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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE
2009
Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE
VOLU
ME I
1
A INCLUSÃO DA LITERATURA AFRICANA E AFRO-BRASILEIRA
NA DISCIPLINA DE LÍNGUA PORTUGUESA
Autora: Rosilene Dias Batista1
Orientadora: Viviane Araújo Alves da Costa Pereira2
Resumo
Este artigo científico é o resultado de um trabalho de pesquisa que visou à construção de um projeto de intervenção voltado à aprendizagem, no intuito de amenizar os entraves e dificuldades em se trabalhar a literatura africana e afro-brasileira nas escolas públicas e particulares, visto que a Lei 10.639/03 estabelece que seja obrigatória a aplicabilidade desta temática, principalmente nas disciplinas de Artes, História e Língua Portuguesa. Tocados pelo desejo de transformar a sociedade a que pertencemos, conscientes de nossos deveres de cidadãos transformadores e mediadores do saber, encontramos na Disciplina de Língua Portuguesa e suas práticas discursivas: oralidade, leitura, escrita e produção de textos, bem como na diversidade dos gêneros textuais, principalmente no universo literário, uma das formas de concretização do conhecimento do universo cultural africano e afro-brasileiro, através do contato com contos e lendas dentro desse horizonte espacial, e assim, ressaltar a sua importância na formação cultural, social e étnico-racial brasileira. Ao aproximar o leitor do universo dos contos e lendas africanas e afro-brasileiras, surgiu a oportunidade de valorização da nossa história, a integração do indivíduo, e subsídios para o rompimento de barreiras que foram criadas pela própria sociedade. Ao conhecer e inteirar-se com histórias e costumes deste povo tão valente, o que era obscuro para muitos educandos tornou-se claro e, desta forma, revigorou-se o respeito pelo povo africano e pelos afrodescendentes. Movidos pelo sonho de transformar nossa sociedade e concretizar o desejo de igualdade de direitos e deveres, bem como a consciência do exercício de nossos valores, de modo que a diversidade cultural, social e étnico-racial seja respeitada, desenvolvemos este projeto, que enfatizou a importância de se conhecer o universo mágico destas narrativas e a sua importância como expressão deste povo, e também a utilidade da literatura como instrumento permeador entre o saber popular e o saber histórico.
Palavras- chave: Inclusão; Literatura africana e afro-brasileira; Leitura; Ética;
Cidadania.
1 Pós-graduada em Língua Portuguesa e Literatura, Graduada em Letras (Língua Portuguesa,
Literaturas Portuguesa e Brasileira, Língua Francesa) pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Jacarezinho - Paraná, atual UENP. Professora da E. E Castro Alves. EF. MUN. Pinhalão NRE Ibaiti (2010). Removida em 2011 para C. E. “29 de abril” EFM. Mun. Guaratuba, NRE Paranaguá.
2 Professora Mestre da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP/Campus Jacarezinho,
na área de Literatura.
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1 INTRODUÇÃO
Em plena contemporaneidade, mesmo com tantos avanços e conquistas,
ainda existem vários sonhos que o ser humano deseja realizar, principalmente
quando se trata de buscar soluções para problemas que atingem a maioria dos
países. Um dos maiores desafios encontrados pelos nossos governantes é a difícil
tarefa de melhorar a educação brasileira, principalmente no Ensino Fundamental,
que é a chave para se decifrar o enigma do fracasso escolar, e das médias pouco
satisfatórias atingidas nas avaliações para se medir o índice de desenvolvimento
educacional.
Ao fazer parte do PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional), turma
2009, surgiu a oportunidade de desenvolver um estudo sobre a leitura, e que
envolvesse como tema o fantástico universo das narrativas africanas e afro-
brasileiras, bem como a concretização da Lei 10.639/03.
Este artigo científico é o resultado desse trabalho de pesquisa que teve
como objetivo principal a construção de um projeto de intervenção da aprendizagem,
no intuito de amenizar os entraves e as dificuldades em se trabalhar a literatura
africana e afro-brasileira nas escolas públicas e particulares, visto que a Lei
10.639/03 estabelece que seja obrigatória a aplicabilidade desta temática,
principalmente nas disciplinas de Artes, História e Língua Portuguesa. Sendo este
assunto de pouco conhecimento por parte dos educadores e por despertar opiniões
diversas entre professores, alunos e comunidade; por ofertar caminhos que possam
contribuir no combate ao racismo e ao preconceito, e ainda por reabrir velhas feridas
na alma e expor um dos maiores problemas enfrentados na educação, por ser a
escola o local de maior manifestação de discriminação explícita ou não, buscamos
estudar a referida Lei e desenvolver materiais de apoio para o trabalho do professor
na implementação da mesma. Fazer valer o que é estabelecido pelas normas é
sempre um ato que exige total dedicação, pois desencadeamos efeitos e
consequências, e devemos estar preparados para enfrentar os frutos colhidos,
sendo estes positivos ou negativos, de maneira que se possa atingir os objetivos
propostos sem a necessidade de ferir sentimentos, mas com a devida segurança em
ultrapassar barreiras, transformar velhos conceitos e renovar concepções.
A literatura é considerada uma das mais belas artes, é através desta que a
3
palavra se manifesta, aflora a criatividade, a magia, a originalidade, a paixão, a
evolução e os costumes histórico-culturais do ser humano, que imbuído de suas
capacidades intelectuais e naturais, vive em busca de conhecer a si mesmo, sua
origem e sua evolução, em uma explosão de sentimentos ocultos ou explícitos, o
que permite a interação entre os povos e épocas, o que torna possível instigar a
sede de conhecer o universo a que pertence.
Trabalhar com a literatura não é tarefa de fácil aceitação, uma vez que
literatura está ligada à leitura, e esta última desperta no indivíduo reações de gosto
ou aversão, e dependendo da receptividade, o desânimo pode tocar o âmago do
educador e o mesmo desistir de incentivar o ato de ler.
A rejeição à leitura é causada por vários fatores, muitas vezes
desconhecidos pelo próprio educador, que no intuito de alcançar os objetivos
propostos, poderá aumentar ainda mais este sentimento no aluno. Cabe ao
professor incentivar o ato da leitura e não impor esta prática como forma de
mensuração. Ler deve ser um ato prazeroso, e o leitor deve perceber que o mundo
literário não é imóvel e que está presente em todos os momentos de nossas vidas
como algo vivo e transformador.
Tocados pelo desejo de transformar a sociedade de que participamos e
conscientes de nossos deveres de cidadãos transformadores e mediadores do
saber, encontramos na Disciplina de Língua Portuguesa e suas práticas discursivas:
oralidade, leitura, escrita e produção de textos, bem como na diversidade dos
gêneros textuais, principalmente no universo literário real ou imaginário, uma das
formas de concretização do conhecimento do universo cultural africano e afro-
brasileiro, através do trabalho com contos e lendas deste horizonte espacial, e
assim, ressaltar a sua importância na formação cultural, social e étnico-racial
brasileira.
Ao aproximar o leitor do universo que aborda a temática das narrativas
africanas, surgiu a oportunidade de valorização da nossa história, a integração do
indivíduo, e subsídios para romper barreiras que foram criadas pela própria
sociedade. Ao conhecer e entrar em contato com histórias e costumes deste povo
tão valente, o que era obscuro para muitos educandos tornou-se claro e, desta
forma, revigorou-se o respeito pelo povo africano e pelos afrodescendentes. Assim,
percebemos que, a partir do momento em que conhecemos o outro, também
conhecemos a nós mesmos.
4
Não nascemos prontos, o conhecimento é adquirido de forma gradativa,
apropriamo-nos do conhecimento de acordo com as experiências vividas, recebidas
e construídas. Baseados nessa construção do conhecimento, desenvolvemos a
pesquisa que nos propiciou material para este artigo.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Movidos pelo sonho de transformar nossa sociedade e concretizar o desejo
de igualdade de direitos e deveres, bem como a consciência do exercício de nossos
valores, de modo que a diversidade cultural, social e étnico-racial seja respeitada,
desenvolvemos este trabalho, que visou ressaltar a importância de se conhecer a
Literatura Africana e Afro-Brasileira, e a magia de seus contos e lendas, como
instrumento permeador entre o saber popular e o saber histórico.
A Lei Federal nº 10.639/03 de 09 de janeiro de 2003 determina que o ensino
da Cultura Africana e Afro-Brasileira seja incluído no currículo das Escolas Públicas
e Particulares em todo território brasileiro. Embora a Lei já exista há 08 (oito) anos,
os materiais ainda são desconhecidos por muitos educadores, o que se torna um
problema para que se faça cumpri-la. Ao realizarmos o projeto, procuramos
colaborar com a aplicabilidade da mesma, e ainda oferecemos subsídios àqueles
que se mostraram preocupados em exercer o que se está exposto nas Diretrizes do
Ensino de Língua Portuguesa e Literatura.
Ao elaborarmos uma prática pedagógica diferenciada, traçamos os objetivos
de elevar a autoestima do aluno negro, recuperar o orgulho de sua negritude,
oportunizamos o reconhecer de sua identidade histórica e a valorização das etnias e
respeito à cultura e diversidade social.
O ensino da Língua Portuguesa tem sido foco para muitos questionamentos,
pois trata-se de uma disciplina que envolve questões raciais, sociais e político-
culturais e ainda, por ter como principal objetivo o trabalho com o discurso como
prática social, abrange os conteúdos básicos de leitura, escrita e oralidade.
5
Com a finalidade de angariar meios para estabelecer caminhos que
oportunizassem a abordagem dos problemas encontrados na prática da leitura e
ainda buscar a concretização deste trabalho, ressaltamos os seguintes problemas
para serem analisados e solucionados no decorrer do projeto:
De que maneira poderíamos tornar possível a abordagem dos contos e
lendas africanas e afro-brasileiras na segunda fase do ensino fundamental?
Que fatores e ações poderiam ser desenvolvidos ao abordarmos as narrativas
que retratam o misticismo e os mitos da África?
Qual o relacionamento dos alunos, principalmente os afrodescendentes, com
os textos literários africanos e os textos de narrativa popular apresentados no
ambiente escolar?
Ao descobrir-se leitor, quais ações poderiam ser desenvolvidas para que o
aluno construa seus conceitos, sua identidade e valorização das culturas e
etnias que contribuíram para a formação da cultura brasileira?
No decorrer do projeto, nos foi possível obter resultados positivos durante a
sua efetivação, bem como a concretização dos objetivos propostos. Dentre estes,
merece destaque o objetivo geral de despertar a consciência dos valores humanos e
o desejo de formar uma sociedade igualitária, ao ressaltar a importância de se
conhecer a literatura africana e afro-brasileira e a influência de suas raízes na
formação da cultura de nosso país, pois se permitiu a aproximação entre o saber
popular e o saber histórico, através das obras literárias de autores africanos e de
contos e lendas narradas de geração a geração.
Entendemos que o conhecimento é múltiplo e evolui rapidamente, sendo
necessário ao indivíduo aprender a conhecer sua própria história, a evolução e as
transformações, de modo a confirmar a teoria de que não conhecemos tudo, é
preciso sempre inovar o conhecimento, interligando o “aprender a fazer” ao
“aprender a conhecer” e, consequentemente, ao “aprender a ser”. Ao concretizarmos
a interligação entre os aprenderes, torna-se possível o viver junto com os outros,
com suas culturas. Desta forma, estabelecemos um processo de conhecimento, que
se inicia quando o indivíduo conhece a si mesmo para em seguida conhecer o seu
próximo. Neste momento inicia-se a interação entre os indivíduos, indivíduos estes
que percebem seus conceitos, sua cultura e seus ideais, respeitam seu espaço e o
espaço do outro.
6
Como nos afirma Demerval Saviani (1999):
[…] o movimento que vai da síncrese (“a visão caótica do todo”) à síntese (“uma rica totalidade de determinações e de relações numerosas”) pela mediação da análise (“as abstrações e determinações mais simples”) constitui uma orientação segura tanto para o processo de descoberta de novos conhecimentos (o método científico) como para o processo de transmissão-assimilação de conhecimentos (o método de ensino). (SAVIANI, 1999, p. 83).
Segundo Saviani (1999), o professor e os alunos deverão buscar o
conhecimento teórico, refletir sobre sua prática no cotidiano, compreender a sua
totalidade social e histórica e aproximação aos fatos, ações e situações específicas
da realidade dos alunos. Assim, poderá se concretizar a aprendizagem, a partir do
conhecimento que já possuía, e transformar o que lhe era abstrato em concreto.
Quando se parte do conhecimento trazido pelo aluno, torna-se mais acessível
estabelecer conceitos, possibilitar a assimilação e consequentemente promover a
aprendizagem.
Ao estabelecermos comparações entre as teorias estudadas, foi possível
observar a existência de um diálogo entre os teóricos Saviani (1999) e Vygotsky
(2001 – sobretudo a Teoria do Pensamento, Linguagem e Desenvolvimento
Intelectual), que relata que o indivíduo constrói seu pensamento pautado na sua
história de vida, na sociedade e comunidade de convívio, isto quer dizer que a
história particular de cada um e a sociedade a que pertence é que determinam a
forma de pensar. Seus conceitos são construídos conforme o ambiente em que vive
e podem ser transformados ao longo do processo da aprendizagem e do
conhecimento, ou seja, o indivíduo se molda de acordo com seu ambiente de
convívio, época de vivência e contexto que se encontra.
Vygotsky (2001) aponta que o aprendizado humano é de natureza social e é
parte de um processo em que a criança desenvolve seu intelecto baseado na
intelectualidade daqueles que a cercam. Só haverá aprendizado se a criança
interagir em seu ambiente de convívio e sua história pessoal. Somos seres em
constante evolução, portanto o aprender é um processo em contínuo
desenvolvimento como um círculo em que o educando pode ir e vir, apropriando-se
do conhecimento e construindo novos conceitos.
É nesse sentido que o educador parte do saber, do conhecimento que o
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educando já possui, para que assim lhe apresente o conteúdo novo. É o que nos
afirma Vygotsky:
Em essência a escola nunca começa no vazio. Toda a aprendizagem com que a criança depara na escola sempre tem uma pré-história. Por exemplo, a criança começa a estudar aritmética na escola. Entretanto, muito antes de ingressar na escola ela já tem certa experiência no que se refere à quantidade: já teve oportunidade de realizar essa ou aquela operação, de dividir, de determinar a grandeza, de somar e diminuir […] a aprendizagem escolar nunca começa no vazio, mas sempre se baseia em determinado estágio de desenvolvimento, percorrido pela criança antes de ingressar na escola. (VYGOTSKY, 2001, p. 476).
O educador deve partir da ação que possibilite ao educando o saber fazer
para o que ainda não se sabe realizar, instigando-o a buscar o conhecimento
científico para se construir a aprendizagem. O professor e o ensino são
fundamentais entre a aprendizagem escolar e o desenvolvimento intelectual do
aluno neste processo. Desta forma, para Vygotsky:
[…] a aprendizagem é um momento interiormente indispensável e universal no processo de desenvolvimento de peculiaridades não naturais mas históricas do homem na criança. Toda a aprendizagem é uma fonte de desenvolvimento que suscita para a vida uma série de processos que, sem ela, absolutamente não poderiam surgir (VYGOTSKY, 2001, p. 484 ).
As teorias de Vygotsky (2001) sobre a aprendizagem relacionam-se às
teorias discorridas por Bakhtin(1997) em se tratando dos gêneros do discurso.
Para Bakhtin (1997), o sujeito é um ser inacabado e existe a partir do diálogo
com o outro. Segundo sua teoria, o indivíduo necessita de um grupo social, de uma
classe social para ascender a uma realidade histórica e a uma produtividade cultural.
O homem se reconhece, interage, compreende de acordo com a realidade que
convive, participando da sociedade, utilizando a língua, seus enunciados concretos e
únicos, na construção do conhecimento. Nesse sentido, o teórico afirma que
“qualquer enunciado considerado isolado, é claro, individual, mas cada esfera de
utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo
isso que denominamos gêneros do discurso” (1997, p. 279).
Na visão bakhtiniana, os enunciados podem estar separados no tempo e no
espaço, porém se confrontados no plano de sentido, revelarão relações dialógicas.
Isto quer dizer que mesmo que o enunciado não seja pertencente ao tempo e
espaço do leitor, porém se o leitor tiver conhecimento do discurso, então se
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estabelecerá o diálogo. O discurso é o resultado da interação oral ou escrita entre
sujeitos, podendo pertencer ou não ao mesmo tempo e espaço. “É a língua em sua
integridade concreta e viva” (BAKHTIN, 1997, p. 181).
Ao ensinar a Língua Portuguesa e Literatura, o professor deve ter
consciência das diferenças e contradições que envolvem a contemporaneidade e ter
em mente o que se quer atingir. Há um horizonte em constante mudança, uma vez
que se trata de uma língua viva, e cabe ao educador buscar meios de viabilizar ao
aluno os caminhos para se seguir esse horizonte.
As Diretrizes Curriculares propostas pela Rede Pública de Educação Básica
do Estado do Paraná buscam caminhos que proporcionem um ensino dinâmico, por
meio de um processo dialógico de interação verbal, social e histórica, a fim de se
promover o conhecimento.
Faraco (2003) menciona que para que haja relações dialógicas, é preciso
que qualquer material linguístico tenha entrado na esfera do discurso transformado
num enunciado e tenha fixado a posição de um sujeito social, que se fará acolher à
palavra do outro, e buscar a ampliação dos horizontes.
Ao se produzir um texto, o autor pode ter uma intenção totalmente diferente
da interpretação ou expectativa do leitor. Ao se entrelaçar os fios, o leitor poderá
descobrir vários significados, independente do que o autor pretendeu. E então,
quando acontece essa interação é que se realiza verdadeiramente o discurso, uma
vez que um livro não é produzido para apenas um leitor, e sim para que se
estabeleça inúmeros diálogos com diferentes tipos de leitor.
De acordo com a concepção bakhtiniana (1997)
Se nós imaginarmos a intenção de uma tal palavra, isto é, sua direcionalidade para o objeto, na forma de um raio de luz, então o jogo vivo e irrepetível de cores e luz nas faces da imagem que ele constrói pode ser explicado como a dispersão espectral da palavra – raio, não no interior do objeto em si […], mas numa atmosfera cheia de palavras alheias, julgamentos de valor e acentos através da qual o raio passa em seu caminho em direção ao objeto; a atmosfera social da palavra, a atmosfera que cerca o objeto, faz as faces da imagem cintilar. (BAKHTIN, 1997, p. 277 apud FARACO, 2003, p. 50).
É nesse sentido que ocorre a interação entre texto e leitores, entre o diálogo
e as concepções de ideais, a partir desta prática é que se dá o processo do
conhecimento, a construção da linguagem, dos conceitos e do saber propriamente
9
dito, como um conjunto de luzes que reproduzem inúmeras cores, cintila entre os
falares, ilumina o outro e reflete no próprio ponto de partida, fazendo-se
compreendida e transmitida.
Pode-se entender que a linguagem é um fenômeno, ela é viva, repleta de luz
e se potencializa principalmente na escola. Portanto, Literatura e Linguagem
caminham juntas, revelam a magia do pensamento humano, suas experiências
verídicas ou não, seus sentimentos e sonhos. Ler, escrever e produzir textos são
partes fundamentais na construção da formação do indivíduo, como um tecido feito
do mais puro fio, o fio do conhecimento. Fio a fio, ponto a ponto, os valores sociais
são entrelaçados, e constituem um amplo caminho na jornada do saber. O que
propicia um labor feito da mais fina expressão da palavra, que irradia beleza e
encanto, seduz, conquista, envereda o leitor em sua amplitude, em seus mistérios.
Bakhtin (1997) deixa registrado que “não há uma palavra que seja a primeira
ou a última e não há limite para o contexto dialógico (ele se estira para um passado
e um futuro ilimitado)”. Como somos participantes do fenômeno da linguagem, é
preciso que percebamos os reflexos causadores da palavra e o que a mesma
poderá ocasionar. Uma vez que ao exercermos a missão de educadores, temos a
incumbência de “viver” o diálogo, refletir nossas teorias e receber novos conceitos, e
assim estabelecer a interação do diálogo, perceber o outro, para que só assim
possamos ser nós mesmos, sem negar a existência de um outro, de modo que se
permita conhecer e respeitar seus valores, seus direitos e responsabilidades. E
assim, entender o passado, o presente e direcionar um novo olhar para o futuro.
Segundo Magda Soares (2002), a entrada da pessoa no mundo da escrita
acontece pelo ato de ler e escrever, porém o aluno precisa saber fazer uso e
envolver-se nas atividades de leitura e escrita. Dá-se então o letramento, portanto, o
professor é interlocutor no encontro leitor e livro. Cabe ao professor ser convicto do
valor da leitura, tendo na mesma uma ferramenta para o aprendizado, para que o
aluno possa inserir-se neste caminho e em suas diversas interpretações.
[…] recentemente passamos a enfrentar esta nova realidade social em que não basta apenas saber ler e escrever, é preciso também saber fazer uso do ler e do escrever, saber responder as exigências de leitura e de escrita que a sociedade faz continuamente. (SOARES, 2002, p. 20)
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A literatura é uma arte, e como tal é envolvente, e o estímulo maior para a
motivação do aluno deve vir do professor, que ofertará caminhos para que o
estudante se aproxime deste universo.
Ao lermos as afirmações de Jouve (2002) sobre o ato da leitura, as teorias
da recepção e os problemas encontrados no trabalho com esta prática, observamos
que há múltiplas formas de se ler um texto, e que a dimensão alcançada pelo texto e
leitor depende da receptividade, do contexto, da época, enfim, de vários fatores
vivenciados no ato da leitura, onde se percebe dois caminhos distintos: a estética da
recepção de Jauss (1970) e a teoria do leitor implícito de Iser (1976). Segundo
Jouve (2002), a estética da recepção parte do princípio de que a obra só sobreviverá
por meio de um público que interage com os acontecimentos e deve ser analisada
pelo impacto sobre a sociedade a que o indivíduo pertence. Já a teoria de Iser
(1976) parte do princípio de que o leitor é implícito, ou seja, a obra atinge o leitor de
modo individual, particular, o texto é que dirige o leitor, o indivíduo reage no plano
que a obra impõe.
Umberto Eco (apud JOUVE, 2002, p.76) diz que “o texto é uma engrenagem
preguiçosa que espera muita colaboração do leitor”. Para que haja interação e
cumplicidade entre autor e leitor, é preciso que o texto forneça condições para poder
confrontá-lo, surpreendê-lo ou simplesmente interessá-lo. O professor deve
estimular a ampliação dos horizontes do texto, lançar mão de estratégias que
permitam ao aluno tornar-se coautor da obra, estabelecendo um diálogo entre autor
e leitor, confrontando a obra com sua história de vida, reconstruindo o texto a partir
das próprias experiências, levando o leitor a questionar e procurar respostas para os
seus próprios questionamentos. A abordagem de Eco, segundo Jouve (2002), está
muito próxima da teoria de Iser, que nos apresenta um leitor cooperante com autor,
na maneira como o texto programa a sua recepção e os caminhos que o leitor deve
percorrer. Tais relatos direcionam a diversas teorias e nos mostra que na abordagem
contemporânea o universo autor e leitor depende do individual de cada ledor e da
doação do mesmo como comparsa da obra lida.
Segundo os estudos linguísticos da atualidade, a linguagem influenciou na
caracterização do texto, pois o diálogo acontecerá de acordo com o conhecimento e
universo de cada leitor. Portanto, o leitor é o elo fundamental no processo da leitura,
ou seja, o mais importante elemento da Estética da Recepção, que tem como
principal objetivo recuperar a experiência de leitura e apresentá-la como base para
11
se pensar o fenômeno literário e a própria história.
O método recepcional “defende a ideia do relativismo histórico e cultural, já
que está ligado a mutabilidade dos objetos bem como da obra literária, dentro do
processo histórico” (FOKKEMA; KUNNE-IBISH, 1977, p. 138 apud AGUIAR;
BORDINI, 1993, p. 81).
A teoria da Estética da Recepção é concebida pelos teóricos alemães da
Escola de Constança. A noção de concretização é derivada dos trabalhos do polonês
Roman Ingarden, década de 30, e do tcheco Félix Vodicka, década de 40. Para
Ingarden, “a obra literária é uma estrutura linguístico-imaginária, em que o ato de
criação ou da leitura atualizam o trabalho artístico do criador em objeto estético do
leitor”. Para Vodicka, a obra “é um signo estético dirigido ao leitor, o que exige a
reconstituição histórica do leitor para se entender sua concretização” (apud AGUIAR;
BORDINI, 1993, p. 82). Por isso, um texto se modificaria segundo a sociedade que a
avaliasse naquele momento. O sentido da obra varia de acordo com o tempo e o
espaço que pertence o leitor.
Hans Robert Jauss (1971) na historiografia literária contemporânea baseada
na Estética da Recepção, “compreende que a qualidade de uma obra literária
depende dos critérios de recepção, do momento e da interpretação do leitor e da
sociedade a qual pertence”.
A Estética da Recepção tem como objetivo ampliar o horizonte de
expectativas de um leitor quando este confronta uma obra que está lendo com sua
memória de leitura. Ao comparar um texto com outros já lidos, o leitor estará em
busca de um significado histórico, aproximando o universo da obra literária ao seu
conhecimento adquirido, havendo assim a ligação entre leitor e texto, o que constitui,
portanto, interação no processo da leitura.
Na consideração deste princípio, buscamos colocar em prática a Estética da
Recepção, por ser um excelente respaldo para o professor trabalhar a leitura em
sala de aula e também pelo fato de ser objeto de estudo de vários pesquisadores do
assunto. Pensar a leitura em sala de aula é valorizar o conhecimento histórico e
social do aluno, aproveitando sua visão de mundo para ampliar os conhecimentos e
interpretação do texto, possibilitando a interação entre leitor e texto. Jouve (2002)
afirma que “a leitura, longe de ser uma recepção passiva, apresenta-se como uma
interação produtiva entre o texto e o leitor”. Sendo assim, um texto estruturalmente
incompleto necessita da colaboração do leitor, que é levado a completar o texto, de
12
acordo com o tempo, o espaço, as ações, a simbologia e a significação da obra.
A leitura interage com o momento vivido pelo leitor, bem como seu
conhecimento, sua formação e a sociedade em que convive. É o que nos afirma
Thérien (1990):
O sentido no contexto de cada leitura é valorizado perante os outros objetos do mundo com os quais o leitor tem uma relação. O sentido fixa-se no plano imaginário de cada um, mas encontra, em virtude do caráter forçosamente coletivo de sua formação, outros imaginários existentes, aquele que divide com os outros membros de seu grupo ou de sua sociedade. (THÉRIEN, 1990, p. 10 apud JOUVE, 2002, p. 22).
Ao interagir com o imaginário do leitor, a recepção passa a ser ativa, adquire
um novo valor na narrativa, insere-se no espaço e tempo vivenciado pelo leitor.
Ao viver um texto, o leitor pode transpor para sua experiência de vida as
situações encontradas na narrativa, e desta forma, imagina como a personagem da
obra lida, agiria em uma situação semelhante, consolidando a passagem do texto
para a realidade.
É a influência, o impacto da leitura na vida do leitor e os conceitos
estabelecidos, pois, de acordo com Jouve (2002), “o que a maioria dos leitores
busca não é apenas uma experiência desestabilizante, mas, ao contrário, uma
confirmação daquilo em que eles acreditam, daquilo que sabem e esperam”.
2.2 RELATO DE EXPERIÊNCIA
Durante o período de realização do GTR (Grupo de Trabalho em Rede) foi
possível estabelecer a troca de experiências, dialogar, refletir e debater com os
participantes sobre as temáticas abordadas nos textos para leitura e reflexão e
também ouvir as opiniões sobre o projeto de intervenção pedagógica. Nas unidades
trabalhadas, percebemos que todos os envolvidos na Educação têm consciência da
importância da leitura para a formação do homem, que é um ser movido pela
realidade, mas também seduzido pelo imaginário e irreal, em uma fantástica junção.
Ler é humanizar-se, e pensar na literatura como ato de humanização é concretizar o
conceito de que esta é uma arte que valoriza, dialoga, conceitua, transforma e
13
reescreve a história do indivíduo.
Segundo as análises realizadas pelos participantes do GTR, o projeto de
intervenção e o material pedagógico apresentado como unidade didática atenderam
as expectativas do aluno/leitor, permeando a interação, a transformação de velhos e
novos conceitos, a fim de direcionar o indivíduo a conhecer e reconhecer a sua
identidade, e a perceber o outro não meramente como alguém de significância
medíocre e sim como um ser extremamente importante, necessário e transformador
da sociedade em que convive.
Ao possibilitarmos o trabalho com os contos e lendas africanas durante a
aplicação do projeto, percebemos que houve uma mudança significativa na maneira
de se pensar a implementação das Leis 10.639/2003 e 11.645/2008, que alteram a
Lei nº 9.394/96 de Diretrizes e Bases, e estabelece a obrigatoriedade da temática
História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena nos currículos escolares. Embora ainda
haja pouco conhecimento por parte dos educadores em relação a este rico universo
literário, muitos buscam se inteirar sobre o assunto através de grupos de estudos e
cursos de capacitação e aperfeiçoamento, e desta forma empenham-se para fazer
valer as referidas leis. Não se trata mais de um assunto desconhecido, porém ainda
é tema de muitos questionamentos, principalmente pelo fato de reabrir “velhas
feridas” e inovar conceitos ultrapassados.
Notamos também, que muitas vezes o próprio aluno recusa assumir sua
identidade e aceita a discriminação como um fato inevitável, reagindo de forma
negativa às atividades propostas. Sobre este fato, estabeleceu-se a concretização
das palavras de Munanga (1999):
A identidade é para os indivíduos a fonte de sentido e experiência onde se faz necessário que a escola busque o conhecimento da história dos afro-brasileiros. Ressaltando ainda que negar qualquer etnia, além de esconder uma parte da história, leva os indivíduos à sua negação. (MUNANGA apud SEED. PR, 2006, p.18 )
Para evitar ser assombrado pela discriminação implícita ou explícita, o aluno
nega sua identidade, evita participar de atividades que coloquem sua imagem à
mostra, recolhe-se ao seu espaço, com medo de sobressair-se aos outros, anula-se
e aceita humildemente os insultos. Essa postura torna-se inaceitável, visto que
grande parte da formação de nosso país se deve à influência e cultura do povo
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africano, que com sua sapiência, costumes e conhecimentos, colaboraram para que
esta terra seja considerada até hoje como a mais bela de todas, rica em cores,
sabores, odores, sons e mistura de tradições.
Ao entrarem em contato com o relato de histórias africanas, houve a
possibilidade do renascimento da contação de histórias, prática que despertou
curiosidade e grande aceitação por parte dos educandos, que muitas vezes foram
privados deste ato, pelo fato da “falta de tempo” dos pais ou responsáveis, que
inocentemente acreditam ser uma prática ultrapassada e sem valor de aprendizado.
Estamos em constante transformação e necessitamos perpetuar nossas
histórias no tempo, levá-las para outras gerações e povos, seja de forma escrita ou
de forma oral.
Como nos afirma Rosário (1989), “ao ler ou ouvir uma narrativa, o indivíduo
estará apto a compreender que os conflitos apresentados podem aproximar-se de
seu próprio universo, levando-o a refletir sobre situações por ele vividas”. Ao
defrontarem o real com o imaginário, os alunos reconheceram muitas experiências
vivenciadas por eles, semelhantes as narrativas lidas e também puderam
estabelecer comparações a outros personagens de narrativas de outros povos e
culturas, principalmente quando falamos dos heróis das narrativas africanas.
Estabeleceu-se ainda a comparação entre os heróis das epopeias gregas, das
histórias em quadrinhos, dos filmes e até mesmo os heróis populares, presentes nas
aventuras do nosso cotidiano.
A pesquisadora Angela Kleiman (2007) enfatiza que a leitura é fundamental
na aprendizagem da criança, principalmente para apropriar-se da escrita. Porém
para que haja essa interação, é necessário que o infante tenha um conhecimento
prévio que possa utilizar frente ao conhecimento que lhe será apresentado. Os
conhecimentos linguísticos, textuais e de mundo são ativados na realização da
leitura, ou da contação de histórias.
Segundo Kleiman ( 2007):
A compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização de conhecimento prévio: o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida. É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto [...]. Pode-se dizer com segurança que sem o conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão. (KLEIMAN, 2007, p.13)
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No momento em que apresentamos as narrativas orais e escritas aos
alunos, notamos grande interesse e vivacidade dos mesmos. A mistura do real e do
imaginário, das criaturas míticas em meio aos seres reais, seduziram os leitores,
teceram-se luzes de encantamento, e no âmago de seus pensamentos, surgiram
dúvidas, incertezas, soluções e surpresas, que amortecidas pelo tempo ressurgiram
como se procurassem alimento para a alma. A partir do contato com a diversidade
de narrativas, principalmente as que abordaram temas como a criação do mundo,
suas crenças, mitos, seus costumes alimentares, sua cultura e principalmente a
relação homem e natureza, houve possibilidade de compreensão e rompimento de
críticas, inverdades e tabus criados em relação ao povo africano.
Ao realizarmos estas práticas, confirmamos que a leitura não é um mero
passar de olhos, e sim um ato que implica ler nas entrelinhas, é uma busca por parte
do leitor, do seu passado, de informações retidas na memória, a fim de que se possa
entender as pistas fornecidas pelo texto e consequentemente ativar os novos
conhecimentos, estabelecendo, portanto, uma relação de cumplicidade entre leitor e
escritor, narrador e ouvinte.
Ao desenvolvermos o estudo teórico, a produção e a implementação do
projeto, não poderíamos abandonar uma prática ligada à leitura, escrita e oralidade,
que é o trabalho com a dramatização. O teatro é uma das formas mais prazerosas
de se trabalhar com a criatividade e a imaginação, além de tornar o ser humano
mais ativo e perceptivo as sensações e emoções.
Segundo Boal (2002):
o teatro ou teatralidade é a capacidade ou propriedade humana que permite que o sujeito observe a si mesmo […]. “O ser humano pode ver-se no ato de ver, de agir, de pensar. Ele pode se sentir sentindo, e se pensar pensando” (BOAL apud THOMAZ, on line).
Encontramos nesta arte mais uma oportunidade de olhar para nossa própria
história e para nós mesmos, entender que o ser humano é surpreendente e que
cada ser é único, com características particulares e múltiplas inteligências. Com esta
prática tivemos a oportunidade de despertar as particularidades de cada indivíduo,
observar seu potencial e colaborar para que viesse à tona toda sua capacidade
criativa, muitas vezes ocultada pela timidez ou receio de ser alvo de críticas
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destrutivas.
Durante a realização das atividades que permitiram a prática da
dramatização possibilitamos que o aluno conhecesse a si mesmo, e desta forma
percebesse o outro. No ensejo, trabalhamos com a valorização do próximo, o
respeito às diversidades, conceitos, culturas, crenças e costumes, e ainda
promovemos a interação e o diálogo, o que colaborou para amenizar preconceitos
incutidos pelo tempo, medos, anseios e barreiras.
Para implementarmos o referido projeto, adotamos procedimentos
metodológicos que favoreceram caminhos para a exploração do método recepcional
e na oportunidade abordamos cinco eixos: leitura, oralidade, escrita, produção
textual e dramatização. Dividimos as práticas em 05 (cinco) momentos:
1. Determinação do Horizonte de Expectativas
Levamos para a sala de aula alguns livros que continham lendas e contos de
diversos autores e épocas, os quais abordaram a temática da criação do mundo.
Houve interesse pela maioria, mas como já tínhamos previsto, os que mais
chamaram atenção foram os que abrangeram as lendas africanas, talvez pelo fato
desta última Copa do Mundo ter sido na África, o que favoreceu nosso trabalho. Foi
possível a interação com as obras literárias, aproximando-as ao universo do aluno.
2. Atendimento ao Horizonte de Expectativas
Realizamos leitura e interpretação oral sobre algumas lendas e contos africanos,
o que tornou possível o envolvimento dos alunos, principalmente durante a leitura
dramatizada dos contos.
Ao relatarmos a história das Bonecas Abayomi (bonecas africanas) e sua
importância cultural e histórica, todos ficaram curiosos e encantados com alguns
modelos levados. Neste momento, não houve discriminação de forma alguma,
principalmente por parte dos meninos, que nesta faixa etária costumam excluir
certas práticas, achando ser “coisa de menina”.
3. Ruptura do Horizonte de Expectativas
Aproveitamos para levar os educandos ao laboratório de informática para que
fizessem pesquisas sobre escritores africanos e suas obras, e também alguns
contos e lendas do povo africano.
Fizemos visitas a bibliotecas de outras escolas e também à biblioteca municipal
com intenção de procurar mais contos e lendas. Esta foi uma atividade muito
agradável, mas foi possível perceber que alguns dos alunos ainda não estavam
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familiarizados com esta prática e mostraram-se receosos em manusear os livros,
talvez pelo fato de que biblioteca seja vista como um local severo, o qual muitos
frequentam para realizar atividades que simbolizam “castigo”, ou ainda pelo fato de
que muitos encarregados de cuidar das bibliotecas não apresentem características
de pessoas agradáveis, amáveis, e passem a ideia de que livros devem ser
deixados no lugar e jamais serem manuseados, a fim de se manter a ordem nas
prateleiras.
Solicitamos que os alunos realizassem pesquisas e entrevistas com familiares,
vizinhos ou conhecidos a fim de saber mais histórias africanas e afro- brasileiras, e
desta forma aproximar o que parecia distante e ainda promover o encontro de
gerações. Muitos alunos trouxeram material coletado e desconheciam o fato de que
seus parentes e conhecidos soubessem histórias deste povo, e que na própria
localidade em que vivem tivesse passagens históricas sobre os escravos e suas
culturas.
4. Questionamento do Horizonte de Expectativas
Solicitamos que os alunos expusessem as pesquisas para os colegas de classe e
tecessem comentários a respeito das histórias lidas e ouvidas. Voluntariamente os
alunos se transformaram em contadores de histórias. E um universo que parecia tão
distante tornou-se próximo e presente em muitas práticas culturais e cotidianas do
nosso viver.
5. Ampliação do Horizonte de Expectativas
Após a leitura, análise e interpretação dos contos, solicitamos que os alunos
escolhessem um conto e o transformassem em texto dramático. Para facilitar,
dividimos a turma em pequenos grupos, que após produzirem os textos, ensaiaram
em alguns encontros e realizaram a dramatização para os demais colegas e para as
outras turmas da escola. A surpresa maior foi que os alunos tímidos também
participaram e conseguiram vencer a barreira construída pela timidez.
Fizemos a confecção das bonecas Abayomi e foi com grande surpresa que vimos
lindas e delicadas obras nascerem, realizamos uma exposição para que os demais
pudessem contemplar.
Para encerrar de maneira grandiosa, apresentamos as peças dramáticas e os
trabalhos de construção de releituras e as bonecas abayomi confeccionadas para a
comunidade em geral, que também foi presenteada com uma linda dança africana
apresentada pelos alunos de uma sétima série, os quais foram dirigidos e ensaiados
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durante as aulas de língua portuguesa.
Durante o desenvolvimento desta proposta, observamos que houve grande
aceitação e participação dos alunos, bem como o desempenho satisfatório nas
atividades realizadas, e ainda, percebemos que este projeto poderá continuar nos
demais anos letivos, e estender-se as demais séries, por ser bastante instigador e
produtivo.
No início das atividades do projeto, muitos alunos demonstraram- se
acanhados, mas no decorrer dos encontros o que lhes parecia distante tornou-se
próximo da realidade de convívio, então se mostraram entusiasmados e curiosos na
realização das atividades. Principalmente nas que envolveram a dramatização,
ilustração e confecção de materiais, pois a criatividade dos educandos foi bastante
explorada e estes se sentiram motivados a participar.
3 CONCLUSÃO
Embora estejamos sempre preocupados em encontrar soluções para
amortização do preconceito racial e cultural, ainda percebemos que se trata de um
assunto delicado, principalmente no setor educacional, local em que a figura
fantasmagórica da discriminação é presença constante. Realizar trabalhos que
envolvam o universo da cultura africana e afro-brasileira ainda desperta
manifestações de rejeição muitas vezes por parte dos próprios educadores, pelo
receio em abordar um tema enigmático para a maioria dos envolvidos na educação,
que, ao buscarem aperfeiçoamento e renovação do conhecimento, deixam em
segundo plano assuntos que não são diretamente relacionados a sua disciplina de
formação. Desta forma muitos se mantêm alheios ao que se prega a Lei 10.639/03,
e abordam o assunto de maneira sorrateira e descomprometida, somente nas datas
comemorativas.
Há muitas teorias que nos direcionam aos caminhos de um ensino eficaz e
sedutor, basta que se pesquise e analise as melhores formas de se aproximar do
educando e instigá-lo ao conhecimento. Não necessitamos seguir apenas um roteiro,
mas é necessário que tracemos metas para serem atingidas, sempre tendo o aluno
como ponto principal e mais importante no processo da aprendizagem.
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Percebemos também que a música, a dança, a poesia, o teatro e o cinema
estão interligados com a literatura, e apresentam grande oportunidade de
envolvimento tanto da criança quanto do jovem, e consequentemente do adulto.
Toda arte tende a transformar pensamentos e opiniões. O que notamos é que educar
também é uma arte, e nesta arte, o artista tem que estar envolvido de corpo, mente
e alma, tendo o outro como objetivo principal. Em busca de aperfeiçoar a arte de
ensinar, não se deve medir esforços, mas aumentar cada vez mais a capacidade de
se doar ao próximo. Só através da conscientização da importância do aluno e
professor no processo ensino-aprendizagem, é que se obterá sucesso na educação
do nosso país.
A conclusão a seguir retoma e responde as questões levantadas na
introdução deste artigo. Na oportunidade de desenvolver o projeto de pesquisa,
ressaltamos alguns questionamentos e os resultados obtidos durante a
implementação permitiram que encontrássemos as seguintes soluções:
De que maneira poderíamos tornar possível a abordagem dos contos e
lendas africanas e afro- brasileiras na segunda fase do ensino fundamental?
Sabemos que somos seres em constantes transformações e que o aprender
é um processo contínuo. Neste processo a criança desenvolve o aprendizado
baseado na intelectualidade daqueles que a cercam, desta forma interage em seu
ambiente de convívio e sua história pessoal. A partir deste momento, o educador
parte deste saber acumulado para só então lhe apresentar o conteúdo novo e partir
de uma ação que possibilite o saber fazer para o que ainda não se sabe realizar, e
assim instigar a busca pelo conhecimento.
Cabe ao professor ter consciência das diferenças e contradições, e ter em
mente o que se quer atingir, para que se possa haver a motivação necessária para
que o aluno se aproxime deste universo, sempre com o cuidado de não ferir
sentimentos e transmitir ideia de obrigatoriedade e imposição nas ações.
O trabalho com a literatura africana e afro-brasileira é de grande importância
para que o aluno entre em contato com a cultura deste povo e perceba que é
possível romper estigmas, quebrar tabus, respeitar os valores e compreender a
nossa própria história.
Que fatores e ações poderiam ser desenvolvidas ao abordarmos as narrativas
que retratam o misticismo e os mitos da África?
Ao trabalhar com narrativas que retrataram o misticismo e os mitos
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africanos, proporcionamos ao educando um maior contato com a cultura e literatura
pertencente ao povo africano, o que permitiu que houvesse aproximação do aluno a
este universo desconhecido e por este motivo, incompreendido por muitos de nós.
O contato com os contos e lendas africanas, desencadeia fatores
esquecidos, ou camuflados pelo tempo e reaviva ações para que se possa refrear a
discriminação, o preconceito racial e social, bem como a negação da identidade
vivida por muitos educadores e educandos.
Ao desenvolver atividades que permitiram o contato com o maravilhoso
universo das narrativas africanas, oportunizamos ao leitor uma entrada nesse
fantástico mundo de magia e riqueza cultural, obtendo a participação ativa dos
alunos e consequentemente uma aprendizagem de qualidade.
Qual o relacionamento dos alunos, principalmente os afrodescendentes, com
os textos literários africanos e os textos de narrativa popular apresentados no
ambiente escolar?
Houve grande participação dos alunos, independente da descendência à
qual pertencem. Todas as atividades realizadas foram satisfatórias e os objetivos
propostos foram alcançados, visto que os educandos mostraram-se motivados e
instigados a conhecer a cultura, a história e o universo deste povo mítico, e foi
possível reconhecer nos mesmos grandes personagens que podem ser classificadas
como heroicas. Muitos dos alunos demonstraram que estavam impregnados de
conceitos errôneos e que com as atividades realizadas puderam transformar seus
conceitos e aceitar a diversidade cultural, e olhar o outro com o devido respeito que
lhe cabe.
Ao descobrir-se leitor, quais ações poderiam ser desenvolvidas para que o
aluno construa seus conceitos, sua identidade e valorização das culturas e
etnias que contribuíram para a formação da cultura brasileira?
Olhar para nossa própria história e para nós mesmos, entender que somos
surpreendentes e únicos, com características particulares e múltiplas inteligências já
nos permite conhecer o outro, superar preconceitos, vencer medos e barreiras,
buscar a exploração do nosso potencial, conhecer e respeitar os valores, e acima de
tudo, exercer a cidadania com consciência e responsabilidade são ações que todo
leitor poderá desenvolver e concretizar.
A Literatura é o melhor caminho para trabalharmos os valores, a história, os
costumes e a cultura dos povos, através dos livros podemos percorrer caminhos
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antes inatingíveis, viajar sem sair do lugar, estar no passado enquanto se vive o
presente, caminhar pelo futuro e idealizar anos e anos à frente de nós mesmos. O
universo das narrativas é amplo e, por mais que queiramos conhecê-lo em sua
totalidade, jamais chegaremos ao final, é um enigma a ser estudado, uma arte com
a qual devemos estar em contato o tempo todo, para que possamos nos sentir
humanos, transformadores de realidades as quais não aceitamos.
O ensino da literatura africana deve ser incentivado, não por ser parte de
uma lei, mas por fazer parte da nossa formação cultural, sendo de grande
importância conhecer e valorizar a história deste povo tão oprimido, e ao mesmo
tempo lutador, forte e decidido. Assim nos será permitido entender nossos
ancestrais, potencializar a beleza e o valor das etnias e a riqueza das diversidades
culturais.
A magia das histórias contadas de geração a geração faz com que
aproximemos o que parecia distante, esquecido no tempo, ao nosso cotidiano e
assim criarmos oportunidades de integração e respeito ao próximo. Não há fórmulas
para vencermos o preconceito, mas há caminhos que nos levam a transformações
de conceitos, e assim refrear situações de discriminação que venham ferir a
liberdade de cada indivíduo.
Promover a aprendizagem é tarefa de todos os educadores, mesmo ao
encontrar dificuldades não nos permitamos fraquejar, é preciso desenvolver
atividades que permeiem o saber, sendo cada vez mais necessário o
comprometimento do educador e a paixão pelo que se faz.
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