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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA CYNTIA DA SILVA ANDRADE “NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA”: Memória, Turismo e o Místico na paisagem de Xique-Xique de Igatu, Andaraí-BA. ILHÉUS - BAHIA 2005

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

CYNTIA DA SILVA ANDRADE

“NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA”: Memória, Turi smo e o Místico na paisagem de Xique-Xique de Igatu, Andaraí-BA.

ILHÉUS - BAHIA 2005

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CYNTIA DA SILVA ANDRADE

“NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA”: Memória, Turi smo e o Místico paisagem de Xique-Xique de Igatu, Andaraí-BA.

Dissertação apresentada, para obtenção do título de Mestre em Cultura & Turismo, à Universidade Estadual de Santa Cruz/ Universidade Federal da Bahia. Área de Concentração: Política, planejamento e configuração de produtos e serviços turísticos.

Orientadora: Profª. Dr.ª Marília Gomes dos Reis Ansarah.

ILHÉUS - BAHIA 2005

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Andrade, Cyntia da Silva.

“NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA”: Memória, Turismo e o Místico na paisagem de Xique-Xique de Igatu, Andaraí-BA.

Ilhéus (Ba): UESC/ UFBA, 2005. vi, 178 p. Dissertação (Mestrado) - Universidade Estadual de Santa Cruz/ Universidade Federal da Bahia. Bibliografia.

1. Percepção ambiental 2. Espaço místico 3.Mapas Mentais 4. Planejamento turístico.

I. Título

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CYNTIA DA SILVA ANDRADE “NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA”: Memória, Turi smo e o Místico em

Xique-Xique de Igatu, Andaraí-BA.

Dissertação apresentada, para obtenção do título de Mestre em Cultura & Turismo, à Universidade Estadual de Santa Cruz/ Universidade Federal da Bahia. Área de Concentração: Política, planejamento e configuração de produtos e serviços turísticos. Orientadora: Profª. Dr.ª Marília Gomes dos Reis Ansarah.

Ilhéus - Ba, 13/05/2005.

_________________________________________________________________________ Marília Gomes dos Reis Ansarah

UESC (Orientadora)

________________________________________________________________________ Elias Lins Guimarães - Dr.

UESC (Co- orientador)

_________________________________________________________________________ Luiz Gonzaga Godoi Trigo - Drª

USP

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho aos meus

pais, Aidil e Holmes, meus irmãos Keu, Ká, Dão, Kary e

Cassinha, meus sobrinhos Thay, Danillo, João Arthur e

Danielle, meu namorado Fausto e à memória dos meus avós

José Gomes da Silva e Deolinda Vieira Gomes. Amores da

minha vida e memória da minha terra.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu pai pelo patrocínio e pela doce e adorável companhia.

À Profª. Dr.ª Marília dos Reis Gomes Ansarah, pela tão presente e dedicada

orientação.

Ao Prof. Dr. Elias Lins Guimarães, pela co-orientação tão preciosa e estimada.

À amiga e Profª. MSc. Luciana Souza (UNEB –BA) presente na construção do projeto

e elaboração da pesquisa, um estimulo à parte.

Ao Prof. Dr. Hélio Estrela Barroco, pela dedicação ao curso.

À coordenadora do Curso, Profª. Drª. Sandra Sacramento.

Ao Prof. Dr. Mauricio Moreau pela paciência e colaboração durante elaboração dos

lindos mapas.

Aos Professores que por aqui passaram pelos ensinamentos.

À CAPES, pelo incentivo à pesquisa.

Às amigas Anna e a Letícia, pelo companheirismo e momentos de alegria que

passamos.

Aos colegas do curso, pelo convívio, amizade e contribuições ao trabalho.

À Graça Argolo, pela atenção e eterna solidariedade.

Ao Núcleo de Bacia Hidrográfica (NBH), da UESC pelo empréstimo do GPS.

As meninas do IPHAN (Lençóis-BA) pelo mapa concedido.

À Profª. Drª Marjorie Nolasco (UEFS-BA) pelo trabalho realizado em Igatu.

Ao Seu Binha, Guina, Dona Tonha, Dona Zelita, Dona Joselita, Seu Antônio, Merça,

Seu Edgarzinho, pelos relatos de afetividade a Xique-Xique.

À Amarildo pela estimada colaboração e dedicação.

Aos moradores de Xique-Xique de Igatu pela hospitalidade e depoimentos concedidos.

Às minhas tias Dag, Lú e Má pela hospitalidade em Andaraí e principalmente pelo

carinho e empenho em procurar fotos do baú e memórias da nossa família para embasar a

pesquisa.

Aos amigos e familiares que suportaram a ausência e pelo apoio cedido.

Às minhas irmãs Cassinha, sempre pronta a colaborar com toda sua sabedoria e

precioso carinho e Keu pelas cópias e fotos enviadas.

A Wagner Guerreiro pelas fotos concedidas.

E ao meu namorado, companheiro de todas as horas.

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No meio do caminho tinha uma pedra Tinha uma pedra no meio do caminho Tinha uma pedra No meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drummond de Andrade

Quem viveu, como eu vivi, por longos e longos anos a vida áspera de garimpeiro; quem lidou, como lidei, com aventureiros de toda espécie, arranchados nas margens dos rios com a obsessão de arrancar, de entre o cascalho, o diamante valioso que os enriqueceria; quem, lá no sertão agreste, enfrentando a hostilidade do meio, na sucumbiu na luta contra e as feras; quem enfim, assistiu às cenas a que assisti, num mundo cheio de surpresas e cheio de perigos, tem, por certo, muita coisa para contar.

Minha vida nos garimpos, p.05.

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“NO MEIO DO CAMINHO TINHA UMA PEDRA”: Memória, Turismo e o Místico na

paisagem de Xique-Xique de Igatu, Andaraí-BA.

Autora: Cyntia da Silva Andrade

Orientadora: Profª. Dr.ª Marília Gomes dos Reis Ansarah

RESUMO

Investigação da percepção dos moradores da vila de Igatu, Andaraí-BA, quanto à memória, o turismo e o imaginário. Objetiva-se identificar a significação dos lugares para formulação de mapas representativos dos lugares de memória e da memória do lugar para uso turístico. Especificamente, busca-se caracterizar as áreas de visitação turística, compreender os sentidos que os moradores dão ao ambiente, identificar os significados dos espaços turísticos e as diferentes manifestações do místico na paisagem e verificar a aplicabilidade dos mapas mentais como parâmetro para o planejamento turístico da localidade. Foca-se a história de Igatu por meio de narrativas orais dos antigos moradores da época do garimpo, as relações sócio-espaciais e uso do patrimônio ambiental na atividade turística, além das interpretações e representações dos espaços vividos e do espaço místico na paisagem. O procedimento de campo se deu através de registros de informações êmicas, observação participante, entrevistas semi-estruturadas e construção de mapas mentais como forma de coletar informações e conhecimentos de maneira sintética e visual. O resgate destas informações pode contribuir para tomadas de decisão locais, nos âmbitos político, administrativo e socioeconômico, com ênfase no planejamento turístico.

Palavras-Chave: Percepção ambiental; Espaço Místico; Mapa Mental; Planejamento turístico.

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“IN THE MIDDLE OF THE ROAD THE WAS A STONE” : Memory, Tourism and the

Mystic landscape Igatu of Xique-Xique , Andaraí-BA.

Author: Cyntia da Silva Andrade

Adviser: Profª. Dr.ª Marília Gomes dos Reis Ansarah

ABSTRACT

Investigation of percepcion of people who lives in Vila of Igatú, Municipality of Andarai, at Bahia State, relating to memory, tourism and its imaginarious. The objective is identify the places signification to formulate representative place memory maps for turistic usage. Especifically we looked for turistic area characteristics by visiting and understand the environment signification that the local people give for them. Identify the turistic spaces significance and the differences of mysticism in the environment and verify the applicability of mental maps as a parameter to support a local turistic planning. The history of Igatú is focused on oral narratives from people who lived at the time of mining exploration and its social spacials relations and the use of environmental resources in the turistic activities and elaboration of interpretations and representations of lived spaces and mistycism. Field procedures were based on local traditions and costums information records, participative observations, semistructured interviews and mental maps constructions as tools to capture informations and knowledgment of sintetics and visual manner. The information recovery process contribute to support local decisions in the politicians, administratives and socialeconomics actions with emphasys of the turistic planning.

Keywords:: Environmental percption; Mystic spaces; Mental maps; Turistic planning.

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LISTA DE FIGURAS

Página Figura1: Mapa de localização de Igatu,Andaraí-BA ........................................................ 11 Figura 2: Mapa de acesso a Igatu ..................................................................................... 20 Figura 3: Entrada da vila .................................................................................................. 26 Figura 4: Túmulo do Cel. Aureliano de Britto Gondin .................................................... 29 Figura 5: Xique-Xique ((pilosocereus gouneillei) na galeria Arte & Memória ............... 31 Figura 6: Toca de garimpeiro ........................................................................................... 32 Figura 7: O mercado municipal na década de 1950 ......................................................... 34 Figura 8: O centro da vila de Igatu meados de 1960 ........................................................ 37 Figura 9: Ruínas do bairro Luís dos Santos ..................................................................... 38 Figura 10: Cartografia da memória: 1940-1950 .............................................................. 40 Figura 11: Diamantes na mão de um comprador ............................................................. 41 Figura 12: Modelo de apropriação homem-natureza baseado em Casseti (1995) ........... 60 Figura 13: O “novo bairro” de Igatu ................................................................................ 62 Figura 14: Mapa da Regionalização Turística da Bahia (PRODETUR 1991) ................ 62 Figura 15: Pólos Turísticos e Zonas Turísticas da Bahia – Regionalização do Prodetur 63 Figura 16: Mapa Lugar de Memória ................................................................................ 73 Figura 17: Bairro Luis dos Santos ................................................................................... 74 Figura 18: Ruínas do Bambolim ...................................................................................... 75 Figura 19: Igreja São Sebastião ....................................................................................... 76 Figura 20: Bosque de Eucaliptos ..................................................................................... 77 Figura 21: Cemitério ........................................................................................................ 78 Figura 22: Exposição da Galeria Arte & Memória........................................................... 79 Figura 23: Praça José Gomes ........................................................................................... 80 Figura 24: Morro do lava-pé ............................................................................................ 81 Figura 25: O Poço do Brejo ............................................................................................. 82 Figura 26: Rampa do Caim .............................................................................................. 85 Figura 27 Esboço técnico-metodológico da pesquisa ..................................................... 103 Figura 28: Esboço técnico-metodológico da pesquisa: a entrevista ................................. 104 Figura 29: Esboço técnico-metodológico da pesquisa: os mapas mentais ....................... 105 Figura 30: Esboço técnico-metodológico da pesquisa: procedimento final ..................... 106 Figura 31: Mapa mental: novo morador .......................................................................... 121 Figura 32: Mapa mental: novo morador .......................................................................... 122 Figura 33: Mapa mental: novo morador .......................................................................... 123 Figura 34: A visão êmica: os lugares e significados ........................................................ 125 Figura 35: A visão ética: os lugares e significados .......................................................... 125

Figura 36: Mapa mental- morador: lugar de memória ..................................................... 126 Figura 37: Mapa mental-novo morador: lugar afetivo ..................................................... 127 Figura 38: Mapa mental-morador: significados ............................................................... 128 Figura 39: Mapa mental-novo morador: significados ...................................................... 129 Figura 40: Mapa mental-novo morador: significados ...................................................... 130 Figura 41: Mapa paisagem-memória .............................................................................. 135

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SUMÁRIO

Página Resumo....................................................................................................................................vi Abstract...................................................................................................................................vii 1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................10 2. CAPÍTULO I: LUGAR DE MEMORIA... MEMÓRIAS DE UM LUGAR ...............18 2.1 Garimpando a história: “os narradores” de Igatu........................................................23 2.1.1 Pedra sobre pedra: a formação da vila .........................................................................25 2.1.2 O garimpo e a sorte ......................................................................................................42 2.2 O legado cultural: uma aproximação para o turismo...................................................48 3. CAPÍTULO II: DO DIAMANTE AO TURISMO - UMA RECENTE

APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO......................................................................................57 3.1 Nas trilhas do turismo......................................................................................................65 3.2 No caminho das pedras: os principais roteiros .............................................................69 3.2.1 Entre a natureza e a história: um roteiro turístico-cultural...........................................74 3.2.2 Igatu, a Machu Pichu baiana: um roteiro imaginário...................................................86 3.3 “Enquanto seu lobo não vem...”: o planejamento como aliado ambiental..................88 3.3.1 Os mapas mentais como recurso do planejamento local..............................................93 4. CAPÍTULO III: AS VÁRIAS INTERPRETAÇÕES DOS LUGARES

TURISTICOS..................................................................................................................100 4.1 Percepção, interpretação e representação: uma leitura ambiental............................107 4.2 O místico e a paisagem....................................................................................................111 4.3 Os mapas mentais e a percepção do lugar....................................................................116 4.3 Os significados e os lugares: o olhar êmico e o olhar ético .........................................124 4.3.1 Lugar de memória: Topofilia e Paisagem-memória....................................................130 4.3.2 O turismo e suas relações socioespaciais....................................................................139 4.3.3 O místico: imagem e representação ...........................................................................145 5. CONCLUSÃO.................................................................................................................155

REFERÊNCIAS..............................................................................................................162 Depoimentos............................................................................................................172

APÊNDICE ......................................................................................................................175 ANEXO ............................................................................................................................178

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1. INTRODUÇÃO

A Chapada Diamantina se constitui um dos maiores destinos turísticos da Bahia,

atraindo olhares e atenções dos mais diferentes grupos de pessoas que procuram desde um

passeio ecológico até aventuras mais radicais, uma maior aproximação com a natureza.

Localizada no semi-árido baiano, sua história está intimamente ligada a história da exploração

de minerais como o ouro e o diamante.

As cidades históricas do “Circuito do Diamante”, seguindo a regionalização da

Empresa de Turismo da Bahia S/A (BAHIATURSA,1991), como Lençóis, Iraquara, Seabra,

Palmeiras, Mucugê, Andaraí, Itaetê, Nova Redenção e Ibicoara, teve na extração do diamante

a construção de sua história. A saga do garimpo no sertão baiano, a natureza exuberante e as

paisagens que instigam a imaginação de antigos garimpeiros, hoje servem de apelo turístico

para pessoas atraídas pelo cenário histórico-ambiental do lugar.

Do final do século XIX até meados do século XX, o garimpo desenhou toda a

estrutura sócio-politica e econômica das cidades da Chapada Diamantina. Da mão de obra

escrava até o trabalho manual dos garimpeiros, as cidades foram tomando forma e se

erguendo no sertão semi-árido da Bahia em meio à riqueza, ambições e esperança de melhoria

de vida.

Das quatro principais cidades do diamante, Lençóis, Mucugê, Palmeiras e Andaraí, o

cenário de uma serra rica e promissora, aonde leitos de rios, grunas e escavações na terra seca

alicerça a vida e memória de garimpeiros que vieram de outras localidades e iniciaram o

processo de construção de lugares que apesar de terem sido foco da exploração do diamante,

tiveram suas peculiaridades e símbolos culturais que os particularizam.

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Andaraí é uma cidade de 13.884 mil habitantes1, distribuídos entre quatro distritos,

que ainda guarda em suas estruturas físicas, resquícios da história do garimpo. Dentre os

quatro distritos do município, surge Xique-Xique, ou simplesmente Igatu (Fig. 1) como hoje é

conhecida, como uma resistência à própria memória da saga do garimpo. Um resumo do que

se poderia chamar de “Museu Vivo do Garimpo” (Nolasco, 2000), onde as representações

históricas, culturais e da contemporaneidade se mesclam em um momento do espaço vivido

dos moradores da vila.

Figura 1: Mapa de localização de Igatu, Andaraí-BA. Elaboração: Prof. Dr. Mauricio Moreau (UESC-BA), com dados cedidos pela autora 2004.

Os poucos mais de 370 habitantes de Igatu são um reflexo do momento de glória

vivido no auge do garimpo, aonde a população chegou a casa dos 9.000 mil habitantes ávidos

pela riqueza e sucumbidos pela ambição que marcou a vida do lugar. Com a decadência de

1 Dado concedido pela Prefeitura Municipal de Andaraí com base no senso de 2000, realizado pelo Instituto Brasileiro de Estatística e Geografia (IBGE).

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alguns garimpos e principalmente com a participação de um ato político, no final da década

de 1950, Igatu viveu o momento que marcou a vida de sua população. A vila se esvaziou,

famílias inteiras foram embora em busca de sobrevivência e a vila quase “sumiu do mapa”,

permanecendo na inércia, resultado da relação de poder e intolerância que marcava o sertão

baiano.

No início dos anos noventa, a vila ressurge no cenário regional como um ponto de

visitação turística aos amantes de aventuras na natureza. A realidade do renascimento se

aproxima e alguns investimentos começam a ser realizado. Alguns antigos moradores, ou

parentes, começam retornar junto com novos moradores acalentados pelo despertar do novo

momento do lugar: a atividade turística.

O espaço passa a ser ressignificado numa mais recente forma de apropriação e assim o

turismo passa a reger e reestruturar o espaço construído. As trilhas, tocas, locas e demais

resquícios do garimpo se transformam em recursos turísticos acendendo uma nova chama de

esperança para quem viveu décadas sucumbidas entre os cascalhos e montoeiras da extração

garimpeira. Muda o apelo econômico, mas as relações socioespaciais são mantidas

(SANTOS, 1990). O turismo que chega não traz a esperança que outrora trazia ao garimpeiro,

mas é indício de vida e renascimento onde o legado do garimpo é hoje um recurso para o

turismo.

O turismo desperta a imaginação popular. Igatu é facilmente reconhecida por agências

e operadoras de turismo como a Machu Pichu Baiana, levando em conta principalmente às

paisagens residuais (COSGROVE, 1998) das ruínas de bairros abandonados pela história.

Esse processo de comunicação acaba levando a imaginação de um lugar também místico, de

experiências transcendentais. A relação Igatu e Machu Pichu é uma relação fantasiosa o que

não extrai uma provável aura mística que envolve o lugar.

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Da construção da vila pela atividade do garimpo, do processo de ocupação e

desfalecimento sócio-político e econômico, o turismo aponta como um viés para o

desenvolvimento (RODRIGUES, 1997) da economia - é um suspiro de vida para a população

que resistiu e manteve a vila pulsando mesmo fracamente. Hoje a população não é só de

garimpeiros, mas também de aventureiros e pessoas do bem que vieram somar para o

renascimento do lugar.

Compreender qual a percepção dos moradores da vila de Igatu quanto à memória, o

turismo e o imaginário, constitui o fio condutor dessa pesquisa através da adoção de

instrumentos metodológicos de representação espacial levando em conta a influência do

pensamento, da imaginação e dos sentimentos na produção da estrutura do espaço local.

Em busca de resgatar as histórias vividas por meio de narrativas orais, o espaço

percebido e representado pelos moradores da vila, como a população se relaciona e se

apropria do turismo, identificar o místico na paisagem e os significados dos lugares hoje

considerados turísticos a pesquisa transcorreu tendo os moradores antigos e nativos (19

entrevistados) e os moradores novos não nativos (07 entrevistados), além de alguns moradores

que trabalham diretamente com o turismo (06 entrevistados), como o quadro de amostra,

perfazendo o total de 32 entrevistados que atenderam os objetivos e expectativas da pesquisa

sob uma abordagem inteiramente qualitativa. A pesquisa ocorreu entre os meses de fevereiro,

abril e julho de 2004 visando angariar o maior numero de informações sobre o lugar.

A opção pelo estudo da percepção ambiental em Igatu leva em consideração os

anseios das comunidades locais sobre o espaço e o lugar, expressos através dos sentimentos,

experiências, interpretações e percepções espaciais, e foi motivada por fatores relevantes, tais

como:

(1º) a atividade turística é crescente na região;

(2º) o apelo ao espaço místico é agente impulsionador da prática do turismo;

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(3º) a atividade turística é um agente modificador da configuração espacial;

(4º) os moradores locais são depositários de informações relevantes sobre a produção

do espaço natural e cultural do lugar, fruto de observações diárias e experiências no trato de

suas atividades;

(5º) o resgate destas informações pode contribuir para as tomadas de decisões locais

em níveis políticos, administrativos e socioeconômicos.

A pesquisa bibliográfica e documental em busca de registros da história de Igatu foi o

primeiro passo, limitado pela pequena produção sobre o lugar. Fotos de arquivos particulares,

recortes de jornais e revistas completaram a fase de primeiras informações para compreensão

do lugar.

A construção da pesquisa se deu por meio de entrevistas semi-estruturadas (apêndice

A e B, p.176-177), com o método de observação participante (DENCKER, 1998), onde o

procedimento para definir o tamanho das amostras foi através de registros de informações

êmicas2 (POSEY, 1987), que foram fechando à medida que os memes3 foram surgindo. As

questões que balizaram as entrevistas foram a respeito da história e memória local sobre o

garimpo, a relação e compreensão com a atividade turística, a percepção do místico na

paisagem e os significados atribuídos aos lugares considerados turísticos. A amostra foi

considerada satisfatória quando os dados sobre as percepções da memória e do turismo além

das significações referentes aos lugares turísticos começaram a se tornar repetitivos.

Após as entrevistas foi solicitada a elaboração de mapas mentais4, buscando uma

maior compreensão do lugar. Essa metodologia constitui uma forma de coletar informações e

conhecimentos de maneira sintética e visual, onde os entrevistados manifestaram a percepção

do meio que condicionam sua vida diária. Os mapas mentais configuram-se como importantes

2 Termo tradicionalmente usado para designar a visão interna de uma sociedade. 3 Memes “são os menores pedaços reconhecíveis de informação cultural – os blocos de construção de idéias”. (Ball, J. A. .Memes as replicators: ethology....apud Marques, 2001). 4 Representação gráfica da imagem de paisagens e lugares.(AMORIM FILHO, 1996)

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instrumentos no processo de identidade local. Através deles foram revelados diferentes modos

de perceber o lugar, a partir dos referenciais específicos dos grupos entrevistados.

Os dados obtidos e trabalhados nesta pesquisa são basicamente de natureza qualitativa.

Seguindo orientações de Marques (2001), foram também realizadas parcimoniosas

quantificações no intuito de não diluir a dimensão humana no manancial numérico. Os

depoimentos foram registrados em fitas magnéticas (com auxílio de um microgravador) e

transcritos de forma a não perder os detalhes, pausas e inflexões de vozes. A pesquisa foi

delimitada em três capítulos perfazendo uma leitura ambiental da paisagem de Xique-Xique

de Igatu, partindo da percepção dos seus próprios moradores.

O primeiro capítulo está fundamentado nas histórias orais (THOMPSON, 1997;

BOSI,1994) narradas e contadas por antigos moradores, onde os lugares de memórias

(NORA, 1993; GASTAL, 2002) e as memórias do lugar (LE GOFF, 1996; FREIRE, 1997)

são componentes representativos da história da vila. As narrativas orais por meio da

percepção da memória, fazem da história oral um recurso de extrema importância para

preservação do patrimônio (CANCLINI, 1999), resgate da cultura local (GEERTZ, 1989),

afirmação de sua identidade (HALL, 2004), onde todo o legado cultural (BARRETTO, 2001)

do garimpo torna-se também um recurso turístico.

O segundo capítulo se refere a recente apropriação do espaço (CASSETI, 1995) pelo

turismo, onde a valorização (MORAES & COSTA, 1987; SANTOS, 1990) faz surgir novas

relações socioespaciais. A paisagem ainda é o principal insumo mercadológico (PIRES, 1999)

e continua sendo moldada pelo turismo (MOESCH, 2002; RODRIGUES, 1997), que tem seus

recursos naturais e culturais agora transformados em recurso turístico (COOPER, 2001). Tal

utilização requer um planejamento (DENCKER, 1998; YAZIGI, 2001; HALL, 2001) em

busca de uma atividade mais duradoura e menos impactante para a população local,

reforçando a importância de sua participação no processo de planejamento local.

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O terceiro e último capítulo constitui em uma leitura ambiental de Igatu por meio da

percepção (MERLAU-PONTY,1999; WHYTE, 1978; FERRARA, 1999), representação e

interpretação do espaço vivido (BACHELARD, 1998) entre os entrevistados. Os significados

dos lugares considerados turísticos por meio da análise da topofilia (BACHELARD, 1998;

TUAN, 1980), da memória afetiva, a presença do místico (ROSENDHAL,1999) na paisagem

e suas dimensões, as relações socioespaciais do turismo, por meio da análise dos mapas

mentais (NOGUEIRA, 2001; RODRIGUES, 2002; TUAN, 1980), retratam as diferentes

formas de perceber o lugar, através dos sentidos e do imaginário.

Com o auxílio de GPS - Global Positioning System - e com as informações colhidas

junto aos entrevistados, foram produzidos mapas com pontos georeferenciados, dos lugares de

memória em sua grande maioria, hoje também lugares turísticos. O mapa que perfaz Xique-

Xique de Igatu entre a década de 1940-1950, quando a vila ainda vivia do garimpo, foi feito

com o auxílio do programa de Sistema de Informação Geográfica Arc View 3.2, constituindo-

se em uma cartografia da memória dos antigos moradores. Além disso, foi elaborado um

mapa dos lugares mais significativos sinalizados pelos entrevistados, finalizando em recursos

para atender a demanda turística em Igatu.

Os mapas representativos da percepção dos moradores são instrumentos de

participação para o planejamento turístico da vila. O (re) conhecimento do lugar estudado

junto a sua memória, sua gente, frente à atividade do turismo e ao imaginário despertado é

referência que alimenta a identidade e reforça a alma do lugar cantada por Yazigi (2001) que

tanto ilumina e se reconhece no lugar.

A transição do lugar do garimpo para também um lugar para o turismo precisa estar

apoiada em pesquisas que busquem o conhecimento do lugar para poder traçar linhas de

planejamento e se constituir base para tomadas de decisões nas esferas administrativas. A

participação da comunidade junto aos demais agentes socioespaciais é instrumento de ação

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importante para o crescimento sustentável de um lugar que um dia arriscou sair do mapa por

ações intoleráveis de uma classe hegemônica da época, e que hoje apenas quer se manter em

ação, no ritmo que a sua população incitar.

2. CAPITULO I: LUGAR DE MEMÓRIA... MEMÓRIAS DO LUGA R

O espaço, como resultado das relações sociais pré-existentes vinculadas às forças

econômicas e políticas ora dominantes, deixa marcas impressas na paisagem. Um testemunho

que sedimenta recordações, registrando informações de tempos passados que contam a

história do lugar.

A apropriação simbólica do espaço acumulada de sentimentos e pertinência, o

particulariza e o transforma em lugar. Neste contexto, o conceito de lugar se apóia na reflexão

de Tuan (1983, p.06) quando diz que:

o espaço é mais abstrato do que o lugar. O que começa como espaço indiferenciado transforma-se em lugar à medida que conhecemos melhor e o dotamos de valor [...], além disso, se pensarmos no espaço como algo que permite movimento, então lugar é pausa: cada pausa no movimento torna possível que a localização se transforme em lugar.

O lugar é o redimensionamento do espaço dotado de sensações, afeição e referências

da experiência vivida ou, como diria Carlos (1996, p.16) “o lugar guarda em si, não fora dele,

o seu significado e as dimensões do movimento da história em constituição enquanto

movimento da vida, possível de ser apreendido pela memória, através dos sentidos e do

corpo”.

As memórias são importantes registros vividos que partem das lembranças e eternizam

lugares como referências e cenários para uma constante visita ao passado, trazendo em si, os

mais diversos sentimentos documentados e aflorados em narrativas, sonhos e percepções.

Assim, o lugar de memória, segundo Nora (1993, p.21) “são lugares, com efeito, nos três

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sentidos da palavra, material, simbólico, funcional [...]. Mesmo um lugar de aparência

puramente material, como um depósito de arquivos, só é lugar de memória se sua imaginação

o investe de uma aura simbólica”. São lugares que estendem uma história regada de

cumplicidade, significações, afetividade, pertencimento, ou simplesmente de alma.

A memória está estratificada no lugar. As histórias contadas, tempo a tempo, estão

impregnadas no meio, sedimentadas na saudade e a procura de registros e sinais da ausência

que descrevem a memória do lugar. Gastal (2002, p. 77) afirma que “conforme a cidade

acumula memórias, em camadas que, ao somarem-se vão constituindo um perfil único, surge

o lugar de memória [...] onde a comunidade vê partes significativas do seu passado com

imensurável valor afetivo”.

Como elo de interpretação do passado, a memória é a voz e a imagem do acontecido.

Com base em Le Goff (1996, p.423), o conceito de memória toma corpo quando ele coloca

que “a memória como propriedade de conservar certas informações remete-nos em primeiro

lugar a um conjunto de informações psíquicas, graças as quais o homem pode atualizar

impressões ou informações passadas, ou que ele representa como passadas”. As imagens,

configurações e representações do tempo vivido ou imaginado pertencem ao campo de

memória, poucas vezes exercitados na reconstrução da história do lugar. Freire (1997, p.45)

elucida quando diz que:

A memória, compreendemos melhor, elabora-se a partir da ausência, e com pé fincado no presente, volta-se para frente. Nesse terreno, as mais aparentemente insignificantes lembranças são artigos de valor, sendo necessário guardá-las com cuidado, sabendo do risco que se corre com a perda desse que é o nosso mais valioso e invisível patrimônio.

Da memória dos contos e dos cantos, do real e do imaginário, do individual e do

coletivo, renasce o passado. Como nas palavras de Nora (1993, p.09) que diz que “a memória

se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto”. Daí surgem os lugares de

memória que são verdadeiros patrimônios culturais, projetados simbolicamente e podem estar

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atrelados a um passado vivo que ainda marca presença e reforça os traços identitários do

lugar. É na pertinência das palavras de Gastal (2002, p.77) que repousa a lucidez, onde:

as diferentes memórias estão presentes no tecido urbano, transformando espaços em lugares únicos e com forte apelo afetivo para quem neles vive ou para quem os visita. Lugares que não apenas tem memória, mas que para grupos significativos da sociedade, transformam-se em verdadeiros lugares de memória.(grifos do autor)

Os lugares de memória e as memórias do lugar se conjugam em busca de

instrumentos de reforço da identidade e da singularidade local. A população se constitui a

mais importante ferramenta já que é depositaria de informações, registros êmicos e

sentimentos afetivos, resultado de uma relação com base na topofilia.

Distrito do município de Andaraí, na Chapada Diamantina -BA (Fig. 2, p.21),

Igatu uma pequena vila de clima tropical semi-úmido e temperatura media de 22º C, é o que

se pode chamar de lugar agradável, cercada não apenas por suas características geográficas,

terrenos irregulares, mas por paisagens que despertam o imaginário popular. Memória e

paisagem se comunicam por meio do olhar, resgatados por lembranças de tempos vividos e

construídos na paisagem local. Em Igatu, a memória dos tempos de construção e

soerguimento da vila em torno da extração de diamantes está confinada aos poucos habitantes

que ainda resiste as intempéries e trapaças do tempo que teima em passar, correndo o risco de

muito do que aconteceu fosse legado ao esquecimento e a uma história (re) inventada. A

riqueza do tempo vivido que retrata cada pedra sobreposta na construção da vila, a vida dos

ex-garimpeiros sofre o risco de ser passada a limpo apenas em um roteiro de turismo. A vila

surge como um importante destino turístico e a necessidade de manter a identidade

garimpeira, o respeito ao patrimônio ambiental e a memória local, torna-se vital para a

sobrevivência salutar entre o ambiente e a população envolvida.

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Figura 2: Mapa de acesso a Igatu Fonte: Disponível em http:// www.cidadeshistoricas.art.br. Acesso em: 07.jun. 2005.

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Em busca de construir um mapa representativo da memória local, com os lugares de

memória e as memórias do lugar por meio da percepção da memória, narrativa oral, imagem e

representação do espaço vivido, foram adotado como instrumento metodológico entrevistas

(apêndice A, p.176) relatos e depoimentos dos moradores locais nativos5, em sua grande

maioria garimpeiros, resultando em uma tentativa de recuperação da memória oral, forte

instrumento de afirmação da identidade local. E é por meio da percepção da memória que o

passado se torna presente na oralidade.

A escolha da amostra não-probabilística por julgamento (DENCKER, 1998) se deu

por meio de informações locais, em busca dos antigos moradores, garimpeiros natos, que

tivessem história para contar sobre a formação e construção da vila pela atividade do garimpo.

Trinta e três foi a soma dos maiores de 60 anos, considerados melhores informantes ou os

conhecedores do lugar, onde em meio as limitações impostas pelo tempo e a disponibilidade

de cada um, dezenove se fizeram presentes na (re)construção da memória que mesmo

passando pela imagem individual é fruto de uma imagem, uma memória coletiva. As

entrevistas semi-estruturadas (DENCKER, 1998) foram gravadas em fitas magnéticas e

transcritas in verbatim para não comprometer a autenticidade das falas. As fotografias

dispostas representam uma forma de interpretação e representação imagética do lugar.

Considera-se a amostra satisfatória já que atendeu aos principais objetivos da pesquisa,

ressaltando que não é interesse analisar a veracidade dos fatos, mas relatar as histórias

contadas entendendo como um legado de uma história vivida, sentida e referenciada.

Das histórias contadas e rememoradas renasce a vila de Xique-Xique das décadas de

1940 e 1950. A cartografia da memória resulta em um passeio pelas lembranças da cidade

habitada em pleno funcionamento remarcada pelo tempo, uma leitura dos antigos moradores

sobre o lugar do passado. Os pontos relevantes foram representados e plotados em mapas

5 O termo nativo é aqui compreendido como as pessoas que nascem no lugar.

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esquemáticos, com o auxílio do programa de Sistemas de Informações Geográficas Arc View

3.2, buscando uma (re) leitura da antiga Xique-Xique de Igatu.

2.1. Garimpando a história: “os narradores” de Igatu.

O lugar está cheio de afetividades onde sua própria paisagem se encarrega de narrar

sua história. As pedras que calçam as ruas são alicerces dos tempos áureos que por ali

passaram e que, passo a passo, testemunham o acontecer diário da reconstrução da vila. As

janelas são molduras do olhar e também instrumentos que se debruçam na história vendo a

vida passar. Um lugar que hoje nem de longe lembra a dinâmica Xique-Xique do início do

século passado, guarda em si as lembranças e memórias de quem tem muito para contar.

Lembradas por Bosi (1994, p.84), que com propriedade questiona: “Por que decaiu a arte de

contar histórias? Talvez porque tenha decaído a arte de trocar experiências. A experiência que

passa de boca em boca e que o mundo da técnica desorienta”.

A história do lugar contada no lugar da história, tendo como narrador os antigos

moradores, desembaraça nós atados pelo tempo, aflora nas lembranças as marcas da memória

em busca de interpretações e até justificativas das mudanças contemporâneas. Thompson

(1998, p.21) afirma que “por meio da história local, uma aldeia ou cidade busca sentido para

sua própria natureza em mudança, e os novos moradores vindos de fora podem adquirir uma

percepção das raízes pelo conhecimento pessoal da história”. Conhecer sua própria história,

seu caminho percorrido é um exercício de auto-reconhecimento, de integração temporal,

aonde as imagens do passado projetadas são transportadas através do sentimento de pertença,

afetividade e de identidade local. O autor ainda lembra que:

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A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação [...].Traz a história para dentro da comunidade e extrai a história de dentro da comunidade [...] ela pode dar um sentimento de pertencer a determinado lugar e a determinada época.” (THOMPSON, 1998, p. 44).

A história oral como metodologia implica numa dimensão, além de técnica, teórica

(FERREIRA & AMADO, 2001). A leitura de depoimentos colhidos com as entrevistas, só

passará de ser mero desdobramento calçado na memória de atores sociais anônimos, quando

interpretado e embasado teoricamente. Lozano (2001, p. 17) enfatiza que “fazer história oral

significa, portanto, produzir conhecimentos históricos, científicos, e não simplesmente fazer

um relato ordenado da vida e da experiência ‘dos outros’”. Vale ressaltar, que se pretende

com esse estudo buscar junto à população local a história do lugar por meio dos seus registros

da memória.

A utilização de fontes orais numa tentativa de releitura do espaço encontra em antigos

moradores o verdadeiro testemunho. Se o espaço se apresenta como um testemunho da

história acontecida (SANTOS, 1990) os antigos moradores testemunham com a memória o

presente construído. Os materiais colhidos agregam valores e sentimentos sob diversas

percepções que tecem a singularidade do lugar. Os vários olhares sobre um mesmo espaço

gera a diversidade necessária para seu enriquecimento cultural.Voldman (2001, p. 39) adverte

de forma precisa,

[...] nem todos viveram sua adolescência e sua maturidade nas mesmas condições sociais e políticas, e os velhos tempos, embora tenham igualmente passado, não são os mesmos para todo mundo. Do ponto de vista do que há de ser singular em cada indivíduo, nenhuma testemunha se assemelha a outra [...].

Geertz (2003, p.107) ainda alerta que

Entender a forma e a força da vida interior de nativos – para usar mais uma vez essa palavra perigosa – parece-me mais compreender o sentido de um provérbio, captar uma alusão, entender uma piada – ou, [...] interpretar um poema do que conseguir uma comunhão de espírito.

A história ainda é viva na memória de sua gente que conta com graça e saudade e

enche os olhos de lembranças arrastadas pelo tempo, travando uma luta com a idade que

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confunde datas, mas espelha sabedoria colhida através da experiência vivida. Que nas

palavras de Nora (1993, p.09) diz que:

a memória é a vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta ‘a dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de longas latências e de repentinas revitalizações.

A narrativas rememoradas pelos moradores antigos, traçam o caminho da construção

do lugar, onde os momentos marcantes desenham os mapas calcados na memória afetiva de

cada um. Joutard (2001, p.54) reforça que “[...] o testemunho oral é o documento mais

adaptado por sua ambivalência. Os defeitos que lhe atribuem, as distorções ou os

esquecimentos tornam-se uma força e uma matéria histórica”. As lembranças recolhidas e

alinhavadas entre a memória e o lugar, contam as histórias contadas, ouvidas e vividas que

dão suporte ao sentimento de pertença que pereniza o lugar.

2.1.1.Pedra sobre pedra: a formação da vila Seus pouco mais de 300 habitantes, ou melhor, 3736, nas contas de um cidadão

símbolo da vila, Amarildo dos Santos, que anualmente perfaz “Um levantamento geral do que

temos em Igatu, ano 2004”7, como ele próprio intitula, Igatu é o que se costuma chamar de

lugar pacato. As 16 ruas, o comércio composto de 03 bares, 01 pizzaria, 02 restaurantes, 01

lojinha, 04 pousadas e apenas 70 pessoas que trabalham com o garimpo, constitui o retrato

atual de uma vila que nas trilhas do garimpo vê sua história ser passada a limpo como um

roteiro turístico.

Atraídos pela prosperidade condicionada à extração de pedras preciosas, iniciada no

final do século XIX, mineiros vindos de decadentes tentativas regionais, desbravaram o sertão 6 Dado recolhido em fevereiro de 2004. 7 Produção manual feita pelo próprio morador, Amarildo dos Santos, colocada a venda em sua lojinha na vila.

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semi-árido da Bahia central que, acolhidos pela necessidade de vingar em terras férteis

passaram a ser os principais responsáveis pelo nascimento de povoados que hoje constituem

cidades como Mucugê, Andaraí, Palmeiras e Lençóis na Chapada Diamantina, Bahia.

Mucugê, antiga Santa Isabel do Paraguaçu Diamantino, surge como a cidade mais

antiga da chapada, sendo o primeiro lugar de exploração de ouro e diamantes. Em 1844, as

margens do rio Mucugê, foram encontradas pedras de diamantes no leito do rio, que

desencadeou o processo de exploração e resultou na formação de cidades que compõem a rota

turística do Circuito do Diamante8. Alguns moradores antigos afirmam que os portugueses

foram os primeiros habitantes, atraídos pelas noticias que corria em cidades como Lavras e

Grão Mogol, zona de mineração de Minas Gerais. A.L.S., de 65 anos, comerciante, conta que

“os mineiros vieram para Mucugê e de Mucugê vinheram para cá (...) Mucugê já tinha

extração dos diamantes e descobriram Igatu, eles que descobriram aqui. Começaram e viviam

aqui (...) muito diamante naquela época”. Como enfatiza Misi e Silva (1994, p.39):

A principal riqueza mineral da Chapada Diamantina oriental, o diamante, foi responsável pelo crescimento das cidades principais e de diversos povoados da região, a partir de meados do século passado. Desde 1844, quando se iniciaram as primeiras lavras intensivas no rio Mucugezinho, em local hoje pertencente ao município de Mucugê, a região das lavras diamantinas enfrentou períodos de apogeu e declínio, graças ao diamante.

Pouco se tem registrado sobre a historiografia do lugar. Embora a memória possa trair

a verdade, o tempo contado firma-se sobre a fase quando o diamante ainda aflorava na terra

seguida pela decadência do lugar, o que marca a época do final da década de 1930 até os anos

conturbados e que levara a vila ao completo despovoamento por volta da década de 1950. As

fases que antecedera essa época foram pinceladas mediante a sinalização dos informantes, que

por hora divagavam por tempos não vividos, mas responsáveis pela sua história.

8 Regionalização turística da Bahiatursa

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Por volta de 1844 a 18469 o garimpo teve início em Xique-Xique (Fig.3) desde a sua

descoberta e construção, passando pela fase da escravidão e dos coronéis, que traçou todo um

território marcado pelas explorações, aberturas de garimpos, iniciando um processo de

construção do lugar.

Figura 3: Entrada da vila Fonte: foto da autora, 2004.

Antes da abolição da escravatura, com a sanção da Lei Áurea em 13 de maio de 1888,

os escravos foram responsáveis pelas primeiras marcas da história política e cultural da vila.

Sabe-se que os escravos tiveram participação ativa na mão-de-obra pesada resultando nas

construções de símbolos marcantes do lugar. A igreja de São Sebastião construída no século

XIX, por volta de 1854, traz consigo a força de uma população que ergueu a fé montada na

ideologia do poder. As trilhas dos primeiros garimpos, tantos ainda pouco conhecidos,

tiveram na força negra, mais uma vez a raiz da história baiana. Como lembra M.S.M., 68

anos, garimpeiro e lavrador, nas histórias contadas pelo seu pai:

Primeiro veio à escravidão, veio os escravos que deixaram a construção da igreja, tem muitas construções, tem tanques, caminhos pelas serras, tudo feito pelos escravos. Como meu pai que ainda pegou a época dos escravos (...) ele sempre falava pra gente, que ele era garimpeiro, ele gostava do garimpo, eu fui criado na

9 Dado cedido por Amarildo dos Santos , em sua produção “Xique-Xique: um pequeno resumo da nossa história antiga”, 2001 , também a venda em sua lojinha na vila.

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serra e ele mostrava as coisas: - Isso aqui foi os escravos quem fez. As primeiras trilhas de garimpo foi criada pelos escravos.

Na concepção de Bolle (1984, p.12): “Nessa comunicação de pai para filho temos

literalmente a transmissão de um patrimônio, um elo de continuidade de geração para

geração” (grifo do autor).

O curso da história política com a Proclamação da Republica (1889) acompanhada da

então anunciada libertação dos escravos desenhou uma sociedade que se destacava com o

poder político e econômico, mudando as estruturas sociais do lugar. Surge o que ficou

conhecido como a “epopéia dos coronéis”, que funcionava como o poder central da Chapada,

independente das forças externas.

Região marcada por grandes diferenças sociais e concentrações de renda, a Chapada Diamantina foi, da segunda metade do século XIX até década de 1930, um barril de pólvora comandado por poucos e muito poderosos coronéis. As tradicionais famílias proprietárias de terra davam abrigo e emprego para os colonos e exploradores a procura de riquezas, e em troca conquistavam a gratidão e fidelidade dessas pessoas. Formaram-se assim verdadeiros exércitos de jagunços dispostos a defender com a própria vida os interesses dos patrões. (D’ANDREA,2004) 10

Era a lei local, traçada pelo poder e obedecida pela submissão. Uma estrutura social e

econômica que marcou a história política do nordeste como um todo e que deixou sinais ainda

hoje sustentados pelos neocoronéis da contemporaneidade. Segundo a concepção de Leal

(1993, p.20), “o ‘coronelismo’ é, sobretudo um compromisso, uma troca de proveitos entre o

poder público, progressivamente fortalecido, e a decadente influência social dos chefes locais,

notadamente dos senhores de terras”.

O coronel mais famoso da Chapada foi Horácio de Matos que liga a sua história a

cidade de Mucugê. Igatu tinha o seu poder nas mãos do coronel Aureliano de Britto Gondin

(Fig.4, p.30), que durante bons anos ditou as regras na vila. Garimpeiro, de 68 anos, M.S.M.

busca na memória as histórias que cresceu escutando:

Na época dos coronéis, o primeiro coronel daqui foi seu Juca de Carvalho, que não era daqui. Era descendente do exterior, ta mais para português [...]. Seu Aureliano

10. Disponível em: http://www.cidadeshistoricas.art.br/hac/hist_05_p.htm#>. Acesso em:14.mar.2004

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foi depois e era de Riacho de Santana, perto da lapa de Bom Jesus. Ele veio embora para aqui, chegou aqui e foi em 1914, mas não tenho certeza. Aí Seu Aureliano aqui e Seu Juca gostou dos modos dele e botou ele como jagunço dele, né? Ele era o capanga de Seu Juca, de confiança. Então Seu Juca morreu, na Passagem11, ai passou a patente para ele. [...] Quando Seu Juca morreu passou para Aureliano de Brito Gondim.

Complementado a história, M. C. O., 83 anos, aposentada, vasculhando os tempos de

infância relembra:

Conheci Seu Aureliano, que morava onde é a pousada. Dizem que ele já morou no sobrado, mas eu era menina. Eu ia comprar folhas ou qualquer coisa na casa dele e ele tava sentado. O povo obedecia, mandava no povo e qualquer coisa tomava as providências dele. Era o dono da cidade, quem comandava era ele [...].

A época dos coronéis durou até meados da década de 20, quando as tropas da Coluna

Prestes chegam a Chapada e as forças sertanejas fazem o exercito recuar. M.S.M, 68 anos, no

auge da sua lucidez reporta a história como se tivesse participado:

Aí veio a Coluna Prestes acabar com os chefes e com esse espanto que teve aí Seu Aureliano morreu. A Coluna que veio desarmar os coronel. Ele não foi armado, eles vieram para desarmar ele aqui, mas ele tinha um amigo muito forte em Salvador que era juiz de direito, Arlindo Leoni, que livrou ele. Foi quando teve esse desarmamento pela Coluna Prestes para desarmar os coronéis ele não foi atacado [...] vieram para a atacar, mas o amigo Leoni, morava em Salvador, não era mais juiz, era Senador e aí livrou ele. Aí ele ficou choqueado com aquilo e ninguém sabe porque sim porque não.[...] O primeiro ataque foi em 1926 e quando foi em 1932, em morreu. Ele morreu e acabou. Não teve mais negócio de coronel. Acabou coronel!

Figura 4: Túmulo do Cel. Aureliano de Britto Gondin Fonte: http://www2.uol.com.br/mochilabrasil/imagens/ igatu28.jpg.Acesso em 15.ago.2004.

11 Localidade próxima a Andaraí

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A vila resiste. Xique-Xique de Andaraí ou simplesmente, Xique-Xique como ainda

hoje é chamado por muitos moradores do lugar, principalmente o mais antigo, ainda mantinha

na atividade do garimpo seu principal personagem geoeconômico. Inserida geograficamente,

no sertão baiano, caracterizado pela vegetação da caatinga, a presença de cactáceas é lugar

comum no cenário paisagístico do lugar, representado pelo xique-xique (pilosocereus

gouneillei). Conta-se ainda, que os primeiros exploradores, podem ter vindo da região do alto

São Francisco, da cidade de Xique-Xique no norte da Bahia, tendo apelidado o lugar. Tal

semelhança causava transtornos tanto no envio de mercadorias que vinham de outras regiões e

até mesmo de outros paises, acabava indo para Xique-Xique do São Francisco, o que

culminou em 1943 com a mudança do nome da vila para Igatu, que em tupi guarani significa

“água boa”, o que fica claro de se entender já que a água brota no meio da serra. Monteiro

(1999, p.13) põe mais uma forma de escrita e possível origem do nome da vila, embasado na

relação com os franceses, numa visão mais elitista e se esquecendo da geografia do lugar, no

qual ele retruca:

Porque Chique-Chique com CH? Este foi o primeiro nome dado pelos seus desbravadores, derivado das belezas naturais e fruto de influencia e domínio da cultura francesa na época. Com CH, não só por essa circunstância cultural, também para não se confundir com o agressivo ‘xique-xique’, cactácea não tão abundante na região, para se tornar topônimo.Deixou de ser Chique-Chique por duas razões: a) não ser permitida por lei a existência de duas ou mais localidades com o mesmo nome no Estado, prevalecendo a mais antiga; b) respeitar o Acordo ortográfico de 1943.

A verdade é que a maioria dos moradores antigos chama a vila de Xique-Xique,

justificado na presença viva da vegetação (Fig.5, p.32) que caracteriza o sertão brasileiro. O

que confirma as palavras de A.L.S. de 65 anos, nascido e criado na vila: “Toda vida nós

chamava Xique-Xique, [...] porque quando eles descobriram aqui, tinha muito esse xique-

xique na serra [...]”.

A identidade fala mais alto, como quem ainda resiste às mudanças traçadas pelo

tempo. Ser de Xique-Xique é ter suas lembranças preservadas, é ser fiel a sua memória, ao seu

chão. É pertencer, ser daqui e não de outro lugar, é ser raiz junto com o lugar. Bolle (1984,

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p.14) reduz que a “[...] arma eficiente de resistência é a memória afetiva. Dela é que depende

a preservação da identidade, sua ou de seu grupo; ela é um núcleo de sua personalidade”.

O sentimento de pertença é aguçado sob forma da apropriação territorial, aonde resistir

ao tempo e a mudança do nome do lugar se revela em uma forma de resistência a um elo

afetivo, uma declaração de identidade topofílica, da real transformação do espaço em lugar. È

quando Hall (2004, p.12) diz que “a identidade então costura [...] o sujeito à estrutura.

Estabiliza tanto os sujeitos quanto os mundos culturais que eles habitam, tornando ambos

reciprocamente mais unificados e predizíveis”.

Figura 5: Xique-Xique (Pilosocereus gouneillei) na galeria Arte & Memória Fonte: foto da autora, 2004.

A influência dos diamantes trouxe várias famílias vindas da região e os primeiros

garimpeiros que chegaram foram povoando, iniciando o processo de exploração do lugar. A

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construção de casas segue a topografia local, onde se aproveitava a arquitetura natural e tocas

iam se espalhando, dando um ar de primitiva singularidade. As pedras, tão abundantes e

excedentes da garimpagem eram a matéria prima que começou a erguer a cidade de pedras.

Das características urbanas, as construções de rochas, ou pedras, saltam os olhos.

Material generoso na região, as rochas de um modo geral são sedimentárias, ou seja, formada

por sedimentos (areias, cascalhos12, etc) acumuladas ao longo de milhares de anos e que

foram sedimentadas, sobrepostas em camadas, por agentes exógenos como vento e a água

resultando na característica geológica do lugar.

Como excedente no processo de garimpagem, as pedras, como é vulgarmente

conhecida, passaram a representar meio de moradia surgindo em grutas naturais encravadas

nos lajedos as conhecidas locas ou tocas (Fig.6), habitação peculiar do lugar que caracterizava

a vida do garimpeiro. Essa tipologia habitacional se espalhou pela serra abrigando famílias e

deixando sua marca na paisagem local. A população vivia do garimpo e com ele fortalecia a

sociedade. Era gente chegando de todos os lugares e a teia das relações socioeconômicas

crescia junto com as explorações do diamante.

Embaixo de todas essas pedras todas morava gente. Tinha uma rua daqui até depois do campo de futebol, tudo cheio de gente. Tinha casas atravessando o rio, até em cima do João Batista. Subindo a cachoeira, as ruínas que se vê, tudo era cheio de gente. Até perto dos córregos dos pombos. Conheci tudo cheio de gente. (A. L. S., 65 anos, morador antigo)

12 Sedimentos grossos de composição e granulometria variáveis, onde se encontram os diamantes (MISI & SILVA, 1994).

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Figura 6: Toca de garimpeiro Fonte: foto da autora, 2004

Os dados sobre a população que Igatu chegou a comportar, ainda são contraditórios.

Uns falam em 9.000 outros contam 5.000 mil habitantes na vila e muitos outros espalhados

pela serra. Não se tem uma precisão e os números oscilam de acordo com a imaginação e os

esforços nas lembranças de quem um dia já fez parte desse dado demográfico. O que se sabe

e, talvez, o que mais importa, é que a vila era intensamente ocupada e que sua história se

construiu sob o sonho e ambição de muitos, que hoje apenas fazem parte da memória que

povoou a vila até meados do século XX.

O comércio era muito forte. O diamante atraia a fortuna e a sociedade se abastecia no

lugar. Farmácia, cartório, bar, pensão, casa de sinuca, dentista, lojas de tecidos vindos da

Europa, entre outros. As transações internacionais, principalmente com Portugal, eram

constantes, já que muita mercadoria era trocada por diamante. O que lembra M.S.M., 68 anos,

morador antigo da vila, que pela lembrança de seu pai discorre sobre a história com um

sentimento de pertença, de orgulho de conhecer os passos que o trouxera até aqui. Ele dizia:

O comercio era rico. Nesse tempo, diamante se achava era aqui, pelos rios, enxurradas...e aí eles trazia tecidos, trazia louças, trazia material domestico, né? E vendia essas coisas aqui e daqui pra lá levava diamante. Portugal se enriqueceu com nosso benefício. O diamante daqui foi todo para o estrangeiro, para Portugal, Judéia, para Europa [...] Cada pessoa tinha um estrangeiro que vinha da Europa e trazia as transações daqui para lá.

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As pessoas não precisavam sair da vila. Conta-se que muita gente morreu sem

conhecer Andaraí, o que hoje seria praticamente inviável, dada à dependência com o lugar. O

garimpo desenhou a configuração territorial do espaço. Não havia uma única terra que não

fosse revirada, um rio que não fosse enxugado pelas bateias e peneiras, cascalhos que não

retratassem a imagem do lugar.

Neste sentido, Carlos (2002, p.28) coloca que:

O lugar é produto das relações humanas, entre homens e natureza, tecido por relações sociais que se realizam no plano do vivido, o que garante a construção de uma rede de significados e sentidos que são tecidos pela história e cultura civilizadora produzindo a identidade. Aí o homem se reconhece porque aí vive. O sujeito pertence ao lugar como este a ele, pois a produção do lugar se liga indissociavelmente à produção da vida.

O diamante brotava na flor da terra. Cada dia de trabalho era brindado com as pedras

que reluziam acalentando o sonho de riqueza da população. “Cada boca aberta, era uma

quantidade de diamante encontrada. Uma porcelana de diamantes grandes, pois os pequenos

eram separados (...) com a luz do sol parecia um monte de estrelas”, dizia Dona A.C.S., de 70

anos, professora aposentada, envolvida na saudade que a lembrança lhe trazia. Como um

mineral rígido ocupando na escala de Moh’s13 o grau 10, o diamante representa para os

garimpeiros a esperança de acontecer um “bamburro14” e mudar completamente a sua vida e,

indiretamente a de toda a comunidade. Nessa época, quem não trabalhava diretamente com o

garimpo, precisava dele para sustentar seu comércio. Era de onde vinha o dinheiro, muito

dinheiro que circulou durante décadas no centro da vila (Fig.7).

13 Escala que mede a resistência dos minerais de 1 a 10. 14 Ato de achar um diamante grande.

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Figura 7: O mercado municipal na década de 1950 Fonte: Arquivo da Família José Gomes da Silva.

Como principal atividade econômica o garimpo foi se profissionalizando. A

organização sócio-espacial que, ora passa a surgir, é resultado do processo de garimpagem,

que constitui uma exploração individual e nômade, fazendo passar a existir as “lavras

diamantinas” que baseado nos estudos de Machado Neto (1974) refere-se a organizações

criadas em jazidas altamente produtivas criando uma espécie de empresa com mão-de-obra,

no inicio escrava e homens livres, gerando uma visível e necessária divisão do trabalho.

Tal divisão foi reflexo do que mais tarde, no final da década de 40 e início da década

de 50, culminou no que seria o desfalecimento da vila. Agregado a desaceleração da

exploração de garimpos já saturados e menos produtivos, desgastados pelo trabalho manual e

carente de equipamentos tecnológicos, a vila mergulhou na decadência com um ato político.

O garimpo cedeu a política o que seria o capitulo mais decisivo da história de Igatu. Como

relembra A.L.S, 65 anos, enfatizando a real face do despovoamento da vila:

A decadência não foi por causa do garimpo e sim da eleição. O garimpo era bom nessa época, diamante muito...Uma diamantada doida em 50, na gruta do Brejo. Nessa época tava chegando toda semana copo e mais copo de diamantes.

Em 1949, as eleições para governador da Bahia estavam sendo disputadas por dois

candidatos: de um lado Regis Pacheco, que substituiu Lauro de Freitas falecido no curso da

campanha, e do outro Juracy Magalhães. Em uma jogada inédita, Juracy fora fazer comício na

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vila de Igatu, o que lhe rendera muitos simpatizantes e garantiram-lhe votos. Enquanto

expunha suas idéias, ocorria paralelamente, um ato solidário que agradou a população local.

A.L.S., ainda completa que:

Juracy veio e fez um comício aqui em Igatu e nenhum governo nunca tinha vindo aqui com comitiva de 20 jipes [...] ai fez um comício na cidade, no comercio e ai todo mundo falou: - vou votar nesse home! Abriu a casa de negócio aqui para dar ao povo o que queria [...] tudo para o pessoal pegar o que por conta dele na hora que terminasse o comício ele pagava...

Igatu viveu momentos de glória, conheceu a riqueza e viu reluzir nos diamantes que

afloravam da terra, a sua própria decadência. Conhecedor da história do lugar, M.S.M de 68

anos, relata com detalhes esse momento político vivido pela vila:

Igatu começou a decair de política. Foi a política que decaiu, espantou, expulsou a população. A política quente aqui foi a de Juracy Magalhães, que começou em 49, que foi com a eleição de 50. Nessa época saiu daqui 200 famílias, aonde tinha família de ter 10 pessoas, 12 e saíram porque perderam o candidato (...). A política foi muito forte e as pessoas tinham ligação com o garimpo, justamente por isso saíram, porque o partido que ganhou, era do lado do dono da serra...

A política deixou marcas ainda hoje visíveis na vila. As casas ruíram junto com a

tristeza de quem teve de sair, abandonar seu comércio e principalmente o sonho de

prosperidade. Com o fim das eleições Regis Pacheco consagrando-se vencedor, fez os

opositores baterem em retirada, fechando as portas e os sonhos. Quem tinha mais condições

partiu para outros estados, mas a imensa maioria aportara nas cidades circunvizinhas em

busca de nova vida. Os que permaneceram faziam parte do lado vencedor, como ainda conta

M.S.M, morador antigo:

De um lado João Socorro e outro lado Jose Messias. O partido deles era o de João Socorro, que ganhou e era do Partido Trabalhista com Regis Pacheco, que ganhou.Quem era do lado de Juracy Magalhães não podia trabalhar na serra. E não tinha outro meio de vida. Então por ai eles foram se arribando, se arribando...Zé Gomes para Mucugê, Auto pra Mucambo, a família de Agripino Nogueira (...) que nunca mais voltou para aqui. Outros foram para São Paulo e foi assim...Poucos retornaram, a maioria não retornou.

Em um dialogo atemporal, A.L.S., 65 anos reforça as lembranças de seu conterrâneo:

Só ficou quem era do contra. O pessoal da parte de João Socorro, que foi candidato a prefeito nessa época do lado de Regis Pacheco e quem ganhou foi Dr. Inocêncio

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do lado dele também. Aí o pessoal foi todo embora, só não foi mesmo quem não teve condição de ir. O garimpo continuou mas era do contra. Isso deu prejuízo aí foi embora, fez fila. A família de Guilhermino Nogueira foram embora, o pessoal de Telles para Brumado, Zé Gomes da Silva, seu avô, para Mucugê , era político honesto na época, era um dos grandes daqui do lado de Juracy, então ele não pode ficar [...] O irmão dele Auto Gomes foi embora para o Mucambo [...] Nós também fomos embora para o Mucambo, também não tinha condições de ir para longe aí fomos para perto. Quem tiveram condições de ir para longe foram para São Paulo, Rio de Janeiro, outros foram para Brumado. Eu sei que fez fila em 60, tava uma decadência já grande.

A partir da década de 1960 (Fig.8, p.38) , alguns moradores retornaram a vila, ao

garimpo e ao comércio, sem o mesmo brilho de antes, mas com a mesma esperança de

enriquecimento. O lugar não mais vivia sob a luz dos diamantes refletidos na rica sociedade.

As pedras já não eram tão abundantes num próprio reflexo da degradação acentuada nos

tempos áureos. As casas que ficaram desocupadas viraram territórios de escavação, que viam

assoalhos sendo destruídos por picaretas que ainda acalentavam sonhos. Salas, quartos, casas

inteiras transformadas em garimpo, sucumbindo-se ao desespero ou a ambição de quem ainda

estava por lá. Estarrecido Seu O.B.L. de 82 anos rememora:

[...] o garimpo era farto todo mundo era garimpeiro, tinha umas três mil pessoas aqui em Igatu, mas ao romper dos tempos, o tempo vai lhe mudando...ai foi caindo, foi caindo tanto que isso aqui teve ruim, isso foi em 50, a seca e ’cê sabe, metal sempre falha, né? Aonde se tira não bota outro né? (grifo nosso)

Figura 8: O centro da vila em meados de 1960 Fonte: Arquivo da Família de José Gomes da Silva.

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Igatu parecia adormecida. Bairros inteiros foram devastados só restando ruínas do que

teria sido o maior e mais movimentado lugar da vila, depois do centro. O bairro Luís dos

Santos, atualmente o principal conjunto de ruínas (Fig.9 ,p.39), chegou a abrigar mais de 500

pessoas, o que hoje não perfaz a população total da vila. Como conta M.S.M, 68 anos, que

“no Luís dos Santos (...) eu conheci casas ali, casas de negócios, casa comercial, vendendo

bebida, tecido, carne, toucinho. Tinha carnaval, bloco de carnaval (...), tinha muito ourives,

trabalhando ouro lá”. E em um suspiro de memória A. L.S., 65 anos, completa que “nas ruínas

do Luís dos Santos, morava umas 500 pessoas e hoje só tem Marcos...”, referindo-se a um

novo morador da vila.

Figura 9: Ruínas do bairro Luís dos Santos Fonte: http://www2.uol.com.br/mochilabrasil/imagens/igatu17.jpg. Acesso em 22.out.2004.

Embalado nas lembranças dos tempos marcantes da vila Seu E.V.C. de 76 anos põe a saudade

à sua frente e revive a história:

Nessa época no Luís dos Santos tinha mais de mil pessoas. Lá tinha vendada, tinha

tudo! Fazia festa muito micareme15e bonito. Na festa de lá tinha tanta moça que fazia micareme lá e que batia no micareme da praça. Era separado por política, o pessoal daqui da praça fazia um cordão e pegava campanha com o do Luís dos Santos. Dá tristeza, hoje, porque vai lá e não ver ninguém!

Os momentos de vida marcantes, narrados e registrados a luz da imaginação e da

memória resgatada, traz consigo fragmentos de um tempo travado nas lembranças mais

15 Micareme seria um precursor do que hoje se conhece como Micareta, ou carnaval fora de época.

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bonitas pertencentes ao lugar. É o que relata A.C.S. de 70 anos, que lembra da “infância, os

colegas dos tempos que brincava de roda, da sociedade, das amigas, da igreja que cantavam

um coro enorme... várias lembranças e a que toca mais é a dos meus pais (...) lembrança mais

forte e bonita, meus pais aprenderam comigo, não liam...”. A infância também povoa a

saudade de M.C.O. que com 83 anos sente-se ameaçada pela nova configuração demográfica

da vila. O intenso movimento, as pessoas que entram e saem sem a ligação genealógica típica

do interior, retrata um momento de insegurança da vila que ambiciona um renascimento. Ela

suspira como quem vê o passado a sua frente:

A lembrança mais bonita é quando era criança, tinha outra liberdade, que não tem hoje, do passado...ta chegando muita gente, mas tudo estranho (...) toda qualidade de pessoa. Tantas casas surgindo ai...o pessoal trata a gente bem, não pode também falar mal dele, mas sinto falta do tempo que todo mundo tinha suas casinhas e morava....e dos parentes da gente tudo junto, como agora que fiquei sozinha aqui...!

A.L.S., 65 anos, durante entrevista, permanecia na saudade que os tempos contados

lhe trazia. O tempo de movimento social e de crescimento do lugar, quando rememoriza:

A lembrança mais bonita é que tinha umas filarmônicas muito bonita aqui. Tinha telefone, se queria falar com Andaraí rodava o microfonete, aquilo é uma lembrança. Queria falar com Mucugê, passava para Mucugê e tinha também que sempre descia de a pé por aí era difícil um carro naquela época, tudo era de animal, então...

A lembrança nunca vem só no destino de quem a procura. Ela está contextualizada na

eterna relação espaço-tempo, que nas palavras de Carlos (2002, p.173) “implica um novo

modo de pensar a realidade e como o homem vive essas transformações num cenário sempre

cambiante”, e compõe a paisagem descrita. A memória de uma história singular remete-se ao

coletivo, embora as ações sejam individuais. Quando questionados sobre suas lembranças, os

registros trazem consigo imagens e representações que são comuns a um território, mas sob a

leitura, a visão cultural de um testemunho. Por mais que a história seja pano de fundo coletivo

as interpretações se fundamentam em experiências vividas e estas são individuais

(PORTELLI, 2001).

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A natureza que foi moldada com a exploração das pedras, revirada em cascalhos e

sucumbida à degradação criou formas que contam a história, (re) significam paisagens e se

colocam no presente para lembrar do passado. A figura 10 (p.41) constitui uma leitura, uma

cartografia da memória dos moradores antigos que ao rememorar o passado traz à tona a

lembranças dos lugares que marcaram momentos e registraram a história da vila.

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Figura 10: Cartografia da memória – Xique-Xique de Igatu 1940-1950 Fonte: Mapa do centro urbano de Igatu sem definição de escala, fornecido pelo IPHAN (Lençóis-BA). Elaboração: Prof. Dr.Mauricio Moreau. (UESC-BA), com dados cedidos pela autora,2004.

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O tempo de festa, ambição e riqueza marcaram a paisagem da vila. Bares, farmácias, clubes de festas, delegacias e principalmente a área de diversão, os prostíbulos que tanto esperavam pela comemoração dos garimpeiros.

2.1.2.O garimpo e a sorte

Descoberto em 1844, o diamante passou a ser a mola propulsora do desenvolvimento

da Chapada Diamantina. Cidades nasceram e decaíram com as pedras diamantíferas (Fig.11).

A história do diamante é a própria história das cidades da Chapada.

O garimpo constituiu-se como a principal atividade econômica da região durante

décadas. Traçou a história política, econômica e toda a estrutura social narrada na memória e

registrada na paisagem do lugar. Como toda atividade produtiva, o garimpo deixou marcas no

cenário local que, sob uma ótica cultural, faz a leitura de um passado que não parece muito

distante. Ainda hoje muitos moradores estão à procura do diamante perdido, aquele que

realizaria o sonho de riqueza.

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Figura 11: Diamantes na mão de um comprador Fonte: http://www2.uol.com.br/mochilabrasil/imagens/igatu30.jpg Acesso em 22.out.2004.

Os locais de mineração conhecidos como garimpo, foram acontecendo à medida que

os próprios diamantes eram encontrados nos rios, nas rochas, espalhados na serra. Os donos

do garimpo, geralmente, trabalhavam com o sistema de meia-praça, que consistia em um

trabalho de parceria aonde havia um adiantamento em forma de feira, alimentação, enquanto o

garimpeiro não encontrava a pedra. Quando acontecia, o diamante era levado para o dono do

garimpo que tinha a “preferência” e dava o preço, muitas vezes abaixo do que valia, para

passar adiante com uma grande margem de lucro garantida. Como Rocha (1980, p. 50) deixa

claro no seu romance Maria Dusá, que se passa na vila de Xique-Xique na época de 1860:

Pois é porque ainda tenho coragem de arregaçar a calça e meter no pé no trabalho, que eu gosto de contar a minha vida. Eu fui criado no trabalho. Antes da fome, eu tinha minha criaçãozinha, minha roça e, como pobre, sustentava a família. Quando arrojou a seca, vendi tudo para comer. Quando não pude mais, sai da terra. Como o senhor me viu, andei mendigando, até que, por seu parecer vim pr’aqui. E por felicidade o trabalho não faltou. Trabalhei alugado uns dias, fui vivendo, até que fui convidado pra trabalhar de meia-praça num serviço de gruna16, do Bom Será17. Serviço duro, senhor onde eu ia perdendo a vida, por ser inda reculuta. O dono teve pena de mim, foi me adiantando o saco toda a feira, porque eu não tinha outro jeito. Depois de um mês de trabalho, em que foi preciso arrebentar co broca um emburrado dos diados, também a gente catou diamante que foi um gosto! Como meia-praça, me coube uns quatro contos, e eu comprei esta casinha e botei esse negócio, porque no fim o diamante ficou cumprido. (grifos do autor)

É o que reafirma A.C.S. 70 anos, saindo da obra literária para a vida vivida: “Quem

não trabalhava no Brejo ou nas grunas, nos garimpos com água ou a seco, por conta ou para o

patrão, os chamados meia-praça, vendia para o patrão ou comercializava para terceiros”.

Outro antigo garimpeiro, E.V.C., de 75 anos, fala com ressentimento da relação conflituosa e

muitas vezes injusta que separa os estratos de uma sociedade:

[...] trabalhar para pegar o diamante era o mais fácil, mais difícil era o que comer né? Todo mundo podia garimpar [...] na época de 60, 1950...dava muito diamante, o comercio tava maravilha ainda do garimpo, né? Agora o cativeiro era demais...porque o garimpeiro pegava o diamante e quem dava , quem dava a farinhazinha, fornecia chamado fornecimento, dava a farinha

16 Escavação feita nas rochas para retirada do cascalho 17 Um dos garimpos mais produtivos de Igatu

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comprava o diamante [...] o garimpeiro tinha aquela besteirinha de nada e não fazia nada, nada, nada e hoje tá mio [...] acabou o garimpeiro na serra, não tá tendo quase, tá tendo pouquinho e uma tal de uma porcentagem que eles cobravam antigamente, chamada quinto, hoje não tem mais [...] não pagasse ai botava pra fora [...] Não gosto de falar dessas coisas, garimpei a vida toda, peguei pedras, tudo pros outros...hoje não tenho nada. Me dá raiva!

Há quem conte ainda pelos botequins da vila, que muitos proprietários de garimpo ao

receber a extração do dia pelos seus trabalhadores, desconfiados, davam óleo de rícino para

que não sobrasse nenhuma dúvida se o que foi entregue era realmente o que se tinha retirado

da terra. Como ainda retrata Seu E.V.C., antigo garimpeiro:

[...] Tinha o tempo que usava a escravidão, e para não dar ele porque judiava, engolia os diamante e no outro dia ia fazer efeito. Agora os donos dos garimpos conhecia quem fazia isso pegava e prendia o garimpeiro e dava óleo para o garimpeiro e esperava sair...

E por ai as histórias ganham imaginação nessa relação social que em meio às reações

negativas ainda se faz presente.

Enriquecer famílias era sua sina dada a sua sorte. Os dentes de ouro, o luxo, a

ostentação material e a luxuria eram produtos de quem tirara a sorte grande e apurou um uma

pedra de qualidade18 ou, como diziam: - “fulano bamburrou!”. Já vai longe a história de quem

se enriqueceu de dia e a noite a “carruagem virou abóbora”. O período entre estar rico e ficar

pobre é tão fugaz que dura o tempo de um jogo ou de uma noite bem paga nas casas badaladas

na movimentada noite da vila. Como retrata Rocha (1980, p.50):

[...] Garimpo é um jogo. Só deve jogar quem não tem muito a perder, e ganhando, deve sair e não voltar, enquanto tiver dinheiro. Quer uma prova? Olhe, o homem que primeiro me alugou, estava quase rico; pois já gastou tudo com o serviço, com o luxo, e está infusado que mete dó! Esta semana me veio pedir o saco fiado, e eu não tive jeito senão fiar.

A vida do garimpeiro está entre os cascalhos revirados incansavelmente dia após dia, a

espera da sorte grande, que quando encontrada segue um já predestinado no meio:

18 O valor de um diamante depende basicamente de quatro fatores: tamanho (peso), forma, cor e pureza, como diz Funch (1997 p. 178).

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Quem trabalha nos garimpos, provavelmente por influencia do meio, raro escapa ap mau hábito de tornar-se gastador. Se bafejado pela sorte, tem prazer em ostentar prodigalidade: seguindo o exemplo dos companheiros bamburristas, como que se sente na obrigação de esbanjar boa parte do seu ganho, promovendo beberetes e dissipando o dinheiro em outras futilidades. (minha vida nos garimpos,1980, p.37)

O dialogo entre personagens do romance Maria Dusá, é um fiel retrato da realidade

que perdurou na vida de tantos e tantos garimpeiros. Os diamantes brilharam e ofuscaram os

sonhos num eterno processo dialético entre o perder e o ganhar. Seu A.S. de 69 anos lembra

que “dinheiro de garimpo é como dinheiro de jogo, tinha aquela alegria e quando acabava ia

para serra de novo pegar outro”.

Em outra passagem pelo romance, Rocha (1980, p. 86) escreve:

Eis por que em todas as minas de diamantes, por grandes que sejam suas riquezas, gira com rapidez maior que em qualquer outra industria, a roda da Fortuna e ninguém sabe ao justo, quando se abatem os muros e levam-se os monturos, acontecendo ainda que aquele que se abate hoje, levanta-se amanhã, e assim sucessivamente.

O “Cousa boa” , como o próprio nome sugere, foi um garimpo responsável pela

ascensão da então vila de Xique-Xique. A abundância de diamantes cobriu de pedras a

sociedade local. Outros garimpos também tiveram importância como o Bom Será, o

Criminoso, Califórnia, Angico, Piaba, Luís dos Santos, Borrachudos, Bicano, Torres, Gererê,

Caetano Martins, Gameleira, Raposo, Capão, Verruga e o Brejo (SANTOS, 2001). Mais

recente, o garimpo do Brejo marcou época, sendo considerado por muitos como uma fonte

inesgotável de diamantes. Dona A.C.S. de 70 anos, descreve a relação social existente na

época:

O garimpo Cousa Boa, na Passagem, dava muito diamante, que não alcancei por ser menina. A segunda etapa de maior exploração foi no Brejo, onde a gruna foi aberta e vários grupos de garimpeiros trabalhavam no lugar. Eram abertas portas que delimitavam o espaço de exploração das ‘sociedades’. O lugar era iluminado antes por candeeiros e depois por energia elétrica, o que por si só já era uma ‘atração turística’.[...] Dizem que ainda tem a mesma quantidade de diamantes, mas já morreu muita gente ali, porque é um trabalho difícil e é preciso fazer as calçadas e os giraus19.

19 Eram bases de apoio para os garimpeiros sustentados com madeiras no interior das grunas, para evitar que a terra desmoronasse durante a escavação.

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Seu M.S.M., 68 anos, reforça as lembranças em uma leitura poética e com um novelo

de esperança sobre o lugar: "O Cousa Boa foi um ponto de muita pedra, tem até aquela

história de Maria Dusá [...] um garimpo muito bom era Bom Será, e o recente o Brejo que deu

muita pedra. Não se sabe se ainda tem muita pedra, se tiver lá por debaixo do segredo, só

Deus sabe.” (grifo nosso).

Na figura do garimpeiro repousa a inquietação, a coragem, o desbravamento e

inevitavelmente a esperança. A saída diária, ainda no raiar do sol, hoje já aliada à outra fonte

de renda, não se vive só do garimpo, discorre a feição de um importante documentário vivo e

ativo da sociedade do diamante.

O genuíno garimpeiro é uma organização especial, de educação física e moral algo semelhante à dos marinheiros. [...] A diferença entre as duas classes está em que o marinheiro obra disciplinadamente, e o garimpeiro, por impulso, ambição, entusiasmo, ou valentia, transfigurando-se, por vezes, em mártir ou herói, é sempre o velho garimpeiro, o incorrigível sonhador das bandeiras e entradas de aventureiros, vivendo romanticamente, nutrido moralmente por um ideal de riquezas inexauríveis. (ROCHA, 1980, p.80).

O garimpo contou sob intermináveis montanhas de cascalhos, as chamadas

montoeiras20, a história do lugar, onde a própria geografia local é testemunha. Áreas

reviradas, paisagens modificadas e vidas acalentadas pelo garimpo que ainda é praticado,

mesmo sobre as sombras do medo da fiscalização. Depois da febre do diamante datada até

meados dos anos 40, segundo informantes, os garimpos continuavam trabalhando, mas agora

atendendo a sua população e alguns aventureiros que teimavam em sonhar com a riqueza.

Por volta dos anos 80, a Chapada passa por uma nova procura diamantífera só que

dessa vez com maior presença de máquinas e equipamentos mais potentes do ponto de vista

ambiental. São as dragas21 que chegaram derrubando tudo que servisse como obstáculo ao seu

ideal. Rochas, leitos de rios, a própria serra se sucumbiu diante de escavações poderosas se

20 Acúmulo de fragmentos de rochas excedentes do garimpo. 21 Bombas de água movidas a motor utilizadas para revirar a terra a procura de diamantes.

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reduzindo a cascalho em pouco tempo de ação. As horas trabalhadas pelos antigos garimpos,

agora são minutos contados atrás dos diamantes.

O impacto ambiental foi intenso e irremediável. Não se conhecia mais o lugar, o

posicionamento de muitas pedras que as lavadeiras se encontravam para trabalhar e contar

histórias, rios assoreados que viravam armadilhas aos banhistas, que muitas vezes resultou em

morte com valas abertas no fundo do seu leito. A história que se conta não é a história que se

quer. Já não se tem o mesmo brilho da extração anteriormente contada. A máquina aniquila o

poder manual. As mãos calejadas e o corpo cansado que se arriscava em busca de um sonho,

agora atende aos mandos de uma caixa de marchas para enriquecimento industrializado,

muitas vezes de quem nunca tivera por ali.

Funch (1997, p.191) narra bem essa questão, quando diz: O impacto negativo do garimpo mecanizado no meio ambiente fora multiplicado por causa do aumento do numero de pessoas envolvidas nessa atividade e o uso de máquinas potentes nos trabalhos: crateras abertas nos leitos dos rios; cursos de água desviados e assoreados; devastação da população ribeirinha; detritos de maquinarias abandonados pela área e lixo acumulado nos acampamentos; estradas abertas pelos garimpeiros para dar acesso às minas danificaram trechos significativos ao longo dos rios da região.

Igatu não teve a presença das dragas em sua paisagem, mas muitos garimpeiros saíram

em busca desse trabalho mecânico, onde o impacto também subiu a serra em busca de

condutores de uma forma mais potente de exploração ambiental. É quando Nolasco (2000,

p.12) explica que “as dragas não chegaram em Igatu. Os garimpos tradicionais fizeram da

região uma área sem solos, com fraturas reabertas por limpeza do cascalho que o preenchia”.

Mas o sonho do garimpo ainda vive quando se depara com anseios embevecidos de saudades

de Dona A.S. P. de 67 anos, “por isso que o garimpeiro vive encabulado, o pessoal quer

acabar com o garimpo... mas a gente ainda pega um cascalho. Eu nunca peguei grosso, mais

eu tinha sorte no garimpo. Ah! Se eu pudesse ainda trabalharia com o garimpo!”, e Dona

D.O.S. de 65 anos, “quando o negócio tá ruim a gente vai para serra. Eles querendo ou não, é

disso que a gente veve!”.

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O garimpo que ainda sobrevive se alia a atividades mais segura do ponto de vista

econômico. Hoje, quem é garimpeiro em Igatu, também é comerciante, agricultor, funcionário

publico, guia de turismo, ou seja, há a necessidade de uma atividade conjugada. As dragas

foram proibidas em 1996 pelo IBAMA e CRA22 e outros órgãos responsáveis, junto a policia

federal. O caos aparentemente passou, mas as marcas impressas na paisagem registram um

capítulo que mancha a história que conta à saga dos garimpeiros na região.

2.2. O Legado Cultural: uma aproximação para o turismo

Fazer um a leitura da paisagem constitui um exercício de interpretação. Partindo da

noção de que “a paisagem não é um suporte passivo, mas uma entidade ativa, integrante e

testemunha de uma dinâmica cultural que se constrói no tempo e se manifesta no espaço”

(OLIVEIRA, 2002, p.225), as etapas vividas e toda a sua produção cultural são acumuladas

na paisagem como uma representação contemporânea produzida em escalas temporais

diferentes.

A paisagem construída é uma representação real dos tempos vividos, um reflexo do

modo de apropriação e dos traços culturais dominantes, podendo ser, portanto, uma revisão

literária da história local. Sauer (1998, p.09) esclarece que “a paisagem cultural é modelada a

partir de uma paisagem natural por um grupo cultural. A cultura é o agente, a área natural é

meio, a paisagem cultural o resultado”. Com base no binômio, paisagem-cultura, é que as

relações socioeconômicas desenham o espaço habitado.

O conceito de cultura se constrói à medida que se escuta as narrativas do local. A

apreensão dos costumes, símbolos e significados, verdadeiros instrumentos culturais, pelos

moradores locais estão condicionadas ao modo de vida da vila. A cultura do garimpo ainda é

22 Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (IBAMA) e Centro de Recursos Ambientais( CRA).

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forte na população após décadas e gerações. Filho de garimpeiro, garimpeiro é! Essa máxima

perdeu um pouco a sua força a partir dos anos noventa, por conta da proibição do garimpo,

embora tenha sido válida, praticamente uma regra, nos anos de glória da atividade garimpeira.

Santos (1998, p.61) afirma que a “cultura, forma de comunicação do individuo e do grupo

com o universo, é uma herança, mas também um reaprendizado das relações profundas entre

o homem e o seu meio, um resultado obtido através do processo de viver”.

A cultura é dinâmica, construída no dia a dia, e condiciona o modo de perceber o

mundo. O garimpeiro sonha em encontrar a grande pedra e mesmo que se passe 30 anos, a sua

relação com a terra será de eterna esperança, como sinaliza Laraia (2003, p.68): “o modo de

ver o mundo, as apreciações de ordem moral e valorativa, os diferentes comportamentos

sociais e mesmo as posturas corporais são assim produtos de uma herança cultural, ou seja, o

resultado da operação de uma determinada cultura”. Neste contexto, Pelto (1967, p.111-112)

conceitua cultura sob uma visão antropológica relatando

[...] o que freqüentemente, entendemos por cultura não vai além da ‘herança social’ de um determinado grupo de individuo. A herança social não é uma ‘coisa’ que se transmite intacta de geração para geração, como um móvel ou um cofre. Mas consiste nessa abstração complexa que daríamos forma como se não fosse possível fazer a síntese de todas as idéias, categorias de significados e ‘normas’ de comportamentos que os indivíduos de uma comunidade possuem. Cada nova geração discerne e transforma os sistemas ideológicos, os significados e as normas, nenhuma tradição social é fixa e nem invariável em uma sociedade. (tradução nossa).

Em 2000 o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) realizou o

tombamento do centro histórico de Igatu, o conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico,

depois de vários apelos e sinais de alerta dos ambientalistas e moradores preocupados com o

futuro local. Tornar público o descaso do patrimônio nacional é um dever do cidadão que

analisa o ambiente de forma macro e sistêmica. Inconformado com o abandono, o

ambientalista inglês Daniel Bloom revela sob um tom de indignação o descaso com o

patrimônio publico brasileiro. Registrado pela imprensa ( anexo A p.01), ele desabafa:

Resta-nos hoje o emocionante testemunho desta sociedade lavrista, que originou uma revolução de costumes na Bahia, feitas de lutas, de cobiças, de ambições

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destemidas e de festas homéricas, como lembram certos habitantes da região, que ainda em memória as histórias contadas por antigos garimpeiros da vila, e que excedia todas as expectativas em termos de esplendor e opulência. [...] Testemunho que deve ser urgentemente resgatado do anonimato, transformando todo o conjunto arquitetônico das ruínas e das pequenas casas ainda existentes em patrimônio histórico e cultural nacional . (JORNAL A TARDE, 12/07/1998, p.07).

O tombamento da vila trouxe aconchego frente ao medo de ver Igatu perecer e correr o

risco de perder sua identidade, estepizar sua cultura sob olhares e ações gananciosas, uma

preocupação que também vem de dentro da população local, como alerta V.M.B.D., de 39

anos, nova moradora:

[...] existe uma preocupação com a estrada que deve ser preservada. Estudar maneiras de controle de forma que a população junte e se alie a esse processo, porque somente a população pode proteger, porque não tem como colocar um fiscal em cada construção dessas, em cada lugar. Então esse é o fator mais preocupante que pode vim a preocupar a vila.

Essa realização se tornara essencial para a perenidade de todo patrimônio cultural e

natural envolvido. Entendendo-se que

A palavra patrimônio tem vários significados. O mais comum é conjunto de bens que uma pessoa ou entidade possuem.[...] O patrimônio pode ser classificado por duas grandes divisões: natureza e cultura. Patrimônio natural são as riquezas que estão no solo e no subsolo [...] Quanto ao patrimônio cultural, esse conceito vem sendo ampliado à medida que se revisa o conceito de cultura. (BARRETTO, 2001, p.09).

O patrimônio a que se refere não se limita apenas ao estrutural, ao estático. Inclui

essencialmente, os contos, os temperos, os valores e costumes de uma população que tem no

modo de vida a afirmação de sua identidade. Nesse contexto, as ruínas, as trilhas dos

garimpos, as histórias narradas de geração a geração, a comida de D. Lita, o restaurante da

Norma, os trabalhos manuais do Amarildo, a casa de Lindaura, as artes e os artesanatos

produzidos em cada beco, entre outros, constitui o mais rico patrimônio herdado pelo lugar,

ou melhor, um valioso legado cultural.

A presença abundante da cactácea inspirou o batismo do lugar que mesmo após a

mudança do nome, ainda se faz presente na cultura popular. O Xique-Xique (Pilosocereus

gounellei) e a Palma ( Opuntia fícus-indica) fazem parte da mesa dos moradores locais que

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desperta curiosidade de quem vem de fora e desconhece tal prática alimentar comum aos

sertanejos de um modo geral, como caracteriza Andrade (2002, p.54):

Na Chapada Diamantina, “o cortadinho de palma” está entre as comidas típicas mais apreciadas por moradores e turistas da região. Nos municípios de Andaraí, Mucugê e Lençóis, o picadinho de palma é considerado um dos três pratos típicos que caracterizam a região, juntamente com o godó (cortado de banana verde) e com picadinho de mamão verde.

Todo o legado cultural que se repousa nos temperos locais, usos e costumes são

valores representativos da identidade local, resquícios dos tempos mais difíceis, o consumo de

cactáceas hoje se configura como uma marca agregada ao patrimônio local, além de toda a

sua história contada e ancorada na paisagem.

O patrimônio cultural – ou seja, o que um conjunto social considera como cultura própria, que sustenta sua identidade – não abarca apenas monumentos históricos, o desenho urbanístico e outros bens físicos; a experiência vivida também se condensa em linguagens, conhecimentos, tradições imateriais, modos de usar os bens e os espaços físicos. (CANCLINI, 1999, p.99).

É nas palavras e ações de M. Z., artista plástico, 42 anos, morador recente da vila,

idealizador da Galeria Arte & Memória, que junto com a comunidade local construiu uma

representação viva de sua história recolhendo objetos em forma de doação para uma

exposição permanente de instrumentos que falam sobre o lugar, que também pode ser

interpretado todo o legado de um tempo que repousa na memória da vila e deve ser

conhecedor de quem se aventura a conhecê-lo. M. Z. sintetiza (2004, p.01):

Ruínas do Bairro Luís dos Santos, as áreas do Bambolim, Barriguda, Rua da Forca, inseridas no seu entorno urbano, são registros de imenso valor ao seu sensível patrimônio, legado do extrativismo que traçou o contorno que hoje desenha as marcas do tempo em sua face. Resquícios de atividades garimpeiras como o Poço do Brejo, o Canal da Fumaça, Gruta do Teté e a antiga mina Brejo/Verruga, podem servir como objetos de interpretação do seu patrimônio, conciliado com a atividade turística crescente na pequena vila. O retorno às suas raízes culturais e manifestações religiosas esboçarão um traçado de continuidade no intuito de manter íntegra a sua derradeira riqueza.

As memórias acumuladas historicamente fazem surgir personagens contados na vida

real. Símbolo cultural da cidade, Amarildo, 41 anos, nascido e criado na vila, talvez seja o

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mais expressivo patrimônio humano da história contemporânea de Igatu. Figura ímpar, de fala

firme e confiante, ele discorre sobre a história e os anseios do lugar como quem fizesse uma

leitura de sua própria vida. Aliás, Igatu, que ele conta de forma quase rudimentar, quando se

lembra que o século XXI já raiou, em páginas manuais cada passo da vila diariamente como

se fosse provedor dos acontecimentos da dinâmica do lugar. Há mais de quatro anos, escreve

sobre a história da cidade no mesmo ritmo que a vida lhe encaminha.

Quem chega, quem sai, aqueles que já se foram... Fazem parte de uma contabilidade

precisa e solitária como quem sugere que o patrimônio não é apenas para ser visto, mas para

ser ouvido, narrado, sentido, ou melhor, para se fazer uso de todos os sentidos. O que encontra

reforço nas palavras de Canclini (1999, p. 107) quando fala que “a ampliação do conceito

elitista de cultura e a inclusão das formas artesanais de produção popular foram um avanço”.

Uma critica a inclusão única e exclusivamente de produtos arquitetônicos como parte

interessante da cultura, quando se olvida dos saberes e fazeres que brota do seio da população

local, os verdadeiros personagens da vida real. O que se revela em seguida com o decreto

presidencial nº 3.551, de 04 de agosto de 2000, no qual abarca “dos saberes”, “das

celebrações” e “das formas de expressão”, como patrimônio imaterial de uma população. Ou

como ainda informa Geertz (1989, p.62), aonde “nossas idéias, nossos valores, nossos atos,

até mesmo nossas emoções são, como nosso próprio sistema nervoso, produtos culturais [...]”.

O patrimônio material representado pelas construções e traços arquitetônicos e todo o

patrimônio imaterial dos sabores e saberes são produtos dos lugares de memória e, portanto,

lugares onde a população se reconhece e se identifica. O que resume Bolle (1984, p.14):

O que se procura preservar, [...], não são, em primeiro lugar, objetos ou artefatos, obras arquitetônicas ou urbanísticas, mas algo mais próximo da gente, uma memória corporal e fisionômica, uma memória da percepção, do jeito de olhar e de andar, das maneiras de comer, de despertar do sexo...Todas essas coisas naturalmente estão ligadas à percepção de um espaço. Lugares e objetos são evocados como sinais topográficos e vasos recipientes da história da sensibilidade e da formação de emoções.

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Ou como ainda completa Canclini (1999 p.108) “[...] só resta preservar os bens

históricos e os costumes tradicionais, testemunhos puros de tempos melhores”.

A noção do patrimônio possuído se reduz na visão da simplicidade das pessoas que

acabam se acostumando com a paisagem como se fosse um móvel de sua casa. É o que

lembra Dona M.C.O., 83 anos, aposentada, quando questionada por alguns turistas sobre a

beleza do lugar: “- Eles dizem que nos não sabemos o valor que temos aqui!”. A apropriação

do patrimônio por parte da população local se difere do olhar do outro baseado no

estranhamento, que segundo Canclini ( 1999, p.108) “[...] é necessário conhecer e entender os

parâmetros de percepção e compreensão em que se baseia a recepção dos destinatários”.

Neste contexto, o turista vê o lugar sob a ótica do que é esteticamente valorizado se

aproximando de um laço fragilmente atado por uma percepção externa, diferente do olhar

interior, de propriedade típica de quem também se sente parte integrante do patrimônio local.

As construções deixadas pelo garimpo são referências no espaço e no tempo que

guardam em si as memórias do lugar, ou como lembra Carlos (2002, p.31) “sem referências

não se produz sequer o lugar na memória”. Contar a história por meio de elementos concretos,

resultado de uma herança cultural, aguça a curiosidade de diversos olhares direcionados a um

só espaço: o da imaginação. Compreender como a vila chegou a tal estágio de despovoamento

abre campo para um tipo de atração imaginária, alimentada pela imprensa e agências de

viagens, que utilizam a singularidade local para despertar a curiosidade, utilizando-se apenas

de um recorte histórico fragmentando o espaço, em imagens estáticas sem contextualização. A

“cidade das pedras” e ainda num misto de magia mística a “cidade fantasma”, são outras

“identidades” conferida a Igatu que na verdade constituem recursos e apelos que funcionam

como atrativo para o local.

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As ruínas do bairro Luís dos Santos, o maior conjunto arquitetônico da vila, e as do

Bambolim, são elementos que compõem a paisagem residual. A esse respeito Cosgrove

(1998, p.117) afirma que:

Muitos elementos da paisagem pouco têm de seu significado original [...] é difícil recuperar o significado de tais formas para os que a produziram e, na verdade, a interpretação que fazemos deles nos diz tanto sobre nós mesmos e nossas suposições culturais quanto sobre seu significado original.

Guiada pelo turismo, as paisagens residuais da vila constituem elementos designados a

visitação publica e a olhares fantasiosos que pouco ou nada compreendem sobre o alcance do

seu campo de visão. Como bem estabelece Souza (2002, p.97):

as funções espaciais e os significados contemporâneos, ora estabelecidos, são orientados pelo apelo turístico, onde o papel desempenhado por estes objetos de voyerismo23 define o modelo de turismo ali implantado, pela combinação natureza e patrimônio histórico-cultural.

Muito se perdeu pelo tempo. A movimentada vida da sociedade próspera deu lugar a

saudade preenchida pelos registros das lembranças que ainda povoam a mente de tantos

moradores. A lacuna deixada pela história busca o resgate de manifestações culturais ainda

adormecidas.

Em busca dessas releituras ressurge a tradição dos ternos das almas, memorizada pelos

antigos moradores e organizada por um novo morador, comprometido com o reforço dos

traços identitarios e a reafirmação do lugar. Tal manifestação ocorria na quarentena a partir

da quarta-feira de cinzas até a Semana Santa, quando a população, geralmente as mulheres,

vestidas de branco e carregando velas, percorria as ruas da vila, parando em sete estações

previamente escolhidas, terminando a caminhada na porta da igreja. Conta-se que no meio da

caminhada era proibido olhar para trás, com o perigo de “ver as almas”, já que era a hora

delas. Este será o segundo ano que a população reviverá essa tradição.

23 Utilizando uma expressão de Meneses (1999).

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Dona J.A.S.S. de 67 anos, quando menina tinha medo de ver a procissão passar, medo

de ver os mortos, mas hoje faz parte do processo de rememoração cultural e discorre como

acontece e o prazer que lhe dá:

O negócio dos ternos, antigamente tinha né? Depois teve aquela parada e ficou muito tempo assim... muitos anos parado. Quando é de uns dois anos pra cá que Marcos começou novamente [...] acontece na quaresma da semana santa para coisar os mortos, então começa das cinzas e essa reza é de sete semanas [...] eu sinto muito bem, eu gostei muito, eu nunca participei não porque nessa época o povo tinha o modo de dizer que não era para olhar pra trás [...] eu tinha medo de ir e não achar uma companhia pra ir pra casa então eu nunca participei. Agora com dois anos pra cá tô gostando de participar [...] vou no Cruzeiro , vou no Bexiguentos [...] eu acho que agora nós não ver porque começa agora oito horas e quando é dez horas nois tão dentro de casa e antigamente começava de onze horas em diante e só começava chegar dentro de casa doze horas, a hora deles mesmo, dos mortos né, doze horas.

Considera-se um trabalho de resgate que deve ser conjunto entre os principais atores

sociais que constitui uma população e que, principalmente, seja para a população. Como

coloca Ansarah (2003) que a “cultura é um insumo turístico importante, mas é aquela cultura

viva, praticada pela comunidade em seu cotidiano. Não é um espetáculo que se inicia quando

o ônibus dos visitantes chega, mas uma atividade que a comunidade exerce rotineiramente”.24

A cultura como espetáculo é uma arma que trai a identidade local. Santos (1994, p.23-

24) reforça que:

A fantasia sempre povoou o espírito dos homens. Mas agora, industrializada, ela invade todos os momentos e todos os recantos da existência ao serviço do mercado e do poder [...] Quando o meio ambiente, como natureza-espetáculo, substitui a natureza-historica, lugar de trabalho de todos os homens, e quando a natureza cibernética ou sintética substitui a natureza analítica do passado, o processo de ocultação atinge seu auge.

Um discurso que encontra apoio, com razão, nas palavras de Yázigi (2001, p.288):

“Concordar com a espetacularização permanente da cultura, como é norma hoje em dia, é

trabalhar para que a alienação aumente. Mas não creio que este seja um problema do turismo,

mas de toda a civilização, porque toda a civilização está voltada às ‘produções’”.

O turismo surge nas ruas da vila como a mais recente forma de apropriação do espaço.

Toda a característica peculiar do lugar agregando suas estruturas físicas, história e natureza 24 Material fornecido pela Profa. Dra. Marilia G. dos Reis Ansarah, na disciplina Turismo, Cultura e Lazer do mestrado em Cultura e Turismo (UESC/BA) em setembro de 2003.

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constituem campo fértil para o desenvolvimento de tal atividade. Igatu possui riquezas que

vão além de uma vitrine cultural 25, ou seja, uma mera exposição produzida com cunho

mercadológico no qual as formas culturais são expostas sem o mínimo de zelo e respeito aos

seus reais provedores, funcionando como uma vitrine de loja cara, na qual a população não se

sente parte integrante do que esta sendo finalizado, mas atinge as receitas, a fala e a cara, a

sua essência contida.

Combinar todo o legado cultural da época do garimpo, ampliando o conceito

patrimonial, dentro de princípios com base no respeito aos lugares de memória e aos laços que

eternizam o lugar, ainda se faz distante das grandes ações práticas, vislumbrando apenas no

campo teórico.

25 Termo e conceito designados pela autora.

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3.CAPITULO II: DO DIAMANTE AO TURISMO - UMA RECENTE APROPRIAÇÃO DO ESPAÇO

A ocupação e o desenvolvimento da maioria das cidades da Chapada Diamantina

foram determinados pela extração de diamantes que geriu durante décadas o modo de

apropriação e construção do lugar. Cidades como Mucugê, Palmeiras, Lençóis e Andaraí

tiveram sua configuração espacial desenhada pelos traços da atividade garimpeira, que deixou

resquícios visíveis nas estruturas físicas e no modo de viver de sua população.

Igatu, com a sua história baseada no apogeu e na decadência do diamante nas serras

baianas, guarda em si as memórias, experiências vividas, referências construídas no espaço

que dão uma singularidade ao local, como a presença das tocas dos garimpeiros. Santos

(1990, p.138), neste contexto, denomina a essas formas de rugosidades e aponta a sua inércia

dinâmica sobre os processos posteriores.

As rugosidades são o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em paisagem, incorporam ao espaço. As rugosidades nos oferecem, mesmo sem tradução imediata, restos de uma divisão de trabalho internacional, manifestada localmente por manifestações particulares do capital, das técnicas e do trabalho utilizado.

Corrêa (1990, p.71) com base nessa reflexão conclui que “as formas espaciais

herdadas do passado e presentes na organização atual apresentam uma funcionalidade efetiva

em termos econômicos ou um valor simbólico que justifica a sua permanência”.

As marcas históricas e geográficas da época garimpeira são fortes indicativos de um

lugar especial que além da paisagem cênica traz nas entrelinhas, toda uma forma cultural

moldada pelos personagens que hoje só contam história.

O direcionamento econômico durante o período do final do século XIX até meados do

século XX, guiado pela extração de diamantes resultou em uma organização espacial, ou seja

“resultado do trabalho humano acumulado ao longo do tempo”, utilizando uma frase de

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Corrêa (1990, p.69), que passado o tempo de inércia passa a atender as novas exigências de

um mercado que ora passa a reestruturar o espaço.

O espaço, compreendido nas palavras de Santos (1990, p 122), deve ser considerado

como um conjunto de relações realizadas através de funções e de formas que se apresentam

como testemunho de uma história escrita por processos do passado e do presente, isto é, o

espaço se define como um conjunto de formas representativas de relações sociais do passado

e do presente e por uma estrutura representada por relações sociais que estão acontecendo

diante de nossos olhos e que se manifestam através de processos e funções.

Neste contexto, as ruínas, as casas, as ruas e demais materializações físicas são as

formas herdadas e que na atualidade com a inserção de uma recente atividade produtiva como

o turismo, passa a possuir outra significação, outras funções. As ruínas, que de resíduos de

habitação, de moradia assume o papel de objeto de apreciação turística, reassumindo uma

nova função atendendo a necessidade da leitura atual do lugar.

Das heranças deixadas pelo passado se conta a história do presente. As relações

socioeconômicas anteriormente traçadas conjugam com o novo tempo em busca de fazer

ressurgir uma nova face dando sentido e estímulo à vida do lugar. Com a decadência, a vila

correu o risco de sumir do mapa, ficando apenas confinada a memória de quem por ali passou.

A população derradeira parecia não pertencer ao dado estatístico de uma sociedade inserida

em um século marcado pela aceleração das idéias e das transformações aonde o segundo

tornou-se a referência mais precisa de tempo. Mas o efeito da globalização faz nascer às

diferenças. Se o mundo está em toda parte, como dizia Milton Santos26, a parte não pode está

necessariamente em todo o mundo. È o efeito contraditório de fragmentação do espaço como

26 Expressão utilizada por Milton Santos em palestra no IX Encontro Regional dos Estudantes de Geografia em 1992 na Universidade Estadual de Feira de Santana-BA

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umas das conseqüências do processo de globalização. Uma lógica do capital que o turismo

não poderia se furtar.

O espaço passa a ser regido por uma “nova” ordem socioeconômica fazendo permear

uma rede de equipamentos e comportamentos manufaturados pela ideologia do poder. Das

configurações sofridas pelo lugar - entendendo-se como a parte mais concreta e especifica do

espaço - o turismo, quando não planejado, talvez ainda seja a de menor alcance a população

local. Com o garimpo podia-se ter acesso as serras, aos quintais, trabalhar como meia-praça, e

principalmente cultivar a ilusão e o sonho de enriquecer. A chegada do turismo mantém, é

obvio, uma divisão do trabalho, agora um pouco mais limitada, restrita e fincada nas sombras

da forma de produção atual. Cavoucar a terra ou revirar cascalhos, colocava a esperança ao

alcance dos dedos a procura da pedra, o que distancia e muito a relação entre trabalhar com o

turismo e para o turismo27.

Trabalhar com o turismo emite uma noção de paridade, de caminhar ao lado, de ser

proprietário de equipamentos turísticos, de gerir um negócio independente, de ter outra

ocupação e certa estabilidade. Trabalhar para o turismo revela uma posição de submissão, que

sempre foi condição nas relações sociais de produção, fragilizada pelas intempéries

econômicas e sazonais, sob a regência de uma classe hegemônica.

Entretanto, o trabalhar com e para o turismo, constitui um processo de (re)

posicionamento das relações produtivas anteriores, aonde os garimpeiros ainda se mantém

também como trabalhadores para o turismo.

Após a proibição da atividade garimpeira na região, em 1996, o turismo que

caminhava de forma ainda incipiente passou a alavancar a economia local. A transformação

de um espaço voltado à extração de diamantes, uma atividade considerada secular para uma

economia baseada nos serviços de bens de consumo, traz consigo uma nova reconfiguração

27 Termo e definição designados pela autora.

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espacial constituindo uma nova apropriação do espaço, aonde a natureza ainda continua sendo

inspirador insumo mercadológico.

Uma interpretação com base nas palavras de Casseti (1995) traduz a relação homem-

natureza em um modelo de apropriação. Primeiro parte-se do princípio que tudo que existe na

natureza contempla em potencialidade que em uma escala horizontal se dispõe em seqüências

alinhadas a partir da apropriação e utilização antrópica. Uma vez identificada, à

potencialidade, ou “o que é da natureza”, torna-se um bem natural, que quando adquirida e

agregada às necessidades humanas tornam-se recursos naturais, e esses adicionados a um

valor econômico gera uma riqueza natural (Fig.12). Isso se aplica a água, por exemplo, entre

outros elementos da natureza, vitais a essência humana.

Natureza apropriada

Riqueza natural

Recurso natural Bem natural

Natureza em potencial

Figura 12 - Modelo de apropriação homem-natureza baseado em Casseti (1995). Elaboração: a autora, 2004.

Em síntese, Casseti (1995, p.12), em suas leituras e reflexões sobre o pensamento de

Marx, informa que “esse processo de apropriação e transformação da natureza pelo homem,

coloca em movimento braços e pernas, cabeças e mãos, em ordem para apropriar a produção

da natureza numa forma adaptada às suas próprias necessidades”.

A dinâmica do turismo vem redesenhando a estrutura socioeconômica local. Novos

equipamentos surgem paulatinamente, à medida que a atividade exige novas qualificações. A

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valorização do espaço assume uma posição antes esquecida pelos antigos moradores. Como

esclarece Moraes & Costa (1987, p.122-123) que

em qualquer época e em qualquer lugar, a sociedade, em sua própria existência, valoriza o espaço. O modo de produção entra [...] como mediação particularizadora. Cada modo de produção terá, assim, o seu modo particular de valorização. [...] a relação socidade-espaço é, desde logo, uma relação valo-espaço, pois substantivada pelo trabalho humano. Por isso a apropriação dos recursos próprios do espaço, a construção de formas humanizadas sobre o espaço, a perenização (conservação) desses construtos, as modificações, quer do substrato natural, quer das obras humanas, tudo isso representa criação de valor.

A esse respeito Santos (1994, p.28-29) coloca que pode-se, pois, dizer a respeito dessa

nova realidade que tais especializações na utilização de território – sejam elas originalmente

naturais ou culturais, ou provenham de intervenções políticas e técnicas - significam uma

verdadeira redescoberta da Natureza ou pelo menos uma revalorização total, na qual cada

parte, isto é, cada lugar, recebe um novo papel, ganha um novo valor.

O espaço passa a ser ressignificado, dotado de novos valores e utilidades. Hoje o

metro de um terreno, ou melhor, lajedo28 extrapola a posse de muitos moradores sendo mais

acessíveis a um novo contingente populacional reafirmando o novo valor estimado pelo

espaço a partir de sua inserção no circuito turístico como um todo. De uma certa forma o

espaço passa a ter uma força atrativa desviando o percurso litorâneo para as chapadas do

sertão migrando assim, muitos modelos de segunda residência numa emergente valorização

espacial. O que se vê em Igatu é o surgimento de um “novo bairro” (Fig. 13, p.62),

construções recentes e moradores recentes, em busca dos mais diversos atrativos do lugar.

28 Termo designado aos afloramentos rochosos muito comum na região.

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Figura 13: O “novo bairro” de Igatu Fonte: foto da autora, 2004.

Dentro da regionalização turística proposta pela Bahiatursa (1991), a Chapada

Diamantina constitui um importante pólo de investimento e desenvolvimento do destino

Bahia. Foram desenhados quatro grandes Pólos Turísticos distribuídos em sete Zonas

Turísticas, conforme indica a Fig. 14 e 15 (p.63).

Figura 14: Mapa da Regionalização Turística da Bahia (PRODETUR 1991)29 Fonte: : Site http://www.sct.ba.gov.br/turismo/zona_prodetur.asp

29 Acesso em 15.ago. 2004.

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Concentrado em temas ligados a sua história o mapa turístico da Bahia vai se

desenhando tendo como base os recursos naturais e culturais em destaque. O “Circuito do

Diamante” congrega as cidades que tem história ligada a esse mineral responsável pela

construção de várias cidades que hoje contam histórias à espera de aventureiros que procuram

a natureza como destino. Igatu aparece no cenário regional e fazendo parte da zona de

interesse turístico dentro do Circuito do Diamante, portanto área a ser investida e trabalhada

pelo turismo baiano.

Pólos Turísticos Zonas Turísticas

Pólo do Descobrimento · Costa do Descobrimento (Santa Cruz Cabrália, Belmonte e Porto Seguro); · Costa das Baleias (Prado, Alcobaça, Caravelas, Nova Viçosa e Mucuri).

Pólo do Litoral Sul · Costa do Dendê (Valença, Cairu, Taperoá, Camamú, Nilo Peçanha, Ituberá, Igrapiúna, Maraú); · Costa do Cacau (Ilhéus, Itacaré, Uruçuca, Canavieiras, Una e Santa Luzia).

Pólo Salvador e Entorno · Costa dos Coqueiros (Conde, Jandaíra, Esplanada, Mata de São João, Entre Rios,Camaçari e Lauro de Freitas); · Baía de Todos os Santos (Vera Cruz, Itaparica, Salinas da Margarida, Nazaré, Jaguaripe,Cachoeira, Santo Amaro, São Félix, Saubara, Maragojipe, Madre de Deus, São Francisco do Conde).

Pólo Chapada Diamantina .Circuito da Chapada Norte (Jacobina, Campo Formoso, Saúde, Caém, Ourolândia, Piritiba, Miguel Calmon, Morro do Chapéu, Utinga, Bonito e Wagner); · Circuito do Diamante (Lençóis, Iraquara, Seabra, Palmeiras, Mucugê, Andaraí, Itaetê, Nova Redenção e Ibicoara); · Circuito do Ouro (Rio de Contas, Piatã, Abaíra, Jussiape, Livramento de Nossa Senhora, Érico Cardoso e Paramirim).

Figura 15: Pólos Turísticos e Zonas Turísticas da Bahia – Regionalização do Prodetur (1991)30 Fonte: http://www.sct.ba.gov.br/turismo/zona_prodetur.asp Elaboração:a autora,2004.

A mesma natureza que conta à saga dos garimpeiros impulsiona a atividade do

turismo que atua como uma fonte para o redirecionamento econômico da vila, abrindo 30 Acesso em 15.ago. 2004.

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capitulo para uma recente forma de apropriação do espaço pelo capital. O turismo como

alavanca do desenvolvimento socioeconômico constitui uma grande alternativa, mas como

mais uma atividade econômica e não uma ilusão endossada pela mídia e assinada pela

urgência de sobrevivência de muitos.

Pensar no turismo como a única atividade econômica de um local é se render às

ações e reações causadas pelo tempo e pelo homem. Pensar no turismo como uma atividade

sustentável é o caminho para se trabalhar uma sociedade também sustentável. Hall (2001,

p.20) ressalta que

a sustentabilidade é, notadamente, resultado da “era da ecologia”, embora a herança intelectual do conceito remonte, no mínimo, ao início do século XIX. Apesar de a sociedade, e interesses essenciais dentro dela, estar há muito preocupada com a melhor forma de utilizar e conservar os recursos naturais foi no século XX e no mundo globalizado do novo milênio que passamos a perceber a forma pela qual tudo está ligado. Ambiente, economia e sociedade estão indissociavelmente unidos.[...] a sustentabilidade é do interesse de todos.

Sachs (2002, p.32) a respeito da jurássica e conflitante relação entre ambiente e

economia aponta um discurso onde “o uso produtivo não necessariamente precisa prejudicar o

meio ambiente ou destruir a diversidade, se tivermos consciência de que todas as nossas

atividades econômicas estão solidamente fincadas no ambiente natural”. A idéia de

sustentabilidade perpetua à medida que cresce a irresponsabilidade ambiental. As ações são

contraditórias ao discurso e o ambiente sinaliza há muito, os efeitos de uma relação baseada

na desigualdade e na força do capital. Até quando?

3.1. Nas trilhas do turismo

Da exploração do garimpo, que traçou o modelo das estruturas socioeconômicas

vigentes até meados do século passado, à recente exploração do turismo intensificada a partir

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dos anos 90, a paisagem ainda se configura como o principal instrumento geoeconômico do

lugar. Neste sentido Pires (1996, p.162) comenta que

se a razão de ser do turismo - aquilo que mais caracteriza este fenômeno – é o deslocamento ou movimento voluntário das pessoas de um lugar para outro no espaço, então o turismo pode ser concebido como uma experiência geográfica na qual a paisagem se constitui num elemento essencial. (grifos do autor)

O turismo apresenta-se como uma alternativa, um caminho para o desenvolvimento de

localidades que buscam uma nova fonte para fomentar sua economia. Como reflete Rodrigues

(1997, p.53),

Assim a atividade turística só pode ser analisada pelo viés do desenvolvimento sustentável, ou sejam uma analise diagonal e não uma analise de sua essência. Trata-se enfim de ter a paisagem para ver e não para ser. Penso que esse é o desafio de analisar a atividade turística para além de seus atributos positivos e negativos e atingir-se a compreensão da complexidade.

O turismo se desenha nas ruas e becos, com a produção de artesanato representando o

lugar, nas antigas casas sob a forma de pousadas e restaurantes, e no modo de vida de alguns

moradores que já atrelam sua ocupação financeira a atividade. Uma teia de relações se tece

em torno do que se configura como o grande potencial econômico local, o que de certa forma

é verdadeiro, e envolve todo um espaço físico, social e psicológico da população em questão.

Compreendido como uma atividade sócio-econômica que produz e consome espaços

(RODRIGUES, 1997), a atividade do turismo transforma e molda não só na configuração

espacial, embora constatada com mais facilidade, mas também os valores, as crenças, as

idéias e os hábitos de toda a população diretamente ligada a esta atividade.

É o que analisa Moesch (2002, p.09), quando define o turismo como

uma combinação complexa de inter-relacionamentos entre produção e serviços, em cuja composição integram-se uma pratica social com base cultural, com herança histórica, a um meio ambiente diverso, cartografia natural, relações sociais de hospitalidade, troca de informações interculturais. O somatório desta dimensão sociocultural gera fenômeno, recheado de objetividade/subjetividade, consumido por milhões de pessoas, como síntese: o produto turístico.

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E é em meio a essa complexidade que o turismo toma gosto e forma, despertando

interesse nos lugares e nas pessoas, disseminando o seu perfil social que lhe é elementar.

A vila de Igatu, ou Xique-Xique como preferem os antigos moradores, aponta

características que fluem como verdadeiras riquezas naturais e culturais, componentes

primordiais para a atividade turística. Antes da década de 90, o lugar atraía alguns

aventureiros, que buscavam novos atrativos nos caminhos já então conhecidos pela Chapada,

principalmente, partindo da cidade de Lençóis, portal de entrada e aglutinador dos

equipamentos chamados de “linha de frente” (COOPER et al, 2001) como, restaurantes e

hotéis incluindo o aeroporto. A visita ainda era tímida e o que mais atraía era a velha formula

de marketing, onde um amigo leva dois e a propaganda “boca-ouvido” passou a revelar um

novo momento para o lugar.

Em início as casas de amigos eram indicadas por quem já esteve na vila servia de

apoio e referência para quem estava chegando. A primeira forma de acolhimento era baseada

na hospitalidade da população, que abria as portas e recebia com o coração, café e bolinhos de

chuva. No início da década de 90 alguns indícios de renascimento e reflorescimento da vila

sinalizam com a chegada de pessoas de fora interessadas em dar a Igatu o brilho ora perdido

com a escassez dos diamantes. Em 1994 foi inaugurada, no que se diz a última residência do

Coronel Aureliano de Britto Gondin, uma pousada considerada o estabelecimento símbolo do

turismo local e resultado da afirmação do hoje, onde novos moradores viram o potencial

recolhido nas paisagens e adormecido no lugar. Este, talvez tenha sido o marco para o

assentamento do turismo, impulsionado por uma visão externa para promoção e distribuição

do destino Igatu junto às operadoras e agências de turismo regional e nacional. “A cidade

fantasma” ou a “Machu Pichu baiana”31, viraram sinônimo do lugar como efeito atrativo do

31 O título de “cidade fantasma” refere-se as ruínas deixadas após intensa ocupação no início do século passado. “ A Machu Pichu baiana” é uma analogia a mística cidade peruana.

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processo de comunicação, gerando interesse e curiosidade que funciona como cartão postal da

vila.

Alguns moradores, aproveitando o indício de um novo tempo, retornaram e

começaram a transformar casas em pousadas incentivando outros poucos moradores locais a

se iniciar no atendimento ao turismo com seus dotes culinários. A participação do morador

local, nascido e criado no lugar, frente aos equipamentos turísticos ainda é insignificante, e

sua grande maioria integra mão de obra dos serviços gastronômicos e menos especializados,

típico de uma relação característica de estratos sociais distintos.

O turismo como vetor social busca raízes na nova reconfiguração da sociedade

contemporânea, onde a busca pelo prazer e de reflexões cotidianas se revelam no ato de viajar

e no sentido de transcender para dar vazão aos sentimentos e ao imaginário. Além de buscar

atender os apelos econômicos e meramente estruturais, o turismo também é responsável pelos

anseios, expectativas e impressões onde traduz ensaios culturais no processo cambiante de

construção do ser social.

Mesmo passível de críticas negativas, principalmente referentes a sua contradição no

fazer acontecer, o turismo é ainda uma atividade econômica que se bem gerida é condutora de

benefícios na ampla esfera sócio-politica-econômica e que pode trazer o bem-estar ambiental

como um todo. O que precisa é tratar a atividade como mais um modo de produção

econômico, que como tal é dotada de ação e reação e requer responsabilidade em sua gestão,

com implicações sociais e ambientais, deixando de lado a visão romântica e utópica do

turismo como o “salvador da pátria” e finalizador dos problemas econômicos de um lugar.

Trigo (2004, p. 98) se posiciona diante de questões que precisam entrar em prática

diante da realidade da atividade do turismo quando diz:

Vários problemas precisam se enfrentados. Um deles é acabar com o “discurso triunfalista ingênuo” que só vê qualidades no turismo e condena os críticos como se fossem “aves agourentas” e não pessoas com visão estratégica. Outro problema é a “tradição” anômala e perversa de não preparar as comunidades e diferentes setores para discutir em conjunto e se co-responsabilizar pelos projetos políticos.

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Quando bem administrado, os benefícios existem e precisam ser ampliados em sua

ação, embora a divulgação da negatividade e sua real existência sejam maiores, exemplos de

bons resultados na relação turismo-bem-estar da população ainda se apresenta em escala

difícil de ser encontrada no mapa. Yázigi (2002, p.09) coloca que

se for verdade que o turismo pode facilmente deteriorar lugares desavisados de planejamento e força política, em momentos posteriores torna a sua recuperação uma exigência. Daí ser melhor prevenir, por meio do planejamento, do que remediar. Alias, considerado entre outras formas de exploração econômica (mineração, industria, etc.), o turismo, quando sabiamente conduzido é o que menos danifica a paisagem: ele tem de viver e sobreviver com níveis de excelência.

Comparado a outras atividades o turismo se revela como uma alternativa de

recuperação e valorização de áreas degradadas, com o caso do garimpo, que dispensa análise

de impacto ambiental, que hoje depois de devida reorganização da natureza, se aplica a um

espetáculo para visitação.

Dizer que o garimpo deixou marcas na paisagem e que essa mesma paisagem

constitui foco da atividade turística, torna-se lugar comum. Suas relações vão além do visual e

do contemplativo. O garimpeiro que cavoucava a terra, hoje se arrisca como guia numa nova

interpretação de um espaço caminhado, trilhado anteriormente, fazendo de sua própria história

uma leitura do contemporâneo, da paisagem que ali se encerra.

O turismo e o garimpo se encontram na sobrevivência e na experimentação da

apropriação de um mesmo espaço dotado de outro valor. Em uma descompromissada análise

competitiva, os números são favoráveis a atividade do garimpo que durante meio século

comandou a economia local, o turismo com mais de uma década ainda se revela tímido com a

inserção da população, que conta com a esperança e promessa de crescimento. De um todo o

turismo avança na frente quando a questão é recuperação da auto-estima e afirmação

econômica local. É verdade que a população não traduz o sucesso do turismo, mas vive a

experiência de conduzi-lo ao renascimento do lugar, de reavivar o sentido de identidade e de

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pertença que se escondia sobre os escombros deixados pela garimpagem nos tempos de

riqueza. Neste sentido, a importância do turismo como vetor social ultrapassa sua conotação

econômica quase sempre analisada independente do contexto mais abrangente que atenda as

outras necessidades para o bem-estar local.

Krippendorf (2000, p.136) é enfático nesta questão, quando diz que

O turismo só terá futuro se caminhar na direção de um humanismo maior. O importante é reconhecer que o turismo deve servir o homem, e não o contrário. Qualquer evolução, inclusive a do turismo, deve inclinar-se para o desenvolvimento do ser humano, e não dos bens materiais. O desabrochar humano deve ser prioridade absoluta [...]. Caberia desenvolver o turismo aos seres humanos, para que ele se torne mais humano.

E é esse acontecer turístico que se espera encontrar, tendo na prática a relação do local

com o global, sendo o morador sujeito do processo de uma atividade construída com base na

responsabilidade social e ambiental. Distanciar o olhar da administração do turismo, além da

área de competência de cada um, em um sentido mais amplo possível, dentro de uma

abordagem holística, ainda é o ponto de construção para a afirmação do saber-fazer turístico.

3.2. No caminho das pedras: os principais roteiros

Seguir os caminhos já traçados pelo passado torna-se um exercício de auto-

reconhecimento, uma (re) leitura da história e da própria natureza. Caminhos que antes

levavam aos garimpos, grunas e grutas, atualmente levam ao lazer, a contemplação de olhares

ávidos por novas experiências e belezas extraídas de algum canto do mapa.

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Utilizar histórias vividas e transformá-las em roteiros turísticos é ainda uma

forma de aproximação do cultural com o turismo, do local com o globalizado. Partir da

vivência para a experiência se traduz em um exercício de cidadania que pode fazer bem aos

moradores, vestidos de guias nesta atividade emergente.

Muito do que se tem para visitação é produto da ação do garimpo. As locas,

tocas, os resquícios arquitetônicos que aliados à generosidade da natureza, fazem de Igatu um

lugar especial, de gente muito especial, que deve, portanto ser prioridade na análise e no

discurso do espaço, que antes de ser considerado turístico, é patrimônio da população local.

O turismo tem assumido uma importância se ocupando da vida de alguns

moradores que junto a algumas parcerias políticas, novos e antigos moradores se organizaram

na formação de uma associação de guias, na qual moradores conduzem a promissora atividade

do turismo. A ACVXI (Associação dos Condutores de Visitantes de Xique-xique de Igatu),

conta hoje com 20 guias credenciados, a espera de qualificação para um melhor desempenho

da atividade, contando apenas com a sedução despertada em participar do novo contexto

socioeconômico vivido. A preparação de guias-moradores vai além de um possível programa

de inclusão marginal e atinge as esferas dominantes que sob uma visão vertical, se fartam dos

lucros e méritos obtidos em detrimento da verdadeira, e muitas vezes oculta, face social do

turismo: investir no patrimônio humano como vetor de crescimento econômico viável para

uma sustentabilidade ambiental, no seu sentido mais amplo e completo.

Os roteiros geralmente são definidos por alguns indicadores e marcadores da história e

da paisagem. Os traços mais marcantes ressaltam a curiosidade atraindo olhares que

funcionam como filtro dos lugares a comporem uma atração turística.

Em uma visão prática, Cooper et al. (2001, p.326) define atração turística

como aquelas que são presentes da natureza a as artificiais. As primeiras incluem a paisagem, o clima, a vegetação, as florestas e os animais selvagens. As outras são

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principalmente os produtos da história e da cultura, mas também incluem complexos de entretenimento criados artificialmente [...].

Atração implica uma relação de imã com um objeto, neste contexto, um lugar. O poder

de ser levado a direcionar olhares e sentidos ao lugar revela o grau de atratividade que pode

estreitar espaços geográficos e afirmar laços sensoriais. Os recursos naturais e culturais se

revelam elo de aproximação entre o turista e o lugar, desvelando o que se convencionou

chamar de recurso turístico.

Os recursos naturais geralmente são os primeiros a serem direcionados a oferta

turística. O relevo, a vegetação, os rios e cachoeiras e todas as paisagens naturais, agregadas à

paisagem construída, são tipos de recursos adaptados à atividade turística. Por si só, a

paisagem se encarrega de atrair olhares e sentidos, e a transformação de um recurso natural

em atrativo turístico requer planejamento e sensatez.

Cooper et al (2001, p.328) ainda revela que “a divisão entre recursos naturais e

atrações artificiais, não é muito clara. Muitas atrações naturais requerem investimentos

consideráveis de infra-estrutura e gerenciamento para serem utilizadas para fins turísticos”. O

recurso e o atrativo turístico se distanciam em sua forma de lapidação. Como se sabe, os

recursos turísticos são produtos de uma relação pré-existente entre natureza e cultura,

enquanto que os atrativos turísticos, seriam os recursos lapidados, ou seja, são esses recursos

adicionados a uma infra-estrutura que gerencie o espaço de maneira menos invasiva para os

moradores locais e que responda ao bem-estar do turista.

Se os atrativos implicam em modelos de gerenciamento e de um (re) arranjo espacial,

dotado de equipamentos que melhor acomode e direcione o fluxo de visitantes dentro de uma

visão responsável do eixo de sustentabilidade ambiental, ainda carece o seu pleno exercício

dentro da atividade turística. O que se vê com facilidade são recursos revestidos de atrativos,

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numa visão equivocada e muitas vezes proposital quando se leva em conta a força que a

palavra traz..

O poder de atração por lugares diferentes faz de Igatu um lugar ímpar, com aura e

alma que a particulariza. Seus roteiros contam o instante vivido e o presente construído, mas é

preciso uma dose de responsabilidade para não errar a receita. O bom senso deve prevalecer

na hora de guiar com respeito e cuidado aos agentes envolvidos no processo: guia-morador, a

paisagem e o turista. O roteiro aqui apresentado é resultado da análise dos mapas mentais e

das entrevistas realizadas durante a pesquisa. São os lugares de memória e os lugares afetivos

dos moradores de Igatu, representados pela figura 16 ( p.73).

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Figura 16: Mapa Lugar de Memória Fonte: Mapa do IPHAN (Lençóis-BA) e entrevistas e mapas mentais dos entrevistados na pesquisa. Elaboração: Prof. Dr. Mauricio Moreau, com dados cedidos pela autora, 2004

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3.2.1.Entre a natureza e a história: um roteiro turístico-cultural

1- Ruínas do Luis dos Santos

Localizada no entorno da vila e âncora da paisagem de Igatu, as ruínas (Fig. 17) são

representações vivas da história local. O bairro Luis dos Santos abriga o maior conjunto

arquitetônico das ruínas e reproduz a imagem dos tempos de riqueza do garimpo, onde

residiam mais de 500 pessoas até o final da década de 40. Hoje é o lugar mais visitado da vila

com direito a dar asas a imaginação, de quem por ali passa. È nesse cenário de feição

cinematográfica que muitos fazem referência à “cidade fantasma” e principalmente, a “Machu

Pichu” que a própria história se encarrega de desmistificar.

Figura 17: Ruínas do Luis dos Santos Fonte: foto da autora, 2004.

2- Ruínas do Bambolim

O bairro do Bambolim também se desenha em ruínas (Fig.18 p.75) e lembranças de

um passado em estado de conservação e dimensão menor do que as ruínas do Luis dos Santos.

Lugar também muito habitado na época do auge do garimpo que na atualidade é designada

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também como ruínas, após o advento do turismo. Paredes, resquícios de um bairro que era

habitado por muitos garimpeiros que buscavam a sorte grande, hoje é caminho para o brejo e

outras paisagens descortinadas pela beleza do lugar. Algumas áreas já foram adquiridas por

novos moradores e “veranistas”, mais que por enquanto ainda mantém um ar de quem vive do

passado.

Figura 18: Ruínas do Bambolim Fonte: acervo de Wagner Guerreiro, 2004.

3- Igreja São Sebastião

Construída após uma promessa de um antigo garimpeiro denominado Elviro, em 1854,

feita para São Sebastião caso conseguisse pegar um diamante grande construiria uma igreja

em sua homenagem, de frente para sua casa. Realizado o pedido, promessa comprida! Alguns

antigos moradores dizem que foram os escravos que construíram a Igreja (Fig. 19, p.76). Em

meados dos anos setenta passou por um processo de reforma e se redescobriu em beleza e

surpresa quando foi retirada a pintura, deixando à mostra as pedras, símbolo do lugar.

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Figura 19: Igreja de São Sebastião Fonte: foto da autora, 2004.

4- Bosque de Eucaliptos

Localizado na área ao redor da Igreja, os eucaliptos (Fig.20, p.77) formam um

pequeno e suntuoso cenário e um rico componente paisagístico. Um antigo e importante

morador do local, Eurico Antunes, foi o idealizador dessa paisagem, com o intuito inicial

apenas de dar mais “vida” ao entorno de sua casa. Como a área é coberta de lajedo, conta-se

que foi assentada uma “camada de solo”, que segundo alguns moradores, o lugar foi

preenchido de “rabo de garimpo” ou resquícios da atividade garimpeira, para que os

eucaliptos fossem plantados. O resultado é um belíssimo e misterioso bosque de eucaliptos

que aguça a imaginação e que pode despertar sentimentos que vão do místico ao sagrado, já

que faz parte da paisagem da igreja e do cemitério.

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Figura 20: Bosque de Eucaliptos

Fonte: foto da autora, 2004.

5- Cemitério

Alvo de repulsa de muitos, os cemitérios atraem pela beleza e mistério envolvido em

desenhos arquitetônicos bizantino. Carneiras antigas (Fig. 21, p.78) que abrigam os restos

mortais de famílias que compuseram a estatística populacional e que fazem história até hoje

são reflexos da cultura portuguesa que simboliza a elite da época do garimpo, onde os

ornamentos de cada carneira eram um diferencial da rica sociedade da época. Hoje é um lugar

para visitações e ações culturais da comunidade ligadas a atos religiosos.

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Figura 21: Cemitério

Fonte: foto da autora, 2004.

6- Galeria Arte e Memória

Inaugurada em 2001, por um novo morador, a Galeria (Fig.22, p.79) constitui

um marco na história de Igatu. A representação e a interpretação do seu patrimônio

transformado em exposição fixa gera um reforço a identidade local. O acesso à cultura e ao

espelho de sua cultura é um exercício continuo de cidadania. Além da exposição de

instrumentos representativos da cultura local, a população e os turistas ainda são

contemplados com outras atividades culturais com artistas conhecidos no mundo das artes.

Um banho de cultura, uma leitura da arte solidária.

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Figura 22: Exposição na Galeria Arte & Memória

Fonte: foto da autora, 2004.

7- Casa de Amarildo: “Entre e compre alguma coisa”.

Personagem típico e apaixonado por sua terra, Amarildo, um professor e hoje também

profissional do turismo, é o que poderia chamar de patrimônio humano de Igatu. Fã

incondicional da Xuxa e do Roberto Carlos, ele abre na sala de sua casa além das portas,

histórias e curiosidades locais. Balas, licores e camisinhas dão a dimensão do que se pode

encontrar no seu estabelecimento “Entre e compre alguma coisa” um nome sugestivo e um

lugar extremamente acolhedor. Caso entre e não compre nada, poderá comprar a idéia de que

é preciso muito pouco para se sentir realizado. Há também alguns livros escritos a mão pelo

próprio Amarildo que retrata a história e o lugar. Um lugar imperdível para se aproximar da

cultura local, ouvindo suas histórias e tomando licor de nêspera, uma frutinha importada da

Itália no tempo de povoamento local, segundo o próprio Amarildo.

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8- Praça José Gomes da Silva (a pracinha)

A praça (Fig.23) da vila que como todas do interior, é um ponto de encontro e um vão

a mais da residência de cada um. Inaugurada em 1988, a praça leva o nome de um antigo

morador e prefeito de Andaraí José Gomes da Silva (anexo B, p.02), que como muitos foi

responsável pela história que hoje é contada pelos antigos moradores. Homenageado não

somente por uma reputação digna, mas, sobretudo, pela generosidade com os garimpeiros,

como afirma quem o conheceu.

Figura 23: Praça José Gomes da Silva

Fonte: foto da autora, 2004.

9- Casa de Lindaura

Considerada a primeira casa a oferecer hospitalidade aos forasteiros, a casa de

Lindaura hoje segue os ensinamentos de sua mãe, D. Alzira, que quando viva ensinou a arte

de receber bem, a arte da hospitalidade. A sala de sua casa abriga um pequeno acervo de

documentos, recortes de jornais, livros e fotos, muitas fotos de pessoas que contam a história

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local, além de artesanatos feitos por seus filhos. É o que se poderia chamar de “museu

doméstico”, um endereço certo junto à memória da vila.

10- Morro do lava-pé

Localizado na rua São Sebastião, que leva a igreja, o morro do lava-pé (Fig.24), às

vezes passa desapercebido por olhares estranhos ao lugar, mas é facilmente reconhecido

principalmente por antigos moradores. Discreto e sem maiores “propagandas”, o morro não

desperta maiores interesses para os turistas, mas é parte integrante da vida dos moradores

locais, que brincavam e brindavam a paisagem que se encerra do alto dele. Caminho dos

antigos garimpeiros que vinham do Bom Será, ou que passavam pelas ruas e caminhos

barrentos entre os lajedos, era comum antes de “entrar” no centro da vila, lavarem os pés no

córrego que corre aos pés do morro. Batizado pela história e por sua funcionalidade, hoje se

vê as margens do descuido e da falta de atenção com os lugares mais simples do lugar,

embora tão importante quanto às outras paisagens do local. O córrego que lavava os pés de

quem chegava, hoje se finda com depósitos de esgoto que insistem em alterar o verdadeiro

sabor das águas que ainda correm por ali.

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Figura 24: Morro do lava-pé

Fonte: foto da autora, 2004.

11- Poço do Brejo

Segundo os antigos garimpeiros, o Brejo (Fig.25) foi o garimpo mais promissor depois do

Bom Será e responsável pelo enriquecimento e pela esperança de muitos. Cada dia trabalhado

era recompensado pelo brilho das pedras extraídas do local. Uma chuva de diamantes que

cessou até meados do século passado e deixou uma paisagem totalmente degradada, que a

natureza, nos anos seguintes, tratou de recuperá-la. Hoje o lugar é um misto de medo e

atração. Um dos lugares mais visitados, passa por um processo de renovação. Além da

permissão para se banhar em suas águas geladas e misteriosas e do olhar contemplativo, o

turista que hoje paga R$ 1,00 para entrar (2004), irá ser presenteado a conhecer e vivenciar

um pouco a lida de um garimpeiro, que no passado atravessava o Brejo até o Verruga, outro

garimpo, sempre em busca das maiores pedras. O processo ainda esta em fase de construção,

mas já se pode ir além da metade do caminho, se aventurando entre as paredes frias e escuras

do que já está aberto. Para esse passeio é preciso pagar R$3,00 (2004), revertido para a

escavação do túnel. Uma verdadeira leitura sob a história de Igatu, agora aberta a quem quiser

conhecer e sentir a lida do garimpeiro.

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Figura 25: O Poço do Brejo

Fonte: acervo de Wagner Gurreiro, 2004.

12- Cachoeira das Cadeirinhas

Imagine-se sentado em uma cadeirinha e recebendo em suas costas uma chuveirada de água

doce e gelada. Isso é a cachoeira das cadeirinhas, um passeio de fácil acesso, caminhada

rápida e prazer garantido. Banhada pelo rio dos Pombos, a natureza tratou de esculpir, num

processo erosivo das águas, um lugar para relaxar e curtir a paisagem.

13- Cachoeira dos Pombos (Córrego do meio)

Um pouco a cima das Cadeirinhas, a Cachoeira dos Pombos, ou o Córrego do meio, é um

lugar para se “lavar a alma”. Composta de duas quedas dispostas em camadas diferentes, os

Pombos é muito visitado pela beleza e facilidade de acesso, qualquer morador é guia nesse

momento.

14- Cachoeira do Taramba

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Descoberta por um garimpeiro em suas andanças, João Taramba batizou a cachoeira com seu

nome. A 818m de altitude, ela oferece no seu topo, uma paisagem deslumbrante e descendo

pela sua lateral chega-se um banho sempre gelado e renovador. O passeio leva em torno de 1h

de caminhada suave por entre a caatinga.

15- Alto do Cruzeiro

A cidade vista de cima revela detalhes do lugar em seu conjunto. Com uma cruz plantada no

alto de um lajedo, tem-se uma visão panorâmica do lugar, uma vista imperdível diante da

paisagem que se descortina. O acesso também é fácil, apenas uma subida moderada e a vila ao

alcance dos seus olhos. Representa também o lado religioso da população local, que na

Semana Santa faz romaria coroando a vila de fé e luminosidade.

16- Campo de Futebol

Área de lazer da população nos tempos áureos, onde campeonatos e jogos concorridos era

destino certo para as tardes de domingo. Barracas com comidas e bebidas completavam os

festivos momentos de lazer. Antigamente era recoberto por areia, e hoje possui uma cobertura

de barro, mas a alegria do passado se finca somente nas lembranças. O campo compõe uma

paisagem instigante, entre o mistério, alguns falam em campo de pouso de naves, e a beleza

que nele se encerra.

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17- Angico

Antigo garimpo, o Angico é ponto de parada para descanso dos turistas que seguem

para a Rampa do Caim. Uma toca no lugar e resquícios de lenha queimada revela que ainda

abriga alguns garimpeiros andantes, além de uma visão da serra e da mata da caatinga. Nome

de uma árvore local na qual a madeira de lei era utilizada para escoramento nas grunas, o

girau, foi um lugar que habitou muita gente no passado, com comércio e bares, onde muito

garimpeiro se incrustou no meio da serra.

18- Gruta do Lapão

Referencia do garimpo, o Lapão também constitui ponto de apoio à caminhada a Rampa do

Caim. Centro de habitação dos antigos garimpeiros, ainda possui vestígios de construções, de

tocas além de uma bela paisagem, como toda da região. Hoje é um ponto de apoio nas

caminhadas turísticas, um lugar de descanso onde também é permitido armar barracas para

pernoitar. Uma arquitetura natural, trabalhada pela ação antrópica.

19- Rampa do Caim

Chega-se ao lugar mais esplendoroso dos pontos turísticos de Igatu. A Rampa do Caim (Fig.

26), um canyon que se abre em beleza e magia, é o encontro do vale do Paraguaçu e do vale

do Paty. No alto da serra a 950m de altitude, o mundo se descortina e a natureza revela

segredos encravados na serra. Um passeio imperdível e recomendável por meio de uma

caminhada com grau de dificuldade considerado médio, em função da distância, mas em

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subidas suaves contornando a serra, como um espiral. Um reflexo de toda a energia que

envolve a Chapada Diamantina.

Figura 26: A Rampa do Caim

Fonte: http://www.venturas.com.br/galeriadefotos/default.asp?id=732

3.2.2. Igatu, a Machu Pichu baiana: um roteiro imaginário

A referência entre a mística cidade peruana e a cinematográfica vila no sertão da

Bahia, se dão no campo da comunicação do produto Igatu, no contexto do circuito turístico da

Chapada Diamantina, que utiliza fragmentos da paisagem local para caracterização do lugar.

O despertar sobre o imaginário se revela em mais uma forma de apropriação do

espaço, aonde o campo da subjetividade aflora desejos e sentidos diante de um lugar. Uma

32 Acesso em 05.jan.2005.

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linha tênue separa o visível, o real, do subjetivo imaginário turístico. Trabalhar com essa

ferramenta reforça um campo da atividade turística que merece ser analisado.

Beni (2002, p.100) sinaliza a necessidade de se dar atenção ao sensível campo

imaginário e sua relação com a atividade turística, aonde se deve considerar “o turista como

colecionador de imagens e o turismo como poderoso revelador do imaginário das sociedades

modernas”. E a oferta de equipamentos físicos deve se agregar em busca de também satisfazer

o imaginário que quem visita o lugar.

Um breve olhar pela história estaciona-se no século XV, época historicamente

divulgada da construção de Machu Pichu, encravada nas montanhas andinas, no território do

Peru. Uma cidade33 totalmente construída de pedras pela civilização Inca, abandonada em

meados do século XVI por motivos ainda questionáveis. Descoberta no início do século XX

pelo historiador americano Hiran Bingham, a cidade aguçou o imaginário de crédulos e

céticos, desafiando a ciência e a tecnologia disponível, ou conhecida, na época de sua

edificação. Extraterrestre e ligação com um mundo externo, inquestionavelmente mais

avançado dotado de técnicas não reconhecidas para a época vivida, são sinalizações de quem

procura teorizar Machu Pichu. Regada de mitos e magias, o lugar atrai pela curiosidade e pelo

misticismo, que dispensa ser contabilizado.

Em meio às serras do sertão baiano, Xique-Xique de Igatu surge no cenário turístico

nacional carregando uma imagem criada pela mídia, endossada pelas agências responsáveis

pela comunicação do produto e absorvida por uma comunidade turística em busca de lugares

dotados de magia e originalidade.

A paisagem âncora, a ruína do Luís dos Santos, foi construída por antigos garimpeiros

no final do século XIX e habitada até meados no século passado. Lugar marcado por intenso

comércio entre alimentos, bebidas e especiarias, que foi decomposto em virtude do

33 Disponível em http://www.geocities.com/pipeline/halfpipe/5871/jorney/machu.html . Acesso em 29.maio.2004

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despovoamento da vila, onde o garimpo e a política travavam uma relação de poder. Dos

tempos do apogeu, da riqueza, da vila vivo, cheio de gente, ficaram as histórias e memórias,

alem das construções que testemunham um tempo vivido.

Das características espaciais assemelham-se nas heranças deixadas por antepassados

que dão a peculiaridade local. As semelhanças se encerram no fato de serem lugares que

foram abandonados, cada um dentro da sua escala espaço-temporal, e os traços marcantes em

forma de antigas construções, as paisagens ruínas.

As paisagens residuais ancoram o poder de atratividade do lugar, permeando o que se

pode chamar de turismo residual34, ou seja, aquele baseado nas marcas do passado

permanente no espaço. Daí uma constante procura por lugares que ainda revelam seu passado,

sua história e que instigam uma dose de enigma e subjetividade. Dada as devidas proporções,

o que fica é um ar de mistério, magia que envolve e atrai cada vez mais pessoas interessadas

em desvendar um passado, em fazer uma (re) leitura histórico ambiental, uma leitura da

memória do espaço, de participar de alguma forma de cenários tão estimulantes ao exercício

da imaginação, do poder do imaginário turístico, que em boas dosagens torna-se salutar. Ou

como bem coloca Trigo (2002, p.27-28): “ A mágica acontece nas nossas mentes. Se não

tivermos [...] cultura e conhecimento da história as ruínas e as paisagens não transmitirão toda

a complexidade do seu significado, todo o encanto do seu passado [...]”.

Os mistérios estão aí para serem desvendados de acordo com a imaginação e

necessidade de cada um. Quem visita, geralmente constrói uma paisagem mental com base

nos sentimentos instigados pelo lugar e cabe aos agentes sociais que trabalham para o turismo

gerir os lugares de visitação, baseado em uma responsabilidade ambiental.

34 Termo e conceito designados pela autora.

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3.3. “Enquanto seu lobo não vem...”: O planejamento como aliado ambiental.

Um lugar para ser considerado turístico, não precisa necessariamente,

transformar todo o seu espaço construído em bases socioculturais eternizadas pelo tempo, em

um quadro de referência pintado pelo momento contemporâneo.

A corrida atrás de serviços de excelência no turismo acaba por atropelar e

maquiar uma realidade realmente atrativa: o lugar como ele é. A tranqüilidade nas ruas, a

simplicidade da população, o jeito de se vestir, falar e ainda de se encantar com o progresso

tecnológico e, principalmente, com o outro. E há beleza nesse estranhamento, que por vezes

encanta também o próprio turista.

Pensar no turismo e o que se quer com ele é base para um momento econômico

perene. Estreitar os laços entre o que se quer e o que se tem, dentro de uma visão global,

olhando o turismo em todos os aspectos ambientais, entendendo-se ambiente com um todo, e

todos os sujeitos do processo, respeitando a “cara” do lugar é um caminho a ser trilhado pela

sociedade contemporânea, que vem se mostrando sensível aos apelos do lugar.

Beni (2004, p.17) refletindo com outros autores em busca da afirmação de que um

outro turismo é possível, indaga que é preciso pensar o turismo “como produzir, organizar e

ofertar, conservando e preservando no ambiente de produção e no espaço de visita e fruição, a

alma do lugar, isto é, a identidade ambiental sociocultural da comunidade visitada?” O viver e

conviver local são fontes primárias para o acontecer turístico. O olhar de dentro para fora

constitui instrumento básico para o planejamento, numa visão horizontal, que envolve

memória e sensações que dão vida ao lugar.

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O uso e transformações de lugares públicos em turísticos, quase sempre terminam em

abuso. A condições dadas a um determinado local para que seja aproveitado para fins

turísticos ainda são insignificantes quando não inexistentes.

Pesquisas para se constatar a degradação de lugares pelo impacto abusivo do turismo são

figurinhas fáceis no meio acadêmico tanto quanto a necessidade real de planejar para melhor

servir a todos os agentes sociais e ambientais envolvidos no processo do acontecer do turismo.

Preparar o campo a ser trabalhado é ação de responsabilidade da população local, poder

público e empresas que almejam trabalhar de bem com o turismo, tirando o que de melhor a

atividade tem a oferecer e consciente dos riscos e impactos peculiar a toda e qualquer

atividade econômica.

Algumas questões devem ser respondidas e analisadas antes de adaptar o lugar comum

ao também lugar para o turista. A população local gosta do turismo em sua cidade? O que

acham do turismo? Ele trará algum beneficio para a população que não possui comercio?

Como inserir a população em um programa de inclusão não marginalizada? Como lidar com a

relação atração do lugar e novos moradores? Como inserir roteiros que inclua o patrimônio

imaterial e não somente o natural do lugar? A lista de questionamentos é crescente na medida

que o pensamento se desdobra em busca de minimizar as distorções de ilusão criadas pela

chegada do turismo em muitas localidades. Uma ponte transponível entre a cultura e o turismo

ainda busca alicerce para uma base segura e duradoura.

Trigo (2004, p.97) reforça que

A responsabilidade por essas questões não é exclusiva dos governos, mas da sociedade organizada como um todo. Empresários, profissionais, organizações não-governamentais, sindicatos e as comunidades organizadas devem participar e se comprometer com os resultados decorrentes dos projetos turísticos.

Planejar talvez seja o verbo mais apropriado e extremamente bem-vindo para se

organizar diante de uma nova realidade. Já que se sabe dos impactos porque não mitigá-los?

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A demora talvez esteja no dialético discurso político baseado em uma relação viciosa entre o

turismo e a sustentabilidade, composta de uma afinidade fantasiosa. Como Hall (2001, p.88)

observou que:

A sustentabilidade e o planejamento turístico, como mecanismos para se atingir formas de turismo mais sustentáveis e adequadas precisam, portanto, ser vistos em um contexto político para que seja possível compreender a estrutura dos problemas de planejamento e como uma meta política em termos de realização.

O lugar dá sinais de limites de uso. Os sintomas de uma atividade mal sucedida, o

olhar não nega. Um ambiente natural ou cultural é passível de fragilidade que pode alterar sua

composição de maneira significativa ou até irrevogável. São esses limites, os sintomas do

turismo, essas leituras sensíveis do lugar que devem ser aguçadas e analisadas com bom-

senso.

Como ressalta Trigo (2004, p.97),

Turismo é um fenômeno que não cria apenas empregos, impostos e desenvolvimento. Se mal planejado e implementado é fator de poluição, exclusão social, concentração de renda, aumento de prostituição, incremento da exploração sexual infantil e comprometimento de investimentos em projetos mal elaborados.

A participação dos moradores, fieis depositários do saber local, constitui um recurso

indispensável no processo do planejamento do turismo. Os diversos olhares sobre um mesmo

enfoque tende a diminuir as distorções de um olhar puramente vertical, aonde o poder é

concentrado nos profissionais especializados em patamares distanciados pela soberba e

desinteresse social. Afinal, Yázigi (2001, p.155) lembra que “[...] é o cidadão e não o teórico

que constrói a alma”. É preciso partir de dentro, da visão êmica de uma sociedade, e alcançar

outras dimensões agregando valores e novos conhecimentos dentro de uma produção técnica

necessária.

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Participar, talvez seria outro verbo parceiro no processo de planejar. Participar a

população local os interesses e utilização da principal ferramenta turística, o recurso

ambiental existente, é permitir que a população venha a compartilhar da construção

explicitando suas expectativas, sensações e desejos do momento político e econômico que ora

passa a reger o seu espaço, minimizando a sensação de ter estranhos no quintal de sua casa.

Um aspecto fundamental no processo é que fique claro que a participação,

mais do que ação mecânica de escolha de representantes é “partilhar”, é criar, garantir uma identidade coletiva que estabeleça um tecido que as mantenha unidas.[...] Assim, a participação que procuramos, que baliza os princípios de um desenvolvimento sustentável, não se assenta em deveres e direitos “decretados”; sua força está na tomada de decisões e na gestão local, participando ativamente nos processos de desenvolvimento. A estratégia da participação permite, assim, que as comunidades superem sua condição de sobrevivência e supressões, passando a ser protagonistas do seu próprio bem-estar. (MAMEDE, 2003, p.29)

Por mais que se discuta e se ponha em voga a necessidade de uma participação mais

efetiva e concreta da população local, como reais indicadores do processo de engendramento

da atividade turística, sempre é tempo de reforçar e exigir uma posição mais enérgica do

poder público e dos profissionais que complementam essa ação produtiva. Dencker35 coloca

que

O planejamento participativo implica no envolvimento de todos os membros da comunidade, ou seja, de todos os que são atingidos ou possuem interesse específico no que vem sendo planejado [...] Essa participação é fundamental principalmente porque planejar não é ver as coisas de uma maneira determinada e única. A mesma realidade pode ser vista de diferentes modos e esta variação não decorre do fato de se estar ou não planejando, mas sim da posição de cada um dentro desta realidade ou frente a ela.

O planejamento participativo faz referência ao envolvimento dos diversos atores

engajados no desenvolvimento de um turismo responsável com bases no social. Dencker

ainda reforça que 35 Material fornecido pela Prof. Drª Ada Dencker na disciplina Política e Planejamento Turístico do curso de Mestrado em Cultura e Turismo da UESC/Ba, setembro,2004. p.02-05.

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O planejamento ajuda a enfrentar situações desconhecidas dando segurança à ação e permitindo aumentar as chances de um resultado positivo. O conhecimento que temos hoje dos resultados de ações improvisadas, ou ações implementadas sem a devida consideração sobre os riscos que pode causar inclusive para a própria sobrevivência da comunidade, faz com que a necessidade do planejamento se torne uma preocupação social.

O empenho e a sensibilização em fazer acontecer ainda são distantes da realidade de

muitos municípios e os resultados comprovam os estragos de uma atividade realizada sem

responsabilidade social e o turismo de mocinho passa a ser bandido das áreas degradadas,

população economicamente hostilizada e de um cenário de imagens e sons produzidos

artificialmente, sem controle, fiscalização ou apego ao lugar.

Pensar em planejamento somente do ponto de vista do econômico, não funciona. Há

uma necessidade de partir da base, a população local, para que ela também possa ser

contemplada e assim colocar o conhecimento caminhando junto com o planejamento.

Os saberes, a memória, a atividade perceptiva da população local são instrumentos de

enriquecimento e ponto de partida para o acontecer turístico. Planejar desconsiderando a

leitura fiel do lugar dotada de significados e afetividade, somente voltado ao paisagístico, é

colocar em risco a perda da sua essência. Muitos são os exemplos de lugares sem alma e sua

ação multiplicadora é fator preocupante. Yázigi (2001, p.156), alerta que

Sem tradição planejadora, tão logo o Brasil começa a se organizar para o

turismo, acaba abortando uma possível identidade. Nem dá mais tempo de as pessoas se encantarem com o lugar. Enquanto as pessoas não se ligarem ao chão, como sugere Jung, o lugar se coisifica como terra de ninguém.

Produzir um plano em sintonia com a realidade local, fazendo uma leitura do espaço

com base na percepção dos moradores quanto aos seus recursos turísticos a serem ofertados

abarcando o cultural e o ambiental, agregando valores a sua história e riqueza natural,

buscando um planejamento com base, principalmente na ética e não puramente no financeiro.

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Existem alguns trabalhos voltados para o estudo do lugar visando identificar alguns

impactos ambientais causados, principalmente, pelo garimpo. A deficiência de pesquisas junto

à comunidade ainda é grande e o incentivo à atividade turística deve aparecer como um

suporte econômico e cultural, uma busca a renovação local minimizando a perda da alma e

das histórias que se tem para contar. A população ainda tem muito a oferecer e buscar um

lugar junto a atividade turística, o que pode significar a ausência de um processo de mediação

entre o que se tem e o que se quer ofertar. É a participação do morador que poderá servir de

termômetro para o acontecer turístico mais próximo da realidade local.

Outras fontes de aproximação da população com o turismo, ainda precisam acontecer.

Existe uma grande carência de investimentos no patrimônio humano local. Oficinas sobre

educação ambiental, turismo, trilhas interpretativas, patrimônio cultural, como forma de

qualificação e compreensão da atividade turística, além de atividades lúdicas para a

população, como exibição de filmes na praça ou no centro cultural, feiras de artesanatos da

produção local, entre outros, como forma de auto-afirmação de um povo que se arriscou a

sumir do mapa e que hoje não quer viver da exploração alheia e existir apenas para o turismo,

mas essencialmente para o lugar, o seu lugar.

3.3.1. Os mapas mentais como recurso do planejamento local.

Uma leitura fiel de uma localidade parte do olhar endógeno, representado pela figura

da população que é depositaria de informações, conhecimentos e sentimentos estratificados

em sua memória perceptiva.

Como ferramenta de percepção e representação espacial, os mapas mentais são aliados

diretos no processo de reconhecimento de um lugar revelando imagens emergentes traçadas

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em bases socioculturais que particulariza uma compreensão geral, como ressalta Nogueira

(2002, p.125), “os mapas mentais nos revelam como os lugares estão sendo compreendidos

[...] como uma proposta de pesquisa e trabalho útil para o entendimento dos lugares”. Portanto

um considerável instrumento de decodificação da paisagem.

Vários campos da ciência estudam e se utilizam pesquisas para planejamento urbano e

ambiental, compreensão do espaço, da imagem e percepção do lugar. A geografia e a

antropologia são exemplos de que os mapas mentais ainda têm seu campo de atuação fértil

para experiências carentes de atividades práticas. Idealizado por Gould & White (1974), os

mapas são considerados representações geográficas não somente do espaço vivido,

experienciado, mas também de espaços considerados distantes e decodificados

simbolicamente.

O lugar e todas suas significações podem se transformar num objeto de investigação

científica. A capacidade natural do homem de lembrar de formatos e desenhos tem sido

utilizada em vários campos da ciência. Estas premissas permitiram o desenvolvimento de

técnicas que possibilitam investigar as significações espaciais e associar tais significações

com o comportamento das pessoas. A construção de mapas mentais é uma dessas técnicas, a

qual se baseia na percepção, conhecimentos e representações simbólicas do espaço. De uma

forma sintética, o mapa mental pode ser compreendido como a capacidade de armazenar

informações na mente e expressá-las através de representações cartográficas (BRAGA &

SANTOS, 2002).

O turismo não pode se furtar desse conhecimento. Visualizar a percepção do indivíduo

através de mapas, constitui um instrumento de extrema importância para orientar programas

educativos e para o planejamento do turismo de uma localidade. Segundo o pensamento de

Del Rio (1999, p.14) “o mapa mental pode ser considerado como um outro tipo de imagem,

que reflete o nível icônico da cognição e possui algum tipo de estruturação interna entre seus

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elementos formadores, remontando uma lógica operacional”. Ross (2002) observa que a

preocupação com a imagem ambiental do turismo vem sendo abordada tanto pela psicologia

ambiental (Ittelson, 1973) assim como também na geografia com Tuan (1980). Uma

aproximação maior do estudo de mapas mentais com o turismo, o autor ainda sinaliza os

trabalhos de Britton (1979), Pearce (1981) e Downs e Stea (1977). No Brasil, se acompanha o

interesse de muitos pesquisadores, de diversas áreas, em desenvolver estudos utilizando os

mapas mentais como base para compreensão do lugar e instrumento de colaboração para

aplicação de programas de educação ambiental.

Alguns pontos sinalizados na elaboração de mapas mentais, que mesmo individuais

são baseados em um cenário coletivo, podem ser absorvido e utilizados junto ao processo de

planejamento turístico de uma localidade. O mapa deverá ser depositário de símbolos e

significados mais relevantes para quem o constrói e a relevância da visão êmica do turismo é

porta de entrada para uma leitura mais real dos interesses locais para a abertura do turismo.

Questões acerca do uso do patrimônio ambiental a ser transformado em local de

visitação turística, os lugares que possuem valores simbólicos, a relação topofilica e a

interpretação cultural de todo um patrimônio são momentos consideráveis para uma relação

menos impactante entre a cultura e o turismo e ninguém mais gabaritado para indicar o

caminho a ser trilhado do que os moradores, principalmente, os mais antigos e acostumados

com a sua vidinha mais autêntica.

Em busca de uma metodologia e procedimentos para análise dos dados coletados,

Souza e Coelho (2002) esboçam um processo ajustável para compreensão do material colhido

por meio de entrevistas e construção dos mapas mentais aplicados a população estudada. Dois

momentos são esquematizados visando uma melhor compreensão e objetividade da

metodologia ora proposta. Entre os pontos são sinalizados:

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� Primeiro momento: a coleta de informações

a) Dados Quantitativos:

- Pesquisa com base documental e cartográfica: � População (faixa etária e sexo);

� Índice de escolaridade;

� Atendimento a saúde;

� Projetos de intervenção do Município/Estado.

b) Dados Qualitativos:

- Definir os objetivos do planejamento; - Escolher por amostras os melhores informantes e representantes da comunidade estudada; - Entrevistas:

� Aplicar a entrevista com cada morador baseado nos objetivos

proposto;

� Postura do entrevistador ≠ recenseador

� Vestuário;

� Testar questionário com cinco pessoas;

� Adequar o vocabulário ao entrevistado;

� Ter discernimento da porcentagem de entrevistados.

� Instrumentos de trabalho:

� Gravador/fita

� Caderneta;

� Questionário (perguntas semi-estrutrada)

- Mapas mentais: � Solicitar que cada entrevistado desenhe em uma folha de papel a

imagem sugestionada pela entrevista (lugares mais

significativos, como você vê sua cidade, entre outros).

� Instrumentos de trabalho:

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� Caneta hidrocor;

� Prancheta;

� Papel branco;

� Caderneta;

c) Observações Importantes:

� Transcrição dos dados imediatamente após entrevista;

� Tratamento das entrevistas e mapas mentais: Selecionar X Descartar

� Não regravar as fitas utilizadas na pesquisa;

� Roteiro de perguntas para não cair em devaneios;

� Atenção com o local onde será realizada a entrevistas (sons

externos: ventos, aparelhos sonoros, etc.);

� O total da amostragem na pesquisa qualitativa é definido até o

limite da variabilidade das respostas.

De posse do material, a próxima etapa se fundamenta no modo de análise que cada

pesquisador e/ou planejador possui de acordo com o interesse central da pesquisa. Como o

resultado poderá apresentar várias e diferentes percepções, o que reforça a necessidade de

aplicar a técnica dos mapas mentais juntos a entrevistas, para que um complemente o outro e

as lacunas sejam menos observáveis durante a análise da metodologia aplicada.

A análise dos dados pode passar por pontos abaixo sugeridos, seguindo e adaptando as

reflexões de Souza e Coelho (2002):

� Segundo momento: a leitura dos mapas associados às entrevistas:

a) Mapas mentais

� Mapas mais detalhados: enumerar todos os elementos que compõem

o mapa e analisar isoladamente cada elemento presente no mapa.

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� Mapas menos detalhados: selecionar os elementos de acordo com o

nº de vezes que aparecem, critérios (visual ou numérico) e analisar isoladamente cada

elemento presente no mapa.

� Relacionar cada elemento destacado com possíveis significados

atribuídos durante a entrevista;

� Utilizar os desenhos como forma representativa da percepção do

lugar estudado;

b) Entrevistas

� Numerá-las conforme a ocorrência;

� Demarcar as palavras-chaves ou sentenças com canetas de cores

diferentes;

� Buscar relação com os desenhos elaborados nos mapas mentais;

c) Observações importantes:

� Verificar pontos comuns entre os mapas e as entrevistas e agrupar

por categorias;

� Fazer a tabulação (tabelas, quadros e/ou gráficos);

� A finalização poderá resultar em mapas cartografados e

georeferenciados para uso do objetivo da pesquisa.

Souza e Coelho (2002, p.09) ainda ressaltam que

esse esforço técnico-metodológico objetiva explorar o imenso potencial informativo dos espaços vivido e percebido e desvendar a invisibilidade das imagens e informações contidas na percepção da população sobre o seu “mundo vivido” e suas construções materiais e imateriais do cotidiano.

Os passos aqui indicados constituem sugestões simplificadas do uso da elaboração da

técnica dos mapas mentais como forma de aproximar a população local, do planejamento de

projetos turísticos e ambientais podendo se adaptável às comunidades tradicionais que podem

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ver no desenho uma maneira facilitada e por vezes lúdica de expressar sentidos e significados

do lugar vivido. Uma leitura próxima da realidade, um recurso importante e de fácil acesso

para o entendimento e compreensão do lugar por meio de percepções, interpretações e

representações do espaço vivido.

A construção de mapas mentais, elaborados por informantes considerados

conhecedores do espaço em que vive, foco desta pesquisa, pode revelar diferentes formas de

perceber o lugar. E o lugar deve ser construído para seus habitantes e depois para o turismo.

Alia-se a idéia que a visão do turista também constitui ferramenta importante no processo de

entendimento do lugar em busca da relação comportamento-ambiente atendendo a um campo

maior da percepção ambiental. O planejamento não pode se olvidar disso. Se há uma

preocupação, uma busca em conferir sustentabilidade ao desenvolvimento (RODRIGUES,

1997), é preciso priorizar o social. Partir das bases para atingir maiores escalas, legitimando o

lugar sem perder seus traços identitários. Planejar com base na minimização de impactos, já

que sua total ausência é utopia, e respeitar os aspectos naturais e culturais, tanto quanto

possível, constitui um desafio a ser vencido.

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4. CAPITULO III: AS VÁRIAS INTERPRETAÇÕES DOS LUGAR ES TURÍSTICOS As diversas formas de perceber um lugar dão vazão a devaneios alicerçados em

sentimentos ora individualizados, ora coletivos, mas que dão sentidos e significados as formas

espaciais, a uma natureza considerada sacralizada e a manifestações culturais de uma

população.

Os lugares são passíveis de leituras calcadas em bases socioculturais, imaginárias ou

simplesmente econômicas. Falar em Igatu nos remete um pouco de cada interpretação.

Renascido como um lugar especial, a vila de Igatu, ou Xique-Xique de Andaraí é um

convite a interpretação livre do imaginário tanto de quem reside quanto de quem a visita.

Propagada como um lugar místico chegando a ser comparada a Machu Pichu, cidade peruana,

por muitas agências e operadoras de turismo, a vila atrai também por uma paisagem

enigmática, resquícios do garimpo, histórias e contos que a singularizam.

A chegada do turismo implica em um novo momento econômico, social e cultural para

quem ali vive. As modificações e implicações podem ser vistas com o surgimento de

equipamentos turísticos como pousadas e restaurantes assim como no patrimônio humano

onde ex-garimpeiros são transformados em guias levando o garimpo ao turismo. Neste

processo, a memória passa a ser um ponto de referência entre o passado e o presente, ou seja,

buscam-se as histórias contadas e acontecidas para embasar e alimentar a caminhada dos

visitantes que procuram o lugar. Se de um lado a memória é renascida, deve haver uma

preocupação no direcionamento e na fragmentação do que se conta aonde o morador nascido

e criado na vila deve ser o responsável pela construção e reconstrução da imagem projetada

por sua população por meio de uma história vivida e referenciada.

Comparar Igatu com Machu Pichu pode passar longe da compreensão e entendimento

da população local. Dizer que o místico está atrelado a paisagem da vila, pode passar por

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histórias que não contam o lugar assim como pode alcançar dimensões que vão além do que é

noticiado, mas que só quem vive tal experiência é capaz de acreditar. E por fim aproximar a

relação turismo/turista inserido no mais recente contexto socioeconômico com quem ali vive,

são algumas das várias formas de perceber um lugar ancorado nos significados que lhe são

conferidos.

Em busca de identificar e analisar os significados por meio da percepção da memória,

do imaginário e da ligação afetiva dos lugares experienciados, muitos hoje considerados

turísticos, foram aplicadas entrevistas (apêndice B, p.177) semi-estruturadas (DENCKER,

1998), além da técnica dos mapas mentais, a alguns moradores da vila. Por meio da amostra

não-probabilística por julgamento, com o método da observação participante (DENCKER,

1998) a identificação dos principais informantes para essa etapa, partiu da informação de um

morador nativo conhecedor da vila, que trabalha escrevendo sobre a história de Igatu e

mantém um quadro atualizado dos moradores locais na produção dos seus textos. Diante

dessa ferramenta foram selecionados os principais conhecedores do lugar, o antigo morador

nativo, utilizando a palavra no seu sentido mais real, o morador nativo que se destaca na

atividade do turismo e o morador não nativo.

Dos 3336 antigos moradores identificados, 19 se predispuseram a falar, 05 se

encontram impossibilitados por motivo de doença ou limitação física, enquanto os restantes,

não estavam no período da pesquisa ou se recusaram a falar. Os novos moradores foram

entrevistados à medida que encontrados no local da pesquisa, não se atentando aos que apenas

possuem casa de veraneio, ou segunda residência em Igatu, o que fugiria do caráter de

morador local. Dos 27 registrados no “Levantamento das pessoas que possuem casa em

Igatu37” de Amarildo, 19 não estavam presentes em nenhum momento da realização da

pesquisa, caracterizando-se em sua maioria como veranistas, 01 morador se recusou a dar

36 Dados retirados do trabalho de pesquisa do morador Amarildo dos Santos em seu registro atualizado sobre os dados demográficos dos moradores de Igatu no ano de 2004. 37 Livro anual produzido pelo morador local.

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entrevista, e apenas 07 foram caracterizados como população local, que na época da pesquisa

residiam na vila. No decorrer da pesquisa de campo, alguns personagens considerados

importantes pela sua posição dentro da recente configuração espacial do turismo, foram

abordados, embora não se enquadrassem nas principais categorias de análise, mas considera-

se relevante para o processo mediador de interpretação do lugar. Portanto, alguns

trabalhadores do turismo como o guia mais experiente, o presidente da ACVXI (Associação

dos Condutores e Visitantes de Xique-Xique de Igatu), o representante do CAT (Centro de

Atendimento ao Turista), a dona da primeira casa a receber turistas, membro da reabertura da

gruna do garimpo do Brejo, uma moradora que sempre trabalhou para o turismo agora se

arrisca em trabalhar com o turismo38 também, constituem importantes referências balizadoras

da pesquisa.

Dos moradores que fizeram parte desse grupo amostral, 19 são os antigos moradores

acima de 60 anos, 06 são moradores nativos que trabalham com o turismo e 07 novos

moradores, perfazendo um total de 32 entrevistados.A pesquisa foi realizada em três

momentos diferentes, nos meses de fevereiro, abril e julho de 2004, visando angariar um

maior número de informações possíveis.

Após a entrevista foi solicitada a elaboração de um mapa mental como forma de

afirmação do entendimento do lugar. A imagem mental projetada durante a experiência da

fala, estimulada pela memória e pelos sentimentos que a ela acompanha, quando transposto no

lápis e papel, representa as mais diversas percepções de um lugar. Os desenhos feitos pelos

moradores locais foram analisados juntamente com cada entrevista realizada a fim de

preencher as possíveis lacunas deixadas pela construção dos mapas mentais. É importante

frisar que a maioria dos moradores antigos, ou 17 entrevistados, se recusou a fazer os mapas

mentais, por vergonha ou timidez, onde levou-se em consideração o que foi sinalizado durante

38 Essa discussão está no capitulo II da pesquisa.

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a entrevista. Para essa pesquisa utilizou-se dos passos sinalizados por Souza e Coelho39 (2002)

e adaptados para a realidade desta pesquisa representada pela Figura 27.

Figura 27 - Esboço Técnico- Metodológica da Pesquisa. Fonte: Adaptado de Souza e Coelho (2002) e elaborado pela autora. A aplicação das entrevistas e elaboração dos mapas mentais aos moradores selecionados, considerados melhores informantes entre os mais antigos e os que recentemente fixaram residência na vila, principalmente em busca de qualidade de vida. Seguiu basicamente as estruturas representadas pelas Figuras 28 (p. 104) e 29 (p.105).

Especificamente a análise e compreensão dos mapas mentais e das entrevistas partiram

das premissas:

a) As entrevistas e a técnica dos mapas mentais foram aplicadas aos moradores

antigos e os novos moradores de Igatu, componentes da amostra da pesquisa;

39 O esboço técnico-metodológico com base nas reflexões de Souza e Coelho (2002) foi detalhado no capitulo II da pesquisa.

PESQUISA QUALITATIVA

ENTREVISTAS

COMUNIDADE

DEPOIMENTOS

NARRATIVAS

MAPAS MENTAIS

MORADOR ANTIGO

NOVO MORADOR

ABORDAGEM NA RUA E/OU NA RESIDÊNCIA

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b) As entrevistas foram balizadas por roteiros pré-estabelecidos onde se

questionou: os lugares mais atrativos, os significados dos lugares turísticos, a

relação turismo e turista, o místico na paisagem;

Figura 28 – Esboço Técnico-Metodológico da Pesquisa: a Entrevista Elaboração: a autora, 2004.

c) Em seguida foi solicitada a elaboração de mapas mentais baseados na

entrevista realizada;

d) Os mapas foram analisados juntamente com as entrevistas buscando identificar

a relação entre os desenhos e as falas transcritas;

e) As figuras observadas nos mapas mentais foram contabilizadas buscando

identificar os lugares mais representativos para os moradores antigos e para os

novos moradores, descartando os mapas mais confusos ou com pouca

informação;

ENTREVISTAS

SEMI-ESTRUTURADA

COMUNIDADE

NOVO MORADOR

ROTEIRO DE PERGUNTAS

-QUAIS OS LUGARES MAIS ATRATIVOS - QUAIS OS SIGNIFICADOS ATRIBUIDOS A TAIS LUGARES - IDENTIFICA O MISTICO NA PAISAGEM - O QUE MAIS ATRAI EM IGATU - RELAÇÃO COM O TURISMO

MORADOR ANTIGO

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f) Os lugares representados nos mapas estavam acompanhados por significados

e/ou sentimentos atribuídos, o que revelou o grau de afetividade com cada

lugar sinalizado;

Figura 29 – Esboço Técnico-Metodológico da Pesquisa: Os Mapas

Mentais

Fonte: Adaptado de Souza e Coelho (2002) e elaborado pela autora.

g) Para finalizar, (Figura 30, p.106) a análise das entrevistas e dos mapas mentais

resultou em uma leitura da paisagem de Igatu, resultando em um mapa dos

lugares mais significativos para a população em geral que poderá ser utilizado

pelo turismo como uma forma de participação dos moradores com as decisões

na esfera político institucional.

MAPAS MENOS DETALHADOS

MORADOR ANTIGO

MAPAS MENTAIS

MORADOR RECENTE

DESENHAR OS PONTOS MAIS REPRESENTATIVOS DO LUGAR

ATRIBUIR VALORES E SIGNIFICADOS A TAIS LUGARES

MAPAS MAIS DETALHADOS

ENUMERAR TODOS ELEMENTOS QUE COMPÕEM O MAPA

SELECIONAR OS ELEMENTOS DE ACORDO COM O Nº DE VEZES QUE

APARECEM

ANALISAR ISOLADAMENTE CADA ELEMENTO PRESENTE NO MAPA

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Figura 30- Esboço Técnico-

Metodológico da Pesquisa: Procedimento final. Fonte: Adaptado de Souza e Coelho (2002) e elaborado pela autora.

Como a pesquisa é de caráter qualitativo, acredita-se que a amostra não probabilística

por julgamento (DENCKER, 1998) foi considerada satisfatória, atendendo aos principais

objetivos sinalizados, de compreensão do espaço vivido, percebido e representado pelos

entrevistados, que apesar de inseridos em um grupo maior, o de população local, são

dicotômicos no sentido de conhecimento e reconhecimento do lugar. Os lugares mais

representativos sinalizados nos mapas e nas entrevistas, foram georeferenciados com a

utilização do GPS dando origem a mapas, que serão analisados adiante, perfazendo uma

leitura ambiental de Igatu, podendo ser instrumento para a atividade turística.

4.1. Percepção, interpretação e representação: uma leitura ambiental.

ENTREVISTAS MAPAS MENTAIS

VERIFICAR OS PONTOS EM COMUM: OS LUGARES MAIS REPRESENTATIVOS

ELABORAÇÃO DE MAPAS GEOREFERENCIADOS PARA USO TURÍSTICO

MORADOR ANTIGO MORADOR RECENTE

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Os lugares despertam os mais diversos sentimentos. O perceber e o sentir estão

intimamente ligados aos significados que fazem a leitura cultural de uma realidade vivida de

um lugar experienciado.

Perceber o ambiente interpretá-lo e representá-lo passa por uma leitura de sentidos e

de sentimentos ofertados, do fazer sentir por estar em determinado local. Em busca de uma

melhor compreensão faz-se necessário sinalizar algumas abordagens acerca das diferenças e

esclarecimentos entre percepção, interpretação e representação ambiental. Segundo o

dicionário Aurélio, os verbos perceber, interpretar e representar, a distinção se faz quando se

analisa:

1-perceber: [Do lat. percipere, 'apoderar-se de', 'apreender pelos sentidos'.] Adquirir conhecimento de, por meio dos sentidos; Formar idéia de; abranger com a inteligência; entender, compreender; Conhecer, distinguir; notar; Ouvir ; Ver bem; Ver ao longe; divisar, enxergar.

2- interpretar: Ajuizar a intenção, o sentido de; Explicar, explanar ou aclarar o sentido de (palavra, texto, lei, etc.); Tirar de (sonho, visão, etc.) indução ou presságio; Traduzir ou verter de língua estrangeira ou antiga; Representar (3) (no teatro, cinema, televisão, etc.); Inform. Executar (programa), convertendo suas instruções em código de máquina ao longo do processo. [Cf., nesta acepç., compilar. Nesta acepç., der. de interpretador (3).]; Julgar, considerar, reputar.

3- representação: Filos. Conteúdo concreto apreendido pelos sentidos, pela imaginação, pela memória ou pelo pensamento. [Cf., nesta acepç., idéia (12).] Representar: Ser a imagem ou a reprodução de; Tornar presente; patentear, significar; Participar de espetáculo teatral, de filme, etc., desempenhando papel.1 (4); interpretar: Levar à cena; exibir, encenar (em teatro); Estar em lugar de; substituir; Ser procurador ou mandatário de; Figurar, aparentar; Significar, denotar; Reproduzir, descrever, pintar; Desempenhar o papel, as atribuições, a função de; figurar como; Expor verbalmente ou por escrito; retratar, pintar; Desempenhar um papel; Apresentar-se, oferecer-se ao espírito; Figurar como símbolo. (AURÉLIO, 1986, p.1306,959, 1489)

O estudo da percepção ambiental torna-se uma importante ferramenta em busca da

relativização entre o objetivo e o subjetivo, entre as pessoas e o lugar podendo gerar uma

melhor compreensão da inter-relação entre o homem e o ambiente. E é nesse momento que

Whyte (1978, p.18) desvela a percepção ambiental como “a tomada de consciência e a

compreensão pelo homem do ambiente no amplo sentido. Ela deve ser considerada bem mais

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abrangente que uma percepção sensorial individual, como a visão ou audição”. E é na

complexidade dos sentidos que a percepção toma corpo e forma, particularizando

significados, se apropriando de lugares, espaços vividos, percebidos e representados.

O conceito de percepção se alia na interpretação clara de Ferrara (1999, p.153) quando

discorre que “Percepção é a informação na mesma medida em que a informação gera

informação: usos e hábitos são signos do lugar informado que só se revela na medida em que

é submetido a uma operação que expõe a lógica de sua linguagem”.

O perceber está ligado à relação sentido e ambiente, onde o real e o imaginário, o

sagrado e o profano são interpretações partidas de referências conferidas as diferentes formas

de perceber. A percepção é o aguçar dos sentidos por meio das motivações presentes em um

repertório cultural muito peculiar, onde os sentidos tomam dimensões diferentes em busca de

revelar a sensação refletida.

Quando diante do objeto percebido, neste contexto a paisagem, os sentidos se afloram

e sua leitura esbarra-se na interpretação, numa tentativa de objetivar o subjetivo. Vasconcellos

(1997) esclarece quando se refere à interpretação ambiental como uma tradução da linguagem

da natureza para a linguagem comum das pessoas, fazendo com que percebam um mundo que

nunca tinham visto antes. Uma vez interpretada, a paisagem passa a ser apropriada onde o

prevalecer dos sentimentos, a carga emocional diferida cumprirá uma função de significá-lo.

Estudos sobre os fenômenos perceptivos do mundo visual buscam uma análise e

conseqüente compreensão do processo de construção do ambiente, a partir da interpretação do

espaço vivido. Bachelard (1998, p.19) remete que “o espaço percebido pela imaginação não

pode ser o espaço indiferente entregue a mensuração e a reflexão do geômetra. É um espaço

vivido. E vivido não em sua positividade, mas com todas as parcialidades da imaginação”.

Cada indivíduo percebe o mundo de forma diferente, particularizando seu interesse, interpretando símbolos, ritos e mitos de acordo com seu modo de vida. É o que reforça Merlau-Ponty (1999, p.14): “o mundo é aquilo que nós percebemos [...] o mundo não é aquilo

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que eu penso, mas aquilo que eu vivo". Olhar em volta e se reconhecer como integrante da paisagem, faz parte do processo de construção do lugar.

O cenário paisagístico é lugar da representação de sensações e desejos de cada olhar, e os mapas mentais são representações da realidade vivida (NOGUEIRA, 2002). As imagens, os traços culturais, os valores e as experiências contidas na vida de cada um são elementos condutores de sua representação do espaço em que vive. É uma leitura individual em bases coletivas.

As diferentes formas de percepção do espaço provocam uma gama de informações, que, por sua vez, geram uma rede de significados, ligados intimamente aos sentimentos de cada indivíduo. Neste contexto, as paisagens passam de um conjunto de estruturas meramente físicas, do belo e do cênico, para fazer parte da construção do ser social, constituindo-se em um produto cultural.

Nesta ótica, perceber, interpretar e representar o meio ambiente também se torna uma lição de (re-)descoberta, de (re-)conhecimento, (re-)construção, (re-)velação da paisagem vivida, desestabilizando antigos níveis de cognição, estimulando outras experiências, percepções, sentimentos, emoções, descobrindo outros ângulos da realidade ambiental, seja em relação à paisagem vivida, como em relação a individualidade e visibilidade dos espaços e lugares: nossos refúgios externos e internos adaptados ou construídos de acordo com as nossas próprias estratégias de vida (GUIMARÃES, 2004, p.09)

Os estudos das representações buscam alicerçar a relação entre a percepção e o ambiente, o observador e o observado. Neste contexto, Rodrigues (2002, p.05) discorre que

a noção de representação passa a ter grande importância em algumas pesquisas geográficas que enfocam a percepção ambiental, já que é a partir de sua análise e do entendimento da dinamicidade das representações que se torna possível compreender o processo de percepção ambiental dos indivíduos e grupos, bem como algumas de suas atitudes perante o espaço.

Corrêa e Rosendahl (1998) consideram a paisagem como uma produção humana, com

dimensão histórica e espacial, portadora de significados, valores, crenças, mitos e utopias, constituindo, assim, uma dimensão simbólica. Cosgrove (1998,p.103) ainda reforça que “todas as paisagens possuem significados simbólicos porque são produtos da apropriação e transformação do meio ambiente pelo homem”.

É quando Yázigi (2001, p.09) finaliza:

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Paisagem, pois, é muito mais do que uma visão é a epiderme de toda condição histórica, social, econômica, política e cultural na qual, para se poder intervir, é preciso ir além dos projetos descomprometido com a realidade...Muitos são os sentidos da paisagem que necessitam ser explorados.

Os sentidos dados a paisagem estreitam os laços que unem o homem à natureza e, a cultura se revela agente mediadora desse processo. A questão cultural influencia o olhar sobre o mundo, faz leituras diferentes sobre espaços semelhantes e transforma a paisagem em um produto do olhar. Capel (1994) acrescenta que a imagem subjetiva do meio influencia no comportamento das pessoas, e que esta imagem pode diferir de uma pessoa para outra, mudando ao longo do tempo. Canclini (1999, p.99) ainda complementa tal discurso quando diz que “As maneiras de ver e ouvir, pensar e nomear, contar e filmar a cidade são reconhecidas em suas descrições como fatores decisivos na formação do significado dos espaços, no estilo dos usos e na configuração do imaginário social”. A leitura do lugar se une aos laços atados de sentimentos e significados, consolidando a relação do homem com o ambiente, com a vivência local, desvelando a geograficidade de Dardel citado por Nogueira (2002, p.130) onde

[...] várias maneiras pelas quais sentimos e conhecemos ambientes e todas as suas formas, e refere-se ao relacionamento com os espaços e as paisagens, construídas e naturais, que são as bases e recursos da habilidade do homem e para as quais há uma fixação existencial.

Várias são as interpretações de um lugar que vão além do essencialmente construído

revelando o que é passível da memória, aquilo que ainda é lembrado, da imaginação e

afetividade.

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4.2 O místico e a paisagem

Muito se tem falado sobre o “retorno” das pessoas à natureza, uma busca por lugares considerados renovadores, transmissores de paz e que comunguem um estado de bem estar. Essas paisagens poucas vezes explicitadas na academia constituem um campo de análise no espaço geográfico.

Os lugares estão repletos de afetividades e significados para cada pessoa. A dimensão perceptual de certos lugares reflete em uma apropriação subjetiva do espaço, que é depositário das diferentes representações das imagens e símbolos que fazem parte da vida de cada um.

A atração por determinados espaços cria uma ligação afetiva, um sentimento de topofilia, resultante de um processo de identificação com o lugar. Bachelard (1998, p.19) faz referência a essa ligação como um “[...] espaço feliz. Nessa perspectiva [...] mereceriam o nome de topofilia”.O que ainda complementa como uma forma de “determinar o valor humano dos espaços de posse, dos espaços defendidos contra forças adversas, dos espaços amados”. Com base nas reflexões de Bachelard, Tuan (1980, p. 05) traduz a Topofilia como “o elo afetivo entre a pessoa e o lugar ou ambiente físico. Difuso como conceito, vivido e concreto como experiência pessoal”, sendo importante ferramenta de investigação do espaço geográfico.

As paisagens possuem um papel fundamental, pois elas representam um elo de aproximação do homem com a natureza. A necessidade de perenidade do lugar, exaltada por sentimentos, atribui valores e significados às paisagens e pode caminhar junto com a conservação40, entre o gostar e o zelar.

O espaço como o meio, o lugar material da possibilidade dos eventos (SANTOS, 1990) é palco das representações socioculturais. E falando nestas representações, a interpretação do lugar vai além do concreto e do real, e é onde se descortina o espaço imaginário, que segundo Cunha (1998, p.19) é “um painel onde se integram a percepção e o sentimento, isto é, o inconsciente primitivo e a consciência atual, devolvendo ao homem suas origens mágicas e simbólicas”.

As paisagens, muitas vezes, recebem uma conotação sagrada, configurando uma geografia do sagrado, onde a natureza instiga um vínculo enigmático com o homem. A identificação do espaço sagrado no qual “as pessoas escolhem e elegem os lugares que possuem campo de forças e valores que elevam o homem acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto daquele no qual transcorre sua existência" (ROSENDHAL, 1999, p.227), quase sempre decorre de um estudo com base religiosa. Mas o sagrado também está presente nas formas naturais, nas construções históricas, testemunhas de uma força cultural.

O sagrado aqui, não passa necessariamente do ponto de vista religioso, mas essencialmente pela própria consistência da natureza como mediadora da comunicação entre as formas espaciais e os significados nela projetados, da sua simples presença e o despertar de emoções ligadas a um processo sagrado e até mesmo místico. Neste sentido, entende-se o espaço místico41 como o lugar das representações espirituais, das experiências vividas, da contemplação com o divino proporcionado por um estado de espírito.

A busca pelo mundo espiritual, muitas vezes desligado de uma instituição religiosa, tem provocado uma aproximação maior do homem com a natureza. Em uma paisagem natural, os aspectos que transcendem os elementos puramente físicos, como os rios e as matas,

40 O termo aqui é entendido, no sentido de manter para que haja uma permanência no tempo, empregado por BARRETTO (2001, p.15) 41 Termo e definição designados pela autora.

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estreitam o elo entre o homem e o divino. “Na geografia mítica, o espaço sagrado é o espaço real por excelência, pois, para o mundo arcaico o mito é real, porque ele relata as manifestações da verdadeira realidade: o sagrado” (ELIADE, 1996, p.36). O sagrado, representado por objetos ou símbolos, acrescenta novos valores sem prejudicar sua real essência. Neste contexto, as ruínas de Igatu, quando consideradas sagradas, não deixaram de ser construções rochosas.

A analise de Rodrigues (2002, p.79) compactua com a idéia da comunhão de todos os sentidos, onde o real não é apenas o que o olhar materializa e que

o real não se correlaciona sempre e diretamente à imagem que se faz e que nomeamos de paisagem. Na maior parte das vezes, esta não corresponde apenas aos elementos que a constituem, mas também às variadas leituras que fazemos da interação desses elementos, de acordo com o nosso repertório cultural e social, com as nossas experiências, expectativas e valores, repercutindo os nossos sonhos e símbolos.

O lugar e todas as suas significações podem transformar-se em objetos de investigação

científica. Construir uma reflexão sobre como determinados lugares adquirem importância na vida das pessoas e até instigam uma mudança comportamental, que, por sua vez, afeta a relação entre os elementos humanos e a paisagem em que se situam, abre um caminho a ser percorrido.

O Parque Nacional da Chapada Diamantina, situado na região central da Bahia, além de possuir singularidades geográficas, é destino turístico procurado por quem busca uma maior integração com a natureza é também palco de representações e manifestações do místico. Matérias jornalísticas ( anexo C, p.03) já foram realizadas em busca do lado místico da Chapada, do registro de testemunhas que mantiveram algum tipo de contato com extraterrestre, ou simplesmente acreditam no poder da energia que emana no lugar. Um trecho de um texto do Grupo de Estudos Ramatis 42, estudiosos sobre extraterretres de Vitória-ES (anexo D, p.06), divulga o que seria uma conversa entre um ser extraterreno e um pesquisador durante a busca por contatos além da Terra, no distrito de Igatu, o que caracteriza uma suposta relação metafísica:

A mensagem psicofônica que apresentamos foi recebida na margem de uma estrada que liga Xique-Xique do Igatu a Andaraí, na Chapada Diamantina, interior da Bahia. Aconteceu no dia 19/10/97, às 9h da manhã.[...] Queridos Irmãos! É um prazer estar convosco! [...] Este local (referia-se a um platô cercado de rochas milenares, adornadas por uma variedade de bromélias coloridas e floridas e também de outras espécies vegetais de rara beleza) é o 'jardim de entrada' para uma destas cidades subterrâneas, onde a paz e a harmonia com o ambiente natural são permanentes. Onde o respeito pela vida permanece intacto, preservado pelo desejo de evolução do povo ali reunido [...] fala de uma cidade subterrânea que fica nas imediações de Xique-Xique do Igatu [...]. (RAMATIS, 2004).

A relação entre o místico e a Chapada cresce à medida que o imaginário floresce em

torno da questão e não há como negar que alguns lugares são dotados de algo fantástico e muitas vezes transcendental. Lugares de luz incrustada em sua paisagem. E “esbarrando na questão das representações, não se pode ignorar o sentido dos lugares sagrados”, como bem lembra Yázigi (2001, p.45). E é neste contexto, que Igatu apresenta um potencial a ser explorado dentro dos princípios de sustentabilidade43 ambiental.

42 Grupo de Estudos Ramatis: Os Extraterrestres e o Planeta Terra. Vitória - ES. Disponível em: http://www.extrater.hpg.ig.com.br/bra/div012.htm. Acesso em 22.ago.2004. 43 Utilizando os princípios de SACHS, 2002.

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O turismo em Igatu que passou a ser desenhado no início na década de 90, como efeito da decadência da atividade do garimpo na década de 50, veio corroborar com a economia local, impulsionado não somente pelas paisagens naturais, mas pelo apelo cultural e místico da região. A beleza da região atrai turistas e também novos moradores que buscam, além dos atrativos naturais, os valores místicos que vêm sendo alvo de visitações constantes. A imagem do meio natural pode ter grande importância no comportamento espacial das pessoas, interferindo na mudança e no modo de repensar valores ao longo do tempo. Xique-Xique de Igatu aparece como um lugar em que se pode sentir a "energia mística" da Chapada, uma vila muito simples, com casinhas de pedras e muita estória para se contar.

As formas espaciais estão repletas de significados como espaço especial, uma vez que a visita a um local com suposta atmosfera mística, pedras “energizadoras”, ruínas de cidade fantasma, estórias contadas por moradores locais que teriam algum contato com um suposto mundo metafísico, banhos espiritualizados em cachoeiras como forma de “energizar o ser”, retratado por Santos (2001), são formas de transformação de um espaço natural em um espaço considerado sagrado, místico.

Ir além da leitura restrita aos elementos constitutivos "reais" do espaço, passam a valorizar cada vez mais os sentimentos e as idéias das pessoas acerca do espaço experienciado, direta ou indiretamente. Buscam, portanto, entender um espaço que vai além do relevo, clima, vegetação, fluxos econômicos e sociais, indagando-se sobre as aspirações, sentimentos e valores criados a partir da relação homem-natureza (RODRIGUES, 2002, P.70).

Yazigi (2001, p.25) instiga quando questiona: “Por que muitos lugares equivalem à luz que atravessa uma catedral, enquanto os outros não têm brilho? É só tomar consciência do que nos falta como fonte de energia: parte somos nós, parte é o lugar”.

É o que desponta em Igatu. Os segredos da natureza sendo desvendados com significações diferentes, tendo em sua paisagem atributos expressivamente simbólicos que vão além do que é visto, tangendo os mais ocultos sentimentos impregnados no meio.

O sentido dado a um lugar está fundamentado em raízes históricas, que sustentam certas práticas e formas de perceber o ambiente. O sagrado na paisagem se revela em uma forma de aproximação com o divino, com um mundo espiritual. A sensação de “bem-estar” vinculada ao local está atrelada a uma atmosfera mística, que remete a possíveis mudanças comportamentais.

Maffesoli (1996, p. 77) supõe que Essa perspectiva sócio-antropológica tem o mérito de acentuar a dignidade dos sentidos, e deita por terra a felicidade que estava relegada ao céu das idéias, ou adiada a um céu por vir. O sensível, enquanto realidade empírica e o senso comum, enquanto categoria filosófica, tornam a dar gosto a felicidade terrestre.

Sair enriquecido de uma experiência de viagem a lugares considerados místicos pode provocar nas pessoas uma tomada de consciência da própria realidade. Encontrar o sentido da vida, transcender além do físico, do material e abrir novos horizontes são algumas reflexões que podem ser sinalizadas após estas viagens.

O “astral” que compõe uma paisagem, não pode ser mensurado. As pessoas sentem, inspiram e se deixam pertencer ao lugar. Os banhos de cachoeiras não molham somente o corpo, “lavam a alma”. As “pedras” representam a mais pura energia que aflora da Terra. Os elementos físicos da natureza transcendem e explicitam sentimentos e significados.

O sagrado ligado à natureza, aos rios e matas, pedras e auras, traça um caminho de passagem do humano para o divino. Transcende uma dimensão espacial e reconhece na paisagem uma ligação com o sagrado que pode contribuir

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para o auto-reconhecimento das pessoas ou simplesmente lhe transmitir paz interior.

3.2. Os mapas mentais e a percepção do lugar

A relação paisagem e significados resulta de uma forma de interpretação e

representação ambiental, a partir de diferentes leituras projetadas no espaço. A elaboração de

mapas mentais constitui relevante instrumento de representação ambiental, revelador de

imagens mentais muito particulares, calcadas também em um cenário coletivo.Uma

importante ferramenta de representação cultural, desvelando traços identitários que

caracterizam o lugar.

Gould e Whyte (1974, p.51) a esse respeito relembram que:

todos nós temos uma existência única, possuímos um conjunto de experiências pessoais e estamos sujeitos a um singular conjunto de fluxos de informação. Nossos mapas mentais refletem todos esses aspectos particulares de nossas vidas.

A representação dos mapas mentais acusa as diferentes formas de perceber o lugar.

Tuan (1980) já afirmava que o nativo e o visitante possuem diferenças no modo de percepção.

Neste contexto, os moradores antigos e aqueles que hoje se dedicam à atividade turística,

seriam a visão do nativo, onde o olhar endêmico traduz um olhar fincado em suas raízes. Os

visitantes seriam caracterizados a partir da visão do morador não nativo, daquele que chega e

se insere na comunidade, primeiro como visitante e em seguida como população local. Mas o

olhar já vem abarcado de culturas que não respondem ao território local, numa nova visão,

uma revisão do olhar.

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As diferentes percepções entre o morador nativo e o novo morador, focalizam aspectos bem diferentes do meio ambiente, o que definirá alguns indicadores de reforço identitário do lugar. Santos (1990, p.67) infere quando lembra que “[...] se o espaço não significa a mesma coisa para todos, tratá-lo como se ele fosse dotado de representação comum, significaria uma espécie de violência contra o indivíduo [...]”.

A esse respeito à relação entre o Êmico e o Ético, tomando emprestadas as

reflexões de Campos (2002) se posicionam entre o observador de dentro e o observador

de fora, respectivamente. Êmico refere-se, nesse estudo, a posição do observador

interno, no caso o morador nativo e Ético ao morador não nativo, o novo morador.

Campos (2002, p.73) em seus estudos, esclarece que

Êmico é uma tentativa de descobrir e descrever o sistema comportamental de uma dada cultura nos seus primeiros termos, identificando não somente as unidades estruturais, mas também as classes estruturais as quais eles pertencem. Ético refere-se a características do mundo real independentes da cultura.

O olhar interno lançado com base não somente em um repertório cultural, mas

essencialmente pela experiência vivida, é olhar um local dotado de pertinências

aglutinadas de memórias e significados pertencentes a olhares fiéis, depositários de

informações, de reconhecimento e de pertença. Campos (2002, p.73) ainda esclarece que

“o ético será sempre uma interpretação do êmico da cultura e não a própria cultura

êmica – ‘mundo real’ de lá, dependente da cultura. Nesse caso ocorre filtragem e não

tradução”.

O novo morador passa a “filtrar” a cultura local e em algum sentido se apropriar

dela, se adequando ao modo de vida, curiosidades culinárias, por exemplo. Detém-se a

um olhar externo, um olhar adquirido e adaptado a nova realidade. É o que Santos

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(1998, p. 61) ainda complementa: “quando o homem se defronta com um espaço que não

ajudou a criar, cuja história desconhece, cuja memória lhe é estranha, esse lugar é a

sede de uma vigorosa alienação”.

Tuan (1983, p.06), analisa as diferenças retidas nos diversos olhares sobre o lugar

quando diz que

[...] mesmo um conhecimento casual com sua geografia física e a abundância

de formas de vida, muito nos dizem. Mas são mais variadas as maneiras como

as pessoas percebem e avaliam essa superfície. Duas pessoas não vêem a

mesma realidade. Nem dois grupos sociais fazem exatamente a mesma

avaliação do meio ambiente. A própria visão cientifica está ligada a cultura

[...].

Os lugares hoje procurados pelos turistas e visitantes, também já foram locais de

encontros e de sobrevivência. Muitas das paisagens recordadas pelos antigos moradores

constituem sua paisagem-memória44, ou seja, aquela carregada de significados que

povoam suas lembranças e lhes trazem recordações. As sensações, memória e

significados como um elo de aproximação entre a percepção e o ambiente.

Decodificar a paisagem por meio da carga simbólica que lhe é conferida é

também um exercício do campo geográfico, que busca no imaginário mais uma forma de

interpretação do lugar. Por imaginário, alia-se a idéia de Durand (1997, p.18) quando

coloca como “conjunto de imagens e relações de imagens que constitui o capital pensado

do homo sapiens”. E são essas imagens temperadas com fantasias construídas ao longo

da experiência vivida, que passam a dar significância ao lugar. E o turismo é um

poderoso incentivador do imaginário popular.

44 Termo e definição designados pela autora.

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Como forma mais antiga de representação espacial, os mapas revelam além de

posicionamentos geográficos, uma cartografia da memória e de significados. Amado e

Figueiredo (1998, P.33) reforçam a importância dos mapas quando coloca que

Os mapas mentais não são meras “fotografias” do meio ambiente. Eles

integram também experiências, anteriores e interiores, padrões culturais,

expectativas, sonhos, formas de organização sócio-econômica, estruturas de

pensamento e de comportamento das pessoas e grupos que os elaboram quanto

com elementos concretos[...]os mapas mentais são representações simbólicas

que dão significado social aos elementos físicos do espaço e orientam a sua

utilização pelos grupos humanos.

Os mapas analisados, dos moradores e dos novos moradores, se convergem em

alguns pontos fixos, algumas marcas da paisagem, mas se diferem em suas

representações. Como bem lembra Rodrigues, (2002, p79)

As representações da paisagem variam de indivíduo para indivíduo, já que a sua interação com o mundo é afetada por diversos fatores. Primeiramente, por estar sujeita às particularidades das combinações de elementos físicos, biológicos e sociais do espaço; também, por ser dependente das características fisiológicas individuais, ou seja, das condições físicas dos órgãos sensoriais do sujeito.

A percepção do lugar, por meio do sentimento de topofilia, a relação com o místico, as

paisagens-memória e os lugares turísticos são elementos de análise, encontrados durante

observação dos mapas que transmitem uma leitura da paisagem de Igatu.

Com essa compreensão de percepção, como saber primeiro e do mundo como lugar de existência, podemos interpretar que os mapas mentais trazem neles representados muito mais do que pontos de referência para facilitar a localização e orientação espacial: o lago é o lugar onde eu pesco; a igreja é o lugar onde eu rezo; o parque é o lugar onde eu brinco.

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Os mapas mentais contêm saberes sobre os lugares que só quem vive neles pode ter e revelar. (NOGUEIRA, 2002, p.130).

Durante o processo da pesquisa, a grande maioria dos moradores mais antigos

entrevistados se recusaram a fazer o mapa por vergonha ou timidez, e neste caso, buscou-se

nas entrevistas uma medida de compensação. Os mapas foram observados a partir das

paisagens que foram sinalizadas atreladas aos seus respectivos significados. Levou-se em

consideração a afetividade e a significância a partir dos olhares êmicos e éticos. Rodrigues

(2002, p.82), sob a ótica de Bailly (1987), ressalta que

o detalhamento das imagens mentais depende diretamente da duração da residência das pessoas em um determinado lugar, e a sua descoberta mais pormenorizada está subordinada à aprendizagem e à aquisição de valores, o que demandaria um certo tempo.

O que justificaria a observação dos desenhos entre os novos moradores em que o

maior tempo de morada se aproxima dos quatro anos de vivência local. A vivência no/do

lugar se dá em dimensões perceptivas diferentes, esbarrando-se ora na superficialidade, ora na

profundidade do olhar.

Os moradores em sua maioria, antigos garimpeiros, se reportaram aos lugares de memória, fincados em raízes culturais e afetivas, não raro os lugares de falidos garimpos manifestaram o forte traço identitário da história que alimenta a vila. Freire (1997, p.133) neste contexto complementa que “a memória topográfica articula as recordações (aquelas que vem do coração) a espaços vividos, carregando-os de sentido simbólico. Torna os lugares testemunhas de histórias”. A serra foi à paisagem mais rememorada, representada pelo lugar do garimpo . O Bom Será, O Brejo, o Cousa Boa, além da aproximação da serra que circunda a vila como o próprio quintal de casa, que nos momentos de lazer servia para cavoucar a esperança.

Os novos moradores, muitos já contaminados pela imagem divulgada do lugar,

diagnosticada pela mídia, agentes de viagens e amigos, agregam aos principais lugares

considerados turísticos, a presença da casa própria, como um lugar de concretização de um

sonho. Muitos dos que hoje vivem em Igatu, sentem-se realizados pela segurança que o lugar

lhe propicia, representado pela casa construída ou até mesmo pela toca, seguindo os passos da

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vida garimpeira, como mostra o bloco de mapas desenhados e representados pelas figuras 31

(p.121) , 32 (p. 122) e 33 (p.123).

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Fig. 31: Mapa mental- novo morador

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Fig.32: Mapa mental - novo morador

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Fig.33: Mapa mental – novo morador

Alguns lugares considerados “recentes” na história da vila só apareceram em desenhos

dos novos moradores, como a Galeria Arte & Memória, enquanto o Morro do lava-pé se

apresenta apenas na memória do antigo morador.

Os mapas observados também abrem um campo fértil para a análise dos significados

dos lugares para os entrevistados e suas representações afetivas.

3.3. Os significados e os lugares: o olhar êmico e o olhar ético

As entrevistas aliadas à elaboração dos mapas mentais traçam um perfil da

paisagem de Igatu, por meio olhares e sensações do êmico e do ético. Mesmo considerados

geograficamente como população local as diferentes categorias, morador nativo e novo

morador, apresentam sua leitura subjetiva sobre Igatu.

Os lugares mais visitados, a relevância da paisagem – memória, as lembranças mais

bonitas - os lugares de memória, a reinterpretação da paisagem - o turista e o turismo, os

significados dos lugares turísticos - a presença do místico na paisagem, a atração do lugar são

algumas abordagens levadas em consideração em busca de identificar os significados

projetados nas diversas paisagens de Igatu.

Reflexos de muitas significações a paisagem desperta dentro de uma visão êmica o

lugar de vida, uma representação do seu cotidiano, seu modo de viver. Aliado a uma visão

ética, aparece o lugar de lazer, afetivo, uma representação do novo, do agora viver bem.

A leitura das figuras 34 e 35 (p.125) corresponde aos lugares mais citados durante as entrevistas e quase sempre presentes nos mapas desenhados tanto de quem nasceu e se criou

na vila quanto de quem chegou e vive em Igatu (Fig. 36 e 37, p.126,127). Os significados dos lugares estão mais detalhados em alguns mapas (Fig. 38,39, p.128,129) aonde os entrevistados despiram os sentimentos depositados em cada paisagem, ressaltando que na figura 40, p.130,

o sentimento despertado pela vila foi representado pelas cores, que representa a “aura” do

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lugar, segundo a própria entrevistada. Dos onze lugares de memória sinalizados sob a visão êmica, a memória é um forte elemento representativo, uma leitura cultural do lugar onde a

presença da história do garimpo faz resistência ao pensamento fincado no presente vivido. Os novos moradores sinalizaram seis lugares que não foram identificados pelos moradores

antigos, embora oitos lugares tenham coincidido com os preferidos pelos moradores antigos.

Lugar de Memória Significados Cruzeiro Vista fantástica, paz Ruínas História, o começo Rampa do Caim Beleza, paz, energia positiva Brejo Medo, lugar feio, o começo Cachoeira do meio Coisa da antiguidade Igreja Fé, força Cachoeira dos Pombos Lavar roupas, banho Cadeirinhas Coisa da antiguidade Campo de Futebol Diversão Morro do lava-pé Meditação, paz interior, Angico Lugar bonito

Figura 34: A visão êmica: os lugares e os significados Fonte: Mapas mentais e entrevistas dos moradores antigos de Igatu durante pesquisa em 2004.

Lugares Afetivos

Significados

Cruzeiro Vista panorâmica Ruínas Sabedoria, memória, compaixão, história Rampa do Caim Beleza deslumbrante Brejo Medo, emoção, mistério, aventura, força Cachoeira do meio Encontro com a natureza, banho Igreja Paz Cachoeira dos Pombos Felicidade para os olhos e coração A praça A sala de casa Gazemirim Jardim preferido A casa Lugar do coração, refugio. Campo de Futebol Humor, brincadeira Galeria Renascimento, cultura Madalena de Baixo Sujeira, desolação Entrada da Cidade Alegria

Figura 35: A visão ética: os lugares e os significados

Fonte: Mapas mentais e entrevistas dos novos moradores de Igatu durante pesquisa em 2004.

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Fig. 36: Mapa mental- morador: lugar de memória

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Fig.37: Mapa mental – novo morador: lugar afetivo

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Fig 38: Mapa mental- morador: significados

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Fig. 39: Mapa mental- novo morador: significados

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Fig.40: Mapa mental- novo morador: significados

Dada a leitura dos mapas e das entrevistas, a visão êmica e a visão ética estão

representadas em três categorias de análise: o lugar e a memória, o lugar e o turismo e o lugar e o imaginário.

3.3.1. Lugar de memória: Topofilia e Paisagem-memória

No final do século XIX até meados do século XX, Igatu tinha por debaixo da terra, na

imensidão da serra, os diamantes como poder de atração. Hoje, as suas paisagens continuam

atraindo pessoas, tendo a qualidade de vida e a aproximação da natureza um foco principal da

recente ocupação, além de uma nova forma de exploração da paisagem. Igatu constituiu um

lugar especial, cheio de relações afetivas com o morador nativo e quem chega.

As características de um lugar especial se aliam às palavras de Martins (2003, p.67),

onde alerta que

apenas o que o espaço físico nos proporciona não é o suficiente para a a condição de um lugar especial.

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A própria percepção de especial é dada por quem percebe o lugar. Quem vê, avalia, partindo desde seus sentidos e experiências. Mas o que de verdade dá sentido a um lugar é o conjunto de significados, os símbolos que a cultura local imprimiu nele e é isso que leva o outro, forasteiro, a sentir, partindo de seus valores, o lugar ao qual visita.

Os lugares especiais são muitos, diante da percepção êmica. As lembranças são rememorizadas e reportadas de um passado que não parece muito distante de quem vive em um ritmo ainda considerado pacato diante da aceleração da vida contemporânea. Um lugar especial para A. S. L., antigo garimpeiro de 63 anos tem características especiais que ele declara:

Gosto de morar aqui porque é sossegado e a gente acostuma, é muito calmo, tranqüilo. [...] o lugar mais especial é somente esses morros, as tocas, com essas casas debaixo de pedra que para mim não existe em canto nenhum.

Se o lugar mantém um elo de afetividade fincado em suas raízes, através da história contada, do espaço vivido, o lugar também é experienciado por outros olhares, sentidos e culturas. Quando a memória se aconchega nos lugares, nos pilares da construção local, os recursos produzidos turisticamente fazem o papel de interlocutor entre o êmico e o ético. É quando os novos moradores atraídos pela beleza e a procura de novas oportunidades de vida revelam o olhar sobre o lugar. M. Z., de 42 anos, artista plástico, com a sutileza de um artista, relata a sua chegada e

sentimento pelo lugar.

O que mais me atrai é a história, a memória daqui. Na verdade não só a história, tudo né? Igatu é um lugar bonito, agradável, realmente um lugar muito bom para se viver e tudo isso atraiu[...] mas lugares bonitos existem vários, então porque Igatu? Primeiro estava tudo por fazer ainda, com relação ao turismo, eu via que aqui era um lugar de potencial turístico[...] não é o turismo minha vocação, mas eu tiro um certo partido dele. Pela localização do meu espaço, pelo fato de que ele atraí, o meu público vem atraído pelas ruínas, hoje em dia também pela galeria, mas na verdade tem a ver, já que tem o memorial, o resgate histórico e a questão[...] sugeriu um rumo para Igatu. Que de forma turisticamente as coisas podem acontecer como olhar na cultura, na memória e na ecologia.

Essa nova reconfiguração socioeconômica também espelha outras também formas de apropriação do espaço. Tal como o diamante, o turismo atrai em proporções necessariamente menores, para a sobrevivência e vida local. V.M. B.D., administradora de empresas, 39 anos corrobora a assertiva, enquadrando-se no momento histórico atual:

[...] foi vontade de trabalhar com o turismo mesmo, de trabalhar com um lugar diferente [...] Igatu porque é um lugar novo, diferente e com grande potencialidade [...] O que mais atrai é a natureza, os atrativos naturais e culturais, a história...

O fato de ainda se manter muito de sua originalidade, de ainda fazer vezes de um lugar onde o “progresso” teima em se arrastar pelo tempo, onde ainda se mantém certo

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hábito digno de uma cidadezinha do interior, foi relevante para quem chega em busca de paz. Uma socióloga entrevistada descreve:

[...] a gente descobriu em Igatu, um lugar pioneiro, onde as coisas ainda seriam possíveis [...] a gente viu a possibilidade de um lugar pequeno, onde as crianças ainda brincavam [...] aqui nós encontramos esse centro, um lugar centrado. Não sei se pelas pedras... (M.M. R, socióloga e nova moradora, 34 anos)

A economista S.P.A., nova moradora de 34 anos, complementa:

Vim em busca de uma qualidade de vida, de uma natureza mais próxima e também a possibilidade de realizar nosso trabalho num ambiente como esse que é favorável as nossas idéias. [...] o ambiente favorável é a natureza, o ambiente, o silencio, a simplicidade dos moradores, das casas, essa volta para a simplicidade, esse retorno, esse quietude, me atrai mais do que atração turística. A vila em si, que traz simplicidade e casa muito com o trabalho que agente faz.

O lugar também é atraído por suas lembranças. Ir a alguns lugares, olhar para sentir o

passado chegar e de repente se ver com o tempo a sua frente. Tais referências espaciais pertencem, com mais propriedade, aos moradores antigos que traduzem sua saudade nas lembranças contadas. A. C.S., 70 anos, moradora antiga, fala da memória da vila, das lembranças que o tempo lhe traz:

a lembrança da infância, colegas, dos tempo que brincavam de roda, da sociedade, dos amigos, da igreja que cantavam com um coro enorme...várias lembranças e a que toca mais é a dos meus pais, a lembrança mais forte e mais bonita, meus pais aprenderam comigo...Não liam [...] O cruzeiro, as ruínas, o lava-pé, são lugares que também trazem lembranças do passado junto com a paz, fazendo repensar o hoje que gostaria que fosse um pouco do ontem. (grifo nosso)

Tuan (1980, p.114) revela que “a consciência do passado é um elemento importante no amor pelo lugar”. Os pormenores revelados pela lembrança dos lugares são traduzidos nas palavras de M.C. O., 83 anos quando se transporta numa escala espaço temporal, “Gostava de ir para o rio lavar roupa, na cachoeira dos pombos... saudades dos tempos que lavava roupa”. Lembrar de alguns lugares pode ser um elixir da juventude para alguns, como M. S. M., de 68 anos, garimpeiro antigo:

[...] aqui é muito grande, porque não morava só dentro da cidade, aqui por fora, arredores tudo morava gente. Nesses lugares a gente sente a recordação da juventude. Não tem um lugar que não goste Todo lugar aqui é agradável. Todo lugar me traz lembranças. (grifo nosso)

Dona J.R.L.,67 anos, antiga moradora da vila fala dos seus lugares de memória:

Eu gosto de quase todos sos lugares. A gente lembra do passado das pessoas, muita gente que a gente conheceu. Assim como ali no campo, no tempo que jogava bola e era um divertimento quando tinha jogo dia de domingo. Todo mundo ia pra lá, tinha barraca fazendo aquelas casinhas, vendendo coisas, bebida, era muito legal. Tem muitos lugares, [...] tinha a Barriguda que tinha uma velha eu morava aqui chamava Isabel, festejava o junho, era o mês todo de novena, isso até os músicos iam pra lá né? E cada dia uma pessoas ia enfeitar a casas para a noite[...] saudade daquele tempo. Hoje tudo é diferente, né?

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As memórias dos tempos idos e vividos durante a época do garimpo, são tradutoras de

felicidade, alegria que a lembrança tratou de recolher a quem ali viveu. A chegada dos

“novos tempos” empurrada pelo turismo traz um sentimento de melancolia, indiferença de

quem ainda não se sente sujeito do processo, apenas agente passivo. O recolhimento as

lembranças se reflete na participação dos antigos garimpeiros junto a atividade econômica ora

emergente. Os passos dados com o turismo são frágeis como sua própria relação que se desfaz

até a próxima temporada. A maioria dos antigos moradores vê no turismo, o que seus olhos

vêem: pessoas que chegam e saem, num fluxo apenas visual.

As lembranças de quem chega são construídas ao passo que os lugares estão sendo

experienciados, e acredita-se que o lugar atrai pela surpresa revelada pela sua história que

contradiz o olhar de quem apenas ver. É o que relata um novo morador, residente há mais de

dois anos na vila, M.Z. de 42 anos, artista plástico:

Definiria Igatu como um local de grande singeleza. Uma natureza humana forte de origem garimpeira, que é um trabalho forte que o homem lida muito visceralmente com a pedra, com a natureza, com a força, com a água. Mas por outro lado tem essa singeleza, que resgata um pouco a idéia de paraíso, de paraíso perdido.

As diversas abordagens têm em comum aos moradores nativos, a memória afetiva acionada ao levar os significados aos lugares. Percorrer pelo labirinto da memória, às vezes mais distante ora mais recente, é um processo de identificação com o lugar, onde o mundo vivido é revelado com a propriedade que lhe é elementar. A paisagem marcada pela memória afetiva se revela na união da história com o lugar.

Desvelar tais lugares é fazer uma leitura da paisagem-memória 45(Fig. 41, p.135) contida na

vida de cada um. Os lugares que mais gostam de ir, que trazem boas lembranças e os que por

45 Ver definição pág. 118.

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algum motivo não gostam, as respostas fincadas na história passada e na vida construída.

Como enfatiza A.L. S, garimpeiro antigo de 65 anos:

o lugar mais importante é o bar, porque é o lugar onde todo mundo para, quem chega, pára aqui. Se vai para as ruínas, para o campo, gruta do brejo, cachoeira, tem de parar aqui. É um ponto de apoio[...] por isso gosto desse meiozinho aqui[..].Quase todos lugar eu gosto. A rampa do caim, eu adoro ir lá, porque é muito bonito. A visão de lá é muito bonita, a vista é bonita demais. Já trabalhei lá também, um ano no garimpo. A cachoeira dos Pombos, lugar muito bonito, também tem o morro do Cruzeiro e avista aquela trilha que vai para Mucugê. A vista é maravilhosa lá.

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Figura 41: Mapa paisagem-memória Fonte: Mapas mentais e entrevistas da pesquisa, 2004. Elaboração: Prof. Dr. Mauricio Moreau (UESC-BA), com dados cedidos pela autora, 2004.

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As respostas seguem o coração e o passado de M.S.M, garimpeiro antigo de 65 anos,

quando:

O lugar que mais gosto é aqui, onde eu moro né? Porque onde a gente mora, tem de gostar. Gosto mais de andar por essa serra, a do angico, pro lado do caim, para esses lugares, que são os lugares mais bonitos daqui, que é o lugar que fui criado também. Meu pai foi garimpeiro [...] eu vou a rampa do caim e fico olhando onde eu fui criado...meu pai, minha mãe morou. Bem aqui atrás da igreja. Sempre eu gosto de ir lá porque foi onde nós morou, foi onde meu pai acidentou. Porque nós viemos da serra, meu pai acabou tudo que tinha [...] meu pai chegou a ter 15 casas aqui na vila.

Presente não só nos mapas mentais, a referência da casa é forte na fala do novo

morador. O grau de acolhimento revelado pelo lugar dá um significado de segurança que estreita os laços afetivos entre o homem e o ambiente. Bacherlard (1998, p.24) diz que entre os diferentes significados projetados no espaço vivido “[...] a casa é o nosso canto do mundo. Ela é, como se diz amiúde, o nosso primeiro universo. É um verdadeiro cosmo.” Socióloga, 34 anos, a nova moradora M.M.R., confirma tal afirmativa.

O lugar mais importante é a minha casa, o meu refúgio [...] você entra muito em contato com a natureza, você ta com a natureza 24h, é uma vivência voltada para o nosso interior, onde pode estar realizando as nossas aspirações espirituais e eu sinto a tranqüilidade desse lugar, sinto acolhida na encosta dessa montanha[...]para mim é um lugar especial.

Um outro novo morador sente o lugar como uma oportunidade de vida melhor, de assentamento diferente do seu local de origem, onde o valor do espaço pode ser um atrativo para quem vem de fora. M. B.B., desenhista de 52 anos, fala sobre a sua relação com a vila:

Foi uma oportunidade de comprar um terreno, de deixar de ser um sem-teto.Eu moro em Campinas, lá os terrenos são muito caros. Vim passear na chapada e aqui surgiu uma oportunidade da compra de um terreno e eu tinha condições de comprar um terreno barato para os padrões campineiros. O que eu paguei num terreno, em Campinas você compra um jazigo. Aí construí minha casa própria, já passei dos 50 anos e quero ter a minha casa própria, meu lugar para produzir.

E as paisagens que lembradas dão corpo e forma a uma cartografia da memória traçada por sentidos e significados de quem tem por excelência o conhecimento do lugar. Para quem chega as referências são construídas em bases éticas, como diz Tuan (1980, p.108), “a beleza é sentida, como o contato repentino com um aspecto da realidade até então desconhecido; é a antítese do gosto desenvolvido por certas paisagens ou um sentimento afetivo por lugares que se conhece bem”.

O lugar mais importante em Igatu, as ruínas do Luis dos Santos, eu acho que acaba sendo o lugar mais importante daqui[...] pela beleza cênica, por ser um lugar ainda intacto, preservado, que de alguma forma ainda aglomera o maior numero de ruínas de história.Eu gosto e ir na cachoeira do córrego do meio, cruzeiro, no poço do brejo, nas próprias ruínas, na Califórnia. Porque são lugares bonitos, aprazíveis. São lugares que tem normalmente água, banho, contato com a natureza. São lugares que eu gosto de ir [...] tem também o cemitério, trazendo um pouco para o urbano, os bares, o bar de Seu Guina, o bilhar de seu Odilon...Essas coisas assim. (M.Z. 42 anos, artista plástico, novo morador)

Mesmo as mais próximas referências da história local, a experiência do lugar ainda se

mostra repulsivo trazendo um sentimento de Topofobia, ou alguma forma de aversão a paisagens ou lugares (AMORIM FILHO, 1996). Apesar de se revelar em pequena proporção,

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alguns antigos moradores, não garimpeiros e novos moradores se demonstraram receosos quando se reportavam ao antigo garimpo do Brejo. “Gosto de todos os lugares, mas tenho medo de entrar nas grunas”, desabafa A.C.S., antiga moradora de 70 anos. Essa relação de repulsa com o lugar, também é corroborada por Dona M.C.O. de 83 anos, uma das mais antigas moradoras da vila: “Algumas vezes ia para o brejo com um amigo e eu ficava lá de cima, tenho medo dali. Sei lá, acho assim um lugar feio”. O olhar ético também identifica nas palavras de S. P. A., economista de 34 anos:

Raramente vou ao brejo porque fica mais distante da minha casa [...], mas não é só pela distância, o brejo não me atrai acho que é porque não tem água corrente, o rio é corrente, tem movimento, o brejo tem uma água parada e algumas pessoas preferem não entrar.

A aversão ainda continua na interpretação de M.M.R., socióloga de 34 anos, nova

moradora, na qual se alia ao passado como resposta à relação atual. Talvez uma coisa pessoal, mas coisa de fosso, lugar que é muito escuro...tem isso no poço do brejo. Tem uma certa fascinação, mas ao mesmo tempo não é um lugar que sinta assim relaxada. Eu acredito nas forças que ainda permanecem na história do garimpo, acho que o garimpo tem uma história pesada, de devastação, de destruição da pedra...aqui tem muitas lendas, muita busca em relação ao passado.

Talvez a aversão verificada pelo antigo garimpo do Brejo, além de ser um lugar

fechado, busque raízes na sua história onde a degradação e transformação de uma paisagem natural em uma artificial totalmente traçada pela ação antrópica tenha deixado rastros visuais e sensoriais muito fortes em nome da ambição e da riqueza. Em busca de recuperar o poder de atração do lugar, o turismo chega onde o diamante morou no passado e a reabertura do canal na gruna tenta fazer com que a paisagem seja novamente valorizada. O passado e o presente se unem em busca de reabrir a gruna que antigamente ligava dois importantes garimpos da história local: o Brejo e o Verruga. Em trabalho de parceira antigos garimpeiros e moradores que investem no turismo trabalham há mais de quatro anos para levar a memória do garimpo ao turismo, por meio de uma experiência vivencial e altamente convidativa. O desejo está nas palavras de D.O.S. de 31 anos, morador nascido e criado na vila que hoje trabalha para o turismo:

Esse trabalho com o turismo foi por causa do fechamento do garimpo e aí nós bolamos esse trabalho aqui para mostrar um cultura que ta quase morta.[...]. Então a gente preparamos isso para dar uma demonstração para o turismo p entender como foi tirada o diamante do subterrâneo [...]. E a forte da região, a produção do dinheiro, foi a gruna, mais do que o garimpo do sol, porque o garimpo do sol,

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também já acabou e o que tem mais é o garimpo de gruna na região, só que tava entupido e o custo muito alto pra poder reabrir.

A natureza e toda a sua dimensão, os lugares de memória, as paisagens-memória, estão presente na história contada e no lugar experienciado. Os caminhos da memória abrem uma ligação para o contemporâneo, nas trilhas do garimpo agora se experencia as trilhas do turismo.

3.3.2. O turismo e suas relações socioespaciais

Alvo da ressignificação do espaço, o turista ainda se revela um poderoso agente social, quando se leva em conta o seu papel de disseminador de culturas e laboratório de afirmação de muitas paisagens. Os lugares que mais agradam, rapidamente se transformam em concorridos recursos turísticos. Mesmo sendo principal foco da atividade, o turista raras vezes escapa de críticas severas de quem não se beneficia diretamente com a sua presença, quando não provocam a repulsa de sua imagem com atos considerados danosos ao ambiente visitado como um todo. Os moradores entrevistados da vila de Igatu gostariam que o turista conhecesse mais a

cultura local e gostariam que a sua passagem pela vila desse condições de desfrutar não

somente das inúmeras belezas naturais, mas a rica história local.

O morador e também trabalhador do turismo, A.S., 40 anos, faz o seu roteiro:

Levaria ao brejo, as ruinas – que é atração principal, que retrata toda a história do garimpo, o começo de tudo. A cachoeira dos pombos[...] em Marcos, porque tem um retrato da história...[...] gostaria que conhecesse a própria história da cidade, muita coisa que se perdeu. A parte cultural, no começo do garimpo que tinha tudo, hoje turista vem olham essas coisinhas[...] e acaba indo embora. Aqueles mais apressadinhos[...] gostaria que tivesse mais novidade, essa parte cultural com a comunidade[...] o próprio folclore mesmo, para o turista conhecer um pouco mais da história da cidade.

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Mais opções culturais com a própria comunidade, dentro da cidade[...] tem coisas que eu falo que dar p voltar e visar um opção p o turista.

À vontade de ver sua história ser mais valorizada também está nas falas de A.C.S.,

sábia moradora da vila de 70 anos, quando revela:

Gostaria que os turistas observassem o lugar, no meio das pedras com lembranças fortes das calçadas. Os turistas sempre visitam o cruzeiro, igreja, as ruínas, o brejo. Vem conhecer a cidadezinha no meio das pedras. A forte presença das pedras. Existe a intervenção do IPHAN na construção de novas casas quanto ao padrão. Acho importante essa ação porque preserva o que era do lugar. (grifo nosso)

O turista também traz uma idéia de movimento de renovação do lugar. Acostumados com a chegada de uma leva de garimpeiros no passado, o turista representa uma nova chegada de tempo, mas que venha devagar e carregado de intenção de deixar tudo como estar. Uma antiga garimpeira A. S. P., de 67 anos, fala o que acha do turismo na vila:

A chegada do turismo ajuda muito o comercio, né? Até nós não, gente fraco que não tem o que vender, não faz nada né? Mas pelo menos acho que é uma beleza para o lugar, ajuda o comercio. Gosto, pelo menos o comercio não fica parado.

Apoiados nessa visão M.S.M, antigo garimpeiro e morador de 65 anos, complementa que

o turista vindo aqui é bom, porque traz movimento, traz mais um aspecto melhor para a cidade... pelo menos as crianças ficam vendo aquele movimento. Antigamente nós não via. Aqui era difícil de vim um carro.

O turista também pode representar um meio de sobrevivência, uma presença viva de

recomeço vista por alguns que trabalham para o turismo. Desenvolver uma atividade paralela tendo o turismo como renda complementar abre um caminho de esperança para quem inicia um trabalho na área. O presidente da ACVXI (Associação dos Condutores e Visitantes de Xique-Xique de Igatu), que também é funcionário público, justifica a presença do turista sob o eixo da economia quando diz:

Gosto do turista aqui. Tem pessoas que reclamam né? Tipo assim: eu não

ganho nada com o turismo. Mas porque não pára pra pensar muitas vezes não

ganha diretamente mas ganha indiretamente [...] se eu tô vendendo uma

casinha, ganho diretamente, se tô guiando ganho diretamente, ai já venho com

meu dinheiro e vou numa venda ali e compro qualquer coisa[...] então o

vendedor também ta ganhando né?Então a renda ta girando né? (J.A.S.S., 22

anos).

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Outro trabalhador do turismo e morador nascido no lugar, A.S., 40 de anos reafirma a importância que a atividade assume em suas relações diárias: “Quando tenho contato como turismo ou com o turista eu gosto. Quando não tenho fico estressado, sinto falta de bater papo, de ver as pessoas, de verem meus trabalhos... Quando não tem, fico naquela coisa:- Quero turista! Quero turista!”. O turista passa a ser um objeto de contemplação que pode causar diferentes formas de interpretação, baseado na forma de ver esse novo momento. Quando se fala numa atividade altamente produtiva e que tudo que ela pode dar ao local se reduz em renda, o turista passa a ser visto sob um olhar cifrado. Quando a base se finca sob estruturas culturais, o turista é visto como uma ponte entre a diversidade cultural, a troca do saber. Há também um olhar dual, em que ao tempo que o estranho lhe traz novidades, lhe insira num mundo além do que seus olhos se descortinam, também possa representar benefício além do econômico, mas também sociocultural.

Há ainda um sentimento de inquietude com relação ao recente modelo de reestruturação econômica local, quando parte da população, principalmente a mais antiga, ainda se sentem indiferentes, inseguros e muitas vezes invadidos com a presença do estranho, do turista.

[...] quando eles passam eu tô na janela e eles conversam ,procuram idade, se nasceu e é filho daqui[...] aqui nós não conhece o que é a natureza, eles que falam, que nós não conhece o valor que tem aqui. Nós cansa de ver, anda e não ver nada. È melhor achar aqui bom do que não gostar né?Não me incomoda a presença do turista e é bom visitar Igatu.”(M.C. O, 83 anos)”.

As relações são interrompidas à medida que a população se sente às margens do

processo do acontecer turístico. Dona A.P.S. de 72 anos retruca quando se refere à chegada de

turistas no local: “[...] quando chega os diabos, fecho a porta e entro.O turismo só é bom pra

quem tem pousada, pra a gente não!”. Seguindo a opinião de sua conterrânea Seu E.V.C. de

77 anos, sábio na arte de garimpar, reforça indignado: “Só é bom para o pessoal quem tem

pousada, pra nós não produz nada não! Nós é o garimpo. Ou pega ou não pega é o garimpo!”

E é o detentor dos equipamentos turísticos que sai na frente, traduzindo uma leitura já

conhecida nas diferentes relações sócias existentes. O turismo pode representar renascimento

como também chegar a indiferença de muitos quando se liga essencialmente ao fator

econômico. A verdade é que o mapa mudou sob o tema atual, as extrações garimpeiras deram

lugar aos pontos turísticos, e as relações vão além do resultado final, da face rentável da

atividade, mas que parte do próprio conhecimento do que é o turismo. Onde, muitas vezes o

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turismo é representado pela presença do turista, do estranho. Diante desta perspectiva, a visão

êmica do turismo, principalmente do morador antigo, liga a atividade a movimento e não a

participação é a visão do espectador de quem não se sente ator principal do processo,

enquanto a visão ética dita o rumo a seguir em busca de uma sustentabilidade turística.

O turismo trouxe melhora para uns, mas para a comunidade não trouxe melhora [...] a melhora do turismo foi o emprego, porque o povo trabalha, tem a pousada ali...pega uma parte de funcionário e trouxe a influencia para o lugar. O pessoal de fora que deu para comprar posse aqui, construir...o que foi bom é que aqui tava muito abandonado. Aqui tava o maior abandono e com a chegada desse pessoal começou uma melhora, aparece um serviço para um e para outro...(M.S.M. antigo morador, 65 anos)

No auge dos seus 83 anos, Dona M.C.O., antiga moradora, a esse respeito analisa:

O turismo? Que jeito né? Tem de gostar. Nem sei explicar o que turismo. Acho bom né? A vila ter se transformado em atrativo...mas esse ganho não vem para todo mundo. Nada chega para mim com o turismo...[...] Ninguém ouvia falar de cachoeira. Cachoeira foi do turismo para cá [...]Antes não tinha gente era nós e nós mesmos. Eu achava bom. Agora tô achando demais, me traz alguma coisa que não sei dizer, mas é diferente.

Aliam-se as palavras acima as reflexões de Durahm (1984, p.30) quando diz: “Definir

patrimônio em função do significado que possui para população, reconhecendo que o

elemento básico na percepção do significado de um bem cultural reside no uso que dele é

feito pela sociedade”. A saudade do tempo passado ainda é muito presente na fala do morador

antigo. Ainda é difícil ver todo o seu patrimônio a serviço de um novo tempo, de uma nova

interpretação. O que a história diz ao morador nativo é revisitado ao novo morador. Dona

M.J.J.A, moradora antiga, de 69 anos: “turismo nem bom nem ruim. Eu não me envolvo.Meu

filho chegou semana passada de fora e queria Igatu como era. Ele não gostou”!

A inserção do turismo trouxe algumas alterações, ou “ajustes”, em algumas paisagens

adequando-se a exigência de uma nova realidade. Segundo alguns moradores nativos, os

lugares agora têm nome e sobrenome como o acréscimo da palavra ruínas aos bairros Luis

dos Santos e Bambolim. Como reforça Dona A.S.P., moradora local de 67 anos: “depois que

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o turismo apareceu eles ‘deitaram’ nome nas ruínas”. È um exemplo da ressignificação do

espaço analisado.

Diante de uma visão explicitada com fundamentação econômica e viés de preocupação ambiental, a abordagem se difere do morador antigo no sentido de aproximação do que chega com o que se tem. Observando depoimentos dos novos moradores, que possuem ligação direta com a atividade, confirmam a tentativa de mitigação do novo processo construtivo, do mais recente momento econômico vivido pela vila, até como uma forma de aceitação local.

o turismo é uma atividade econômica, uma industria como outra qualquer, que não polui diretamente, mas que indiretamente, infelizmente, falta consciência ecológica das pessoas não necessariamente das pessoas que estão vindo, normalmente se fala do turista, mas isso é uma consciência para ter quem estar aqui [...] o turismo aqui é uma atividade que veio sanar, trazer, aplacou um pouco a carência, a miséria... tem chegado de uma forma relativamente boa[...] agora s ameaças existem fortes, um lugar pequeno como este, está em revistas de circuito nacional é inconcebível[...] não dá para todo mundo vim p Igatu. Aí os valores se comprometem. O silencio, os lugares despovoados.Agora acho assim, tem espaço para se fazer muito de uma forma limpa, de uma forma leve. ( M.Z. artista plástico, 42 anos)

Dialogando com outra moradora recente, a resposta sobre o que é o turismo se assemelha a interpretação anteriormente citada. V. M.B.D., administradora de empresas, 39 anos, coloca que

o turismo é um meio sustentável de desenvolvimento como qualquer outro segmento econômico[...] o turismo renasceu Igatu, que teve sua época de apogeu com o garimpo, ficou esquecida porque o diamante foi terminando...e as pessoas que aqui ficaram não tinham noção da preciosidade que tinham nas mãos. Então o turismo foi quem trouxe essa visão, mostrando as pessoas que nasceram aqui, a importância das construções [...] o turismo tem na verdade [...] abriu mais a possibilidade, o crescimento mesmo, a melhoria da qualidade de vida das pessoas que moram aqui, que tem oportunidade de trabalho, de conhecimento.[...] o turismo daqui é um bom negocio, trabalhando com uma margem, fazendo um planejamento [...] é preciso planejar, com planejamento é um bom negocio sim!

Em contrapartida, numa visão talvez menos interessada, já que não trabalha com o turismo, uma nova moradora M.M.R., de 34 anos se posiciona frente um alerta a atividade.

Eu vejo o turismo hoje, como uma coisa muito de consumo. As pessoas querem conhecer, vir no menor tempo possível e conhecer o máximo possível [...] acho que o turismo caminha muito para esse lado e não acho um lado positivo não. Aqui em Igatu, eu vejo que existe a possibilidade de ser um lugar de descanso, de tranqüilidade, das pessoas voltarem para si mesmo, de sua interioridade. Eu acredito nesse turismo, qualquer outro seria depredador.

Aliada a essa visão, o sentimento de invasão de privacidade chega ao novo morador, que inserido no lugar, se defende da antiga posição de turista para a de morador, passando a ver o outro lado da moeda. S.P.A., economista de 34 anos retrata esse comportamento paradoxal.

Acho o turismo muito importante, muito, no aspecto de desenvolvimento, emprego, renda

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para população, uma condição de vida mais confortável para o povo. Vejo como algo paradoxal, que ao mesmo tempo em que me trouxe pra aqui é como se o turismo tirasse um pouco disso a cada dia, como se uma gotinha daquilo que me trouxe fosse sendo perdido pelo turismo, sinceramente eu sinto angustia quando eu vejo um grupo de 15 pessoas passando em frente a minha casa[...] ao mesmo tempo me sinto egoísta [...] é uma certa possessividade do lugar.

O sentimento do morador nativo quanto à preocupação com a atividade turística cresce

em nome de sua própria posição. Se quem chega tem essa preocupação, quem é raiz do lugar

lança garras para se proteger. Apesar da notoriedade que o turismo se apresenta na vila, o

medo de mudar tudo e não deixar o lugar com a cara que foi construída, o receio de ver sua

vida cotidiana alterada de forma que a torne irreconhecível aos olhos de sua história, é fator

relevante ao se falar do turismo e da valorização do espaço.

Em Igatu ainda não [...] tá totalmente diferente de Lençóis .Porque Lençóis encheu muito né? O pessoal confiou em dinheiro e ai foram vendendo lotezinho casinha, lotezinho, casinha, quer dizer que Lençóis hoje, engarrafou Lençóis e Igatu ainda não ta desse jeito. Se chegar Igatu igual a Lençóis, o pessoal de Igatu vai embora porque tudo vai encarecer, começando pela comida [...]Igatu ainda é um lugar para população, a população ainda não foi expulsa e o pessoal que vem de fora adora vim pra Igatu por causa disso por causa do sossego, Igatu não existe roubo[...] e a gente não ta querendo perder isso. (R.C.S.,48 anos, pedreiro e guia de turismo).

A sensibilização faz parte de quem hoje trabalha para o turismo sendo requisito em

busca da compatibilidade entre o turismo e a sustentabilidade. A.S. de 40 anos exprime seus receios frente à atividade que exerce:

O impacto é que a gente tivesse a possibilidade de controlar a quantidade de carros que estão chegando. O impacto de perder um pouco a referência do lugar, que ainda é um lugar que você pode fazer tudo.Pode ficar com as janelas abertas até tarde, quem sabe até dormir na sala com as janelas abertas. Muitos privilégios que a gente pode fazer aqui. As crianças ficam constantemente nos rios, nas ruas [...] e nunca tem nada porque ainda há tranqüilidade muito grande. A gente tem o impacto de um dia perder isso com o turismo chegando e gostando muito daqui. A minha torcida é aquela multidão de gente num dia e no outro ninguém [...] agora perder completamente é uma preocupação minha e de muita gente aqui.

Os olhares êmicos e éticos se diferem na intensidade afetiva nos lugares de memória,

das informações pormenorizada típicas do conhecedor nato, mas se estende ao novo olhar que muitas vezes com interesses diferentes de quem ali já vivia, traz um discurso de permanência

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da identidade local, até mesmo como meio de atender interesses pessoais, de aceitação e participação que fuja de críticas muitas vezes inevitáveis. O fato é que a sobrevivência está ligada a boa convivência ambiental. Antigos e novos moradores cuidam de exercitar o sentimento de topofilia saudando o novo momento vivido.

3.3.3. O místico: imagem e representação Arantes (1984, p.09) abre o discurso dos significados dos lugares quando afirma que:

Para nenhum grupo humano o espaço vital é um conjunto de objetos físicos, vazios de significados. Toda cultura antiga ou moderna, de nações políticas e socialmente complexas ou de pequenos grupos de caçadores e coletores nômades, transforma o ‘espaço físico’ em ‘lugar’, ‘território’ ou ‘ lar’ [...] ruas, caminhos, praças, campos e montanhas, rios praias e mar são apropriados pelos grupos humanos de acordo com concepções que são próprias de seus modos de vida.

Muito da paisagem da paisagem de Igatu, está atrelada a uma realidade que pouco

pertence à vida local. Comparada principalmente pelas agências de viagens e absorvida pelo

olhar externo, com a cidade de Machu Pichu, pela paisagem residual que lhe é característica, a

vila vem atraindo muita gente em busca da “Machu Pichu Baiana”, ou da “Cidade Fantasma”,

onde a atmosfera mística paira no ar e na imaginação de muitos. Tal analogia com o destino

Machu Pichu, no Peru, cidade conhecida pelo mistério de suas construções, durante a

civilização Inca, por volta do século XVI, o místico envolto em suas ruínas são atrativos junto

a todo o cenário misterioso exalado pelo lugar. Essa relação não foi constatada pelos antigos

moradores, que na maioria das vezes nunca ouviram falar do lugar, ou apenas reproduziam o

que ouviram falar, sem nenhum conhecimento de causa.

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Quando questionados sobre Machu Pichu e ao sagrado/místico, os antigos garimpeiros

se posicionaram de forma quase hegemônica. Seu A.L.S., antigo morador de 65 anos retruca:

“- Nunca ouvi falar sobre Machu Pichu.[...] o místico?Não, isso é mais difícil aqui.” Em

outra fala, Dona A.C.S., aposentada de 70 anos, revela a influência da mídia na vida

cotidiana: “- Já ouvi falar de Machu Pichu pela TV. Nunca ouvi falar com relação a Igatu. O

sagrado é deixar como estar. É o trabalho antigo, as lembranças do passado.” (grifo

nosso).

A indiferença retratada pela fala dos antigos moradores muitas vezes encontra repouso

no olhar de quem chega. Essa comparação ganha um ar de entendimento muito pessoal entre

os novos moradores. O fato de ligar Igatu a Machu Pichu, gera uma interpretação com base

econômica, uma nova forma de atração, como pode responder aos desejos intimamente

ligados a experiência espiritual de cada um. O místico, neste contexto, passa a ser

representado em quatro dimensões: na força geológica (rios, cristais, rochas), na força cultural

(história do garimpo), na experiência individual (pessoas sensitivas, místicas) ou apenas pelo

apelo turístico (processo de comunicação do produto Igatu). Os novos moradores retratam

bem essa realidade, entre o cético e o imaginário.

Seu M.S.M., garimpeiro de 68 anos destina o sagrado a sua própria identidade, ao

garimpo, indiferente ao processo de comunicação que lhe é conferido.

Nunca ouvi falar de Machu Pichu.[...] Tem...a gente sente que é um lugar muito

sagrado. A vila toda né? Aqui tem, a gente sente uma energia assim...boa. Deve ser por causa

de ser sagrado né? Tem as áreas do garimpo que a gente passa e diz:- É , isso aqui enricou

muita gente e foi um lugar bom! Quer dizer que tudo isso é um sacramento, né? Um lugar

sagrado. Porque aquele lugar como o Verruga, foi um garimpo que serviu muito para o povo,

porque na época que trabalhava, lá chegou a trabalhar até 160 pessoas ali dentro. Tudo isso é

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um lugar sagrado, tava todo mundo ganhando dentro.Tudo que vem da terra é sagrado. O

lugar do garimpo é lugar sagrado.

A discussão se estende nas palavras de A.S., morador nativo que trabalha para

o turismo de 40 anos:

Vagamente, já ouvi falar sobre Machu Pichu. A única coisa que sei que o pessoal conta, é a semelhança da construção, só o que sei. Acredito que Igatu seja uma cidade mística [...] pelo fato como ela foi construída, ela foi explorada por diamantes, a forma como atraiu muita gente de toda a parte [...] e o fato de ter acabado toda a história de diamante, praticamente ter entrado em decadência, correndo o risco de acabar mesmo com a história do lugar e o fato de ter sobrevivido, hoje com menos de 400 habitantes de quase 5 mil, né? Então tudo isso eu acho que tem essa magia, do antes, do depois...”.

As formas espaciais diagnosticadas com uma suposta aura mística se revelam na

própria constituição geológica local, por meios das rochas, cristais e história vivida. O

garimpo é a paisagem mais próxima do místico para o morador antigo. A presença dos

diamantes, da força cultural construída envolve uma energia pouco descritível, mas sentida

durante o processo de garimpagem como uma proteção, diante dos riscos da atividade.

A visão ética se repele a tal comparação no sentido mais próximo da realidade da

cidade peruana, embora ainda se curve a identificação de um lugar mágico e especial.

Com relação a Machu Pichu , eu acho uma coisa completamente deturpada, [...] é tão evidente que o que tem de vestígios aqui atuais são vestígios de uma realidade mais próxima[...] eu identifico o místico como uma experiência pessoal. Por exemplo, a partir do momento que Igatu traz um sentimento de melancolia, um sentimento energético forte, por conta da natureza que é muito provedora, exuberante [...]as pessoas passam a ouvir um pouco a sua voz interior e aí ela, enquanto uma experiência mística, pessoal, esotérica [...] você vai atrás dos seus signos pessoais, do que esse sentimento que este ambiente proporciona [...] de que forma você sente dentro dos seus signos[...] é apenas um cenário propicio para você atingir um estagio. (M.Z. 42 anos,artista plástico, novo morador)

Outra moradora não nativa também se reporta a essa analogia de forma negativa,

sinalizando a superficialidade da comunicação feita com Igatu, quando na verdade pouco se

conhece acerca de sua real história, apenas fragmentando sua paisagem sem contextualizá-la.

V.M.B.D, administradora de empresas de 39 anos, contrapõe quando coloca:

Não identifico a relação Igatu-Machu Pichu[...] pela questão da construção de pedras, as pessoas falam da cidade, mas a cultura Inca é uma outra história, quem

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conhece Machu Pichu sabe que não existe nenhuma relação[...]pela similaridade da construção, do material utilizado[...] as pessoas utilizam isso[...] não tem nada a ver com a cultura garimpeira. A história de Igatu é a história do garimpo [...] cada uma tem sua história e sua identidade.

Existe um sentimento de concordância identificada nas paisagens de Igatu, que uma

visão ética faz efeito na relação proposta de quem se identifica com o místico na paisagem. A

comparação provoca reações contrárias, formando três grupos: os que nunca ouviram falar, os

que não identificam e os que identificam de alguma forma.

Igatu a machu pichu baiana né? Eu acho legal [...] é difícil encontrar uma cidadezinha como essa aqui [...] aqui o que você pede acontece. Tem uma coisa aqui, tudo que eu quero acontece.Aqui tem o místico [...] a rampa do caim, porque tem um horizonte maior [...] como o mundo é grande, a cacimba, o brejo também , o que a natureza faz com o que o homem fez, uma coisa tão linda uma coisa que foi totalmente destruída [...] me passa um sentimento de regeneração. (R.C., artesão, 23 anos).

O místico também tem lugar na interpretação de alguns novos moradores, e serviu de

atração para estabelecimento no lugar. Alguns depoimentos debruçaram sob a ótica mística,

desatada de qualquer tipo de comparação, mas simplesmente pela energia local.

Também tem isso...o místico sim! A chapada tem isso do místico, a quantidade de pedras, minerais, a água. Os elementos da natureza. Tem lugares que parecem de gnomos e fada com florzinha miudinha.Para quem tendência, com certeza consegue ver muito o lado místico aqui. Realmente muitas pessoas já sentiram que é um centro de energia, no geral, na serra como um todo, mas não especificamente num lugar. O fato mesmo de curtir a natureza, prazer, tranqüilidade, harmonia...acho que em Igatu esse astral já rola mesmo. Igatu acho que a vila já tem essa coisa meio que no ar. As pessoas, pelo menos as que chegam aqui é que falam. Seria uma harmonia mesmo, uma sensação de sinergia entre o lugar e as pessoas, entre as coisas que aqui acontecem.” (V.M.B.D., nova moradora)

Maffesoli (1996, p.78) em sua obra “O Fundo das Aparências” nos leva ao prazer dos

sentidos que em um momento representa a realidade ora analisada:

o sensível é fonte de riqueza espiritual, fortalece o corpo, mas, ao mesmo tempo, permite a plenitude do coração.Todos os sentidos estão presentes nessa harmonia, e é sua sinergia engendra uma erótica coletiva, Eros de múltiplas faces, espécie de aura, ambientes nos quais se banha vida cotidiana.

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Trata-se de um materialismo místico, no seu sentido mais forte.

Exemplificando o sentido do místico e a sua presença, uma antiga moradora lembra,

mesmo que sob o olhar incrédulo de alguns familiares, conta com precisão à experiência que

viveu quando criança:

Quando mãe ia lavar roupas no rio, lá na ponte, eu ia para tomar contar dos meninos menores, e sempre aparecia uns homenzinhos pequenininhos que ficava conversando e brincando comigo [...] eles usavam uma fardinha, com cintos, orelha grande e eram muito alegres, riam muito. Eu achava que era uns diabinhos[...] mas toda vez que eu ia eles apareciam, agora eu não sei. (D.V.G., aposentada, 65 anos)

O garimpo também traz histórias que acompanham essa linha, que Seu E.V.C.

garimpeiro de 77 anos conta ainda meio assustado com a lembrança que o tempo lhe traz:

Na exploração do verruga e “seu Manel”, mandava os mineiro altas horas [...]ia descendo com a namorada [...] Tarde da noite ele me dava os diamantes para levar para Andaraí, para João Socorro, e ai eu ia mais ela tarde da noite, ela era de coragem também,.quando nós cheguemos lá perto da casa grande, no coisa boa, eu na frente e ela atrás, quando nos ia chegando perto tem uma descida bem calçadinha, calçada dos antigos, os antigos fez, eu vi aquele marmanjão adiante assim[...] o que é aquilo? Quando chego para perto eu reconheci: ah! Não é ninguém desse mundo não[...]naquele instante eu arregalei os olhos, o corpo endureceu, eu olhei assim e conheci: gente de outro mundo, defunto, né? Um moreno alto, bem alto, todo lordão de paletó. Recuei com a véia e ela disse:- o que é? E eu: - oi aí na frente aí, eu não passo não! Ela disse: - que nada! nós passa. Pegou no meu braço ai ela disse: - passa aqui para trás. Eu passei p trás e ela e mais do que depressa ela baixou do lado da estrada e quebrou um pedacinho de ramo verde e falou:- passa pra trás nessas horas não é nossa mais ,mas temos precisão, afasta que eu quero passar! Ai minha companheira bateu o raminho assim ele desapareceu. Ai agora cadê pernas, era gente de outro mundo, defunto, imagem de quem a gente nunca viu? Ai falou assim:- vumbora não amolece não! E passou a mão assim na minha cabeça, vumbora já mandei embora, já afastei da estrada. Ai eu fui! Sei que era chegado na cor, alto corporento , paletó..., paletozão todo fechado[...].

Morador e hoje também guia de turismo, R.C.S., de 48 anos, relata histórias de

supostas experiências místicas em um antigo lugar de garimpo. Garante ainda que os turistas

que vão ao lugar sentem uma “coisa diferente”, até ele próprio que afirma não se acostumar

com a sensação proporcionada pela visita:

[...] teria uma caverna gruta do tetê, então essa gruta do tetê ela tem uma data de 1931, na parede de pedra ela é feita com dedo assim, tem uma data de 1945 e outra data de 1950. Um lugar muito explorado que ficou muito tempo parada, agora ela foi parada garimpada só do lado direito e do lado esquerdo ainda tem muita área que não foi trabalhada, [...] ela tem uma praia de areia que a gente vai seguindo a caverna quando chega lá no encontro de uma com a outra, do lado esquerdo tem uma musica tocando de lá pra cá, quando ela começa lá dentro tocando ai quem ta sentado na

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praia de areia adormece. É coisa mais ou menos de dois segundos[...] quando você acorda e sai da boca da caverna sai totalmente diferente, ai você sai assim vê aquele visual diferente parece que você estava em outro mundo né? Até eu mesmo da região [...] toda vez que eu vou lá sempre acontece isso[...] é um som fino que vem de lá de dentro tocando [...] parece que da anestesia na gente, adormece, da dois segundos a gente acorda e já passou[...] eu sei que quando a gente sai de lá, da caverna, da gruta do tetê, parece que agente ta em outro mundo, é uma coisa fantástica.

Dialogando com Merleau-Ponty ( 1999, p. 05), é pertinente reaver sua reflexão sobre o

real e imaginário, quando coloca:

A cada instante também eu fantasio acerca de coisas, imagino objetos ou pessoas cuja presença aqui não é incompatível com o contexto, e todavia eles não se misturam ao mundo, eles estão adiante do mundo, no teatro do imaginário. [...] O real é um tecido sólido, ele não espera nossos juízos para anexar a si os fenômenos mais aberrantes, nem para rejeitar nossas imaginações mais verossímeis.

Embora a maioria dos moradores nativos não tenha identificado o místico na

paisagem, a imaginação é um campo fértil para quem vive cercado da exuberância da

natureza. Entre os novos moradores, o turismo é apontado como responsável pela comparação

e pela afirmação do místico no lugar, levando em conta apenas o fator puramente estético,

descompromissado com a realidade.

Já ouvi falar de Machu Pichu e as pessoas fazem muitas referências, comparam. Quando as pessoas falam em chapada sempre fazem referências a coisas místicas e acaba rolando muito misticismo, muito simbolismo, mas acho que isso é uma coisa muito turística. O turismo meio que envolve, claro que o lugar é lindo, a gente respira bem porque o ar é puro, a gente ver muita água, muita cachoeira, então isso é o bonito, pode ser ate o místico, o positivo de toda energia né. Mas eu n comparo muito com o místico porque acho que é esse que acaba rolando.Acho que o místico é muito particular. Essa coisa de fazer referências místicas é muito turístico. Existem essa forma da gente buscar essa beleza, essa paz interior, o fato de n ter muita gente, n ter o comercio, n ter muita televisão n ta ligado a tecnologia, acho que isso é o místico. Ficar longe da cidade, fugir p o campo. (C.S.C. artesão, 23 anos- grifo nosso).

O místico também se refugia na história e na cultura popular. A economista S.P.A., 34 anos,

Seria uma energia mística, eu sinto. Olha, eu acho que tem no povo, na forma[...] o que tem de sagrado em cada um de nos são energias conservadas do primitivo, de quando éramos crianças ou quando éramos macacos, eu acho que essa energia primitiva da simplicidade do reconhecer de nos reconhecermos como animais e isso existe em todos. Agora imagina o povo que e ainda não tem estímulos em uma capital? Então eu acho que conserva mais [...]e isso passa para mim e eu quero isso, vim aqui em busca disso.As paisagens mais selvagens se identificam com isso. Na vila, no povo, nas ruínas, na minha casa tem uma ruína, que não pode fazer nada, a ruína a conservada lá. Você imagina que a 100, 50 anos talvez, alguém

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morou ali que aquela casa que foi construída existe ali em forma de ruínas. Eu imagino que aquela ruína ali conserve a energia do povo que habitou, a memória. Existe também o cristal, as rochas, ai vai para um plano mais cientifico, que é real os cristais atrai energia e empurram a energia negativa, eu também acredito nisso mas eu acredito mais , minha crença se ancora mais no dinâmico e o dinâmico é o povo, a memória, a história, o povo quem criou.

A respeito da presença do místico materializada na história construída, na vida

social, ou nos mais diversos lugares, Maffesoli (1996, p.80) reforça que:

eles exprimem o pendurar de um espírito mágico que tem necessidade dos sentidos para comungar com a divindade, seja ele o Deus todo poderoso, ou o divino social formado pela comunidade. Em cada um desses casos o sensível [...] lembra que a transcendência é, muitas vezes imanente.

Os elementos da natureza funcionam como um recurso de fundamental atração com o

lugar. Os rios, as cachoeiras, a presença da água, por exemplo, constitui fonte de energia e

renovação. Tanto os antigos quantos os novos moradores sinalizaram a forte presença da

natureza como imã e canal de distribuição da energia local. As características geográficas e

geológicas mediam o místico relacionado a algumas paisagens da vila. A água é o elemento

mais citado e lembrado quando se fala em energia. No dicionário de Símbolos, Chevalier

(2001, p.21) a simbologia da água faz referência

a três temas dominantes: fonte de vida, meio de purificação, centro de regenerência [...] dos símbolos antigos da água como fonte de fecundação da terra e de seus habitantes podemos passar aos símbolos analíticos da água como fonte de fecundação da alma: a ribeira, o rio, o mar representam o curso da existência humana e as flutuações dos desejos e dos sentimentos.

Banhar-se nas águas de Igatu, que não por acaso significa “água boa” numa tradução

indígena, no Poço do Brejo, na Cachoeira dos Pombos, Cadeirinhas ou no Taramba representa

uma reposição de energia, que também serve para “lavar pensamentos ruim”, seguindo as

palavras da moradora M.C.C.S., 38 anos, que trabalha para o turismo, complementado por

M.F.F., de 67 anos, antiga garimpeira “faz bem para saúde”. A água representaria o percurso

da própria vida, com caminhos tortuosos, meandrantes, passando por área de planície e

calmaria até desaguar, completando seu ciclo.

Enquanto os moradores nativos reverenciam já meio acostumados com a antiga

presença da água no seu cotidiano, quem chega também vem em busca dessa preciosa fonte,

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reverenciada na fala de V.M.B.D., de 39 anos, administradora de empresas: “[...] gosto de ir

as ruínas e em qualquer rio, tomar banho de rio é muito bom. As ruínas pela questão histórica

mesmo, reviver um pouco... e o banho, o rio, a cachoeira, a água mesmo, né?”. Outra

entrevistada e também moradora recente vai mais além e revela:

Sinto que aqui, particular em Igatu, a energia das pedras, diamantes...eu acredito muito nisso, nessa força do cristal mesmo que influencia potencializando todos os tipos de sentimentos que acontecem aqui[...] eu sinto que é um lugar que as pessoas são tranqüilas, são em paz[...]o fator água aqui é muito forte. Você ta andando nas ruas, quando chove, a água vai brotando debaixo do teu pé [...]acho que traz movimento, renova energia. É um lugar bem especial (M. M.R. socióloga, 34 anos)

Os cristais como embrião da rocha, os diamantes com características de rigidez,

limpidez e luminosidade, as rochas como elemento de construção ligada ao fixo e como o

útero das pedras preciosas (CHEVALIER, 2001), transmite um certo sentido espiritual, uma

fonte inesgotável de energia que particulariza um lugar. E é nesse sentido que o místico toma

corpo e fazendo pulsar a natureza em sua maior plenitude. S.A.P.,economista, 34 anos, faz

uma leitura além do olhar sobre a paisagem de Igatu:

Eu diria que Igatu é um lugar místico. Eu acho, tenho uma crença que aqui em algum tempo pode vir a ser um centro de cura universal [...] as pessoas que vêem aqui saem impressionadas:- Isso aqui é mágico! Essa energia daqui, esse silencio! Eu também senti quando eu vim e continuo sentindo, tenho muito prazer em morar aqui, eu deleito vim morar aqui.Aqui tudo ecoa. O que você fala, volta. Tem um eco para si mesmo.Para mim foi assim aqui, as coisas que eu disse,as coisas que eu externalizo, voltaram para mim. Eu já tinha um processo de auto-conhecimento de auto-desenvolvimento, uma busca individual[...]mas ter vindo para cá me trouxe momentos muito mais interno[...] a energia da praia é externa e dessa montanha aqui se, volta para dentro.A gente fala de banho de sal grosso p tirar mal olhado[...]aqui você preenche para dentro, não volta para fora, é para dentro o movimento aqui, é de volta. Nem todo mundo agüenta[...] ai vem doença, é tão interessante isso aqui[...] como as pessoas chegam aqui, é como se os nós desatassem, os nós folgassem[..] chegam aqui e se deparam com elas mesmos. Esse espaço faz o trabalho por si mesmo (grifo nosso).

O encontro pessoal, o despertar de sentimentos e significados estimulados a partir da

identificação com um lugar, faz de algumas paisagens campeãs nesse sentido.

[...]lugares com vista fantástica, como o Cruzeiro, que vê Andaraí; os rios para tomar banho e passear[...] sinto paz interior indo a esses lugares. No Morro do lava-pé, lugar bom para meditar e ver não somente a bela paisagem mas sente uma

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paz interior. Existem vários lugares bons para meditar e que se faz uma viagem bonita e bem longe...ficar sozinho meditando a natureza, sente que parece que tem ali que dar aquela paz assim...Também o quintal das meninas Monteiro...uma pirâmide construída... (Dona A.C.S., aposentada, 70 anos – grifo nosso)

Enquanto M.M.R., socióloga e nova moradora de 34 anos elege

a Rampa do Caim é um lugar assim...E me dar uma sensação de movimento. O deslumbramento da natureza no meio da serra, onde você vê as possibilidades, onde moram a pessoas...Me dar muita vontade de caminhar, de andar, uma liberdade.

A Rampa do Caim é assinada por muitos entrevistados como um lugar para a

experiência mística, para uma reflexão maior. R.C.S. 48 anos, guia experiente fala:

A rampa do Caim, eu nascido e criado em Igatu, cada viagem que dou lá, eu sempre acho a rampa do caim totalmente diferente [...] desperta um sentimento diferente e de 10 em 10 minutos a rampa mudaria de qualidade, ce chega e ta claro, daí a pouco ta roxo, daí a pouco ta azul, daí a pouco da verde...não sei qual é o caso daquilo ali!(grifo nosso)

A paisagem descortinada provoca um encontro íntimo entre a pessoa e o lugar,

revelando sentidos e significados muitas vezes difíceis de serem sinalizados nas paisagens

urbanas. Desperta algo próximo do que poderia se chamar de lugares-espelhos46, ou seja,

lugares onde as pessoas se sentem provocadas a uma reflexão interna, um momento de

viagem interior, um reflexo espiritual aliado ao prazer em simplesmente estar. Lembra-se que

não é interesse da pesquisa uma avaliação psicológica, até mesmo porque isso cabe aos

psicólogos, mas apenas uma interpretação sensível - geográfica da relação entre as pessoas e o

ambiente.

Tanto as paisagens naturais, instintivamente sacralizadas, quanto às paisagens

construídas neste lugar possuem dimensão simbólica, projetada pelo imaginário das pessoas.

A confluência do espaço místico como lugar e significado se identificaria com o espaço

íntimo de Bachelard (1998), numa constante evolução como espaço exterior. Neste contexto,

o espaço místico pode se revelar tanto em formas espaciais alcançando sua concretude ou

permanecer confinada a sua estrutural subjetividade.

46 Termo e definição designados pela autora.

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A busca do mundo espiritual, o transcender através de lugares com suposta aura

sagrada, mística, fortalece o processo de aproximação do homem com a natureza. Os lugares

de memórias também são lugares para o turismo.A igrejinha construída de pedra, o bosque de

eucaliptos, o poço do brejo e as ruínas espalhadas pela vila, a rampa do caim, são lugares

dotados de significação e de afetividade abertos aos olhares turísticos.

O olhar lançado sobre o lugar reflete uma interpretação de sentimentos. Uma

interpretação diferenciada do lugar refere-se a um campo de dimensão perceptiva,

intimamente ligada ao “eu”. Igatu também é conhecida como “cidade das pedras”, que

estando presente em toda sua paisagem urbana, nas ruínas e tocas, resquícios da era do

garimpo, não há como não chamar a atenção tal arquitetura. A importância das pedras nas

cidades constitui referências fixas, objetivas e visíveis (HALBWACHS, 1990). O que pode

caracterizar o lado cético de quem apenas ver o lugar.

Alguns sentimentos foram atribuídos durante a interpretação do lugar: paz,

tranqüilidade, sentido de renovação, magia, respeito à natureza, vontade de permanecer,

pertencimento, perenidade, retorno, evolução, crescimento espiritual, restauração, contato

com divino...Sentem a alma do lugar. Uma leitura poética do espaço, fundamentada na

subjetividade das pessoas.

As várias interpretações dos lugares considerados turísticos na vila de Igatu,

passam também pelos lugares de memória, valores afetivos, espaços imaginários e

representações do mundo vivido de uma população que deseja permanecer na história contada

que marcou sua paisagem que hoje serve de suporte para a atividade turística. Uma leitura

ambiental de Xique-Xique de Andaraí dos tempos do garimpo a Igatu nos tempos turísticos.

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CONCLUSÃO A Chapada Diamantina é um destino já consolidado na Bahia, aonde a riqueza cultural

e natural constitui recurso fundamental para a crescente atividade turística. Distrito de

Andaraí, a antiga Xique-Xique, hoje Igatu, vem despontando como um lugar com

particularidades que passam desde as histórias contadas do garimpo até o apelo místico

intricado na sua paisagem.

Dos resquícios arquitetônicos e culturais herdados do garimpo, o patrimônio humano

representado por antigos garimpeiros, que pouco a pouco desfalcam a história local são

instrumentos de extrema relevância para a perenidade da cultura e da memória da população

de Igatu. São histórias, casos, contos que configuram e retratam um momento histórico vivido

que deu inicio a construção do lugar.

Apoiados na atividade garimpeira, modeladora e senhora do lugar, os antigos

moradores de Igatu se esforçam em manter viva a memória da cultura local, que corre o risco

de se perder no tempo e apenas se confinar no passado distante e inacessível. A vila tem

muito a oferecer além do que é visivelmente apreendido. As trilhas, as tocas e locas são

representações físicas de uma história que ainda é pouco contada e interpretada para os muitos

visitantes que procuram o lugar. O resgate as narrativas orais dos antigos moradores e, em sua

grande maioria, antigos garimpeiros, revelaram sentimentos nostálgicos dos tempos em que a

vila era rica, o comércio era abastado e as festas animavam a todos numa sensação de eterna

saudade.

O brilho no olhar ao se falar do garimpo, do ato de garimpar, como um ritual sagrado

de se comunicar com a terra e ter a esperança da riqueza ao alcance dos dedos retrataram a

imagem de cada morador antigo entrevistado, numa leitura doce do passado que em poucos

segundos se revelava em ressentimento quando olhavam ao redor e viam que a realidade

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chegava e o sonho ainda se tornava remoto. A maioria dos antigos moradores entrevistados

ainda se vê cercado por uma vida limitada, aonde o sonho do “bamburro” se vê distante, não a

ponto de mudar suas vidas, que embora tranqüilas, conformistas, são banhadas do desejo de

ainda cavoucar a terra em busca daquela pedra que o tempo teima em lhe negar.

O “bamburro” muitas vezes chegou em mãos de garimpeiros que não tiveram sua sorte

mudada, por não ser dono do garimpo. A pedra entregue aos donos dos garimpos resultava

numa espécie de impotência quanto ao momento de estar com a pedra na mão. Era um

momento de destaque entre os outros, mas os segundos que separavam a alegria da frustração

estavam por findar. Depois de cumprida a obrigação, restou o ressentimento, a raiva por um

“pseudo bamburro”, um sentimento claramente observável nas falas dos garimpeiros mais

experientes, de olhar para trás e ver que aquela pedra não mudou sua vida como queria, mas

que permanece na memória toda vez que se deparam com a realidade muitas vezes dura do

seu cotidiano. São as historias do garimpo que recheiam a memória do lugar.

O garimpo ainda está intricado no dia a dia dos moradores. Mesmo depois da

proibição em 1996, os dedos ainda “coçam” a terra sob olhares e temores que não superam a

esperança e reafirmam o lugar. A identidade de Igatu é a imagem do garimpeiro, de mãos

calejadas sob um sol a pino, mas com brilho no olhar atento aos sinais que a terra pode lhes

dar. As entrevistas corroboram que a atividade garimpeira é a força cultural da população e

que deve ser respeitada por quem chega, e não são poucas as pessoas que estão procurando a

vila, sequer como visitante ou até mesmo como novos moradores.

Décadas após o despovoamento, em meados de 1950, Igatu renasceu do garimpo ao

turismo numa recente forma de apropriação do espaço. Como viés do desenvolvimento o

turismo chegou a vila a passos lentos com visitações as suas diversas paisagens naturais e por

vezes apenas como “erro” de viajantes e exploradores da beleza da Chapada Diamantina. Os

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rios, matas e a exuberância de suas paisagens ainda são fortes atrativos que aliados a todo

patrimônio cultural dão suporte ao turismo que hoje redesenha a vila e vida dos moradores.

A chegada do turismo marcou também a chegada de novos moradores que vieram em

busca de tranqüilidade, qualidade de vida e de trabalhar com o turismo. Tal reconfiguração

socioeconômica se revela em também espacial, quando casas são erguidas em meios às ruínas

e toda a paisagem residual, promovendo um tímido processo de (re) povoamento. Se o

garimpo atraiu no passado, agora é o turismo que desperta o interesse de muitos, e a vila

segue atraindo algum modelo de exploração.

Confirma-se que a atividade do turismo é importante para o renascimento da vila,

tanto no aspecto econômico, quanto social e cultural. È fato que o turismo é gerador de renda

e emprego, mas também precisa enveredar por outras áreas da sustentabilidade ambiental

como um todo. Como exemplo, a questão cultural em Igatu tem sofrido alguns esforços no

sentido de reavivar a memória local por meio de representações antigas, como o terno das

almas na Semana Santa, além da presença da galeria de Arte & Memória que constitui uma

leitura do lugar com uma exposição permanente sobre o garimpo. È esse exercício, de

valorização e resgate cultural, que o turismo deve promover e que paulatinamente vem

acontecendo coma vila.

A inserção da população no processo do acontecer turístico ainda precisa caminhar

muito, principalmente no que diz respeito a sua participação. Constatou-se que a maioria dos

entrevistados ainda está à margem do processo turístico, principalmente os moradores que

nasceram e vivem na vila. A fatia ainda é insignificante frente ao potencial vislumbrado no

lugar.As pousadas mantêm como funcionários os próprios moradores, que na maioria das

vezes receberam algum tipo de qualificação em busca de uma excelência nos seus serviços,

mas ainda é pouco representativo. A ACVXI (Associação dos Condutores de Visitante de

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Xique-Xique de Igatu), conta em média com 20 guias credenciados dentro da própria

comunidade, ainda carentes de qualificação e apoio do poder público.

Os efeitos positivos provocados pelo turismo, como emprego e renda, ainda não é para

muitos, o que preocupa quem está de fora. A desolação de ver seu patrimônio como fonte

geradora de divisas e não se inserir neste contexto é fato impulsionador de repulsa e

descontentamento quanto à presença de turistas e do próprio turismo na vila. Existe sim, e a

pesquisa comprovou, um misto de indiferença e conformismo quando se fala sobre o turismo,

principalmente entre os antigos moradores que de certa forma se sentem invadidos e tolhidos

em sua privacidade, no seu dia a dia. Porém o turismo atende a necessidade da minoria que

mesmo de forma incipiente participa da atividade, como quem possui ligação com o comércio

ou trabalha diretamente para o turismo. Outro sinal de contentamento se revela como meio de

“entretenimento”, de ver “pessoas diferentes”, mas desde que não ultrapasse limites e deixe a

vila como modelo de “engarrafamento”. É essa diferença que trabalha o turismo sensível a

sustentabilidade ambiental e é esse o ponto de estrangulamento entre o turismo com bases

sustentáveis e o turismo apenas lucrativo. O que reforça a importância da percepção do olhar

êmico junto as discurssões e ao planejamento turístico do lugar.

A técnica dos mapas mentais pode ser um instrumento de suporte para o planejamento

de comunidades consideradas tradicionais. A percepção revelada e representada por meio dos

mapas retratou a leitura ambiental do próprio morador, cercada não só de elementos

representativos, mas também de sentimentos e significados. Os lugares de memória, os

lugares amados e até repudiados são instrumentos de interpretação da paisagem de Igatu,

aonde muitos dos pontos sinalizados são também lugares para o turismo.

Uma característica apontada, principalmente por agências e operadoras de turismo é a

instigante comparação entre Igatu e Machu Pichu, aonde o processo comunicativo se revela

transformador da paisagem de Igatu em também na paisagem do místico simbolizado

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essencialmente pelas ruínas herdadas do garimpo. O que foi constatado é que a maioria dos

antigos moradores desconhece a comparação e a existência da própria Machu Pichu, ficando

restrito somente aos moradores mais recentes e alguns outros que já foram contaminados por

turistas e guias de fora. O que resta da comparação, que é realmente desnecessária, é a

presença do místico na paisagem de Igatu, representada essencialmente pela sua localização

geográfica, o que instiga a imaginação e a curiosidade de muitos.

O místico se descortina na paisagem de Xique-Xique de Igatu por meio das memórias

do garimpo e histórias contemporâneas que atestam tal realidade pertinente ao espaço intimo,

deflagrado por Bacherlard (1998). Dentre os moradores, os mais antigos vêem o místico

representado na força do garimpo. Os moradores mais recentes aliam também a presença

cultural e a energia das águas e dos cristais de rocha, além de uma energia muito pessoal

provocada pelo lugar. Duendes, forças espirituais, a força da natureza, são representações de

um espaço místico que instiga a paisagem de Igatu, presente no imaginário das pessoas, que

se revela como atrativo até mesmo entre os mais céticos.

A pesquisa desvelou um espaço místico, um lugar das representações espirituais e das

experiências vividas, da contemplação com o divino proporcionado por um estado de espírito,

revelado na percepção dos entrevistados, aonde a relação com Machu Pichu encosta-se apenas

ao processo de comunicação do produto.

Xique-Xique, para os mais antigos e Igatu para quem chega é um lugar muito especial

dotado de singularidades e um patrimônio ambiental rico, além de toda uma aura mística que

envolve o lugar. A carência ainda é muita quando se fala do bem-estar da população

remanescente do garimpo. A vila renasce sob os escombros de cascalhos e montoeiras e vê no

turismo um suspiro de esperança para a população jovem, carente de investimentos que

vislumbrem um futuro mais promissor.

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O turismo é uma alternativa para o redirecionamento socioeconômico da vila, mas

cuidados quanto à conservação e preservação de todo o patrimônio ambiental deve ser

prioridade junto às decisões políticas. Planejar junto com a participação de representantes da

comunidade ainda é o caminho mais curto para uma relação harmoniosa entre a cultura e o

turismo.

A pesquisa também revelou que o morador não quer ver sua cidade transformada em

cidade dos outros, sem referência e sem identidade. O garimpo já não sustenta a vila, então

que o turismo também esteja ao alcance de todos, diminuindo uma já existente e perceptível

divisão social do trabalho.

Programas de educação ambiental, qualificação e profissionalização para o turismo são

alternativas viáveis em busca de uma inserção não marginalizada da população local.

Parcerias com instituições públicas e privadas, como universidades junto à colaboração de

Ong’s são ferramentas a serem consideradas visando um melhor aproveitamento dos recursos

tanto natural quanto e principalmente, humano. Existe uma parcela da população ávida por

oportunidades que possam direcionar um caminho que não lhe expulse de sua terra e nem a

deixe ser dominada por terceiros, lhes negando o direito de permanecer em seu lugar por

opção.

Buscar programas que incentivem o turismo responsável em áreas de preservação,

tombado pelo IPHAN é responsabilidade do poder público local junto a outras esferas

administrativas e empresas privadas que tanto usufruem o que Igatu tem a oferecer. Dentro da

área de atuação do PRODETUR, Igatu aparece como “Zona de Interesse Turístico”, passível

de investimentos que estimule o desenvolvimento sustentável da região.

Como resultado conclui-se que Igatu é a vila das histórias do garimpo, um lugar onde

a praça é o lugar de encontro a “sala” de visitas para conversar e paquerar, é o lugar do

encanto aberto as aflorações e manifestações místicas e um promissor reduto para o turismo

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capaz de levar pessoas que comunguem com o bem-estar local e que de alguma forma possa

contribuir para a perenidade do lugar. As paisagens-memória, os lugares-espelhos são

representações indicadas pelos moradores como referências às lembranças rememoradas e aos

significados dos lugares de memória e hoje, também turísticos.

A pesquisa concluiu que a memória, identidade, o místico e o imaginário são

representações culturais presentes na paisagem descortinada de Igatu, onde o turismo e todas

as suas relações são bem-vindos em busca de uma consolidação em bases consideradas

sustentáveis para o exercício diário da topofilia. Uma leitura ambiental de Xique-Xique de

Igatu, com base nos seus moradores por meio da percepção, interpretação e representação do

espaço vivido.

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6.1. Depoimentos

ALVIM, S.P. Silvana Pereira Alvim . Economista, 34 anos, nova moradora: depoimento [06

fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência , 2004. 1 fita cassete (120) min 3 ¾

pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo, UESC/UFBa.

AZEVEDO, M.J.J. Maria José Jardins Azevedo. Aposentada, 69 anos, moradora antiga:

depoimento [10 jul. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Loja do Amarildo, 2004. 1 fita

cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura &

Turismo, UESC/UFBa.

BELMONTE, M.B. Manuel Barbero Belmonte. Desenhista, 52 anos, novo morador:

depoimento [06 fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Restaurante da Norma, 2004. 1

fita cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura &

Turismo, UESC/UFBa.

CASTRO, C.S. Cristiano Salles Castro. Artesão, 23 anos, novo morador: depoimento [05

fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência do entrevistado, 2004. 1 fita cassete

(120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo,

UESC/UFBa.

COSTA, M.C.C.S. Maria da Conceição Cruz Silva Costa. Cozinheira e dona de pousada,

38 anos, moradora local: depoimento [06 fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu:

Pousada Orquídea , 2004.Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo,

UESC/UFBa.

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COSTA, E.V. Edgar Vieira Costa. Aposentado, 77 anos, morador antigo: depoimento [09

jul. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência do entrevistado, 2004. 1 fita cassete

(120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo,

UESC/UFBa.

DI CREDICO, R.M. Rafael Moraes Di Credico. Artesão, 22 anos, novo morador:

depoimento [05 fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência do entrevistado,

2004. 1 fita cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura

& Turismo, UESC/UFBa.

DÓREA, V. M. B. Vânia Márcia Bicalho Dórea. Administradora de empresas, 39 anos,

nova moradora: depoimento [04 fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Pousada

Pedras de Igatu, 2004. 1 fita cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao

Mestrado em Cultura & Turismo, UESC/UFBa.

FRANÇA, M.F. Maria Ferreira França . Aposentada, 67 anos, moradora antiga: depoimento

[10 jul. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência do entrevistado, 2004. Entrevista

concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo, UESC/UFBa.

LIMA, J.R. Joalita Rodrigues Lima. Aposentada, 67 anos, moradora antiga: depoimento [10

jul. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência do entrevistado, 2004. 1 fita cassete

(120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo,

UESC/UFBa.

MACHADO, M.S. Marcionílio Sérgio Machado. Aposentado, 68 anos, morador antigo:

depoimento [06 fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência do entrevistado,

2004. 1 fita cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura

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MOURA, L.N. Lindaura Nascimento Moura. Proprietária do “museu caseiro”, 39 anos,

moradora local: depoimento [06 fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência da

entrevistada, 2004. 1 fita cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao

Mestrado em Cultura & Turismo, UESC/UFBa.

OLIVEIRA, M.C. Mercedes Caldas Oliveira. Aposentada, 83 anos, moradora antiga:

depoimento [05 fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência da entrevistada,

2004. 1 fita cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura

& Turismo, UESC/UFBa.

PEREIRA, A.S. Alda Silva Pereira. Lavradora, 67 anos, moradora antiga: depoimento [09

jul. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência da entrevistada, 2004. 1 fita cassete

(120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo,

UESC/UFBa.

REIS, M. M. Marilídia Manhães Reis. Socióloga, 34 anos, nova moradora: depoimento [05

fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência da entrevistada, 2004. 1 fita cassete

(120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo,

UESC/UFBa.

SANTOS, A.C. Antônia Cruz dos Santos. Aposentada, 70 anos, moradora antiga:

depoimento [04 fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência da entrevistada,

2004. 1 fita cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura

& Turismo, UESC/UFBa.

SANTOS, A. Amarildo dos Santos. Profissional do turismo, 40 anos, morador local:

depoimento [ 04 fev. 2004]. Entrevistadora: C. Andrade. Igatu: Centro de Atendimento ao

Turista (CAT), 2004. 1 fita cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao

Mestrado em Cultura & Turismo, UESC/UFBa.

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SANTOS, A.L. Aguinaldo Leite dos Santos. Comerciante, 63 anos, morador antigo:

depoimento [04 fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Bar Igatu, 2004. 1 fita cassete

(120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo,

UESC/UFBa.

SANTOS, D.O. Dennis Oliveira dos Santos. Profissional do turismo, 31 anos, morador

local: depoimento [10 jul. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Gruna do Brejo , 2004. 1

fita cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura &

Turismo, UESC/UFBa.

SANTOS, D.O. Dolaci Oliveira dos Santos. Aposentada, 65 anos, moradora antiga:

depoimento [08 jul. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência da entrevistada,

2004. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo, UESC/UFBa.

SANTOS, J.A.S. Jackson Alves Silva Santos. Presidente da Associação dos Condutores e

Visitantes de Xique-Xique de Igatu (ACVXI), 22 anos, moradora local: depoimento [05 fev.

2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Sede da ACVXI, 2004. 1 fita cassete (120) min 3 ¾

pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo, UESC/UFBa.

SANTOS, R.C. Raimundo Cruz dos Santos. Guia de turismo, 48 anos, morador local:

depoimento [05 fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Sede da ACVXI, 2004. 1 fita

cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura &

Turismo, UESC/UFBa.

SILVA, A.P. Angelita Pereira Silva. Aposentada, 72 anos, moradora antiga: depoimento [09

jul. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência da entrevistada, 2004. Entrevista

concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo, UESC/UFBa.

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SILVA, A. Antônio Silva. Aposentado, 69 anos, morador antigo: depoimento [09 jul. 2004].

Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência do entrevistado, 2004. 1 fita cassete (120) min 3

¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura & Turismo, UESC/UFBa.

SILVA, J.A.S. Joselita Alves Souza Silva. Dona de casa, 67 anos, moradora antiga:

depoimento [10 jul. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Residência do entrevistado,

2004. 1 fita cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura

& Turismo, UESC/UFBa.

ZACARIADES, M. Marcos Zacariades. Artista plástico, 42 anos, novo morador:

depoimento [03 fev. 2004]. Entrevistadora: C.Andrade. Igatu: Galeria Arte & Memória, 2004.

1 fita cassete (120) min 3 ¾ pps, estéreo. Entrevista concedida ao Mestrado em Cultura &

Turismo, UESC/UFBa.

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APÊNDICE

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APENDICE A –PARTE I - PESQUISA SOBRE A PERCEPÇÃO DA MEMÓRIA, TURISMO E IMAGINÁRIO EM IGATU- ANDARAI/BA

ROTEIRO DE PERGUNTAS Parte I – Historia Oral – Memórias do lugar

Categoria: Morador antigo (nativo)

1. Qual o seu nome?

2. Qual a sua idade?

3. Onde nasceu?

4. Você trabalha? Se sim, qual sua profissão ou ocupação?

5. Qual grau de instrução ou de escolaridade?

6. O que sabe sobre a história da vila?

7. Como você chama a vila? Igatu, Xique-Xique.. Por quê?

8. Como era a vida na vila na época do garimpo?

9. Quem foram os primeiros habitantes, as primeiras pessoas que aqui chegaram?

10. Vieram de onde? Vieram em busca de que?

11. Viviam de quê?

12. Existe alguma descendência direta com os primeiros habitantes da vila? Quem era e o que

representava na vila?

13. Como as pessoas se relacionavam e viviam nessa época?

14. Você gosta de morar aqui? Por que?

15. Qual a lembrança mais bonita que tem quando se fala em Igatu?

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APENDICE B –PARTE II- PESQUISA SOBRE A PERCEPÇÃO DA MEMÓRIA, TURISMO E IMAGINÁRIO EM IGATU- ANDARAI/BA

ROTEIRO DE PERGUNTAS

Parte II – Percepção do lugar e a memória, o turismo e o imaginário

Categoria: Moradores Nativos e Não-nativos

1. Se não nasceu em Igatu, porque veio morar aqui? Quanto tempo mora aqui?

2. O que mais te atrai na vila? O que lhe trouxe a Igatu?

3. Qual o lugar mais importante da vila? Porque?

4. Quais os lugares que mais gosta de ir? Porque?

5. O que sente indo a esse (s) lugar(es)?

6. Qual o sentimento que você atribuiria a cada um desses lugares

7. Existe algum lugar que não gosta? Qual e porque? ?

8. Se fosse levar um amigo ou parente de outra cidade para visitar Igatu, onde levaria e

porque?

9. O que gostaria que o turista conhecesse?

10. Quais os lugares que os turistas mais gostam de ir? Qual a importância desses lugares para

você?

11. Você já ouviu falar de Machu Pichu?

12. O que sabe sobre a comparação que fazem com Igatu?

13. Você identifica essa relação?

14. Machu Pichu é considerada uma cidade sagrada, mística. Você identifica o místico na

paisagem de Igatu?

15. Quais os lugares que possuem essas características?

16. Quais lugares despertam sentimentos diferentes? Porque?

17. O que é turismo para você?

18. Você gosta que o turista venha visitar sua cidade?

19. Qual seu grau de instrução?

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ANEXO A - Matéria Jornalística sobre Xique-Xique de Igatu.

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ANEXO B – Matéria do “Jornal dos Municípios”, sobre o prefeito de Andaraí José Gomes da Silva em 1958.

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ANEXO C- Matérias jornalísticas relacionando o místico a Igatu

CHAPADA DIAMANTINA

Entre as pedras, Igatu conta a história do ciclo do diamante 47

Parque Nacional da Chapada Diamantina é a bola da vez dos destinos turísticos. Mas sempre se pode fazer diferente. A sugestão aqui é inverter o portão de entrada: em vez de fazer o caminho tradicional, começando por Lençóis, desvendar os mistérios da Chapadas a partir de duas cidades históricas e charmosas que ficam no extremo oposto – Mucugê e Igatu. Ambas contam muito da história do Ciclo do Diamante que levou prosperidade à região para depois abandoná-las praticamente à condição de cidades-fantasmas. Mucugê foi a primeira cidade a ser erguida no rastro da corrida pela riqueza e ainda conserva em bom estado o seu conjunto arquitetônico, guardando muita semelhança com àquele do Ciclo do Ouro, em Minas Gerais. Igatu, literalmente, nasceu entre as rochas para servir de ponto de apoio aos garimpeiros que ganhavam o ‘oco do mundo’ em busca da pedra preciosa. Suas ruínas ainda parecem assombradas pela eterna esperança de encontrar o último e maior diamante. Para os que querem aumentar o fluxo de adrenalina, a Chapada parece ter sido esculpida à mão por um deus aficionado por rapel. Suas cachoeiras, despenhadeiros e gargantas são perfeitas para a prática desse esporte, que utiliza cordas e a mão para desafiar a gravidade. Já as cavernas, uma das principais atrações da região, são perfeitas para quem deseja conhecer as curiosas formações rochosas que existem no ‘centro’ da Terra. Por Flávia de Gusmão e André Galvão

Seu Chiquinho do Fole, 44 anos, um corpo rijo de tanto bater trilha e ‘pular pedra’, é homem de poucas palavras e de pouco se rir. Seu semblante sorri mais do que, propriamente, sua boca. Uma das raras ocasiões em que isto acontece é quando ele vê o assombro do turista diante de cada uma das atrações que ele, como guia de Igatu, tem o privilégio e o conhecimento de desvendar. Ele vê com prazer a sua Chapada ser descoberta por outros brasileiros, vindos das planícies de cidades litorâneas, do grande cinza paulista, do urbanismo candango. Ele mesmo nunca viu o mar, sempre esteve imerso nas pedras dessa Igatu que agora começa a ser vista também como o outro lado da Chapada Diamantina, um portão de entrada opcional à já urbanizada Lençóis.

Chegar à Chapada Diamantina por Igatu, um distrito da cidade de Andaraí, pode ter um sentido prático. Localizado no extremo oposto de Lençóis, Igatu está mais próximo de algumas das estrelas desta viagem – O Poço Encantado, o Poço Azul e a Cachoeira de Tiburtino, no Projeto Sempre-Viva, por exemplo. É por isso que muitos aí pernoitam e seguem seus destinos ao amanhecer.

Em contrapartida, ficar lá por mais de três noites pode não parecer prático, mas é uma das experiências mais gratificantes que uma viagem à Chapada tem a oferecer. Ao lado de Mucugê, Andaraí, Lençóis e Afrânio Peixoto (Estiva), Igatu forma o cordão de localidades históricas que fazem uma linha quase reta no sentido norte-sul, no flanco leste da Serra do Sincorá, na Chapada Diamantina.

Sua aparição diante do turista é quase sobrenatural. É um caminho lindo, em curvas sinuosas, à beira da mata das encostas, com orquídeas, samambaias, cactos e

Jornal do Commercio

Recife -24.02.2000

47 Disponível em: http://www2.uol.com.br/JC/_2000/2902/tu2402a.htm . Acesso em 07.jan.2005.

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bromélias. O vilarejo surge, revelando aos poucos sua curiosa arquitetura: uma Shangri-lá que nunca atingiu os níveis de comércio e população dos centros vizinhos e, com o fim do ciclo diamantífero, quase chegou a ser uma cidade-fantasma.

Quando foi criada, por volta de 1900, Igatu tinha o propósito de servir como ponto de apoio para os garimpos de Mucugê e Andaraí. Encravada na rocha, a 900m de altura, sempre foi de acesso difícil, até porque fincou-se onde os garimpeiros mais precisavam, no oco do mundo, onde ninguém iria se aventurar a não ser que tivesse o sonho de enriquecer, de uma hora para outra, achando o grande diamante.

Em seus tempos de glória, chegou a abrigar quatro mil pessoas em casas construídas com as pedras encontradas no local (razão de sua sobrevivência aos dias de hoje) e um número igual, ou maior, de garimpeiros que se instalavam em tocas (grutas naturais) e casas improvisadas espalhadas pela serra.

Hoje, sua população não chega a 400 habitantes e a aparência é um misto de decadência e beleza eterna. As ruínas contam uma história de obstinação e destruição: depois de construírem a cidade inteira e garimpar os arredores, os caçadores de diamantes derrubavam as casas construídas para pesquisar o terreno embaixo delas.

O povo de Igatu é hospitaleiro e não vai se negar a contar estas e outras histórias, sempre recheada de embates entre o homem e a natureza. A força das águas quase como uma presença mística e a eterna esperança de encontrar o último diamante._______________________________________

Joinvi l le - Domingo, 12 de Março de 2000 - Santa Cata r ina - Bras i l

Energia mística 48

aparece na pequena Igatu

Logo ao chegar na pequena Xique-Xique de Igatu, já é possível perceber a "energia mística" da Chapada, como dizem os esotéricos. Trata-se de um vilarejo muito simples, com casinhas seculares e apenas três ruas de paralelepípedos. Para os turistas, os apenas 400 habitantes parecem menos de 40. Andando pelas ruazinhas da vila, também conhecida como "cidade fantasma", quase não se vê os nativos. Agora, as crianças são capazes de acompanhar o turista todo o tempo. Muitas vendem colares de madeira cheirosa confeccionados pela mãe ou avó. O que desperta curiosidade é saber que Igatu foi um dos maiores centros de exploração de diamante de toda a Chapada. Viveu o auge entre os anos de 1850 e 1930. E ainda hoje dá para ver as ruínas daquele tempo. Mais afastadas do centro ficam as casas dos antigos exploradores, construídas totalmente em pedra, sobre ou sob rochas. A maioria destas casas de garimpeiros está completamente abandonada. E ainda é possível observar, pelas ruínas, como era a estrutura da antiga cidade. O lugar é tão maravilhoso que atualmente é a sede do Festival de Inverno do Música Popular Brasileira.

48 Disponível em: http://an.uol.com.br/2000/mar/12/0tur.htm Acesso em 07.jan.2005.

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Terça-feira, 22 de Março de 2005

TURISMO < B A H I A >

Bahia pode ter uma "trilha mística" na Chapada49 Terça-feira, 02/09/2003 - 06:45

Salvador - Dentro de pouco tempo, a Bahia passa a contar com o seu "Caminho de Santiago. Foi o que garantiu o secretário de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Semarh), Jorge Khoury ? "estão sendo feitas as negociações para que seja criada uma trilha mística no estado". Ele fez a revelação ao participar do encerramento do I Seminário de Preservação Ambiental, realizado pelo Ibama, Rede Bahia e Governo do Estado, como parte do Festival de Inverno de Lençóis. Jorge Khoury afirmou que o projeto é restaurar a trilha que, nos idos de 1800, era feita pelos garimpeiros em romaria para chegar a Bom Jesus da Lapa para pedir proteção. O percurso de 330 quilômetros se inicia no município de Andaraí, passando por Mucugê e Igatu. A iniciativa reúne esforços da Semarh e da Secretaria da Cultura e Turismo (SCT). Ainda segundo o secretário, a trilha mística deve receber o nome de Caminhada da Lapa, em alusão ao fato que inspira a sua criação. O Festival de Inverno de Lençóis foi marcado pela temática ecológica. No Hotel Portal Lençóis, a realização do seminário de preservação ambiental reuniu técnicos, autoridades e interessados no tema, trocando experiências e discutindo a situação das Unidades de Conservação (UDCs) no país e, em especial, na Bahia. No centro das discussões, o processo de implementação do Sistema Nacional das UDCs. Nove palestras serviram para despertar reflexões e levantar debates que, em alguns momentos, tornaram-se acalorados. O evento encerrou-se com a exibição do curta-metragem Socorro Nobre, de Walter Salles, e o anúncio, também pelo secretário, da realização, a partir de 2004, do Festival Internacional Ecológico de Cinema e Vídeo da Chapada Diamantina.

O projeto é restaurar a trilha que, nos idos de 1800, era feita pelos garimpeiros em romaria para chegar a Bom Jesus da Lapa para pedir proteção.(Foto:Agecom)

49 Disponível em: http: //jornaldamidia.com.br. Acesso em: 22. mar.2005.

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ANEXO D – Matéria Grupo RAMATIS – ES.

Os Extraterrestres e o Planeta Terra50

"Passa da hora de conscientizar a humanidade no sentido de esclarecer sobre a natureza dos Extraterrestres que trabalham no Planeta Terra..."

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Divulgação 12 (/ 0/ )

Leitores, esta é a última Divulgação de 1997. A mensagem psicofônica que

apresentamos foi recebida na margem de uma estrada que liga Xique-Xique do Igatú a

Andaraí, na Chapada Diamantina, interior da Bahia. Aconteceu no dia 19/10/97, às 9h da

manhã.

"Queridos Irmãos!

É um prazer estar convosco!

É uma dádiva divina poder compartilhar dessa rica natureza, energia que permeia

todos os seres, embora poucos possam banhar-se neste mar de vida que vos circunda.

Infelizmente os instintos inferiores que ainda predominam entre os homens não os permite

conhecer o maravilhoso mundo onde habitam. A destruição da natureza representa a

ignorância e a ausência do amor que existe entre os homens; porém, em muitos lugares

como este, existem "comunidades de seres especiais intraterrestres", vivendo em perfeita

harmonia, estudando, aprimorando seus conhecimentos a respeito da natureza e do seu

funcionamento, em contato com as energias puras que os propiciam crescer e desenvolver-se

50 Disponível em: http://www.extraseintras.com.br/divulgacoes.asp?ident=23.Acesso em 22.ago.2004.

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espiritualmente.

Este local (referia-se a um platô cercado de rochas milenares, adornadas por uma

variedade de bromélias coloridas e floridas e também de outras espécies vegetais de rara

beleza) é o "jardim de entrada" para uma destas cidades subterrâneas, onde a paz e a

harmonia com o ambiente natural são permanentes. Onde o respeito pela vida permanece

intacto, preservado pelo desejo de evolução do povo ali reunido.

Essa "comunidade" tem pouco contato com a civilização humana da superfície e por

isso pouco compreende do muito que vê, através dos seus receptores.

Não entende porque os seres humanos da superfície da Terra destroem tanto sua

própria "casa", pondo fogo nas matas, esburacando a Terra em busca de jazidas, matando

seus semelhantes, maltratando e tirando a vida dos animais até por prazer.

Os habitantes desta cidade já estão se preparando para auxiliá-los nessa transição.

Não perguntam porque devem ajudar, quando o próprio homem não se ajuda. Apenas

servem e obedecem aos comandos maiores, com sua índole humilde. Vivem uma existência

pacata e constituem família. Seu objetivo principal é aprofundar-se no conhecimento da

natureza. Com suas pesquisas já conseguiram realizar excelentes medicamentos e alimentos

que serão de grande utilidade no despertar da nova Terra.

Grandes alojamentos já estão sendo preparados por eles para receberem os feridos, os

mutilados, os necessitados de socorro que puderem ser trazidos para este local, pois sua

"casa" está aberta para servir ao próximo.

Quanto mais estudam, mais descobrem a pureza e a simplicidade das leis divinas e

maravilhados integram-se à realidade da vida natural.

Canal - Perguntei mentalmente o nome da cidade intraterrestre e da pessoa que me

recebeu.

Resposta - Tendes perguntado o nome desta cidade e do "Ser" que vos mostrou uma

pequena parte do ambiente em que vivem, porém ainda não é o momento para que ocorra tal

revelação.

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Conheceste a "entrada" de um mundo diferente do que viveis e no momento é só isso

que podemos revelar.

Todavia, podeis fazer perguntas.

P - Quem sois vós?

R - Quem vos fala é Nefertite.

P - Alegria imensa em saber que estais conosco nesta viagem. De tudo o que está por

vir, o que vai preceder são os três dias de escuridão?

R - Sim. Os trabalhos de alerta deverão ser realizados com intensidade e rapidez até o

momento em que as trevas cubram o planeta, que será pelo prazo aproximado de três dias.

P - O que acontecerá após os três dias?

R - Após esta fase, nada mais será como antes. Os trabalhos de resgate terão início a

partir do agrupamento de pessoas e de vossa atuação em esclarecerdes àqueles que

apresentam condições de serem resgatados, de terem sua vida preservada.

P - O que faremos?

R - Durante este período, é necessário sintonizardes com as Forças do Bem,

esquecendo o que foi vossa vida até aquele momento, pois nada mais terá volta. Nada mais

existirá de importante, que não seja a fraternidade e a cooperação.

No início, muitas dores na alma sentireis, pela ausência de contato com familiares e

com amigos; porém, em vossos corações deverá permanecer o "amor" que deve ser

desenvolvido por todas as criaturas.

P - Como serão aqueles tempos?

R - Naqueles tempos que virão, todos que encontrardes pelos caminhos serão vossos

irmãos, vossos pais, vossos filhos, vossos amigos. A vida que as pessoas levam agora,

estruturada por essa sociedade, terá fim quando começarem aqueles dias de sofrimento e dor.

Ao retornar a luz do sol, terão início os dias mais cruciantes e decisivos da transição.

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P - Podeis dizer-nos o que virá em seguida?

R - O que ocorrerá, será um agrupamento de pessoas que possam ser espiritualmente

recuperadas e, por conseguinte, serão resgatadas. Enfim, a "derradeira chamada" para

efetuar-se a seleção que se dará após este período, que durará o maior tempo possível. Assim

procuram estabelecer os Técnicos Siderais, que trabalham intensamente nesse processo.

Muitas criaturas, por acréscimo de misericórdia do PAI, terão a última oportunidade nessa

hora cruciante das dores, de fazer sua escolha.

Não vos iludis. Só a dor acordará os que dormem!

P - Como procederemos?

R - O que já fazeis hoje com vosso trabalho de divulgação. Ele visa despertar os que

já estão acordados, porém não conscientes. As dores virão em seguida para que, despertos,

façam sua escolha.

P - Qual o papel do Grupo nesse contexto?

R - A todos os Grupos que trabalham com os Seres das Estrelas, cabe-lhes a tarefa de

orientarem e explicarem as inúmeras questões que surgirão.

P - O que é preciso fazer?

R - É necessário se informarem e estudarem, porém não creio haver mais tempo para

se aprofundarem no assunto, muitos dos trabalhadores de Grupos. Por isso não poderão

responder todas as dúvidas e nem solucionar todas as questões.

P - Então, o que farão?

R - Quando faltar o conhecimento necessário, que redobrem a carga do amor e que

através dele toquem os corações para que despertem a tempo.

P - Quanto tempo durará este período?

R - Será mais ou menos um ano de luta, de dor e sofrimento, contudo, perseverai.

Não desanimeis.

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P - Como nos protegeremos dos gases venenosos durante os dias de escuridão?

R - Manter portas, janelas e básculas fechadas, e as frestas vedadas por panos e

jornais molhados, umedecidos, pois a água não permitirá a entrada de gases no interior das

residências... (perderam-se aqui algumas palavras).

P - Que procedimentos adotar?

R - É importante não abrirdes, por nenhum motivo, as entradas. Não cederdes ao

medo e ao pânico que serão gerados por gritos e gemidos de dor que ouvirão do meio

externo, do lado de fora. Não cederdes à angústia, à aflição de não estardes reunidos com

todos aqueles que amais. É importante manterdes a mente aberta e em prece a fim de

receberdes as orientações que chegarão de naves dispostas sobre vossas cidades.

P - O que mais podereis dizer-nos?

R - Enquanto estiver chovendo, haverá modificações na estrutura e posicionamento

do eixo da Terra. Nessa ocasião, muitos estarão sendo resgatados. Tudo será muito rápido.

Finalmente direi que esta será a etapa mais fácil, cujo êxito só dependerá de

restabelecerdes a calma em vossos corações, para receberdes ajuda. A essa altura, o período

mais difícil e doloroso já terá passado. Caso cheguem até vós mensagens, avisos vindo do

inesperado... (perdemos palavras) ...todos aqueles que possam ser contatados estarão sendo,

ainda que seja uma única vez, num único instante. Eles serão guiados até vós para

receberdes também essas pequenas comunicações que consigamos estabelecer. Que sejam

acolhidos e integrados ao trabalho.

Gostaria de deixar-vos uma mensagem sobre o amor. Ele é e será a vossa maior e

mais forte ferramenta de trabalho, durante as etapas de desenvolvimento dos planos de

resgate. Que o amor esteja a vossa frente como condição, como sinal que atrairá e confortará

todos aqueles que necessitarem de ajuda.

O AMOR.

Que o amor esteja entre vós, permeando vossas ações, vossas palavras, vossos avisos.

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Que o amor represente, enfim, vossa luta onde quer que ides, onde quer que estejais.

Banhados na luz do amor, não haverá destruição, pois ele é o único indicador

universal, língua que permite a comunicação entre os seres de todo o Universo e de todos os

níveis evolutivos.

É o amor que torna a estrada mais larga para aquele que sabe utilizá-la. Que o amor

seja a vossa bandeira, a vossa luta e a vossa vida. Nele não encontrareis tropeços. Eu vos

deixo na Paz dos Mestres.

Amados, recebei cada um de vós e do vosso Grupo, um abraço amoroso e a certeza

de que estou com cada um guardado no meu coração.

Onde quer que estiverdes, eu vos estarei amando, protegendo, auxiliando, se o PAI

permitir.

Nefertite".

Nota: Como na mensagem acima Nefertite fala de uma cidade subterrânea que fica

nas imediações de Xique-Xique do Igatú, apresentaremos o relato de uma viagem astral feita

pelo canal na noite anterior àquela cidade.

Uma vez concentrada, vi um Ser que me aguardava e se apresentou com Ersam

(Intraterrestre amigo do nosso Grupo). Possuía um corpo fino, cabeça arredondada, olhos

amendoados imensos de uma doçura indescritível, assemelhando-se aos olhos de uma

criança pequena.

Saí do corpo físico e fui com ele. Tive que vestir o corpo astral com uma espécie de

macacão de cor metálica, tipo amianto. Lembrava as roupas dos astronautas, porém mais

fina. Acompanhava este traje um capacete parecido com um pequeno aquário invertido.

Saímos caminhando sobre a luz prateada do luar. Destaquei na paisagem uma árvore

de tronco alto, copa fina e larga; ela atraiu minha atenção. Deduzi logo ser, talvez, a

referência da entrada da cidade subterrânea. Chegamos até a árvore e mudamos a direção

que seguíamos, mudou o ângulo e nós começamos a descer. Entramos numa espécie de lago

e submergimos. Após, descemos uma escada. Lá embaixo, seguimos por um túnel que

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terminava em uma sala. Nesse ambiente, trocaram minha roupa e eu fui resfriada com um

tipo de gás para que pudesse entrar na cidade. Meu corpo ficou praticamente congelado e de

tal forma, que eu andava e me movia como se fosse um robô.

Meio endurecida, atravessei o solo para baixo, guiada por outro ser. Ele me disse que

havia uma abertura muito estreita para saírem e chegarem à superfície. Um dos motivos da

saída é estabelecer contato com as pessoas que moram na crosta, para acostumá-la às suas

vibrações, a fim de evitar um choque vibratório se forem levadas para lá.

O outro motivo é o estudo e pesquisas químicas que fazem com material da

superfície, como folhas, frutos e raízes dos vegetais da região, visando utilização futura para

os próprios moradores da superfície da Terra. Com aparelhos sofisticados, fazem a leitura

das fórmulas químicas das substâncias que os insetos e plantas produzem. Tudo isso é feito

sem matar o animal. O aparelho parece um Raio X químico, que é ajustado para uma certa

freqüência que codifica uma determinada categoria de substância. Quando atravessei o solo,

não cheguei na cidade propriamente dita. Fui a uma espécie de hangar revestido de material

transparente, onde se encontravam duas naves estacionadas. Ao perguntar ao meu guia pelos

habitantes daquela cidade Intraterrestre, ele mandou que eu ficasse numa certa posição e

olhasse em frente. Aí, descortinou-se para mim, seres semelhantes aos que me orientavam.

Havia adultos e crianças e eles me olharam com muita curiosidade.

Perguntei-lhe se já havia entrado humanos na cidade e ele me respondeu que não.

Informou-me também que os habitantes que saem são cientistas, de modo que a população

desconhece os humanos da superfície. Eles possuem olhos grandes, amendoados, corpo fino

e de cor acobreada, não dando para perceber se era roupa ou pele. Não consegui captar o

nome da cidade ou do Ser que me guiava.

Depois desse rápido e distante contato com os habitantes, entrei numa nave. Esse

lugar irradiava uma luz quente que parecia queimar. Então compreendi o motivo porque

congelaram meu corpo e percebi também que o tempo que permaneceria ali seria limitado.

Havia no “ar” uma certa pressa para desenvolver os trabalhos. Entrei na nave e ela partiu

atravessando o terreno para cima e num piscar de olhos estava no ambiente da reunião.

Para as pessoas que estão tomando conhecimento do assunto através desta leitura, é

claro que vão achar tudo muito estranho, absurdo, fantasioso. Todavia, para aquelas que nos

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acompanham desde o 1º panfleto percebem como o terreno foi "de mansinho" preparado

para as grandes revelações.

Há uns seis anos atrás, foi divulgada no Brasil uma mensagem recebida por Iolanda

Rodrigues (ex-irmã de caridade), brasileira, residente em Montevidéu.

Vamos transcrever um trecho da longa mensagem:

"Haverá três dias de trevas que serão o último chamado de Amor do PAI. Há dois mil

anos atrás veio Jesus, depois vieram vários mensageiros e ninguém lhes deu ouvidos. O

mundo, ao invés de melhorar, piora a cada dia. Os três dias de trevas significam um susto,

um grande susto, para que todos acordem; este susto é um ato de Amor do PAI, porque ELE

quer que percebamos que precisamos nos preparar espiritualmente para o Final dos

Tempos..."

Nota: as mensagens de Iolanda foram ditadas por Mestres da Grande Fraternidade

Branca Universal (G.F.B.U.).

Nestes últimos tempos, vem se intensificando a distribuição de panfletos contendo a

terceira mensagem de Fátima, trabalho de um sacerdote católico, Padre Agostinho, que

afirma ter autorização da Igreja Católica Apostólica Romana para publicá-la.

Eis um pequeno pedaço da mesma:

"...Haverá escuridão na Terra durante 72 horas. Um terço (1/3) da humanidade que

orar, escapará ás 72 horas de escuridão, irá viver numa nova era, serão pessoas boas..."

Palavras do canal Zanira, paraguaia, em panfletos que foram difundidas no Brasil:

"...O Planeta Terra de 3ª dimensão transita já na Era de Aquário. Sobre isso ocorre já

a impressionante Época de Apocalipse, durante a qual foi vaticinado o obscurecimento

global de todo o mundo. Sem querer por a humanidade em pânico, mas somente preveni-los

da última chamada para sua transmutação definitiva à luz, pois que em breve lapso de tempo,

todo o Orbe ficará em trevas, ou seja, escuridão por três dias e três noites consecutivas..."

Nota: Não sabemos se esta mensagem foi ditada ou foi vidência da Zanira, através do

Registro das Probabilidades que projeta o médium ou canal ao futuro.Nestes tempos difíceis,

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a melhor maneira de ser feliz é praticar a caridade e o amor, ensinados por Jesus.Amemos e

sejamos solidários, a cada dia. Seja Feliz, neste Natal e sempre.G.E.R.