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    Figuras da luz, D. Bordwell, Encenao

    Nos anos 1910, antes da montagem hollywoodiana fundada nacontinuidade vir a dominar o cinema europeu, a maioria dos cineastas dirigiasuas cenasem planos longos e distantes. Os diretores eram obrigados a explorar, emboraintuitivamente, as possibilidades inerentes imagem no editada, o quesignificava acompreenso das balizas da:perspectiva do olho da cmera.

    Kuleshov completou O revolucionriodepois da morte de Bauer, de modo que no

    podemos saber quem dirigiu essa seqncia. Ainda assim, um exemplo cristalino dosrecursos prticos produzidos pela viso monocular da cmera. A gradao de nfase clara. A encenao apresenta os dois personagens principais como possveis antagonistassentados frente a frente, com a filha como observadora secundria ao fundo e o tio, menosimportante, de costas. Nos momentos cruciais, o tio e o samovar escondem a filha aocentro do quadro, para que possamos nos concentrar nos personagens principais, um decada lado da mesa.Aposio e o deslocamento de todos poderiam ser marcados pela "redemtrica espacial", mas, para a prtica cinematogrfica, basta saber que, na ausncia damontagem, o limite do olho da cmera tambm pode ser visto como uma vantagem. porisso que, para o nosso estudo da encenao, produtivo comear com o cinema dos

    primeiros tempos e concentrar em Feuillade e outros diretores talentosos dos anos 1910.Foi naqueles anos que os cineastas inturam que o poder de tudo ver no teria sentidosem que, em certos momentos, apenas as coisas essenciais pudessem ser observadas.

    Gostaria que os diretores esquecessem um pouco o c/ose-up. Adoraria que osdiretores confiassem no espectador para editar o filme com os olhos, como sefa7-,s vezes, no teatro, onde o espectador seleciona quem olhar no decorrer deuma cena que tem dois personagens, quatro personagens, seis personagens.H tanto corte e tanto c/ose-upsendofilmadohoje...! bem fcilpara os

    diretores. ! muito fcil colocar algum em frente de uma parede e filmar emprimeiro plano, e ele diz sua fala e voc passa para a tomada seguinte.. StevenSpie/berg

    Nos anos 1950, Bazin e seus colegas mais jovens podiam considerar o cinemaamericano como o baluarte da encenao cinematogrfica sutil. No geral, hoje, j no assim. O cinema que se v em HoIlywood to diferente de Bauer, Hong Sang-soo emesmo Hawks que esses diretores parecem excntricos e antiquados, As modalidadesestilsticas tratadas neste livro desafiam 'pacificamente o modo mais habitual de fazer eolhar cinema. .Apesar de os crticos reclamarem que os filmes esto repletos de corridas,

    exploses e tiroteios, a cena padro continua sendo a conversa. Essas cenas sodominadas por duas normas da prtica de encenao cinematogrfica:"levanta-e-fala"e

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    "anda-e-fala".Ambas floresceram no cinema clssico de estdio, mas, entre essesextremos,tambm havia a coreografia de Jejum de amor (v. quadro Howard Hawks). Hoje,esse jogointermedirio praticamente desapareceu. Em vez disso, os cineastas desenvolverammtodos de edio e movimentos de cmera que do andamento' a dilogos parados ou

    conversaes em atividade.Na abordagem "levanta-e-fala': que pode se tornar"senta-e-fala': os personagensaparecem tomando posies, geralmente num plano-seqncia. Um eixo de aogoverna as orientaes e linhas de olhar dos atores, e as tomadas, embora variadas emngulo, so filmadas de um mesmo lado do eixo. Os movimentos dos atores socoordenados pelos cortes. medida que a cena se desenrola, os planos tendem a seaproximar dos atores, levando-nos para o mago do drama. A montagem analticaapresenta campo/contracampo, ngulos na altura dos ombros e planos nicos - tudo quese exige para seguir os cdigos tradicionais da montagem da continuidade clssica.Quando os personagens mudam de posio dentro do espao, aparece um novo planogeral para nos informar.

    No importam as variaes ou alternativas que possamos 'encontrar, essesesquemas so quase uma segunda natureza para os cineastas. "Se tudo o mais falhar", dizRon Howard a um diretor novato, "filme um plano-seqncia, algumas tomadas na

    altura dos ombros e planos nicos" (Dancyger, p. 257). O mesmo conselho poderia ter sidodado em 1925.A diferena bsica que,em 1930,uma cena como a de Jejum de amor,de'Hawks,poderiaintegrar a montagem analtica com uma coreografia complexa. No cinemacontemporneo,a estratgia do "levanta-e-fal'domina.Tendo colocado os atores emseus lugares,os diretores dinamizam os dilogos pela montagem e por outros artifcioscinematogrficos. Chamaremos esse novo estilo, que emergiu nos anos 1960e se

    difundiu enormemente nos anos 1980,de continuidadeintensificada.35

    Exemplo de Jerry Maguire (1996) para este cinema post-classico da continuidadeintensificada.

    Estruturada segundo a lgica do clssico campo/contracampo"com as linhas doolhar entrecruzadas, o momento seguinte mostra a admirao de Dorothy e o egosmo deJerry (Figs. 1.55-1.56). Os enquadramentos so muito semelhantes aos anteriores, mas'agora em maior nmero, revelando a evoluo do romance. No mais das vezes, em cenasclssicas, medida que o drama se encaminha para as questes centrais, os personagensficam mais em evidncia. Em dado momento aparece uma tomada a 'trs, mas s paraacomodar Ray se balanando entre eles (Fig. 1.57.);logo depois" voltamos ao dilogo em

    primeiro plano fechado. Quando a ir~ de Dorothy, Eileen, chega, primeiro fora docampo, Jerry vai embora, seguido de um plano indio com lentes longas (Fig. 1.59). Acena termina com Dorothy e Ray se abraando.e olhando para Jerry, ficando no ar aexpectativa do desabrochar do romance.36A seqncia no to empolgante quanto uma perseguio de carro a todavelocidade - que pode ser considerada o paradigma de Hollywood -, mas mais tpica.Muitas cenas no cinema comercial (e em showsde TV) so encenadas, filmadas emontadas do mesmo modo que essa conversa. Em passagens "levanta-e-fala" como essas,o interesse visual vem no de uma encenao complexa, e sim' de tcnicas de edio e ,

    trabalho de cmera. Essa cena se desenrola em 67 tomadas em trs minutos e meio, com.uma durao mdia das tomadas de apenas 3,2 segundos. Esse nmero aponta uma

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    mudana significativa no estilo clssico. Do comeo do cinema sonoro at 1960, amaioria dos filmes de Hollywood continha entre 300 e 700 tomadas, com uma duraomdia dos planos (doravante, DMP) variando entre 8 e 11 segundos:37Desde os anos

    1960, o ritmo da montagem vem se acelerando sensivelmente; desse modo, a tpica DMP

    que oscilava entre cinco e nove segundos em 1970 caiu para uma variao de trs a oitosegundos em 1980. Nos anos 1990, essa tendncia continua e a velocidade tornou-seainda maior; vrios filmes tm mais de 2 mil tomadas e a DMP vai de dois a oitosegundos. Como era de esperar, os filmes de ao do o exemplo, mas, no final do sculo,o filme tpico de qualquer gnero, mesmo comdias romnticas, como Shakespeareapaixonado (1998) eNoiva em fuga (1999), apresentam uma DMP entre quatro e seissegundos.Jerry Maguire, com seus quase 2 mil cortes, tem uma mdia de 4,1 segundos

    por tomada.

    IMPORTANTE (comparando o estilo contemporneo com o clssico, Jejum de amor

    com Jerr y Maguir e)

    No entanto, a montagem mais rpida no levou os filmes de Hollywood sdescontinuidades da montagem sovitica do cinema mudo. Via de regra; como em nossoexemplo de]erry Maguire, a montagem simplesmente acelera o ritmo das cenasapresentadas de maneira comum. Em vez de trs ou quatro campos/contracampos,

    poderamos ter de 10 a 12 planos, cada fala ou expresso facial ganhando uma tomadaseparada. A lgica da continuidade espacial o que organiza a encenao, a filmagem e aedio. Na verdade, o maior nmero de tomadas refora a confiana nos princpios dacontinuidade clssica, porque cada tomad to breve que precisa ser ainda maisredundante indicar quem est onde, quem est falando com quem, quem mudou de

    posio e assim por diante. Por outro lado, a encenao de "levanta-e-fala" permitiu aos

    diretores recorrerem montagem rpida, pois o posicionamento dos atores j conhecido.

    Os cineastas tambm intensificaram o princpio de continuidade pelo empregode planos mais aproximados e planos nicos. A seqncia de JerryMaguire caracterstica: so apenas quatro planos gerais e dois deles se tornam mais aproximadosquando um personagem entra no quadro. O plano de abertura mostra.o terminal de

    bagagem muito brevemente, antes de Dorothy entrar no primeiro plano e a cmeracomear a segui-Ia na busca pelo ,filho Ray (Fig. 1.46). A cena se sustenta em planosnicos: dois teros das tomadas mostram apenas um dos trs personagens. Alm disso, aslentes longas tendem a transformar at um enquadramento bem distante em planonico (Fig.1.53).Como conseqncia,h 22 planos mdios at a cintura ou at o ombro(Fig.1.48).Ainda mais surpreendente, mais da metade dos planos da cena so close-upsdeJerry,Dorothy ou Ray.O plano americano;outrora a soluo mais usada pelos diretoresde Hollywood, foi substitudo por vrios graus de enquadramentos mais aproximados.Desde que a viso que nos orienta na fase inicial da cena o plano mdio na altura dosombros (Figs. 1.47-1.48), a nica maneira de intensificar a nfase recorrer aos planosnicos mais aproximados de Terry e Dorothy (Figs. 1.49-1.50), de Dorothy e Ray (Figs.1.51-1.52) e de Dorothy e Terry quando a atrao entre os dois vai ficando mais visvel(Figs.1.55-1.56).Se compararmos aos planos nicos em Jejumde amor(por exemplo,

    Fig. 1.22),veremos que so completamente diferentes. A montagem fundada na lgica da

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    continuidade foi reestruturada quanto escala de planos e dinamizada, e o drama foiconcentrado nos rostos - particularmente olhos e bocas. Apenas quando Ray brinca quese v o corpo dos atortes da cintura para baixo. No de estranhar que, para a maioria dosmanuais de interpretao, o que importa na representao so a voz e o rosto .38Esses planos aproximados de rostos so tpicos do cinema de Hollywood desde os

    anos 1960. Nos anos 1930 e 1940, o enquadramento mais usado era o que os franceseschamavam deplano americano, tendiam a cortar a figura nos joelhos ou no meio da coxacomo na cena defejum de amor(Figs. 1.20 e 1.26). Muitos diretores construam suas'cenas com dois personagens num enquadramento mdio, uma escala que se afinava //com a proporo 1:1,33de formato quadrado (Fig. 1.60). No fim dos anos 1950 e comeo'dos 1960, os cineastas comearam a se basear mais em planos aproximados, apesar devirtualmente todo filme ser mostrado no formato de tela larga. Os diretores quetrabalhavam na proporo da largura por altura da tela de 1:1,85 tiveram pouco problema

    para encaixarclose-ups em sua tomada.Na verdade,muitas tornadas na 'nova.proporosimplesmente cortavam um pedao da parte superior ou inferior' dos planosenquadrados no formato 1,33, deixando pouco espao para a cabea, o que s vezes

    causava o desaparecimento de uma testa aqui, um queixo ali.

    38 Ver, por exemplo, Patrick Tucker. Secrets of screen acting.Nova York: Routledge,1994, no qual o atorensina como fazer close-upse alguns truques para virar o rostopara a cmera, nos planos com dois atores. Reparem tambm sua assero de que o

    encobrimento uma maneira de conseguir que a cmera veja seu rosto - algumas vezes comoutro rosto ao mesmo tempo p. 129.

    A medida que a montagem rpida se desenvolvia nos anos 1960, os diretoresquebravam as cenas de conversa em muitos close-ups e, hoje,essas cenas so editadas com

    planos nicos. Tais planos permitem ao editor variar o ritmo das cenas e selecionar osmelhores fragmentos da atuao de cada ator.41E j que os planos nicos limitam aescolha do cineasta quanto ao enquadramento, no devemos nos surpreender aoencontrar diretores trabalhando dentro de uma escala mais estreita, do plano mdio at oextremo closecup. No se abandona completamente o plano geral, claro, mas. bemmenos freqente e mais breve, .como na seqncia de]erryMaguire. Agora,um planogeral pode servir de pontuao, enfatizando um momento da ao ou proporcionandoum acontecimento visual impressionante que o close-upj no 'd conta. .

    A cena do 'simptico encontro no aeroporto, em]erry Maguire, ensina mais umalio de continuidade intensificada. Quase todas as tomadas so filmadas com lente

    longa - at as tomadas sobre os ombros (Figs. 1.47-1.48). Os planos que no foramfilmados com uma lente longa apresentam uma protuberncia ligeiramente grotesca porcausa da lente grande-angular (Figs. 1.51-1.52). A polaridade entre lentes de longo oucurto alcance focal se acentuou muito nos anos 1960, quando os cineastas. desejavamreter as virtudes expressivas da tradio da grande-angular (sempre associada a

    CidadoKane), mas tambm experimentar os efeitos da lente telefoto que havia surgidonocinema europeu. Os diretores de estdio haviam reservado lentes longas (de 75 mm paracima) para fazerclose-upsde rosto ou seguir animais a distncia.Nos anos 1970,noentanto, os cineastas estavam montando cenas inteiras para telefoto, com o regulador defoco (que muda o foco de um plano para outro) passando a ser uma maneira comum dedirecionar o olho do espectador.

    Nossa seqncia de JerryMaguire no exemplifica todos os aspectos do estilo de

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    Hollywood hoje. Por exemplo, no contempla o que se chamaria de cmera mvel. Porquase toda a histria do cinema, os diretores tiveram ocasio de mover a cmeraindependentemente da ao, mas a utilizao massiva dessa tcnica hoje 'semprecedentes. A cmera frequentemente se aproxima ou se afasta da figura, mesmo numatroca campo/contracampo (aproxima-se de A, aproxima-se de B,. aproxima-se mais

    ainda de A, aproxima-se mais ainda de B). Gira em espiral em volta dos atores, como emCes de aluguel(Figs.1.9-1.10).A seqncia pode comear com movimentos curvos oulaterais, passando por um elemento do primeiro plano, ou a cmera pode descer pela grua

    para encontrar os atores.

    "Levanta-e-fala" a opo mais comum da encenao, mas uma segundaabordagem impe um movimento mais dinmico figura. Na soluo "anda-e-fala", os

    personagens esto andando pela rua, dentro do escritrio ou ao longo de um corredor, nomais dasvezes,vindo em direo cmera,num longo travelling.Essaera a assinaturaestilstica de Max Ophuls e, mais tarde, de Stanley Kubrick, mas tambm comum emHollywood, especialmente na seqncia de abertura de um filme (por exemplo, Scarface,

    avergonha deuma nao,1932;Ridethepinkhorse,1947;Amarcadamaldade,1958).Nosanos 1980, graas ao desenvolvimento da crtica de filmes de autor, com cmeras cada vezmais leves e suportes manuais, o longo travellingque acompanha as figuras tornou-seobrigatrio em quase todos os filmes. Tais planos, nos quais ultrapassar complexidadeslogsticas um fim em si mesmo, podem corresponder a uma tentativa de contrabalanara crescente demanda por "levanta-e-fala" com muitos cortes. Fazendo uma sntese demontagem e mise-en-scene um estilo hbrido pde ser alcanado por cineastas cinfilos.Sejam "levanta-e-fala" ou "anda-e-fala", os planos-seqncia exigem movimentode cmera. Quando uma cena baseada num longo plano-seqncia, como nos filmesde WoodyAllen ou emFaa a coisa certa, de Spike Lee(Figs.1.64-1.65), geralmente um

    plano em movimento. Hoje, o estilo de Hollywood sempre de movimento - se no forpela montagem, ser pelo movimento de cmera. O que passou praticamentedespercebido foi o plano-seqncia fixo. Ocasionalmente, ele pode ser encontrado emfilmes dos anos 1960 e 1970 (por exemplo,Nashvi/le,1975), mas ficou muito mais raronos anos 1980. Hoje, talvez a coisa mais radical que se possa fazer em Hollywood colocar a cmera num trip, posicion-la a uma distncia razovel da ao e deixar toda

    a cena se desenrolar.

    De onde veio.essa mudana na lgica da continuidade? Ningum mostrouDetalhadamente como isso se deu, mas as primeiras influncias certamente incluiriam as. tcnicas de televiso (que desde os anos 1960 se apoiaram na montagem rpida e nomovimento de cmera), a necessidade de fazer a cena ficar bem fcil de ler no monitor de

    TV (da tanto close-up),a influncia de diretores famosos,como Hitchcock e Leone, anova tecnologia (como a Steadicam e a edio por computador) e mudanas no

    cotidiano da produo (por exemplo, o uso de cmeras mltiplas com lentes longas). Emtodos esses aspectos, e provavelmente em outros, as respostas s demandas da produocriaram prticas padronizadas, que tm sido o suporte das tendncias estilsticas . aqui,dentro da comunidade cinematogrfica - onde problemas concretos devem sersolucionados e as boas solues tendem a se tornar modelos -, que freqentementeencontramos as explicaes mais precisas para as mudanas no estilo.visual.Todo estilo tem suas vantagens e os esquemas da continuidade intensificada

    foram brilhantemente explorados por Michael Mann, David Lynch e outros. Tal estilose .

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    difundiu por todo o mundo, particularmente nos cinemas populares da Europa e doLeste Asitico. Em Hong Kong, diretores como John Woo, Tsui Hark, Ringo Lam eJohnnie To aperfeioaram. o estilo, colocando-o a servio das tradies locais demovimentos percussivos e manifestaes sensuais. Um filme tailands comoNang Nak,um filme coreano como Shiriou Tell me somethinge um filme japons comoMonday

    (todos de 1999) indicam que a continuidade 'intensificada tornou-se uma. segundanatureza para o cinema de massa internacional. Alguns aspectos do. estilo aparecem emprodutos mais prestigiosos tambm;por exemplo,nos entrecortados dose-ups de telefotoe na cmera infinitamente errante de Jane Campion emRetrato'de uma senhora (1996).

    Na verdade, poucos americanos independentes, como Woody Allen, usam planos maislongos,42 mas outros aspectos da continuidade intensificada foram incorporados pelamaioria dos cineastas em filmes to dspares como Sexo,mentirase videotape (1989) eFelicidade(1998).43 .

    42Manhattan (1978) tem uma DMP de mais de 18 segundos e a dePoderosa Afrodite (1995) de 36segundos. "No gosto de fazer todo aquele corte, porque mais barto do meu jeito - mais rpido e

    os atores preferem. Desse modo, posso sentar com eles, deix-las falar, pr a cmera neles e deixar ascoisas acontecerem. Podem fazer isso de maneira diferente a cada vez. Nada precisa ser igual" (citadoem Douglas McGrath. "Ifyou knew Wooy like I knewWoody". New YorkMagazine, 17/10/1994, p.44).Mais criativamente, alguns diretores independentes imprimiram variaes'incomuns s convenes da continuidade intensificada. Joel e Ethan Cohen e SamRaimi experimentaram o estilo para efeitos grotescos, mas outros empregaram-no paracontar histrias de maneiras mais austeras. Por exemplo, as cenas de Hal Hartley sofilmadas predominantemente em planos mdios e close-ups (portanto, economizando ,/dinheiro com cenrios e iluminao), mas a encenao evita o j gasto "levanta-e-fala';predileto de Hollywood, chegando perto dos close-upselpticos dos ltimos filmes de

    Godard, como Detetive(1985).Em Simple men(1992),Bill,um ladro duro fugitivo dapolcia, encontra a ex-mulher num caf e lhe d dinheiro para o filho. Em vez de um

    plano geral,Hartley utiliza quatro planos (um brevssimo), nos quais os rostos dospersonagens entram e saem do quadro e as figuras secundrias so jogadas fora do campo(Figs. 1.66-1.68). O resultado uma coreografia primorosa - no de corpos inteiros,como em Jejumde amor,mas de rostos e ombros,que registram mudanas no dramapor meio de pequenas viradas e olhares desencontrados. EmJerryMaguire, os olhos docasalse encontram, ao passo que, em Hartley, a cena construda com os parceiros sevirandoe olhando para os lados. Esses movimentos so relembrados muito mais tarde no filme,

    quando Bill se sente atrado por outra mulher. Hartley agora pe os rostos de perfIl, masgira os corpos em direes opostas, sugerindo apenas uma intimidade meio desconfiada(Fig.1.69).Entretanto, a maioria dos proponentes da continuidade intensificada no estinteressada em tal austeridade. Tratando cenas comuns com um tipo de tcnicasupervalorizada, outrora reservada para momentos de suspense e revelaes em fruns

    de justia, os cineastas de hoje no s arriscam um estilo bombstico, mas tambm soobrigados a elevar o tom. Agora, os clmaces reais tero de ser pensados para produzirainda mais efeito de comoo: cmera lenta, manchas coloridas, rabiscos digitais, acordeseletrnicos estrondosos. Muitas vezes, a continuidade intensificada transforma estilo em

    Estilo (ou ESTILO). 'No se pode dizer que no fomos avisados. Nos anos 1960, os crticos americanos

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    apontaram tcnicas estridentes em Kubrick, Kazan, Frankenheimer e os dois Sidneys,Lumet e J. Furie. Dwight MacDonald criticava filmes que eram "superdirigidos",afirmando que Tony Richardson "era incapaz de compor uma cena claramente em frenteda cmera e ento era forado a utilizar demais o close-up':44 Andre'W Sarris reclamava deMike Nichols e suas "fceis tticas de choque" e, em Richard Lester e john Schlesinger,

    reprovava a "fraqueza pelo efeito de clique imediato em detrimento da concepo geral':4SPauline Kael foi proftica:Os estilos com a cmera mvel, o movimento e a montagem rpida de um filmecomo

    Finian's rainbow - uma das melhores grandes produes - parecem um comercial deTV,um disfarce para material esttico, que no expressa mais do que a necessidade deimpedir que voc fique entediado e v embora. Os diretores agora esto comeando ascarreiras trabalhando em publicidade- o que, se pararmos para pensar, pode ser quase oresumo, em uma frase, do futuro do cinema americano.46

    Quase 40 anos depois da supervalorizao da tcnica contra a qual esses crticosprotestaram, ela se tornou o cnone e, como toda regra, exclui alternativas produtivas. .Um dos objetivos deste livro retomar algumas dessas solues e convencer os novosrealizadores a experiment-las.Voc pode pensar que estou fugindo de algumas questes bsicas desde o comeo.Por que fazer pesquisa sobre o estilo?No o contedo - a histria ou a significao maiordo filme- o mais importante, afinal?Por que mergulharna esttica das lentes e nadurao dos planos? E, mesmo considerando que um assunto importante, ser quefocalizar nas decises concretas e prticas dos cineastas a maneira mais produtiva defaz-lo? Como, poderiam reclamar os pesquisadores de cinema contemporneos,

    possvel"teorizar" sobre o estudo do estilo? ' 'O estilo do filme interessa, porque o que considerado contedo s nos afeta pelouso de tcnicas cinematogrficas consagradas. Sem interpretao e enquadramento,

    iluminao e comprimento de lentes, composio e corte, dilogo e trilha sonora, nopoderamos apreender o mundo da histria. O estilo a textura tangvel do filme, asuperfcie perceptual com a qual nos deparamos ao escutar e olhar: a porta de entrada

    para penetrarmos e nos movermos na trama, no tema, no sentimento - e tudo mais que importante para ns. E j que os diretores so extremamente cuidadosos noaperfeioamento dos meandros de seu estilo, ns nos sentimos compelidos a mergulharnos detalhes. Uma discusso completa sobre um filme no pode se deter s no estilo, maseste deve ser alvo de minuciosa ateno.Ainda assim, muitos pesquisadores de cinema no analisam o estilo do filme 47

    47 Sempre se diz que os pesquisadores de cinema se preocupam mais com o estilo visual do que com o som,mas penso que a afirmao exagerada. Hoje, podemos nomear aproximadamente uns 12 estudiososimportantes que pesquisam o som no cinema (principalmente, Rick Altman, Claudia Gorbman, KathrynKalinak e Jeff Srnith), mas nem tantos enfocarn a visualidade. A quantidade dos que estudam msica nocinema supera facilmente a dos que se dedicam a composio, cor e trabalho de crnera.

    Ironicamente, medida que os filmes tornam-se mais disponveis do que nunca paraanlises mais profundas, o interesse pela estilstica decresceu. Por qu? Em parte, porqueos estudos de cinema tem atrado tericos de uma vertente mais literria, mais

    confortveis com a hermenutica do que com a estilstica (que permanece umadisciplina menos importante nos estudos literrios). Alm' disso, at estudiosos tm

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    dificuldade para observar as mincias da tcnica. Quando vemos um filme, assimilamosas imagens, mas poucas vezes notamos como esto iluminadas ou compostas. Ento,crticos e estudiosos acham mais natural falar sobre o desenvolvimento psicolgico dos

    personagens, sobre como a trama resolve, conflitos e problemas ou sobre o sentidofilosfico, cultural ou poltico do filme.

    Nosso desinteresse pelas imagens decorre de nossos hbitos de apreenso domundo. Movemo-nos pelo mundo alegremente desatentos a todas as complexasmaneiras como nosso sistema de percepo filtra e elabora as informaes que nosinundam.48 As atividades de ver e escutar so "informacionalmente encapsuladas'~A vidano tem pausas ou boto de retrocesso e no podemos parar para ver os mecanismos denossa mente pelos quais percebemos o mundo dos objetos e das atividadestridimensionais. Por razes normais, assim melhor. Evolumos no sentido de agir paraum bom rendimento desses mecanismos, e tomar conscincia deles s iria nosdesacelerar num mundo em que os segundos importam; Ainda assim, os hbitos da

    percepo fcil e rpida no nos ajudam muito quando queremos compreender como ocinema opera.Alm disso, poucas disciplinas, como a histria da arte, desenvolveram umvocabulrio para analisar os efeitos provocados pelas imagens. Esse vocabulrio,

    inevitavelmente tcnico, parece muito menos espontneo para ns do que o vocabulriopara falar de personagens e trama. De agentes e atividades, ns sabemos: nossa psicologia

    prtica nos fornece um grande repertrio de maneiras de descrever a ao humana. Decomposio, cor e padres de movimento, sabemos muito menos. Em particular, estudara encenao cinematogrfica focalizar' questes que, por razes histricas, receberammuito pouca ateno mesmo dos estudantes de cinema.

    No se trata de uma completa e detalhada teoria do estilo do filme, especialmentenestas poucas pginas de introduo. Mas eu deveria oferecer uma prvia do tratamento

    de duas questes fundamentais deste livro: como podemos descrever e analisar o estilo deum filme de maneira pragmtica.? E como podemos explicar suas causas econseqncias histricas de maneira produtiva? A cada passo, minhaS respostas podemser questionadas, o que j ocorreu em muitos pontos. Em vez de falar das crticas aqui, ocaptulo final faz uma reviso das maiores objees a esse tipo de anlise e de minharesposta a elas. Acredito que o leitor estar em melhores condies de avaliar as crticas, setiver partilhado da minha trajetria e dos insightsproduzidos por essa linha de pesquisa.Este livro primeiramente um livro de crtica de cinema que prope algumasferramentas para a anlise estilstica. Mas, como nenhuma 'crtica opera sem

    pressupostos tericos, vou expor sucintamente os mais importantes para este projeto.Para mim, o estilo cumpre quatro funes principais. Primeiro, serve para denotarocampo de aes, agentes e circunstncias ficcionais ou no-ficcionais. Como naliteratura, a funo denotativa do estilo cinematogrfico determina muita coisa: a 'descrio de cenrios e personagens, a narrao de suas motivaes, a apresentao dos.dilogos e do movimento. No cinema narrativo, as funes denotativas de estilo estoevidentes em todo lugar. Cada tomada apresenta um bloco de espao e um segmento detempo, um conjunto de pessoas e lugares que nos so apresentados como parte de um, mundo ficcional ou no-ficcional. Jerry Maguire e Dorothy, Walter Burns e Hildy, Sujeonge seus amigos, o caf da manh em O revolucionrioe em Simple men - todos nosafetam em virtude dos processos estilsticos que operam na dimenso denotativa. Essaqualidade to bsica para o cinema que temos a tendncia de passar por cima dela, mas,

    logo a seguir, argumentarei que deveria ser fundamental para qualquer relato sobre estilono cinema.

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    ..No s pessoas e objetos concretos so denotados pelo estilo, que tambm podemostrar qualidades expressivas.O estilo musical, no mais. das vezes, voltado para arepresentao de estados emocionais, tais como grandiosidade, vitalidade ou ameaa. As

    pinturas do expressionismo abstrato retratam frequentemente turbulncia e angstia.

    Em muitos filmes as qualidades expressivas podem ser transmitidas pela iluminao,pela cor, pela interpretao, pela trilha musical e por certos movimentos de cmera, taiscomo o redemoinho manchado para comunicar vertigem. H muitos argumentosfilosficos sobre como a expresso funciona nas artes, mas, para meus propsitos, umaoutra distino vlida. Podemos distinguir entre estilo que apresenta qualidades desentimento (o plano transmite tristeza) ou causa sentimentos no espectador (o plano medeixa triste). Na maioria das vezes, vou me ater primeira dimenso de expresso, masno h como passar por cima do poder do estilo de "contaminar" o espectador comsentimentos fortes.49O estilo tambm pode produzir significados mais abstratos e conceituais; ou seja,o estilo pode sersimblico.Numa pintura, uma rvore(denotada) pode tambm ser um

    smbolo de fecundidade; a caveira distorcida inclinada no primeiro plano de Osembaixadores,de Holbein, pode ser uma advertncia de nossa mortalidade. Smbolos emliteratura, como o signo do olhar dos culos em The Great Gatsby, e no cinema, como osavies copulando no comeo deDr. Strangelove (1964), operam pelo mesmo principio:sugerir significados mais gerais e abstratos. Os filmes podem evocar implicaessimblicas pelo esquema de cores, pela iluminao, pelo cenrio e por associaesmusicais.Finalmente, em qualquer meio, o estilo pode operar por si mesmo. Cria climasdiscretos e padres mais envolventes por seus prprios meios, levando-nos a descobriruma ordem escondida ou a notar pequenas diferenas. Mesmo com toda inadequaoterminolgica, podemos nos referir ltima funo do estilo como uma funodecorativa.Nesse sentido, a decorao exige de ns a apreenso das potencialidades dalinguagem cinematogrfica quanto pura produo de padres.5OAlm disso, pensamosa decorao como ornamento, como algo aplicado em algum suporte. Decoramos as

    paredes de um apartamento ou decoramos nossos corpos com tatuagens. Em filmesnarrativos, o estilo pode ser decorativo apenas neste sentido: a produo de padres opera

    por meio de justaposio ou sobreposio s outras funes estilsticas. Em filmes nonarrativos, o estilo pura decorao, criando padres inteiramente abstratos. Mas, j quea maior parte do cinema narrativa, as qualidades decorativas aparecem por acrscimo,como quando o cineasta cria padres puros, ao mesmo tempo em que denota um mundoou comunica estados expressivos.

    Podemos considerar a decorao como uma questo de momentos exemplares,como quando um movimento de grua tece arabescos em volta de uma ao secundria.

    Nesse sentido, a decorao parece ser um signo de maneirismos que algunscomentadores celebraram em diretores como Von Sternberg, Busby Berkeley e Brian DePalma; e que Kael, Sarris e MacDonald criticaram quando foram lanados emHollywood nos anos 1960. Penso, entretanto, que os usos decorativos do estilo podemtambm operar de modo mais sistemtico e abrangente.51 O que em outro trabalhodenominei "narrao paramtrica" pode ser definido como uma execuo estilsticadecorativa altamente organizada.52Outras artes podem comear' com o padro puro eacrescentar outras dimenses: o compositor de uma fuga tentar encontrar uma melodia

    expressiva, e Mondrian deu um giro expressivo-denotativo para um quadro abstratochamando-odeBroadwayBoogie-Woogie. Ao contrrio, o uso sistemtico da decorao

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    bem raro no cinema, em parte porque essa forma de arte historicamente muito ligada denotao. Devemos, por essa razo, recorrer a explicaes decorativas do estilo do filmes depois de refletir exaustivamente sobre as outras funes. .Separei essas vrias funes com propsito analitico, mas, nos casos prticos, cadatcnica particular pode servir a vrias funes ao' mesmo tempo. A nova continuidade

    intensificada de Hollywood nos proporciona vrios exemplos. Entrecortar o movimentode cmera, movendo-a em direo de dois personagens parados, pode ser;ao mesmotempo, denotativo (ressalta as reaes faciais), expressivo (sinaliza uma tenso crescentena cena) e ligeiramente decorativo (cria uma repetio paralela de um dispositivoestilistico). Um trecho de montagem rpida pode informar-nos que os perseguidoresesto encurralando o heri e simultaneamente expressa a excitao do momento.Os ltimos exemplos sugerem que qualquer funo do estilo tambm pode' .

    produzir ganhos na recepo do espectador. Naturalmente, uma emoo expressa pormeio da tcnica, em geral, provoca um efeito afetivo correspondente no espectador. Se atristeza do personagem transmitida pela combinao da imagem e do som, podemosnos comover at a piedade. A combinao de atuaes excessivas, incansveis travellings

    para frente e pulsantes frases musicais fnebres concorrem, emMagnlia (1999), parauma insistente sensao de angstia que atinge o espectador quase visceralmente. Menosespetacular, o uso denotativo do estilo, simplesmente apresentando o vaivm da histria,

    pode provocar uma gama de reaes, da curiosidade e do suspense .melancolia e exaltao. Mesmo a mais abstrata produo de padro dos processos decorativos podedespertar frustrao (por que a repetio da tcnica, quando no tem aparentemente umobjetivo narrativo?) e fruio (agora, entendo a inteno mais. escondida). O estilodetermina nossa experincia de um filme em muitos nveis.

    Normalmente, ao fazer a marcao e o enquadramento de uma tomada, omais importante que o espectador esteja olhando para onde voc quer que

    ele olhe. Voc tem que ter certeza de que ele compreende a histria e de quecapta todas as informaes pertinentes, ao mesmo tempo em que ignoratudo o que irrelevante. Quase forando o entendimento da quest~, escurecendotudo mais no quadro e sinalizando com setas luminosas... Isso seconsegue principalmente pela composio do plano e pela direo precisados atores. Robert Zemeckis

    Tudo o que foi afirmado at o momento, d apenas uma viso panormica dasfunes do estilo no cinema, mas j se configura uma introduo anlise da encenaocinematogrfica. As distines delineadas podem nos guiar no estabelecimento dealgumas prioridades.Primeiro, a denotao a funo central do estilo em praticamente qualquerfIlme narrativo. Por isso mesmo, fiou difcil reparar na denotao: os crticos tmsupervalorizado, sobretudo, a dimenso simblica, e desvalorizado a funo denotativa.Ao analisar o estilo do fIlme,proponho que asfunes denotativasdo estilosejamnossohabitual ponto de partida. Alm do mais; ao analisar a narrativa do fIlme, devemos

    pressupor que, na maioria dos casos, a denotao estilstica serve para apresentar ainformao mais relevantepara a hist6riaquesedesenrola.Com os outros fatores narrativossob controle, o estilo do fIlme est l para balizar o trajeto do espectador, orientando-o eguiando-o na reconstituio da histria com o que nos apresentado na tela e na trilhasonora. 54 claro que tal construo inventivamente interrompida por elipses, segredos,

    desorientaes etc. (operaes narrativas tambm manifestadas pelo estilo). Seria maisexato dizer que o filme nos incent.ivaa acompanhar a histria tomando atalhos favoritos.

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    Toda essa elaborao se faz pelos padres estilsticos.Nem toda tcnica utilizada em um filme ter principalmente funesdenotativas. Os pressupostos servem como modelo e hiptese de trabalho para guiarnossa investigao: estar alerta a eles no impede que observemos outros assuntos. Emmuitos casos, uma vez determinado o papel do dispositivo estilstico, no precisaremos ir

    adiante para explicar seus atributos. Mas, se no conseguirmos encontrar um papeldenotativo para ele, devemos continuar a busca por outros. J que um mesmo artifciopode servir a vrias funes, podemos 'sempre continuar a considerar os possveisobjetivos da tcnica, expressivos, simblicos ou outros.Usar a denotao narrativa como um modelo nos proporciona tantoabrangncia como economia. Essa hiptese nos permite reconhecer que a textura

    estilstica de um filme onipresente, ininterrupta do comeo ao fim. Ao contrrio, asfunes simblicas no saturam o estilo do filme no mesmo grau. No muito

    provvel que todo elemento da iluminao, todo movimento de cmera, todamudana de uma figura no quadro, toda montagem manifeste um sentido abstrato. Na

    verdade, esses momentos especiais em que vemos imagens de Cristo ou a marca deuma identidade de gnero se destacam claramente do fundo de tomadas e cortes mais

    banais. Esse fundo constante tem um objetivo principal que, antes de teorizar,chamamos de "contar uma histria': A montagem rpida com planos nicos da cena doaeroporto de]erry Maguire acentua alguns dilogos e expresses faciais. Dentro de umaimagem mais. larga, como vimos, um ligeiro movimento do personagem podecanalizar o fluxo da informao dramtica: um homem se levantando para deixar umafesta torna-se a ao central, mesmo um samovar que obstrui a viso de um rosto temo papel de forar a busca pelo desenvolvimento da histria em utro lugar. Momento amomento, o estilo, afastando outras pos'sveis implicaes, ajuda a contar a histria deum modo singular.

    Comear com a denotao narrativa tambm implica economia de explicaes:podemos reunir muitas tcnicas diferentes sob alguns princpios gerais. Ulp dos maisimportantes, evidentemente, o princpio de direcionamento da ateno.Freqentemente, um contador de histrias em qualquer meio procura chamar nossaateno para certos detalhes e deixar outros carem no esquecimento ou desaparecerem.Em literatura, nenhuma descrio de personagem ou cenrio implica um relatriocompleto: o escritor seleciona aspectos relevantes para a histria e os efeitos a serematingidos. Watson no menciona se Holmes tem pulmes, mas esse rgo se tornaria

    bastante relevante se Holmes contrasse cncer de pulmo por fumar. Em fotografia oucinema, o quadro exclui muito mais do que inclui, e, dentro. do quadro, a composio, acor e todas as tcnicas de cada linguagem concorrem para ressaltar as qualidades mais

    pertinentes trama. 'Os artistas so psiclogos prticos, confiam que nossa sen~ibilidade e percepo,adquiridas tanto por dom natural como por bagagem cultural, enfatizaro algunsaspectos da histria em detrimento de outros. Contadores de histria sabem que nossaateno tende a se fixar em aspectos que nos atraem fora do mundo da arte. Tomemos ocorpo. O corpo dos primatas emite um constante fluxo de sinais rela,tivosa seus estadosemocionais e a suas relaes com os de sua espcie e a evoluo humana nos tornoualtamente sensveis a posturas, gestos e movimentos dos que esto a nossa volta. Adistncia e o ngulo entre duas pessoas de p podem instantaneamente transmitirintimidade ou domnio, atrao ou confronto. Em todas as culturas, uma postura ereta

    tende a sgerir umstatus mais elevado do que uma postura encolhida. O gesto pontua eacentua a f~la e, algumas vezes, dispensa palavras, como em signos culturalmente

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    especficos (~omo os cornos do marido trado) ou alguns poucos universais (aplaudir,dar de ombros). Muitos sinais no-verbais, tais como bocejo ou punho cerrado, podem

    nos afetar mais fortemente do que as palavras, pois so mais difi.ceisde evitar e,conseqentemente, tm mais chances de serem autnticos.55

    O rosto a parte do corpo na qual mais nos fixamos, pois a regio que maisconcentra informaes. H razes para acreditar que o rosto, por ter ev.oludoparcialmente pela presso de transmitir informaes socialmente pertinentes, agorafunciona como um teatro dos estados da alma, em constante mutao. Pelo menos seisexpresses faciais bsicas (felicidade, surpresa, medo, tristeza, raiva, nojo ou desprezo)

    parecem ser reconhecidas em uma grande variedade de culturas. Outras expresses,como levantar as sobrancelhas por ceticismo ou arrogncia, parecem mais localizadas. Asculturas tambm variam quanto ao que Paul Ekman chamou de "regras de exibio",referindo-se s circunstncias nas quais as expresses so apropriadas. 56A atuao emum filme se apia fortemente numa gama de expresses faciais culturalmentereconhecidas. 57

    Quando duas pessoas conversam, a boca e os olhos so os dois focos irradiadoresde informao dentro do rosto. Os olhos so particularmente importantes, visto que oolhar acompanha as expresses faciais correspondentes (uma expresso agressiva e umolhar direto se associam, tanto em chimpanzs como .em outros primatas, como ns) esomos extraordinariamente sensveis ao ngulo especfico do olhar. Numa conversa,quem escuta tem mais probabilidade de olhar mais constantemente para o falante do queo falante para quem escuta; o falante olha para outros lados de vez em quando, usando oolhar para pon tuar a fala e ver as reaes. Todo o processo cuidadosamente coordenado,de modo que, quando quem escuta fala, os papis se invertem. As sobrancelhasacrescentam seu prprio comentrio aos dilogos e aos modos de olhar.58

    Podemos supor que rostos e corpos so pontos de atrao de nosso sistemaperceptual, j que o centro do interesse da maioria dos filmes o ser humano (ou o queparece humano). Talvez por essa razo, o esquema clssico campo/contracampo e oalinhamento dos olhares tenha tal poder de comunicao numa grande diversidade deculturas. Essa estrutura clssica construda com base nos ritmos da alternncia, fazendointercambiar tanto os espaos in e offcomo os personagens e suas reaes faciais ecorporais,tpicasde interaeshumanas.59 .'Aindaassim,osesquemasclssicosno souma simplesimitaode interaonavida real. Para facilitar a compreenso, os esquemas simplificam o processo. Elesenfatizamosrostospor meio deplanosmdiose close-ups, aomesmotempo que a escalade planos e a iluminao fazem a linha do olhar absolutamente evidente. Os atores seolham fixamente muito mais do que as pessoas na_vidacotidiana. Ento, em cinema, umolhar evitado, em vez de ser uma estratgia cotidiana, torna-se uma expresso dedistrao, culpa, timidez ou algum outro sentimento pertinente. Do mesmo modo, osdiretores reduzem a quantidade normal do piscar. Normalmente, piscamos de 12 a 15vezes por minuto, mas personagens de cinema, freqentemente, piscam muito menos.6oEm nossa passagem deJerry Maguire, h menos de 30 piscadas entre trs personagensnum trecho de quase trs minutos, e muitas delas tambm reforam sentimentos (comoas prolongadas piscadas de Terry com o subtexto "eu estou no comando"). Se acontinuidade clssica formata as inflexes interpessoais mais relevantes, a continuidadeintensificadaexagerae elevaotom. Simplemen,a despeitodeseusplanos-seqnciaesua

    encenao mais complexa, obedece a essa estratgia. Para expressar frieza e cansao"Hartley faz seus personagens se olharem muito menos que um casal conversando faria na

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    vida normal (Figs. 1.66-1.68). A cena incomum, mas o resultado to artificial quantoo clssico olhar de xtase que une Dorothy e Terryna esteira de bagagem do aeroporto.Mesmo estilosque recorrem menos a close-upsdo relevo expressofaciale direo do olhar por meio da composio, da iluminao e do movimento. Comoveremos, Feuillade, Mizoguchi, Angelopoulos e Hou Hsiao-hsien no dispensavam a

    mirade de informaes estampada no rosto. Ocorre simplesmente que, em suastradies, uma gama de outras inflexes no-verbais, desde a postura e o gestual, at aarquitetura e a paisagem, proporcionam focos de ateno alternativos. Os ro$tos aindaimportam,mas tambm os gestosdebbadosdasfigurasno primeiro planodeA virgem

    desnudadapor seussolteiros e a inclinao angular para frente e para trs d tio na mesadocaf da manh em O revolucionrio.Ao longo dos captulos, teremos a ocasio de observaros criativos procedimentos de nossos diretores para velar expresses faciais, conduzindonoss possibilidades denotativas, expressivas e decorativas de outros aspectos da ~agem.Grande parte das histrias contadamo cinema atravessa com facilidade as fronteiras

    culturais. Uma razo plausvel para isso que o cinema incide em tendncias perceptivasmuito difundidas. Os estilos que vieram a dominar o cinema parecem ter se afinado, portentativa e erro, com algumas disposies universais cognitivas e perceptuais.61 Muito antes

    do advento do cinema, apareceram algumas similaridades na maneira como vemos,escutamosou compreendemos as regularidadesdo mundo.62Taisidentidades foram '

    provavelmente produzidas por dois fatores: evoluo biolgica e prticas culturaisconvergentes.63Como os espectadores vm ao cinema com suas propenses cognitivas e

    perceptuais, os diretores desenvolveram tcnicas impregnadas de afinidadestransculturais para afet-Ios. Todos os estilos de fihne so arbitrrios no sentido de que

    poderiam ter sido feitos de outro modo, mas alguns estilos so mais eficazespara contar

    uma histria do que outros. Sevoc quer induzir o espectador a focalizar as reaes dospersonagens, fIlmar de um ngulo que mostre rostos ~mais efIcaz do que filmar,digamos, de UIJl ngulo que mostre s sapatos. ~ claro que, se o diretor tem outrasaspiraes, tais como criar um filme lrico ou uma narrativa experimental, ento,escolhas estilsticas incomuns 'so mais apropriadas, mas mesmo estas trabalharo com(ou contra) as propenses perceptuais ou cognitiv~s do espectador.Se, como parece provvel, conduzir a aten'o um objetivo crucial do cinemanarrativo, podemos invocar, pragmaticamente, outra constante transcultural: o serhumano explora o meio ambiente com os olhos. S uma pequena zona da anatomia denossos olhos, a fvea, tem foco crtico. Por isso, os olhos se movem para deixar que a fvease ocupe de assuntos de seu interesse. s vezes, os olhos seguem objetos que se movemlentamente por meio de movimentos suaves de busca; porm, na maior parte do tempo,nossos olhos pulam de um lugar a outro, trs ou quatro vezes por segundo, por meio de

    pequenos saltos que chamamos 'de movimentos sacdicos. Esses m,ovimentos exploramo meio ambiente, focalizando com preciso apenas alguns fragmentos e por somente um ,quarto de segundo. Se o assunto valer a pena investigar, micromovimentos sacdicosmovem a fvea ligeiramente para o alvO.64O processo de busca visual ativo, rpido edecorre de nossa herana biolgica. Sondar o ambiente e nele detectar mudanas fixandoo'saspectos essenciais constituiu uma evoluo muito vantajosa para os mamferos tomons. No admira que o olhar dos recm-nascidos se demore nos rostos, particularmente,em olhos e lbios.

    Tanto os movimentos sacdicos quanto os movimentos de busca sointencionais, movidos por informaes que chegam de outras partes do sistema ptico

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    (principalmente a viso perifrica) e de outros sentidos, como a audio. Os psiclogosfalam de um "sistema de ateno disfarada" que guia os movimentos de nossos olhos.65

    Desde que os movimentos sacdicos apontem as zonas mais informativas para a fvea,parece provvel que a mente os dirija com hipteses sobre o que procurar - na verdade,

    um mapa cognitivo. Aviso perifrica traa um diagrama espacial que vai ser preenchidopor uma inspeo cuidadosa do campo perceptual.66H muito tempo, os artistas, intuitivamente, tm conscincia da busca visual. Nofinal do sculo XVII, membros da Academia Francesa elaboraram a primeira crticadetalhada de obras de pintura e escultura, uma teoria da ordem pictrica baseada nomovimento exploratrio do olhar do espectador no tempoY Hogarth declarou que alinha sinuosa "leva o olho a um tipo de busca distrada".68Sculos depois, KatherineHepburn,segundoodiretor de fotografiadeOlagodourado (1981),tentou roubara cenade seus colegas usando um casaco vermelho, porque, como a nfase do vermelho numa

    pintura impressionista, "o olho vai direto para ele".69O estilo contemporneo dacontinuidade intensificada parece querer direcionar o olho de maneira brusca, maneira

    de Kuleshov,por um desejo de legibilidade. "Quando uma tomada vai ficar na tela s portrs segundos", observa o diretor de fotografia Vilmos Zsigmond, "no h tempo paradecidir o que importante, ento, voc tem de dirigir o olhar,forar mesmo,:70Tendo estabelecido seus fundamentos biolgicos e psicolgicos, podemos afirmarque conduzir a ateno central aos objetivos denotativos da encenao. Invocando o

    princpio do direcionamento da ateno, muitas tticas utilizadas nas cenas analisadas

    podero ser explicadas economicamente. As tcnicas de iluminao, composio einterpretao reforam nossa deriva natural em direo a corpos, olhares e expressesfaciais. E o diretor que coloca muita coisa competindo pela nossa ateno,

    provavelmente, nos guiar cuidadosamente para os lugares mais importantes. Muitas

    tticas de encenao, portanto, podem' ser encaradas como maneiras de administrar abusca visual do espectador - no necessariamente "for-10':no sentido forte de Zsigmond,masgui-Ioou proporcionarumalinhademmorresistnciaq,ue,pelaspressesinerentessituao da sala de cinema, arrastar a maioria dos espectadores/I Claro, a anlise do estilo,no exigeum diploma em psicofisicaperceptual, mas nos captulos que se seguem, ao ficaralerta s qualidades expressivas, simblicas e decorativas do estilo visual, freqentementetomarei o direcionamento da ateno como um modelo. Com muito mais freqncia doque admitimos, as escolhas estilsticasatendem flenotao narrativa, principalmente porsugerir onde olhar e onde no olhar - sempre tendo em mente que o interesse do espectadorest tambm sujeito magia gravitacioniUdos corpos desenhados com a luz da tela.Dadas as vrias funes do estilo do filme,.como podemos proficuamente explicaras causas e conseqncias histricas de uma tendncia estilstica? Outra hiptese podeguiar nossa investigao. J que este livro trata de cinema narrativo"deveramos

    pressupor que a organizao estilstica que detectamos resultado da seleo que osdiretores fizeram entre alternativas disponveis. Tais escolhas podem ter sido planejadasantes de filmar, podem ter emergido espontaneamente durante a filmagem ou seimposto na ps-produo. Para fazer uma distino supersimplificada, podem ser"escolhas livres': que realizam realmente as intenes do diretor, ou podem ser "escolhas.foradas", nascidas de limites externos, como tempo, dinheiro ou falta de poder. Dessa

    perspectiva,para explicar mudanae continuidade dentro do estilodefilme, temosdeexaminarascircunstnciasqueinfluenciammaisdiretamenteaexecudoofilme- omodo

    , deproduo,a tecnologiaempregada,astradiese o cotidianodoofciofavoreCidopor

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    agentesindividuais. Fatores mais "distantes", tais como fortes presses culturais ou .demandas polticas, podem manifestar-se somente atravs, dessas circunstncias

    prximas, nas atividades dos agentes histricos que criam um filme. O esprito do tempono liga a cmera.O argumento que desenvolverei se ope aos sistemas eXplicativos que

    dominaram a historiografia do filme. Estestm sido relatos macrosc6picos que conectamo estilo.do filme (ou outros aspectos dele) ao esprito de um tempo, a uma ideologia, aculturas nacionais ou a condies da poca, como "modernidade"ou "psmodernidade".

    No ltimo captulo, procurarei demonstrar que muitas dessas teorias somuito vagas; que seus defensores no conseguiram explcitar os mecanismos causais

    pelos quais esses fatores fugidios se traduziram nas qualidades sutis efetivamente

    encontradas nos filmes, Alm do mais, essesestudiosos se mostraraq1 relutantesemtestar suasafirmaes com contra-exemplos. Em suma, a questo que nosimpulsiona -

    quais so as potencialidades estticas e as ramificaes histricas das tradiesfundadasna encenao?- no adequadamente discutida em relatos excssivamente gerai~.Por exemplo, somos tentados a invocar circunstncias culturais para explicar oritmo de montagem da continuidade intensificada. Em tempos de saturao imagticanos meios de comunicao, diriam alguns, nossa sensibilidade est mais afinada com oimaginrio "tiro rpido'~ No final das contas, nosso limiar perceptual talvez tenha sidoelevado. Talvez nos tenhamos tornado mais "visualmente educados" e, diferentementedas geraes anteriores, possamos captar informaes visuais em videoclipes maisvelozes. Ainda assim, mesmo que possamos terdesenvolvido de verdade um gosto porimagens rpidas, parece improvvel que tenhamos, de alguma maneira, expandido nossopoderde assimilar isso tudo, De todo modo, o espectadorj conhece a montagemrpidah muito tempo. No cinema americano dos anos 1920, astomadas duravam de quatro aseis segundos cada, no to distante da norma dos anos 1980 e comeo dos anos 1990.Alm disso, embora a maioria dos filmes de 1930 a 1960 usasse planos mais longos, osmuitos que empregaram a montagem no ficaram incompreensveis. As audincias soversteis: os filmes contemporneos empregam uma gr~mde diversidade de ritmos demontagem que os espectadores j so capazes de assimilar h muito tempo. Graas a um

    processo recproco defeedbacke correo, os cineastas instituram novas normas que, demodo bem plausvel, podem ter se originado de dinmicas histricas que tentei

    explicitar,entre elas,as demandasque os diretoresacreditavamteremsidoimpostaspelateleviso.Amontagem rpidapareceperfeitaparauma explicaodepoca;a tarefa setornamuito mais difcil quando nos perguntamos como uma mudana cultural na percepo

    poderia explicaro aumento de outras caractersticasda continuidade intensificada,taiscomo recorrer encenao do "levanta-e-fala" ou lentes longas ou movimentos decmera como o travelling. Ao estudar a continuidade intensificada, descobrimos queuma das vantagens de isolar traos estilsticos bem especficos que nos foramos a

    propor causas locais bastante precisas. De modo semelhante, ao considerar a encenao,investigarei algumas estratgias de extraordinria delicadeza, que resistem a sersubsumidas nas grandes categorias, quase hegelianas (modernidade, ps-modernidade),

    utilizadas hoje. Os prximos quatro captulos procedem indutivamente, trabalhandocom baseem caractersticasestilsticasparticularespara asfunesmais pertinentese

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    imediatas que podemos detectar. O captulo final argumenta que as caractersticasestilsticas trazidas luz no so rapidamente explicadas pela cultura nacional ou pelascircunstncias da poca.Como uma primeira abordagem, sugiro que a maneira mais eficaz para atribuirfunes e causas tratarasmodalidades estilsticascomo soluodeproblemas.Na

    verdade, diz David Zucker, diretordeAirplane!e Ghost:"Dirigir basicamente solucionarproblemas".72 Que tipos de problemas? No cinema narrativo, muitos problemasrevolvemao redor de contaruma histria de uma maneira espedfica.Como criar,porintermdio do ator, a reao do personagem e, ento, garantir que os espectadores a vejamno momento certo? Como mover os atores dentro do quadro para indicar a relao entreeles, o estado emocional, as reaes diante do drama que se desenrola? Quando cortar

    para o contracampo de B- um pouco antes de A terminar sua frase, logo que A terminaou depois de uma pausa em A? Esses so, num nvel primrio, problemas de denotaonarrativa, expressividade e de assimilao por parte do espectador.Felizmente, o diretor no tem de resolver cada problema dzero. A -tradio

    dentro da qual trabalha dispe de um repertrio de esquemas, aquelas normas de estiloque os especialistas podem reciclar, modific-ar ou rejeitar. Quando Ron Howardaconselha o jovem cineasta a fIlmarplanos-seqncia, depois plarios na altura dosombros e depois nicos, est apontando para uni conjunto de esquemas que, no decorrerdo tempo, mostraram-se confiveis para transmitir uma cena de conversa com nfasecrescente.E osesquemas,mesmo restringindoa liberdade,sempre permitem zonas deescolha. Mesmo dentro da continuidade analtica da tradio 'que Howard menciona,ainda se tem uma ampla latitude no que se refere escala de planos, composio, duraodos planos e cortes e assim por diante. Vocpoderia filmar o plano-seqncia do ponto devista areo, como De Palma s vezes faz, ou enquadrar os contracampos nicos com os

    personagens olhando diretamente para a cmera, como Jonathan Demme.Foi por isso que comecei me concentrando nas o'pes particulares.historicamente disponveis aos cineastas. Filmar uma conversa na mesa de jantar um

    problema que muitos diretores enfrentam e h maneiras padronizadas de resolv-Io,. cadauma com vantagensedesvantagens.Odiretor selecionado repertriodisponveloumodificaas normas que conhece,e assimconduz o fluxoda cenamomento a momentonuma direo especfica, sem esquecer do apelo ao espectador. A originalidade aparecequando um diretor criativamente ajusta um novo meio a um fim j conhecido ouinventa novos objetivos que remanejem os meios j conhecidos. .Aperspectiva da resoluo de problemas implica que cada questo pode serrespondida de vrias maneiras, trazendo muitas compensaes. Algumas solues so

    favorecidas pela tradio. O artista herda um conjunto de prticas do ofcio que, ao longodo tempo, tornaram-se padres estilsticos. No cinema, a emergncia do influente estilode Hollywood, de grande penetrao internacional, produziu uma base slida tanto parafilmes conservadores como para filmes experimentais. O filme Um co andaluz (1928),

    de Dali e Bufiuel, paradigma do cinema de vanguarda, tira sua fora da apresentao deabsurdos repulsivos ou divertidos, ao mesmo tempo que parece seg~ir os cnones dacontinuidade clssica. Ao explicar por que um estilo de grupo muda ou mantm aestabilidade, ao analisar como um diretor atinge um estilo singular num s filme ou nacarreira inteira, chegamos a resultados mais conetos quando reconstrumos umasituao de escolha historicamente compatvel. Para fazer isso, precisamos estudar outros

    filmes, dentro e fora da tradio; buscar evidncias dos objetivos dos cineastas; examinara tecnologia disponvel; e reconstituir parmetros institucionais pertinentes. Por

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    exemplo, podemos entender o aparecimento da continuidade intensificadaconsiderando como a televiso formatou tanto a produo como a exibio; como asnovas tecnologias, por exemplo, a Steadicam, permitiram alguns tip.os de tomadas (eincentivaram diretores a expandir suas ambies); como demandas por produo maiseficiente e mais possibilidades de edio promoveram o uso de mltiplas cmeras e

    planos mais curtos. Tal a atmosfera na qual os cineastas tm de sobreviver, e eles estosempre alertas para as maneiras pelas quais tais foras tangveis podem ampliar sua gamade escolhas, solucionar queste-s anti.gas ou levantar novas para que sejaminventivamente ultrapassadas.Com esse enquadre terico em meI)te, podemos perguntar: quais so os recursosestticos das tradies estilsticas fundadas na encenao cinematogrfica? Como essesrecursos foram explorados por quatro grandes diretores o longo da histria? Procurandorespostas, muitas vezes descobrimos que, mesmo extraindo vitalidade de seu ambientesociocultural, os cineastas tambm fazem parte da comunidade internacionalcinematogrfica, uma comunidade cujo ofcio tem tradio de problemas e solues,normas e esquemas, e que est ligada a um objetivo comum: comover espectadores pelo

    poder das imagens em movimento.

    A PARTIR DAQUI NO SEI A PAGINA

    Rohmer afirma que, se os atores no esto situados emdiferentes planos, "no h realmente mise-en-scene, no h sentido de profundidade':29Mas devemos tambm reconhecer o potencial esttico da encenao lateral, mesmo se a

    profundidade for mnima (Fig. 1.29). Alm disso, nossa impresso de profundidade provocada por muitas caractersticas espaciais, e estas podem 'variar independentementeumas das outras, dando origem a padres de encenao bastante diferentes.29.

    Nesse aspecto, minha abordagem semelhante de Sergei Eisenstein em seusescritos e ensinamentos dos anos1930. Embora sempre associado ao conceito demontagem, Eisenstein foi o primeiro a estudar a encenao to minuciosamente. Ele feza distinoentre mise-en-scene,marcao da cena como se fosse um palco de teatro;mise-en-cadre (mise-en-shot), a encenao dentro do quadro da imagem cinematogrfica;e montagem, o encadeamento dos planos. Para Eisenstein, todos esses aspectos se

    potencializam reciprocamente para manifestar a situao dramtica e intensificar seu

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    impacto expressivo. De particular interesse para ns a discusso de Eisenstein, de 1933,sobre encenao em profundidade. Ele pedia a seus alunos na escola de cinema da UnioSovitica para montar a cena de Crime e castigo em que Raskolnikov assassina a velhausurria, com uma condio: tinha de ser filmada numa s tomada com cmera fixa. Dezanos antesdeBazincelebrara profundidadede campo de CidadoKane como"um salto

    dialtico da evoluo da linguagem cinematogrfica",3 Eisenstein j elaborara umacomplexa abordagem wellesiana da encenao - no do ponto de vista do realismofotogrfico, mas sim da narrativa dinmica e do efeito no espectador. Com seus

    estudantes,. Eisenstein decidiu que os 'atores se movimentariam, gradualmente, emdireo do espectador. Raskolnikov segue erratiamente sua vtima para a frente (Fig.1.31) e, depois de golpe-Ia, joga-a para fora do quadro. Nesse momento, as mos dela seLevantam no primeiro plano (Fig.1.32).31 .Talvez as especulaes de Eisenstein sobre o mise-en-cadre tenham sidoinfluenciadas por uma proposta igualmente provocadora de seu professor Lev Kuleshov.Em 1929,Kuleshov ressaltou que a imagem cinematogrfica resulta de uma projeo em

    perspectiva, sendo o campo da representao constitudo por uma pirmide inclinadapara o lado cujo vrtice se encontra no centro da objetiva. Imbudo do esprito de preciso.da engenharia que caracteriza seu pensamento, Kuleshov pensou essa pirmide comouma "rede espacial mtrica': cuja escala de pontos poderia medir qualquer altura, largurae profundidade no espao. Um ator poderia mover a mo, por exemplo, do ponto 62/44/32 ao ponto 82/47/38. uma surpreendente antecipao das coordenadas 3D usadas paramarcar volumes e posies em imagens geradas por computador. Como Eisenstein,Kuleshov contribuiu para uma vertente de pensamento sobre a mise-en-scene como puramanipulao espacial dentro da projeo geomtrica e no como documentaofotogrfica.32Podemos investigar a questo dando um passo atrs. Antes da RevoluoBolchevique ter transformado Kuleshov num diretor sovitico, ele trabalhava comocengrafo e ator com YevgeniiBauer, um dos grandes diretores do czar. Bauer teria tidouma aguda conscincia da pirmide visual que Kuleshov'imaginou ter mapeado to

    Nos anos 1910, antes da montagem hollywoodiana fundada nacontinuidade vir a dominar o cine~a europeu, a maioria dos cineastas dirigiasuas cenasem planos longos e distantes. Os diretores eram obrigados a explorar, embora

    intuitivamente, as possibilidades inerentes imagem no editada, o quesignificava acompreenso das balizas da:perspectiva do olho da cmera.

    por isso que, para o nosso estudo da encenao, produtivo comear com o cinema dosprimeiros tempos e concentrar em Feuillade e outros diretores talentosos dos anos 1910.Foi naqueles anos que os cineastas inturam que o poder de tudo ver no teria sentidosem que, em certos momentos, apenas as coisas essenciais pudessem ser observadas.