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D. Lefebvre - Acuso o Concílio

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Livro onde S.E.R. Dom Marcel Lefebvre acusa o Concílio Vaticano II, mostrando detalhadamente sua participação e denunciando os erros e falhas em todo o processo conciliar. * Link: https://catolicosalerta.wordpress.com/2014/07/23/acuso-o-concilio/ Católicos Alerta! Folhetos, livros e livretos para propagação da Fé Católica.

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  • Ttulo do Original em francs Jaccuse le concile! ditions Saint-Gabriel Premire dition Outubro 1976 Nota: Esta traduo informal para o portugus tem como nico objetivo a divulgao para uso domstico. Fica proibido o uso para fins comerciais.

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  • Dom Lefebvre atraiu a ateno do mundo por sua oposio s mudanas que se faziam

    na Igreja em nome do Conclio Vaticano II. Textos ambguos, aprovados pela possibilidade

    de uma interpretao ortodoxa, eram invocados depois para justificar uma interpretao

    heterodoxa. As reformas na liturgia tinham implicncias teolgicas capazes de adulterar a

    f. Logo, no eram lcitas.

    Seus contraditores argumentaram que ele tinha participado no Conclio, como se sua

    atitude posterior fosse contraditria ou inconsequente. Neste livro est a resposta.

    Este no um livro de escndalo, como alguns poderiam inferir de seu ttulo. No h

    nele revelaes espetaculares, nem denncias speras, nem argumentos retricos, nem

    poltica nem uma convocao ao beligerante. Este um livro que segue serenamente

    seu tema, que destacar na Igreja conciliar o que se ope ao imutvel da Igreja.

    Um sinal da inspirao divina que ela recebe a conformidade consigo mesma. Foi

    fundada uma vez, para sempre, e assim como se constituiu no princpio, atravessa a

    histria. No precisa acomodar-se s circunstncias temporais, porque sua natureza

    intemporal. So os homens quem devem descobrir nela novas respostas a questes novas. A

    teologia cresce, a Igreja no.

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  • Sumrio Nota da edio castelhana de 1978...................................................................................... 5 Prefcio .................................................................................................................................. 6 Observaes a propsito do ttulo ....................................................................................... 7 Em honra do leitor.............................................................................................................. 11 CAPTULO PRIMEIRO - VATICANO II - PRIMEIRA SESSO.............................. 13

    PRIMEIRA INTERVENO - SOBRE A MENSAGEM DE 20 DE OUTUBRO DE 1962 .................................................................................................................................. 13 SEGUNDA INTERVENO - 27 DE NOVEMBRO DE 1962 - SOBRE A FINALIDADE DO CONCLIO ....................................................................................... 15

    CAPTULO SEGUNDO - VATICANO II - SEGUNDA SESSO................................ 19 TERCEIRA INTERVENO - OUTUBRO DE 1963 - SOBRE A COLEGIALIDADE - A PROPSITO DO ESQUEMA A IGREJA ........................... 19 QUINTA INTERVENO - 6 DE NOVEMBRO DE 1963 - SOBRE O ESQUEMA DO DECRETO OS BISPOS E O GOVERNO DAS DIOCESES................................ 22 QUINTA INTERVENO - NOVEMBRO DE 1963 - SOBRE O ESQUEMA CONCERNENTE AO ECUMENISMO E SEU APNDICE SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA ................................................................................................................... 25 SEXTA INTERVENO - 26 DE NOVEMBRO DE 1963 - SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA, OU O CAPTULO V DO ECUMENISMO .............................................. 28 OBSERVAES ENVIADAS AO SECRETARIADO DO CONCLIO - 30 DE DEZEMBRO DE 1964 - SOBRE O ESQUEMA DA DECLARAO DA LIBERDADE RELIGIOSA ............................................................................................. 32

    CAPTULO TERCEIRO - VATICANO II - QUARTO INTERVALO ....................... 38 CAPTULO QUARTO - VATICANO II - TERCEIRA SESSO ................................ 53

    STIMA INTERVENO - OUTUBRO DE 1964 - DA DECLARAO SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA ............................................................................................. 53 OITAVA INTERVENO - 1964 - OBSERVAES SOBRE O ESQUEMA A ATIVIDADE MISSIONRIA DA IGREJA.................................................................. 55 NONA INTERVENO - 1964 - SOBRE O ESQUEMA A IGREJA NO MUNDO DE HOJE ........................................................................................................................ 59

    CAPTULO QUINTO - VATICANO II - QUARTA SESSO...................................... 62 DCIMA INTERVENO - 9 DE SETEMBRO DE 1965 - SOBRE O ESQUEMA XIII: CONSTITUIO A IGREJA NO MUNDO DE HOJE ..................................... 62 DCIMA PRIMEIRA INTERVENO - SETEMBRO DE 1965 - SOBRE A DECLARAO ACERCA DA LIBERDADE RELIGIOSA ......................................... 67 DCIMA SEGUNDA INTERVENO - 2 DE OUTUBRO DE 1965 - SOBRE O ESQUEMA A ATIVIDADE MISSIONRIA DA IGREJA........................................ 70

    CAPTULO SEXTO - VATICANO II - DEPOIS DA QUARTA SESSO.................. 75 CONCLUSO..................................................................................................................... 81

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  • Nota da edio castelhana de 1978 Ainda perduram os ecos da passagem de Dom Marcel Lefebvre pela Argentina. De

    todos eles, o mais chocante a dureza com que foi recebido por seus irmos do

    Episcopado Argentino.

    A reao dos bispos locais enquadrou-se, disciplinarmente, no marco das relaes do

    Vaticano com Dom Lefebvre, ou seja, no da mais completa irracionalidade. Em uma poca

    marcada pela abertura, pelo dilogo, pela tolerncia e pela igualdade, todos fecham a porta,

    ningum quer falar com ele, no suportado, discriminado do modo mais injusto.

    No admitida resposta nem escutado. Um coro ensurdecedor cobre sua voz

    reclamando dele, sem mais, submisso e obedincia. Mas no deixa de chamar a ateno

    que sejam os que precisamente tentaram e em partes conseguiram diminuir e burlar a

    autoridade do Papa mediante a armadilha da colegialidade uma velha ameaa para a

    unidade da Igreja, tambm conhecida como galicanismo -, os que agora alam-se em nome

    dessa mesma autoridade, elevando-a como um mito, como um absoluto, fazendo desse

    suave jugo um poder abusivo. E, sobretudo, caindo muito mais alm, nesta matria de

    obrigatoriedade e de obedincia, do que a prpria Igreja disse e ensinou de si mesma e do

    Sumo Pontfice.

    Esta reao frente a Dom Marcel Lefebvre, desmesurada, irracional, injusta, que no

    hesitou sem nenhum limite, que frequentemente violentou as normas no j da caridade

    seno da cortesia, no somente reclama sujeio vontade do Papa seno tambm exige

    com respeito ao Conclio Vaticano II. Dom Lefebvre neste livro explica totalmente a

    verdadeira natureza desta assembleia (e, de passagem, do conflito mesmo que ele enfrenta

    com o Vaticano) desde o ponto de vista teolgico e cannico, seu carter pastoral e, de

    forma especial, relata a segunda histria do Conclio, sua histria secreta: aquela que

    descobre o exato esprito conciliar, o mesmo que apavorara a S.S. Paulo VI, o que abriu

    as portas da Igreja fumaa de Satans, o que, sob pretexto de uma nova pastoral, mudou

    o corpo dogmtico o que, pelo menos, imps as condies para que tal transmutao se

    produzisse.

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  • O livro que agora apresentado contm as intervenes de Dom Marcel Lefebvre nas

    sesses do Conclio, precedidas por uma breve explicao de tempo e lugar. Cotejando

    estas intervenes com os textos dos esquemas propostos ou com o dos documentos

    finalmente aprovados, tem-se uma formidvel confrontao, um dilogo quase apocalptico

    entre a Igreja e a Nova Igreja, entre a Igreja tradicional e a revolucionria, entre a Igreja de

    Cristo e a do mundo. A antiga dialtica, a eterna, aquela que se abre como uma ferida entre

    o homem velho e o homem novo, essa terrvel opo que est no centro do Evangelho, que

    exige o sim, sim e o no, no, reaparece em seu mais acentuado dramatismo nesta

    confrontao entre o esprito de verdade e o esprito de novidade, j que nela nos vai a

    salvao.

    Como explica o prprio Dom Lefebvre nas concluses com que encerra o livro, o

    Esprito Santo no precisa da novidade para seguir instruindo a Igreja; a rigor, e dada a

    economia de sua interveno no desenvolvimento do dogma, nada h mais repugnante

    ao do Parclito que a novidade, que encerra, por fim, a pretenso do homem de completar

    a Revelao. Esta atitude no constitui, finalmente, seno um eco da aspirao satnica:

    Sereis como deuses.

    Todos os bispos do mundo tm conscincia, mais ou menos lcida, de que assim: de

    que se trata a partir do Conclio Vaticano II, de duas Igrejas distintas, e de que existe uma

    que deseja e tenta devorar a outra. Somente assim se explica a pertincia com que se

    persegue e se lapida Dom Marcel Lefebvre. A F Conciliar no suporta a F Catlica, que

    encontra-se defendida e como que representada por este suave e inaltervel bispo francs,

    que se limita a cumprir com seu dever de bom pastor: dar a vida por suas ovelhas.

    V.E.O.

    Prefcio

    Nada parece mais oportuno, neste dias em que o affaire de Ecne planteia o grave

    problema das intenes do Conclio Vaticano II e sua influncia sobre a autodestruio da

    Igreja, que publicar documentos escritos no curso do Conclio.

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  • Estes documentos manifestaram com evidncia que orientaes liberais e modernistas

    apareceram e tiveram uma influncia preponderante graas ao verdadeiro compl dos

    cardeais das beiras do Reno, desgraadamente sustentado pelo Papa Paulo VI.

    Os equvocos e ambiguidades deste Conclio pastoral continham o veneno que se

    expandiu em toda a Igreja por meio de reformas e aplicaes conciliares. Deste Conclio

    nasceu uma nova Igreja reformada, que o mesmo Dom Benelli chama a Igreja Conciliar.

    Para compreender bem e medir a nocividade deste Conclio necessrio estudar-lo luz

    dos documentos pontifcios que pe em guarda os bispos, os clrigos e os fieis contra a

    conjurao dos inimigos da Igreja que atuam atravs do liberalismo e do modernismo, e

    isto h dois sculos.

    Tambm necessrio conhecer os documentos dos adversrios da Igreja e das

    sociedades secretas que prepararam este Conclio h mais de um sculo.

    Enfim, ser muito instrutivo seguir as reaes de protestantes, maons e catlicos

    liberais durante e depois deste Conclio.

    A concluso impe-se, sobretudo depois do imenso desastre que sofre a Igreja desde este

    Conclio; este acontecimento ruinoso para a Igreja catlica e toda a civilizao crist no

    foi dirigida e levada pelo Esprito Santo.

    Um imenso servio Igreja de nosso Senhor Jesus Cristo e salvao das almas

    denunciar publicamente os procedimentos de eclesisticos que quiseram fazer deste

    Conclio a paz de Yalta da Igreja com seus piores inimigos, ou seja, na realidade, uma nova

    traio a nosso Senhor Jesus Cristo e a sua Igreja.

    Observaes a propsito do ttulo

    Por que este ttulo Acuso o Conclio? Porque temos fundamentos para afirmar, com

    argumentos tanto de crtica interna quanto de crtica externa, que o esprito que dominou o

    Conclio e inspirou tantos textos ambguos e equvocos e at francamente errneos no o

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  • Esprito Santo seno o esprito do mundo moderno, esprito liberal, teilhardiano,

    modernista, oposto ao reino de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    Todas as reformas e orientaes oficiais de Roma so pedidas e impostas em nome do

    Conclio. Precisamente, estas reformas e orientaes so todas de tendncia francamente

    protestante e liberal.

    desde o Conclio que a Igreja, ou pelo menos os homens da Igreja que ocupam os

    postos chaves, tomaram uma orientao claramente oposta Tradio, ou seja, ao

    Magistrio oficial da Igreja.

    Esto seduzidos pela Igreja vivente e mestra da verdade, livres para impor aos

    sacerdotes e aos fieis novos dogmas: o progresso, a evoluo, a mutao e uma obedincia

    cega e incondicional. Deram as costas verdadeira Igreja de sempre, deram-lhe novas

    instituies, um novo sacerdcio, um novo culto, um novo ensino sempre procura, e isso

    sempre em nome do Conclio.

    fcil advertir que qualquer um que se oponha ao Conclio, ao seu novo evangelho,

    estar considerado fora da comunho da Igreja. possvel perguntar-lhes: de que Igreja?

    Eles respondem: da Igreja conciliar.

    preciso, ento, desmitificar este Conclio, que eles quiseram pastoral em razo de seu

    horror instintivo pelo dogma e para facilitar a introduo oficial de ideias liberais em um

    texto eclesistico. Mas, terminada a operao, dogmatizaram o Conclio, o compararam ao

    de Niceia, o pretendem semelhante aos outros, seno superior!

    Felizmente, j comea esta operao de desmitificao do Conclio e houve um bom

    comeo no trabalho do professor Salet no Courrier de Rome sobre a declarao de La

    libertad religiosa. Conclui nele que essa declarao hertica.

    Que em assuntos bem estudados e analisados, por exemplo:

    - o que concerne s relaes dos bispos e do Papa, na constituio de a Igreja, dos

    bispos, das misses;

    - o sacerdcio dos sacerdotes e dos fieis nas preliminares de Lumen gentium;

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  • - os fins do matrimnio em Gaudium et spes;

    - a liberdade da cultura, da conscincia e o conceito da liberdade em Gaudium et spes;

    - o ecumenismo e as relaes com as religies no crists, com os ateus, etc.,

    descobrir-se-ia rapidamente um esprito no catlico. Neste exame apareceria,

    naturalmente o vnculo com as reformas surgidas do Conclio. Ento, uma luz singular

    aclara o Conclio. Ela provoca necessariamente a pergunta: aqueles que realizaram esta

    admirvel manobra a teriam premeditado antes do Conclio? Quem so? Juntaram-se antes

    do Conclio?

    Pouco a pouco os olhos se abrem sobre uma conjurao assombrosa preparada muito

    tempo antes. Este descobrimento obriga a perguntar-se: qual foi em toda esta obra o papel

    do Papa? Qual sua responsabilidade? Em verdade, parece esmagadora, apesar do desejo de

    desculp-lo desta horrvel traio Igreja.

    Mas se deixamos a Deus e aos futuros verdadeiros sucessores de Pedro julgar estas

    coisas, no deixa de ser certo que o Conclio foi desviado de seu fim por um grupo de

    conjurados e que nos impossvel entrar nesta conjurao, ainda que houvesse muitos

    textos satisfatrios neste Conclio. Pois os bons textos serviram para fazer aceitar os textos

    equvocos, minados, com armadilhas.

    Resta-nos uma s soluo: abandonar estas testemunhas perigosas para aferrar-nos

    firmemente Tradio, ou seja, ao Magistrio oficial da Igreja durante vinte sculos.

    Esperamos que as pginas que seguem lancem uma luz de verdade sobre as empresas

    subversivas dos adversrios da Igreja, conscientes ou inconscientes.

    Adicionemos que as apreciaes sobre o Conclio de sacerdotes e catlicos liberais,

    protestantes, maons, no fazem mais que confirmar nossas apreenses. O Cardeal Suenens

    ao afirmar que o Conclio foi o 1789 na Igreja no se equivocou!

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  • Nosso dever, portanto, claro: pregar o reino de Nosso Senhor Jesus Cristo contra o da

    deusa razo*.

    Marcel Lefebvre

    Paris, 27 de agosto de 1976.

    * Todas as notas foram agregadas por um professor do Seminrio de Ecne para facilitar a compreenso do texto.

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  • Em honra do leitor

    Tentou-se, tenta-se e tentar-se- ainda por diversos meios desacreditar o valor do

    testemunho de Dom Lefebvre.

    Sobretudo, quiseram fazer-nos crer que um telogo de pouca envergadura, com

    frequncia superado e, seguramente, no muito reputado.

    Por isso, antes de ter contato com as pginas que seguem, nos parece indispensvel

    oferecer ao leitor o comovedor testemunho de um telogo iminente.

    Em 3 de janeiro de 1974 o Seminrio de Ecne ainda no existia e portanto este

    testemunho espontneo, rendido fora de toda polmica atual, acentua o valor das

    intervenes de Dom Lefebvre e esclarecer ao leitor sobre o conhecimento teolgico

    deste espirituoso arcebispo.

    Eu tive a honra, muito grande e muito imerecida, o digo diante de Deus, de ser seu

    telogo. O segredo que jurei cobre o trabalho que fiz gravado por ele, mas no traio

    nenhum segredo ao dizer que Dom Lefebvre um telogo, e muito superior ao seu prprio

    telogo e quisera Deus que todos os Padres o fossem no grau em que ele o ! -. Tem um

    habitus teolgico perfeitamente seguro e afinado, ao que sua grande piedade Santa S

    agrega esta conaturalidade que permite, ainda antes de que intervenha o habitus

    discursivo, discernir por intuio o que e o que no compatvel com as prerrogativas

    soberanas do Rochedo da Igreja.

    No se parece em nada a esses Padres que, como um deles teve o descaramento de

    jactar-se publicamente, tomavam das mos de um peritus, no mesmo automvel que os

    levava a So Pedro, o texto cozido por si mesmo in aula. Nem uma s vez lhe submeti

    uma memria, uma nota, um projeto, sem que ele os tenha revisado, recomposto e s vezes

    11

  • refeito de cima abaixo, com seu trabalho pessoal e assduo. Eu no colaborei com ele;

    se o termo fosse francs, diria que sublaborei com ele, em minha categoria de telogo

    particular e sua honra e dignidade de Padre de um Conclio ecumnico, Juiz e Doutor da

    f com o Pontfice romano....

    3 de janeiro de 1964.

    R.P. V. A. Berto

    Telogo privado de Dom Lefebvre no Conclio.

    Secretrio do Coetus Internationalis Patrum

    (Fragmento de uma carta superiora de um instituto religioso.)

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  • CAPTULO PRIMEIRO VATICANO II - PRIMEIRA SESSO

    PRIMEIRA INTERVENO SOBRE A MENSAGEM DE 20 DE OUTUBRO DE 1962

    No comeo da jornada de 20 de outubro1 nos foi enviado um projeto de mensagem ad

    universos homines, mensagem relativamente longa, j que ocupa quatro pginas da edio

    vaticana das atas autnticas.

    Nos era dado quinze minutos para tomar conhecimento dele. Os que desejavam

    introduzir algumas modificaes deviam avisar ao secretariado do Conclio por telefone,

    escrever sua interveno e apresentar-se por microfone ao chamado do secretariado.

    Pareceu-me com evidncia que essa mensagem estava inspirada por uma concepo da

    religio inteiramente orientada ao homem e, no homem, especialmente aos bens temporais,

    na busca de um tema que unisse a todos os homens, ateus e religiosos!... necessariamente

    utpica e de esprito liberal.

    Eis aqui alguns fragmentos dessa mensagem:

    Aplicaremos nossas foras e nossos pensamentos a fim de renovarnos, assim como os

    fiis que nos esto confiados, de tal sorte que o rosto de Cristo parea amvel a todas as

    naes...

    por isso que a Igreja no est feita para dominar seno para servir...

    Esperamos que os trabalhos do Conclio dem luz da f um brilho mais vivo e que

    esta procure uma renovao espiritual da que proceder um feliz impulso em proveito dos

    valores humanos: descobrimentos da cincia, progresso tcnico, difuso da cultura...

    1 O Conclio foi aberto pelo Papa Joo XXIII em 11 de outubro de 1962

    13

  • Nos sentimos solidrios com todos aqueles que, por carecer de uma entrada suficiente,

    no puderam alcanar ainda um desenvolvimento verdadeiramente humano...

    Tambm daremos em nossos trabalhos uma parte importante a todos esses problemas

    terrestres que tocam dignidade do homem e a uma autntica comunidade dos povos...

    Dois pontos principais: A paz e a justia social. Afirmamos a unidade fraternal dos

    homens por acima das fronteiras e das civilizaes.

    Por isso chamamos, no somente a nossos irmos de quem somos pastores, seno a

    nossos irmos crentes em Cristo e a todos os homens de boa vontade para trabalhar conosco

    na edificao neste mundo, de uma sociedade mais justa e mais fraterna...

    No houve ento seno algumas raras intervenes, entre as quais uma de Dom Ancel,

    que foi aceita; era uma modificao de detalhe.

    Atacando o esprito dessa mensagem, choquei com aqueles que o tinham escrito, e

    observaes amargas me foram dirigidas depois da reunio pelo cardeal Lefebvre*, quem

    tinha supervisionado essa mensagem escrita sem dvida por experientes franceses como o

    R. P. Congar.

    Texto da interveno lido publicamente

    De entrada, me parece que o tempo acordado ao estudo e aprovao desta mensagem

    no demasiado longo; de fato, uma mensagem do mais alto interesse.

    Em segundo lugar, e ao meu humilde parecer, ele considera sobretudo os bens humanos

    e temporais e demasiado pouco os bens espirituais e eternos; leva em conta sobretudo o

    bem da cidade terrestre e demasiado pouco o da Cidade celeste qual nos dirigimos e para

    a qual estamos sobre a terra. Ainda que os homens esperem de ns, pelo exerccio de nossas

    virtudes crists, a melhora de sua condio temporal, muito mais, sem embargo, desejam, j

    sobre esta terra, os bens espirituais e sobrenaturais.

    * Trata-se de Dom Charles Lefebvre. (T.).

    14

  • Poder-se-ia ter falado mais destes bens, j que so os bens verdadeiros, essenciais e

    eternos, dos que podemos e devemos desfrutar desde esta vida na terra.

    Nestes bens encontram-se essencialmente a paz e a beatitude.

    SEGUNDA INTERVENO 27 DE NOVEMBRO DE 1962 SOBRE A FINALIDADE DO CONCLIO

    (Esta interveno foi lida publicamente)

    A ambiguidade deste Conclio apareceu desde as primeiras reunies. Para que estvamos

    reunidos? O discurso do Papa Joo XXIII tinha pontuado a maneira em que ele entendia

    orientar o Conclio a uma exposio pastoral da doutrina (discurso de 11 de outubro de

    1962). Mas a ambiguidade permanecia e se notava a dificuldade, atravs das intervenes e

    discusses, de saber o que era o que queria o Conclio. Da minha proposio de 27 de

    novembro, que tinha j submetido Comisso Central pr-conciliar1 e que tinha reunido

    uma grande maioria de votos entre os 120 membros.

    Mas estvamos longe dos tempos da preparao do Conclio.

    Minha proposio obteve alguns sufrgios, entre os quais o do cardeal Ruffini e o de

    Dom Roy, hoje cardeal.

    Essa seria a ocasio de determinar melhor o carter pastoral do Conclio. Foi o objeto de

    violentas oposies: O Conclio no um conclio dogmtico, seno pastoral; no

    queremos definir novos dogmas seno expor a verdade pastoralmente. Os liberais e

    progressistas gostam de viver em um clima de ambiguidade. Clarificar a finalidade do

    Conclio algo que os irritava soberanamente. Portanto, minha proposio foi rejeitada.

    1 Criada por Joo XXIII em 5 de junho de 1960, dois anos antes do Conclio, para preparar seus esquemas.

    15

  • Texto da interveno

    Venerveis irmos:

    Permiti-me falar no somente destes esquemas seno tambm de nosso mtodo de

    trabalho.

    Se devssemos voltar hoje ao nosso prprio ministrio, no deixaramos a Cidade com

    certa dor?2 Em efeito, ainda que no duvidamos de uma real unanimidade entre ns, at

    agora essa unanimidade no apareceu claramente.

    No uma deficincia que provm, principalmente, de nosso mtodo?

    At o presente temos procurado, em um mesmo texto, obter fins, se no opostos, pelo

    menos muito diversos; especialmente: tornar claro nossa doutrina e extirpar os erros,

    favorecer o ecumenismo, manifestar a verdade a todos os homens. Ns somos pastores e, o

    sabemos bem, no falamos a mesma lngua que os telogos e os no iniciados; nem da

    mesma forma a sacerdotes e a leigos. Como definir, ento, nossa doutrina de tal modo que

    no d lugar aos erros de hoje e, no mesmo texto, fazer esta verdade inteligvel para gentes

    no versadas na cincia teolgica? Ou nossa doutrina no devidamente apresentada para

    se fazer inteligvel a todo o mundo, ou est perfeitamente exposta mas a frmula j no

    inteligvel para os no iniciados.

    Pois bem: esta dificuldade aumenta em nosso Conclio, j que pelas circunstncias atuais

    e o desejo explcito do Soberano Pontfice a exigncia de dirigir-se diretamente a todo o

    mundo pareceria maior que nos conclios precedentes. Qui ser essa a caracterstica

    particular deste Conclio. Os meios de comunicao social aumentam em ns, dia a dia, o

    zelo pela pregao da verdade e o desejo da unidade.

    Por outra parte, est claro que, pela natureza mesma de nosso tema, pelas palavras do

    mesmo Soberano Pontfice, da maior importncia, para um Conclio ecumnico,

    conservar e formular da maneira mais eficaz o depsito sagrado da doutrina crist. E

    permita-me afirmar, como Superior geral e sobre este ponto, estou seguro, os outros

    Superiores gerais encontram-se de acordo comigo que temos uma grande 2 A Cidade Eterna: Roma.

    16

  • responsabilidade: a de inculcar em nossos futuros sacerdotes o amor santa e ntegra

    doutrina crist. No recebeu a maioria dos pastores aqui presentes sua formao sacerdotal

    de religiosos ou membros de algum instituto eclesistico? ento para ns da maior

    importncia que toda a doutrina crist tradicional seja recebida de maneira to exata, em

    seu pensamento e em sua forma, como resplandeceu, sobretudo nas Atas do Conclio de

    Trento e do Vaticano I, segundo as mesmas palavras do Soberano Pontfice.

    Em consequncia e por argumentos de suma importncia, absolutamente necessrio

    respeitar e reter esses dois desejos: expressar a doutrina de maneira dogmtica e escolstica,

    para a formao dos eruditos; apresentar a verdade de maneira mais pastoral, para a

    instruo das outras gentes.

    Como, ento, satisfazer estes dois excelentes desejos? Humildemente, queridos irmos,

    vos proponho a seguinte soluo, j indicada por muitos Padres.

    Se me atrevo a submeter esta proposio a vosso juzo por isto: na Comisso Central j

    experimentamos as mesmas dificuldades, sobretudo a propsito dos esquemas dogmticos.

    Procurando uma unidade de critrio, eu submeti aos Padres da Comisso Central esta

    mesma proposio, que obteve a unanimidade moral.

    Esta soluo, proposta ento somente Comisso Central parece que deveria ser

    estendida hoje, com muito proveito, a todas as comisses.

    Eis aqui: cada comisso proporia dois documentos: um mais dogmtico, para o uso dos

    telogos; outro, mais pastoral, para o uso das outras gentes, sejam catlicos, no catlicos

    ou infiis.

    Deste modo, muitas dificuldades atuais podem encontrar uma soluo excelente e

    verdadeiramente eficaz:

    1. J no haveria lugar para que se objetasse a debilidade doutrinal ou a debilidade

    pastoral, objees que provocam uma grande dificuldade.

    Procedendo assim, os documentos dogmticos elaborados com tanto cuidado e to teis

    para apresentar a verdade a nossos queridos sacerdotes e sobretudo aos professores e aos

    17

  • telogos, permaneceriam sempre como a regra de ouro da F. No h dvidas de que os

    Padres do Conclio aceitaro de bom grado esses documentos, esta santa doutrina.

    Assim tambm, os documentos pastorais, aptos para serem traduzidos muito mais

    facilmente diversas lnguas nacionais, poderiam apresentar a verdade a todos os homens,

    versados s vezes em cincias profanas mas no telogos, de maneira mais inteligvel para

    eles. Com que gratido receberiam todos os homens a luz da verdade!

    2. A objeo sobre a pluralidade de esquemas para um mesmo objeto ficaria por isso

    mesma descartada.

    Por exemplo: o esquema dogmtico: Obrigao para a Igreja de anunciar o Evangelho

    seria fundido com os princpios enunciados nos esquemas sobre As misses e se

    converteriam em um documento doutrinal para a Comisso sobre As misses.

    O esquema sobre As misses seria um documento pastoral, espcie de diretrio para

    todos os interessados nas misses.

    O esquema dogmtico Os leigos e o esquema dogmtico A castidade, o matrimnio, a

    famlia e a virgindade seriam fundidos com os esquemas da Comisso sobre Os leigos e

    dali derivariam dois documentos: um dogmtico, doutrinal, dirigido mais aos pastores e aos

    telogos; o outro pastoral, a todos os leigos.

    E assim para todas as comisses.

    Segundo meu humilde parecer, se esta proposio chegasse a ser aceita, a unanimidade

    seria alcanada facilmente, todo o mundo obteria do Conclio os melhores frutos e ns

    mesmos poderamos voltar ao nosso ministrio com o esprito em paz, participando de um

    s corao e uma s alma.

    Submeto esta humilde proposio ao sbio juzo da presidncia do Conclio.

    18

  • CAPTULO SEGUNDO VATICANO II SEGUNDA SESSO

    TERCEIRA INTERVENO OUTUBRO DE 1963 SOBRE A COLEGIALIDADE A PROPSITO DO ESQUEMA A IGREJA, CAPTULO II

    Esta terceira interveno teve lugar por causa do problema da colegialidade, que se

    quis introduzir na doutrina da Igreja, concernente aos poderes relativos do Papa e dos

    bispos. O termo colgio era usado na Igreja desde muitos sculos, mas todos os que o

    empregavam admitiam, ao mesmo tempo, que tratava-se de um colgio de natureza

    particular.

    Ao querer aplicar o termo de colegialidade s relaes que unem o Papa aos bispos,

    aplicava-se uma noo abstrata e genrica a um colgio particular. Corria-se o risco de no

    consider-lo j como um colgio cuja cabea uma pessoa, um membro que tem, sem o

    colgio, todo o poder. Tendia-se a diminuir a autonomia desse poder e a faz-lo

    dependente, em seu exerccio, dos outros membros.

    Estava claro que esse era o verdadeiro fim que se perseguia: afirmar uma colegialidade

    permanente que obrigasse o Papa a no atuar seno rodeado de um senado partcipe de seu

    poder de uma maneira habitual e permanente. Era diminuir nos fatos o exerccio do poder

    papal.

    A doutrina da Igreja, ao contrrio, afirma que para que o colgio esteja apto para atuar

    como colgio com o papa deve ser convidado pelo Papa a reunir-se e a atuar com ele, coisa

    que no ocorreu, de fato, seno nos Conclios, atos raros.

    19

  • Da as intervenes vigorosas que foram produzidas, em particular as de Dom Carli.

    Texto da interveno, tambm lido publicamente

    Venerveis irmos:

    Tomo a palavra em nome de muitos Padres, cujos nomes transmito ao Secretariado

    Geral.

    Parece-nos que se o texto do captulo segundo, nmeros 16 e 17, mantm-se tal como

    est, se pe em grave perigo a inteno pastoral do Conclio1.

    Esse texto, de fato, pretende que os membros do Colgio dos bispos possuam direito de

    governo, seja com o Sumo Pontfice sobre a Igreja universal, seja com os outros bispos

    sobre as diversas dioceses.

    Praticamente, a colegialidade existiria, por um Senado internacional residente em Roma

    e governando com o Sumo Pontfice a Igreja universal e pelas Assemblias nacionais de

    bispos com verdadeiros direitos e deveres em todas as dioceses de uma mesma nao.

    Por a, pouco a pouco, se substituiria na igreja o governo pessoal de um s pastor por

    Colgios, sejam internacionais, sejam nacionais. Muitos Padres falaram do perigo de uma

    diminuio do poder do Sumo Pontfice e estamos plenamente de acordo com eles. Mas

    entrevemos outro perigo ainda mais grave: a desapario progressiva e ameaadora do

    carter essencial dos bispos, que o de ser verdadeiros pastores, que apascentam e

    governam cada um seu prprio rebanho, confiado a ele, com um poder prprio e imediato e

    pleno em sua ordem. Logo e insensivelmente, as assemblias nacionais, com suas

    comisses, apascentariam e governariam todos os rebanhos, de tal forma que os sacerdotes

    mesmos e os fiis encontrar-se-iam colocados entre estes pastores: o bispo, cuja autoridade

    seria terica, e a assemblia com suas comisses, que deteriam, de fato, o exerccio da

    autoridade. Poderamos aportar vrios exemplos de dificuldades nas quais se debatem

    sacerdotes, fiis e at bispos.

    1 Cf. o texto definitivo da Constituio Lumen Gentium, nmeros 22-23.

    20

  • Nosso Senhor quis, certamente, fundas as igrejas particulares sobre a pessoa de seu

    pastor, e com quanta eloquncia falou desta! Tambm a tradio universal da Igreja nos

    ensina, como nos mostra com tanta beleza a liturgia da consagrao episcopal.

    Por isso as assembleias episcopais fundadas sobre uma colegialidade moral, sobre a

    caridade fraterna, sobre a ajuda mtua podem procurar um grande proveito ao apostolado.

    Se elas, ao contrrio, tomam pouco a pouco o lugar dos bispos, fundadas sobre uma

    colegialidade jurdica, podem causar-lhe um grave prejuzo.

    Portanto, a fim de evitar o dano de que sejam transmitidas a colgios as funes do

    Sumo Pontfice e dos bispos, propomos outro texto em lugar dos nmeros 16 e 17 e o

    submetemos Comisso conciliar.

    (Seguem os nomes dos dezoito Padres do Conclio que assinaram esta interveno).

    Novo texto proposto em lugar do texto da pg. 27: cap. II, 16, do esquema A Igreja.

    N 16 (O Colgio Episcopal e seu chefe)

    Segundo o Evangelho, por instituio do prprio Nosso Senhor Jesus Cristo, so Pedro e

    os outros apstolos formam um colgio, em quanto mantm a comunho entre si sob a

    autoridade de Pedro; da mesma maneira esto unidos entre si o sucessor de Pedro, o

    Pontfice romano, e os bispos, sucessores dos apstolos.

    A Sagrada Escritura e a tradio da Igreja nos ensinam que somente em casos

    extraordinrios os apstolos e seus sucessores, reunidos em conclios, atuaram

    colegiadamente, sob a conduo de Pedro ou dos Pontfices romanos. Os apstolos, de fato,

    cumpriram pessoalmente sua misso e transmitiram seu poder a seus sucessores, como eles

    o tinham recebido de Nosso Senhor.

    O Santo Conclio, apoiado nessas santas tradies, confirma:

    Somente o Pontfice romano possui pessoalmente um poder episcopal, pleno e ordinrio,

    sobre a Igreja universal. Os bispos, sucessores dos apstolos, como verdadeiros pastores,

    21

  • apascentam e governam cada um, com um poder pessoal, imediato e pleno em sua ordem, o

    prprio rebanho a eles confiado.

    Da que tambm s vezes os bispos, todos juntos ou alguns, por convocao ou com a

    aprovao do Pontfice romano, renem-se em verdadeiro e prprio Colgio, atuando com

    uma s autoridade para definir e administrar os interesses da Igreja universal ou das Igrejas

    particulares.

    Tal a constante e unnime tradio da Igreja Catlica e ningum pode p-la em dvida.

    Tal a inefvel e admirvel Constituio da Igreja, imutvel at o presente e destinada a

    seguir sendo-o at o fim dos sculos, segundo as promessas de Nosso Senhor.

    Certamente, as circunstncias atuais aconselham os bispos a reunirem-se mais

    frequentemente, unidos na caridade de Cristo, para reunir seus pensamentos, seus desejos,

    suas decises, seus cuidados pastorais, conservando sempre uma perfeita unidade, sem que,

    por outra parte, se diminua jamais o poder do Pontfice romano e o de cada um dos bispos.

    ---

    Estas intervenes tiveram como resultado uma sria modificao do texto, mas no

    satisfatria, de onde a insistncia do Santo Padre em prol de uma nota clara, que evite a

    ambiguidade do texto. E assim foi produzido a insero da Nota explicativa, que retomava

    a doutrina tradicional. Essa nota foi muito mal recebida pelos meios liberais. Em adiante

    forma parte das Atas do Conclio e modifica de uma maneira considervel o captulo II do

    esquema de A Igreja.

    QUINTA INTERVENO 6 DE NOVEMBRO DE 1963 SOBRE O ESQUEMA DO DECRETO OS BISPOS E O GOVERNO DAS DIOCESES

    Esta interveno concerne ao esquema intitulado De pastorali munere episcoporum in

    Ecclesia. Tal esquema retorna ao ponto de partida sobre as relaes dos bispos com o

    22

  • Papa e tenta outra vez introduzir frmulas novas que limitaro a liberdade do Papa no

    exerccio de sua funo.

    No esquema proposto se diz (N3)*: Mantendo-se firme o poder do Pontfice romano de

    reservar-se em tudo as causas que ele mesmo tenha por bem reter, seja porque elas lhe

    correspondam por sua mesma natureza, seja para guardar a unidade da Igreja....

    Esta segunda razo introduz um elemento novo que muda o cnon 220. Este diz, em

    efeito: os assuntos de maior importncia que, seja por sua natureza, seja por lei positiva

    esto reservados exclusivamente ao Romano Pontfice, chamam-se causas maiores**.

    Assim, em vez da lei positiva, que no outra que o Direito Cannico, introduzido um

    critrio que permitir objetar os poderes que se reserva ao Papa a guarda da unidade da

    Igreja.

    Por outro lado, na pgina 7 do esquema se trata da eleio dos bispos que poderiam

    aportar o concurso de seu trabalho s congregaes romanas. -lhe infundido desse modo

    um clima democrtico: Bispos de diversas naes, designados pela conferncia episcopal

    nacional, sero nomeados pela Sede apostlica nas diversas congregaes.

    Texto da interveno

    Venerveis Padres:

    A introduo afirma que agora o Conclio Vaticano II comea a tratar temas prpria e

    estritamente pastorais; sem embargo, esses temas no podem ser estudados a fundo e de

    verdade se no so assentados sobre princpios teolgicos certos.

    Duas afirmaes so impostas, pois, no meu parecer, sobre o captulo I, que trata das

    relaes entre os bispos e o Soberano Pontfice.

    1 Tal como est escrito, este captulo funda-se segura e excelentemente sobre

    princpios certos e definidos, sobretudo no Vaticano I, de f divina catlica.

    * No texto so dadas referncias de pgina e linhas. Como nos outros casos em que se remete a documentos que no tiveram estado pblico, pareceu melhor obvi-las (T.). ** Para evadir os inconvenientes de uma re-traduo, o texto da cita tomado do Cdigo de Direito Cannico publicado pela Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid, MCMXLV. Mais adiante se far o mesmo com a Sagrada Bblia, trad. de Ncar y Colunga, da mesma editora; a coleo completa de Encclicas Pontifcias, 1830-1950, Editorial Guadalupe, Buenos Aires, 1952; Do governo dos prncipes, de Santo Toms de Aquino, trad. de Ordez das Seyjas y Tobar, Editora Cultural, Buenos Aires, 1945, Documentos do Vaticano II, Biblioteca de Autores Cristianos, Madrid MCMLXVII.

    23

  • Tambm concorda muito bem com as palavras do Sumo Pontfice em suas recentes

    alocues. De fato: falando dos bispos agregados ao exerccio de sua funo, o Sumo

    Pontfice diz explicitamente: conforme a doutrina da Igreja e a lei cannica. A opinio

    do Sumo Pontfice no postula de nenhuma forma um princpio novo. J o cnon 230

    afirma: Os Cardeais da Santa Igreja Romana constituem o Senado do Romano Pontfice e

    lhe assistem como principais conselheiros e colaboradores no governo da Igreja.

    De qualquer maneira, para salvar os princpios certos, me parece que se impem duas

    emendas:

    - Pgina 16, s palavras seja para guardar a unidade da Igreja substitu-las pelas do

    Direito Cannico, cnon 220, seja por lei positiva.

    - Pgina 7: suprimir as palavras devem ser designados pela conferncia episcopal

    nacional afim de salvaguardar plenamente a liberdade do Sumo Pontfice no exerccio de

    seu poder.

    2 Como as relaes entre os bispos e o Sumo Pontfice devem estar fundadas sobre

    princpios absolutamente certos, de nenhuma forma se pode mencionar o princpio de

    colegialidade jurdica; de fato: como o disse o cardeal Brown, esse princpio de

    colegialidade jurdica no pode ser provado.

    Se neste Conclio se descobre como que por milagre e se afirma solenemente,

    necessrio afirmar logicamente como quase o tem feito um dos Padres: a Igreja romana

    equivocou-se ao ignorar o princpio fundamental de sua divina constituio, o princpio de

    colegialidade jurdica. E isto, durante longos sculos.

    necessrio tambm afirmar, logicamente, que os Romanos Pontfices abusaram de seu

    poder at hoje, negando aos bispos direitos que lhes correspondem por direito divino. No

    poderamos, ento, dizer ao Sumo Pontfice o que alguns lhe disseram em termos

    equivalentes: devolve o que deves?

    Em verdade, isto grotesco e sem o menor fundamento.

    Em suma: se falamos de colegialidade moral quem a nega? Todo o mundo a admite. Se

    falamos de colegialidade jurdica, ento, como o disse muito bem Dom Carli, no se pode

    provar nem pela Sagrada Escritura nem pela teologia nem pela histria.

    mais prudente, pois, no recorrer a esse princpio, j que no de nenhuma forma

    correto.

    24

  • QUINTA INTERVENO NOVEMBRO DE 1963 SOBRE O ESQUEMA CONCERNENTE AO ECUMENISMO E SEU APNDICE SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA (Esta interveno no foi lida publicamente, mas sim remetida ao Secretariado do Conclio)

    Sobre esses esquemas de temas ambguos e delicados que so instrumentos de ao

    liberal e progressista, conviria traduzir a primeira redao, que mostra com evidncias as

    intenes de seus autores.

    Observa-se ali: uma atenuao proposital das distines entre as Igrejas crists; uma

    apreciao exagerada dos benefcios espirituais de que gozam os indivduos e as

    comunidades no catlicas, uma afirmao escandalosa da culpabilidade dos dois lados no

    momento da separao e do cisma.

    Por isso achei que devia intervir. A brevidade do tempo que nos era convencionado (dez

    minutos) no permitia longas consideraes.

    A petio dos cardeais Bacci e Ruffini foi admitida e o ttulo modificado. Trata-se do

    ttulo que era expresso assim: Princpios do ecumenismo catlico. Foi mudado para:

    Princpios catlicos do ecumenismo.

    Texto depositado no Secretariado

    Captulo sobre o ecumenismo em geral

    Venerveis irmos:

    Alguns Padres estamos de acordo com a inteno do esquema e todas as suas afirmaes

    relativas s disposies internas com respeito aos irmos separados. Oxal possamos, de

    nossa parte, fazer todos os esforos legtimos para que esses irmos voltem unidade da

    Igreja.

    Sem embargo, e por diversas razes, esse esquema no nos parece que favorea o

    retorno a esta verdadeira unidade. Por isso, em geral, no nos satisfaz. Explico-me:

    1 - Por seu prprio ttulo, aprovamos as observaes dos cardeais Ruffini e Bacci.

    25

  • 2 - Nos captulos I, II e III a exposio dos princpios parece-nos favorvel a um falso

    irenismo, seja por obscurecer a verdade, seja por atribuir dons sobrenaturais excessivos aos

    irmos separados.

    1. Em primeiro lugar, eis aqui como as verdades so minoradas:

    Diz-se bem: Nada mais estranho ao ecumenismo que esse falso irenismo que

    deteriora a pureza da doutrina catlica ou obscurece seu significado verdadeiro e certo.

    No obstante, de fato, as verdades fundamentais nesse domnio so minoradas. Por

    exemplo:

    A verdade essencial para alentar a unidade: que a nica e indispensvel fonte de unidade

    o Sumo Pontfice, sucesso de Pedro e Vigrio de Cristo, s afirmada indireta e

    incompletamente. Onde est o Vigrio de Cristo est a Igreja catlica. Onde est o Vigrio

    de Cristo est a Igreja dos Apstolos. Um Deus, um Cristo, um o Vigrio de Cristo,

    uma a Igreja. Pois bem: o Vigrio de Cristo no outro, aqui na terra, que o Romano

    Pontfice.

    Esta verdade, por si mesma, com fora e doura, atrai as almas Igreja, Esposa de Cristo

    e Me nossa.

    A Igreja chamada refgio geral da salvao. Pois bem: se se recorre Carta do

    Santo Ofcio1 encontra-se nela tambm isto: Por isso no ser salvo ningum que, sabendo

    que a Igreja foi divinamente instituda por Cristo, recuse submeter-se a ela ou negue a

    obedincia devida ao Romano Pontfice, Vigrio de Cristo. De fato, nosso Salvador no

    somente prescreveu a todos os homens que entrem na Igreja; tambm instituiu a Igreja

    como meio de salvao, sem a qual ningum pode entrar no reino da glria celestial.

    V-se, pois, que no documento citado a Igreja no somente um refgio geral de

    salvao.

    Estes exemplos mostram claramente que a verdade est minorada.

    2. Em segundo lugar, no se fala corretamente da inspirao do Esprito Santo e dos

    bens espirituais de que gozam os irmos separados.

    Diz-se: O Esprito Santo no recusa servir-se dessas Igrejas e Comunidades. Tal

    afirmao contm um erro: uma Comunidade, em quanto comunidade separada, no pode

    gozar da assistncia do Esprito Santo, j que sua separao uma resistncia ao Esprito

    1 Carta do Santo Ofcio ao Arcebispo de Boston, de 8 de agosto de 1949. Denz. 3867

    26

  • Santo. Este no pode mais que atuar diretamente sobre as almas ou usar meios que, de si,

    no comportem nenhum sinal de separao.

    Muitos outros exemplos poderiam ser oferecidos, especialmente em matria de validez

    do batismo, da f de aqueles de quem o texto no fala como devido... Mas o tempo insta.

    No captulo V, sobre a liberdade religiosa, toda a argumentao apoia-se sobre um

    princpio falso.

    De fato: consideram-se ali como equivalentes a norma subjetiva e a norma objetiva da

    moralidade.

    As consequncias desta equiparao so tais, em todas as sociedades familiar,

    religiosa, civil que seu princpio evidentemente falso. Para este efeito se diz: O bem

    comum servir de norma s autoridades.

    Mas, ento, como definir o bem comum, que deve estar inteiramente fundado sobre uma

    norma objetiva de moralidade?

    Concluindo: os trs primeiros captulos sobre o ecumenismo favorecem um falso

    irenismo; o captulo V, fundado sobre o subjetivismo, favorece o indiferentismo. Portanto,

    ns rejeitamos este esquema.

    E isso tudo.

    --- Numerosas intervenes tiveram lugar no mesmo sentido e o texto foi retocado,

    sobretudo no que concerne ao Papa. As graas dadas pelo Esprito Santo quelas

    comunidades foram afirmadas com mais discrio. Mas a ideia mantm-se em todo o

    contexto. Que diferena entre esse esquema e o que foi proposto pelo cardeal Ottaviani em

    1962 Comisso Central Preparatria!

    O principal obstculo da comunho litrgica entre os catlicos e os dissidentes a

    natureza desta comunho nas coisas sagradas pelas quais os filhos da Igreja esto unidos

    entre si. De fato: a comunho dos membros da Igreja entre si um dom de N.S.J.C. mesmo

    dom feito a sua nica Igreja pelo qual se realiza a unio na f sob um s pastor, que por

    sua vez o sinal da unidade na verdade e na caridade, unidade que no outra que a do

    Corpo Mstico, a Igreja, e que j aqui, na terra, a imagem e o comeo da unidade celestial

    em Cristo.

    Assim, pois, quando o culto litrgico realizado pelos ministros de Cristo, em nome e

    na ordem da Igreja, a comunidade dos fieis confessa a f da Igreja. A assistncia ativa s

    27

  • funes litrgicas deve ser entendida como um assentimento f da Igreja. Por isso a

    assistncia ativa dos cristos dissidentes, ainda na recepo dos sacramentos , de uma

    forma geral, inadmissvel. Esta , de fato, intrinsecamente contrria unidade de f e de

    comunho, obscurece exteriormente o sinal da unidade do Corpo de Cristo e, portanto,

    favorece o indiferentismo religioso, o inter-confessionalismo e o escndalo.

    Destes princpios desprendem-se concluses claras; no esquema conciliar as frmulas

    vagas permitiro as iniciativas mais escandalosas para o povo fiel.

    SEXTA INTERVENO 26 DE NOVEMBRO DE 1963 SOBRE A LIBERDADE RELIGIOSA, OU O CAPTULO V DO ECUMENISMO

    Nenhum assunto foi objeto de uma discusso to porfiada como o da liberdade

    religiosa, provavelmente porque no interessava a ningum como aos inimigos tradicionais

    da Igreja. o objetivo maior do liberalismo. Os liberais, maons, protestantes sabem

    perfeitamente que por esse meio podem alcanar o corao da Igreja Catlica: obrig-la a

    aceitar o direito comum das sociedades civis e reduzi-la, assim, a simples seita como as

    outras e at faz-la desaparecer, pois a verdade no pode compartilhar seus direitos com o

    erro sem renegar de si mesmo e, portanto, desaparecer.

    Deve-se saber que este assunto foi objeto de um debate dramtico na ltima reunio da

    Comisso Central Preparatria do Conclio. De fato: foram escritos dois esquemas sobre o

    mesmo objeto: um pelo Secretariado para a Unidade dirigido pelo cardeal Bea, outro pela

    Comisso Teolgica presidida pelo cardeal Ottaviani. O mero ttulo dos esquemas

    significativo: o primeiro, De libertate religiosa; o segundo, De tolerantia religiosa.

    Este s fazia eco da doutrina tradicional da Igreja; o outro era a expresso da tese liberal. O

    choque entre ambos os cardeais no demorou e o cardeal Ruffini pediu que se apelasse

    autoridade superior.

    28

  • De fato, passou-se a consulta dos membros. E j ento se pde ter ideia de quem estava

    pela conservao da doutrina e de quem estimava que a evoluo moderna exigia atitudes

    novas, ainda que devessem contradizer a doutrina e o magistrio constante da Igreja.

    Tendo-se rejeitado todos os esquemas no comeo do Conclio e vista a composio das

    comisses, podia se prever que a tese do cardeal Bea fosse a do novo esquema. O bispo de

    Brujas, Dom de Smedt, devia assinalar-se por sua agressividade e sua tenacidade, ajudado

    pelos Padres Murray, Congar, Lecrerc.

    Eles retomaram exatamente os temas liberais de dignidade humana, de conscincia,

    de no coao, guardando-se bem de definir os termos, de distinguir entre os atos

    internos e externos, privados e pblicos, confundindo a liberdade psicolgica com a

    liberdade moral.

    Tudo isso tinha sido estudado pelos moralistas, os canonistas; os Sumos Pontfices

    cuidaram de fazer todas as distines necessrias, em particular o Papa Leo XIII em sua

    encclica Libertas e tambm o Papa Pio X. Mas os catlicos liberais no tm mais que um

    objetivo: entender-se com o mundo moderno, satisfazer as aspiraes do homem moderno.

    J no tm ouvidos para a verdade, o senso comum, a Revelao, o Magistrio da Igreja.

    Chegam a dizer barbaridades... Assim, o P. Congar no boletim Etudes et Documents do

    Secretariado do episcopado francs (15 de junho de 1965, n 5, pg. 5): O novo nesta

    doutrina com relao ao ensino de Leo XIII e at de Pio XII, ainda que ento o

    movimento se iniciasse, a determinao do fundamento prprio e prximo desta

    liberdade, a qual buscada no na verdade objetiva do bem moral ou religioso seno na

    qualidade ontolgica da pessoa humana. Assim, a liberdade religiosa no se situa mais

    com relao a Deus, seno com relao ao homem!... a tica liberal.

    A frase do esquema citada na interveno: A Igreja Catlica reivindica como um direito

    da pessoa humana, etc., monstruosa e odioso atribuir essa reivindicao Igreja

    Catlica.

    29

  • Texto da interveno

    (depositado no Secretariado do Conclio,

    no lido publicamente)

    EMENDA REFERIDA AO CAPTULO V SOBRE O ECUMENISMO

    Venerveis irmos:

    Toda a argumentao deste captulo, por conta da liberdade religiosa, descansa sobre a

    afirmao de a dignidade da pessoa humana. Diz-se ali, de fato (pg. 4, par. 3): Assim,

    o homem que obedece sinceramente a sua conscincia entende obedecer a Deus mesmo,

    ainda que s vezes confusamente e sem sab-lo, e este homem deve ser considerado digno

    de respeito.

    Para aceitar tal afirmao, h que distinguir deste modo: Deve ser considerado digno

    de respeito: distingo: pura e simplesmente, no.

    Sob certo aspecto: distingo ainda: segundo sua inteno de obedecer a Deus, sim;

    segundo seu erro, no.

    Segundo o erro, o homem no , no pode ser, digno de respeito.

    De onde, com efeito, obtm a pessoa sua dignidade? A pessoa obtm sua dignidade de

    sua perfeio. Pois bem: a perfeio da pessoa humana consiste no conhecimento da

    verdade e na aquisio do bem. Esse o comeo da vida eterna e esta: que eles te

    conheam a ti, nico verdadeiro Deus, e a teu enviado, Jesus Cristo (Jo, XVII, 3). Em

    consequncia, em quanto adere ao erro, a pessoa humana perde sua dignidade.

    A dignidade da pessoa humana no consiste na liberdade, se se faz abstrao da verdade.

    Com efeito: a liberdade boa e verdadeira em quanto est ordenada pela verdade. A

    verdade vos far livres disse Nosso Senhor, o que significa: a verdade vos dar a

    liberdade. O erro , por si, uma mentira objetiva, seno subjetiva. E por Nosso Senhor

    conhecemos tambm quele que quando diz suas mentiras as tira do que lhe prprio

    (Jo, VIII, 44). Como se pode dizer, ento, de uma pessoa humana que digna de respeito

    quando faz mal uso de sua inteligncia e de sua liberdade, ainda sem culpa de sua parte?

    A dignidade da pessoa provm tambm da retido de sua vontade ordenada ao

    verdadeiro bem. O erro gera o pecado. A serpente me enganou disse a que foi a primeira

    30

  • pecadora. Esta verdade no pode ser mais evidente para todo o mundo. Basta refletir nas

    consequncias deste erro sobre a santidade do matrimnio, santidade da maior importncia

    para o gnero humano. Este erro na religio conduziu pouco a pouco poligamia, ao

    divrcio, regulao dos nascimentos, ou seja: decadncia da dignidade humana,

    sobretudo na mulher.

    certo, pois, que h um desacordo entre a doutrina catlica e as afirmaes da pg. 5:

    A Igreja catlica reivindica, como um direito da pessoa humana, que a ningum lhe seja

    impedido observar e proclamar seus deveres pblicos e privados a Deus e aos homens...

    segundo as luzes de sua conscincia, ainda se esta se encontra no erro.

    Ao contrrio: a ordem universal criada por Deus, natural ou sobrenatural, ope-se

    essencialmente a esta afirmao. Deus, com efeito, fundou a famlia, a sociedade civil e,

    sobretudo, a Igreja a fim de que todos os homens reconheam a verdade, sejam protegidos

    contra o erro, pratiquem o bem, sejam preservados de escndalos e cheguem assim

    felicidade temporal e eterna.

    verdadeiramente oportuno recordar as palavras to claras de Pio IX em sua encclica

    Quanta cura: Contra a doutrina da Sagrada Escritura, da Igreja e dos Santos Padres, no

    vacilam em pretender que: A melhor condio da sociedade aquela na qual no se

    reconhece o poder de reprimir por penas legais os violadores da lei catlica seno na

    medida em que o exige a tranquilidade pblica. (Denz. 1689-1690).

    Concluindo: o captulo sobre a liberdade religiosa deve ser reescrito, segundo um

    princpio conforme a doutrina catlica: pela dignidade mesma da pessoa humana, o erro

    deve ser, por si, reprimido para impedir-lhe que se expanda, salvo se se prev um mal

    maior de sua represso que de sua tolerncia.

    E isso tudo.

    31

  • OBSERVAES ENVIADAS AO SECRETARIADO DO CONCLIO 30 DE DEZEMBRO DE 1964 SOBRE O ESQUEMA DA DECLARAO DA LIBERDADE RELIGIOSA

    CAPTULO I

    Concepo geral da liberdade religiosa

    Esta concepo da liberdade religiosa se origina e se conforma a partir de uma opinio

    difundida hoje no pblico. Dita opinio funda-se sobre o primado da conscincia e da

    liberdade com respeito a toda coao. Esses dois elementos constituem essencialmente a

    dignidade humana.

    Supondo, sem nenhuma prova, que as gentes de nosso tempo tomam cada vez mais

    conscincia desta dignidade da pessoa humana como pode a Igreja, sem explicao nem

    distino, admitir esta concepo da liberdade religiosa?

    a conscincia uma realidade absoluta ou relativa?

    a conscincia o ltimo fundamento, objetivo e subjetivo, da religio?

    Como, seguindo sua conscincia, pode o homem encontrar sua salvao eterna? No

    porque, em uma verdade objetiva, encontra Deus e nosso Salvador?

    A conscincia no pode ser definida sem relao com a verdade, ordenada como est,

    essencialmente, a esta.

    O mesmo, a liberdade humana no pode ser definida como uma ausncia de coao, sob

    pena de destruir toda autoridade. A coao pode ser fsica ou moral. A coao moral, no

    domnio religioso, muito til e encontra-se ao longo da Sagrada Escritura. A coao de

    Deus o comeo da sabedoria.

    32

  • A autoridade existe para a realizao do bem e a absteno do mal, ou seja, para ajudar

    os homens a usar bem de sua liberdade. O texto de vrias pginas est coberto de equvocos

    e ambiguidades.

    Assombroso o final da declarao: Este Santo Conclio declara que o regime jurdico

    atual (!) em si respeitvel e verdadeiramente indispensvel para a salvaguarda, na

    sociedade atual, da dignidade humana, pessoal e civil.

    Se tal afirmao verdica, mentirosa a doutrina ensinada at hoje pela Igreja e

    sobretudo pelos ltimos Pontfices.

    Uma coisa afirmar a necessidade atual de que a autoridade permita uma maior

    liberdade e outra pretender que esse estado de fato seja mais conforme com a dignidade

    humana. Tal pretenso admitiria implicitamente o direito ao escndalo, seja pelo erro, seja

    pelo vcio. Que Deus nos livre dele!

    CAPTULO II

    Doutrina da liberdade religiosa segundo a razo

    Integridade da pessoa Como se pode afirmar este princpio O vnculo entre a

    liberdade interior e sua manifestao totalmente indissolvel? Que homem de bom

    senso pode, inabalavelmente, enunciar tal afirmao? O que sobra da autoridade e da

    verdade? De novo afirma-se o direito ao escndalo!

    Busca da verdade Este pargrafo mostra bem o irrealismo desta declarao1.

    A busca da Verdade, para os homens que vivem sobre a terra, consiste acima de tudo em

    obedecer, em submeter sua inteligncia a alguma autoridade, familiar, religiosa e at civil.

    Como podem chegar os homens verdade sem o auxlio da autoridade?

    Natureza da religio Uma religio interior errnea conduz frequentemente a atos

    exteriores supersticiosos, contrrios dignidade divina. Uma religio errnea leva com ela,

    1 Segundo este pargrafo, o que corresponderia liberdade religiosa que, em sua busca pelo verdade, o homem no seja travado em suas convices em matria religiosa nem na exposio que deve fazer delas no dilogo.

    33

  • inevitavelmente, princpios contrrios lei natural, sobretudo no domnio do matrimnio,

    como o diz muito claramente So Paulo em sua Epstola aos Romanos2.

    Como se pode afirmar: Da se segue, pois, que o homem tem o direito, no exerccio

    pblico de sua religio, de estar protegido de toda coero, legal ou social?

    A conscincia humana3 A conscincia humana no uma tbua oca. Contm

    princpios morais, um dos quais este: necessrio obedecer a Deus e s autoridades por

    Ele constitudas. A voz da conscincia deve estar sujeita autoridade de direito divino.

    Onde encontrar a conscincia seno nos homens que vivem em sociedade, submetidos,

    portanto, s autoridades?

    Governo Civil A afirmao4, aqui, contradiz explicitamente a doutrina catlica5. Ver

    Immortale Dei de Leo XIII6.

    2 Rom. I, 21-32. 3 A conscincia humana o ato pelo qual julgamos hic et nunc, a conformidade de nossas aes com a regra

    de moralidade que a lei divina, tanto natural (impressa em toda natureza ainda reta, e isto em grande parte o Declogo), quanto sobrenatural (o Evangelho). No basta, para ser salvo, seguir uma conscincia sincera (que pode ser errnea), seno que necessrio formar-se e seguir uma conscincia verdadeira.

    Uma reta legislao civil, que , concretamente, a aplicao temporal e natural dos princpios da lei divina natural e sobrenatural, longe de ser um perigo para a conscincia individual, uma ajuda eficaz, querida por Deus, para esclarecer as conscincias e dirigir o homem ao seu fim ltimo sobrenatural.

    4 O esquema conciliar diz isso: Portanto, o poder pblico, que no pode julgar os atos religiosos internos ( verdade: somente Deus

    perscruta o corao e as entranhas, Sl VII, 10), tampouco pode impor ( verdade, mas no pelo mesmo motivo) ou impedir ( falso) o exerccio pblico da religio ( errneo no distinguir a verdadeira religio das falsas), seno quando a ordem pblica o exige. (Texto citado)

    5 Certamente, o poder civil no pode obrigar ningum a abraar a religio catlica (e com maior razo outra), como o diz o Cdigo de Direito Cannico, Canon 1351. Mas pode, por outro lado, proibir ou moderar o exerccio pblico de outras religies, como o explica o cardeal Ottaviani em seu esquema sobre as relaes entre a Igreja e o Estado seguindo nisto a doutrina catlica:

    Assim como o poder civil se considera com direito a proteger a moralidade pblica, pode por si mesmo, a fim de proteger os cidados contra as sedues do erro, conservar a Cidade na unidade da f que o bem supremo e a fonte de mltiplos benefcios, inclusive temporais , ordenar e moderar as manifestaes pblicas de outros cultos e defender seus cidados contra a difuso das falsas doutrinas que, no juzo da Igreja, pe em perigo sua salvao eterna. (Esquema preparatrio De Ecclesia, II parte, cap. 9, n 5).

    6 Leo XIII, em sua encclica Immortale Dei de 1 de novembro de 1884, sobre a constituio crist dos Estados, depois de ter condenado o indiferentismo do Estado em matria religiosa, precisa os deveres da autoridade civil para com a verdadeira religio:

    Honrem, pois, como sagrado os prncipes o santo nome de Deus, e entre seus primeiros e mais gratos deveres contm o de favorecer com benevolncia e o de amparar com eficcia a religio, pondo-a sob o resguardo e vigilante autoridade da lei. Nem dem passo nem abram a porta a instituio nem a decreto algum que ceda em seu detrimento...

    Assim que, estando, como est, naturalmente instituda a sociedade civil para a prosperidade da coisa pblica, preciso que no exclua este bem principal e mximo; de onde nascer que, bem longe de criar obstculos, prov oportunamente quando est de sua parte, toda comodidade aos cidados para que consigam e alcancem aquele bem sumo e incomutvel que naturalmente desejam. E que meio h cmodo e oportuno de que abrir mo com esse intento que seja to eficaz e excelente como o de procurar a observncia santa e inviolvel da verdadeira religio, cujo ofcio consiste em unir o homem com Deus?.

    34

  • Limites da liberdade religiosa Ao menos que se defina claramente o bem pblico e,

    em consequncia, a ordem pblica, faz-se impossvel fixar praticamente os limites da

    liberdade religiosa.

    Mas o bem pblico e a ordem pblica no podem ser definidos seno em relao

    verdade7.

    CAPTULO III

    Consequncias prticas

    De princpios equvocos e falsos as consequncias no podem ser mais que equvocas e

    falsas8.

    CAPTULO IV

    Doutrina da liberdade religiosa luz da Revelao

    Esta doutrina no prova nada, seno o que a conscincia percebe nela9.

    A Sagrada Escritura somente pode provar a obrigao de submeter a Deus, a Cristo e

    Igreja, no somente a conscincia seno a pessoa ntegra. Pode-se ignorar a Revelao: no

    se pode ignorar a Deus e a obrigao de submeter-lhe a prpria pessoa, segundo os

    preceitos da prpria conscincia, preceitos objetivos e verdadeiros, salvo o caso de certas

    conscincias enganadas de boa f.

    7 O bem comum temporal, fim da sociedade civil, no puramente de ordem material, seno principalmente um bem moral (Leo XIII, Rerum Novarum). E Santo Toms explica que se os homens se renem em sociedade para levar juntos uma vida boa, vida boa e comum definidas por ele como vida virtuosa. O bem e a ordem pblica so, pois, definidos por Santo Toms com referncia ordem subjetiva do verdadeiro e do bom.

    O Doutor Anglico vai alm: E como (pela bondade gratuita de Deus) a boa vida que neste sculo fazemos tem como fim a bem-

    aventurana celestial, cabe ao ofcio do rei procurar a boa vida de seus sditos pelos meios que mais convenham para que alcancem a celestial bem-aventurana, seja mandando-lhes (na ordem temporal) as coisas que a ela encaminham e estorvando-lhes, enquanto for possvel, o que contrrio a isto. (Santo Toms, De Regimine Principum, I. 15).

    A Igreja fez sua esta doutrina: cf. Immortale Dei, texto citado. 8 O esquema enumera quatro consequncias prticas:

    1. A liberdade religiosa da pessoa humana: ela deve estar garantida pela lei civil (para todas as religies sem discriminao, se entende).

    2. A liberdade das comunidades religiosas no exerccio de seu culto. 3. A liberdade religiosa da famlia. 4. A liberdade de associao religiosa.

    9 Para recolher a prpria frase do esquema!

    35

  • Em nenhuma parte e a ningum a Sagrada Escritura da direito ao escndalo, nem ainda

    no caso de uma conscincia enganada de boa f. E ningum pode ser salvo pelo erro, seno

    somente pela vontade de obedecer a Deus.

    CONCLUSO

    Fica, pois, reconhecido que os homens de hoje, qualquer que seja sua formao

    profunda, anseiam sempre mais, dia a dia, poder professar livremente sua religio, em

    privado ou em pblico...

    Cumprimentando com alegria esses sinais favorveis que oferece nosso tempo...

    Impe-se, ento, que em todas as partes a liberdade religiosa seja protegida por uma

    garantia jurdica eficaz...

    O que dizer? O que significa essa concluso?

    Que cada um permanea em sua boa f!

    Que no existe mais uma sociedade civil provista de uma legislao catlica!

    Que os cidados catlicos no tentem nada para fazer que renasa uma sociedade civil

    catlica!

    Que todas as leis morais das diversas comunidades religiosas sejam postas em um p de

    igualdade no cdigo civil, em particular as leis sobre o matrimnio e sua prtica!

    Que as escolas catlicas sejam abertas, indistintamente, a todas as religies.

    Se se admite esta concluso como doutrina da Igreja, se admite em consequncia o

    relativismo doutrinal, o indiferentismo prtico, a desapario na Igreja do esprito

    missionrio para a converso das almas.

    Toda a sua vitalidade vem Igreja do Evangelho, do fato de ter-se proclamado sempre a

    nica Igreja fundada por Cristo para a difuso da verdade no mundo inteiro, segundo o

    disse o mesmo Cristo: Eu para isto vim ao mundo, para dar testemunho da verdade. (Jo

    XVIII, 37).

    Todos aqueles que vm Igreja vm porque ela possui a verdade; aceitam sacrifcios

    para obedecer verdade, para estar na verdade.

    36

  • Para que esses sacrifcios? Para que o celibato dos sacerdotes, a virgindade dos

    religiosos e religiosas? Para que o sangue dos missionrios seno para a verdade, porque

    Cristo a verdade, porque a Igreja de Cristo a verdade?

    Somente a verdade fundamento do direito.

    A conscincia, a liberdade, a dignidade humana no tm direitos seno na estrita medida

    em que estejam em relao essencial com a verdade.

    (Fim das observaes enviadas ao Secretariado do Conclio. Nota do editor francs).

    ---

    Notas sobre as observaes

    Estas observaes foram enviadas ao Secretariado do Conclio em 30 de dezembro de

    1964, depois de terem sido escritas na ilha Maurcio, em Curepipe.

    Diante das dificuldades encontradas para o melhoramento do esquema, o Santo Padre

    fez o favor de nomear uma comisso especial destinada a estudar as proposies. Trs

    nomes foram propostos para essa comisso, entre os quais o meu. Ento, os cardeais da

    Aliana10 foram novamente queixar-se com o Papa, quem retrocedeu diante desta oposio.

    De fato, os outros dois, um era o cardeal Brown, foram agregados Comisso existente. Eu

    fui o nico eliminado. Minhas intervenes no Conclio sobre esse assunto e minha

    pertena ao Coetus Internationalis Patrum os assustavam.

    Sem embargo, se deve reconhecer que se trata de uma nova doutrina, contrria ao direito

    pblico da Igreja, baseada sobre princpios teolgicos de f definida. O provam as

    afirmaes do Padre Congar e do Padre Murray, quem contriburam redao. (Ver as

    afirmaes do Padre Murray recolhidas pelo Padre Wiltgen em O Reno se lana no

    Tibre):

    Os partidrios do que o Padre Murray chamava a teoria mais moderna da liberdade

    religiosa estavam convencidos de que esta liberdade era exigida pela dignidade da

    pessoa humana; se estavam a favor da liberdade religiosa no era por oportunismo seno

    porque criam que se tratava de uma s doutrina.

    10 A aliana dos bispos das beiras do Reno ou aliana europia.

    37

  • CAPTULO TERCEIRO VATICANO II QUARTO INTERVALO

    Na preparao da terceira sesso, houve reunies em Solesmes: ao redor de Dom Prou

    reuniram-se Dom Morilleau, Dom Sigaud, os conhecidos telogos Dom Frnaud e o

    cannico Berto, quem quis acompanhar-me a Roma como perito, e eu.

    Dessas reunies saram muitos documentos importantes:

    1 Uma carta ao Santo Padre sobre o perigo de expresses equvocas frequentemente

    utilizadas nos textos dos esquemas conciliares. O que ficou sem resposta.

    2 Um trabalho sobre o esquema De Revelatione e De Ecclesia, trabalho muito

    importante que deveriam ter em mos aqueles que estudam os textos conciliares.

    Uma nota dirigida ao Sumo Pontfice sobre os trs primeiros captulos do esquema

    Constitutionis de Ecclesia. Esta nota, muito completa, sobre o Colgio e a Colegialidade,

    foi escrita pelo cardeal Larraona e assinada por alguns cardeais e superiores de

    congregaes. Tive o prazer de pr minha assinatura.

    Recebeu uma resposta manuscrita do Papa cheia de enganos e desconcertante.

    Da estes trs documentos:

    N 1: a carta sobre os equvocos.

    N 2: a nota do cardeal Larraona.

    N 3: a resposta do Papa.

    38

  • Documento n 1

    CARTA DIRIGIDA AO SANTO PADRE SOBRE O PERIGO DE EXPRESSES EQUVOCAS. ASSINADA POR CINCO PADRES DO CONCLIO (Junho de 1964)

    Muito Santo Padre:

    Humildemente prosternados aos ps de Vossa Santidade, vos pedimos muito

    respeitosamente que vos digneis acolher a splica que ousamos dirigir-vos.

    Em vsperas da terceira sesso do Conclio, ns estudamos os esquemas propostos a

    voto ou discusso dos Padres. Diante de algumas de suas proposies devemos confessar

    nossa emoo e nossa viva ansiedade.

    No encontramos absolutamente em seu enunciado o que pedia Sua Santidade Joo

    XXIII: a preciso de termos e conceitos que faz a glria especial do Conclio de Trento e

    do Primeiro Conclio do Vaticano. Essa confuso no estilo e nas aes produz uma

    impresso quase permanente de equvoco.

    O efeito do equvoco expor ao perigo de interpretaes falsas e permitir

    desenvolvimentos que no esto, seguramente, no pensamento dos Padres conciliares.

    certo que as formulaes so novas e s vezes completamente inaceitveis. E o so a tal

    ponto, cremos, que no nos parecem conservar o mesmo sentido e o mesmo alcance que

    as que a Igreja empregava at aqui. A ns, que quisemos mostrar-nos dceis encclica

    Humani generis, nos produz uma grande confuso.

    Este perigo do equvoco no ilusrio. J os estudos feitos por certos peritos do

    Conclio, sob direo de bispos cujos conselheiros so, extraem concluses que nos tinha

    sido ensinado a julgar como imprudentes, perigosas, quando no fundamentalmente

    errneas. Certos esquemas, e muito particularmente o do Ecumenismo com sua Declarao

    sobre a liberdade religiosa, so explorados a gosto e paladar em termos e em um sentido

    que, se no os contradizem sempre, pelo menos se opem formalmente tanto ao ensino do

    Magistrio ordinrio quanto s declaraes do Magistrio extraordinrio dirigidas Igreja

    durante mais de um sculo. J no reconhecemos neles a teologia catlica nem a s filosofia

    que lhe deve iluminar o caminho pela razo.

    39

  • O que, para ns, agrava ainda a questo que a impreciso dos esquemas nos parece que

    permite a penetrao de idias, de teorias contra as quais a S Apostlica no cessa de pr-

    nos em guarda.

    Comprovamos, enfim, que os comentrios que se fazem aos esquemas em estudo

    apresentam as questes propostas como semi-resolvidas. O que no deixa de pressionar o

    diz a experincia sobre o voto dos Padres.

    Nosso propsito no o de ter razo contra os outros, seno, muito sinceramente,

    trabalhar para a salvao de almas que a caridade s pode assegurar na verdade.

    Nos permitimos agregar que um grande nmero de fieis e de sacerdotes, a quem uma

    imprensa extremamente abundante apresenta essas perspectivas de aggiornamento

    ousado, confessam-se muito turbados.

    Nossa splica, Santssimo Padre, queria, na mais humilde submisso, obter de Vossa

    Santidade que na abertura dos prximos trabalhos do Conclio, faa o favor recordar

    solenemente que a doutrina da Igreja deve expressar-se sem ambiguidade, que respeitando

    essa exigncia como ela colaborar as luzes novas que necessita nosso tempo, sem

    sacrificar nada dos valores que ela j dispensou ao mundo, e sem expor-se para servir de

    pretexto para o ressurgimento de erros sem cessar reprovados desde h mais de um sculo.

    Solicitando de Vossa Santidade a maior indulgncia para a liberdade que nos tomamos,

    rogamos-lhe se digne acolher os sentimentos de nosso mais filial respeito e nossa

    docilidade absoluta e queira bendizer-nos.

    Documento n 2 NOTA PARA A CONSIDERAO DO SANTO PADRE SOBRE O ESQUEMA CONSTITUTIONIS DE ECCLESIA, ESCRITA POR DILIGNCIA DO CARDEAL LARRAONA

    1. Nos referimos nesta nota pessoalmente reservada ao Santo Padre aos trs

    primeiros captulos do esquema Constitutionis de Ecclesia e principalmente ao captulo III:

    De Constitutione hierarchica Ecclesiae et in specie de Episcopatu.

    40

  • Sobre os dois primeiros captulos, De Ecclesiae Mysterio e De Populo Dei, deixadas de

    lado certas observaes e reservas, devemos expressar nossa satisfao pela riqueza e o

    brilho do trabalho. Felicitamos por ele, sinceramente, a Comisso teolgica, pois a

    Constituio em seus dois primeiros captulos oferece uma bela descrio da Igreja, de

    seu verdadeiro rosto, profundo e misterioso.

    2. Falando com toda lealdade e sinceridade, diferente o juzo que cremos, em

    conscincia, merece o captulo III: De Constitutione hierarchica Ecclesiae et in specie de

    Episcopatu.

    Ainda reconhecendo o que tem de bom, no podemos deixar de fazer graves reservas

    sobre o conjunto do captulo, e pois cremos lealmente no que vamos dizer, temos in

    Domino o direito, e no somente o direito ao qual poderamos renunciar seno o dever

    irrecusvel de expor a quem corresponda nossas apreenses e nossas opinies a este

    respeito.

    3. Em efeito: depois de um estudo atento, cremo-nos no dever de dizer, em conscincia e

    diante de Deus, que o captulo III:

    1 No que concerne doutrina d-nos:

    a) doutrinas e opinies novas;

    b) no somente incertas, seno que no so nem sequer provveis ou solidamente

    provveis;

    c) com frequncia vagas ou imperfeitamente aclaradas em seus termos, em seu verdadeiro

    sentido, em seus fins;

    2 No que concerne s argumentaes :

    a) muito dbil e enganoso, tanto do ponto de vista histrico quando do doutrinal; a prova

    que os escritores da ltima verso empregaram muito simplesmente o mtodo de excluir

    das respostas da Comisso bblica s perguntas de Vossa Santidade as palavras decisivas

    que indicam a falta de provas escriturarias incontestveis do que se afirma;

    b) estranhamente indiferente a princpios fundamentais, inclusive originados em conclios

    anteriores ou em definies solenes;

    c) a tal ponto, que deixa transluzir uma parcialidade indubitvel e comprovvel que

    provm de influncias de natureza no doutrinal, cujos fins e mtodos no so

    irreprochveis;

    41

  • d) pouco preciso, pouco lgico, pouco coerente e propcio, portanto se fosse aprovado

    , a discusses sem fim, crises, desencaminhamentos dolorosos e dolorosos golpes

    unidade, disciplina e ao governo da Igreja.

    Estes no so temores a priori ou exagerados, pois desgraadamente todo o mundo o

    sabe desde que tais ideias so difundidas pela propaganda, at apelando autoridade do

    Conclio, o sentido da disciplina minguou muito, especialmente no que concerne palavra

    e s disposies do Vigrio de Cristo.

    4. Os pontos principais do esquema com os quais estamos em desacordo ou que nos

    inspiram graves reservas concernem a:

    1 A maneira de referir-se ao Primado1, seu sentido e sua razo de ser.

    2 O poder e as qualidades pessoais dos apstolos e sua sucesso nos bispos.

    3 A colegialidade ecumnica nos apstolos e nos bispos; a colegialidade territorial.

    4 O sentido e as consequncias de uma eventual declarao conciliar sobre a

    sacramentalidade do episcopado. A pertena ao que se chama colgio episcopal em

    virtude da consagrao episcopal.

    5 A sucesso do colgio apostlico pelo colgio episcopal nos ministrios de

    evangelizao, santificao e at governo da Igreja universal e isto de direito divino.

    6 O poder e a hierarquia de ordem e dos de jurisdio. Nos anexos adjuntos trataremos de

    aclarar com documentos, ao menos brevemente, isto que adiantamos e reunir as rgidas

    razes teolgicas que esto questionadas e que, no sem razo, despertam nossas

    apreenses.

    5. Neste escrito nos limitamos a sublinhar que, no nosso parecer, a doutrina exposta e

    contida no esquema em seu conjunto e sobretudo nos pontos enumerados acima:

    1 uma doutrina nova que at 1958 ou, melhor, at 1962 no representava mais que as

    opinies de alguns telogos; mas essas opinies eram menos comuns e menos provveis. A

    doutrina contrria era a comum e alentada pelo Magistrio da Igreja, inclusive o recente.

    2 A doutrina comum, recebida na Igreja como slida e mais provvel at 1962, estava na

    base da disciplina constitucional e comprometia tambm a validez essencial dos atos, e isto

    1 O Primado, ou primazia do Romano Pontfice enquanto sucessor de So Pedro, foi definido pelo Conclio Vaticano I. (Denz. 1831).

    42

  • tanto no domnio dos conclios (ecumnicos, plenrios, provinciais) quanto no domnio do

    governo (em todos os seus graus: pontifical, regional, provincial, missionrio, etc.).

    3 A doutrina nova no se fez mais certa nem, objetivamente, mais provvel depois da

    campanha desconcertante dos grupos de presso que politizaram o Conclio de uma

    maneira deplorvel e confundiram certos episcopados; tampouco se fez tal depois da ao

    de muitos peritos audazes, mas infieis a seu verdadeiro ministrio, que fizeram uma

    propaganda parcial no lugar de ilustrar de uma maneira objetiva os bispos, pondo-os

    corrente do status quaestionis; e, finalmente, tampouco se fez mais provvel depois da

    difuso pela imprensa, a qual, pelos mtodos que lhe so prprios e usados pelos

    progressistas criou uma atmosfera que faz difcil uma discusso serena, trava e afoga a

    verdadeira liberdade, convertendo imediatamente em ridculo e impopular quele que no

    se mostra favorvel. Em tal atmosfera as argumentaes cientficas j no podem exercer

    praticamente sua legtima influncia e at nem so escutadas.

    4 A doutrina nova, pois, no est absolutamente madura

    - nem para uma discusso conciliar verdadeiramente conscienciosa e exaustiva (a maioria

    dos Padres no teve nem o meio de aperceber-se do alcance real do que nela se afirma e

    isto por causa de sua impossibilidade material de seguir a literatura cientfica por causa da

    propaganda que aludimos antes; por causa das formulaes pouco claras e imprecisas e

    ainda por causa do fato de que as relaes mesmas no so plenamente objetivas e

    esclarecedoras, por no dizer que escondem propositalmente certas realidades),

    - nem menos ainda para uma aprovao conciliar qual no se poder proceder seno

    quando se tenha a certeza de que os Padres se do conta do valor de certas doutrinas e de

    suas implicaes. Requere-se, pois, um perodo de maturao por causa da seriedade

    exigida tanto pela matria quanto pela natureza de um conclio ecumnico.

    6. Insistindo sobre este ltimo aspecto, a necessidade de um perodo de maturao da

    nova doutrina contida no esquema antes de que o Conclio possa tomar decises a seu

    respeito, queremos sublinhar que seria novo, inaudito e muito estranho que uma doutrina

    que, antes do Conclio, era considerada menos comum, menos provvel, menos sria e

    menos fundada se converta de sbito sobretudo por aes publicitrias, no por

    argumentaes srias em mais provvel, at certa ou francamente madura, a ponto de ser

    inserida em uma Constituio dogmtica. Isso seria contrrio a toda norma eclesistica,

    43

  • tanto no domnio das definies pontifcias infalveis (cf. Grasser, Conc. Vat. I) quanto no

    das definies conciliares no infalveis.

    Se esse apressamento para chegar hoje a declaraes sobre estas questes delicadas

    situado na histria do Conclio Vaticano II, que se declarou desde o comeo oposto a

    definies doutrinais, dizendo-se somente conclio pastoral, compreende-se bem como a

    mudana total de atitude com respeito a este ponto no outra coisa que uma confirmao

    dos procedimentos utilizados, das presses exercidas por certos grupos. Sentindo-se estes

    minoritrios em 1963, queriam excluir a possibilidade de condenaes a seu respeito, mas,

    passados a uma aparente maioria, ajudados por uma propaganda no teolgica, hoje buscam

    alcanar seus fins a qualquer custo. E so precisamente esses grupos os que se permitiram

    criticar os Conclios de Trento e Vaticano I, acusando-os de precipitao e de intransigncia

    (!) quando, ao contrrio, sabido que esses conclios graas, especialmente, ao discreto

    funcionamento das congregaes de telogos abstiveram-se de se ocupar de doutrinas

    teolgicas somente provveis.

    7. Por fim, se consideramos a gravidade das questes tratadas e resolvidas no esquema,

    devemos considerar as consequncias que se desprendem delas desde o ponto de vista

    hierrquico. Sob este aspecto, pode-se dizer que o esquema muda o rosto da Igreja. Em

    efeito:

    1 A Igreja, de monrquica, torna-se episcopalista e colegial, e isto de direito divino e em

    virtude da consagrao episcopal.

    2 O Primado rebaixado e esvaziado de seu contedo

    a) porque ao no fundar-se sobre um sacramento (como o est, ao contrrio, o poder do

    bispo), se est logicamente inclinado a considerar a todos os bispos iguais, em virtude do

    sacramento comum, o que leva a crer e a dizer que o bispo de Roma somente um primus

    inter pares;

    b) porque o Primado quase exclusivamente considerado em funo extrnseca, melhor

    ainda: em funo extrnseca da mera hierarquia, e somente serve para mant-la unida e

    indivisa;

    c) porque em muitas passagens do esquema (os retoques feitos aqui e l pela Comisso

    teolgica considerando que no deveria aceitar (!) o que o mesmo Sumo Pontfice tinha

    sugerido, no so de tal natureza como para mudar o sentido profundo do esquema) o

    44

  • Pontfice no est apresentado como a pedra sobre a qual se assenta toda a Igreja de

    Cristo (hierarquia e povo); no est descrito como o vigrio de Cristo que deve confirmar

    e apascentar seus irmos; no est apresentado como o nico que tem o poder das

    chaves... seno que reveste, desgraadamente, a figura pouco simptica do ditador que

    limita o direito divino dos bispos, sucessores dos apstolos.

    Compreende-se facilmente que este ser o leit motiv que se usar para reivindicar outra

    vez direitos para os bispos; por outra parte, sabe-se qual foi o comentrio de muitos

    bispos influenciados pela propaganda quando o Santo Padre levou o Motu Prprio

    Pastorale Mnus: O Papa faz-nos participar por concesso benvola do que ele nos

    tinha roubado.

    3 A disciplina, e com ela a doutrina conciliar e pontifcia, esto rebaixadas pela confuso

    entre Poder de ordem e Poder de jurisdio. Em suma, o esquema rebaixa o regime dos

    conclios ecumnicos, dos outros conclios, do governo pontifcio, provincial e diocesano,

    do regime das misses, de regras que concernem ao funcionamento do Poder de ordem

    (sempre vlido, ainda quando ilcito) e do Poder de jurisdio (que pode ser invlido,

    ainda se se tem a ordem que confere o Poder radical relativo).

    Finalmente, tudo isto est rebaixado porque no se respeitou a distino dos poderes e

    no se teve em conta o que deriva, objetiva e seguramente, o Poder de jurisdio.

    4 A Hierarquia de jurisdio, em quanto distinta da Hierarquia de ordem que o texto

    diz muitas vezes de direito divino comovida e destruda. Em efeito, se se admite que a

    consagrao episcopal, sendo um sacramento de ordem, leva com ela no somente os

    Poderes de ordem (como a ordenao do sacerdote e do dicono os leva em seu grau),

    seno igualmente de direito divino e, formalmente, todos os Poderes de jurisdio, de

    Magistrio e de Governo, no somente na Igreja prpria seno tambm na Igreja

    universal, evidente que a distino objetiva entre Poder de ordem e de jurisdio, entre

    Hierarquia e ordem e de jurisdio, torna-se artificial, exposta a um capricho e vacilante.

    E tudo isto observe-se bem enquanto todas as fontes, as declaraes doutrinais solenes

    do Conclio de Trento ou posteriores, a disciplina fundamental proclamam que essas

    distines so de direito divino.

    A distino entre Poder e Hierarquia de ordem ou de jurisdio objetivamente

    comovida ainda se se trata de estabelecer defesas (muito ingnuas, sem embargo) para

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  • salvar aparentemente o Primado, pelo menos o que se chama Primado, ou seja, o Primado

    convencional de que fala uma parte da doutrina moderna repetindo quase ad litteram

    textos deplorveis j solenemente condenados.

    Por que dizemos para salvar aparentemente o Primado? Porque, ainda admitindo a

    mais sincera boa f e as melhores intenes de defender o Primado autntico de parte de

    aqueles que propuseram ou aceitaram essas defesas ou limitaes ao contrrio de

    outros, que do ao Primado um sentido diferente, considerando-o somente como

    vinculum exterioris unitatis a consequncia lgica ser: se o direito divino do

    episcopado, enquanto deriva do sacramento da ordem, confere o poder atual e formal de

    jurisdio, este segue necessariamente as normas do sacramento da ordem episcopal do

    qual deriva e portanto sempre vlido em seu exerccio. Ao contrrio, o Primado que no

    procede de um sacramento quando muito pode converter em ilcito o uso da jurisdio.

    E esta no ser nem a nica nem a ltima consequncia. Basta pensar nas repercusses

    sobre a to desejada unio com os irmos separados orientais: esta, logicamente, seria

    concebida segundo suas ideias, e portanto sem a plena aceitao das consequncias do

    Primado.

    Estamos seguros de que muitos de aqueles que preconizaram a