e das limitaes com o trabalho de sade mental no pas.
Todos os nomes dos participantes, com exceo do nome da
pesquisadora-participante, foram excludos e mantidos em sigilo atravs de sua
substituio por nomes fictcios aleatrios, bem como o nome das crianas
atendidas na instituio que foram citadas pelos participantes ao longo das
reunies.
3.2 - Campo de Pesquisa
A pesquisa foi realizada em uma instituio de sade mental infantil em
uma cidade do interior do estado de So Paulo. uma instituio filantrpica
de utilidades pblicas federal, estadual e municipal que est instalada em uma
chcara com 12 mil m2.
A instituio supracitada foi fundada em 1968, por psiquiatras infantis
engajados no movimento da reforma psiquitrica brasileira. Na poca, o
atendimento era voltado a crianas e adolescentes portadores de transtornos
psquicos graves, os quais recebiam um tratamento psiquitrico sob regime de
internao hospitalar integral, nos moldes de comunidade teraputica. Em
1994, os atendimentos foram reformulados, tendo como alicerce a atual poltica
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de sade mental, oferecendo, desde ento, um acompanhamento ambulatorial
multidisciplinar, em regime de Oficina Teraputica (OT) e Centro de Ateno
Psicossocial da Infncia (CAPSi) tendo participado da pesquisa apenas os
componentes do primeiro grupo (OT).
Para realizar seus atendimentos, a instituio recebe verba por meio de
convnio firmado com o SUS pela Prefeitura do municpio, alm da ajuda da
comunidade.
O espao utilizado para o fim da pesquisa foi o mesmo em que a equipe
costumava se reunir, sendo uma sala com cadeiras iguais, dispostas em
crculo, e com uma mesa ao centro. um ambiente arejado, bem iluminado, e
que por vezes foi interrompido pelos demais funcionrios da instituio em
situaes emergenciais.
3.3 - Instrumento
Grupo de Formao surgiu em 1965, quando Anzieu e Kas (1989)
ministraram um curso de psicanlise de grupo. A tcnica grupo de formao foi
desenvolvida num campo de relaes institucionais e grupais dos profissionais
envolvidos com o curso.
Segundo os autores, essa experincia estimulou o estudo sobre o
mtodo e a teoria de grupo, como exemplo, os conceitos de imaginrio e iluso
grupal, a transferncia e a liderana como expresso da resistncia, o
processo ideolgico, a regresso, o aparelho psquico grupal e a anlise
intertransferencial.
O grupo de formao, proposto por eles, tem por objetivo a reflexo
sobre as prticas de trabalho de seus membros visando o amadurecimento
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pessoal e profissional. Para os autores, o grupo permite tambm a investigao
cientfica sobre o campo do comportamento humano e grupal. Alm disso,
favorece aos participantes meios apropriados para resolver alguns dos
problemas que acometem todo o grupo. No prev uma estruturao rgida, os
temas e assuntos so trazidos espontaneamente pelos integrantes, pois seu
objetivo permitir que cada um viva e compreenda uma experincia de grupo
e, com isso, possa compreender seu prprio modo de ser em grupo, assim
como o do outro.
No livro Crnica de un grupo, o qual relata essa experincia, Anzieu e
Kas (1989) frisaram que pretendiam tecer comentrios e no fazer anlise das
pessoas. Os apontamentos se centraram na anlise das formaes psquicas,
nos processos revelados, atuantes e ativos na construo do grupo.
3.4 - Procedimentos
A experincia que realizamos no foi planejada para ser um objeto de
pesquisa. Foi e continua sendo uma experincia normal de trabalho da
pesquisadora. Entretanto, a questo do trabalho de grupo tema freqente de
sua inquietao e questionamento. Assim, desde o incio do mestrado, o tema
a ser pesquisado era esse.
Considerando que se trata de um grupo natural, uma questo que se
imps logo de incio era quanto ao tipo de procedimentos que deveramos
utilizar. Torna-se importante ressaltar que no tivemos a meta de dar aos
dados que sero relatados um carter imparcial, mas pelo contrrio,
pretendemos aproveitar-nos da condio da pesquisadora ser membro do
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grupo de profissionais, de forma a ampliar o campo da observao, trazendo
diversas possibilidades de olhares para os fenmenos observados.
importante salientar que, como a pesquisadora trabalha nessa
instituio, quando a pesquisa iniciou j havia um enquadre determinado nas
reunies da equipe, com regras estabelecidas, que foi mantido ao longo do
estudo, j que essa a prtica (de reunies de equipe) que diferencia a
instituio e a de seu maior interesse. O enquadre das reunies apresenta
caractersticas bastante particulares, no encontradas na literatura
especializada, mas se assemelha ao grupo de formao (Anzieu & Kas,
1989), conforme descrito no item anterior.
Outro aspecto importante que tambm foi considerado era o fato dos
componentes da equipe no participarem das reunies espontaneamente, pois
estas fazem parte da carga horria estabelecida pela instituio a cada
funcionrio. No entanto, foi confirmado pelo grupo que os espaos de
discusso so valorizados e considerados importantes para a manuteno dos
atendimentos.
Uma vez que a funo da pesquisadora tambm era a de participante da
equipe, seu papel durante o estudo foi no s de observar, mas tambm de
intervir, com o objetivo de contribuir para o desenvolvimento do grupo,
pautando-se por uma disposio afetiva de estar em grupo, conforme era a
postura nas reunies antes mesmo do estudo. Acreditamos, ainda, que a
prtica das reunies prvias pesquisa no interferiu em nossa anlise, visto
que nosso objetivo era apresentar e analisar o aqui-agora do grupo.
Inicialmente, foi solicitada permisso direo da instituio para a
participao dos profissionais e estagirios interessados em colaborar com a
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pesquisa (anexo II). Aps a autorizao da direo, levei para a reunio da
equipe informaes sobre a mesma. Todos os participantes tinham o
conhecimento sobre a pesquisa de mestrado que a autora estava
desenvolvendo. No entanto, de modo formal, nessa reunio, receberam
esclarecimentos acerca dos seus objetivos.
Retomei com o grupo o enquadre das reunies (conforme ser
detalhado no prximo item), que era de conhecimento de todos. Ressaltei que
o prvio funcionamento da reunio foi o fator decisivo para a utilizao da
mesma para o fim desse estudo. Expliquei tambm como seriam realizados os
registros das reunies (conforme item 3.4.2). Finalmente, coloquei que a
experincia de pesquisa permaneceria durante seis reunies.
Surgiram algumas dvidas em relao anlise dos resultados, as
quais foram esclarecidas pela pesquisadora. Aps toda a explanao, os
integrantes do grupo receberam com interesse e aceitaram prontamente
participar da pesquisa. Cada membro assinou um Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido (anexo III) que assegura aos participantes de pesquisa
envolvendo seres humanos. Foram recolhidos alguns dados de identificao
como: idade, rea e tempo de graduao ou perodo em que se encontra
graduando.
Algumas pessoas expressaram verbalmente que consideravam
importante a pesquisa: a pesquisa poder contribuir para o crescimento da
equipe, em particular, e para a instituio como um todo; muito bom a
instituio contar com uma profissional que est estudando, fazendo
mestrado; ser bom saber o resultado da pesquisa; o trabalho em equipe
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sempre foi o forte da instituio, pois sempre tivemos como preocupao as
reunies.
Aps esta primeira etapa, combinei com os participantes de que
iniciaramos a tarefa na prxima reunio da equipe.
3.4.1- Funcionamento das reunies da equipe
A pesquisa utilizou-se de um grupo fechado (com tempo de durao e
freqncia pr-determinado e sem mudana dos integrantes) e homogneo
(somente profissionais e estudantes das reas de sade e educao). As
reunies ocorreram semanalmente, sempre s sextas-feiras, das 8 s 10 horas
(com exceo da primeira que foi realizada das 9 s 12 horas). A metodologia
adotada pela instituio determina que as reunies da equipe tenham como
objetivo:
- proporcionar aos integrantes a vivncia de participarem como
membros de um grupo;
- permitir a elaborao das tenses e ansiedades geradas no trabalho
com os pacientes e nas diversas atividades profissionais, e no cumpre
funes teraputicas;
- no ter temas prefixados e as pautas das reunies serem construdas
por todos, pois a temtica depender da livre participao dos membros. Em
sntese, o grupo tinha um objetivo consistente: refletir sobre as prticas
profissionais diversas e os relacionamentos interpessoais estabelecidos entre
os membros do grupo.
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Dessa forma, as reunies da equipe, em consonncia com o grupo de
formao, proposto por Anzieu e Kas (1989), reservam-se s manifestaes
da capacidade de pensar dos integrantes.
3.4.2- O registro
Os registros foram realizados da seguinte maneira: em cada reunio, um
membro do grupo escrevia todo o contedo discutido que, ao final, era lido em
voz alta para todos os integrantes. Conforme havia a necessidade de
alteraes, essas eram feitas pelo redator. Aps estar em comum acordo para
o grupo, ento o material foi utilizado para o fim da pesquisa. O procedimento
adotado visou objetividade no estudo, fidedignidade do registro e iseno da
subjetividade do redator.
Devido ao fato dos prprios integrantes registrarem as reunies,
pudemos observar os diferentes estilos encontrados nos registros, enquanto
uns foram mais detalhistas, anotando as falas literais dos participantes, outros
foram mais concisos. Algumas anotaes tambm foram feitas pela prpria
pesquisadora-participante do grupo e referiram-se a aspectos que, no
transcorrer das reunies, lhe chamaram a ateno de um modo particular.
O material anotado pelos participantes e as impresses da autora
possibilitaram o trabalho de anlise e interpretao. No foi realizado, de modo
geral, um registro exaustivo e minucioso das reunies, conforme modelo
proposto por Anzieu e Kas (1989). Entretanto, entendemos que isso no
diminui o valor do mesmo (Faria, 2003).
Anzieu e Kas (1989) discutem a questo do registro no grupo:
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1 o suposto registro completo da reunio envolveria o uso de
equipamentos como, por exemplo, aparelho de mp3 e filmadora. Entretanto, a
simples presena dos mesmos constituiria um elemento artificial e
possivelmente perturbador para o grupo;
2 o registro detalhado habitualmente utilizado como revestimento
para uma tentativa de demonstrar um aparato tecnolgico considerado neutro.
Porm, a dificuldade de esclarecer o sentido dos registros no se resolve
somente a partir do acmulo pretensamente objetivo dos dados;
3 por mais que se tente realizar um registro completo de uma reunio
de equipe, impossvel obt-la, uma vez que as variveis presentes so
diversas: verbalizao, gestos, silncios, manipulao de objetos, tom de voz,
pessoas falando ao mesmo tempo e o clima emocional do grupo;
4 por mais que se acumulem os registros, o processo de transcrio
para a linguagem escrita transforma necessariamente a situao. As regras da
escrita interferem nas transcries das falas e das cenas vivenciadas. Portanto,
no podemos reduzir a experincia ao que dela se consegue registrar e
transcrever.
Desse modo, os registros a partir dos quais esse estudo foi
desenvolvido contm lacunas, mas compreendemos que poco importa en tal
caso que el registro no sea exhaustivo: notas precisas y pertinentes bastan . . .
(Anzieu & Kas, 1989, p. 13)
3.5 - Anlise dos resultados
A anlise do material teve como base o modelo qualitativo de pesquisa,
de modo que foram estudadas as experincias emocionais no processo do
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grupo. Baseamo-nos na tcnica de Anlise do Contedo, conforme proposto
por Mathieu (1967) e Kas (1977). Tal anlise visou ultrapassar a mera
descrio do contedo das mensagens, com aplicao de inferncias que
possibilitam uma interpretao aprofundada e apontou os temas-chaves de
cada reunio do grupo. A anlise interpretativa dos contedos foi realizada
concomitantemente por dois psiclogos com conhecimento sobre psicanlise
de grupo, utilizando-a como referencial terico. As leituras das reunies
permitiram descrever em detalhes, os fenmenos recorrentes, que apareceram
na situao do grupo, resultantes do processo reflexivo. Mathieu (1967)
considera que a organizao dos temas de um relato mostra a maneira pela
qual o inconsciente se revela e o sentido surge quando se considera o conjunto
dos temas de um relato, denotando o material das produes emocionais.
Tendo esse enfoque como norte, foi, a princpio, definido que
utilizaramos seis reunies em nossa anlise. Entretanto, levando em
considerao a densidade e riqueza do material, optamos por utilizar apenas
quatro reunies, deciso que tambm foi tomada por acreditarmos que essas
seriam suficientes para responder aos nossos objetivos. Para que pudssemos
acompanhar o desenvolvimento do grupo, utilizamos: a primeira e a segunda
reunio; a quarta que representou praticamente o meio do processo; e a ltima
o que possibilitou acompanhar a trajetria percorrida pelo grupo (Auko, 2007;
Cociuffo, 2001; Terzis, 2005b).
Inicialmente, foi realizada uma anlise vertical, a partir da qual cada
reunio foi analisada, discutida e interpretada, por meio das falas apresentadas
pelos participantes, bem como das suas comunicaes no-verbais, buscando
desvelar significados simblicos. Em seguida, realizamos uma anlise
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horizontal, procurando discutir resultados, baseando-nos nas teorias
psicanalticas de grupo.
Construmos nossa experincia com o intuito de obter uma visualizao
do funcionamento e das transformaes ocorridas no grupo, at