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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4 Cadernos PDE VOLUME I

DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · Michele Perrot, em Os excluídos da História analisa as relações das mulheres com o poder, concluindo que na História e no presente a questão

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O PROFESSOR PDE E OS DESAFIOSDA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE

2009

Versão Online ISBN 978-85-8015-054-4Cadernos PDE

VOLU

ME I

Page 2: DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSE 2009 · Michele Perrot, em Os excluídos da História analisa as relações das mulheres com o poder, concluindo que na História e no presente a questão

1 Graduada em História pela FAFIMAM-PR, com Especialização em Supervisão Escolar pela UNIVERSO-RJ. ² Graduada em História pela UNICENTRO-PR, Mestra pela UNESP, de ASSIS-SP.

A INVISIBILIDADE HISTÓRICA E SOCIAL DAS MULHERES QUE

PARTICIPARAM DA RESISTÊNCIA E DA LUTA ARMADA CONTRA O

REGIME MILITAR : UM OLHAR SOBRE A MULHER NA GUERRILHA DO

ARAGUAIA. (1964-1978)

Autora: Ady Maria Souza ¹

Orientadora: Cerize Nascimento Gomes ²

RESUMO

Este artigo aborda a relação das mulheres brasileiras com a política entre 1964 e 1978, com ênfase para a participação feminina na luta armada como alternativa de combate ao Regime Militar instaurado no Brasil a partir de 1964. Este trabalho teve como finalidade fazer uma releitura, analisar, estimular a reflexão, discutir e trazer a tona o debate quanto à desvalorização e a invisibilidade das mulheres como sujeitos históricos. Neste sentido a pesquisa procurou despertar um novo olhar sobre a participação política clandestina vivenciada pelas mulheres na Guerrilha do Araguaia, no processo de resistência e participação ativa na luta armada e no enfrentamento ao Regime Militar, cujos acontecimentos deixaram marcas profundas na história do país. Fundamentada pelas políticas educacionais do Estado do Paraná por meio das Diretrizes Curriculares de História para o Ensino Médio - DCEs, esta experiência embasa-se teoricamente em autores que possibilitam novos caminhos à produção historiográfica brasileira, com o objetivo de conhecer e contar a história de sujeitos que por motivos diversos não puderam assumir e contar suas lutas. Pautado na pesquisa bibliográfica exploratória e qualitativa, por meio de leituras de fontes de autores específicos, textos, artigos, matérias jornalísticas, filmes, documentários e fotografias, tal estudo tem por objetivo a possibilidade de inaugurar um novo olhar para a formação da história do Brasil e das mulheres, juntamente com a promoção de uma nova racionalidade histórica por meio do contato com atores sociais silenciados e espaços alternativos de poder.

PALAVRAS- CHAVE: Regime Militar; Luta Armada; Mulheres; Resistência; Guerrilha do Araguaia.

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ABSTRACT

The present article mentions the relation between Brazilian women and politics from

1964 to 1978, emphasizing the female participation during armed fight as an

alternative to combat Military Regime established in Brazil in 1964. The paper aimed

at analyzing, reflecting and discussing about women‟s depreciation and invisibility as

historical subjects. In this sense the research has tried to awake a new sight over

clandestine politics participation lived by women in Araguaia Guerrilla, in the process

of resistance and active participation during armed fight as well as facing the Military

Regime which has let deep marks in the country‟s History. Based on educational

politics of Parana State, through History curriculum guidelines for „Ensino Médio –

DCEs”, such experience contains theoretical use of authors who make it possible

new ways to Brazilian historical production, aiming at knowing and telling the history

of people involved in such fights and for any other reasons were not able to assume

them. Ruled in qualitative and exploratory bibliographic research, through reading

from specific authors, texts, articles, newspapers texts, films, documentaries and

photography, the study has intention to start a new vision for Brazilian History and

women, together with the promotion of a new historical rationality using contact with

social and silenced actors and alternative spaces of power.

Key words: Military Regime, Armed fight, women, resistance, Araguaia Guerrilla.

1 INTRODUÇÃO

As mulheres não são passivas nem submissas. A miséria, a opressão, a dominação, por reais que sejam, não bastam para contar a sua história. Elas estão presentes aqui e além. Elas são diferentes. Elas se afirmam por outras palavras, outros gestos. No campo, na cidade, na própria fábrica, elas têm outras práticas cotidianas, formas concretas de resistência – à hierarquia, à disciplina – que derrotam a racionalidade do poder, enxertadas sobre seu uso próprio do tempo e do espaço. Elas traçam um caminho que é preciso reencontrar. (Michelle Perrot

Este artigo aborda a relação das mulheres brasileiras com a política entre

1964 e 1978, bem como a participação feminina nos grupos que pegaram em armas

no combate ao Regime Militar instaurado no Brasil a partir de 31 de março de 1964.

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Este trabalho deu-nos a possibilidade de fazer uma releitura, analisar, estimular a

reflexão, discutir e trazer a tona o debate quanto à desvalorização e a invisibilidade

das mulheres como sujeitos históricos no contexto nacional, com um olhar sobre a

participação política clandestina das mulheres na Guerrilha do Araguaia, que levou

um número considerável de jovens mulheres, especialmente estudantes

universitárias a se engajarem no processo de resistência com participação ativa na

luta armada como forma de enfrentamento ao Regime Militar.

Este estudo, conduz à percepção que apesar das intervenções que vem sendo

realizadas na área de história da mulher, muito de sua participação nos mais

diferentes contextos e épocas da História do Brasil, restringe-se aos debates

acadêmicos e não chegam aos livros didáticos ou as salas de aula, nas quais se

percebe ainda sua condição de invisibilidade e anonimato.

No caso da luta contra o Regime Militar, a identidade feminina foi camuflada pelo

sistema ditatorial que chamava de “guerrilheiros” todas as pessoas que combatiam o

sistema. Tal denominação, visivelmente masculina, tinha por função ocultar a

presença feminina na luta contra a política ditatorial.

Considerando-se então que a mulher é uma presença oculta e silenciada na

história desse período, a presente pesquisa, possibilitada por meio do Programa

PDE do governo do Estado do Paraná, deu-nos a oportunidade de levar à

comunidade do Curso de Formação de docentes do Colégio Estadual José de

Anchieta, no qual as mulheres representam a maioria do alunado, a possibilidade de

um grande momento de reflexão e maturidade intelectual, com poder de intervenção

sobre a percepção dos estudantes sobre a História do Brasil nesse período tão

conturbado da história do Brasil.

Todo o trabalho realizado insere-se nas políticas educacionais do Estado do

Paraná, nas Diretrizes Curriculares de História para o Ensino Médio, que apresenta

novas correntes historiográficas e abre espaço para novos caminhos à produção

historiográfica brasileira, com possibilidade de inserção de sujeitos históricos que por

motivos diversos não puderam assumir e contar suas histórias.

Recentemente, diversos historiadores e historiadoras brasileiros, influenciados

por estudiosos como Jacques Le Goff, Fernand Braudel e Geoge Duby, entre outros,

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passaram a trabalhar com a noção de que história não é o resgate dos grandes

feitos e o culto aos grandes heróis, pelas pessoas comuns também é possível

entender o processo de construção da nação brasileira.

Para desenvolvimento desta perspectiva, utilizaram-se fontes de autores

específicos que tratam do tema da pesquisa, bem como narrativas historiográficas,

com ênfase para fragmentos da obra organizada por Mary Del Priori (2002) História

das Mulheres no Brasil, que reflete a presença das mulheres nos mais diferentes

contextos e épocas da história de nosso país; Ana Maria Colling (1997) A

Resistência da Mulher à Ditadura Militar no Brasil, que investiga o papel da mulher

ao longo da ditadura com depoimentos e muitas descobertas; Luiz Maklouf

Carvalho(1998) Mulheres que foram a luta armada, que trata do cotidiano dos

militantes das organizações guerrilheiras com ênfase a experiência das mulheres

que participaram da luta armada contra a ditadura, baseado em fragmentos da vida

privada de pessoas que se entregaram a causa pública. Tais fontes são as principais

referencias para a nossa pesquisa porque estão repletas de entrevistas,

depoimentos e informações reveladoras desse período controvertido de nossa

história.

Dialoga-se ainda com uma das pioneiras do movimento de historiadoras Michelle

Perrot (2007), em Minha História das Mulheres, obra na qual divulga com energia e

seriedade um resumo inteligente da história das mulheres. Lança-se mão de textos

de relevância para este trabalho bem como os de Simone de Beauvoir e de Nísia

Floresta (1810-1885), considerada uma das pioneiras do feminismo no Brasil,

publicou um livro no qual defendia direitos iguais para homens e mulheres e

reivindicava, entre outras coisas, o direito das mulheres exercerem profissões

liberais como a medicina e a advocacia e ocuparem altas patentes no Exército.

O respaldo teórico de Paulo Freire e de outros pensadores contemporâneos

relacionados à história das mulheres e da educação foram fundamentais.

O tema proposto, os autores referenciados e os recursos didáticos escolhidos

tiveram como finalidade, despertar o interesse da comunidade escolar do curso de

Formação de Docentes do Colégio Estadual José de Anchieta, por meio de

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informações sistematizadas, análises críticas e indicações bibliográficas que podem

fortalecer o seu espírito crítico e contribuir para sua prática educativa.

2 MULHERES E RELAÇÕES DE PODER

A produção histórica marcada pela chegada das novas correntes

historiográficas ao Brasil trouxe uma nova fase de grandes contribuições para a

formação de um pensamento histórico pautado em uma nova racionalidade histórica:

a Nova História, a Nova História Cultural e a nova Esquerda Inglesa que se

desenvolveram especialmente na segunda metade do século XX. Tais concepções

marcam a construção de uma nova racionalidade não linear do pensamento

histórico, na valorização do indivíduo, seu cotidiano, suas emoções sua mentalidade

e trajetória de vida que não almejem firmarem-se como verdades absolutas, em

oposição às leituras tradicionais, mas sem eliminar as necessárias contribuições da

antiga racionalidade.

As correntes historiográficas são estruturadas a partir de métodos formulados

do historiador Jorn Rusen (2001), que propõe que a aprendizagem histórica seja

significativa articulada a necessidades dos sujeitos na sua vida cotidiana em sua

prática social articulada ao tempo e aos processos históricos.

Ginzburg (1939) , assim como outros historiadores que defendem as novas

correntes historiográficas apresentam a inclusão de novos atores sociais e outros

espaços de poder, elegendo sujeitos pertencentes às classes populares, em seu

contexto espaço temporal, cujas ações e concepções de mundo passam a ser

valorizadas e introduzidas nas análises historiográficas com recortes que valorizam

sujeitos como indivíduos, famílias, comunidades que sofrem e enfrentam os

condicionamentos do processo histórico mais amplo. Novas formas de consciência

passam a ser incorporadas pelas pesquisas, tais como as ligadas aos costumes, às

tradições populares e as contra hegemonias.

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A partir do momento em que novos e múltiplos sujeitos com seus respectivos

pontos de vista foram introduzidas nas análises historiográficas, bem como o visível

crescimento de estudos históricos sobre a Ditadura Militar no Brasil, questionamos a

invisibilidade histórica e social das mulheres e sua atuação como figura ativa no

cenário político brasileiro durante o Regime Militar no Brasil, período de 1964 a 1978

marcado pela perseguição, pela tortura, pela morte e desaparecidos. A história da

repressão do período militar brasileiro é a história dos homens. As relações de

gênero estão aí excluídas.

Considerando que a mulher é uma presença silenciada na história a nova

fase de estudos traz uma possibilidade de viabilizar a discussão, análise e

investigação de fontes e documentos históricos preconizada pela nova historiografia

buscando identificar as diferentes vozes nelas contidas. A História tem sido parcial,

silenciando ou escondendo sujeitos. A mulher militante, a mulher “subversiva”, ainda

é uma lacuna a ser ocupada pela historiografia brasileira (Colling, 1997 p.10).

Teria então chegado o tempo de falarmos, sem preconceito sobre as mulheres? Teria chegado o tempo de lermos sobre elas sem tantos a priori? Muito se escreveu sobre a dificuldade de se construir a história das mulheres, mascaradas que eram pela fala dos homens e ausentes que estavam do cenário histórico (PRIORI, 1997, p.08).

Michele Perrot, em Os excluídos da História analisa as relações das mulheres

com o poder, concluindo que na História e no presente a questão do poder está no

centro das relações entre homens e mulheres. As mulheres são muitas vezes

excluídas da história sendo vistas apenas como meras coadjuvantes.

Para Foucault o poder atinge todas as relações de uma sociedade de uma

forma esparsa, não fragmentada. O poder moderno é disciplinar. Isso significa que

essa forma de poder é mais sofisticada, e que embora repressiva seja mais

produtiva, mascarando as relações de poder.

A trajetória na busca das fontes mostra que a obra de Ana Maria Colling

analisa documentos do Arquivo Público do Rio Grande do Sul, encontrando-se nos

estudos da autora, a comprovação de que varias mulheres foram presas em Porto

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Alegre durante a repressão. Através de entrevistas vai entendendo-se que a história

das mulheres é uma história oral, recuperável somente pela memória já que a

história oficial é feita pelos homens. Portanto se pode afirmar que essas fontes são

válidas como qualquer outro documento escrito.

Frequentemente as mulheres apagam delas mesmas as marcas que adquiriram dos passos que deram no mundo, como se deixá-las transparecer fosse uma ofensa à ordem. Este apagar das marcas seria uma forma de adesão ao silêncio que a sociedade impõe às mulheres. Por isso, buscou-se fazer surgir o testemunho oral; a história oral é de certo modo, uma revanche das mulheres (PERROT,1988, p.23 ).

Dentro desta perspectiva, cabe uma breve reflexão sobre a relação entre

mulher e política nesse período a partir de experiências de mulheres que

transgrediram o código de gênero da época. O lugar da mulher era o espaço

doméstico, ao homem estava reservado o espaço público o comando da política.

Segundo Ana Colling adentrar o espaço público, político e masculino por excelência

foi o que fizeram estas mulheres ao se engajarem nas diversas organizações

clandestinas existentes no país durante a ditadura militar. A mulher lutando para ser

cidadã não somente como profissional, trabalhadora, mas como participante da

política, espaço que marca a diferença e a exclusão.

Ao alcançar a causa coletiva elas romperam com o seu papel social

estabelecido e principalmente com o seu mundo cotidiano. Normas, tabus e valores

foram quebrados e afetaram de forma incisiva a vida da mulher brasileira neste

período. A clandestinidade, juntamente com o risco da prisão, da tortura e da morte,

levou essas guerrilheiras ao aperfeiçoamento teórico e ao desenvolvimento de

ações práticas que exigiam disciplina, dedicação e, sobretudo paixão.

Apesar da fragilidade de fontes, procurar-se-á centralizar o presente estudo

nas mulheres que aderiram a Guerrilha do Araguaia que se desenvolveu de 1972 a

1975, inspirada na teoria das guerrilhas populares revolucionárias, em especial, ao

caso cubano. Esse ideal reuniu num mesmo local, mulheres de vários estados,

especialmente estudantes universitárias bastante jovens que participaram

ativamente da luta armada contra os militares.

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O jornalista Luiz Maklouf Carvalho em sua obra Mulheres que foram à luta

armada argumenta que é difícil precisar quantas mulheres participaram dos

confrontos armados e/ou estiveram no olho do furacão da guerrilha urbana ou rural.

Através de entrevistas reveladoras o autor identifica cerca de cem mulheres. São

fragmentos da história da vida privada de pessoas que se entregaram a causa

revolucionária e integraram movimentos de resistência. Ele elaborou com ênfase a

experiência das mulheres que participaram desse momento histórico do Brasil.

Os estudos sobre a mulher e suas relações com o poder, especialmente sua

presença na cena política, expressam um momento de maturidade intelectual e a

conquista de novos espaços no universo social. As pesquisas realizadas nessa área

estão se refinando e tornando cada vez mais sofisticado o instrumento teórico e

metodológico existente sobre o tema.

3 IMPLEMENTAÇÃO DIDÁTICO-PEDAGÓGICA E ATIVIDADES PARA A

APLICABILIDADE DA PESQUISA

Deixando de ser caracterizada, essencialmente como “ciência do passado” a

História deixou também de ser considerada detentora de verdades universais e

definitivas. No entanto para escrever a história são necessárias fontes, documentos,

vestígios. Em se tratando da história das mulheres, Michele Perrot, uma das mais

conceituadas historiadoras do assunto, explica que existe uma dificuldade muito

grande, pois sua presença é freqüentemente apagada, seus vestígios desfeitos e

seus arquivos destruídos.

Este artigo é o resultado de uma pesquisa bibliográfica exploratória e

qualitativa realizada por meio de leituras, artigos e matérias jornalísticas,

catalogação de filmes incluindo a busca de fotografias a fim de possibilitar o

reconhecimento da condição feminina durante o Regime Militar no Brasil suas ações

políticas e sociais bem como sua atuação no movimento conhecido como Guerrilha

do Araguaia.

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A periodização escolhida abrange o período de 1964 a 1978, um dos períodos

mais críticos e violentos da História do Brasil, com momento de lutas constantes

entre tropas militares e guerrilheiros principalmente na selva do Araguaia.

Todas as atividades foram desenvolvidas através da produção de uma Unidade

Didática conforme cronograma apresentado pela Secretaria de Estado da Educação

ao Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE). Com a colaboração e apoio

da direção, equipe pedagógica e coordenadora do curso a implementação foi

realizada através de oficinas com a participação de mais duas professoras que

também programaram seus projetos. As turmas foram divididas em três grupos com

cronograma elaborado o que possibilitou a participação de todos.

O público objeto da intervenção pedagógica foram quatro turmas do Curso de

Formação de Docentes do Colégio Estadual José de Anchieta, de Santa Maria do

Oeste. A escolha desse curso para o desenvolvimento da proposta pedagógica não

foi aleatória, visto que as mulheres representam a maioria do alunado e que poderão

reproduzir esse conhecimento na sua prática docente, mudando a forma de

conceber e ensinar a História do Brasil nesse conturbado período. As quatro turmas

contam com 96 participantes, sendo 89 mulheres e 07 homens, numa demonstração

clara de que o magistério ainda continua fazendo parte do universo feminino.

Em continuidade ao trabalho de aplicabilidade da pesquisa, apresenta-se em

seguida uma descrição das atividades realizadas com as turmas durante a

intervenção pedagógica.

4 O REGIME MILITAR NO BRASIL

A partir de algumas considerações sobre o Regime Militar no Brasil instaurado

através do golpe de 31 de março de 1964, apresentaram-se slides com imagens

jornalísticas da Folha de São Paulo sobre a implantação do AI-5, face mais dura do

regime, os chamados “anos de chumbo” foi apresentado aos estudantes, que já

tendo alguns conhecimentos do conteúdo fizeram algumas considerações. Dando

continuidade ao tema proposto foi mostrado uma imagem da Passeata dos Cem Mil,

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no Rio de Janeiro composta por estudantes, trabalhadores, artistas e um grande

número de mulheres em protesto contra a ditadura.

Evidenciou-se que a repressão cresceu e chegou ao ponto máximo em

efervescência política e cultural nas décadas de 1960 e 1970. Em contextualização

global procurou-se esclarecer sobre outros movimentos como o Maio de 68 na

França, marcado por uma série de protestos estudantis contra o sistema

educacional e a sociedade industrial. Foram citadas também as revoltas na Espanha

contra a ditadura de Franco; em Portugal contra a ditadura de Salazar, na Argentina,

Uruguai e Chile, contra as ditaduras do Cone Sul. Abordou-se ainda a questão dos

Estados Unidos que também passava por momentos difíceis com o assassinato de

Martin Luther King e Bob Kennedy, além dos protestos que varreram as ruas contra

a Guerra do Vietnã. Na África do Sul, foram lembrados os estudantes negros que

morreram na luta contra o apartheid.

Os estudantes compreenderam que de alguma forma, todos esses

acontecimentos tinham reflexos profundos sobre a juventude brasileira. Nunca um

ano provocou tantas convulsões no mundo como 1968. “Anos loucos” diziam uns.

Nesse contexto intensificou-se a oposição de muitos jovens ao governo militar tanto

através do ingresso em movimentos de luta armada e adesão à guerrilha por meio

de siglas como a Aliança Libertadora Nacional – ALN e a Vanguarda Popular

Revolucionária – VPR, entre outras. Vários segmentos sociais também passaram a

questionar a ordem estabelecida pelo capitalismo e seus representantes na busca

por maiores direitos civis, sociais e políticos.

Como explicar um efeito tão grande atingindo grande parte do globo terrestre no

sentido de mudança? E as mulheres onde estavam? O que elas têm a dizer da

Ditadura Militar?

Envolvidos com esses questionamentos os alunos foram convidados a assistir

um documentário com uma retrospectiva do período ditatorial com informações e

imagens relevantes de confrontos violentos entre exército e civis ao som de músicas

de protestos. Era perceptível a concentração e a participação de todos. Em seguida

foi aberto espaço para comentários e opiniões. Os mais tímidos e inseguros não se

manifestaram, mas ouviram as colocações dos colegas com atenção.

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Dando continuidade e considerando o desconhecimento dos conteúdos

referentes às mulheres e os silêncios da prática docente optou-se por uma

investigação prévia do conhecimento histórico com a finalidade de identificar o que

os alunos sabiam sobre a temática em estudo por meio de alguns questionamentos:

a) O que você sabe sobre a participação das mulheres nesse período de nossa

história? Conhece alguma mulher que tenha participado da luta contra o

regime militar no Brasil?

b) Gostaria de saber sobre o envolvimento feminino nesse importante momento

histórico de nosso país? Por quê?

c) Nos livros didáticos vemos poucos registros da presença feminina no contexto

histórico brasileiro. A que você atribui essa invisibilidade, esse silêncio sobre

a participação da mulher na historia?

d) Na atualidade você conhece algum movimento social ou político envolvendo

mulheres?

O resultado do diagnóstico não foi surpresa. A grande maioria das turmas,

nas questões que se referem sobre a participação das mulheres na luta contra o

regime militar responderam não ter conhecimento, mas afirmaram que gostariam

muito de saber sobre o assunto. Quanto os poucos registros nos livros didáticos,

destaco as alunas que atribuíram preconceito, e que os homens que escrevem os

livros não acham importante a presença delas no processo histórico. Duas alunas

responderam que as mulheres ainda não são vistas na sociedade.

Sobre a atuação das mulheres nos movimentos da atualidade, foi relevante a

citação de Zilda Arns, pois a tragédia no Haiti era muito recente e seu trabalho na

Pastoral da Criança foi divulgado e enaltecido com sua morte pela mídia. Também

foi bastante mencionada Dilma Roussef que no momento era candidata a presidente

do Brasil e que nas campanhas eleitorais estava sendo atacada como guerrilheira,

fato esse que teve muita repercussão e polêmica.

Esses acontecimentos foram fundamentais como motivação para despertar o

interesse e a participação de todos. A partir desses encaminhamentos teve início as

atividades que permitiram aos estudantes o diálogo, o interesse pela pesquisa, a

liberdade de opinião e o debate

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5 A RUPTURA COM O SILÊNCIO

A mulher brasileira sempre esteve presente como sujeito ativo juntamente

com os homens nos mais diferentes contextos e épocas da história de nosso país.

Mas sua presença não é registrada continuam ausentes e excluídas do cenário

brasileiro.

Segundo Michel Foucault a história fala pouco das mulheres. Elas são

invisíveis como sujeitos históricos. É preciso correr atrás de suas pistas para

descobrir que quando os militares marcharam pelas ruas das principais cidades

brasileiras, proclamando o golpe militar de 1964, as mulheres estavam presentes na

Marcha da Família com Deus pela liberdade e foram fundamentais na instalação do

governo autoritário. Como opositoras ao Regime militar instalado no Brasil em 1964

sua participação foi muito além do que temos conhecimento.

As transformações sociais ocorridas na sociedade brasileira, especialmente a

partir dos anos 60, criaram as condições mais gerais para a efetiva constituição da

mulher como sujeito político. As mulheres haviam mudado. Acredita-se que uma

parcela na mudança deve-se ao movimento feminista que aparece com força nesse

período. Não apenas da conquista de espaços significativos no mercado de trabalho

e na universidade; é um processo marcado pela crescente conscientização e

participação política. Virando o mundo de cabeça para baixo as mulheres romperam

com os padrões estabelecidos, ousaram adentrar o espaço público, político,

masculino por excelência.

Estas mulheres ao se engajarem nas mais diversas organizações

clandestinas existentes no país durante a ditadura militar romperam os limites que

lhes haviam sido impostos tradicionalmente. Contrariando os princípios

conservadores da sociedade do seu tempo, elas se despiram dos preconceitos,

abandonaram a vida burguesa para a qual foram criadas, deixaram as salas de aula

das universidades, pegaram em armas foram para as ruas das grandes cidades ou

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para o meio das selvas, combatendo os canhões e fuzis da repressão com coragem

e determinação. Quebrando barreiras não se curvaram, não se renderam, lutaram

pelos seus ideais, acreditaram na construção de uma nação mais justa e igualitária.

Mas quem eram essas mulheres? O que as levou a adotar a luta armada

como forma de resistência?

O texto acima e os questionamentos feitos aguçaram ainda mais a

curiosidade dos alunos (as) que concentraram seus olhares em uma imagem

apresentada em slide do Manifesto de mulheres brasileiras na década de 1970. A

presença feminina começa a ser realmente o objeto de estudo!

Como nos livros didáticos essas imagens e os registros são raros foi utilizado

um texto, adaptado de vários autores, procurando evidenciar quem eram essas

mulheres que ideologias defendiam e quais os motivos as levavam a resistência

armada. Dalmo Dallari, um dos mais notáveis juristas brasileiros, nos ensina que: a

cidadania expressa um conjunto de direitos que dá a pessoa a possibilidade de

participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Portanto era esta cidadania

que estas mulheres buscavam. Abaixo, um fragmento do texto:

A busca da cidadania, a conquista de uma sociedade justa e igualitária, eram motivos fortes o suficiente para garantir a participação das mulheres na militância. A maioria delas era jovem com pouco mais de vinte anos, nascidas nos últimos anos da Segunda Guerra Mundial ou pouco tempo depois, filhas das ideologias da Guerra Fria. Desabrocharam na década de sessenta, divididas entre a revolução sexual, a liberação feminina e os ideais de esquerda. Valentes, destemidas, bonitas, femininas, elas suscitaram as mais controversas opiniões. Todas muito jovens, universitárias em sua maioria, vindas do movimento estudantil. Despidas das vaidades femininas, elas foram para as ruas, assaltaram bancos, seqüestraram embaixadores, empunharam armas no âmbito de um projeto coletivo que apontava para uma transformação na estrutura de poder. Eram elas as mulheres guerrilheiras. (Adaptado de autores constantes da bibliografia)

Após a leitura, as turmas divididas em grupos analisaram e interpretaram o

texto colocando suas idéias e opiniões que foi compartilhada com os demais grupos.

O resultado obtido foi a compreensão de que o Brasil democrático deve respeito e

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admiração a essas MULHERES , pois segundo pareceres, mesmo que tenham

errado, elas resistiram, gritaram, protestaram e pegaram em armas quando a ordem

era silenciar e ajoelhar-se diante de um regime autoritário feito sem a aprovação do

povo brasileiro. Entendeu-se também que a guerrilha contra a ditadura não

conseguiu o apoio popular, porque o Regime Militar fazia forte propaganda nos

meios de comunicação, retratando os guerrilheiros como terroristas.

6 ELAS FORAM À LUTA

A participação feminina durante a ditadura militar brasileira está situada num

contexto histórico, no qual os jovens estavam rompendo os códigos da época em

questões políticas e relações de gênero. A identidade feminina a partir dessa época

passa por muitas transformações. Na luta armada para derrubar o regime militar,

estavam também em projeto revolucionar os costumes, os valores, as relações

sociais e afetivas que deveriam ser igualitárias. Nesta perspectiva a participação

feminina pode ser tomada como um indicador das rupturas que estavam ocorrendo

nos papéis tradicionais de gênero. A maioria das mulheres militantes era formada

por estudantes e professoras com formação diversa, procedentes das camadas

médias intelectualizadas, com condições para desempenhar um papel mais

destacado nas formulações políticas da época.

Um dos acontecimentos que marcaram o início da luta armada foi a

organização da Ação Libertadora Nacional (ANL) que tem sua história ligada ao

nome de Carlos Marighella, antigo militante comunista. Outros grupos se formaram

em seguida, como o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Vanguarda

Popular Revolucionária (VPR). A luta se concentrou principalmente nas cidades por

isso ficou conhecida como guerrilha urbana. É expressivo o número de mulheres

que atuaram nas ações de guerrilha. Segundo as narrativas historiográficas

pesquisadas bem como relatos e depoimentos da obra Mulheres que foram à luta

armada de Luíz Maklouf Carvalho (1998) e do livro A Resistência da Mulher à

Ditadura Militar no Brasil de Ana Maria Colling (1997).

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Utilizando slides por meio de fotografias e biografia, apresentou-se o perfil de

algumas das mulheres que fizeram parte desta pesquisa. Durante a apresentação

foram citados trechos dos seus principais depoimentos. Entre as guerrilheiras

urbanas destacou-se Vera Silvia Magalhães “a loura dos assaltos”, que com a

também guerrilheira Yeda Salles escreveu num artigo inédito:

(...) Para nós mulheres, a militância era uma faca de dois gumes: era uma forma de afirmação social e era também uma vivência de confusão entre a recusa e a dominação e o reconhecimento das diferenças. Olhar para o nosso passado – nosso, das mulheres que foram até o fim nas experiências, questionamentos, lutas naqueles anos significa ver cicatrizes e uma pesada bagagem: o sentimento de que sobrevivemos a nós mesmas, as nossas mais caras crenças. Cabe, com exatidão aos nossos dias atuais, a estrofe de Drumond: ”Mais as coisas findas, muito mais que lindas, estas ficarão” (Carvalho 1998, p.181).

Vera Silvia morreu aos 59 anos, em 04 de dezembro de 2007 no Rio de

Janeiro. Trazia seqüelas da tortura no corpo e na alma. Iara Iavelberg “A musa da

Esquerda e paixão de Lamarca”, aderiu a guerrilha, mas jamais perdeu a delicadeza

feminina.Sua beleza encantou o capitão Lamarca, líder guerrilheiro mais procurado

pelo regime militar, que lhe escrevia cartas de amor. Alguns trechos das cartas

foram analisados pelos alunos.

Em relação à Dilma Rousseff, mulher de fala pausada, mãos gesticuladoras,

olhar austero, classificada como “Joana D‟Arc da guerrilha”, o trabalho acabou

sendo bastante polêmico em virtude de sua candidatura à presidência do

Brasil.Trabalhou-se com matéria publicada na Revista Veja (Ed.1785), segundo a

qual, nos arquivos militares Dilma teria em 1969, organizado três ações da

esquerda guerrilheira. Em janeiro de 1970 foi presa, permanecendo no cárcere até

1973. Tais fatos estimularam a discussão e com muita atenção as turmas leram e

analisaram a primeira entrevista dada a Revista Época (Ed.614) onde ela

respondeu o seguinte questionamento:

Época - Nos anos 60, a senhora foi guerrilheira e agora fala em democracia

ocidental. Quando a senhora mudou?

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Dilma - Eu tinha 15 ou 16 anos, quando a ditadura começou. Minha geração

experimentou a pior cara da ditadura: o estreitamento e a desesperança de que você

pode modificar o país por meio de processos democráticos. Alguém que acreditava

que seria possível a democracia naquele período era ingênuo, porque a realidade

contrariava quem pensava isso. Esse processo vai levar a minha prisão em 1970. E

veja como é interessante a vida. Quanto pior vai ficando a repressão, mais valor

você vai dando a democracia. Quando você está na cadeia e vê a tortura, morte, o

valor da democracia e do direito de expressão e de discordar começam a ser cada

vez mais um valor intrínseco. Esse mecanismo não é só meu é de minha geração

que saiu das trevas em relação à democracia e passou a lutar por ela (Eumano

Silva, Guilherme Evelin e Helio Gurovitz. Revista Época 22 de fevereiro 2010.

Ed.614).

6 OUTRAS MULHERES ENTRELAÇADAS PELA GUERRILHA

É difícil precisar quantas mulheres foram a luta armada, são muitos

depoimentos e relatos reveladores, histórias singulares de mulheres com as vidas

conectadas e entrelaçadas pela guerrilha. A Comissão de Anistia do Ministério da

Justiça julgou recentemente o pedido de sete mulheres que enfrentaram a ditadura

militar no Brasil. Neste momento os grupos conheceram o perfil dessas mulheres,

um pouquinho da vida e luta de cada uma delas: Ana Wilma Oliveira Moraes,

Beatriz Arruda, Clara Charf – Escritora Coordenadora do livro “Brasileiras

Guerreiras da Paz”, hoje trabalha no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher

(CNDM) e participa da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos. Halue

Yamaguti de Melo, Estrella Dalva Bohadana, Nancy Mangabeira Unger, Maria

do Socorro de Magalhães, Lúcia Murat – hoje cineasta, diretora do filme “Que bom

Te Ver Viva” um sensível documentário sobre mulheres torturadas pela ditadura,

uma mistura de realidade e ficção, o filme retrata dolorosas experiências e o esforço

dessas mulheres para reconstruir suas vidas .Este filme foi exibido aos alunos com a

finalidade de enriquecer as discussões e o debate.

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Durante os anos de ditadura militar no Brasil em momento algum os preceitos

estabelecidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos foram respeitados.

Desenvolvido por Dom Paulo Evaristo Arns o livro Brasil: nunca Mais, gerou uma

importante documentação sobre a história desse período. Foi então apresentado um

trecho extraído desse livro:

O artigo 5º da Declaração dos Direitos Humanos, assinada pelo Brasil diz: “Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. Esse artigo gerou algumas colocações orais e exposição de opiniões sobre as leis de nosso país de modo que a pesquisa revelou quase uma centena de modos diferentes de tortura, mediante agressões físicas, pressão psicológica e utilização de diversos instrumentos aplicados aos presos políticos brasileiros, como o “pau-de-arara”, o “choque elétrico”, o “afogamento”, uso de “produtos químicos”, a “cadeira do dragão”, e outras. (Dom Paulo Evaristo Arns. Brasil nunca mais. Ed. Vozes, 1985).

Durante tal atividade, compreendeu-se que o emprego da tortura a condição

feminina não tinha qualquer relevância. A prisão das mulheres militantes obedecia à

lógica política da repressão, não estabelecendo distinção entre os militantes.

7 RELATOS DE TORTURA

Com os testemunhos descritos no livro Luta, Substantivo feminino, lançado

no ano de 2010 pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) para

relembrar os 46 anos da Ditadura no Brasil, verificou-se que as mulheres rompem o

silêncio, saem do anonimato e se tornam visíveis ao contar às novas gerações os

crimes monstruosos contra a maternidade, contra a mulher, contra a dignidade

feminina, contra a vida. O golpe militar envelheceu mas não morreu na lembrança

daquelas que sofreram na pele os horrores desse período conturbado de nossa

história.

Rose Nogueira - jornalista, presa em 1969, em São Paulo, onde vive hoje.

“Sobe depressa, Miss Brasil”, dizia o torturador enquanto me empurrava e beliscava

minhas nádegas escada acima no Dops. Eu sangrava e não tinha absorvente. Eram

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os 40 dias do parto. Riram mais ainda quando ele veio para cima de mim e abriu

meu vestido. Segurei os seios, o leite escorreu. Eu sabia que estava com um cheiro

de suor, de sangue, de leite azedo. O torturador zombava: “Esse leitinho o nenê não

vai ter mais”.

Izabel Fávero - professora, presa em 1970, em Nova Aurora (PR). Hoje, vive

no Recife, onde é docente universitária: “Eu, meu companheiro e os pais dele fomos

torturados a noite toda ali, um na frente do outro. Era muito choque elétrico, pau de

arara, jogo de empurrar e ameaças de estupro. Eu estava grávida de dois meses, e

eles estavam sabendo. No quinto dia, depois de muito choque, pau de arara,

ameaça de estupro e insultos, eu abortei. Quando melhorei, voltaram a me torturar”.

Hecilda Fontelles Veiga- professora da Universidade Federal do Pará, presa em

1971 no quinto mês de gravidez. “Eu não conseguia ficar em pé nem sentada. As

baratas começaram a me roer. Só pude tirar o sutiã e tapar a boca e os ouvidos.”

Após a apreciação desse conteúdo foram formados pequenos grupos para

algumas atividades reflexivas sobre o que foi apresentado. Enfatizou-se nesse

momento um questionamento atribuído sobre a Lei Maria da Penha. Como grande

parte dos grupos desconhecia a referida Lei realizou-se uma pesquisa com proposta

de que a mesma seria divulgada na Escola com orientações da coordenadora do

curso que acompanhou a implementação.

8 GUERRILHA DO ARAGUAIA

Ao constatar que a região do Araguaia era bastante desconhecida dos alunos,

procurei iniciar o trabalho a partir de um mapa para a sua localização. Não foi difícil

observar que essa região atualmente localizada no Estado do Tocantins, e que

historicamente sempre foi esquecida por todas as esferas governamentais.

Em seguida foi feita a leitura de um texto que descrevia as características

desse lugar que era habitado por homens em busca de terras para cultivo,

garimpeiros atrás de pedras preciosas, caçadores atrás de peles de animais,

famílias inteiras que fugiam da seca nordestina em busca de trabalho nas fazendas.

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Analfabetos e explorados pelos poucos proprietários de terra, grileiros do lugar. Este

texto também ressaltava a chegada dos primeiros comunistas a partir de 1967

vindos do Sul, Sudeste e Maranhão transformando-se em habitantes locais, abrindo

pequenos comércios, prestando pequenos atendimentos médicos de casa em casa,

fazendo partos, transportando pessoas, dando aulas para moradores, fazendo

pequenas reuniões políticas, inseridos na pequena e humilde sociedade local, lugar

ideal para o início de uma revolução.

Ocorrida na década de 1970, a Guerrilha do Araguaia foi organizada pelo

Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que desde meados de 1960 já mantinha

militantes na região. É por volta de dezembro de 1967 que a luta começa a se

organizar. Estima-se que o movimento tinha como objetivo angariar apoio da

população local para, a partir do campo, enfrentar a ditadura, derrubá-la, tomar o

estado e fazer a revolução. O movimento estava intimamente ligado à população

camponesa, pobre e sofrida da região.

No Araguaia encontravam-se jovens de diferentes formações: operários,

camponeses, bancários, enfermeiras, médicos, engenheiros, geólogos e

principalmente estudantes universitários que representavam a vanguarda do povo

brasileiro. Homens e mulheres - que não foram poucas - dispostas a todos os

sacrifícios para defender à liberdade e a justiça social. Certamente a atuação destas

mulheres militantes deixou marcas permanentes na história deste período. Marcas

tão profundas quanto as que elas trazem consigo, em seus corpos e em suas

mentes. Vestígios daquelas que um dia sonharam com uma sociedade diferente e

ousaram pegar em armas e lutar para concretizar tal sonho .

Durante o período em que se dispuseram a abandonar sua vida cotidiana

para enfrentar a opressão do governo, as mulheres militantes sofreram torturas

físicas e morais, pois contrariavam a ordem estabelecida em um modelo social

imposto ao longo dos tempos. A aceitação de sua militância no âmbito familiar

quase nunca ocorria e, quando se dava , era por serem os pais ou parentes também

militantes de oposição.

Essas mulheres enfrentaram não apenas o regime, a perseguição, a tortura,

mas também muito preconceito ao optar pela vida obscura e clandestina. A luta das

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mulheres guerrilheiras foi mais densa do que se imagina. Os inimigos eram muitos e

estavam por toda parte: os militares, os militantes homens, as mulheres não

militantes, a família. Todos tinham um motivo de desconforto em relação às

atividades femininas, por razões políticas ou por motivos morais. Porém os objetivos

sociais eram mais fortes e concretos, adentravam na batalha para derrubar o poder

e estavam dispostas a morrer por esse ideal. Não estavam procurando maiores

salários, menos tempo de serviço para aposentadoria ou liberdade sexual,

buscavam igualdade para todo e qualquer cidadão, independente de sexo, raça ou

condição social.

9 GUERRILHEIRAS DO ARAGUAIA: HISTÓRIAS DE VIDA E MORTE

A pesquisadora Ana Maria Colling, que teve o privilégio de entrevistar

algumas mulheres, mostra que nos depoimentos das militantes sempre esteve

presente a emoção. As palavras foram ditas como que reerguendo ruínas e

construindo a casa novamente, numa esperança de que sua história fosse passada

a limpo. O passado armazenado na memória de cada uma, vira presente, e as

palavras saem fáceis, soltas, falam de sua dor de suas experiências com o orgulho e

a certeza de que cada uma delas fez parte ativamente da história deste país. O fio

do tempo perdido é recuperado e tecido novamente nas falas de lembranças

remotas, mas que o tempo não conseguiu apagar.

Baseado em entrevistas e extensa pesquisa Luiz M. Carvalho em sua obra

Mulheres que foram à luta armada, reúne depoimentos e informações reveladoras

de aventuras e desventuras de centenas de militantes com ênfase a experiências

das mulheres que participaram da luta armada contra a ditadura onde relata fatos da

Guerrilha do Araguaia. A revista Guerrilha do Araguaia, documentos do PCdoB

realizado por vários autores, faz uma avaliação da guerrilha feita por quem dela

participou e tornou-se fonte relevante nesta pesquisa.

Muitos foram os nomes das mulheres que pegaram em armas e tornaram-se

guerrilheiras na região do Araguaia. Falar sobre cada uma delas seria escrever

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páginas e páginas da história, fazendo descobertas fascinantes. Nesta Unidade

Didática procuramos evidenciar através de fotos e uma breve biografia doze

mulheres identificadas nas obras acima mencionadas. São elas: Helenira Resende

de Souza Nazareth,Telma Regina Cordeiro Corrêa, Maria Lluiza Garlippe (Tuca),

Dinalva Oliveira Teixeira (Dina), Lúcia Maria de Souza (Sonia), Maria Lucia Petit da

Silva (Maria), Áurea Elisa Pereira Valadão, Dinaelza Santana Coqueiro (Mariadina),

Maria Célia Correa (Rosa), Jana Maroni Barroso (Cristina), Walquiria Afonso Costa

(Walk), Suely Yumiko Kanayana, (Chica).

Entre tantas histórias de vida desaparecimentos e morte até hoje somente Maria

Lúcia Petit teve seu restos mortais identificado. Em 1991, duas ossadas do Araguaia

chegaram à Universidade Estadual de Campinas, sendo uma delas a de Maria

Lúcia. A identificação só foi possível graças às reportagens publicadas no jornal O

Globo, em 1996, com documentos secretos do Araguaia. Através de exames na

arcada dentária, Maria Lucia pôde finalmente ser enterrada pela mãe em Bauru,

(SP) 24 anos após a sua execução. As outras constam como desaparecidas.

Para fortalecer a presença dessas mulheres como sujeitos históricos, utilizou-sei

um vídeo clipe do Centro de Documentos e Memória – Fundação Maurício Grabóis,

que no Centenário do Dia da Mulher fizeram uma homenagem às doze mulheres

que tombaram no Araguaia e que fizeram parte dessa pesquisa. Esse documento

deu um grande sentido e enriqueceu as atividades dando uma resignificação de

conceitos e de valores concernentes a ação dessas mulheres. O que pode ser

constatado nas falas e nas produções escritas pelo público alvo da intervenção

didático-pedagógica.

10 SOBREVIVENTES: AS GUARDIÃS DA MEMÓRIA

Segundo Luiz Maklouf Carvalho (1998), nem todas as guerrilheiras foram

mortas no Araguaia. Algumas sobreviveram para contar a história como é o caso da

heróica e incansável militante Elza Monnerat e de Criméia Alice de Almeida. De

acordo com relatos nenhuma participou de combates no Araguaia, pois conseguiram

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sair antes da chegada das Forças Armadas na região sendo que uma delas estava

grávida. Ambas foram presas em São Paulo, onde enfrentaram prisão e torturas

diversas.

Entre as outras que sobreviveram e que deixaram de ter contato com o

partido, estão Luzia Reis Ribeiro e Regilena da Silva Carvalho, a Lena guerrilheira

do Destacamento C do Araguaia, que hoje vive em Itajubá (MG). Ao ser entrevistada

Lena contou com detalhes episódios que guarda na memória e que muitas vezes

coloca no papel dos momentos vivenciados na guerrilha. Aventuras, medos,

sofrimentos, coragem e a descrença de lutar por um ideal. Lena é uma personagem

controvertida, pois ao optar por entregar-se ao exército criou um sentimento de

culpa, acusatório, para alguns, traidora do grupo. Mas em seus relatos enaltece a

super organização a estrutura interna da guerrilha e confessa a culpa que por muito

tempo sentiu ao ter fraquejado. Fala também de Jaime Petit, seu grande amor e

companheiro morto em 1973 no Araguaia. Em um dos momentos diz: “A coisa mais

viva da minha vida é a lembrança deles, a lembrança deles é agora. Eu lembro cada

gesto, olhares, como se não tivessem morrido. Foi uma coisa que me marcou para

sempre”. Lena saiu da prisão em dezembro de 1972.

Luzia Reis vive em Salvador, a Baianinha como era conhecida revela que seu

sonho após a prisão era reencontrar seus companheiros. Também como Lena

carrega o sentimento de infidelidade aos ideais do grupo de militantes. Mas é graças

à memória dessas mulheres que é possível recontarem essa história por outro viés.

Como diz Luzia, “fui uma combatente em meu país”. E agora estou aqui vivendo um

momento inédito da nossa história: ter representantes da classe trabalhadora e de

tantas lutas dirigindo o país. Ela referia-se ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A então jornalista Myrian Luiz Alves (2004), pesquisadora da Guerrilha do

Araguaia faz uma homenagem a Luzia dizendo:

Sua foto presa eternizou o olhar de todas as que ali tombaram por dias melhores. A coragem de Dina e suas camaradas, não foi em vão. É uma das experiências mais incríveis ter a honra de conhecê-las, vivas ou eternamente lutadoras em sua morte, companheiras, amigas, sensíveis, inteligentes, cozinhando, fazendo um parto ou empunhando um fuzil. Se hoje o Araguaia não as esquece, nossa obrigação é levá-las para todo o

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Brasil. O Brasil, nossos filhos e netos é que agradecem ( Myrian Luiz Alves, março de 2004 p.3).

No Brasil, há inúmeros exemplos da coragem e da determinação das mães na

libertação dos seus filhos prisioneiros. Em Ibiúna, quando os estudantes que

participavam do Congresso da UNE foram presos e faziam greve de fome,foram

suas mães que organizaram um movimento que obrigou a polícia a libertar os

estudantes. Zuzu Angel foi morta quando procurava seu filho Stuart. Para ela Chico

Buarque fez uma linda canção chamada “Angélica”. Observe-se um fragmento da

canção:

Quem é essa mulher

Que canta sempre o mesmo arranjo?

Só queria agasalhar seu anjo

E deixar seu corpo descansar

Quem é essa mulher...

Como os jovens se identificam com a música foram envolvidos em mais uma

atividade. Distribuída a letra da música, alguns até cantaram. Houve nesse momento

uma grande sensibilidade e até emoção, pois complementando o que a canção dizia

foi assistido um depoimento onde Elke Maravilha fala da busca incessante de Zuzu

pelo filho com algumas cenas marcantes do filme que conta a sua trajetória de luta

contra o poder. Luta essa que teve como resultado sua morte.

Além de canções, as guerrilheiras do Araguaia também foram homenageadas

com versos. Alguns trechos do poema Cordel da Guerrilha, de Nonato da Rocha

foram utilizados como documentos. O discurso desse poema enaltece as mulheres

tão esquecidas pela história.

(...) Menção especial

Merecem as guerrilheiras

Todas eram estudantes,

Professoras e enfermeiras

Lutaram com heroismo

Representando com civismo

As mulheres brasileiras.

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Nome das guerrilheiras

Que lutaram no Araguaia

Aurea, Helenira, Lia e Dina

Maria Lúcia, Mariadina e Valquiria

Sueli, Sonia, Tuca,

Rosa e Cristina

Estes documentos alternativos como canções e poesias abriram a

possibilidade para pesquisa e produção, que foi realizado em pequenos grupos para

apresentação.

11 O FIM DE UM SONHO

Para a finalização das atividades, exibiu-se a imagem dos militares durante a

operação no Araguaia. Após algumas observações e comentários distribuiu-se um

texto com informações sobre os fatos que marcaram o fim da Guerrilha do Araguaia,

o qual continha informações, e dados do desfecho da operação militar. Segue a

reprodução do texto.

“Em abril de 1972, as Forças a Armadas chegaram à região do Araguaia a

procura dos guerrilheiros que viviam misturados à população local, dando início à

primeira operação de combate aos guerrilheiros do Araguaia. Segundo uma versão

a guerrilha ainda não deflagrada teria sido descoberta pelos militares através de

informações passadas por uma militante do PC do B. A violência o terrorismo se

abatem contra as populações do Araguaia. Prisões, torturas, humilhações de

camponeses pobres, destruição de suas lavouras. Apesar de serem infinitamente

mais fracos que o Exercito, os guerrilheiros conseguiram resistir por quase dois anos

de perseguições.

As forças Armadas desencadearam três campanhas militares contra a

guerrilha. Em 1973 a Comissão militar é destruída, as perseguições continuaram, a

estrutura da guerrilha estava desmantelada. Em 1974 com ataques combinados,

força Aérea, fuzileiros navais, fuzileiros de infantaria de selva, infantaria

paraquedista e comandos especiais da polícia Federal e Polícia Militar do Pará,

Goiás e Maranhão o governo combateu-os até o extermínio. Um documento do

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Centro de Informações do Exército revelado pelo Jornal do Brasil a 22 de março de

1992, informa que, no auge da campanha, Exército, Marinha e Aeronáutica

mobilizaram 3.260 homens e 12 aviões, incluindo quatro caças de combate.

Foi a maior e mais importante operação militar do país desde a Segunda

Guerra Mundial. Todo este aparato bélico, provavelmente não foi mobilizado apenas

para exterminar menos de cem guerrilheiros, mas para exterminar o que eles

simbolizavam politicamente para aquelas populações oprimidas do Araguaia. Dos 69

guerrilheiros, 59 foram mortos, além de 17 moradores da região. Parte deles depois

de presos. A perseguição aos guerrilheiros, segundo testemunhos de moradores

locais e sobreviventes, teve requintes de crueldade, como decapitação e

fuzilamento. Em razão disso, muitos corpos nunca foram encontrados. Desde os

anos 1980, os familiares dos guerrilheiros mortos lutam inclusive na justiça para que

o exército libere os documentos que comprovem a morte dos parentes. “O fim da

Guerrilha do Araguaia marca também o fim da luta armada.” (Carvalho, 1998. P.441)

Após a leitura e contextualização foi exibido o filme Araguaia a Conspiração do

Silencio realizado pelo roteirista Ronaldo Duque sobre um dos episódios mais

importantes da História Contemporânea brasileira, para posterior debate.

Para concluir foram elencadas algumas ações criadas pelo governo brasileiro

quanto aos desaparecidos, oportunidade na qual foram colocadas as seguintes

informações:

Em 22 de julho de 2003, o Diário da Justiça publicou a decisão da juíza

Solange Salgado, da 1ª Vara do Distrito Federal, ordenando a quebra de sigilo das

informações militares sobre a Guerrilha do Araguaia, para que fosse informado onde

se encontram sepultados os restos mortais dos desaparecidos, bem como rigorosa

investigação no âmbito das Forças Armadas.

Em 03 de outubro de 2003, o Presidente Lula criou uma comissão

interministerial para localizar os restos mortais dos desaparecidos políticos. Esta

comissão solicitou os documentos, sendo informada de que os mesmos não

existiam. As Forças armadas insistem em manter silencio e pior, sonegar

informações.

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Em abril de 2009, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH),

órgão da Organização dos Estados americanos (OEA), baseados em Washington

D.C., que cuida da observância dos Direitos Humanos nos países pertencentes à

organização, abriu uma ação contra o governo brasileiro por detenção arbitrária,

tortura e desaparecimento de 70 pessoas – entre guerrilheiros, moradores da região

e camponeses ligados à Guerrilha do Araguaia durante a ditadura militar brasileira.

O desfecho desta batalha judicial certamente pode oferecer novos rumos para

a história da resistência à Ditadura Militar no Brasil e fornecer novos elementos de

pesquisa para os interessados em apreender e escrever mais sobre esse período da

história do Brasil.

12 CONSIDERAÇÕES FINAIS

História a continuar. História a se fazer, também.

Michelle Perrot, 2007 p.169

Na proposta inicial deste trabalho, de tornar visível a presença feminina como

sujeito histórico no período de 1964-1978 estava implícito desde a origem o desejo e

a paixão em conhecer através da pesquisa científica um pouco mais sobre a história

das mulheres.

A temática para a qual fui atraída, e que de acordo com diversos estudiosos

vem assumindo uma nova dimensão, envolve mulheres ricas, pobres, escravas,

livres, letradas ou analfabetas, doutoras ou domésticas, que de uma forma ou de

outra, sempre encontraram formas alternativas para participar de todos os

acontecimentos da historia do país.

A invisibilidade e o silêncio que pesam sobre as mulheres nos livros

didáticos intrigaram e ao mesmo tempo instigaram o desenvolvimento deste estudo.

Portanto ter as mulheres como objeto de investigação em um período histórico no

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qual as fontes ainda são veladas e omisso foi um grande desafio que pude enfrentar

graças ao incentivo proporcionado pelo Programa PDE.

Foram muitas leituras prazerosas, outras frustrantes, pois confundem

feminismo com busca de autonomia e não de cidadania. Além disso, em muitos

documentos os preconceitos e discriminações, historicamente construídos,

aparecem em destaque nas concepções de muitos autores.

Merece destaque o apoio e a cumplicidade da professora Cerize Gomes

como orientadora deste projeto, que ofereceu suporte e esperança para que o

mesmo se concretizasse. Outro fator relevante imprescindível e que fortaleceu a

investigação foi o grupo de trabalho em rede (GTR). Através das interações, troca de

experiências com cinco colegas professoras interessadas na temática, o desejo e o

empenho na busca de fontes se intensificaram.

O presente trabalho possibilitou grandes descobertas historiográficas, bem

como a impressão de ter vivenciado uma viagem ao passado. Foi como entrar em

uma máquina do tempo por meio de leituras, filmes, poemas, versos e canções.

Como ter vivido entre 1964 e 1978 ao lado das mulheres que estudadas passaram a

ser conhecidas, concedendo-lhes a certeza de que os historiadores jamais deixarão

que a memória desse tempo e dessas pessoas venha a cair no esquecimento.

Ao longo desse trabalho grandes descobertas historiográficas aconteceram.

Quando se trata de história das mulheres, assim como na França Michelle Perrot foi

pioneira em divulgar a história das mulheres, no Brasil, em 1832 a educadora Nísia

Floresta - considerada uma das pioneiras do feminismo brasileiro - publicou um

livro, no qual defendia direitos iguais para homens e mulheres. A história oficial

ainda não lhe fez justiça. Como educadora confesso, que ao iniciar esta produção

não a conhecia nem de nome quanto mais o seu trabalho! Com isso percebe-se

que, o anonimato e a invisibilidade ainda prevalecem, são muitas Nísias, Zildas,

Dulces, Marias, cujas histórias são desconhecidas.

Também destaco a participação e o envolvimento e a receptividade das

turmas que foram o público alvo da intervenção pedagógica. O resultado foi

significativo, o material produzido correspondeu às nossas expectativas. A

metodologia atingiu os objetivos, tornou os cinco encontros agradáveis e diferentes

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das aulas expositivas, que muitas vezes caem na monotonia e na repetição de

conteúdos.

A pesquisa aplicada gerou possibilidade de um maior entrosamento

professor-aluno. O carinho, o respeito o clima de amizade foi constante. Vale

ressaltar que não presenciamos indisciplina, alguns alunos estavam alheios,

silenciosos no primeiro encontro, mas com o desenvolvimento das atividades, os

textos, a música, os versos, os filmes, os depoimentos, o gelo foi-se quebrando, e a

cada novo encontro o entusiasmo e o interesse foi aumentando.

Ao finalizar a implementação, durante a avaliação das oficinas algumas

pessoas disseram: foram aulas inesquecíveis; gostamos de tudo; as músicas,

vídeos, poesias, os depoimentos, aprendi o outro lado da história; mulheres como

elas não devem ser esquecidas; foram mulheres fortes, guerreiras, eram

trabalhadoras, corajosas valentes; foram maltratadas por querer um Brasil melhor...

entre outros depoimentos.

Percebeu-se então que a intervenção tem a capacidade de fazer surgir um

novo olhar sobre a história, novas concepções ainda que tímidas, poderão ser

incorporadas ao pensamento social ao longo do tempo e que fará a diferença.

Mediante a experiência de pertencimento a uma família matriarcal sempre

presente, este trabalho não poderia findar sem uma menção à minha mãe, Balbina

Almeida de Souza (Nenê), e minha avó Maria das Dores Karpinski, sem as quais

esse trabalho endereçado à história das mulheres certamente não existiria. Tais

lembranças familiares, tão comuns a todas as mulheres, se não podem servir de

referencial teórico certamente foram bastante úteis como fonte de inspiração. A elas,

muito obrigada!

Para concluir, menciono a importância de todos os autores e autoras que

fundamentaram esta pesquisa, e destaco o pensamento de Ana Maria Colling, com

quem aprendi que o valor de um trabalho de pesquisa não se mede somente pela

sua capacidade de responder perguntas formuladas. Tão importante quanto produzir

conclusões é a capacidade de sugerir novas questões.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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às 11h40min