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Revista Garrafa 23 janeiro-abril 2011
Da Crtica Literria Crtica Cultural: a Crtica Latino-Americana no Sculo XXI
Una literatura nace siempre frente a una realidad histrica y, a menudo, contra esa realidad. La nuestra no es una excepcin a esa regla. Su carcter singular reside em que la realidad contra la que se revolta es una utopia. Nuestra literatura es la respuesta de la realidad real de los americanos a la realidad utpica de Amrica
Octvio Paz
1.Introduo
A Crtica Cultural a protagonista de uma das mais polmicas discusses no
meio acadmico contemporneo. Por um lado, ela celebrada por promover uma
renovao nos estudos literrios ao incorporar s suas anlises conceitos vindos de
outras reas de conhecimento como sociologia, filosofia, psicanlise e antropologia
e contribuir para os estudos transdisciplinares e transculturais. Por outro, acusada de
relegar o esttico a um segundo plano em suas discusses e preocupar-se
demasiadamente com questes que extrapolam o mbito literrio.
A polmica em torno da crtica cultural por si s j traz grandes questes a serem
levantadas, discutir essas mesmas questes a partir do paradigma latino-americano
aumenta ainda mais o grau de dificuldade diante da heterogeneidade cultural que o
termo abrange. De fato, o conceito de Amrica Latina carrega uma srie de
ambiguidades, contradies, multiplicidades que poderiam tornar a proposta desse
ensaio invivel frente a tantos obstculos.
O conceito surge na Europa, no sculo XIX, para se referir Amrica de origem
latina para diferenci-la da Amrica Anglo-Saxnica, no momento em que os
movimentos pela Independncia das metrpoles estouram em todo o continente.
Inicialmente o termo difundido na Amrica Hispnica em virtude da forte presena do
elemento espanhol na regio e tornou-se sinnimo de hispano-americano, ainda que
por princpio comum tambm contemplasse o Brasil. O que ocorreu, porm, ainda que
os intelectuais brasileiros tivessem suas preocupaes com relao aos problemas do
continente assinalados por Jos de Alencar, dentre outros romnticos e posteriormente
pelos modernistas de 1922 materializadas no Manifesto Antropofgico de Oswald de
Andrade e, por sua vez, os intelectuais da Amrica Hispnica como Mart, Alfonso
Reyes, Rod, entre outros, tentassem integrar a Amrica Latina atravs da tradio
literria e cultural, tais iniciativas no foram suficientes para promover um profundo
reconhecimento de pertencimento mtuo e romper com a fronteira imposta pelo Tratado
de Tordesilhas.
Ao longo do sculo XX o termo passa por uma ampliao e abrange no s o
referencial etnolingustico inicial construdo pelos colonizadores para marcar a sua
presena na configurao cultural do continente e atender os seus interesses polticos e
econmicos, mas tambm torna-se uma marca da apropriao do termo feita por
intelectuais como Pedro Henrquez Urea, Angel Rama e Antnio Cndido para
construir um espao de afirmao do discurso de um continente cuja unidade marcada
pela heterogeneidade e diferena. A partir dos anos 60, diversos fatores contriburam
para a aproximao do contexto brasileiro e hispano-americano, tais como a criao de
Ctedras Universitrias, o interesse pelas obras dos autores do boom latino-americano
no Brasil simultneo ao recproco interesse no meio acadmico e intelectual hispano-
americano pela msica, cinema, artes plsticas e literatura brasileira. Alm disso, a
Revoluo Cubana em 1959, as discusses promovidas pela Casa de las Amricas e a
instaurao das ditaduras em todo o continente aprofundaram a conscincia de que,
apesar das diferenas herdadas pelas tradies portuguesas e espanholas o continente
latino-americano compartilha um imaginrio cultural comum, marcado pela excluso
cultural dos subalternos.
Mas o conceito, como demonstra Eduardo Coutinho (2005) apresenta desde
incio um srio problema: o termo latina implica numa
associao direta com a figura do colonizador e a excluso tanto daqueles
que j habitavam as terras colonizadas poca da chegada dos europeus
quanto de todos os que vieram depois, trazidos fora ou movidos por
circunstncias histricas distintas.(p.157)
Nesse sentido, podemos perceber que a apropriao do termo Amrica Latina, a
despeito da marca da cultura dominante que o moldou, torna-se um indicativo poltico
de aproximar e projetar a complexidade de sociedades construdas pela colonizao
europia e que tiveram seus discursos sufocados durante a conquista. So naes irms,
com histria poltica, econmica e cultural parecida. Atualmente, esse conceito inclui a
Guiana Francesa, pases da regio que no necessariamente falam idioma latino como a
Guiana Inglesa, as colnias holandesas do Caribe e comunidades que se situam fora do
espao geogrfico, como o caso das comunidades hispnicas nos Estados Unidos e o
Quebec no Canad, por ser uma regio de cultura e lngua neolatina.
Paralelamente ao desenvolvimento da ideia de uma histria scio-cultural e
econmica comum dos povos da Amrica Latina desenvolvida por alguns intelectuais
do continente, de modo geral os anos 40 e 50 foram dominados pela crtica de rodap.
Uma crtica feita por no-especialistas, bacharis que gozavam de prestgio e escreviam,
como diz Flora Sssekind,
com caractersticas formais bem ntidas: a oscilao entre a crnica e o noticirio puro e simples, o cultivo da eloquncia, j que se tratava de convencer rpido os leitores e antagonistas, e a adaptao s exigncias (entretenimento, redundncia e leitura fcil) e ao ritmo industrial da imprensa -; a uma publicidade, uma difuso bastante grande (o que explica, de um lado, a quantidade de polmicas e, de outro, o fato de alguns crticos se julgarem verdadeiros diretores de conscincia de seu pblico, como costumava dizer lvaro Lins); e, por fim, a um dilogo estreito com o mercado, com o movimento editorial seu contemporneo. (p.15, 1993)
Embora o comentrio de Flora descreva o contexto brasileiro, podemos afirmar
que ele tambm pode ser, em maior ou menor grau, estendido aos demais pases latino-
americanos como demonstra Carlos Monsivis em La crtica literria em Mxico: : La
crtica literria en estos anos es, casi, siempre, bien educada, um tanto lrica, amistosa,
carente de toda pretensin cientfica, y partidria de los libros de que se ocupa(1995,
p.72), por exemplo. Diante deste cenrio e buscando refletir sobre o exerccio da crtica,
comea a se desenhar, a partir dos anos 60, um conflito entre os crticos que estavam
interessados na pesquisa acadmica e na especializao do exerccio da crtica e os
crticos moda antiga, que defendiam uma postura mais judicativa diante do texto
literrio. Ao contrrio do discurso literrio que cada vez mais buscava expressar uma
identidade que exprimisse as suas particularidades, o discurso terico e metodolgico
chegava aqui sem qualquer reflexo crtica ou pretenso de construir um referencial
terico prprio a partir das questes levantadas em nosso prprio contexto, da a
sucesso de teorias que analisam o discurso literrio: New Criticism, Formalismo,
Fenomenologia e Hermenutica, Estruturalismo, Esttica da Recepo. A utilizao
desse instrumental terico conferia ao estudo de literatura o status de cincia e cada vez
mais ele se imps como critrio verdadeiro para tratar o literrio ao longo do tempo.
Sistematicamente, a crtica comea a deslocar-se da imprensa para o espao
universitrio em decorrncia da linguagem demasiadamente hermtica provocada pelo
emprego excessivo de teorias e mtodos de anlise literria.
De um modo geral, podemos dizer que a crtica universitria assumir a partir
desse momento duas posturas distintas no tratamento do texto literrio: de um lado o
resultado da aplicao das mais diversas teorias resultou na investigao das fontes
remotas de um texto em que a analogia entre eles reforava a relao entre credores
e devedores, onde a produo local contraa a dvida e instaurava-se a dependncia
cultural. De outro, uma crtica preocupada com os elementos formais e intrnsecos ao
texto promover anlises sem qualquer referncia aos aspectos histricos ou sociais,
conduzindo a uma concepo do literrio como uma estrutura fechada em si mesma,
desprezando os sujeitos envolvidos no discurso e a eleio do poema como forma ideal
para a aplicao da teoria.
Essa situao s comea a se romper a partir dos anos 80, com as mudanas na
crtica literria como um todo, em virtude da proliferao dos meios de comunicao de
massa como revistas culturais, jornais e televiso. As transformaes nas relaes
polticas, culturais e econmicas entre as naes, alm da transmisso de informaes,
padres estticos e de comportamento que ocorrem de modo cada vez mais rpido e
globalizado, tambm sero fatores relevantes para alterao do quadro anterior. Por fim,
a absoro da literatura pela indstria cultural, e no contexto latino-americano, o
restabelecimento da democracia, sero decisivos para o estabelecimento da crtica
cultural na Amrica Latina no sentido de construir um referencial terico-crtico que
consiga atender s necessidades do discurso que se desenvolve no continente. Como
aponta Beatriz Resende
Retomada a vida democrtica, a cultura e a arte latino-americanas se veem inseridas num universo onde a circulao de informaes, saberes, padres estticos e imperativos de consumo se do de forma global. A literatura, como outras expresses art