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Da Carta de Caminha Ao Caso Galdino - Uma Breve Analise Da Imagem Dos Indigenas Na Midia Impressa

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“Amazônia e o direito de comunicar” 20 a 22 de outubro de 2011 - Belém/PA

Da Carta de Caminha ao caso Galdino: uma breve análise da imagem dos

indígenas na mídia impressa1

Luiza AZEVEDO LUÍNDIA2 Gabriel de Souza OLIVEIRA3

Universidade Federal do Amazonas – Ufam, Manaus, AM

RESUMO A imagem do indígena brasileiro veiculada pela mídia impressa se configura como um exemplo do processo de eternização, destituído de historicidade, pois cristaliza mensagens que remontam à carta de Pero Vaz de Caminha. Assim, o objetivo desse artigo é analisar e (re)significar esse universo, tendo em vista que os indígenas ainda têm sua imagem carregada de estereótipos desde o tempo de Caminha até os dias de hoje. Como objeto de estudo, focamos na análise de duas reportagens: “Pluralidade pouco conhecida” (Revista Experiência4, julho/2010), e “Planalto selvagem” (Revista Veja, abril/1997). Para tanto, fez-se uso de pesquisa bibliográfica e uma abordagem teórica baseada nos critérios dos modos de operação ideológicos pontuados por Thompson (2009), percorrendo sua imbricação com o discurso midiático. PALAVRAS-CHAVE: indígena; mídia; ideologia; estereótipo; discurso 1. Introdução

Conforme a professora do Departamento de Letras da PUC-Rio, Marília

Cardoso5, antes mesmo de a literatura brasileira nascer, nossos antepassados já

ganhavam as páginas de relatos de viajantes que, em outras línguas, levavam aos

europeus suas impressões sobre o Novo Mundo, sua natureza e sua gente. No contexto

brasileiro, o primeiro exemplar de um relato do gênero foi a carta de Pero Vaz de

Caminha ao soberano português, na qual ele descreve os curiosos grupos humanos

encontrados aqui, denominados genericamente de “índios”.

1 Artigo submetido ao Grupo de Trabalho da II Conferência Sul-Americana e VII Conferência Brasileira de Mídia Cidadã. 2 Jornalista, Prof.ª Dr.ª do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Amazonas (Ufam); tutora do Programa de Educação Tutorial de Comunicação (PETCom) da Ufam; líder do Grupo de Estudos e Pesquisa em Comunicação Social (GEPECS). E-mail: [email protected] 3 Acadêmico do 2° período do curso de graduação em Jornalismo da Universidade Federal do Amazonas (Ufam); bolsista do Programa de Educação Tutorial de Comunicação (PETCom) da Ufam; integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Comunicação Social (GEPECS). E-mail: [email protected] 4 Revista Experiência, produzida pela Faculdade de Comunicação Social (Famecos), da Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUCRS). 5 Marília Rothier Cardoso é professora da PUC-RJ, autora da tese de doutorado Gazeta de bruxo.

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Mais tarde, o selvagem exótico se transforma em herói do Romantismo e, no

século XIX, em personagem da literatura. Isso se deve inicialmente à valorização das

teorias da bondade natural do homem, que marcaram tal período, sobretudo o

Romantismo europeu, no final do século XVIII.

A pesquisadora avança em seus argumentos ao explicar que o índio, então, virou

moda no mundo e, no Brasil, passou a ser referência para a criação de uma

nacionalidade. Os escritores assumiram a missão de formar uma consciência nacional e

os índios passaram a ser tratados como modelo dessa brasilidade. Assim, surgiram os

heróis das narrativas de José de Alencar e da poesia de Gonçalves Dias.

Nessas obras, prevalece uma imagem inspirada no modelo medieval do

Romantismo, criando, no Brasil, um movimento correspondente ao europeu, em busca

de raízes populares. Os romances Iracema e O Guarani, de José de Alencar, são

símbolos desse período. Ambos os livros podem ser designados como romances

fundadores, ou seja, obras ficcionais para representar metaforicamente o início de um

mundo ou de uma raça. Essa moda durou até o final do século XIX, quando o índio sai

de cena. Temporariamente, já que ele volta à literatura na década de 20, pelas mãos do

Modernismo.

A sociedade brasileira havia se transformado. O ar do campo cedeu lugar às

fábricas, aglomerados urbanos e populações de quase um milhão de habitantes. Nesse

cenário surge Macunaíma, o anti-herói criado por Mário de Andrade. Assim, o índio

passa a ser mostrado quase que como uma paródia do índio romântico. É um modo mais

refletivo que marca a diferença da cultura brasileira. O Modernismo também reforça a

identidade nacional, mas de outro modo: não mais a valorização do nacional como algo

exótico, mas como parte de um modelo nacional.

Concluindo seu pensamento, para Cardoso, depois do Modernismo, os índios

não desapareceram totalmente, mas ressurgiram de forma pontual, como nos livros de

Darcy Ribeiro, que, paralelamente à produção acadêmica, desenvolveu uma obra

literária. Ele traz o índio com uma atitude política, como uma crítica à ordem política e

como um elemento de informação antropológica.

Se a literatura por muito tempo se prendeu a estereótipos bem definidos sem

conexão com a realidade indígena, a mídia impressa também não aborda essa questão

com imparcialidade – como, aliás, não aborda assunto algum de maneira imparcial. Os

argumentos tendem para um “resgate” de elementos etnocêntricos cristalizados no

imaginário de grande parte da população brasileira, com olhares que vão do índio

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mitificado e mistificado ao índio miscigenado, “adulterado” pela influência da cultura

europeia. Assim, os indígenas são revestidos de estereótipos que lhes atribuem uma

imagem ao mesmo tempo perversa e exótica. Portanto, (re)significar esse universo

conflitivo e ideológico, tendo como base o referencial teórico de Thompson (2009),

configura-se como o objetivo desse artigo.

2. Do bom selvagem ao indolente: hoje, o guardião da floresta

Nas obras Iracema e O Guarani, segundo Coutinho (1980), os índios se

constituem como sujeitos apenas a partir da aproximação com o colonizador, ao abrir

mão do seu povo e de sua cultura para se dedicar aos colonizadores. Trata-se de um

ponto de vista romântico que, através da imaginação, nega a exatidão da realidade.

Segundo Toller (2007), em seu indianismo às avessas, Mário de Andrade, em

Macunaíma, embaralharia as nossas etnias de origem, dando um nó em qualquer

possibilidade coerente de mitos laudatórios de fundação – mitos esses tão caros às

literaturas americanas anteriores ao século XX. “Macunaíma” é o “herói sem nenhum

caráter”.

Avançando no tempo, os indígenas ainda permeiam os imaginários não só da

literatura, mas especialmente da mídia impressa e, nesse contexto, encontram-se

resquícios fortes da visão romântica e da imagem retratada ainda na carta de Pero Vaz

de Caminha, contribuindo para fortalecer os estereótipos e os pensamentos da sociedade

nacional. Para Azevedo Luíndia (2005), os grupos indígenas têm ficado à margem do

trajeto nacional do desenvolvimento e, apesar disso, agora são (re)conhecidos como

“guardiões” da biodiversidade amazônica, através dos famosos produtos eco-verdes.

Atualmente, os indígenas compõem, por um lado, uma imagem globalizada, de

autossustentabilidade e inclusão digital, e, por outro, agrupam mosaicos desenhados

pelo eurocentrismo, pela colonização e pela sociedade nacional, fomentando, assim, a

imagem disseminada na mídia. Essas imagens vão desde o exótico e bom selvagem ao

guardião da floresta.

O mito do bom selvagem, mencionado, entre outros, por Bosi (1994) e Coutinho

(1980), deriva do pensamento de Rousseau, o qual afirmava que o progresso da

sociedade europeia tinha corrompido a pureza original do homem, mas, em algum lugar,

distante de uma sociedade modificada pela Revolução Industrial, ainda deveria existir o

homem em seu estado puro, cheio de nobreza e de bondade.

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Da passagem do “bom selvagem” ao reivindicador de seus direitos, mediante a

busca de demarcações de suas terras e de parcerias que os tornassem autogestores de

alternativas econômicas, a exemplo dos projetos de ecoturismo desenvolvidos no

extremo sul da Bahia, na Amazônia equatoriana e peruana, passou-se um bom espaço de

tempo de lutas.

Segundo Azevedo Luíndia (2005), os movimentos indígenas foram legitimados

em 1992, com a Eco-Rio, e, mais tarde, pela Agenda 21 Nacional e pelas agendas locais.

A partir daí, o cenário começa a modificar-se, sendo traçadas várias categorias de análise

da luta dos povos indígenas pelos seus direitos e posse de territórios dentro das

perspectivas: ecológica e econômica, na busca da conservação de ecossistemas e

sustentabilidade. Nessa trajetória, a mídia não ficou à margem, se dedicou com afinco a

divulgar em grande parte essa imagem. Trata-se aqui de analisar sob quais condições

ideológicas, politicas sociais e culturais a mídia veicula os grupos indígenas. A partir de

quais condições a mídia reforça ou desmistifica o discurso da carta de Caminha? E como

esses fatores contaminam ou não o discurso da mídia, tendo em vista que numa empresa

jornalística os interesses nem sempre são iguais para seus atores sociais?

3. O discurso da mídia

Argumentar é uma atividade linguística fundamental, pois, através do discurso, o

argumentador influencia intencionalmente o meio social em que vive provocando

alterações no modo de pensar ou de se comportar de outros. Enquanto sujeito social e

político, ele é capaz de orientar arrazoadamente o discurso, manifestando um

posicionamento pessoal, no sentido de determinadas conclusões. O conceito de discurso

é polissêmico, ao contrário do que se pensa.

O discurso não é um conjunto de enunciados que a pessoa prepara para poder

dissertar perante uma plateia, nem é o conjunto de enunciados que dão forma a um objeto

enquanto se estabelece uma conversa, e muito menos se refere às restrições aplicadas a

um contexto social e ideológico. O discurso tem a ver com a própria evolução do

homem, diz respeito à evolução da língua, às transformações sofridas por ela durante

todo o decorrer da história humana.

O contraste de informações ou o jogo de interesses presentes nas matérias

veiculadas pela imprensa atribuem um caráter multidisciplinar ao discurso jornalístico,

ao qual, também, devem ser acrescentadas as diversas formas de poder das empresas de

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comunicação e que determinam a relevância do que, quando e como deve ser publicado.

Podemos observar isso ao tomarmos como base Chaparro (1994) para esta pesquisa,

enfocando aspectos importantes na medida em que as referidas indagações delineiam

fortemente a qualidade final do produto: a informação.

Chaparro (1994) considera o discurso jornalístico como o resultado de um

complexo processo de produção envolvendo as camadas superiores da empresa formada

pelos diretores, editores, repórteres, dentre outros, por deterem controle ou

“conhecimento” sobre os acontecimentos, e as camadas “proletárias”, formadas por todos

aqueles que contribuem direta ou indiretamente para que a informação chegue ao seu

destino final: o público. Sob essa ótica, a mídia ocupa um espaço de destaque na

formação da esfera pública. De acordo com Habermas (1998, apud Gomes, 1998, p.

155), a esfera pública seria “o âmbito da vida social em que interesses, vontades e

pretensões que comportam consequências concernentes a uma coletividade apresentam-

se discursivamente e argumentativamente de forma aberta e racional”.

Reforçando as perspectivas acima, conforme Jovchelovitch (2000), ideias

somente passariam a ter valor quando expressadas através da comunicação, ou seja,

através do discurso. Nessa arena aberta à argumentação, quem participasse do debate

ingressaria na esfera pública despojado de condições sociais privilegiadas, cargos, títulos

ou posição social, num espaço para expressão de conteúdos do senso comum circulante

na sociedade. Seria o “fórum” onde os indivíduos construiriam suas representações

sociais, transpondo ideias e valores de si e do grupo social ao qual pertencem.

A citada autora enfatiza ser através de “concessões” dadas pela imprensa à

entrada dos grupos excluídos na agenda da mídia, denominada de agenda-setting, ou

seja, a definição ou fixação do temário que deve todos os dias ser transformado em

matérias jornalísticas. Sobre o assunto, as pessoas têm tendência para incluir ou excluir

dos seus próprios conhecimentos aquilo que os mass media incluem ou excluem do seu

próprio conteúdo (SHAW, 1979, APUD WOLF, 2005, p. 144).

Sob a ótica mencionada, o jornalismo deseja ser referencial, como se o fato

contasse a si mesmo, mas, por trás de qualquer dizer, há um sujeito – o repórter, o editor,

o dono do jornal –, embora a imprensa tente apagar esse sujeito, numa estratégia

discursiva de legitimar o discurso que prevalece como imparcial e objetivo, mas

subliminarmente é um reforço do senso comum dominante. De acordo com

Jovchelovitch (2000, p. 90), mesmo sendo os efeitos da mídia em nossas sociedades

enfatizados, “sua tendência para produzir significados e valores hegemônicos não deve

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ser subestimada”. A mídia é um ator-chave no exercício do poder, particularmente

naquelas sociedades onde a mídia, a indústria e o governo estão nas mãos da(s) mesma(s)

família(s) e onde a ausência de uma esfera pública forte impede o escrutínio dos

interesses privados que dirigem a indústria das comunicações.

Não há jornalismo imparcial, há a presença autoral do jornalista (e toda sua carga

ideológica e cultural) e da empresa para qual trabalha. A imparcialidade “se transformou

em mito e vem permitindo aos veículos de comunicação camuflar a tendenciosidade das

notícias veiculadas” (Teixeira, Gomes & Morais, 1999, p. 1). Consubstanciando, segundo

Junqueira (1999, p. 5), a mídia se transformou em instrumento fundamental na produção

da nova coesão social, uma vez que lida com a “fabricação, reprodução e disseminação

de representações sociais em escala planetária”.

O discurso é uma construção social e da realidade. Mas de qual realidade? Do

leitor? Do jornalista? Das empresas? De acordo com Gadini (1999), os discursos

midiáticos – enquanto espaços de produção de sentidos entre interlocutores – têm a

possibilidade de reinventar, questionar, construir ou, mesmo, desestruturar a lógica social

da organização da vida dos grupos humanos. Assim, os meios de comunicação

desempenham hoje bem mais um papel de mecanismos de constituição dos universos

simbólicos e se apresentam como elementos cada vez mais indispensáveis no processo de

identificação, apreensão e compreensão das relações sociais pelos indivíduos. Gadini

(1999, p. 14) acrescenta: “falar em jornalismo é, então, falar em fragmentos de realidade,

resultante de um jogo de fatores e códigos de produção discursiva”.

Partindo dos pressupostos acima, enfocaremos, a partir deste momento, os

procedimentos teóricos de análise, tendo como suporte cinco categorias de análise de

Thompson (2009), a saber: legitimação, dissimulação, unificação, fragmentação e

reificação.

4. Procedimentos teóricos de Thompson

Para Thompson (2009), as referidas categorias – legitimação, dissimulação,

unificação, fragmentação e reificação – atuam de maneira a sobrepor-se ou reforçar-se,

podendo também a ideologia operar de outras formas.

Na dissimulação, as relações são mantidas por serem “ocultadas, negadas,

desviadas, obscurecidas, ou por serem representadas de maneira que desvia nossa

atenção”. Diversas são as estratégias utilizadas em seu favor, como o deslocamento – um

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termo geralmente usado para um objeto ou pessoa é usado para se referir a um outro,

fazendo com que a imagem positiva ou negativa seja reforçada e associada a esse outro –,

o qual é bastante usado na política e na publicidade.

Além do deslocamento, há outras estratégias adotadas na dissimulação, as quais

se valem do sentido figurativo da linguagem, como a eufemização e o tropo. A

eufemização consiste no uso da descrição de fatos e situações negativas através do

despertar de valores positivos, de maneira bastante sutil, por meio de uma pequena

alteração no sentido. Um exemplo, no nosso contexto, é a exploração do indígena através

dos mais diversos imaginários e interesses.

O tropo se relaciona com as figuras de linguagem classificadas como sinédoque,

metonímia e metáfora, já que favorecem a dissimulação das relações de poder. A

sinédoque constitui um tropo fundado na relação de contiguidade e que consiste em

tomar a parte pelo todo, estabelecendo, assim, uma relação quantitativa entre o

significado original da palavra usada e o conteúdo ou referente. Os casos mais comuns de

sinédoque ocorrem quando o falante utiliza-se de um termo que representa uma parte

para referir-se ao todo e vice-versa, permitindo dissociar e ocultar relações de poder. Um

exemplo recorrente na mídia é o uso de termos genéricos como “os indígenas

brasileiros”.

Por sua vez, a metonímia constitui “uma figura de linguagem baseada numa

relação de causalidade e que consiste no uso de uma palavra por outra com a qual

apresente certa independência” (Thompson, 2009, p. 85), valendo-se de uma

característica, de um atributo usado para se referir a um objeto ou um ser humano, numa

associação de causa e efeito, que pode ser positiva ou negativa, dependendo do interesse

de quem a utiliza, como caracterizar o indígena como preguiçoso. Já a metáfora

dissimula relações sociais na medida em que são emitidas características que os

possuidores (objetos ou seres) não possuem, como denominar um indígena de “exótico”.

A unificação é um recurso por meio do qual as relações de dominação se

sustentam em uma “unidade que interliga os indivíduos numa identidade coletiva”

(Thompson, 2009, p. 86), ocultando as diferenças existentes. Os recursos utilizados para

tal objetivo são a padronização e a simbolização. A padronização ocorre quando formas

simbólicas são adaptadas a determinado padrão, criando uma identidade coletiva aos

grupos, como, por exemplo, a ideia de que todo índio (supostamente) fala Tupi, quando,

na verdade, há em torno de 160 línguas faladas por etnias indígenas brasileiras. Já a

simbolização da unidade pode ser definida como a “construção de símbolos de unidade,

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de identidade e de identificação coletivas, que são difundidas através de um grupo”

(Thompson, 2009, p. 86). Exemplos: um símbolo do indígena atual, “o guardião da

floresta”.

A reificação representa o estabelecimento, sustentação e manutenção das relações

de poder por meio da “retratação de uma situação transitória e histórica, como se fosse

permanente. Processos são retratados como coisas, como acontecimentos naturais”,

ignorando quando e quem os produziu, destituindo-os de historicidade. A naturalização,

a eternização, a nominalização e a passivização são recursos utilizados para tal fim. A

estratégia de naturalização ocorre quando um “estado de coisas que representa uma

criação social é considerado como um acontecimento natural ou resultado inevitável de

características naturais” (Thompson, 2009, p. 88). Cabe refletir sobre a condição do

indígena em nossa sociedade, que sofre o processo de naturalização em relação ao seu

papel social. Já a eternização refere-se à “esvaziação dos fenômenos sócio-históricos

quando vistos como permanentes e imutáveis” (Ibid. p. 88).

Com base no exposto, agora adentraremos nas análises realizadas a partir do

referencial teórico de Thompson, sendo as mesmas aplicadas ao discurso da mídia por

entendermos o discurso como uma prática política, ideológica e sociocultural. Infere-se,

aqui, que a linguagem se apresenta com papel duplo: primeiro, um instrumento que pode

favorecer ou não a manutenção das ideologias e, dessa forma, as relações de poder são

mantidas, estabelecidas e construídas; segundo, é através da linguagem que os contextos

podem ser desconstruídos e desmascarados. Para tanto, passaremos à análise das

reportagens que tomamos como objeto de estudo.

5. Análises Antes das análises de nosso recorte, teceremos breves comentários sobre a Carta

de Pero Vaz de Caminha, por considerar que a mesma vislumbra grande parte dos

contextos ideológicos, políticos e socioculturais vivenciados pelos indígenas nos dias

atuais, através da mídia. Para Chamie (2002), Caminha observa nos índios traços que

decorrem de três atributos principais: a inocência, a bondade e a alegria. Caminha vai

enfocando os principais atributos do “outro”, o indígena, sempre em confronto com os

atributos ou referências do conquistador português. Aquilo que Caminha vê ou parece

ver no corpo do índio lhe vem como uma “outra realidade”, longe de seus referenciais:

“Caminha [...] estabelece comparações e expõe em seu texto o fascínio que a diferença

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nativa exercerá, mediante os atributos da inocência, da bondade e da alegria, sobre a

mesmice ‘fanada’ dos valores culturais europeus” (Chamie, 2002, p. 30).

O atributo da inocência seria o primordial e, conforme o estudioso, “registra o

cerco crescente que a inocência do invadido avança sobre a vigilância do invasor”.

Chamie avalia três momentos em que este atributo aparece na Carta. O primeiro, em que

Caminha observa as características físicas dos índios, o adjetivo “bom” (de “bons rostos

e bons narizes” da descrição do cronista) é assim avaliado pelo intérprete: “[...] Pero

Vaz fixa atributos corporais do indígena em que o adjetivo ‘bom’ predomina”. O

adjetivo ‘bom’ qualifica indiscriminadamente formas e volumes, o que, a rigor, denota

uma impressão de conjunto (física, estética e psicológica) apreciável e favorecida. Um

pouco na linha de extração aristotélico-tomista de que o Bom, o Belo e o Bem são

verdadeiros, a impressão de conjunto parece, no fundo, ser ditada pela naturalidade da

nudez sem malícia nem constrangimento, coisa que em princípio a moralidade de

extração aristotélico-tomista-cristã denunciaria (Chamie, 2002, p. 30).

5.1. “Pluralidade pouco conhecida” (Revista Experiência, julho de 2010) Em um universo em que boa parte dos veículos de comunicação impressos ainda

faz uso de uma imagem estereotipada dos indígenas, a reportagem “Pluralidade pouco

conhecida”, da acadêmica Karine Tavares, publicada na Revista Experiência6, de julho

de 2010, se distingue justamente por tentar apregoar uma visão desmistificadora desses

povos, e, assim, ir à contramão da ideologia dominante.

O texto começa por questionar a imagem cristalizada que a sociedade tem

quando se pensa em índios: “homens nus, arco e flecha, ocas, tabas, natureza e

distância” (Tavares, 2010, p. 58). A seguir, Tavares apresenta declarações de

pesquisadores e alguns índios que contestam o pré-julgamento normalmente feito pelos

não-indígenas, enraizado no consciente coletivo através da mídia em geral e da

literatura.

Apesar das boas intenções, Karine Tavares já começa sua reportagem assumindo

um erro histórico: “A história escrita do Brasil começa com a famosa confusão dos

navegadores europeus que pensavam ter chegado às Índias.” (Tavares, 2010, p. 58).

Essa “confusão” foi feita não por Cabral, mas sim por Colombo, em 1492, e não tem

6 A Revista Experiência é uma publicação experimental produzida por acadêmicos dos últimos anos da Faculdade de Comunicação Social (Famecos), da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), dentro da disciplina de Produção de Revista. É um veículo que preza pela publicação de textos de cunho mais literário.

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qualquer relação com o começo da história escrita de nosso país. O que, de fato, se

discute ainda hoje é se o afastamento das caravelas portuguesas da costa africana foi

acidental ou se já havia uma determinação de chegar ao continente americano. Afinal, a

“descoberta do Brasil” ocorreu oito anos depois da chegada de Colombo, o que

configura tempo suficiente, portanto, para, no mínimo, se especular sobre a existência

de novas terras por estas bandas.

A despeito desse deslize, um dos pontos principais levantados pela autora é que

os indígenas hoje são tratados como se fossem todos iguais, indivíduos que

correspondem invariavelmente ao estereótipo arraigado. Trata-se de um dos modos de

operação da ideologia pontuados por Thompson (2000, p. 86), a unificação,

caracterizada por sustentar as relações de dominação através de uma “unidade que

interliga os indivíduos numa identidade coletiva”.

Nesse contexto da questão indígena, a unificação faz uso do recurso da

padronização para criar uma identidade coletiva aos índios: todos são seres de pele

parda, que vivem na floresta, nus ou com vestimentas exóticas, e que possuem hábitos

bem diferentes daqueles dos “civilizados”. A própria autora aponta a falsidade dessa

assertiva, quando afirma que “o termo ‘índio’ é genérico e mascara a existência de uma

pluralidade culturas. Esses povos nunca foram e nem serão singulares.” (Tavares, 2010,

p. 59).

Sendo assim, o grande mérito da reportagem é se propor a apontar como a visão

que se tem dos grupos indígenas hoje ainda é estereotipada, e contrapô-la com a

realidade atual. Tal imagem, como vemos, é gerada de acordo com os modos de

operação apontados por Thompson, servindo, portanto, para estabelecer uma ideologia

que beneficia a sustentação da classe dominante.

É interessante notar o seguinte: a própria reportagem observa que boa parte da

mídia propaga o estereótipo indígena, nas palavras de uma das entrevistadas, a

professora e doutora Maria Aparecida Bergamaschi, pesquisadora em educação

indígena: “numa tentativa de mostrar a diferença de tradições, veem os rituais e as

danças, como se fossem a totalidade de uma cultura”. Ou seja, é a visão dos seres

exóticos de Caminha, ainda mantida pelos mesmos veículos de comunicação que

deveriam ser responsáveis por desmistificá-la. Tal imagem estereotipada gerada por

esse processo de unificação remonta à descrição dos indígenas na carta de Pero Vaz de

Caminha; e o fato dela existir ainda hoje, em pleno século XXI, aponta a existência de

outro dos modos de operação da ideologia de Thompson, a reificação, ao retratar “uma

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situação transitória e histórica como se fosse permanente”. Para tanto, nesse caso, esse

processo utiliza o recurso da eternização, ao pintar os índios como seres imutáveis,

como se fossem exatamente iguais àqueles com quem Caminha e os colonizadores se

defrontaram, ainda nos idos de 1500.

O texto de Tavares tenta mostrar uma visão contrária a esses estereótipos ao

enfatizar mais uma vez as declarações de Bergamaschi, quando pontua: “Tudo está

registrado como se os índios não vivessem ou desenvolvessem suas historicidades e as

suas culturas no decorrer de todo o período após a chegada dos europeus”.

No entanto, a jornalista acaba se incluindo entre aqueles que repetem

estereótipos, mesmo quando manifestam o desejo de não fazê-lo. É o que se nota, por

exemplo, quando ela escreve que “Não são muitas as comunidades indígenas existentes

no Brasil. A Fundação Nacional do Índio (Funai) estima que hoje há 220 grupos com

cerca de 180 dialetos diferentes.” (Tavares, 2010, p. 58) A primeira coisa a se perguntar

é: o que é “muito” para Tavares? O Brasil possui a maior diversidade linguístico-

cultural das Américas; não há outro país da região com tantos povos quanto o nosso.

Nosso ponto negativo não é a diversidade, mas a quantidade.

Portanto, Tavares (2010), apesar de se apoiar em pontos de vistas esclarecedores

que se afastam das visões eurocentristas, mantém um ranço de estereótipos e de

ausência de conhecimentos dos grupos indígenas atuais dentro de seus modos

produtivos e reprodutivos, e seus inúmeros contatos com os mais variados atores

sociais, como ONGs, organismos internacionais, missionários, evangélicos,

madeireiros, hidrelétricas, antropólogos, turistas, entre outros.

5.2. “Planalto selvagem: Numa noite de tédio, cinco garotos melancólicos e apáticos tocam fogo num índio para se divertir” (Revista Veja, 30 de abril de 1997)

“O meu nome é Tupi Guaykuru

meu nome é Peri de Ceci eu sou neto de Caramuru

sou Galdino, Juruna e Raoni” (Lenine)

“Eles não tinham índio para queimar. Agora é prostituta”. O desabafo de um dos policiais da 16ª DP-RIO, indignado com a atitude dos cinco agressores de Sirley Dias de Carvalho Pinto, remete ao caso do índio pataxó Galdino Jesus dos Santos, que, na madrugada de 20 de abril de 1997, foi queimado vivo quando dormia num ponto de ônibus em Brasília. O crime foi praticado por cinco jovens de classe média alta, um deles menor de idade, que jogaram álcool sobre o corpo do índio e atearam fogo. Galdino, de 44 anos, chegou a ser levado para o hospital, mas morreu horas depois. Ele estava na capital para festejar o Dia do

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Índio. Naquele dia, chegou tarde à pensão onde estava hospedado e foi impedido de entrar. Os réus alegaram ter feito “apenas uma brincadeira”.7

A reportagem de cinco páginas da Revista Veja8 sobre a morte do índio Galdino

descreve com profusão de detalhes o perfil de seus matadores “queimadores”, desde a

ideia de que pertencem “à classe média como tantos outros” e são de boas famílias ao

fato de serem “alunos medíocres”. Os jornalistas dedicam três páginas para argumentar

sobre o caráter e as atividades dos cinco adolescentes, se apoiando em depoimentos das

famílias e amigos, concluindo que

[...] os cinco amigos estudam e trabalham. Praticam esportes. Não fumam. Bebem socialmente. De uso de drogas não se tem notícias. Estavam lúcidos naquela noite. Na delegacia ninguém quis fazer exame de dosagem alcóolica nem antitóxico. Está certo que não são bons alunos, tanto que quatro largaram colégios convencionais para fazer um supletivo – mas isso não é motivo para incendiar uma pessoa, certo? (PINHEIRO & CAMAROTTI, 1997, p. 25-26)

Para reafirmar seus argumentos os jornalistas ouviram 43 pessoas que conhecem

os meninos; falam em uníssono sobre o temperamento dos jovens: melancólicos, pouco

entusiasmados, quase absolutamente indiferentes. Um vizinho foi firme ao declarar:

“Eles seriam incapazes de fazer alguma coisa para o mal”. Conforme o depoimento da

mãe da namorada de Max, um dos adolescentes, “ele não suporta filme de violência e

terror”. Os repórteres ouviram 43 pessoas, contudo, não ouviram sequer um líder

indígena, a Funai ou outro órgão responsável, e nem mesmo os próprios pataxós. As

vozes dos pataxós são silenciadas para escamotear a situação: afinal, era apenas um

índio. Ou como dizem os autores, um mendigo índio. Ou um índio mendigo.

Num box intitulado “A vida imita a arte”, na antepenúltima página, os jornalistas

usam pequenos trechos da carta de Caminha (“não fazem o menor caso de encobrir ou

de mostrar suas vergonhas”), terminando por concluir que “em 1997, séculos depois de

abandonar o naturalismo de seus ancestrais, os atuais pataxós adotaram adereços à la

Vitor Meirelles para cobrir suas partes pudendas e fingir-se de índios” (Pinheiro &

Camarotti, 1997, p. 26).

O nome de Vitor Meirelles faz referência ao pintor histórico responsável pela

tela A Primeira Missa no Brasil, comumente reproduzida em livros escolares. A

7 “Agressão à doméstica lembra morte do índio Galdino”. Publicada em 25/06/2007, às 09h12m. O Globo – Rio. Disponível em: < http://www.oglobo.globo.com/rio/mat/2007/06/25/296499455.asp > 8 A Revista Veja, publicada pela Editora Abril, é atualmente um dos veículos de maior destaque na imprensa brasileira. A publicação se propõe a tratar de temas do cotidiano da sociedade brasileira e internacional, desde política a cultura e comportamento. A revista possui uma orientação ideológica clara, se assume como opinativa e é frequente alvo de críticas relativas à sua parcialidade e sua política de direita.

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alegoria serve para reforçar a dissimulação e oculta e desvia a atenção dos indígenas

para dois personagens: um histórico e outro desconhecido. Nessa estratégia, deslocam-

se os povos indígenas para o mito de que só eram indígenas no tempo da chegada de

Caminha, quando andavam nus e com seus adereços de plumárias com penas coloridas.

Passados mais de 500 anos, os pataxós não são mais índios, afinal “usam adereços à la

Vitor Meirelles para cobrirem suas partes pudendas e [pasmem] fingir-se de índios”.

Desse modo, os jornalistas esvaziam a situação histórica dos indígenas, reforçando e

duvidando de sua condição de índio porque estão vestidos como o branco, ou com

adereços da moda. Indaga-se: como os indígenas podem se fingir de índios?

Na última página, a reportagem ainda faz uma inglória tentativa de

contextualizar o grupo pataxó sem, contudo atentar para os fatos e situações em que

vivem no sul da Bahia:

Quase nada ficou da tradição: cocares que usam nas solenidades são copiados das imagens de índios que veem em velhos livros escolares. Na cerimônia fúnebre, uma pataxó chamada Michelle – sim: Michelle – Souza Santos, 10 anos, desfilou orgulhosa seu cocar, emprestado de um índio mais velho. No adorno havia peninhas cor de rosa tiradas de espanador. (PINHEIRO & CAMAROTTI, 1997, p. 28)

Nas citações acima, prevalece o senso comum sobre o indígena como selvagem.

Para os autores, aquele que não tem seu símbolo de indianidade não é índio, pois para

sê-lo precisa estar de tanga, usar cocar e falar seu idioma; precisa estar da mesma

maneira que os índios retratados no quadro de Vitor Meirelles. Mas se um não-indígena

usar cocar, ele vai deixar de ser branco? A ironia “sobre as peninhas cor de rosa tiradas

de espanador” nos revela o preconceito enraizado e a falta de informação dos

jornalistas: já há algum tempo o Ibama vem tentando reduzir o uso de penas de aves em

adereços indígenas, tendo em vista a comercialização predatória tanto de grupos

indígenas quanto de não-indígenas. O texto termina com uma frase de efeito:

“Pensaram-se tratar-se de um mendigo. Era. Um mendigo índio.”

A reportagem da Veja aponta para os seguintes fatores: a) os povos indígenas, na

maioria das vezes, só aparecem na imprensa quando estão relacionados a invasões de

terra, ou quando são vítimas do sistema como no caso do pataxó Galdino; b) nas

matérias sobre esses temas, os índios não são ouvidos adequadamente, com a imprensa

se abastecendo quase somente pelas fontes oficiais (Funai, Ministério Público, Polícia

Federal e ONGs), apesar do fato de que a Veja sequer ouviu essas autoridades e muito

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menos procurou a visão de alguma liderança indígena; c) a falta de conhecimento do

assunto do repórter ou editor pode reforçar estereótipos sobre essas sociedades.

6. Considerações finais

Os indígenas continuam sendo retratados pela mídia como povos distantes no

tempo e no espaço, subjugando-os como atrasados e restritos às matas. A mídia ajuda a

modelar a visão de mundo e os valores mais profundos: define ainda o que é

considerado bom ou mau, positivo ou negativo, moral ou imoral. As narrativas e as

imagens modelam, forjam, inventam identidades. Sobre o assunto, Martín-Barbero

(2008) afirma que o debate sobre a “pureza” do indígena, na América Latina, continua

em aberto, alimentado por razões dualistas: uma obcecada pelo “resgate das raízes”

fundado no nacionalismo populista, e outra pelo progressismo iluminista que vê na

natureza indolente e supersticiosa do povo indígena um obstáculo para o

desenvolvimento.

O nome “índio” normalmente sugere que são todos iguais e que suas culturas

não são diferentes, quando justamente cada povo, seja pataxó, majoruna, pankararu,

tenetehára ou xavante, dentre outros, possui culturas diferenciadas e é uma nação

diferente.

As reportagens analisadas primam revestir os indígenas de estereótipos, através

da ideia do bom selvagem, muito presente na literatura romântica do século XIX, e que

se baseia na filosofia de Rousseau de que a princípio todos os homens seriam bons no

estado de natureza. Pressupõe-se: os indígenas estariam nesse estado de pré-cultura, o

que não é verdade, visto que as sociedades indígenas possuem cultura, civilização e são

tão complexas quanto a sociedade nacional envolvente. Como não cabem no sistema do

capital, tenta-se reduzi-los a um espaço e cenário bem próximo aos da carta de

Caminha. É importante, portanto, a necessidade de mudanças na postura das empresas

jornalísticas e seus representantes, no sentido de tratar a cultura indígena como um fato

de interesse da sociedade em geral, uma vez que atinge uma grande quantidade de

pessoas e possui importante papel na formação de opiniões desta camada da sociedade.

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