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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO PEDAGÓGICO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO GERLIANE MARTINS COSME DA FORMAÇÃO NO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA DE SÃO MATEUS-ES AO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Vitória 2009

DA FORMAÇÃO NO CURSO DE LICENCIATURA EM …portais4.ufes.br/posgrad/teses/nometese_166_GERLIANE MARTINS COSME.pdf · de sÃo mateus-es ao profissional da educaÇÃo de jovens e

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO PEDAGÓGICO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

GERLIANE MARTINS COSME

DA FORMAÇÃO NO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA

DE SÃO MATEUS-ES AO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO DE

JOVENS E ADULTOS

Vitória 2009

1

GERLIANE MARTINS COSME

DA FORMAÇÃO NO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA DE SÃO

MATEUS-ES AO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Vitória 2009

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro Pedagógico da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagem. Orientadora: Profª. Drª. Lígia Arantes Sad.

2

Aos meus pais, Carlos Eduardo Cosme e Helena Martins Cosme, e aos meus irmãos, Carlos Magno Martins Cosme e Ulisses

Martins Cosme. Minha família, minha sustentação.

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AGRADECIMENTOS A Deus, que me deu vida e força para enfrentar os desafios de cada dia. Aos meus amados pais, pelos ensinamentos, dedicação, compreensão e eterno amor. Fontes de minha persistência. Aos meus irmãos, pelo enorme carinho e constante incentivo para o cumprimento desta etapa. Aos meus amigos, pela compreensão dos momentos de ausência e pelo apoio. À Lígia, minha grande formadora, pela confiança em mim depositada e pela firme orientação. À professora Circe e Vânia, pelo convívio e pelos ensinamentos a mim proporcionados nos diferentes momentos desses dois últimos anos. A Antônio Henrique e Maria da Conceição F. R. Fonseca, pelas valiosas contribuições com este trabalho. Aos meus professores que também me ensinaram a ser professora, de modo particular, aos professores da graduação. Aos professores de matemática da EJA de São Mateus-ES, de modo particular, às professoras Bernadete Piol de Andrade, Natália Costa Carvalho dos Santos e Caroline Barbosa de Souza Pereira. Sem vocês este trabalho não teria sido possível. À Pró-Reitoria de Graduação, à Secretaria do Polo Universitário de São Mateus, ao coordenador do Curso de Matemática da UFES e ao subcoordenador do curso de Matemática do Polo Universitário de São Mateus, às coordenadoras de EJA da Secretaria Municipal de Educação e Superintendência Regional de Educação de São Mateus, pelas relevantes informações disponibilizadas.

MUITO OBRIGADA!

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Ninguém começa a ser educador numa terça-feira, às quatro horas da tarde. Ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma educador, permanentemente, na prática e na reflexão sobre a prática.

Paulo Freire, A educação na cidade, 1991, p. 58.

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RESUMO Este trabalho constitui-se num estudo de caso cujo objetivo geral propõe analisar a integração entre formação inicial e continuada do professor de matemática da EJA, seu engajamento e atuação profissional, sendo este professor egresso do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES. Para tanto definimos três objetivos específicos: i) verificar o contingente de escolas que oferecem educação para jovens e adultos no município de São Mateus-ES, bem como o de alunos atendidos pelas escolas nessa modalidade de ensino; ii) identificar o contingente de egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES que atuam como professores de matemática na Educação de Jovens Adultos (EJA); iii) identificar e analisar percepções externadas de professores de matemática da EJA (egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES) sobre contribuições de sua formação inicial e continuada para sua prática profissional. Os referenciais teóricos em que nossa pesquisa se ancora foram agrupados em três eixos: o primeiro diz respeito à formação de professores, entendida como processo permanente em que a prática profissional é tomada como elemento formativo fundamental. Nesse eixo está Freire (1979, 2001, 2008), Fiorentini (2004) e Fiorentini e Castro (2003); o segundo trata de alguns modos de ver e conceber a Educação de Jovens e Adultos e a Matemática e seu ensino, de modo particular na EJA. Os representantes desse eixo são Fiorentini (1995), Paiva (2004, 2006) e Fonseca (1999, 2002); por último, o terceiro trata de questões ligadas à percepção humana. Tomamos como referência básica Bruner e Goodman (1947), Bruner e Postman (1949) e Bruner (1997). A coleta do material de estudo ocorreu em diferentes momentos: no primeiro, por meio de um questionário estruturado aplicado a diretores de escolas; no segundo, mediante questionário semiestruturado aplicado a todos os professores de matemática da EJA do município de São Mateus. A partir dos dados obtidos por esse questionário, selecionamos três professoras que tomamos como “objeto” de estudo mais aprofundado, com as quais realizamos entrevistas semiestruturadas e observações de algumas aulas. O roteiro das entrevistas buscou explorar as percepções das professoras sobre sua formação inicial e continuada e sua prática docente na EJA. Os resultados mostram que, ao analisarem sua formação inicial, os professores indicam como maior contribuição para a prática docente na EJA a formação na especialidade matemática. Entretanto, apontam uma despreocupação dessa formação inicial no tratamento dado à formação do professor no que tange a questões didático-pedagógicas do processo de ensino e aprendizagem. Despreocupação que se acentua fortemente quando esse processo se acontece na EJA. Além disso, os dados revelam um descaso com a EJA nesse município que, aliado à deficiência da formação inicial sobre esse aspecto, leva os professores a desenvolver seu trabalho quase que totalmente sozinhos, sem ou com muito pouca orientação dos órgãos competentes, ou de cursos de formação continuada. Assim, esses sujeitos vão-se fazendo professores de Matemática da EJA na prática, no trabalho de cada noite com seus alunos, fundamentados em suas experiências como professores da EJA ou do “ensino regular” e em suas experiências como alunos. Palavras-chave: Formação de professores de matemática. Educação de Jovens e Adultos. Prática profissional.

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ABSTRACT

This dissertation is a study of case whose aim proposes to analyze the integration between initial and continuous EJA Mathematics teachers’ education, its engagement and professional acting. This teachers comes from Math graduation in São Mateus – ES. For this is defined three specific objectives: i) verify schools that offer education for young and adult people in São Mateus – ES, as well as students attended by the schools; ii) identify teachers coming from graduation in Math that act as Math teachers on Young and Adult Education; iii) identify and analyze perceptions from EJA’s teachers about contribution of their own initial and continuous studies for their professional practice. The theorical references which research is based on have been grouped in three axis: the first one is about teachers’ training, understood as a permanent process in which professional practice is considered a fundamental ingredient. At this axis, it can be quoted: Freire (1979, 2001, 2008), Fiorentini (2004) e Fiorentini e Castro (2003). The second axis treats some points of view and conception of EJA and Math and its teaching. The representatives of this axis are Fiorentini (1995), Paiva (2004, 2006), Fonseca (1999, 2002). At last, the third axis treats questions connected to human perceptions. It has been taken as referential Bruner e Goodman (1947), Bruner e Postman (1949) e Bruner (1997). The material was collected in different moments: first, by a structured questionnaire took by the principals of schools; in a second moment through a semi-structured questionnaire took by all São Mateus EJA’s Math teachers. From the data get by this questionnaire, it has been selected three teachers which have been taken as “objects” of a deeper study, with which it has been made some interviews and some presentation of their classes. The path of the interviews aimed explore teachers’ perceptions about their initial and continuous education and their teaching practice on EJA. The results show that, by the analysis of their initial education, teachers point their Math specialization as the largest contribution to the teaching practice on EJA. However, they point to a carefree in this initial education on the teacher education treatment, specific on didactics-pedagogical questions of teaching and learning process. Carefree that grows strongly when the process happens on EJA. Besides, data still reveal a negligence to EJA at this town that, with the initial education deficiency, leads teachers to develop their jobs almost by themselves, without or with much little orientation of the competent authorities or continuous education courses. So, these EJA’s Math teachers do their jobs each day with their pupils based on experiences as EJA teachers ou regular teachers and on their experiences as students. Key-words: Mathematics teachers’ education. Young and Adults Education. Professional practice.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Oferta de cursos de Licenciatura em Matemática no Espírito Santo .................... 80 Tabela 2 - Número de alunos formados anualmente pelo curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus................................................................................................... 86 Tabela 3 - Estrutura Curricular do Curso de Matemática da CEUNES aprovada pela Resolução nº 02/91 (CEPE) (continua)................................................................................. 88 Tabela 4 - Quantitativo de escolas de nível fundamental e médio do município de São Mateus – 2007.................................................................................................................................. 92 Tabela 5 - Matrícula da Educação de Jovens e Adultos em São Mateus - 2007 .................... 93 Tabela 6 - Matrícula da Educação de Jovens e Adultos em São Mateus - 2008 .................... 94 Tabela 7 - Quadro organizativo da Educação de Jovens e Adultos na dependência estadual de ensino a partir de 2008 ....................................................................................................... 100

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LISTA DE SIGLAS

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CCV – Comissão Coordenadora do Vestibular

CEAA – Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos

CEB – Câmara da Educação Básica

Cefetes – Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santo

CEPE – Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão

CESAT – Escola Superior de Ensino Anísio Teixeira

CEUNES – Coordenação Universitária Norte do Espírito Santo

CEUNES – Centro Universitário Norte do Espírito Santo

CNE – Conselho Nacional de Educação

CONFINTEA – Conferência Internacional de Educação de Adultos

CP – Conselho Pleno

CREAD – Centro de Educação Aberta e à Distância

Cruzada ABC – Cruzada Ação Básica Cristã

CUn – Conselho Universitário

CUSC – Centro Universitário São Camilo

EAD - Educação Aberta e à Distância

EEEF – Escola Estadual de Ensino Fundamental

EEEFM – Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio

EJA – Educação de Jovens e Adultos

EMEF – Escola Municipal de Ensino Fundamental

FAFIA – Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Alegre

FARESE – Faculdade da Região Serrana

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

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FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização

dos Profissionais da Educação

IMPA – Instituto de Matemática Pura e Aplicada

INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

ISEAT – Instituto Superior de Educação Ateneu

LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

LIED – Laboratório de Informática Educacional

MCP – Movimento de Cultura Popular

MEB – Movimento da Educação Popular

MEC – Ministério da Educação

MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

NEJA – Núcleo de Educação de Jovens e Adultos

PDP – Programa de desenvolvimento Profissional

PNE – Plano Nacional de Educação

POLUN – Pólo Universitário de São Mateus

Proeja – Programa Nacional de Integração da Educação Profissional à Educação Básica na

modalidade de Educação de Jovens e Adultos

PROGRAD – Pró-Reitoria de Graduação

PROJOVEM – Programa Nacional de Inclusão de Jovens

PTPL – Projeto Todos Podem Ler

SEDU – Secretaria Estadual de Educação

SETEC – Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

SIPI – Sociedade informacional e pós-industrial

SRE – Superintendência Regional de Educação

UFES – Universidade Federal do Espírito Santo

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SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 12 2. TRATANDO DA PROBLEMÁTICA DA PESQUISA .................................................... 18 3. ALGUNS ESTUDOS E PESQUISAS ACERCA DA PROBLEMÁTICA DA PESQUISA............................................................................................................................................ 24

3.1 Características e concepções....................................................................................... 24 3.1.1 Educação de Jovens e Adultos ............................................................................. 24 3.1.2 Educação Matemática.......................................................................................... 27

3.2 Formação de professores ............................................................................................ 32 3.2.1 Formação de professores de jovens e adultos ....................................................... 33 3.2.2 Formação de professores de matemática .............................................................. 38

3.3 Aspectos cognitivos do desenvolvimento do adulto: algumas considerações............... 49 4. QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA........................................................................ 60

4.1 Formação do professor ............................................................................................... 60 4.2 Ver e conceber o ensino da matemática e a educação de jovens e adultos no Brasil e suas implicações............................................................................................................... 63 4.3 Sobre a percepção humana ......................................................................................... 70

5. METODOLOGIA ............................................................................................................ 73 5.1 Procedimentos metodológicos da pesquisa e os sujeitos da investigação ..................... 73

6. CONTEXTOS DE FORMAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA ................................ 80 6.1 O Curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES....................................... 80 6.2 A EJA em São Mateus-ES.......................................................................................... 92

7. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS ............................................................... 102 7.1 Aplicação e análise dos questionários ....................................................................... 102 7.2 Apresentação e análise das entrevistas e observações................................................ 121

7.2.1 Professora Bernadete Piol de Andrade ............................................................... 123 7.2.2 Professora Natália Costa Carvalho dos Santos ................................................... 135 7.2.3 Professora Caroline Barbosa de Souza Pereira ................................................... 150

7.3 Análise geral ............................................................................................................ 164 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................... 176 9. REFERÊNCIAS............................................................................................................. 185 ANEXOS........................................................................................................................... 192

ANEXO 1 – Questionário aplicado ao diretor................................................................. 192 ANEXO 2 – Questionário aplicado aos professores........................................................ 193 ANEXO 3 – Roteiro para entrevista com as professoras ................................................. 195 ANEXO 4 – Roteiro para entrevista com o Subcoordenador do Curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus José Antônio da Rocha Pinto. .............................................. 198

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APRESENTAÇÃO

A pesquisa que ora apresentamos está inserida no campo da formação de professores de

matemática de Jovens e Adultos. Com o desenvolver de nossos trabalhos, buscamos

identificar e analisar as contribuições do curso de Licenciatura em Matemática de São

Mateus-ES para o trabalho do professor de matemática na Educação de Jovens e Adultos com

base na percepção deste professor, a saber, egresso do referido curso. Os resultados de nosso

trabalho estão apresentados neste texto em oito capítulos.

No primeiro, fazemos uma introdução, situando a Educação de Jovens e Adultos na legislação

da educação brasileira e atuais iniciativas para esse campo da educação. Além disso, trazemos

também um relato de nossa experiência na educação matemática de jovens e adultos e

motivações para o desenvolvimento deste trabalho; no segundo, tratamos da problemática da

pesquisa, levantando questionamentos referentes aos temas tratados no estudo, entre os quais

a questão central de investigação, e apresentamos os objetivos da pesquisa; no terceiro,

tratamos de algumas reflexões acerca da problemática da investigação baseadas em estudos e

pesquisas relacionados aos principais temas envolvidos: educação de jovens e adultos,

educação matemática e formação de professores; o quarto capítulo contempla o quadro

teórico de referência da pesquisa. Nele trazemos, de modo particular, as contribuições de

alguns autores – Freire (1979, 2001, 2008), Fiorentini (2004), Fiorentini e Castro (2003), Fiorentini

(1995), Paiva (2004, 2006), Fonseca (1999, 2002), Bruner e Goodman (1947), Bruner e Postman

(1949) e Bruner (1997) – que tomamos como referência para nossas reflexões; no quinto,

descrevemos nossa metodologia de pesquisa, evidenciando os procedimentos metodológicos,

caminhos percorridos para o desenvolvimento da pesquisa e uma descrição dos sujeitos nela

envolvidos; no sexto, levando em consideração nosso objetivo geral e os dois primeiros

objetivos específicos de nossa pesquisa, trazemos alguns resultados dos dados coletados em

campo, fazendo uma apresentação dos sujeitos da pesquisa e de seus contextos de formação.

Considerando finalmente nosso terceiro objetivo específico e o objetivo geral, no sétimo

tratamos da descrição e análise dos dados coletados na pesquisa de campo, por meio dos

questionários a que responderam os professores, das entrevistas e observações das aulas das

três professoras selecionadas para o aprofundamento de nossa investigação. Por último, o

oitavo apresenta nossas considerações finais acerca de todo o processo de investigação.

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1. INTRODUÇÃO As transformações que vêm ocorrendo no mundo devido ao avanço econômico e tecnológico

têm atingido o campo do trabalho e exigido cada vez mais qualificação profissional. Para a

realidade brasileira, uma implicação decorrente desse fato é a busca dessa qualificação por

jovens e adultos que, por algum motivo, não tiveram nem a escolaridade básica concluída

(nem mesmo iniciada) em “idade regular”1. Além disso, essa busca é emergencial porque

parte desses jovens e adultos já se encontra inserida no mercado de trabalho, no qual pretende

permanecer e para o qual outra parte pretende entrar. Portanto, é urgente a implementação de

medidas políticas educacionais que garantam o atendimento dessa demanda.

A respeito de políticas educacionais mais gerais que tratam da educação de jovens e adultos

(EJA), temos como referências a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) e

o Plano Nacional de Educação (PNE).

Procedendo a uma leitura das duas últimas leis da educação nacional, LDBEN 5.692/71 e a

LDBEN 9.394/96, percebemos que as questões da Educação de Jovens e Adultos ganham um

destaque maior nesta última. Na LDBEN 9.394/96, a EJA passa a ser considerada com uma

modalidade de ensino (BRASIL, 1996). Segundo o conselheiro Carlos Roberto Jamil Cury,

trata-se “de um modo de existir com característica própria” (BRASIL, 2000, p. 26) para o

qual o perfil do aluno da EJA, suas situações reais de vida e experiências de estar no mundo e

com o mundo devem constituir-se em princípio organizador das propostas pedagógicas de

atendimento. Soma-se a isso a própria mudança conceitual de ensino supletivo, como era

tratado na legislação anterior, para a educação de jovens e adultos. De acordo com Leôncio

José Soares (2002, p. 12) essa mudança

[...] não é apenas uma mera atualização vocabular. Houve um alargamento do conceito ao mudar a expressão de ensino para educação. Enquanto o termo ‘ensino’ se restringe à mera instrução, o termo ‘educação’ é muito mais amplo, compreendendo os diversos processos de formação.

1 Usaremos expressão idade regular entre aspas por ser a utilização desta demasiada problemática, podendo, por exemplo, induzir à ideia de que os alunos da EJA estariam em idade irregular para a conclusão da escolaridade básica.

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Há garantia inclusive para que sejam validados os conhecimentos e habilidades adquiridos

pelos sujeitos da EJA por meios informais, como as experiências de trabalho desses sujeitos,

desde que avaliados por meio de exames.

No PNE, a educação de jovens e adultos é tratada mais detalhadamente, assim como as

demais modalidades compreendidas nos níveis de ensino. Inicialmente, esse plano apresenta

um diagnóstico da situação da EJA no país, traça algumas diretrizes e, por fim, apresenta

objetivos e metas a serem alcançados durante sua vigência. Dentre seus vinte e seis objetivos

e metas destacamos o sétimo e décimo primeiro objetivos que tratam da formação do

profissional para atuar no campo da EJA, uma vez que todo esse movimento de procura e

oferta de educação de jovens e adultos vem exigindo um aumento também na oferta de

professores capacitados para atuar nessa área, atendendo às necessidades daqueles que a

procuram e às exigências dos órgãos responsáveis pela educação no país.

7. Assegurar que os sistemas estaduais de ensino, em regime de colaboração com os demais entes federativos, mantenham programas de formação de educadores de jovens e adultos, capacitados para atuar de acordo com o perfil da clientela, e habilitados para no mínimo, o exercício do magistério nas séries iniciais do ensino fundamental, de forma a atender a demanda de órgãos públicos e privados envolvidos no esforço de erradicação do analfabetismo.**[...] 11. Estimular a concessão de créditos curriculares aos estudantes de educação superior e de cursos de formação de professores em nível médio que participarem de programas de educação de jovens e adultos. (BRASIL, 2001a, p. 20)

Embora o PNE faça referência à formação de professores para atuar na EJA, ela ainda se

limita ao trabalho nas séries iniciais do ensino fundamental. Direcionamentos mais

específicos são dados a esse assunto nas Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de

Professores da Educação Básica, em nível superior (BRASIL, 2001b), e nas próprias

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos (BRASIL, 2000).

Como dito anteriormente, a procura pela educação de jovens e adultos tem-se tornado mais

intensa nos últimos anos, e percebemos que é ainda maior quando está integrada com uma

outra modalidade educacional: a educação profissional. Como uma das ações voltadas a

atender a essa demanda crescente, o governo federal, por meio do Decreto 5.840, de 13 de

julho de 2006, instituiu o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional à

Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – Proeja. Consta, no art. 2º

desse decreto, que as instituições federais de educação profissional deveriam implantar cursos

e programas regulares do Proeja até o ano de 2007, disponibilizando, a partir de 2006, um

mínimo de dez por cento de suas vagas de ingresso e ampliando essa oferta a partir de 2007

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(BRASIL, 2006). Outros exemplos de iniciativas do governo quanto à educação profissional

articulada à educação de jovens e adultos são o Programa Escola de Fábrica e o

PROJOVEM2.

Quanto a programas do governo federal para a educação de jovens e adultos não-integrada à

educação profissional, podemos citar o programa Brasil Alfabetizado, criado em 2003, que

tem por objetivo a universalização da alfabetização de jovens e adultos de quinze anos ou

mais3, e o programa Fazendo Escola, criado em 2001 sob o nome de Programa Recomeço,

cujo objetivo, como exposto por Sônia Maria Rummert e Jaqueline Pereira Ventura (2007, p.

38), era “contribuir para enfrentar o analfabetismo e a baixa escolaridade dos bolsões de

pobreza do país”.

Pelo que pôde ser observado nos últimos anos, as iniciativas do atual governo em relação à

EJA vêm abrangendo as etapas dessa modalidade desde a alfabetização até a educação de

nível médio (integrada à formação profissional). Consideramos isso positivo, porque dá aos

jovens e adultos a oportunidade de prosseguimento dos estudos e de uma formação

profissional. Entretanto, consideramos tais iniciativas ainda insuficientes.

Quanto a programas com vistas à formação de profissionais para atuar no campo da educação

de jovens e adultos, paralelamente à instituição do Programa Nacional de Integração da

Educação Profissional à Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos

citado anteriormente, a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da

Educação (SETEC), em colaboração com os CEFETs e universidades, tem promovido

anualmente cursos de Especialização Proeja (Pós-Graduação lato sensu). Além disso, a

SETEC, em parceria com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –

CAPES –, lançou, por meio do Edital PROEJA-CAPES/SETEC nº 03/2006, o Programa de

Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e Tecnológica em Educação Profissional Integrada à

Educação de Jovens e Adultos, visando à implantação e ao desenvolvimento de núcleos de

pesquisa sobre Proeja e ao fomento à criação de linhas de pesquisa que contemplem essa

2 PROJOVEM – Programa Nacional de Inclusão de Jovens, instituído pela Lei 11.129, de 30 de junho de 2005, e atualmente regido pela Lei 11.692, de 10 de junho de 2008 –, destinado a jovens de 15 anos a 29 anos, tem como objetivo promover a reintegração desses jovens ao processo educacional, bem como sua qualificação profissional e seu desenvolvimento humano. Programa Escola de Fábrica - instituído pela Lei 11.180, de 23 de setembro de 2005, que foi revogada pela Lei 11.692, de 10 de junho de 2008. 3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6093.htm (acesso em 08/09/2008)

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proposta nos programas de pós-graduação stricto sensu existentes no país. Esse programa tem

o objetivo geral de [...] estimular no País a realização de projetos conjuntos de pesquisa utilizando-se de recursos humanos e de infra-estrutura disponíveis em diferentes IES e/ou demais instituições enquadráveis nos termos do Edital, possibilitando a produção de pesquisas científicas e tecnológicas e a formação de recursos humanos pós-graduados em educação profissional integrada à educação de jovens e adultos, contribuindo, assim, para desenvolver e consolidar o pensamento brasileiro na área. (EDITAL PROEJA-CAPES/SETEC Nº 03/2006)

Cabe ressaltar que um dos projetos de pesquisa aprovados pela CAPES que se encontra em

andamento foi o do grupo (do qual fazemos parte) formado por professores/pesquisadores da

Universidade Federal do Espírito Santo – UFES – e do Centro Federal de Educação

Tecnológica do Espírito Santo – Cefetes. Além das pesquisas que vêm sendo desenvolvidas

pelo grupo, ressaltamos, entre as atividades do mesmo, a implantação do curso de

Especialização Proeja (Pós-Graduação lato sensu) no Cefetes, a formação continuada para os

professores que atuam no Proeja-Cefetes (Unidade de Vitória), o I Seminário Proeja do

Espírito Santo realizado em novembro de 2007, o Encontro Estadual Preparatório para a VI

Conferência Internacional de Educação de Adultos realizado em março de 2008 e o II

Seminário Proeja do Espírito Santo realizado em novembro de 2008. Esses encontros

mobilizaram profissionais da EJA de todo o estado do Espírito Santo, abrindo espaço para

discussões sobre a realidade dela no estado, além de apontar alguns direcionamentos futuros.

Em relação à minha inserção nesse contexto, antes desta pesquisa, o primeiro contato que tive

com educação de jovens e adultos foi em 2002. Nesse ano, em minha segunda experiência de

trabalho (a primeira tinha sido no ano anterior com turmas do ensino médio regular), tive a

oportunidade de dar aulas num curso supletivo em uma escola no interior do município de

São Mateus, na localidade onde residia na época. Trabalhei nessa escola como professora de

matemática da Suplência Fase II (denominação dada às quatro etapas semestrais que

correspondiam às séries finais do ensino fundamental).

Embora já estivesse cursando o terceiro período do curso de Licenciatura em Matemática na

época em que iniciei o trabalho na Suplência Fase II, isso não contribuiu muito para amenizar

o impacto que tive ao entrar em contato com essa realidade de trabalho que, até então,

desconhecia. De todas as disciplinas que havia estudado nos períodos anteriores em curso e

daquelas que estava estudando enquanto trabalhava nessa escola, nenhuma delas sequer

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mencionou essa realidade que eu acabara de deparar. Menos ainda trataram dos problemas

que começava a encontrar com o ensino da matemática para esse público específico. Na

verdade, até aquele momento não havíamos visto nada especificamente do trabalho do

professor da educação básica. Então, sozinha, fui construindo solução para os problemas que

começava a enfrentar. O que ajudou um pouco, ao menos na prática de sala de aula, foi o fato

de ter cursado o magistério antes de entrar para o curso superior. No entanto, isso não resolvia

alguns problemas que eram específicos do ensino da matemática e alguns próprios do ensino

da matemática para a educação de jovens e adultos, que, até então, eu não distinguia dos

demais. Eu apresentava a matemática para aqueles jovens e adultos como se estivesse

ensinando a crianças e adolescentes. Ficava preocupada porque o tempo (dois anos) não era

suficiente para poder dar todo aquele conteúdo que traziam os livros de 5ª a 8ª séries do

ensino fundamental (único material didático que usava em minhas aulas e que as guiava). Não

fazia a menor ideia de como poderia ensinar matemática, simultaneamente, àquele

adolescente de 15 anos de idade e àquela senhora de 50 anos que voltava para a escola.

Assim, fiquei por dois anos trabalhando nessa escola com esses sujeitos. Aos poucos, alertada

pelos meus erros anteriores, fui criando os próprios métodos e estratégias para poder

contornar alguns dos problemas que enfrentava, esperando que, em algum momento da

graduação, fosse estudar alguma coisa relacionada àquela realidade que eu e tantos outros

colegas vivenciávamos. Espera em vão, porque terminei o curso de Matemática e nem sequer

ouvi falar de educação de jovens e adultos. Devo confessar também que não procurava

pesquisar o assunto, estava muito preocupada com meu curso, o qual me absorvia bastante

tempo, e o máximo que fazia para dar aquelas aulas era estudar o conteúdo para ensinar aos

alunos.

A oportunidade de conhecer um pouco esse assunto veio quando fui aprovada no mestrado e

aceitei a proposta de minha orientadora de direcionar nossa pesquisa para esse campo da

educação. Vi nessa proposta a oportunidade de responder a algumas daquelas questões que

me incomodavam na época em que trabalhava na suplência e fazia a graduação. Somando-se a

isso, ocorreu a minha entrada no Cefetes, onde voltei a trabalhar com educação de jovens e

adultos, porém agora por um novo prisma, associada à educação profissional – Proeja. Além

de poder trabalhar novamente com esse público, a entrada no Cefetes me proporcionou, junto

com meus estudos no mestrado, uma visão mais ampla da realidade da EJA no Brasil, bem

como a oportunidade de participar do grupo de formação de professores do Proeja, citado

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anteriormente. Nesse grupo apresentávamos e buscávamos respostas para os problemas

enfrentados por esse programa, sem contar as discussões, trocas de experiências e produção

de material didático realizados com o grupo de professores de matemática que trabalhavam

com as turmas do Proeja.

Nesse contexto, percebemos como a realidade da educação de jovens e adultos no Brasil ainda

precisa ser conhecida e estudada. Fundamentos nele, surgiram novos questionamentos, e

nossa pesquisa ganhou direcionamentos.

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2. TRATANDO DA PROBLEMÁTICA DA PESQUISA

Embora a Educação de Jovens e Adultos faça, atualmente, parte das discussões nacionais

sobre educação brasileira e exista uma relevante produção de pesquisas nessa área4 no país, a

produção de pesquisas aqui no estado sobre a Educação de Jovens e Adultos, em especial a

relativa ao campo da Educação Matemática, é muito tímida. Exemplo desse fato pode ser

observado no Programa de Pós-Graduação em Educação da única universidade pública do

estado, a saber, a UFES, criado há trinta anos e com aproximadamente quatrocentas e trinta

dissertações defendidas, mas com apenas treze relacionadas ao tema de Educação de Jovens e

Adultos e dessas apenas duas5 relacionadas à área da Educação Matemática.

Essa constatação ocorreu quando procuramos, no início de nosso trabalho, informações a

respeito da realidade da EJA no Brasil, mais especificamente no município de São Mateus –

ES, onde nossa pesquisa foi desenvolvida. O que encontramos foram informações mais gerais

em nível de estado e de Brasil, mas nada em nível municipal. Em relação ao professor de

matemática que trabalha com EJA naquele município, nada encontramos. Essa ausência de

informações especificamente com relação ao município de São Mateus no que diz respeito à

EJA levou-nos a buscar informações, para que pudéssemos inseri-las em nossa pesquisa.

Como vimos na introdução deste trabalho, a procura pela educação de jovens e adultos vem

exigindo aumento na oferta de professores formados para trabalharem com essa demanda.

Isso exige que sejam desenvolvidos estudos e pesquisas que investiguem o trabalho desses

profissionais e sua formação, para que se tracem, daí em diante, novas diretrizes para a

formação, inicial ou continuada, dos professores que trabalham ou que vão trabalhar com a

EJA. Nesse sentido, o Parecer CEB/CNE 11/2000 afirma que “as funções básicas das

instituições formadoras, em especial das universidades, deverão associar a pesquisa à

4 A respeito de dissertações de mestrado e teses de doutorado, alcançavam o número de 222 no período compreendido entre os anos de 1986 e 1998 de acordo com a pesquisa “O Estado da Arte das Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos no Brasil”, coordenada por Sérgio Haddad. Soma-se a isso a produção de grupos de pesquisa em Educação de Jovens e Adultos dos programas de pós-graduação em educação. 5 SOUZA, Angela Maria Calazans de. Educação Matemática na alfabetização de adultos e adolescentes segundo a proposta de Paulo Freire. 1988. 136f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória. SIQUEIRA FILHO, Moyses Gonçalvez. (Re)criando modos de ver e fazer matemática: as estratégias utilizadas por alunos adultos na resolução de problemas. 1999. 228f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 1999.

19

docência de modo a trazer novos elementos e enriquecer os conhecimentos e o ato educativo”

(BRASIL, 2000, p. 58).

Das considerações trazidas sobre a formação de professores de EJA dos documentos oficiais

antes citados – LDBEN 9.394/96, PNE e Parecer CEB/CNE 11/2000 – decorre este

questionamento: Como está sendo a formação dos profissionais que vão atuar (ou já atuam)

na EJA? Basta pouca vivência ou observação para constatar que essa é uma modalidade de

ensino diferenciada a qual atende um grupo com características bem específicas e que, por

isso, exige um atendimento que leve em consideração (em conteúdos, metodologias, tempos e

espaços) tais especificidades. Estas, por sua vez, exigem do educador da EJA diversas

habilidades, entre as quais podemos destacar a capacidade de trabalhar com sujeitos de

características variadas, especialmente em se tratando de mundo de trabalho.

Como visto anteriormente, o governo federal vem implantando medidas no que se refere à

oferta de educação de jovens e adultos e à formação de profissionais para atuar nessa área.

Além disso, em nível do município de São Mateus-ES, a Secretaria Municipal de Educação e

a Secretaria Estadual de Educação, representada no município pela Superintendência Regional

de Educação, vêm trabalhando para ampliar a oferta dessa modalidade de ensino e a oferta de

formação continuada de professores que atuam na EJA. No entanto, como veremos na seção

6.2 dirigida à contextualização da EJA nesse município, essas propostas ainda são bem

limitadas.

Apesar de termos programas e cursos voltados para a formação de professores para que atuem

na EJA, acreditamos ser necessário que a educação de jovens e adultos seja um assunto

tratado e estudado não somente em cursos de formação continuada (incluindo nesse tipo de

formação os cursos de pós-graduação/especialização), mas também em todos os de formação

inicial – os de licenciatura –, porque a EJA, como as demais modalidades de ensino, é uma

realidade a ser encontrada pelos futuros professores, portanto necessária para ser conhecida,

reconhecida e problematizada nessa formação.

Refletindo nos anos de experiência que tivemos com o ensino da matemática na educação

básica, identificamos, por meio de nossa própria prática e da prática de colegas com os quais

dialogamos durante esse período, como são variadas as dificuldades tanto de ensino quanto de

aprendizagem dessa disciplina. Além disso, variados também são os fatores que interferem

20

para o bom desenvolvimento do processo de ensino e aprendizagem. Esses variam entre

recursos pedagógicos, formação dos professores, realidade sociocultural dos alunos,

deficiência no próprio sistema educacional, entre outros. Por vezes, a culpa do mau

desenvolvimento desse processo recai sobre o professor, porque é ele o principal responsável

pelo ensino. Nesse sentido, podemo-nos perguntar: que dificuldades o professor está

enfrentando em sua prática profissional? Especificamente, na educação matemática de jovens

e adultos, que dificuldades enfrentam os professores? O que eles conhecem dessas

dificuldades e do modo como agir diante delas? Considerando o processo de formação

profissional do professor com base em sua formação inicial, em qual momento ele toma

consciência dessas dificuldades, entendendo como início dessa tomada de consciência como a

identificação delas? Será que essa problemática vem sendo tratada em disciplinas das

licenciaturas, como em Prática de Ensino?

Segundo Álvaro Vieira Pinto, “é no ato do ensino que ele (o professor) se defronta com as

verdadeiras dificuldades, obstáculos reais, concretos que precisa superar” (1982, p. 21). O

grande desafio que se coloca diante disso é como superar esses obstáculos. A respeito de

formação profissional, a fala do autor nos indica uma direção a ser tomada: uma formação

profissional que tenha como focos a vinculação entre teoria e prática e o reconhecimento das

realidades educacionais a serem encontradas pelos futuros professores.

Em 1993, na Semana Nacional de Educação para Todos, Luís Carlos Freitas, falando acerca

dos novos enfoques na formação de professores para a escola básica, chamava a atenção para

a questão da desvinculação entre teoria e prática como um dos problemas enfrentados pelos

cursos de formação de professores em nível superior. Ele ressalta: O problema fundamental parece-nos está relacionado com o fato de a estrutura universitária organizar seus cursos de maneira etapista: primeiro a abordagem teórica, depois a prática. Separam-se elementos indissociáveis como se o conhecimento pudesse primeiro ser adquirido e depois ser praticado. A raiz desse etapismo, está na separação entre formação e trabalho. (FREITAS, 1994, p. 91)

Essa mesma problemática é tratada no Parecer CNE/CP 9/2001b que institui as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível

superior, curso de licenciatura, de graduação plena, quando trata das questões que enfrentar na

formação de professores. Outra questão a ser enfrentada pelos cursos de formação de

professores – explicitada no parecer e específica ao campo da educação à que essa

investigação está direcionada – é a que trata da (des)consideração das especificidades próprias

21

dos níveis e/ou modalidades de ensino em que são atendidos os alunos da educação básica.

Sobre a EJA o documento afirma: No Brasil, um curso de formação de professores não pode deixar de lado a questão da educação de jovens e adultos, que ainda é uma necessidade social expressiva. Inúmeras experiências apontam à necessidade de pensar a especificidade desses alunos e de superar a prática de trabalhar com eles da mesma forma que se trabalha com os alunos do ensino fundamental ou médio regular. Apesar de se tratar das mesmas etapas de escolaridade (ensino fundamental e médio), os jovens e adultos, por estarem em outros estágios de vida, têm experiências, expectativas, condições sociais e psicológicas que os distanciam do mundo infantil e adolescente, o que faz com que os professores que se dedicam a esse trabalho devam ser capazes de desenvolver metodologias apropriadas, conferindo significado aos currículos e às práticas de ensino. A construção de situações didáticas eficazes e significativas requer compreensão desse universo, das causas e dos contextos sociais e institucionais que configuram a situação de aprendizagem dos seus alunos. Os cursos de formação devem oferecer uma ênfase diferencial aos professores que pretendem se dedicar a essa modalidade de ensino, mudando a visão tradicional desse professor de “voluntário” para um profissional com qualificação específica (BRASIL, 2001b, p. 26, grifo nosso).

Ainda que corramos o risco de nos tornarmos repetitivos, devemos enfatizar a importância na

formação dos futuros professores de que a Educação de Jovens e Adultos seja estudada e

problematizada, porque é o professor quem estará inserido na sala de aula e orientará o

processo de ensino e aprendizagem. Ele deverá lidar com a diversidade de demanda de uma

turma de EJA, com alunos de idades e ocupações profissionais variadas os quais estiveram

fora da escola por anos, construíram conhecimentos na prática que não devem ser

desconsiderados e precisam de novos conhecimentos úteis para seu mundo de trabalho. Em

contrapartida, ele também atenderá jovens que estavam afastados havia pouco tempo da

escola e que podem não estar inseridos no mercado de trabalho. Sem contar nos casos de

jovens que olham esse “novo voltar” para a escola apenas como uma possibilidade de

inserção no ensino superior. Diante disso, outro desafio é posto ao professor e, por

conseguinte, à formação de professores: a busca de metodologia(s) de ensino adequada(s)

para atender a essa demanda diversificada. A esse respeito, o PNE, quando trata das medidas

a serem tomadas com relação à EJA, estabelece: “[...] É necessária, ainda, a produção de

materiais didáticos e técnicas pedagógicas apropriadas, além da especialização do corpo

docente” (BRASIL, 2001a, p. 50).

Embora haja muito que fazer não só em termos práticos quanto à formação de professores

para atuar na EJA, mas também em termos de políticas educacionais de modo geral para essa

modalidade de ensino, devemos considerar os importantes avanços no campo, principalmente

quanto a documentos oficiais da educação.

22

As considerações trazidas nesses documentos ajudam a reforçar nossos questionamentos

anteriores: esses assuntos relacionados à EJA vêm sendo tratados em disciplinas das

licenciaturas? Será que as instituições responsáveis por essa formação – neste caso, as

universidades – estão atentas e atendem, em seus cursos de licenciatura, às exigências da

legislação educacional brasileira a esse respeito6? Que orientações têm os alunos nas

licenciaturas em Matemática que possam contemplar reflexões para tornar o futuro professor

consciente da realidade da EJA?

Assim, diante do exposto acerca dos problemas, dificuldades e questionamentos que

enfrentam professores e pesquisadores de matemática em relação ao ensino na EJA, temos

como pergunta diretiva deste trabalho: que contribuições os professores de matemática,

egressos do curso em licenciatura de São Mateus-ES, consideram provenientes de sua

formação inicial para os enfrentamentos que vivenciam no ensino da matemática na EJA?

Assim, este trabalho tem como objetivo geral analisar a integração entre formação inicial e

continuada do professor de matemática, seu engajamento e atuação profissional na EJA. Seus

objetivos específicos são:

Verificar o contingente de escolas que oferecem educação para jovens e adultos no

município São Mateus-ES bem como o de alunos atendidos pelas escolas nessa

modalidade de ensino;

Identificar7 o contingente de egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São

Mateus-ES que atuam como professores de matemática na Educação de Jovens

Adultos;

Identificar8 e analisar percepções externadas de professores de matemática da EJA

(egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES) sobre

contribuições de sua formação inicial e continuada para sua prática profissional.

Apesar de a ideia inicial de nosso trabalho estar centrada, amplamente, na formação de

professores do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES, as delimitações

6 LDBEN 9.394/96, PNE, Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores da Educação Básica. 7 Estabelecer a identidade de. 8 Adquirir afinidade com as ideias ou sentimentos de outrem.

23

necessárias à pesquisa nos levaram a direcionar nosso olhar para a formação dos professores

de matemática da Educação de Jovens e Adultos desse município. Elas tomaram como foco

aqueles professores que eram egressos desse curso.

24

3. ALGUNS ESTUDOS E PESQUISAS ACERCA DA PROBLEMÁTICA DA PESQUISA

O problema apresentado nessa pesquisa se insere no campo da formação de professores de

matemática para a educação de jovens e adultos. Dessa forma, apresentamos, neste capítulo,

um apanhado de estudos que têm sido realizados nessa área, direcionando-nos com base em

três eixos: formação de professores, educação matemática e educação de jovens e adultos,

buscando evidenciar as relações existentes entre esses eixos para uma melhor compreensão

desse campo no qual se insere a problemática da pesquisa. Assim, num primeiro momento,

trazemos alguns autores que tratam das características e concepções que permeiam a educação

matemática e a educação de jovens e adultos; em seguida, apresentamos contribuições de

autores que tratam das especificidades da formação dos professores que atuam nessas duas

áreas que, nesta pesquisa, se fundem na educação matemática de jovens e adultos.

3.1 Características e concepções 3.1.1 Educação de Jovens e Adultos

A mudança trazida na LDBEN 9.394/96 no tratamento do que, a partir de então, é chamado de

Educação de Jovens e Adultos pode ser compreendida como um divisor de águas na história

da educação de modo geral. Essa discussão, na verdade, começa a ganhar corpo com a

Constituição Federal de 1988, quando o ensino fundamental para jovens e adultos passa a ser

tratado como um direito, que até então era resguardado apenas aos indivíduos pertencentes à

faixa etária dos 7 anos aos 14 anos. No entanto, não podemos esquecer que o espaço que hoje

vem ganhando a EJA no campo de debates e ações educacionais, tendo, por exemplo, os

Fóruns EJA como um de seus promotores, vem sendo buscado e reivindicado por longo

tempo, como expõe Osmar Fávero (2004).

O autor procura destacar das propostas de campanhas e movimentos da educação de jovens e

adultos a partir da década de 1940 e das informações sobre as ações por eles desenvolvidas

algumas lições que ajudem a melhor entender as necessidades dessa educação no momento

atual e questionar as propostas atuais. É nesse sentido que analisa, entre outros, a Campanha

de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) da década de 1940, o Movimento da

25

Educação Popular (MEB), o Movimento de Cultura Popular (MCP) e o Sistema Paulo Freire

de Alfabetização, do fim da década de 1950 e início da década de 1960 e a Cruzada Ação

Básica Cristã (Cruzada ABC) e o Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL),

considerado o maior movimento de alfabetização do país, com inserção de praticamente todos

os municípios brasileiros.

Fávero (2004) distingue esse período em três momentos: dois períodos compreendidos entre

os anos de 1940 e fins de 1950 e um iniciado em meados da década de 1960, após o Golpe

Militar. Segundo o autor, são caracterizados como movimento a “favor da corrente” no

sentido de manutenção da ordem social vigente, embora tenham significado um movimento

positivo do Estado e da sociedade no atendimento às necessidades educacionais da população

adolescente, jovem e adulta mais pobre. Relativamente ao período compreendido entre o final

da década de 1950 e o início da de 1960 – marcado pelas ações do MEB, MCP e pelo Sistema

Paulo Freire de Alfabetização –, o autor afirma ter sido esse o período cujos movimentos

foram “os mais profícuos em termos de originais definição e experimentação da educação de

jovens e adultos” (FÁVERO, 2004, p. 22, grifo nosso). Isso se deveu ao fato de a educação

referir-se a um projeto nacional hegemônico que acreditava ser essa educação a preparadora

da mudança radical das estruturas socioeconômicas, o que lhe dava uma dimensão

expressamente política renovadora.

As experiências vividas durante todo esse período, sejam consideradas positivas ou negativas,

devem ser tomadas, de acordo com Fávero (2004), como ponto de partida para pensar nas

propostas e ações atuais no campo da EJA. Como vimos na introdução deste trabalho, a

LDBEN 9.394/96 institui a EJA uma modalidade da educação; isso implica uma reconstrução

do que até então havia sido feito em relação a esse campo, entendendo por reconstrução não o

ato de desconstruir (destruir), o que está posto para construir novamente, mas construir a

partir do que está posto.

Essa reconstrução tem-se constituído num sério problema para quem pensa e trabalha a

educação no país. Isso porque não se trata somente de criar programas e projetos para atender

uma parcela tão diversa da população brasileira que não teve direito à educação, o que já é em

si problemático, mas principalmente de transformar uma concepção de educação de jovens e

adultos que esteve presente (e está ainda hoje) à maioria das pessoas neste país. Entre outros

fatores, essa concepção envolve: a forma com que os sujeitos da EJA são vistos (e se vêem) e

26

tratados na sociedade, particularmente dentro das instituições de ensino; a forma como o

ensino se dá para os educandos e o que se entende por educação para jovens e adultos.

Para Miguel Arroyo (2007), os sujeitos educandos da EJA continuam sendo vistos pelas

carências escolares – alunos evadidos, reprovados, defasados, com problemas de

aprendizagem, entre outros – e seu direito à educação visto na ótica da escolarização, da

universalização do ensino fundamental. Para o autor, a EJA só poderá ser reconfigurada se

essa forma de percebê-la for revista, se “o direito à educação ultrapassar a oferta de uma

segunda oportunidade de escolarização, ou na medida em que esses milhões de jovens-adultos

forem vistos para além dessas carências” (ARROYO, 2007, p. 23).

Relacionada a essa forma de conceber a EJA está a prática pedagógica que desconhece esses

sujeitos em seus tempos e percursos de jovens e adultos. Isso gera uma adaptação de tempos,

espaços, métodos de ensino, materiais didáticos e outros empregados na prática pedagógica

com crianças e adolescentes.

Criticando esse tipo de adaptação, Vieira Pinto (1982) tece considerações importantes sobre o

processo de alfabetização de adultos, as quais, a nosso ver, cabem não somente ao processo de

alfabetização, mas a qualquer etapa da EJA. Sobre o método de ensino ele diz que “o

problema do método é capital na educação de adultos. Nesta fase é um problema muito mais

difícil que na instrução infantil, porque se trata de instruir pessoas já dotadas de uma

consciência formada” (p.86). E afirma que este “deve ser tal que desperte no adulto a

consciência da necessidade de instruir-se e de alfabetizar-se [...]. Deve partir dos elementos

que compõem a realidade autêntica do educando, seu mundo de trabalho, suas relações sociais

[...]” (p.87). Portanto, toma as trajetórias de vida desses sujeitos, seus modos de vida como

princípio orientador das atividades pedagógicas a serem desenvolvidas. Ademais, o que o

autor nos traz quando fala da “consciência da necessidade de instruir-se e de alfabetizar-se”

sinaliza uma visão de educação que ultrapassa a da escolarização e uma visão de educação

permanente que vê o aluno jovem ou adulto como sujeito em constante e interminável

processo de formação.

Outro aspecto importante tratado por Vieira Pinto (1982), que representa uma característica

desse campo educacional, é o da culpabilização que muitos alunos da EJA atribuem a si

próprios. Segundo o autor, eles parecem ignorar as causas que explicam seu “atraso cultural”,

27

não se percebem como sujeitos cujos direitos foram tirados e carregam sobre si próprios a

culpa de sua situação.

Por fim, no que diz respeito a como tem sido visto e se vê o “sujeito educador” da EJA, Edna

Castro de Oliveira (2004) fala sobre uma caracterização que parece mesmo se confundir com

a própria caracterização do “sujeito educando”. De acordo com E. C. de Oliveira (2004), as

marcas de uma inferioridade produzida pelo estigma dessa área parecem estar incutidas na

imaginação social. É como se esses “sujeitos educadores” da EJA acabassem também por

fazer parte do contingente dos excluídos de nossa sociedade. Segundo essa educadora e

pesquisadora,

[...] com suas histórias de vida, que reúnem marcas identitárias semelhantes e ao mesmo tempo singulares, é como se esses sujeitos educadores e educandos compartilhassem, na relação pedagógica, o encontro de diversas experiências: o encontro da desigualdade de oportunidades; da negação do direito à educação e á formação; o encontro das jornadas duplas ou triplas de trabalho; o encontro do desemprego ou do subemprego; das lutas na cidade e no campo por uma educação de qualidade; e, conseqüentemente, o encontro da luta pela afirmação do direito na busca de construção de um projeto apropriado aos diferentes segmentos marginalizados a quem a EJA se destina. (OLIVEIRA, E. C., 2004, p.1)

Além disso, ela pontua que o trabalho desenvolvido por esses sujeitos na EJA, em geral, tem

sido caracterizado como uma forma de complementar o orçamento mensal. A isso

acrescentamos ainda a presença de uma visão desses profissionais como professores que não

buscam novas metodologias de ensino, não buscam estudar sobre o campo em que atuam, mal

se limitam a estudar os conteúdos a ensinar. Mas, como alerta a autora, pouco se ouve falar

das condições precárias que esses sujeitos encontram para realizar seu trabalho e talvez se

ignorem as verdadeiras razões que os levam a assumir a EJA como uma opção de trabalho, ou

como um “bico” (OLIVEIRA, E. C., 2004).

3.1.2 Educação Matemática

Embora este trabalho não trate das concepções acerca da Matemática e de seu ensino,

achamos conveniente trazer nesta seção algumas ideias a esse respeito por acreditarmos que

elas possam fornecer elementos importantes para a identificação e análise das percepções

externadas de professores de matemática, objeto de nossa investigação.

O artigo de João Pedro da Ponte (1992) constitui-se numa discussão em torno das concepções

de professores de matemática acerca da própria Matemática e de seu ensino. Para essa

discussão, o autor traz um considerável apanhado de estudos e pesquisas desenvolvidas dentro

28

e fora de Portugal, que tratam desse assunto, dentre os quais merece destaque o de Thompson

(1982)9. As reflexões trazidas por Ponte (1992) partem de questionamentos do tipo: como os

professores (de matemática) vêem, eles próprios, a Matemática e o modo como se aprende

matemática? Qual a relação entre as suas concepções e as dos seus alunos? Que sentido faz

falar de concepções, distinguindo-as de outros elementos do conhecimento, como das

crenças? Qual a relação entre as concepções e as práticas? Qual a dinâmica das concepções,

ou seja, como é que elas se formam e como é que mudam? Qual o papel que podem ter,

nessas mudanças, os processos de formação?

Mais do que as conclusões a que o autor chega a respeito das concepções dos professores

acerca da Matemática e seu ensino10, chamaram-nos atenção particularmente as ideias

relacionadas aos três últimos questionamentos já mencionados. O primeiro deles por tratar da

relação entre concepções e práticas, já que nos propomos a analisar percepções de professores

egressos de um curso de formação em relação às contribuições desse curso para sua prática

profissional na EJA.

De acordo com Ponte (1992), citando Thompson (1982), as concepções (conscientes ou

inconscientes) dos professores acerca da Matemática e do seu ensino desempenham um papel

significativo, embora sutil, na determinação do estilo de ensino de cada professor. No caso

dos sujeitos de nossa pesquisa, acreditamos que a prática desse professor de matemática da

EJA, além de ser influenciada pelas concepções que este tem de matemática e do ensino da

Matemática, também o é pelas concepções de EJA e de ensino da Matemática para esses

jovens e adultos. Em contrapartida, considerando as influências da prática dos professores

sobre suas concepções, ele nos alerta de que as atividades desenvolvidas pelos professores

tendem a proporcionar-lhes novos pontos de vista. Todavia, ainda há muito que discutir a

respeito dessa relação entre concepções e práticas, no que tange às influências de umas sobre

as outras.

9 THOMPSON, A. G. Teachears’ conceptions of mathematics and mathemetics teaching: three case studies. Unpublished doctoral dissertation, Universidade da Giorgia. 10 “[...] as concepções dos professores não constituem um todo relativamente homogêneo. Diferenciam-se claramente pelos níveis de ensino, pela sua origem profissional (isto é, pelo tipo de formação inicial, formação científica e formação pedagógica), pela sua inserção social e pelas suas opções ideológicas e educativas (PONTE, 1992, p. 34)”.

29

Ainda sobre a problemática da relação entre concepções e práticas, Ponte (1992) considera

importante distinguir entre concepções manifestadas (que os professores descrevem como

sendo as suas) e concepções ativas (que de fato informam a prática do professor). Sobre as

concepções manifestadas, de acordo com o autor, elas [...] podem sofrer uma influência significativa do que no discurso social e profissional é tido como adequado, mas não serem (parcial ou integralmente) capazes de informar a prática. Isto pode ocorrer por uma variedade de fatores: (a) falta de recursos materiais organizativos, (b) falta de recursos conceptuais (não saber como vencer as dificuldades que a sua concretização suscita), ou ainda (c) pelo esforço exagerado que se antevê como necessário (PONTE, 1992, p. 25, grifo nosso).

O que Ponte (1992) destaca das concepções manifestadas nos alerta dos cuidados a serem

tomados quando se analisam as percepções externadas dos sujeitos de nossa pesquisa a

respeito dos enfrentamentos que vivenciam no ensino da Matemática, particularmente na EJA.

Outro aspecto relevante apresentado nesse artigo trata dos processos de formação e de

mudança das concepções e do papel dos processos de formação de professores nessas

mudanças. Sobre a formação das concepções o autor diz que elas se formam num processo

simultaneamente individual (como resultado da elaboração sobre a nossa experiência) e social

(como resultado do confronto das nossas elaborações com as dos outros). Sendo assim, no que

diz respeito especificamente à Matemática conclui: “as nossas concepções sobre a Matemática

são influenciadas pelas experiências que nos habituamos a reconhecer como tal e também

pelas representações sociais dominantes” (PONTE, 1992, p. 1).

Sobre o problema da mudança de concepções, segundo o autor, ele deve ser visto em duas

óticas: a dos professores em atuação e a dos professores em processo de formação. Mudanças

profundas no sistema de concepções só se dão perante abalos muito fortes, geradores de

grandes desequilíbrios (PONTE, 1992). A mudança de concepções e práticas apresenta-se

como um processo muito difícil porque as pessoas, de modo geral, oferecem certa resistência

a tais mudanças. Assim, no que diz respeito aos processos de formação de professores, sejam

de formação inicial, sejam de formação continuada, Ponte (1992, p. 27) propõe que eles [...] não podem ser concebidos como a imposição de um qualquer conjunto de “verdades”, mas exigem uma atitude diferente, de grande respeito pelos participantes. A formação tem de ser entendida como um processo de troca e de criação coletiva, em que quem conduz intervém com certos conhecimentos e competências, mas está igualmente a aprender com os outros.

30

Sobre as concepções em si, Ponte (1992) apresenta resultados de pesquisas empíricas que

trazem diversas concepções da Matemática e de seu ensino, muitas delas até mesmo

divergentes quando se referem às concepções de professores de matemática, dependendo, por

exemplo, da formação inicial destes. Entretanto, uma visão que se tem de matemática,

predominante no ensino dessa disciplina e como consequência refletida na percepção que as

pessoas têm, em sua maioria, é a visão que Beatriz Silva D’ Ambrosio (1993) apresenta como

absolutista. De acordo com essa autora, a disciplina Matemática vista nessa ótica caracteriza-

se pela lógica formal e pelo predomínio da razão absoluta, uma disciplina cumulativa,

predeterminada e incontestável; a Matemática em si é uma coleção de verdades a serem

absorvidas pelos alunos. Nesse sentido, o trabalho do professor de matemática se caracteriza

pela transmissão dessas verdades incontestáveis. Não há espaço nas aulas para a investigação,

para a dúvida, muito menos para a criação. Segundo D’Ambrosio [...] O professor faz questão de preparar todos os problemas a serem apresentados com antecedência; conseqüentemente, o legítimo ato de pensar matematicamente é escondido do aluno, e o único a conhecer a dinâmica desse processo continua sendo o professor. [...] O que o aluno testemunha é uma solução bonita, eficiente, sem obstáculos e sem dúvidas, dando-lhe a impressão de que ele também deverá conseguir resolver problemas matemáticos com tal elegância. Mas o que não lhe ocorre é que nenhum verdadeiro matemático sabe resolver um problema antes de tentar resolvê-lo, conforme implicam as ações dos professores de Matemática (1993, p. 36).

Essa dinâmica apresentada pela autora, sobre o ensino de matemática evidencia uma quase

ausência de diálogo na relação entre professor e aluno, diálogo que consideramos de grande

importância no processo de ensino e aprendizagem da Matemática na EJA, com base no qual

o conhecimento é produzido. Mas infelizmente essa dinâmica ainda está muito presente no

ensino da Matemática, de modo particular, na Educação de Jovens e Adultos.

Para o aluno da EJA o que D’ Ambrósio (1993) nos apresenta traz consequências mais sérias

do que em outra modalidade de ensino, porque esse aluno já possui em seu histórico escolar

as marcas da desistência ou do fracasso que podem ter sido provocadas por essa matemática.

Então, se o aluno não consegue resolver os problemas propostos pelo professor, que sempre

apresenta soluções perfeitas, sem dificuldades, pode acontecer que ele desenvolva (ou até

mesmo aumente) um sentimento de incapacidade diante da disciplina, que pode contribuir

para uma reprovação ou até mesmo para uma segunda evasão.

É importante dizer que, embora o professor seja o responsável por essa situação, muitas vezes

ele não tem consciência de que aquilo que está fazendo possa trazer consequências tão sérias

31

para vida de seus alunos. E, quando tem consciência do que está fazendo, às vezes também

não sabe como ou que fazer para poder transformar essa dinâmica que pode ser tão excludente

para seus alunos da EJA.

Levando essa discussão para um contexto mais amplo, das transformações que vêm ocorrendo

na educação em virtude das exigências da(s) atual (is) sociedade(s), encontramos em Andy

Hargreaves (apud FREITAS et al., 2005) o que o autor chama de condição paradoxal da

profissão docente. Ao analisar a condição de ser professor na atual sociedade, a qual ele

denomina sociedade informacional e pós-industrial (SIPI), ele a caracteriza como paradoxal.

Isso porque, de acordo com esse autor, o trabalho do professor e sua profissão estão

envolvidos por um “triângulo de interesses competitivos e imperativos” em cujos vértices

estão três diferentes visões:

o professor como catalisador da SIPI – formando os profissionais requeridos pela

sociedade tecnológica, profissionais com desenvolvidas capacidades de inovação,

flexibilização e compromisso de mudança;

o professor como contraponto da SIPI – denunciando as injustiças e desigualdades

sociais, questionando e problematizando o consumismo e individualismo gerados por

ela;

o professor como vítima da SIPI – as expectativas da educação entram em conflito

com as soluções padronizadas que devem ser realizadas com um custo mínimo.

Particularmente, o professor de matemática da EJA vive numa tensão entre essas três

diferentes visões, porque: primeiro, trabalha com sujeitos jovens ou adultos que, em sua

maioria, veem a elevação da escolarização como uma oportunidade de ascensão nessa

sociedade (SIPI) e, por ser a Matemática uma disciplina ligada às tecnologias, eles veem o

êxito nessa disciplina como uma peça fundamental nesse processo; segundo, ao mesmo

tempo que busca atender a essas necessidades, ele trabalha com os sujeitos que vivenciam

uma face da realidade gerada por essa mesma sociedade: realidade de injustiças,

desigualdades sociais e negação de direitos (ARROYO, 2007), a qual se faz presente ao

desenvolvimento de seu trabalho por meio desses sujeitos; por último, tentando atender às

expectativas com relação à educação, esbarra nas precárias condições de trabalho pelas quais

historicamente passa a Educação de Jovens e Adultos.

32

3.2 Formação de professores

O tema formação de professores tem, nos últimos anos, merecido grande destaque no campo

das discussões educacionais tanto em nível nacional como mundial. Os estudos e pesquisas

desenvolvidos na área têm abrangido questões diversas que tratam desde a importância dos

saberes dos docentes para os processos de formação docente, Maurice Tardif (2002), até a

própria formação dos formadores de professores, Tadeu Oliver Gonçalves (2000). No entanto,

esses estudos têm apontado a necessidade de continuidade de investigação sobre essa

problemática, indicando novas questões de investigação e tratando das particularidades dentro

do próprio campo e, até mesmo, mostrando que as questões investigadas merecem ainda ser

mais discutidas e analisadas.

Para atender aos propósitos dessa pesquisa, tornou-se necessário que identificássemos, no

processo de formação do professor, dois momentos que, apesar de distintos, não são

dissociados: a formação inicial e a formação contínua (ou continuada). Não é nosso interesse

apresentar uma análise desses termos e suas implicações. Uma análise dessa natureza pode ser

encontrada, por exemplo, em Regina Helena Silva Simões e Janete Magalhães Carvalho

(2002a, 2002b). Aqui pretendemos apenas fazer uma distinção entre esses dois momentos.

Segundo Formosinho (1991), citado por Iria Brzezinki e Elza Garrido (2002, p. 314), o conceito de formação contínua distingui-se essencialmente do de formação inicial, não pelos conteúdos ou metodologias de formação, mas pelos destinatários, uma vez que é oferecida a pessoas em condição de adultos, com experiências de ensino, o que influencia os conteúdos e as metodologias desta formação por oposição à formação inicial oferecida geralmente a jovens sem experiência de ensino.

Estamos considerando como formação inicial aquela oferecida em nível superior pelos cursos

de Licenciatura e Pedagogia. No âmbito da formação continuada, concordando com Brzezinki

e Garrido (2002), consideramos toda a formação em serviço que possa estimular novas

reflexões sobre a ação profissional e novos meios para o desenvolvimento do trabalho

pedagógico, especialmente com base em uma reflexão do professor sobre sua prática. Dessa

forma, o professor tem o papel de protagonista de sua formação, e sua prática passa a ser

tomada como ponto de partida e de chegada do processo de formação, conforme destacam

José Cechi Fusari e Terezinha Azeredo Rios (1995).

33

3.2.1 Formação de professores de jovens e adultos

O campo da formação de professores da educação de jovens e adultos tem, nas últimas

décadas, recebido maior atenção em consequência do próprio avanço que tem tido a EJA nas

discussões, nas pesquisas e nas iniciativas políticas educacionais. Sérgio Haddad e outros

(2002), em pesquisa bibliográfica da produção de teses e dissertações, registraram no período

de 1986 a 1998, onze pesquisas (três teses e oito dissertações) cujo foco central de

investigação era a formação de professores que atuavam em Educação de Jovens e Adultos.

Segundo esses autores, é quase unânime a constatação, nesses trabalhos, da necessidade de

uma preparação específica dos professores que atuam em EJA.

Outro estudo nesse sentido é o apresentado por Júlio Emílio Diniz Pereira (2006) no qual o

pesquisador faz uma análise dos trabalhos e pôsteres sobre formação de educadores de jovens

e adultos aprovados na Associação Nacional de Pesquisas em Educação (ANPEd) no período

de 2000 a 2005, registrando um número de dez trabalhos diretamente relacionados a essa

questão. Da análise realizada o pesquisador identifica a necessidade de maior investigação

sobre a formação inicial/acadêmica de educadores de jovens e adultos. A isso acrescentamos,

pelas análises das pesquisas feitas nos dois levantamentos, a necessidade de mais investigação

em relação às licenciaturas de modo geral e não restrito aos cursos de Pedagogia (cursos mais

frequentemente pesquisados na ótica da EJA, porque alguns oferecerem formação específica

para essa modalidade).

Algumas questões são recorrentes nas discussões sobre esse tema, como é o caso da

insuficiência na formação desses profissionais. Os trabalhos analisados por Haddad e outros

(2002) alertam que a formação recebida pelos professores, normalmente por meio de

treinamentos e cursos aligeirados, não é suficiente para atender às demandas da educação de

jovens e adultos. Embora legalmente tenham sido traçadas diretrizes para a formação de

docentes para essa modalidade educacional11 e tenham sido elaboradas orientações a esse

respeito nas próprias diretrizes curriculares nacionais12 da EJA, a maioria dos professores que

trabalham na EJA não está preparada (ou está mal preparada) para atuar nessa modalidade de

ensino. Em parte, isso pode ser justificado pelo fato de não ser observada na formação de

professores uma preocupação referente a esse campo específico (SOARES, 2006). Pontuamos

11 Como visto no capítulo que trata da problemática desta pesquisa. 12 Item VIII do Parecer CEB 11/2000

34

alguns aspectos que, a nosso ver, podem contribuir para entendermos essa insuficiência,

quando não ausência, na formação dos professores de jovens e adultos, bem como outras

questões relacionadas.

Um deles trata da constituição do perfil de educador de jovens e adultos e da formação

necessária a ele. Ao tratar desse assunto, Arroyo (2006) expõe que a constituição do perfil do

educador de jovens e adultos, bem como sua formação, passa pela constituição da própria

EJA. Assim, como diz o autor, como a EJA é um campo em construção, também o é o perfil

do educador e sua formação. Entretanto, o autor afirma que alguns impasses surgem nessa

construção, decorrentes da própria configuração para a qual a EJA caminhará. Se a EJA se

configurar como uma modalidade de ensino de 1ª a 4ª série, de 5ª a 8ª série e ensino médio,

dentro de uma “estrutura reguladora”, diz Arroyo, [...] acho que não tem sentido discutirmos a formação do educador de jovens e adultos. Podemos, simplesmente, aproveitar os professores de 1ª a 4ª, e de 5ª a 8ª, dando a eles certa “reciclagem” para, em vez de falarem em criança ou menino, falarem de jovem ou adulto e, talvez, resolvamos esse problema (2006, p. 20-21).

Dessa forma, não teria sentido ter um perfil específico de educador de EJA e,

consequentemente, política específica para a formação desse educador que atendesse às

especificidades desse campo da educação, completa o autor.

Embora a EJA caminhe para essa configuração (nas palavras do autor, “caminho mais curto”)

e seja extremamente difícil pensar/promover uma formação para uma educação (não ensino)

de jovens e adultos nessa estrutura reguladora e reconheça as especificidades dessa educação,

acreditamos que seja possível pensar/promover tal formação. Um exemplo disso, ainda por

enquanto muito discreto, tem-se constituído na experiência de que temos participado com o

grupo de professores do Proeja/Cefetes.

Outro aspecto é apresentado por Soares (2006) que, partindo dos resultados de uma pesquisa

desenvolvida com egressos do curso de Pedagogia com habilitação em EJA de uma

universidade federal, buscou analisar questões, como a inserção profissional dos sujeitos, o

campo de trabalho em EJA, a opção e avaliação da habilitação e o lugar dessa habilitação no

espaço acadêmico. Os resultados da análise do autor apontam a ausência de uma efetiva

demanda para uma formação específica do educador que atua nesse campo da educação.

Segundo esse autor, “mesmo que a formação inicial ofertada pela universidade seja

35

considerada de qualidade, os egressos não necessariamente têm essa qualificação valorizada

no momento da inserção profissional. Não existe, assim, uma relação estreita entre formação

inicial na universidade e campo de atuação” (SOARES, 2006, p. 15).

Parece até incoerente: de um lado, os trabalhos analisados por Haddad e outros (2002)

apontam a necessidade de uma formação específica dos professores da EJA; de outro, as

conclusões de Soares (2006) indicam a ausência de uma efetiva demanda por essa formação.

Mas, como pondera o próprio Soares (2006), pautado em Maria Clara Di Pierro (2005), essa

situação pode ser, em parte, explicada pela própria configuração da EJA no Brasil, fortemente

marcada pela concepção de que a educação voltada para aqueles que não se escolarizaram na

idade regular deva ser supletiva e, como tal, aligeirada. Como consequência, completa o

autor, “também o profissional que nela atua não precisa de uma preparação longa,

aprofundada e específica. O próprio campo de atuação do profissional de EJA, por ser amplo

e pouco definido, parece dar aos egressos a sensação de que sua formação inicial, embora

necessária, não é essencial” (SOARES, 2006, p. 15).

O que Soares (2006) apresenta acaba retomando o que Arroyo (2006; 2007) traz sobre a

configuração da EJA, no país, da constituição do perfil do profissional da EJA e das políticas

específicas para sua formação.

No que diz respeito especificamente aos cursos de formação continuada de professores de

jovens e adultos, um aspecto a ser considerado quando se almeja desenvolver uma formação

comprometida com a aprendizagem do grupo, segundo Adriana Cavalcanti dos Santos (2005),

é o da rotatividade dos professores. Percebemos, durante esses nossos anos de experiência

como professora, que os quadros de professores nas redes públicas de educação (municipal e

estadual) são muito instáveis devido às contratações que são feitas todo ano para o

preenchimento de vagas. Grande parte dos professores efetivos assume suas “cadeiras” no

período diurno, restando assim o noturno para os professores contratados temporariamente.

Assim, a cada ano esses professores se encontram numa escola diferente o que vem a

dificultar qualquer processo de formação continuada realmente comprometido com o

desenvolvimento desses profissionais. Esse aspecto é característico da “precariedade do

mercado de trabalho, que não proporciona a construção de carreiras profissionais” (DI

PIERRO, 2005, p. 1132).

36

Além dos aspectos que pontuamos, concordamos com Di Pierro (2005) quando diz que o

escasso envolvimento das instituições de ensino superior com o campo da EJA é um fator que

tem dificultado a instituição e a consolidação de espaços de formação, quer inicial quer

continuada.

Postos alguns entraves da formação do professor de jovens e adultos, faz-se necessário

apresentar também algumas indicações que consideramos relevantes para o desenvolvimento

dela.

- A prática como ponto de partida e

chegada de todo programa de formação

(OLIVEIRA, E. C., 2004).

Além de ser considerada como ponto de partida,

por exemplo, para os cursos de formação inicial,

a própria prática se constitui num espaço de

formação, uma vez que os professores possuem

saberes específicos que são construídos no

cotidiano dessa prática.

- Centralidade dos sujeitos educadores da

EJA no seu processo de formação

(OLIVEIRA, E. C., 2004).

Por isso mesmo são capazes de participar na

construção dos programas de formação que lhes

são destinados, opinando a respeito de seu

conteúdo e forma. Isso exige, portanto, que seja

dada voz a esses sujeitos educadores, que se

reconheçam suas reais necessidades e

expectativas.

- Reconhecimento do perfil do jovem e do

adulto da EJA (ARROYO, 2006).

“Um dos traços da formação dos educadores de

jovens e adultos tem de ser conhecer as

especificidades do que é ser jovem, do que é ser

adulto” (ARROYO, 2006, p. 22). Quem são

esses jovens e adultos? O que contam suas

histórias de vida? Essas são questões que devem

estar sempre presentes à formação desse

educador.

- Base teórica sólida (ARROYO, 2006),

(Ribeiro, 1999).

A formação do professor não pode desistir de

um embasamento teórico sólido, centrado nas

37

especificidades do jovem e do adulto. Isso

sugere uma teoria sobre os processos de

desenvolvimento de pessoas que possuem um

amplo universo de conhecimentos práticos, de

concepções sobre diversos aspectos da realidade

e que possuem, portanto, um modo específico de

aprender (RIBEIRO, 1999); pessoas que têm

voz, que questionam, que trabalham (ARROYO,

2006), que desenvolvem atividades

determinados grupos sociais, entre outros.

No entanto, um desafio se coloca em relação a

esse embasamento teórico. Essa teoria ainda

precisa ser construída. Mas o que se pode ganhar

com isso, além, é claro, da própria teoria, é que

ela seja construída nos próprios espaços de

formação, num trabalho que envolva todos os

sujeitos da EJA, de professores a alunos.

- Conhecimento do histórico da EJA

(ARROYO, 2006).

É importante que o professor da EJA tenha

conhecimento da trajetória da educação de

jovens e adultos, da luta pelo direito à educação,

dos movimentos de Educação Popular. A própria

história da EJA pode fornecer elementos

importantes para a formação do professor.

Conforme vimos, o próprio campo da EJA se encontra em construção, também está a

formação de professores para essa modalidade de ensino. Talvez por isso mesmo seja mais

difícil de constituir um perfil de formação porque esta se vem dando ao mesmo tempo que a

outra ocorre. Entretanto, acreditamos que já possuímos orientações suficientes para começar a

pensar em programas de formação de professores comprometidos com uma educação eficaz

de jovens e adultos, mais acessível aos sujeitos que a ela têm direito.

38

3.2.2 Formação de professores de matemática

Continuando nossa revisão da formação de professores, buscamos trazer neste momento

contribuições de alguns pesquisadores que têm discutido sobre a formação de professores de

matemática, tentando destacar as questões que mais têm chamado a atenção no debate sobre

esse assunto.

De modo particular, começamos apresentando algumas discussões trazidas por Célia Maria

Carolino Pires (2002) e João Pedro da Ponte (2002) num número especial da Revista da

Sociedade Brasileira de Educação Matemática, dedicado aos cursos de Licenciatura em

Matemática.

Pires (2002) apresenta reflexões sobre os cursos de Licenciatura em Matemática com base nas

orientações propostas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação de professores da

Educação Básica e de simulações13 de cursos de Licenciatura em Matemática.

Com base em alguns problemas observados na formação oferecida pelas licenciaturas em

Matemática – por exemplo, o distanciamento entre as instituições de formação e os sistemas

de ensino da educação básica, a desconsideração das especificidades próprias dos níveis e/ou

modalidades de ensino em que são atendidos os alunos da educação básica –, a autora

explicita três princípios que deveriam orientar esse tipo de formação: a concepção de

competências profissionais (gerais e específicas a serem desenvolvidas pelos futuros

professores) como ponto de partida para formulação (organização) desses cursos em lugar de

uma orientação por um conjunto de disciplinas; a coerência entre formação oferecida e prática

esperada do futuro professor; a pesquisa como elemento essencial a essa formação. Chamou-

nos a atenção particularmente um dos aspectos que a autora apresenta sobre o segundo

princípio orientador. É o que diz respeito ao papel que desenvolve o professor formador. De

acordo com a autora, [...] todos os professores do curso – sejam eles responsáveis pelas disciplinas e atividades pedagógicas, sejam eles responsáveis pelas disciplinas ligadas aos conteúdos matemáticos, precisam estar atentos ao fato de que estão formando professores e que portanto estão fornecendo “modelos” do que é ser professor (PIRES, 2002, p. 48).

13 Proposta de estrutura de curso de Licenciatura em Matemática em que são apresentadas as disciplinas, a carga horária do curso, a forma de abordagem das disciplinas, a metodologia e outros aspectos.

39

O professor formador não ensina apenas os conteúdos de sua disciplina, ele precisa estar

atento, pois, além disso, sua prática, seu modo de ensinar, seu jeito com que trata seus alunos

e sua dinâmica de trabalho são elementos formadores que influenciam a constituição

profissional de seus alunos (futuros professores). Ultrapassando os limites da licenciatura,

acrescentaríamos ainda o que Pires (2002) destaca: a influência que têm os demais professores

desses sujeitos (dos níveis anteriores de ensino) em seu processo de formação profissional. Outro aspecto relevante pontuado pela autora trata da consideração, nos cursos de

Licenciatura em Matemática, que deve ser dada aos níveis e modalidades de ensino, em

particular à EJA. Em uma simulação de possíveis disciplinas para um curso de licenciatura,

Pires (2002) sugere inserir a disciplina “Educação Matemática na EJA” no âmbito dos

conhecimentos específicos da Matemática junto com disciplinas tão conhecidas na

licenciatura, como Cálculo Diferencial e Integral, Análise Matemática, Álgebra Linear e

outras. Embora se trate de uma sugestão, ela deve ser destacada porque até então a

especificidade da EJA era quase totalmente desconsiderada nas reflexões sobre formação de

professores no nível superior como uma realidade a ser aceita e problematizada, em particular

nos cursos de Licenciatura em Matemática.

Embora não especificamente direcionado à educação de jovens e adultos, Ponte (2002)

também trata desse assunto. Antes de apresentar o caso do curso de formação inicial de

professores de Matemática da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, ele discute

“questões fundamentais na formação inicial de professores”, falando da adequação do futuro

professor às realidades escolares existentes. Segundo o autor, [...] se a formação inicial não preparar o futuro professor para se inserir nas escolas que existem, com seus alunos e as suas culturas profissionais, corre o sério risco de formar inadaptados professores que, ao assumirem suas funções, se sentem completamente deslocados e inaptos para desempenhar o seu papel [...] (PONTE, 2002, p. 4).

Isso nos faz relembrar o impacto que tivemos quando, pela primeira vez em 2002, como dito

na introdução deste trabalho, estivemos diante da realidade da EJA sem ao menos ter ouvido

falar sobre essa modalidade na licenciatura, muito menos a respeito de como ensinar

matemática para esses jovens e adultos. Felizmente, isso já vem sendo tratado, pelo menos a

respeito de legislação e debates educacionais.

40

Sobre o curso oferecido pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, entre os

aspectos que mais fortemente o caracterizam, Ponte (2002) sublinha: o vínculo com a prática

profissional, a ênfase na didática, a abertura às novas tecnologias e a prioridade à lógica

investigativa como processo de construção do conhecimento profissional. Outra característica

marcante do referido curso é a explícita preocupação com a formação específica, evidenciada

na própria estrutura do curso: (i) os formandos tem durante três anos disciplinas de índole científica, na sua esmagadora maioria de matemática; (ii) no 4º ano surgem várias disciplinas de natureza educacional; e (iii) o 5º ano consiste num estágio supervisionado onde são [os alunos em formação] responsáveis pela regência de duas turmas (PONTE, 2002, p. 5).

De acordo com Ponte (2002, p. 5), a formação oferecida nos três anos iniciais é bem

semelhante à das demais especialidades, de áreas afins, o que permite ao aluno decidir se

realmente quer prosseguir na linha de formação docente ou não, ou ainda permitir que alunos

de outras especialidades entrem para a licenciatura. Ele considera essa estrutura positiva

porque permite que a escolha da profissão docente seja feita de modo mais amadurecido.

Apesar de a formação dada na componente educacional desse curso ser uma proposta que

merece destaque pela importância dada à investigação (pesquisa) como um forte instrumento

para a construção de conhecimento do futuro professor e o contato com a prática escolar,

garantindo um ano inteiro de estágio de regência e um de observação, não vemos, como fator

positivo, a separação das disciplinas específicas das disciplinas de componente educacional.

Entendemos que, dessa forma, os conhecimentos matemáticos apresentados nos três anos

iniciais que fornecem a base teórica de conhecimentos científicos do professor tendem a ficar

desvinculados dos estudos das práticas pedagógicas. Consideramos que, por meio da

integração entre esses dois campos, seria possível fornecer aos estudantes (futuros

professores) um conhecimento mais adequado à sua atuação profissional. Ainda que ocorra tal

integração, alguns outros problemas devem ser considerados, como o caso de os professores

não adotarem uma postura adequada para tal integração e continuarem trabalhando

isoladamente, ficando a integração somente no papel. Todavia, essa é uma outra possibilidade

a ser considerada.

Tratando também dessa questão dos conhecimentos a serem aprendidos pelos futuros

professores, Regina Maria Pavanello (2003) expõe que não basta ao aluno do curso de

licenciatura saber apenas os conteúdos a serem ensinados na escola básica; é preciso “um

sistema de conhecimento mais amplo que dê sentido ao que ele irá ensinar”, “um

41

conhecimento mais abrangente e profundo” dos conteúdos matemáticos a serem ensinados na

sala de aula e dos desafios a serem enfrentados em sua prática.

Para isso destaca o fazer matemática do professor e como viabilizar essa prática em sua

formação. Como ponto de partida, afirma que se deve ter clara a concepção de Matemática,

seja como produto da prática social, seja como prática social. No primeiro caso, a

Matemática passa a ser apresentada como um sistema organizado, fechado e dedutivo, no qual

o fazer matemática é resumido à sua recepção, à sua aquisição pelos alunos; no segundo,

como prática social, a Matemática passa a ser [...] um saber fazer, uma ciência em que o método predomina em relação ao conteúdo. Ou seja, a matemática surge e passa a ser apresentada como um processo de construção ligado – tanto em sua elaboração histórica quanto no desenvolvimento das idéias matemáticas nas pessoas – à resolução de problemas concretos, muitos deles gerados em outros campos do conhecimento ou na atividade humana. Deriva desta opção conceber-se o fazer matemática como realizar atividades [...] que permitam vivenciar os meios próprios do processo de produção do conhecimento matemático [...] (GONZALES apud PAVANELLO, 2003, p. 10)

Mas pensar no desenvolvimento da formação profissional do professor que concebe a

Matemática como uma prática social exige que se reflita para além do conhecimento

matemático (PAVANELLO, 2003) e, para isso, a autora propõe como saída a investigação

(pesquisa) na formação desse professor, como uma forma de ampliação de conhecimentos em

relação aos diferentes fenômenos constituintes do processo educativo.

Pavanello (2003) sugere que a pesquisa na formação do professor deva ser tratada sob dois

aspectos: as pesquisas já existentes no campo da Educação Matemática com as quais o futuro

professor deve ser colocado em contato, para que, durante o curso de formação, ele possa

refletir como tais investigações poderão contribuir para seu trabalho; e as pesquisas

desenvolvidas sobre a própria prática, em que o objetivo é incentivar o futuro professor a

desenvolver pesquisas em sua sala de aula, analisando e investigando os fenômenos do seu

cotidiano de trabalho. Considerando como ponto de partida a observação e análise do

contexto escolar pelos futuros professores, a autora destaca a importância dos estágios, nos

quais as simples observações e discussões da realidade de sala de aula se transformam em

material de pesquisa e, posteriormente, em projetos de pesquisa. Dessa forma, o futuro

professor perceberá seu espaço de trabalho como campo de ampliação de seus conhecimentos,

possibilitando que ele seja autor da própria formação (PAVANELLO, 2003). Além disso,

42

acrescentamos a relevância dessas práticas para identificação e reconhecimento das realidades

educacionais a serem encontradas pelos futuros professores, entre as quais se encontra a EJA.

Do mesmo modo que Ponte (2002), a autora traz a pesquisa na formação dos futuros

professores como uma alternativa a essa formação, como uma forma de levar os futuros

professores a refletir sobre os conhecimentos que vêm sendo produzidos no campo da

Educação Matemática, de maneira a contribuir para seu trabalho profissional e a própria

prática na realidade de sala aula, reconhecendo seu espaço de trabalho como campo de

pesquisa e ampliação dos próprios conhecimentos.

O que Ponte (2002), Pavanello (2003) e ainda Pires (2002) trazem em suas discussões reflete

na forte preocupação com o processo de formação inicial dos futuros professores de

matemática, que já vinha sendo questionado por Freitas (1994). Essas discussões se tornaram

ainda mais intensas no Brasil, com a aprovação, em 2001, das novas diretrizes para a

formação de professores da educação básica em nível superior, curso de licenciatura, de

graduação plena, que têm implicações diretas na reformulação dos cursos de licenciatura, em

particular, das licenciaturas em Matemática.

Quando tratávamos da problemática da pesquisa, no capítulo dois, abordamos, com Freitas

(1994), a questão da desvinculação entre teoria e prática, formação e trabalho, que se tem

feito presente aos cursos de Licenciatura em Matemática. Além desse problema, esse mesmo

autor nos chama a atenção para a fraca formação teórica oferecida por alguns desses cursos,

fator que, segundo ele, traz sérias consequências para a atuação do futuro professor, já que

não domina os fundamentos de sua disciplina. Nesse mesmo raciocínio, D’Ambrósio (2005)

considera:

Talvez a maior dificuldade inerente à formação de professores seja a determinação do conteúdo necessário para que se obtenha o melhor desempenho possível. Na avaliação da eficácia de professores em serviço, percebemos que uma das grandes dificuldades é sua falta de compreensão do conteúdo de Matemática (p.20).

E continua:

É somente diante da necessidade de interpretar o trabalho dos alunos que esses professores se deparam com dificuldades, pois de fato não possuem o conhecimento profundo para “desempacotar” a matemática formal e reconstruir ou enriquecer seu repertório de soluções (p.22, grifo nosso).

43

Essa situação se torna um pouco mais complexa quando levada para o campo da educação

matemática de jovens e adultos. Nesse caso, o trabalho do professor se torna mais difícil,

porque as produções/construções elaboradas pelos alunos jovens ou adultos, as quais o

professor precisa interpretar, trazem as marcas de sua experiência de vida, que estão

relacionadas àquilo que esses sujeitos fazem em seu trabalho ou mesmo em suas atividades

domésticas. A compreensão dessas construções exige, antes de tudo, uma sólida formação

teórica, no que diz respeito não somente aos conhecimentos matemáticos, mas também à

forma como esses conhecimentos são produzidos.

Outra questão que merece destaque no contexto da problemática formação inicial de

professores de matemática diz respeito à formação dos formadores que atuam nos cursos de

licenciatura. Tendo por base a pesquisa realizada por Gonçalves (2000) que teve como objeto

de estudo a formação e o desenvolvimento profissional do formador de professores de

matemática que atua junto às disciplinas de formação matemática, Gonçalves e Fiorentini

(2005) buscam aprofundar a discussão em torno dessa problemática.

Para analisar a formação acadêmica e profissional desses sujeitos, os autores tomam como

referência quatro eixos relacionados à formação do professor de matemática: formação

matemática (acadêmica e escolar, relativa à disciplina, em seu aspectos tanto procedimentais

e sintáticos quanto conceituais, semânticos e atitudinais); formação geral (cultura geral,

educação humanística, educação tecnológica); formação científico-pedagógica (fundamentos

históricos, sociológicos, filosóficos, psicológicos e epistemológicos relativos às ciências da

educação) e formação relativa à atividade profissional da docência. Os autores assumem este

último como o principal eixo da formação profissional “visto que contém os saberes

fundamentais à realização do trabalho docente, os quais envolvem simultaneamente aspectos

teóricos e práticos, conceituais e didático-pedagógicos, fundindo-se ao saber fazer e ao saber

ser” (GONÇALVES; FIORENTINI, 2005, p. 74) e, em torno deste, os demais devem

constituir-se.

Fundamentados no trabalho de Gonçalves (2000), os autores puderam analisar como cada um

dos eixos acima considerados se fez presente ao processo de formação e desenvolvimento

profissional dos docentes pesquisados. Segundo os autores, evidenciou-se com base nos

depoimentos dos docentes a predominância de formação acadêmica técnico-formal, na

44

qualidade de professores do ensino superior. Essa formação teve ênfase quase exclusiva na

formação matemática. Em relação a essa formação matemática, eles observaram: Esta foi, até a década de 70, mais próxima da matemática escolar e, após a década de 80, mais voltada à formação do matemático profissional, visando à continuidade dos estudos acadêmicos dos licenciandos em cursos de mestrado e doutorado em matemática pura ou aplicada do que a docência no ensino fundamental e médio (GONÇALVES; FIORENTINI, 2005, p. 84).

De acordo com os autores, os docentes reconhecem que a formação recebida na graduação e

pós-graduação pouco contribuiu para sua tarefa de formadores de professores para o ensino

básico. Isso leva os autores a concluir que cursos de pós-graduação em Matemática parecem

privilegiar mais os aspectos procedimentais e sintáticos da Matemática do que seus aspectos

conceituais, semânticos e atitudinais. Assim, afirmam que os formadores, em sua formação acadêmica, tiveram pouca oportunidade de reflexão e estudo sobre aspectos epistemológicos, históricos e socioculturais das idéias matemáticas, principalmente seu processo de produção e sistematização.

Assim, faltaram a esses profissionais, durante a formação acadêmica, atividades que lhes permitissem discutir ou refletir sobre questões fundamentais ao trabalho docente em matemática, tais como: Qual o papel social e político da matemática no desenvolvimento da cultura, da sociedade e do pensamento humanos? [...] Quais as semelhanças e diferenças entre matemática escolar, a matemática popular e a matemática acadêmica ou científica? [...] De que forma o ensino do cálculo, da álgebra, de estocástica ou de análise matemática poderia ser desenvolvido tendo em vista a formação do professor de matemática para o ensino fundamental e médio? (GONÇALVES; FIORENTINI, 2005, p. 84-85).

Particularmente, acrescentaríamos: de que forma o ensino dessas disciplinas poderia ser

desenvolvido tendo em vista a formação do professor de matemática para atender às

diferentes modalidades de ensino que compõem os níveis de educação?

O que os autores trazem evidencia uma característica ainda muito forte dos cursos de

graduação e pós-graduação em Matemática que consideramos como negativa tendo em vista a

formação do futuro professor, que é a grande importância dada à formação especificamente

matemática em detrimento da formação pedagógica.

Gonçalves e Fiorentini (2005) pontuam ainda que a falta de uma formação acadêmica, do tipo

teórico-prática, pode explicar por que os docentes investigados afirmam que seus saberes da

prática docente – relacionados ao trabalho em sala de aula com os futuros professores, tendo

em vista a formação desses profissionais para a sua realidade de trabalho – foram construídos

e desenvolvidos quase que exclusivamente da própria experiência. Esse fato leva Gonçalves

(2000) a considerar a experiência discente e docente como principal formadora dos saberes

da prática profissional.

45

Entendemos que a experiência profissional seja um importante campo para a formação do

professor, pois é, por meio dela, como afirma Viera Pinto (1982), que o professor se depara

com os problemas reais de sua profissão. No entanto, não podemos deixar de ressaltar a

importância que damos a uma formação inicial realmente comprometida com a prática futura

de seus formandos, para a constituição profissional desse sujeito.

É nesse sentido que trazemos um outro trabalho referente à problemática da formação e

desenvolvimento profissional. Em sua pesquisa, Luciana Parente Rocha (2005) busca

compreender como recém-licenciados em Matemática, na fase de transição de alunos a

professores, se constituem profissionalmente e, principalmente, como elaboram e re-

elaboram, diante dos desafios da prática docente, os saberes que adquiriram durante a

formação inicial.

Esse estudo revela que a passagem de aluno a professor é caracterizada por um período de

intensas aprendizagens e confirma o que diz a literatura em relação ao choque de realidade14.

Essa passagem é marcada por desafios, angústias e dilemas, mas, também, por sentimentos de

satisfação, responsabilidade e alegrias. Rocha ressalta: A análise do processo de mobilização dos saberes adquiridos ao longo da vida, especialmente durante a licenciatura em Matemática mostrou que apesar de os professores perceberem que é na ação pedagógica que eles aprendem e continuam aprendendo a ser professores, reconhecem que a formação acadêmica tem sido fundamental e constitui um diferencial no processo de constituição profissional (2005, p. 9, grifo nosso).

Entre as dificuldades e desafios enfrentados pelos docentes pesquisados nos primeiros anos,

os mais recorrentes nos depoimentos foram: os problemas relacionados à gestão da aula

(como indisciplina, falta de motivação dos alunos, dificuldades na relação professor-aluno,

falta de manejo do computador nas aulas); dificuldades em relacionar o conteúdo matemático

aprendido na universidade com os conteúdos a serem ensinados e as dificuldades referentes ao

próprio sistema de ensino.

Quanto às contribuições da licenciatura para a formação profissional dos docentes,

destacamos dentre os aspectos negativos apontados por eles: a ausência de estudo dos

14 Termo desenvolvido pelo holandês Simon Veenman (1988) em referência às situações que muitos professores enfrentam nos primeiros anos de profissão. Segundo ele, esse conceito dá ideia do corte entre a teoria adquirida na formação inicial e o dia a dia da cultura escolar. (ROCHA, 2005, p. 41-42)

46

conteúdos a serem ensinados da educação básica; a falta de articulação entre esses conteúdos

e os conteúdos das disciplinas específicas (fortemente presente durante todo o curso) e das

disciplinas específicas com as disciplinas pedagógicas; a falta de domínio da matéria de

ensino e de discussões sobre o funcionamento do ensino básico. Com relação aos aspectos

positivos apontados, destacamos: o conhecimento sobre a matéria, fornecido pela forte

formação específica e as reflexões e compartilhamento de percepções, experiências e

aprendizados que aconteciam nas disciplinas pedagógicas, como Prática de Ensino e Estágio

Supervisionado. De acordo com a autora, essa última foi uma instância fundamental na

formação e desenvolvimento profissional apontada por maioria dos docentes pesquisados.

Outro trabalho desenvolvido no campo da formação de professores de matemática, e este

especificamente direcionado à educação de jovens e adultos, foi a pesquisa de mestrado

empreendida por Sonia Maria Schneider (2005) que teve como sujeitos professores de

matemática do ensino fundamental da EJA.

Partindo das reflexões dos sujeitos da pesquisa sobre sua prática docente, a pesquisadora

buscou problematizar as dificuldades de ensino e aprendizagem da Matemática, identificadas

por eles em suas ações pedagógicas, pelo viés dos dilemas que tais dificuldades conformam.

Schneider (2005, p. 11-12) destaca: Os dilemas práticos, como objetos de análise e estudo, são um riquíssimo instrumento para a formação de professores, porque revelam aspectos das práticas em que se situam as dificuldades com as quais os professores estão lidando quotidianamente, e revelam, também, os saberes que são mobilizados nessas situações, tanto para constituí-las como para lidar com elas.

Dentre as dificuldades identificadas pelos docentes e tomadas pela pesquisadora para análise

destacamos aquela relacionada à questão da abstração e formalização para a aprendizagem

matemática. Os professores atribuem ao aluno uma significativa dificuldade no

desenvolvimento de sua capacidade de abstração, segundo eles requerida para a aprendizagem

matemática. Schneider (2005) identificou que esses professores baseiam suas ações

pedagógicas apoiados na concepção de que o desenvolvimento de seus alunos se dá do nível

concreto para o abstrato, embora os alunos já tenham algum tipo de abstração, o que tornaria

tais ações inadequadas. Isso constitui um dilema em cujos polos estão: os pressupostos dos

professores para aprendizagem dos alunos versus modos de aprendizagem dos alunos

(SCHNEIDER, 2005). A pesquisadora ressalta: A atribuição de uma dificuldade para a abstração matemática ao aluno traz implícitas as idéias de que a abstração do aluno e o seu pensamento não se

47

enquadram no modelo de racionalidade abstrata e de pensamento científico que estão na base psicológica e epistemológica da noção de desenvolvimento que os professores adotam (SCHNEIDER, 2005, p. 66).

Assim, continua a autora,

[...] quando, nesse dilema, o professor sugere que a abstração na aprendizagem do aluno se oriente novamente para o concreto, o que parece ser suposto pelo professor é que, para que o aluno possa alcançar uma abstração matemática de acordo com os objetivos escolares, ele precisaria retornar a um nível concreto, ou das abstrações empíricas, para Piaget, para então, orientado pelos objetivos de ensino e aprendizagem escolares, se direcionar para uma abstração matemática satisfatória, ou seja, a escola poderia ensinar o aluno o seu modo de abstrair, mas seria necessário, para isso, que o aluno reiniciasse o seu processo de desenvolvimento (SCHNEIDER, 2005, p. 66).

Isso implica uma desvalorização dos modos de abstração e de aprendizagem desse aluno que,

concordando com Schneider (2005), ao fazê-la, os professores poderão reeditar as condições

para um novo fracasso ou uma nova exclusão desse aluno que, na maioria das vezes, está

retornando à escola depois de algum tempo fora dela.

Entretanto, acreditamos que tal desvalorização ocorra, na maioria dos casos, devido às

próprias dificuldades que os professores encontram em lidar com os alunos da EJA,

decorrente do não conhecimento de como se dá o processo de desenvolvimento cognitivo do

sujeito adulto. Nesse sentido, a pesquisa desenvolvida por Schneider (2005) nos alerta da

consideração de aspectos relevantes como esses nos processos de formação de professores.

Além das considerações acima apresentadas, cabe destacar que, na análise que fizemos dos

periódicos BOLEMA e Zetetiké a partir do ano de 2000, não encontramos muitas referências

a trabalhos mais diretamente ligados à temática de nossa pesquisa desenvolvida nesse período.

De modo geral, o que encontramos de mais próximo se refere a pesquisas desenvolvidas no

âmbito da formação (inicial e continuada) de professores de Matemática, como citaremos a

seguir. Entretanto, não encontramos nesse período referências a trabalhos desenvolvidos no

âmbito da Educação Matemática de Jovens e Adultos ou da formação do professor de

Matemática da EJA. Os trabalhos referenciados nas listas de resumos de dissertações

apresentadas nesses periódicos, que de algum modo identificamos mais próximos de nossa

temática, foram os trabalhos de:

Luci Terezinha M. dos Santos Bernardi (2000). Neste trabalho, a pesquisadora fez uma análise

da concepção epistemológica que embasa a ação dos professores formadores do curso de

Licenciatura em Matemática da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC – e suas

48

implicações na formação do futuro professor. Ela constatou que a maioria dos professores

concebe e trabalha a teoria e prática de forma racionalista: primeiro, é dada a teoria, verdade

indiscutível, depois a aplicação prática, como confirmação da teoria e como adequação da teoria à

realidade;

Marco Antônio Modesto (2002). Por meio desta pesquisa, o autor buscou analisar e

compreender como professores de matemática vivenciam – e analisam – suas participações

em cursos, seminários, workshops e outros momentos de formação permanente, nas quais

estavam ou estiveram envolvidos. Buscou defender a ideia de que, para a formação

permanente propor avanços, é preciso que ela seja articulada e desenvolvida dentro da escola.

Isso porque, segundo esse pesquisador, é na escola que o professor se desenvolve como tal e

constrói seu saber mediado pelas relações que estabelece com seus pares, com os alunos e seu

meio sociocultural, num processo de troca e reflexão permanente sobre a prática.

Franciana Carneiro de Castro (2002). O objetivo desta pesquisa era compreender como o

futuro professor se constitui na prática, tendo como experiência formadora a disciplina de

Prática de Ensino de Matemática e Estágio Supervisionado (PEMES). A análise realizada do

processo de passagem de aluno a professor, experienciada durante o estágio pelo sujeito

pesquisado, mostrou, entre outros aspectos, que essa passagem é tensa. Nela são mobilizados

e problematizados imagens, saberes e modelos internalizados de ação docente ao longo da

vida.

Patrícia Rosana Linardi (2006). No seu trabalho, ela buscou estudar os rastros da formação

matemática nas práticas de sala de professores de matemática, procurando identificar, de

modo particular, na prática profissional de uma professora de matemática, traços daquilo que

ela chamou de matemática do matemático. Com relação à prática e à formação matemática, os

resultados desse estudo com essa professora mostram que ela é capaz de tratar com a

matemática do matemático, mas esses modos de produção de significado não se revelam

como organizadores de sua prática como professora de matemática.

Dos artigos publicados nesses periódicos nesse período, merece destaque aquele apresentado

por Plínio Cavalvanti Moreira e Maria Manuela M. S. David (2003), devido a sua relação com

a temática de nossa pesquisa.

49

Os autores procuram apresentar uma perspectiva de análise da formação matemática do futuro

professor no curso de licenciatura, partindo de uma concepção de matemática escolar. Para

isso, argumentam para mostrar que o processo de constituição da matemática escolar

ultrapassa tanto a concepção desta como versão “didatizada” da matemática científica quanto

a de matemática escolar como uma construção autônoma da prática escolar15.

Na primeira, segundo os autores, o processo de formação do professor acaba girando em torno

da matemática científica, e a prática profissional se torna uma mera instância de aplicação dos

saberes da formação. Na segunda, a prática escolar concebida como uma instância

autossuficiente de produção de saberes profissionais implica uma indiferença àquilo que é

feito no processo de formação do professor.

Entretanto, a referência da prática profissional dos professores assume papel fundamental no

processo de formação desde que a matemática escolar seja concebida como “uma construção

histórica que reflete múltiplos condicionamentos, externos e internos à instituição escolar, e

que se expressa, em última instância, na própria sala de aula” (MOREIRA; DAVID, 2003, p.

78). Assim, os autores concluem que é uma análise dessa prática profissional – em seus

diferentes aspectos: de produção, de retradução, de seleção, de carência e de transmissão de

saberes – que pode fornecer os fundamentos para se pensar criticamente todo o processo de

formação.

3.3 Aspectos cognitivos do desenvolvimento do adulto: algumas considerações

O fato de os professores, como foi dito antes, não conhecerem como se dão os processos de

desenvolvimento cognitivo no adulto está diretamente relacionado ao pouco conhecimento

que se tem, de modo geral, desse assunto. Estudos mais direcionados ao tema só começaram a

ser desenvolvidos na Psicologia por volta de 1970. Antes disso, o período de vida que

compreende a idade adulta e a velhice, portanto todo o período de vida após a adolescência,

foi considerado como período sem mudanças significativas que pudessem chamar a atenção

15 Os autores partem das ideias de Chevallard (1991) de transposição didática para discutir a primeira concepção de matemática escolar e de Chervel (1990) para a matemática escolar como uma construção endógena à escola.

50

para realização de estudos a esse respeito. Isso se deve, em parte, por não ocorrerem, nesse

período, mudanças biológicas tão diversas quanto ocorre na infância e na adolescência.

De acordo com Jésus Palácios (2004a), as propostas de desenvolvimento psicológico, em

geral, até esse momento, consideravam a infância e a adolescência como períodos muito ricos

de mudanças no desenvolvimento psicológico, a idade adulta como momento de estabilidade

sem grandes modificações e a velhice como período de perdas (evolução – estabilidade –

declínio). Isso explica o fato de serem a infância e a adolescência os períodos sobre os quais

encontramos grande quantidade de pesquisas na área da psicologia do desenvolvimento e,

consequentemente, teorias sobre aprendizagem.

Entretanto, a partir da década de 1970, esse quadro começa a assumir um novo formato. As

mudanças que ocorreram na psicologia evolutiva a partir daí se deram, sobretudo, pelo

surgimento e desenvolvimento da psicologia evolutiva do ciclo vital, que propõe que o

desenvolvimento psicológico do sujeito seja analisado durante toda a vida e não somente na

infância e adolescência; além disso, tal perspectiva dá muita importância para variáveis de

natureza histórica e cultural (PALÁCIOS, 2004a). É nesse contexto que todo o período de

vida após a adolescência começa a ganhar atenção dentro da psicologia do desenvolvimento.

Segundo a perspectiva do ciclo vital, o que realmente existe ao longo do desenvolvimento é o investimento de esforços e recursos destinados, em cada idade, a objetivos diferentes. Assim, durante a infância e a adolescência, os recursos se destinam, sobretudo ao crescimento e ao conseqüente desenvolvimento; durante a idade adulta, também há desenvolvimento e mudança, mas boa parte dos recursos se orienta para a manutenção das conquistas prévias, para a resposta aos novos desafios e para a recuperação , no caso de perda, de alguma dessas conquistas; na última etapa da vida, continua havendo desenvolvimento e mudança, mas boa parte dos recursos evolutivos é dedicada à regulação e à compensação das perdas (BALTES; LINDERBERGER; STAUNDIGER, 1998 apud PALÁCIOS, 2004, p. 31-32).

Buscando analisar o desenvolvimento psicológico durante a idade adulta e a velhice, Palácios

(2004b) toma por base uma análise – BIRREN, J. E. & RENNER, J.V., 1977 apud

PALÁCIOS, 2004b – que apresenta diferentes abordagens do conceito de idade16 que,

segundo ele, é a chave para entender as etapas da vida. Segundo esse autor, o

desenvolvimento do indivíduo na adolescência é pouco determinado pela idade cronológica e

16 A análise sugerida por Palácios (2004b) apresenta os seguintes conceitos de idade e seus diferentes significados: Idade Cronológica: refere-se ao número de anos que transcorreram desde o nascimento do indivíduo. Idade Biológica: estimativa do lugar em que uma pessoa se encontra ao seu potencial de vida. Idade Psicológica: está relacionada à capacidade de adaptação de uma pessoa, isto é, às possibilidades de enfrentar as

51

muito mais pela psicológica e social, o que é de considerar bastante aceitável, levando em

consideração que, na adolescência, o desenvolvimento do sujeito é marcado pelas relações

interpessoais que se vão tornando cada vez mais diversificadas com a inserção desse sujeito

nos diversos grupos sociais e no mundo do trabalho

No que diz respeito mais especificamente ao desenvolvimento cognitivo, com relação às

mudanças biológicas sofridas pelo indivíduo, à medida que a idade avança, com o

envelhecimento o tamanho do cérebro diminui e com isso as funções cerebrais são

diminuídas, o que gera uma lentidão e inflexibilidade na transmissão de informações que

implica tempos de reações mais longos, mas essa lentidão está mais ligada a fatores como

doenças do que à idade cronológica (PALÁCIOS, 2004b). Ainda segundo esse autor, as

operações formais não são o ponto final do desenvolvimento intelectual. Algumas

características do que o autor chama de pensamento pós-formal, que corresponde ao

desenvolvimento intelectual na idade adulta e na velhice, estão ligadas à maior relativismo, à aceitação da contradição como um traço da realidade, ao uso de um tipo de intuição que procede de acúmulo de experiência, a uma maior capacidade para sistematizar e para encontrar fórmulas de comprometimento, a uma maior flexibilidade e abertura para diversas fontes de informação, a uma maior convivência com a incerteza, a uma favorável disposição diante do novo e desconhecido (PALÁCIOS, 2004b, p. 385).

Como essas são características do pensamento do indivíduo após a adolescência, é

imprescindível que sejam elas levadas em consideração quando forem pensados os processos

educacionais que envolvam tais sujeitos, em particular quando se pensa em EJA, na qual

outras características devem são agregadas a essas, como interesse por parte dos sujeitos por

conhecimentos ligados a procedimentos e necessidades práticas.

Outra análise do desenvolvimento psicológico adulto é a proposta por José Luís Vega, Belén

Bueno e José Bus (2004). A análise dos autores sobre as mudanças cognitivas que ocorrem na

idade adulta e na velhice tem como suporte a perspectiva do processamento de informação na

qual o ser humano capta a informação do ambiente de forma semelhante à como um

computador recebe e trabalha com a informação. Esses autores reconhecem que, com o

avançar da idade, ocorre um declínio na capacidade de processamento de informação quando

relacionado a atividades que envolvem atenção, memória e, consequentemente,

aprendizagem, mas concordam que as perdas não são tão severas como se pensava

demandas do ambiente; Idade Funcional: integra os conceitos da biológica e psicológica; Idade Social: está relacionada com os papeis e as expectativas sociais associadas a determinadas idades cronológicas.

52

inicialmente. Propõem que tal declínio possa ser atribuído a alguma combinação de problemas

nos processos básicos da cognição como reconhecimento, exploração do ambiente, integração

da informação de diversos sentidos e a aprendizagem – “hardware” – e na base de dados,

conhecimento acumulado ao longo do tempo e as estratégias que utiliza para processar a

informação – “software”.

O desenvolvimento cognitivo é analisado pelos autores com base em três etapas: os processos

sensório-perceptivos, os processos de filtro e armazenagem e os processos superiores.

Quanto aos processos sensório-perceptivos, segundo os autores, alguns problemas surgem

com o passar do tempo, como dificuldades na visão, perdas auditivas, lentidão motora, entre

outros, que podem interferir na captação e interpretação da informação transmitida

comprometer a aprendizagem. Os processos de filtro e armazenamento de informações são,

respectivamente, a atenção e a memória. Eles falam a respeito de três tipos de atenção

(mantida, dividida e seletiva) e de uma função que consiste na mudança da atenção17. Estudos

têm mostrado que, nas situações em que se exige atenção mantida, as pessoas de mais idade

são menos precisas que os jovens no início de um processo de detecção, mas não na evolução

de uma determinada atividade (VEGA; BUENO; BUS, 2004). Quanto à atenção dividida,

afirmam que, para as pessoas mais velhas, essa capacidade diminui quando elas têm de prestar

muita atenção a várias atividades simultaneamente. Quanto à seletiva, para eles, fundamental

para o processo de aprendizagem, afirmam que

[...] as diferenças que há nos níveis de execução de adultos e de pessoas mais velhas em relação aos mais jovens vai depender da natureza da atividade proposta: quando uma tarefa de seleção de informações é simples e não se tem de processar muita informação irrelevante, não aparecem diferenças na atenção seletiva entre os diferentes grupos de idade. Entretanto, quando for necessário selecionar uma informação relevante em um contexto de muita informação irrelevante, aí sim aparecem claras diferenças com a idade, e estas prejudicam as pessoas mais velhas (VEGA; BUENO; BUS, 2004, p. 394)

De acordo com o que apresentam os autores, a atenção é um processo complexo no qual

intervêm muitos fatores como: a dificuldade e a novidade das atividades, a quantidade de

informação irrelevante que contenha e a velocidade com que deve ser enfrentada.

17 “(...) manter a atenção na atividade que se realiza durante um certo tempo requer atenção mantida; quando se realizam duas atividades ao mesmo tempo, estamos diante de um problema de atenção divida; se forem selecionados sinais de todo um conjunto de estímulos, falamos em atenção seletiva; por último, se mudamos de uma atividade para outra, centrando-nos primeiro em uma e depois em outra, falamos de mudança de atenção”(VEGA; BUENO; BUS, 2004, p. 393)

53

As questões tratadas acima são de grande relevância quando consideramos as atividades

desenvolvidas com alunos da EJA. Sabemos que é real o problema da grande diversidade de

idades entre os alunos. Portanto, há que repensar os modelos atividades propostos de modo a

levar em consideração essas questões, porque acreditamos que parte das dificuldades

encontradas por alguns alunos de EJA se deva justamente ao fato de tais atividades não

levarem em conta suas diferenças, gerando assim disparidade nos resultados obtidos. Isso

indica, de modo mais geral, repensar o currículo de Matemática da EJA que, por muito tempo,

e ainda hoje, salvo algumas exceções, esteve repleto de conteúdos “desnecessários”,

questionando a respeito do que é de fato relevante para a educação desses sujeitos.

No que diz respeito à memória, os autores a dividem em:

1. Capacidades – compostas de estruturas – memória sensorial, memória de curto prazo

e memória de longo prazo – e de processos (codificação, armazenamento e

recuperação);

2. Conteúdos – têm relação com o conhecimento armazenado e estão subdivididos em

memória de procedimentos, que diz respeito a atividades que foram muito praticadas e

são realizadas de modo muito automático, e memória declarativa, relacionada ao

conhecimento acumulado que pode ser: episódico – quando se refere a lembranças

pessoais vinculadas a um determinado tempo e lugar, ou semântico – quando se refere

ao nosso conhecimento organizado e sistematizado.

De modo geral, os autores apontam um declínio nas capacidades da memória, ao passo que os

conteúdos podem aumentar com a idade. No que compete às memórias sensorial e em curto

prazo, parece não haver mudanças significativas à medida que a idade aumenta. No entanto,

em relação à memória em longo prazo, a respeito de eficiência, “ela parece ser mais afetada

pela idade, de modo que apresenta uma significativa diminuição da juventude para idade

adulta e para a velhice” (VEGA; BUENO; BUS, 2004, p. 396). Com relação aos conteúdos da

memória em longo prazo, os autores afirmam: A memória de procedimentos não costuma se alterar com a idade, de modo que são conservadas as habilidades aprendidas e praticadas reiteradamente. Quanto à memória declarativa, tradicionalmente se pensava que as lembranças episódicas eram sensíveis ao envelhecimento, enquanto que as lembranças semânticas não podiam deteriorar com ele (Russo e Parkin, 1993). No entanto, estudos têm

54

demonstrado diminuições relacionadas à idade em diversos tipos de atividades de da memória semântica (VEGA; BUENO; BUS, 2004, p. 396).

Entretanto chamam a atenção para o fato de que muitos desses resultados são baseados em

estudos de laboratório e, portanto, devem-se acrescentar considerações relacionadas à

utilização da memória em situações cotidianas.

Retomando a discussão sobre as atividades a serem desenvolvidas na EJA e sobre a memória,

parece ser adequado então que as atividades desenvolvidas sejam de tal modo que levem em

consideração tais perdas, compensando com atividades que façam também uso da memória de

procedimentos. Isso aponta o fato de tomar o trabalho desses sujeitos como princípio

orientador.

Sobre a aprendizagem, apesar do exposto relativamente às mudanças que ocorrem nos

processos de atenção e memória dos indivíduos enquanto a idade avança, os autores afirmam

que, em geral, as pessoas mais velhas não têm problemas físicos ou cognitivos que as

impeçam de se favorecerem com a educação formal. Para estes autores, o fato dessas pessoas

não se envolverem muito nesse tipo de atividade não significa que não sejam capazes de

aprender, “mas isso deve ser interpretado à luz de fatores históricos e sociais (MC DONALD,

1995), ou de fatores pessoais relacionados à falta de motivação, à baixa auto-estima, às

experiências escolares prévias ou à pouca familiaridade com o sistema educacional atual”

(VEGA; BUENO; BUS, 2004, p. 397).

Tendo em vista nossos objetivos de pesquisa, especialmente o terceiro deles, pareceu

relevante trazermos, além da abordagem exposta acima dos autores da Psicologia Evolutiva,

algumas considerações acerca da memória, tomada como fruto de construções coletivas, de

interações sociais – no campo da Psicologia Social. É importante que deixemos claro que não

é nosso interesse nesse momento discutir de modo aprofundado este tema, mas simplesmente

fazer algumas indicações a respeito dele. Um estudo mais aprofundado sobre o assunto nós

pretendemos desenvolver em artigo futuro.

De acordo com estudos da Psicologia Social, é no campo das interações entre o indivíduo e o

meio social a que pertence, que se dá a construção da memória como processo coletivo.

Segundo Maurice Halbwachs (2004) o indivíduo carrega em si suas lembranças, mas é no

55

contexto das relações que ele mantém com os grupos e instituições sociais a que pertence que

ele as constrói.

Para além da produção da memória Halbwachs (2004) indica que as lembranças podem, a

partir das interações sociais que se dão nos grupos, ser reconstruídas ou simuladas. Podemos

criar representações do passado assentadas na percepção de outras pessoas, no que

imaginamos ter acontecido ou pela internalização de representações de uma memória histórica

(CARVALHAL, 2006). Assim, tanto nos processos de construção da memória, como no

processo de recordar-se, a presença do outro tem papel fundamental.

Seguindo esta linha de pensamento, considerando a memória como um fenômeno social, de

constituição coletiva, Fonseca (2007) chama a atenção para as marcas da ideologia na

determinação daquilo que é lembrado e daquilo que é esquecido. De acordo com esta autora,

“se a memória é determinada coletivamente, então também o será ideologicamente, uma vez

que os processos coletivos que permitem que se dê a memorização são parte de padrões

ideológicos mais amplos” (BILLIG, 1990 apud FONSECA, 2007, p. 230). Levando em conta

tais considerações, ao precisar analisar – em trabalho por ela desenvolvido – as interações

discursivas ocorridas em situações de ensino e aprendizagem de Matemática na EJA, Fonseca

(2007) julgou ser esclarecedor e fértil procurar identificar elementos retóricos constituídos

ideologicamente, incrustados no processo e no produto das enunciações de educadores e

educandos. Além disso, com relação ao processo de rememoração, Fonseca (2007) nos diz

que: a dimensão semântico-pragmática da rememoração, constitutiva dos modos de se ensinar e aprender matemática, [...], também se configura como coletiva, ainda que os sujeitos que componham uma classe específica de EJA jamais tenham convivido uns com os outros, antes de serem reunidos numa mesma sala de aula de adultos: os enunciados que proferem nas interações discursivas que ali se realizam constituem-se das vivências lembradas que não se referem a fatos de interesse exclusivamente pessoal, mas que são justamente aquelas ‘que se encaixam no marco aportado por nossas instituições sociais – aquelas que temos sido socializados – caso contrário, não se recordariam’ (SHOTTER, 1990, p.148) (FONSECA, 2007, p. 234).

Portanto, é na relação desse sujeito com as instituições sociais, por exemplo: a família, a

igreja, a escola, etc., que se forjam os princípios de seleção do que é lembrado e do que é

esquecido, do que se diz do que é lembrado e do se diz do que se silencia, e dos modos de

dizer e do não-dizer, completa Fonseca.

56

Numa dimensão mais metodológica, ao se referir à história oral – que têm a rememoração

como um de seus elementos fundamentais – Verena Alberti (2004) nos diz que a

peculiaridade da história oral decorre de toda uma postura com relação à história e às

configurações sócio-culturais, que privilegia a recuperação do vivido (rememoração)

conforme concebido por quem viveu.

No processo de recuperação do vivido, quando de uma entrevista de história oral, Alberti

(2004) chama a atenção para a questão de um trabalho de enquadramento e manutenção da

memória18 levado a cabo tanto pelo entrevistado quanto pelo entrevistador. Esse trabalho

consiste em privilegiar acontecimentos, datas, personagens, etc., dentro de determinada

perspectiva, o que acreditamos ser influenciado por posições ideológicas. Também nesse

processo percebemos a presença do outro – nesse caso representado, também, pela pessoa do

entrevistador – no processo de reconstrução da memória.

No que tange às dimensões mais gerais da cognição os autores revelam que, no campo do

estudo da inteligência nesse período de vida, há consenso em distinguir inteligência fluida de

inteligência cristalizada. A primeira corresponde aos processos cognitivos básicos e tem que

ver com habilidades para lidar com situações novas, capacidade de perceber relações, formar

conceitos e resolver problemas. A segunda é o produto dos conhecimentos que se adquirem ao

longo do ciclo vital e tem que ver com aplicação da inteligência fluida aos conteúdos culturais

e acadêmicos recebidos ao longo da vida. É o conhecimento organizado que foi sendo

acumulado ao longo da vida.

Relativamente à evolução, salvo as individualidades, a inteligência fluida é crescente até a

idade adulta quando começa a decrescer, tendo uma queda rápida na velhice. Essa diminuição

da inteligência fluida na velhice estaria associada a causas, como lentidão progressiva da

percepção ou menor capacidade de concentração (HORN, 1976 apud VEGA; BUENO; BUS,

2004), enquanto a inteligência cristalizada tem uma evolução crescente durante todo o ciclo

vital. Em geral, os autores concluem que, apesar de haver determinados declínios no

funcionamento cognitivo nos adultos e nos idosos, é possível a continuidade predominar,

desde que se faça uso de habilidades específicas de que se dispõe para compensar as perdas

sofridas em outras áreas.

18 Para maior aprofundamento sobre esse assunto consultar: POLLAK, Michel – 1989 – “Memória esquecimento e silêncio”. Estudos Históricos. Rio de Janeiro. CPDOC-FGV, v. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.

57

É importante destacar que, diferentemente do que se propôs por muito tempo a respeito de

desenvolvimento psicológico e, consequentemente, cognitivo, após a adolescência são

consideráveis as mudanças que ocorrem no desenvolvimento desses sujeitos durante todo o

ciclo vital; daí faz sentido em falar de educação de jovens e adultos, pois, caso contrário, qual

seria o papel dessa educação se continuássemos acreditando no período após a adolescência

como um período de estabilidade e de ausência de mudanças significativas? Devemos

considerar também que, no caso dos sujeitos da EJA, além das características apresentadas

pelos autores da Psicologia, existem outras que lhes são específicas e, portanto, merecedoras

de atenção. De certa forma, a pesquisa desenvolvida por Marta Kohl de Oliveira (2004) trata

desse aspecto.

Buscando aprofundar a reflexão sobre como os adultos trabalhadores pensam e aprendem as

relações entre funcionamento intelectual e vida adulta, escola e trabalho, M. K. de Oliveira

(2004) propõe uma análise do desenvolvimento psicológico do adulto com base numa

perspectiva histórico cultural, em vez de considerar as abordagens tradicionais da psicologia

que se baseavam principalmente nos processos de maturação biológica, universais para todos

os indivíduos. Para ela, tais abordagens desconsideravam o sujeito inserido em diferentes

grupos sociais e culturais e as consequências dessa inserção para o desenvolvimento dele.

A autora sugere que, no campo da psicologia educacional, uma análise do desenvolvimento

psicológico seja feita, levando em consideração os ciclos de vida19. E, segundo a autora, por

sua vez “os ciclos de vida deveriam ser compreendidos a partir das atividades em que os

sujeitos estão envolvidos e os correspondentes instrumentos, signos e modos de pensar”

(OLIVEIRA, M. K., 2004, p. 218). Dessa forma, a autora, pautada em Tulviste (1999)20,

propõe que o desenvolvimento cognitivo do adulto seja analisado, compreendido e explicado

com base nas atividades que ele desenvolve, porque o adulto, diferentemente da criança e do

adolescente, está inserido no mundo do trabalho e das relações interpessoais de um modo

diferente da criança e do adolescente. Assim, sua análise se dá sobre adultos trabalhadores,

19 Mesmo que as sociedades sejam organizadas por idades, elas possuem um sistema de expectativas sociais com relação ao comportamento apropriado a cada idade. O indivíduo passa, durante sua vida, por uma sucessão de status de idade delineados socialmente, cada um com seus direitos, deveres e obrigações reconhecidos. A ideia dos ciclos de vida não nos remete, portanto, a uma passagem por um percurso abstrato (natural) da vida humana, mas por um percurso contextualizado historicamente (cultural) (OLIVEIRA, M. K., 2004).

58

estudantes de um curso supletivo e alguns desses participantes de atividade sindical. Cabe

destacar que, na análise empreendida, a “comparação” se deu entre os sujeitos do mesmo

meio, que participavam da mesma comunidade e mantinham relações entre si, diferenciadas

apenas pelas atividades que desenvolviam, não tomando como referência um “adulto

abstrato” (OLIVEIRA, M. K., 2004).

Da análise empreendida pela autora, ela observou que a participação na atividade sindical se

apresenta como prática de grande relevância para constituição de um determinado modo de

funcionamento psicológico. Os sujeitos que mantinham participação ativa no movimento

sindical apresentavam melhores resultados nas atividades escolares. Entretanto, confirma que, se por um lado, os alunos que se destacam no curso supletivo são aqueles que participam mais ativamente da atividade sindical, por outro lado, a escolaridade é considerada importante, e quando baixa, aparece como falta, como algo que definitivamente faz diferença no desempenho pleno no âmbito do sindicato (OLIVEIRA, M. K., 2004, p. 224).

Isso sugere uma complementaridade entre a escolarização e as atividades das quais participam

os sujeitos. Essa complementaridade possibilita o desenvolvimento cognitivo deles. Além da

relação de complementaridade, a autora assinala a importância de considerar as trajetórias

singulares dos diferentes sujeitos e a questão de que não haveria única forma de

funcionamento psicológico para o ser humano. Ser adulto, trabalhador, estudante, participante de sindicato – e pai de família, membro de grupo religioso, militante de partido político, etc., – são condições que, em diferentes combinações e com diversos significados, constituem formas peculiares de construção de conhecimento e de aprendizagem, evidenciando que o desenvolvimento psicológico é um processo de constante transformação e de geração de singularidades (OLIVEIRA, M. K., 2004, p. 225).

Analisar a constituição do sujeito adulto sob esse aspecto implica considerá-lo

concomitantemente como um ser coletivo que trabalha, vive em determinados grupos,

mantém certas relações, participa de determinadas práticas culturais, e simultaneamente

apresenta características tão particulares que o tornam único. Esse tipo de análise, segundo a

autora, ainda precisa ser muito aprofundado, o que se constitui num grande desafio a ser

enfrentado. Implica considerar, por exemplo, o trabalho como uma “matriz formadora”

(ARROYO, 2006).

20 TULVISTE, P. Activity as explanatory principle in cultural psychology. In: CHAIKLIN, S.; HEDEGAARD, M.; JENSEN, U. J. (Orgs.) Activity theory and social practice: cultural-historical approaches. Aarhus: Aarhus University Press, 1999.

59

As ideias que os autores apresentados trazem no campo da Psicologia do Desenvolvimento

indicam alguns direcionamentos para o trabalho a ser desenvolvido na EJA. Como já foi dito,

diferentemente do que se pensava, concorda-se hoje que o período de vida após a

adolescência é um período de importantes transformações no desenvolvimento psicológico do

sujeito. Devemos ter em mente, quando trabalhamos com educação de jovens e adultos, que

as diferenças existem e devem ser cuidadosamente consideradas, seja nas atividades propostas

em sala de aula, seja na relação entre professor e alunos, seja no currículo, para que não se

promova uma segunda exclusão desses sujeitos. As propostas apresentadas pelos autores

indicam, a nosso ver, uma orientação para uma educação de jovens e adultos que se baseie no

mundo do trabalho desses sujeitos, em sua vida real, nas relações com os outros e com o meio

em que vive, levando em consideração suas especificidades biológicas, psicológicas, sociais,

culturais e históricas.

Entre as teorias pesquisadas e estudadas neste capítulo, pensando na problemática e questão

de pesquisa, escolhemos algumas ideias centrais que serão aprofundadas no capítulo seguinte.

Essas serão as referências teóricas de nossa pesquisa, e os autores apresentados, nossos

referenciais teóricos.

60

4. QUADRO TEÓRICO DE REFERÊNCIA

4.1 Formação do professor

Antes de tratarmos propriamente da formação do professor, achamos conveniente trazer o que

um dos autores, escolhidos como referência, entende por educação. Isso se faz necessário

porque, com base nessa compreensão com a qual concordamos se fundam as próprias ideias

desse autor a respeito da formação do professor.

Com base na concepção do ser humano como um ser limitado, finito, inconcluso, mas

consciente de sua inconclusão21, e por esse motivo “ininterruptamente em busca”, Paulo

Freire (2001) compreende a educação como prática permanente. Segundo esse autor, seria

impensável que um ser assim em permanente busca e, porque histórico, preocupado sempre

com o amanhã, não se achasse inserido, ingênua ou criticamente, num incessante processo de

formação. Assim, afirma o autor: A educação é permanente não porque certa linha ideológica ou certa posição política ou certo interesse econômico o exijam. A educação é permanente na razão, de um lado, da finitude do ser humano, de outro, da consciência que ele tem de sua finitude de ser. Mais ainda, pelo fato de, ao longo da história, ter incorporado à sua natureza não apenas saber que vivia, mas saber que sabia e, assim, saber que podia saber mais. A educação e a formação permanente se fundam aí (FREIRE, 2001, p. 12).

E é partindo desse ponto que iremos considerar, assim como esse autor, a formação do

professor como um processo permanente, que se dá ao longo de sua vida e não (somente) em

espaços e tempos isolados e determinados porque, como acrescenta Dario Fiorentini e

Francisca Carneiro de Castro (2003, p. 124), acreditar que a formação do professor acontece em intervalos independentes ou num espaço bem determinado é negar o movimento social, histórico e cultural de constituição de cada sujeito. O movimento de formação do professor não é isolado do restante da vida. Ao contrário, está imerso nas práticas sociais e culturais.

Embora acreditemos que a formação do professor aconteça nos múltiplos espaços e momentos

da vida, envolvendo aspectos pessoais, familiares, institucionais e socioculturais, fique claro

que não negamos a necessidade dos modelos de formação, que se pautam nos aspectos

pontuados por Fiorentini e Castro (2003) – intervalos independentes e em espaços bem

21 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

61

determinados. Na verdade estes fazem parte daqueles. Compreendemos esses espaços/tempos

(determinados e independentes) de formação como a parte sistematizada do processo mais

amplo que o engloba.

Voltando à questão da formação permanente, Freire (1979, 2001, 2008) aponta como

elemento fundamental esta formação, “a prática de analisar a prática”: é na prática e na

reflexão crítica sobre a prática que o sujeito se constitui professor, é no conhecimento de sua

realidade de mundo de trabalho, da experiência nas relações que se dão neste mundo que o

professor pode desenvolver sua “ação-reflexão” fundamental para sua formação. Por isso é

que se tem insistido – como citado anteriormente na seção 3.2.2, com Ponte (2002), Pavanello

(2003), E. C. de Oliveira (2004), – na necessidade de considerar a prática e a reflexão crítica

sobre ela, promovida por sua relação com a teoria, naqueles espaços/tempos determinados de

formação, dos quais fazem parte as licenciaturas. No que compete à formação dos professores

em serviço, Freire (2008, p.39) acrescenta: É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática [...] quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica.

A esse elemento, do refletir sobre a própria prática, seja passada, seja presente, soma-se a

observação atenta da prática de outros sujeitos. Nós, professores, de certa forma, fomos sendo

formados desde a infância, é claro que sem consciência disso. Passamos nossa vida escolar

vendo nossos professores, exercendo sua profissão e adotando muitas vezes as práticas desses

professores como modelo para a própria prática, até mesmo aquelas que tão criticadas

sugerem os modelos a não serem seguidos. Como diria Freire (2001, p. 42), “na verdade, não

nasci marcado para ser professor a esta maneira, mas me tornei assim na experiência de minha

infância, de minha adolescência, de minha juventude”.

Esse tipo de formação do professor chamada em Fiorentini (2004) de “incidental ou

ambiental” é analisada por esse autor num caso particular, quando ele vai tratar da formação

promovida pelas disciplinas matemáticas da Licenciatura em Matemática. Esse pesquisador

esclarece: A maioria dos professores de Cálculo, de Álgebra, de Análise de Topologia etc... acredita que ensina apenas conceitos e procedimentos matemáticos. Eles, geralmente, não percebem ou não têm consciência que ensinam também um jeito de ser professor, isto é, um modo de conceber e estabelecer relação com a matemática e de aprendê-la, e avaliar sua aprendizagem. Ou seja, há um currículo oculto1

62

subjacente à ação pedagógica desse professor, pois ele ensina muito mais do que pensa ensinar. O futuro professor não aprende dele apenas uma matemática, internaliza também um modo de concebê-la e de tratá-la [...] Essa imersão prática é necessariamente formadora, pois levam os futuros professores a adquirem crenças, valores representações e certezas sobre a prática do ofício de professor [...] (FIORENTINI, 2004, p.5, grifo do autor).

É nesse sentido que Fiorentini (2004) vai afirmar que “as disciplinas matemáticas também

formam pedagogicamente”:

- Por um lado, elas podem contribuir para uma formação que “tenda a perpetuar a tradição

pedagógica” em que o aluno é basicamente um ouvinte, devendo acompanhar todos os

raciocínios e procedimentos do professor e depois os treinando em listas de exercícios. Nessa

experiência de formação, o aluno começa a aceitar que o formador é o sujeito em relação a

quem ele deve se considerar um objeto, na qual o formador é o sujeito que forma e ele, o

objeto a ser formado. Para Freire (2008, p.22), “[...] Nessa forma de compreender e viver o

processo formador, eu, objeto agora, terei a possibilidade, amanhã de me tornar o falso sujeito

da ‘formação’ do futuro objeto de meu ato formador”.

- Por outro lado, elas podem contribuir para uma formação em que o aluno se constitua sujeito

do conhecimento, ou seja, principal protagonista de seu processo de aprender. Portanto,

“sujeito de sua própria formação” (FREIRE, 2008), desde que o educador matemático, tendo

em vista a formação do futuro professor de matemática e consciente dessa formação implícita

ou incidental, adote um modelo didático em que sejam planejadas para suas aulas “tarefas e

atividades exploratórias e problematizadoras das dimensões conceituais, procedimentais,

epistemológicas e históricas dos saberes matemáticos [...]” (FIORENTINI, 2004, p. 6).

Todavia, ainda que essas disciplinas contribuam para uma formação que tenda a perpetuar a

tradição pedagógica, é na prática que o professor poderá renovar e ressignificar os saberes

adquiridos durante todo o processo de escolarização, passando a desenvolver o próprio

repertório de saberes (FIORENTINI; CASTRO, 2003), ao que Freire (2008, p.25)

completaria: [...] em que pese o ensino “bancário”, que deforma a necessária criatividade do educando e do educador, o educando a ele sujeitado pode, não por causa do conteúdo cujo “conhecimento” lhe foi transferido, mas por causa do processo mesmo de aprender, dar, como se diz na linguagem popular, a volta por cima e superar o autoritarismo e o erro epistemológico do bancarsismo. [...] Neste caso, é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera

63

os efeitos negativos do falso ensinar. Esta é uma das significativas vantagens dos seres humanos – a de se terem tornado capazes de ir mais além de seus condicionantes (grifo nosso).

4.2 Ver e conceber o ensino da matemática e a educação de jovens e adultos no Brasil e suas implicações

[...] a opção feita pelo trabalhador social irá determinar tanto seu papel como seus métodos e suas técnicas de ação. (FREIRE, 1979, p. 49)

O estudo dos modos de ver e conceber tanto a matemática e seu ensino quanto a educação de

jovens e adultos nos pareceu importante de ser retomado. Acreditamos ser ele útil para

compreensão daquilo que os professores dizem a respeito das contribuições de sua formação

em matemática, tendo em vista seu trabalho na educação de jovens e adultos. Isso porque o

que apresentamos até o momento nos leva a colocar em destaque o lugar que essa formação –

com seus modos próprios de ver e conceber a matemática, seu ensino, e a educação de jovens

e adultos – ocupa na construção do “ideário pedagógico” desses sujeitos professores.

Fiorentini (1995) (do qual tomamos emprestada parte da ideia desta subseção) identificou em

sua análise um grupo de seis tendências que segundo ele tiveram uma presença marcante na

configuração do ideário da Educação Matemática Brasileira. Elas representam alguns modos

historicamente produzidos de ver e conceber o ensino da matemática no Brasil. A seguir

apresentamos cada uma delas, destacando alguns traços característicos descritos pelo autor.

Tendência Formalista Clássica

Essa tendência era caracterizada pela ênfase às ideias e formas da Matemática Clássica,

sobretudo o modelo euclidiano e a concepção platônica de matemática22. O ensino era

acentuadamente livresco, centrado no professor cujo papel era transmitir e expor o conteúdo

por meio de preleções ou desenvolvimentos teóricos no quadro. A aprendizagem do aluno era

considerada passiva e consistia na memorização e na reprodução (imitação/repetição) precisa

dos raciocínios e procedimentos ditados pelo professor ou pelos livros.

22 Modelo euclidiano: caracterizado pela sistematização lógica do conhecimento matemático a partir de elementos primitivos (definições, axiomas e postulados). Essa sistematização é expressa por meio de teoremas e corolários que são deduzidos dos elementos primitivos; Concepção platônica: caracterizada por uma visão estática, a-histórica e dogmática das ideias matemáticas, como se elas existissem independentemente dos homens. (FIORENTINI, 1995).

64

Tendência Empírico-Ativista

Nessa tendência, continua-se a acreditar que as ideias matemáticas são obtidas por descoberta.

A diferença é que aqui elas preexistem não num mundo ideal como na concepção platônica,

mas no próprio mundo natural e material em que vivemos. O professor deixa de ser o

elemento fundamental, tornando-se orientador ou facilitador da aprendizagem, e o aluno passa

a ser o centro da aprendizagem. No associacionismo, viés empírico-sensualista dessa

tendência, o aluno “aprende” os conceitos de quadrado mediante a ação perceptual de “ver” a

réplica de um quadrado.

Tendência Formalista Moderna

Abordagem internalista da Matemática: a Matemática por si mesma, autossuficiente. Enfatiza-

se o uso preciso da linguagem matemática, o rigor e as justificativas das transformações

algébricas por meio das propriedades estruturais. A Matemática escolar perde tanto seu papel

de formadora da “disciplina mental” como seu caráter de ferramenta para a resolução de

problemas. Essa proposta de ensino parecia visar à formação do especialista matemático.

Tendência Tecnicista e suas variações

A finalidade do ensino nessa tendência é desenvolver habilidades e atitudes computacionais e

manipulativas, capacitando o aluno para a resolução de exercícios ou de problemas-padrão. O

centro nessa tendência não era nem o professor, nem o aluno, mas os objetivos instrucionais,

os recursos e as técnicas de ensino. Buscava enfatizar o fazer em detrimento de outros

aspectos importantes, como o aprender, o refletir, o analisar e o justificar.

Tendência Construtivista

Aqui a Matemática é vista como um constructo que resulta da interação dinâmica do homem

com o meio que o circunda. Por isso, essa corrente dá prioridade ao processo que ao produto

do conhecimento. Interessante papel é atribuído ao erro que o aluno comete ao realizar uma

tarefa matemática. O erro passa a ser visto não como algo negativo, ruim, que deve ser

prontamente corrigido pelo professor, mas como uma manifestação positiva de grande valor

pedagógico.

65

Tendência Socioetnocultural

Apoiada nas ideias pedagógicas de Paulo Freire, que denuncia a “educação bancária” e a ela

se opõe. Essa tendência valoriza o saber popular trazido pelo aluno e sua capacidade de

produzir saberes sobre a realidade. O conhecimento matemático passa a ser visto como um

saber prático, relativo, não-universal e dinâmico, produzido histórico-culturalmente nas

diferentes práticas sociais, podendo aparecer sistematizado ou não.

A ideia de trazer uma breve descrição dessas tendências não foi com o intuito de enquadrar,

numa determinada tendência, este ou aquele professor, seja “formador”, seja “formado”,

mesmo porque isso não seria possível. Concordando com Fiorentini (1995), cada professor

constrói, de modo único e particular, seu ideário pedagógico com base em pressupostos

teóricos e em sua reflexão sobre a prática [seja a sua, seja a de outro]. Nessa construção

podem aparecer elementos de duas ou mais tendências pedagógicas. Mas, complementando o

que dissemos no início, elementos dessas tendências podem ser identificados nas atribuições

pelos professores formados quanto às contribuições de sua formação para sua prática, isto é,

identificados por eles nas próprias práticas, porque, conforme destaca Fiorentini (1995. p. 4),

ao concordar com Ponte (1992), [...] por trás de cada modo de ensinar, esconde-se uma particular concepção de aprendizagem, de ensino, de Matemática e de Educação. O modo de ensinar sofre influência também dos valores e das finalidades que o professor atribui ao ensino da matemática, da forma como concebe a relação professor-aluno e, além disso, da visão que tem de mundo, de sociedade e de homem.

As marcas dessas tendências representadas nos modos de ensinar matemática, na matemática

que é ensinada para os alunos jovens e adultos, na relação estabelecida entre o professor e os

alunos da EJA, uma vez identificadas nos depoimentos dos professores, são evidências da

influência que esses sujeitos tiveram – seja de seus professores, seja de colegas de profissão,

seja de outras formas – durante todo seu processo de formação profissional, de modo

particular, na formação inicial.

Simultaneamente, pareceu-nos também relevante destacar como a educação de jovens e

adultos tem sido vista e assumida no Brasil, uma vez que os professores, sujeitos da pesquisa,

estão imersos nesse campo e, portanto, devem possuir seus modos de ver e conceber essa

educação.

66

Segundo Jane Paiva (2004), duas vertentes passaram a configurar a educação de jovens e

adultos após a V Conferência Internacional de Educação de Adultos (V Confintea-

Hamburgo, 1997): a vertente da escolarização assegurando o direito à educação básica a todos os sujeitos, independente da idade, por passar a ser vista a educação como direito humano fundamental; a vertente da educação continuada, entendida pela exigência do aprender por toda a vida, independente da educação formal, incluindo-se nessa vertente as ações educativas de gênero, de etnia, de profissionalização, questões ambientais, etc., assim como a formação continuada dos educadores, estes também jovens e adultos em processo de aprendizagem. [...] Por essa concepção, inclusive, reconceitualizava-se a área, não mais restrita à questão da escolarização, ou da alfabetização, como foi vista por longo tempo (PAIVA, 2004, p 31)

Embora haja uma grande variação das concepções e sentidos em torno da EJA, a visão mais

forte que se observa está ligada à volta à escola para fazer, no tempo presente, o que não foi

feito na infância (PAIVA, 2006), para recuperar o tempo perdido. Por mais que os discursos

apontem uma educação de jovens e adultos “que promova processos de aprendizagem pelos

quais seus sujeitos se tornem independentes, capazes de aprender por si próprios, com

condições de acompanhar a velocidade e complexidade dos acontecimentos que os cercam e

pelos quais os sujeitos se produzam e se humanizam, ao longo de toda a vida” (PAIVA, 2004,

p. 32), em geral, as práticas os contrapõem, colocando nos bancos escolares os sujeitos da

EJA e tentando-lhes inculcar fórmulas e regras que não lhes apresentam significado algum.

Apesar dessas evidências, Paiva (2004, 2006) chama a atenção para um novo cenário que

começa a se configurar. É aquele promovido por meio dos Fóruns EJA com efetiva

interferência nas concepções e práticas, porque se realiza como formação continuada. Esse

método democrático pautado na cidadania traz para esse movimento – além da participação de

educadores, de universidades, de movimentos sociais e de outras organizações não

governamentais – a participação significativa de secretarias municipais de educação e outros

organismos governamentais, pela qual se tem podido, em muitos casos, interferir em políticas

locais. Mas o alcance dos fóruns nos parece ainda insuficiente, porque não percebemos uma

participação efetiva de secretarias de educação de municípios que se encontram mais

afastados dos centros; onde se localizam as coordenações dos fóruns e onde eles se realizam,

como é o caso do município de São Mateus-ES.

Observamos, em meio a esses dois campos de sentidos e concepções, modos de ver a

Matemática, seu ensino e a educação de jovens e adultos. É preciso haver um lugar onde esses

67

modos se relacionem, se integrem, formando um modo próprio de ver a Matemática e seu

ensino para EJA, a partir do qual as práticas sejam influenciadas.

Ao analisar a tendência Socioetnocultural, Fiorentini (1995) destaca que, embora, na prática

escolar essa tendência tenha se restringido a algumas experiências isoladas, principalmente na

educação de adultos, suas ideias vêm influenciando, “de modo enviesado”, alguns professores

a se restringirem à matemática prática, empírica e intuitiva. “[...] Alguns chegam até a

romantizar o saber popular, de tal maneira, que passam a negar os conhecimentos mais

sistematizados e elaborados historicamente por outros grupos culturais (dominantes ou não)

(FIORENTINI, 1995, p. 27)”. Isso implica negar aos sujeitos da EJA o acesso a esses

conhecimentos. Em relação a esse aspecto, Maria da Conceição Ferreira Reis Fonseca (1999,

p. 33) alerta que [...] é preciso tomar em consideração que os alunos não vêm à escola apenas à procura de aquisição de um instrumental para uso imediato na vida diária, até porque parte dessas noções e habilidades de utilização mais freqüente no dia-a-dia eles já dominam razoavelmente (embora manifestem indícios de seu desejo – às vezes reprimido – de realiza-lo). Isso leva a conferir ao ensino da Matemática que se pretende ali processar um caráter de sistematização, de reelaboração e/ou alargamento de alguns conceitos, de desenvolvimento de algumas habilidades e mesmo treinamento de algumas técnicas requisitadas para o desempenho de atividades heurísticas e algorítmicas.

Assim, essa autora apresenta para esses sujeitos outro sentido dado à Matemática, que vai

além daquele em que a Matemática aparece apenas como instrumental, para uso imediato na

vida diária, um sentido que contempla o desejo dos alunos jovens e adultos, “o desejo por

conhecimento escolar – no conteúdo e na forma” (FONSECA, 1999, p. 31, grifo da autora),

embora não se limite a ele.

Reconhecido esse “desejo pelo conhecimento escolar”, em relação aos conteúdos matemáticos

a serem ensinados na EJA, há que destacar a seleção do que vem a ser essencial, por causa do

tempo reduzido que geralmente se dispõe nas experiências com educação de jovens e adultos.

Relativamente a esse aspecto, Fonseca (1999, p. 36) nos adverte de que “a ‘busca do

essencial’ não pode ter a conotação de mera exclusão de alguns conteúdos mais sofisticados,

dando a sensação de que os alunos jovens e adultos ‘receberiam menos’ que os alunos do

curso regular”. Entretanto, o que observamos e até mesmo praticamos em nossa experiência

com EJA foi a exclusão de tais conteúdos, mesmo quando esses se encontravam nos

programas de ensino. Exclusão muitas vezes justificada também pela falta de base (os pré-

requisitos) e pelas dificuldades de aprendizagem atribuídas a esses alunos, ou até mesmo pelo

68

tempo de que esses sujeitos dispunham para estudo extraescolar. Essa seleção se dá, assim,

influenciada por aquilo que o professor sabe, ou pensa que sabe, sobre esse aluno jovem ou

adulto e sobre suas necessidades. Mas será que esse professor conhece o suficiente sobre esse

aluno jovem ou adulto?

Em relação à forma, uma questão delicada se apresenta: a inadequação do ensino para jovens

e adultos. Já tocamos nesse assunto com Vieira Pinto (1982), quando esse autor fala dos

métodos de ensino utilizados na alfabetização de adultos23. No âmbito da educação da

matemática, Fonseca (2002, p. 37) aponta o problema da inadequação do ensino da

Matemática para jovens e adultos como um fator que pode “contribuir para um novo episódio

de evasão da escola, na medida em que não consegue oferecer aos alunos e às alunas da EJA

razões ou motivação para nela permanecerem [...]” (grifo nosso), porque em geral os métodos,

as estratégias utilizadas com esses sujeitos são, no máximo, uma adaptação daqueles usados

no ensino regular com crianças e adolescentes. Então, embora os alunos da EJA, como já

exposto, desejem o conhecimento escolar em seu conteúdo e forma, parecem não perceber

que isso representa um dos motivos pelos quais podem vir a evadir novamente da escola. Isso

porque [...] os alunos (ecoando aí discursos veiculados ou sugeridos por educadores e pelas instituições educacionais) parecem devotar às limitações do próprio aprendiz – incluídas aí as limitações definidas por sua idade avançada e inadequada ao aprendizado – os percalços no fazer e no compreender matemáticos, liberando as instituições e suas práticas, as sociedades, os modelos socioeconômicos e as (o)pressões culturais, e chamando para si – e para uma condição irreversível – a responsabilidade por um provável fracasso nessa nova ou primeira empreitada escolar (FONSECA, 2002, p. 21, grifo da autora).

Surge, então, a necessidade de uma negociação entre as expectativas dos alunos e outras

propostas que, sem negar o conteúdo e a forma do conhecimento escolar, os ressignifique

mediante o diálogo com o conhecimento prévio dos alunos (seja escolar, seja da vida

cotidiana) que não pode ser negligenciado na relação pedagógica (FONSECA, 1999).

Nas aulas de matemática de modo particular, essa negociação passa pela negociação entre

soluções – de problemas e exercícios – do professor e dos alunos. Para ilustrar essa situação,

trazemos um episódio narrado por Fonseca (2002) ocorrido na ocasião de uma palestra

23 “Considera o adulto analfabeto como uma criança que cessou de desenvolver-se culturalmente. Por isso, procura aplicar-lhe os mesmos métodos e até utiliza as mesmas cartilhas que servem para a infância” (VIERA PINTO, 1982, p. 87)

69

proferida pelo professor Paulo Freire, na década de 80, na Universidade Federal de Minas

Gerais, para estudantes universitários de diferentes formações. Conta ela que [...] Paulo Freire falava de estratégias de resolução de problemas matemáticos adotadas por adultos pouco escolarizados e comentou que os alunos de certo projeto de alfabetização de adultos, em geral sabiam como calcular a área de terrenos retangulares. E quando o terreno não é retangular?, perguntara-lhes o educador. Eles responderam, contava Paulo Freire, que nesse caso eles ‘fatiavam’ a figura em retângulos finos e depois somavam as áreas. Freire fez uma pausa e a platéia riu como que achar pitoresca a ingenuidade do procedimento dos alfabetizandos. Paulo Freire prosseguiu: Ao que me parece é um procedimento próximo ao utilizado no cálculo integral. A platéia voltou a rir, agora num tom mais grave, de sua própria incapacidade de compreender o refinamento matemático da estratégia adotada pelos alfabetizandos adultos a que Freire se referia e do flagrante de preconceito cultural que a levara a avaliar imediatamente como ingênuo e inadequado o procedimento de cálculo de área de figuras quaisquer, sem se deter na análise de suas motivações práticas e de seu sentido matemático (p. 56).

Nós, professores de matemática que atuamos na EJA, vivenciamos situações semelhantes à

narrada acima em nossa prática cotidiana de sala de aula. Nessas situações, parafraseando

(D’Ambrosio, 2005), deparamo-nos com uma grande tensão ao ter de negociar nossas

construções matemáticas, em geral mais aceitas pela comunidade formal, com a de nossos

alunos, que refletem um conhecimento emergente. Embora tenhamos domínio do

conhecimento teórico que existe por trás das soluções de nossos alunos, falta-nos talvez um

aprofundamento dos significados relacionados a esses conhecimentos. Segundo Fonseca

(2002), [...] a sensibilidade que permite que os educadores reconheçam a Matemática que seus alunos sabem e utilizam, ainda que ela não se apresente em seu formato escolarizado, e a presença de espírito que lhes provê de estratégias para considerá-la, integrando-a na negociação de significados e intenções forjadas na situação de ensino-aprendizagem para (re)significá-la, supõem uma intimidade com o conhecimento matemático, que é mais do que mera associação de termos a conceitos ou do que destreza na execução de algoritmos. É um conhecimento em que se explicitam intenções, marcas culturais, relações de poder, ao se reconhecer produção humana e histórica. Assim, é fruto de uma formação preocupada em contemplar essa explicitação, mas é também resultado de uma disposição do educador de indagar suas concepções, de flexibilizá-las, de estudar as possibilidades e empenhar-se no exercício das mudanças de perspectivas e do trânsito entre elas (FONSECA, 2002, p.56-57).

Voltamos, assim, ao início deste capítulo quando falávamos da formação do professor e da

citação de Paulo Freire sobre a opção feita pelo trabalhador social. O educador – trabalhador

social – que “opta pela mudança”, a partir de sua ação e de sua reflexão crítica sobre ela,

dispõe-se a indagar as próprias concepções, flexibiliza-as. Além disso, estuda as

possibilidades e empenha-se no exercício das mudanças de perspectivas e do trânsito entre

elas. Essa opção determinará “tanto seu papel como seus métodos e técnicas de ação”

(FREIRE, 1979, p. 49).

70

4.3 Sobre a percepção humana

Considerando nosso objetivo de analisar as percepções externadas pelos professores sobre as

contribuições de sua formação inicial para sua prática profissional, fez-se necessário que

compreendêssemos esse assunto um pouco mais. Por esse motivo, buscamos alguns autores

da Psicologia que pudessem nos ajudar nessa compreensão. Entretanto, devemos ressaltar que

não era nossa intenção fazer um estudo aprofundado do assunto, por isso nos deteremos a uma

abordagem de algumas teorias mais contemporâneas que tratam de percepção.

Linda L. Davidoff (1983) define percepção como o processo de organizar e interpretar dados

sensoriais recebidos (sensações) para desenvolvermos a consciência do ambiente que nos

cerca e de nós mesmos. Dessa forma, a percepção implica interpretação. Além disso, essa

autora considera a percepção como o ponto de encontro entre a cognição e a realidade,

provavelmente se referindo à teoria transacional. Segundo Nicola Abbagnano (2000, p. 756),

os representantes dessa teoria, entre os quais John Dewey, consideram a percepção como uma

transação, isto é, “como um acontecimento que ocorre entre o organismo e o ambiente e não

pode, portanto, ser reduzido nem à ação do objeto ou do sujeito, nem à ação recíproca dos

dois”.

Apesar de nossos órgãos sensoriais serem simultaneamente atingidos por uma variedade de

estímulos – podendo ser estes desde eventos, informações, objetos ou pessoas –, percebemos

apenas um subconjunto destes. Essa concentração numa proporção limitada da estimulação

sensorial representa o caráter seletivo da percepção e é, segundo Aroldo Rodrigues, Eveline

M. L. Assmar e Bernardo Jablonski (2000), denominada seletividade perceptiva. Nesse

sentido, concordamos com Davidoff (1983, p 212) quando afirma que “a percepção não é um

espelho da realidade”.

Dentre os fatores que influenciam essa seleção, portanto o que é percebido, destacam-se as

experiências passadas, motivações e emoções, estados de fome, cansaço, depressão, e as

expectativas (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2000; DAVIDOFF, 1983). Parece

haver um consenso sobre a relevância desse conjunto de fatores para a percepção. De acordo

com Abbagnano (2000), uma grande quantidade de observações experimentais esclareceu a

importância para a percepção, do estado de preparação ou predisposição do sujeito, isto é, do

que geralmente se chama de “quadro preparatório” (set) perceptivo. Dentre essas

71

observações destacamos a realizada por Jerome Bruner e Leo Postman (1949) pela qual os

pesquisadores puderam verificar a importância desse conjunto para a percepção dos sujeitos

pesquisados, de modo especial a importância das expectativas. Nas palavras dos autores: Stimuli, however, do not act upon an indifferent organism […] The organism in perception is in one way or another in a state of expectancy about the environment. It is a truism worth repeating that the perceptual effect of a stimulus is necessarily dependent upon the set or expectancy of the organism (BRUNER; POSTMAN, 1949, p. 206)

Em outras palavras, a percepção é um processo que resulta da estimulação de um organismo

preparado. Mas isso não significa que percebemos apenas aquilo que “esperamos”. Parte

daquilo que percebemos não faz parte do nosso quadro de expectativas. Foi partindo desse

foco que os pesquisadores citados realizaram sua experiência24, tendo como principal objetivo

analisar o que ocorria nos eventos, quanto a efeitos perceptivos, quando um indivíduo era

colocado numa situação em que uma informação inesperada era apresentada a ele, violando

assim suas expectativas (o problema da incongruência).

Falando da referida experiência, Bruner (1997) afirma que a percepção humana levaria uma

quantidade de tempo, maior ou menor, de acordo com a expectativa do sujeito e do modelo de

mundo estabelecido por ele. Assim, uma informação inesperada demoraria a ser processada

mais do que a informação prevista, ou quanto mais esperado fosse um acontecimento, mais

facilmente ele seria percebido. Além disso, disse ter observado que as pessoas se esforçam

para “regularizar” as “incongruências” de acordo com um padrão ordenador. Segundo o autor,

“o que os observadores humanos fazem é apanhar quaisquer fragmentos que possam extrair

do input de estímulo, e se estes estiverem em conformidade com a expectativa, ler o resto a

partir do modelo que têm em sua cabeça” (BRUNER, 1997, p. 50).

Bruner e Cecile C. Goodman (1947) descrevem uma experiência que realizaram com crianças

de níveis socioeconômicos diferentes, por meio da qual investigaram a influência do valor

social de um objeto para sua percepção e da necessidade do objeto socialmente valorizado

para sua percepção. Na experiência, as crianças tinham de reproduzir o tamanho de moedas

reais em um projetor de luz. Os pesquisadores verificaram que, quanto maior era o valor da

moeda, maior era a distorção para mais da moeda no projetor. Isso mostrava que a distorção

24 O experimento realizado por Bruner e Postman envolvia o reconhecimento de cartas de baralho apresentadas “taquistoscopicamente” – dando ao sujeito apenas milissegundos de exposição às apresentações e aumentando a exposição sucessivamente. As apresentações consistiam de cartas de baralho normais e algumas cuja cor e naipe estavam trocados.

72

do tamanho da moeda tinha relação com o valor subjetivo dela. Essa distorção para mais foi

por eles denominada de acentuação perceptiva. Além disso, verificaram também que essa

distorção era maior no caso das crianças mais pobres. De modo geral, nas palavras de

Davidoff (1983, p. 243), “quando valorizamos algo, a nossa tendência é a de ver essa coisa

como maior do que é”.

O reconhecimento da influência das expectativas do indivíduo, de suas necessidades físicas e

de sua personalidade sobre o objeto percebido e sobre a rapidez e intensidade da percepção

funda, de acordo com Abbagnano (2000), a chamada teoria do “estado diretivo”, da qual

Bruner é representante.

Um último ponto que gostaríamos de destacar refere-se à percepção em relação a outras

pessoas. De acordo com Rodrigues, Assmar e Jablonski (2000), ao processarmos as

informações recebidas das pessoas com quem entramos em contato, somos fortemente

influenciados por esquemas sociais. Esses esquemas são, segundo Baron e Byrne (apud

(RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2000, p. 81), conjuntos de crenças e sentimentos a

respeito de algum aspecto do mundo que funcionam como base mental e fornecem estrutura

para a interpretação e a organização de novas informações com que nos deparamos. Assim,

temos esquemas a respeito de pessoas, de nós próprios e de determinados grupos. Os

esquemas referentes a grupos de pessoas são classificados como estereótipos e se referem a

crenças compartilhadas acerca de atributos – geralmente traços de personalidade – ou

comportamentos costumeiros de determinados grupos de pessoas que, consequentemente,

servem de base de preconceitos (RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2000).

Das considerações tratadas nesta seção a respeito da percepção humana, utilizaremos mais

especificamente em nossas análises aquelas relacionadas aos estudos desenvolvidos por

Bruner, que funda a chamada teoria do “estado diretivo” e reconhece, de modo particular, a

influência das expectativas do sujeito na percepção daquilo que por ele é percebido.

73

5. METODOLOGIA

Numa ciência onde o observador é da mesma natureza que o objeto, o observador é, ele mesmo, uma parte de sua observação (STRAUSS apud MINAYO, 2004, p. 21).

A metodologia de uma pesquisa se encontra diretamente relacionada à questão central de

investigação e, por consequência, aos seus objetivos. É a partir deles que a construímos no

decorrer da pesquisa. Como já foi apresentado, nosso interesse central estava em investigar as

contribuições do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES para o trabalho do

professor de matemática que atuava na EJA, sendo esse professor egresso do referido curso.

Para isso, foi necessário identificar25 e analisar percepções desses professores sobre

contribuições de sua formação inicial e continuada para sua prática profissional, uma vez que

nosso interesse estava em compreender o problema do ponto de vista desses sujeitos. Assim,

nossa pesquisa assumiu uma perspectiva interpretativa, a qual apresenta, segundo Ponte

(1994), a atividade humana como fundamentalmente uma experiência social em que cada um

vai constantemente elaborando significado. Essa abordagem também nos pareceu bastante

apropriada porque, de acordo com Menga Lüdke e Marli Elisa D. A. André (1986), ela nos

possibilitaria apresentar os diferentes e até mesmo conflitantes pontos de vista dos

participantes.

5.1 Procedimentos metodológicos da pesquisa e os sujeitos da investigação

Uma vez definido o grupo de sujeitos para o qual direcionaríamos nosso olhar, precisávamos

identificá-los para prosseguirmos com a pesquisa. Assim, demos início em 2007 a um estudo

exploratório, identificando primeiramente, na Secretaria Municipal de Educação e

Superintendência Regional de Educação, as escolas localizadas no município de São Mateus,

que ofereciam a modalidade educação de jovens e adultos, ou seja, os espaços de trabalho dos

sujeitos da pesquisa.

Identificando os professores e os respectivos ambientes de trabalho (ou contexto de

formação continuada?)

74

De posse da relação dessas escolas, públicas estaduais e municipais, fizemos um

levantamento em cada uma delas, identificando quem eram os professores de matemática que

trabalhavam com a EJA. Aproveitamos também para conhecer um pouco mais a EJA nessas

escolas, pois se tratava da realidade de trabalho dos nossos sujeitos pesquisados. Esse

levantamento mostrou-se relevante também porque, de certo modo, mostrou o quadro de

oferta de Educação de Jovens e Adultos em São Mateus. Além disso, o contato com as

coordenadoras da EJA da Secretaria Municipal de Educação e da Superintendência Regional

de Educação nos forneceu elementos importantes com os quais, junto com os dados obtidos

nas escolas, pudemos esboçar um quadro geral da EJA nesse município.

Paralelamente a esse trabalho, fizemos um levantamento de todos os alunos formados no

curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES por meio das atas de colação de grau

que nos foram cedidas pela secretaria do Polo Universitário de São Mateus (POLUN) e pela

Pró-Reitoria de Graduação da UFES (PROGRAD/UFES). Essa relação nos permitiu

reconhecer, entre os professores de matemática que trabalhavam na EJA em São Mateus,

aqueles que eram egressos do curso.

As atividades com as quais nos envolvemos no ano de 2007 não nos permitiram fazer, na

pesquisa de campo naquele ano, nada além desse levantamento inicial. Devido à rotatividade

de professores que ocorre de um ano para outro nas escolas, por causa das contratações

temporárias, retomamos o levantamento em 2008. Nesse segundo levantamento, no qual

retomamos o contato com os diretores das escolas, pudemos obter novas informações acerca

da EJA em São Mateus que haviam passado despercebidas no primeiro e algumas

informações sobre os professores de matemática da EJA. A partir daí tivemos contato com os

professores.

O primeiro contato com os professores

Elaboramos um questionário (Anexo 2) a que responderam todos os professores de

Matemática da EJA, estruturado em duas partes: a primeira continha a identificação do

professor, formação em nível médio e superior, local de trabalho, tempo de serviço na EJA e

em demais modalidades de ensino e cursos de formação continuada, estava direcionada a

25 Adquirir afinidade com as ideias ou sentimentos de outrem.

75

todos os professores de matemática da EJA, independentemente de ter ou não se formado no

curso; a segunda continha perguntas relacionadas à formação inicial oferecida na Licenciatura

em Matemática de São Mateus e a prática docente na EJA, portanto direcionada apenas aos

egressos do curso.

Entregamos o questionário pessoalmente a cada um dos 28 professores que identificamos em

nosso levantamento e obtivemos resposta de 18 deles. O questionário serviu a dois propósitos:

obter uma visão geral do quadro de professores de matemática da EJA, o que nos ajudou a

caracterizar e descrever os sujeitos da pesquisa, e ter uma primeira visão do papel

desempenhado por aquela formação inicial na prática docente dos professores, que expusemos

na seção 7.1.

Perdendo o foco?! Não, falando um pouco a respeito de onde tudo começou

Desde o início da pesquisa, antes mesmo que a questão de investigação chegasse a seu

formato final, sentíamos a necessidade de trazer para o trabalho um pouco da história do curso

para o qual dirigíamos nosso olhar, pois foi a partir dele que tudo começou. Para tanto se

mostrava conveniente a realização de uma entrevista com alguma pessoa que tivesse

acompanhado o curso por um longo tempo e que estivesse nele envolvido. Também nos

parecia adequado, como forma de complementar as informações obtidas na entrevista, ou até

mesmo trazer informações novas (LÜDKE; ANDRÉ, 1986), analisar alguns documentos

relacionados ao curso.

Para a entrevista, optamos realizá-la com o professor José Antônio da Rocha Pinto, que,

embora não tivesse acompanhado o curso desde seu início em 1991, esteve diretamente

envolvido nele a partir de 1995 nos diferentes cargos26 que exerceu. Nossa opção foi

influenciada também pelo fato de termos conhecido de perto, durante os quatro anos de nossa

graduação, o comprometimento desse profissional com o curso e também com a universidade

do norte do estado. Quanto ao tipo de entrevista, optamos pela semiestruturada porque, apesar

de se desenvolver por meio de um esquema básico, permite o entrevistador fazer as

necessárias adaptações (LÜDKE; ANDRÉ, 1986) abrindo, dessa forma, possibilidades para o

inesperado no diálogo estabelecido.

26 Professor de várias disciplinas do curso, representante dos professores no Conselho Superior da Coordenação Universitária Norte do Espírito Santo (CEUNES), subcoordenador do curso; primeiro professor que foi gestor administrativo do Polo Universitário (antiga CEUNES).

76

Quanto aos documentos, inicialmente havíamos pensado em analisar o Projeto Pedagógico do

curso, tentando levantar informações a respeito dos objetivos do curso, de sua justificava, de

sua estrutura e mais alguma informação que nos parecesse relevante. Entretanto, o projeto não

foi encontrado. Assim direcionamos nossa busca para outros documentos como resoluções do

Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CEPE) da UFES, Relatório Anual do Polo

Universitário de São Mateus, cadastro dos professores do curso, manuais dos candidatos de

processos seletivos da UFES, guias acadêmicos e outros que nos foram cedidos pela

PROGRAD, pela secretaria do Polo Universitário, pelo colegiado de Matemática da UFES e

pela Comissão Coordenadora do Vestibular da UFES (CCV).

Aprofundando alguns aspectos

Por ser o questionário “uma técnica de coleta de dados de alcance mais superficial” (LÜDKE;

ANDRÉ, 1986, p. 34) e limitado, principalmente no nosso caso, quando não estivemos junto

aos professores enquanto respondiam ao questionário para poder esclarecer alguma dúvida

possível das questões, utilizamos a entrevista como método de coleta adicional de dados. Esta

nos permitiu aprofundar algumas questões tratadas no questionário e trazer novas questões

que emergiram do que Laurence Bardin (2004) chama de “leitura flutuante” das respostas aos

questionários.

Optamos pela entrevista semiestruturada por ela apresentar, de acordo com Dario Fiorentini e

Sérgio Lorenzato (2006), um planejamento relativamente aberto. Isso nos dava a possibilidade

de alterar a ordem dos pontos a serem contemplados na entrevista e de formular questões não

previstas inicialmente, dependendo do rumo da conversa. Além disso, segundo Uwe Flick

(2004), há uma expectativa de que seja mais provável que os pontos de vista dos sujeitos

pesquisados sejam expressos (ou mais bem expressos) em situações que envolvam esse tipo

de planejamento. Buscamos também fazer das entrevistas espaços de diálogo nos quais as

professoras pudessem exprimir suas ideias e opiniões sem receios ou constrangimentos, como

sugere Manoel Jacinto Sarmento (2003).

77

Os sujeitos da pesquisa

Apesar de termos entregado os questionários a todos os professores de matemática da EJA,

fossem eles ou não egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus, nosso

universo de escolha dos sujeitos a serem entrevistados se limitava aos egressos, os sujeitos da

pesquisa. Aos egressos que estavam atuando na EJA no ano de 2008 foram entregues 15

questionários, dez dos quais nos foram devolvidos respondidos.

Para a escolha dos sujeitos a serem entrevistados, seguimos alguns critérios. Como tínhamos

um período de tempo bem delimitado, quando se formou a primeira turma (1995 a 2007) e

fizemos o levantamento dos alunos formados pelo curso por meio das atas de colação de grau,

achamos conveniente selecionar três professores que se formaram nesse período: um no

começo do período, um no meio e outro no final. Julgamos que seria interessante também

que, pelo menos, dois desses três professores atuassem em níveis e dependências de ensino

diferentes. Por último, buscamos aqueles cujas respostas ao questionário trouxeram elementos

diferentes para análise.

Postos os critérios, definimos três professoras a serem entrevistadas. Por meio de seus

endereços eletrônicos e telefones, registrados em seus questionários, entramos em contato e

agendamos as entrevistas com cada uma delas. Cabe destacar que, em todos os momentos,

elas se mostraram muito acessíveis e dispostas a contribuir com a pesquisa, mesmo estando

em período de atividades de fim de ano nas escolas.

Dizer que os sujeitos de nossa pesquisa foram somente os egressos do curso de licenciatura

em Matemática de São Mateus-ES, professores de matemática da EJA em 2008 nesse

município, seria no mínimo um descaso, porque muitas pessoas foram pesquisadas para que

pudéssemos obter dados para este trabalho, como as coordenadoras da EJA da

Superintendência Regional de Educação e da Secretaria Municipal de Educação, as diretoras

das escolas, o professor Antônio José da Rocha Pinto e os demais professores de matemática

da EJA que responderam ao questionário (Parte I). Entretanto, era para eles, os egressos, que

estava voltado nosso foco de atenção; era para eles que se dirigia nossa questão de

investigação.

Dessa forma, os sujeitos de nossa pesquisa, digamos, os “protagonistas da história”, foram os

professores de matemática que estavam em 2008 e 2009 trabalhando com a EJA no município

78

de São Mateus-ES e que se haviam formado no referido curso até 2007. Desses, três tiveram

“participação especial”, as professoras selecionadas para as entrevistas.

A observação em sala de aula

Após uma primeira análise do material coletado por meio das três entrevistas, entendemos que

a observação das aulas das professoras entrevistadas poderia fornecer-nos elementos acerca de

suas práticas que não havíamos conseguido captar por meio das entrevistas, talvez por causa

de nossa pouca ou quase nenhuma experiência com entrevistas. É importante considerar que,

apesar de corrermos certo risco, não era nossa intenção, ao fazer a observação, utilizar o

material dela coletado para confrontar com os depoimentos dos professores obtidos por meio

das entrevistas. Por esse motivo, após o tratamento dos registros das observações, retornamos

com cada professora para discutirmos sobre o que havíamos observado e registrado. Desse

modo, embora as observações tivessem sido realizadas por nós, ao retornarmos e discutirmos

com elas, adicionamos suas considerações a respeito dos pontos observados.

Tendo em vista os objetivos da pesquisa, adotamos a observação participante, considerando o

significado do termo “participante”, principalmente como participação com registros das

observações, procurando produzir pouca ou nenhuma interferência no ambiente de estudo

(FIORENTINI; LORENZATO, 2006), especialmente interferência didática. Foi também

levado em consideração aos objetivos da pesquisa que assumimos o papel de “observadora

como participante” (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 29), explicitando, desde o início, aos sujeitos

observados nossa identidade e os objetivos de nosso estudo.

Analisando os dados

Para analisarmos os dados coletados por meio dos questionários, entrevistas e observações,

recorremos à análise de conteúdo. Nossa compreensão dessa modalidade de análise vem de

Rizzini, Castro e Sartor (1999 apud FIORENTINI & LORENZATO, 2006, p. 137), para os

quais, a análise de conteúdo [...] é uma técnica de investigação que tem por objetivo ir além da compreensão imediata e espontânea, ou seja, ela teria como função básica a observação mais atenta dos significados de um texto e isso pressupõe uma construção de ligações entre as premissas de análise e os elementos que aparecem no texto. Essa atividade é, assim, essencialmente interpretativa.

79

Mas se complementa com Bardin (2004, p. 37), que a define como [...] um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição de conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção (variáveis inferidas) destas mensagens.

A técnica de análise usada por nós se aproximou da análise das relações apresentada em

Bardin (2004). De acordo com essa autora, esse tipo análise se orienta mais para as relações

que os elementos do texto mantêm entre si – estejam elas legíveis ou não –, do que para a

frequência com que esses elementos aparecem no texto.

Anteriormente à análise de dados propriamente dita, realizamos todo um processo de

preparação deles, a qual constou do agrupamento das respostas dos professores aos

questionários, da transcrição das entrevistas e da organização dos registros do período de

observação27. Da leitura atenta do produto desta primeira etapa – que Bardin (2004) chama de

“leitura flutuante” – retiramos e organizamos, em cada momento do tratamento dos

questionários, das entrevistas e das observações, as primeiras informações mais relevantes à

investigação. Embora não tivesse ocorrido simultaneamente para os três tipos de dados

coletados – por meio dos questionários, das entrevistas e das observações –, buscamos fazer

esse levantamento de modo que as informações obtidas pudessem ser complementares. Após

essa primeira organização, realizamos um novo levantamento e organização, focando os

objetivos de nossa investigação, do qual emergiram os elementos para análise que

descrevemos no capítulo 7.

27 Cabe destacar que todo o material produzido na etapa de tratamento dos dados – agrupamento das respostas dos professores aos questionários (por professor e por questão), transcrição das entrevistas e registros do período de observações –, embora não conste nos anexos desta pesquisa, encontra-se no banco de dados dela.

80

6. CONTEXTOS DE FORMAÇÃO DOS SUJEITOS DA PESQUISA

Nas duas seções seguintes, procuramos trazer para o texto algumas informações que

buscamos durante a pesquisa, para nos ajudar a conhecer mais os contextos de formação dos

sujeitos, o Curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus (formação inicial) e a EJA

em São Mateus (campo de atuação/formação profissional).

6.1 O Curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES

De acordo com o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), o estado do

Espírito Santo conta com oito cursos de licenciatura plena em Matemática, oferecidos por

instituições públicas e privadas de sete municípios.

Tabela 1 - Oferta de cursos de Licenciatura em Matemática no Espírito Santo

Instituição Município Categoria administrativa

Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Alegre (FAFIA) Alegre Pública Municipal

Centro Universitário São Camilo/ES (CUSC)

Cachoeiro de Itapemirim Privada

Centro Federal de Educação Tecnológica do Espírito Santos (CEFET/ES) Vitória Pública Federal

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Vitória Pública Federal

Instituto Superior de Educação Ateneu (ISEAT)

Vila Velha Privada

Escola Superior de Ensino Anísio Teixeira (CESAT)

Serra Privada

Faculdade da Região Serrana (FARESE) Santa Maria de Jetibá Privada

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) São Mateus Pública Federal

Fonte: http://www.educacaosuperior.inep.gov.br/cur_passo2.asp?uf=ES (Acesso em 14 nov. 2008) A respeito de distribuição geográfica, temos dois cursos ofertados no sul do estado:

municípios de Alegre e Cachoeiro de Itapemirim; quatro cursos ofertados em municípios da

região da Grande Vitória: Vitória, Vila Velha e Serra; um curso ofertado na região serrana

central: município de Santa Maria de Jetibá; um curso ofertado na região norte: município de

São Mateus. Como podemos observar no mapa seguinte, os cursos estão mais concentrados

81

na região central e sul do estado, ficando todo o norte atendido pelo curso ofertado pelo Polo

Universitário de São Mateus (POLUN/São Mateus) – Figura 2.

FIGURA 1 – Oferta de curso de Licenciatura em Matemática no estado do Espírito Santo

Foto 1 – Polo Universitário de São Mateus

82

Para ter noção da abrangência do atendimento deste curso no estado, de acordo com o

Relatório Geral do ano de 2004 do Polo Universitário de São Mateus, estavam matriculados

no curso alunos de quinze municípios do Espírito Santo e de um município da Bahia28. Desses

municípios os quatro que mais tinham alunos matriculados no curso naquele ano eram: São

Mateus (37 alunos); Nova Venécia (25 alunos); Linhares (11 alunos) e Jaguaré (9 alunos)

(municípios destacados de vermelho no mapa a seguir – Figura 3).

Ainda, segundo esse relatório, o curso de Licenciatura em Matemática era o responsável pelo

maior número de alunos formados registrado por essa instituição no período de 1995-2004

(Figura 4). Isso se deve, em parte, pelo fato de ter sido esse o único curso cujo vestibular não

foi suspenso durante esse período, o qual “historicamente manteve o POLUN em

funcionamento nos últimos anos, apesar de todas as dificuldades conspirarem em sentido

contrário” (Plano de Expansão e Consolidação da Interiorização Presencial da Universidade

Federal do Espírito Santo, 2005, p. 44).

28 Municípios do Espírito Santo registrados: Aracruz, Boa Esperança, Baixo Guandu, Colatina, Conceição da Barra, Guarapari, Jaguaré, João Neiva, Linhares, Montanha, Nova Venécia, Pedro Canário, Pinheiros, São Mateus, São Gabriel da Palha, Sooretama, Vitória, Vila Pavão. Município da Bahia: Mucuri.

11%

23%

13%29%

24%

Ciências Biológicas Educação FísicaLetras MatemáticaPedagogia

FIGURA 2 – Municípios de origem dos alunos matriculados no curso de Matemática em 2004

FIGURA 3 – Percentual de alunos formados pelo Polo Universitário por curso (1995-2004) Fonte: Relatório Geral do Polo Universitário-2004

83

O Curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus no contexto das mudanças.

O curso de Licenciatura em Matemática teve início em São Mateus quando foi instalada no

município, em 1991, a Coordenação Universitária do Norte do Espírito Santo (CEUNES) pelo

programa de interiorização das atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade

Federal do Espírito Santo. Conforme justificativa apresentada no Projeto Piloto - Implantação

da CEUNES -, as lideranças dos municípios do norte do estado apontavam como ação

prioritária da CEUNES a formação do magistério para o ensino fundamental e médio,

indicando a Matemática como uma das áreas de maior carência de pessoal docente habilitado.

Dessa forma, justificava-se a implantação do curso de Matemática: “(...) o ensino da

Matemática, Física e Biologia são, sem dúvida, não só no Norte, como em todo Estado, o que

mais se ressente de pessoal habilitado, de sorte que a opção por essas licenciaturas contempla

o quadro de maior precariedade docente o Norte” (Projeto Piloto – Implantação do CEUNES.

Comissão de Interiorização, 1989, p. 38). Dessa forma, assim como as demais licenciaturas, a

de Matemática se iniciou devido a uma necessidade da região.

A respeito de infraestrutura e recursos para seu funcionamento na avaliação do então

subcoordenador do curso, professor José Antônio da Rocha Pinto29, quando o curso de

Licenciatura em Matemática de São Mateus iniciou, a infraestrutura disponibilizada atendia às

suas necessidades. Mesmo porque, diferentemente de cursos, como o de Ciências Biológicas e

Educação Física, o curso de Licenciatura em Matemática não necessitava de uma

infraestrutura tão “sofisticada” para funcionar. Além disso, salientou que havia um bom

quadro de professores e a própria estrutura acadêmica do curso era muito boa, de modo que os

resultados da avaliação do curso pelo MEC o colocavam entre os melhores do país.

De acordo com o professor Rocha, o Curso não apresentava dificuldades de funcionamento,

pelo menos até início de 1998, quando se iniciou uma crise dentro da instituição que

culminou, no ano de 2000 (Resolução 03, de 20 de janeiro de 2000, do Conselho

Universitário - CUn) na transformação da estrutura então existente, CEUNES, em Polo

Universitário de São Mateus (POLUN).

29 O professor José Antônio da Rocha Pinto é, sem dúvida, um importante representante na história de luta pela permanência/sobrevivência da universidade no norte do Estado, no município de São Mateus e, de modo particular, do curso de Matemática.

84

Antes mesmo da referida crise, a CEUNES já começava a passar por alguns problemas que

refletia o baixo nível de autonomia de gestão daquela estrutura de interiorização. Ela não

possuía quadro docente nem recursos próprios. Dependia do quadro de professores de outros

Campi, de Goiabeiras (UFES-Vitória) principalmente, e financeiramente de repasses (dois por

cento da receita líquida) do município de São Mateus, acordados na implantação da

instituição no município.

No que diz respeito aos recursos financeiros, destacou o professor Rocha, esses deixaram de

ser plenamente repassados, a partir do final da administração de 1993-1996, nas

administrações seguintes. Uma consequência direta sofrida, não só pelo curso de Matemática,

mas também pelos demais, foi no quadro de professores. Por causa das dificuldades (de

transporte e estada principalmente), muitos professores passaram a não mais querer trabalhar

em São Mateus, e, consequentemente, alguns cursos começaram a ser suspensos. No caso do

curso de Matemática, as dificuldades com o quadro docente foram consequência da suspensão

de outros cursos, como o de Pedagogia e Letras. Pelas dificuldades já mencionadas, os

departamentos responsáveis que também ministravam aulas na Matemática achavam que não

tinham mais de encaminhar seus professores ao município para ministrar disciplinas ao curso

de Matemática.

Mesmo com todas essas dificuldades enfrentadas pelo Polo Universitário, o curso de

Matemática foi o único cujo vestibular não foi suspenso. Além de não carecer de uma

infraestrutura muito “sofisticada”, a permanência do curso se deu em parte porque, segundo o

professor Rocha, o departamento de Matemática da UFES sempre teve grande interesse em

mantê-lo em funcionamento. Isso nos parece bem razoável, considerando os resultados

obtidos pelo curso: o significativo número de professores formados para atuar na educação

básica da região e o relevante número de egressos aceitos em programas de pós-graduação

(mestrado e doutorado) de renomadas instituições do país, além dos bons resultados obtidos

nas avaliações do MEC.

Um importante aspecto que merece destaque no contexto das mudanças ocorridas no curso foi

o que alterou a sua forma de ingresso. Preocupado com o alto nível de reprovação e evasão,

principalmente no primeiro semestre letivo dos cursos de Matemática da UFES (São Mateus e

Vitória), que implicava grande redução do número de alunos a serem formados, o colegiado

de Matemática elaborou uma nova proposta de ingresso ao curso – conhecido como processo

85

estendido. Essa proposta foi aprovada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da

UFES (CEPE/UFES) e entrou em vigor no vestibular de 1998 para os cursos de São Mateus e

Vitória, conforme a Resolução 19 do CEPE, de 04 de junho de 1997.

Grosso modo, os candidatos ao curso realizavam, nesse novo processo, a primeira etapa do

vestibular como todos os outros cursos. Os candidatos classificados na primeira etapa, em

número triplo ao número de vagas, cursavam duas disciplinas de nivelamento30 durante um

período letivo. A classificação para preenchimento das vagas era dada entre os candidatos que

obtinham aprovação nas duas disciplinas e média geral que os classificava no número de

vagas, observada a ordem decrescente de média geral – obtida pela média aritmética das

médias finais das duas disciplinas mencionadas (SARTIM, 2002).

Segundo o professor Sartim (2002), coordenador do curso de Matemática na época, esse novo

processo pretendia selecionar os alunos pela sua capacidade de aprendizagem, pelo interesse

no curso e pela aptidão demonstrada para ele. Não privilegiava somente aqueles que tinham

acesso a boas escolas no Ensino Fundamental e Médio; portanto, tinham mais condições de

serem aprovados no processo seletivo existente31.

Essa mudança na forma de ingresso apresentou, de acordo com Sartim (2002), cinco

importantes mudanças: (1) aumentou a procura pelo Curso de Matemática; (2) houve uma

alteração do perfil do Curso; (3) melhorou o desempenho / envolvimento / dedicação dos

alunos nas duas disciplinas de nivelamento; (4) diminuiu o índice de evasão e reprovação; (5)

aumentou o número de formandos. A tabela abaixo mostra o número de alunos formados

anualmente pelo Curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus até o ano de 2007.

Cabe destacar que, em São Mateus, eram ofertadas 40 vagas anualmente para esse curso,

alternando entre os turnos vespertino e noturno.

30 Matemática Básica I: carga horária - 90 horas; conteúdos de aritmética e álgebra da educação básica. Matemática Básica II: carga horária – 90 horas; conteúdos de geometria da educação básica. 31 Fui aluna de uma das turmas que ingressaram no curso de Matemática de São Mateus por meio desse novo processo. Tenho plena consciência de que não teria sido aprovada para o curso se o processo seletivo fosse o anterior, porque a educação que havia “recebido” em nível fundamental e médio não me dava suporte suficiente para isso, mesmo tendo sido uma aluna dedicada. Assim como eu, muitos outros colegas também só tiveram a oportunidade de fazer esse curso devido a essa forma de seleção.

86

Tabela 2 - Número de alunos formados anualmente pelo curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus

Ano

1995

1996

1997

1998

1999

*

2000

*

2001

2002

2003

*

2004

2005

2006

*

2007

Número de alunos 8 4 7 5 18 21 10 18 11 35 19 29 29

* Ano em que houve duas colações de grau32.

No ano de 2002, formou-se a primeira turma ingressa pelo processo estendido do vestibular.

No período anterior a 2002, quando os alunos formados ainda eram os que haviam ingressado

por meio do processo seletivo anterior; o número de alunos formados estava em torno de 10,

enquanto, com o processo estendido (turmas formadas a partir de 2002), esse número passou

para 23.

No ano de 2006, o vestibular do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus foi

suspenso. Isso ocorreu porque o Projeto de Consolidação e Ampliação Presencial da UFES na

região norte do Espírito Santo – CEUNES/UFES (Projeto I)33 –, vinculado ao Plano de

Expansão e Consolidação da Interiorização Presencial da UFES, aprovado pela Resolução

43/2005 do Conselho Universitário (CUn), no qual o POLUN foi substituído pelo Centro

Universitário Norte do Espírito Santo (atual CEUNES) a situar-se também em São Mateus,

não apresentava a Licenciatura em Matemática como curso a ser ofertado e sim o bacharelado

em Matemática. Além do curso de Matemática (bacharelado), foram também ofertados pelo

CEUNES, a partir do ano de 2006, os cursos de graduação (bacharelado) em: Agronomia,

Ciências Biológicas (ênfase em Ecologia e Recursos Naturais), Enfermagem, Engenharia de

Computação, Engenharia de Petróleo, Engenharia de Produção, Engenharia Química,

Farmácia.

Observamos que nenhuma licenciatura foi ofertada. Isso nos pareceu indicar certo

desinteresse em ofertar essa modalidade de graduação. Sabemos que o processo de aprovação

32 Há que destacar que, nos quatro anos em que houve duas colações de grau, nos anos de 1999 e 2000, dos 18 e 21 alunos formados, respectivamente, em cada ano, na segunda colação de grau formaram-se 6 e 7 alunos. Já, de 2003 e 2006, o número de alunos formados na segunda colação foi 1 e 2 respectivamente. Isso pode indicar, entre outros aspectos, um decaimento no número de reprovações dos alunos, possivelmente relacionado à nova forma de ingresso. 33 “Com o Projeto I, o Plano de Expansão busca produzir uma resposta estruturada em bases permanentes para atender à crescente demanda da região. Será ampliada e facilitada a atuação, pois, além da criação do Centro, com todas as facilidades e prerrogativas que esta condição propicia, projeta-se que o CEUNES contará com recursos financeiros claramente definidos, quadro de pessoal próprio, infra-estrutura moderna e compatível, e com nove cursos” (Plano de Expansão e Consolidação da Interiorização Presencial da UFES, 2005, p. 11).

87

do projeto de um curso não é fácil, como pudemos observar na leitura que fizemos do Projeto

Piloto – Implantação do CEUNES, de 1989 –, principalmente quando se trata de um curso a

ser oferecido em campi afastado (espacialmente) dos departamentos que ofertam disciplinas

para esse curso, como é o caso do Centro de São Mateus. Entretanto, acreditamos que, se

tivesse havido maior interesse, o projeto de curso da Licenciatura em Matemática, junto com

os de outras licenciaturas, não teria muita dificuldade de ser aprovado por outros

departamentos e centros, em particular do Centro Pedagógico, que é um centro do qual

depende todas as licenciaturas. Prova disso é que, a partir do segundo semestre letivo de 2009,

serão iniciadas as atividades dos cursos de Licenciatura em Matemática, Física, Química e

Ciências Biológicas pelo CEUNES, como veremos a seguir.

De acordo com o Plano de Reestruturação e Expansão do CEUNES, em 2007, a direção do

CEUNES – estimulada pelo Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais

(REUNI) – criou a Comissão Especial de Reestruturação e Expansão do CEUNES,

responsável pelo planejamento, estudo de viabilidade e elaboração de cursos de licenciatura.

Essa iniciativa fora motivada pelo anseio da comunidade do norte capixaba que, desde a

implantação do CEUNES em 2006, com os já referidos cursos de bacharelado, demonstrou

interesse e necessidade de continuidade dos cursos de licenciatura – Educação Física,

Matemática, Ciências Biológicas, Pedagogia, Pedagogia da Terra e Letras – que já haviam

sido ofertados.

A proposta da Comissão Especial foi oferecer, a partir de 2009, os cursos de Licenciatura em

Química, Física, Matemática e Ciências Biológicas e foi justificada pela necessidade nacional

de formação docente nessas habilitações (Plano de Reestruturação e Expansão do CEUNES).

O novo curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus terá suas atividades iniciadas a

partir do segundo semestre letivo de 2009 e elas serão desenvolvidas no período noturno,

assim como as das demais licenciaturas que também terão seu início no segundo semestre de

2009.

O Curso e sua estrutura/formato

Embora tenham ocorrido mudanças desde sua aprovação em 1991 por causa de motivos

diversos, a estrutura curricular do curso de Matemática de São Mateus não passou por grandes

mudanças. A grade curricular inicial proposta no Projeto Piloto de Implantação da CEUNES

88

foi aprovada pela Resolução nº. 02 do CEPE, de 21 de fevereiro de 1991, e apresentava a

seguinte estrutura.

Tabela 3 - Estrutura Curricular do Curso de Matemática da CEUNES aprovada pela

Resolução nº 02/91 (CEPE) 1º Período CH 2º Período CH Língua Portuguesa 60h Cálculo Diferencial e Integral I 90h Matemática Básica I 90h Álgebra Linear 90h Matemática Básica I 90h Introdução à Computação 60h Introdução à Filosofia 60h Noções de Lógica 60h 3º Período 4º Período Cálculo Diferencial e Integral II 90h Cálculo Diferencial e Integral III 90h Física Geral I 90h Física Geral II 90h Algoritmos 60h Cálculo Numérico 60h Introdução à Sociologia 60h

Psicologia da Educação I 60h 5º Período 6º Período Probabilidade e Estatística 60h Estrut. e Func. do Ensino de 1° e 2° 60h Álgebra I 90h Álgebra II 90h Geometria I 60h Geometria II 60h Desenho I 30h Desenho II 30h Psicologia da Educação II 60h Didática 60h 7º Período 8º Período Análise 90h História da Matemática II 60h História da Matemática I 60h Geometria III 60h Fund. da Matemática Elementar I 60h Fund. Da Matemática Elementar II 60h Prática de Ensino I 90h Prática de Ensino I 90h Tóp. de Ens. da Matemática Elementar 60h 9º Período* Prática Desportiva I 30h Prática Desportiva II 30h Estudos Brasileiros I 30h Estudos Brasileiros II 30h

Fonte: Adaptado do Boletim Oficial/UFES – ano XXVIII – nº. 02 – Fevereiro /91. *De acordo com o anexo I da Resolução nº. 02/91-CEPE, em que consta esta grade curricular, as disciplinas Prática Desportiva I e II e Estudos Brasileiros I e II seriam oferecidas no decorrer do curso. Nessa estrutura inicial, não havia nenhuma disciplina específica voltada à realização de

atividades de estágio de observação e docência – que consideramos relevante para um curso

de licenciatura –, mas constava na ementa da disciplina de Prática de Ensino I uma atividade

de estágio de observação e regência nas quatro últimas séries do 1º grau 34.

As mudanças na estrutura curricular se deram basicamente em períodos em que eram

ofertadas as disciplinas por causa de problemas com a contratação de professores – devido aos

problemas anteriormente citados. E a partir de 1998, devido ao processo seletivo estendido no

34 Anexo II da Resolução nº. 02/91 – CEPE: Ementas das disciplinas obrigatórias, publicado no Boletim Oficial/UFES, ano XXVIII, nº. 02, Fevereiro /91, p. 10-11.

89

qual as disciplinas Matemática Básica I e Matemática Básica II passaram a ser cursadas pelos

candidatos no período seletivo. Houve também, a partir de 2001, a inclusão da disciplina

Estágio em Atividades Complementares de Ensino com carga horária de 60 horas.

Embora constem na estrutura curricular apresentada acima as disciplinas Prática Desportiva I

e II e Estudos Brasileiros I e II, de acordo com subcoordenador do curso, essas disciplinas não

chegaram a ser ministradas no curso.

Apesar de o curso de Matemática de São Mateus ser oferecido na modalidade de licenciatura

– cujo principal objetivo era formar o professor para o magistério do ensino fundamental e

médio35–, ao enfatizar a importância desse curso de formação para a região norte do estado, o

subcoordenador nos disse: “[...] com nossa licenciatura nós formamos recursos humanos para

o ensino fundamental e médio da região, para algumas empresas da região e para o ensino

superior da região e de outros estados também”, de modo que o curso cumpria com duas

funções: formava o aluno tanto para ser professor da educação básica, quanto para ser

professor universitário ou pesquisador – função que seria de um curso de bacharelado –

possibilitando aos alunos interessados ingressar em carreira de pesquisa científica, em cursos

de mestrado e doutorado.

A nosso ver, isso acena para uma considerável concentração no Curso relativamente a uma

formação para especialidade – a formação matemática. Acreditamos que, em parte, isso seja

reflexo da influência conjunta de dois aspectos: a estrutura curricular do curso – mais de 60%

de sua carga horária para disciplinas estritamente de Matemática de nível superior e de áreas

afins – e, em nível superior, a influente formação dos professores que ministravam essas

disciplinas e as de Fundamentos da Matemática Elementar e Tópicos de Ensino da

Matemática Elementar. Dos professores que ministraram tais disciplinas no período de 1997 a

200636 a maior parte possuía formação em nível de pós-graduação (mestrado ou doutorado) na

área de Matemática Pura ou Aplicada. Identificamos apenas um com formação em Educação

Matemática.

35 Objetivo do curso apresentado no Manual do Candidato do vestibular da UFES de 1998. 36 Não encontramos registros sobre os professores que ministraram as disciplinas referidas no período anterior ao ano de 1997.

90

Além das atividades curriculares explicitadas pela estrutura apresentada anteriormente, outras

atividades que envolviam os alunos do curso, professores das redes de ensino e a comunidade

foram desenvolvidas no município por iniciativa particular de professores e alunos desse

curso. Algumas dessas atividades estavam vinculadas a disciplinas, como Fundamentos da

Matemática Elementar I e II, Prática de Ensino I e II e Tópicos de Ensino da Matemática

Elementar. A relação abaixo identifica algumas delas:

Curso de Capacitação para os Professores de Matemática do Ensino Fundamental da

Rede Municipal de São Mateus: projeto de extensão universitária desenvolvido em

parceria com a Secretaria Municipal de Educação com duração de 400 horas;

Plantão de Dúvidas de Matemática: projeto de extensão universitária criado para

atender alunos da educação básica da rede pública do município de São Mateus com

dificuldades em matemática (reforço escolar). Posteriormente, esse projeto foi

vinculado à disciplina de Estágio em Atividades Complementares de Ensino;

Curso de Aperfeiçoamento de Professores de Matemática do Ensino Médio: realizado

no sistema de videoconferência transmitida ao vivo da Associação Instituto de

Matemática Pura e Aplicada (IMPA-OS/RJ) e recebida no Polo Universitário de São

Mateus, tendo como público alvo alunos do curso de Matemática e demais professores

de matemática do nível médio das redes de ensino;

Seminário de Atualização em Matemática: projeto de extensão universitária

desenvolvido entre os anos de 2002 e 2004, composto das seguintes atividades:

o Ciclo de Palestras: tinha como público-alvo alunos e ex-alunos do curso de

Matemática do POLUN e professores de matemática da região. Contou com a

participação de palestrantes de várias instituições de pesquisa e de ensino superior do

país, oferecendo uma visão geral das áreas de pesquisa em Matemática;

o I Semana de Matemática de São Mateus: tinha como público-alvo graduandos

e mestrandos das Ciências Exatas e professores do Ensino Fundamental e

Médio. Sua programação contou com minicursos e palestras ministradas por

pesquisadores, professores e coordenadores de cursos de Pós-Graduação

(Mestrado e Doutorado) em Matemática e Educação;

o Matemática nas Séries Iniciais – 1ª à 4ª série: curso realizado em sistema de

teleconferência, nos 14 Centros de Educação Aberta e à Distância (CREAD)

distribuídos no Estado. Foi ministrado para acadêmicos do curso de Pedagogia

EAD, professores das redes pública e particular de ensino. Ministrado por

alunos do sétimo período do curso de Matemática do POLUN do ano de 2003;

91

o Matemática na 5ª série: minicurso ministrado por alunos do sétimo período do

curso de Matemática do POLUN. Tinha como público-alvo alunos do curso,

funcionários do POLUN e professores do Ensino Fundamental da região.

Assim, além de propiciar aos licenciandos a participação em atividades voltadas para a

educação matemática, o curso, de certa forma, cumpria duas das funções da universidade: o

ensino, por meio das atividades curriculares, e a extensão, por meio das atividades

extracurriculares, oferecendo cursos para formação de professores das redes de ensino, que

promovia a integração/contato dos alunos do curso (futuros professores) com os professores

das redes; propiciando minicursos e palestras com pesquisadores do campo da Matemática de

todo o país; incentivando os alunos a seguir seus estudos no campo da pesquisa em

Matemática Pura ou Aplicada; atendendo a comunidade e alunos da educação básica, com

reforço escolar.

Embora a estrutura curricular do curso não apresentasse o formato de “3+1” (3 anos de

formação específica mais 1 de formação pedagógica37), uma vez que percebemos uma

distribuição dessas disciplinas em todos os períodos, não havia uma integração entre esses

“grupos” de disciplinas. Esse distanciamento entre as disciplinas refletia, a nosso ver, o

próprio distanciamento – mencionado pelo professor Rocha – existente entre o departamento

de Matemática, que organiza o curso, e os demais departamentos responsáveis por outras

disciplinas da estrutura curricular. De modo específico, ao indagarmos o professor Rocha

sobre o tratamento/atenção dado às modalidades de ensino, de modo particular à EJA, ele nos

disse que não havia no curso um espaço de diálogo entre os departamentos, de modo que

questões como essa e tantas outras pudessem ser tratadas. Assim, referindo-se de modo

particular ao Centro de Educação, ele exemplificava que,

[...] se os professores das disciplinas ministradas pelo Centro de Educação estavam dando

essa visão para os alunos [tratando das modalidades de ensino], tentando fazer alguma coisa

com eles em relação a essas modalidades [de ensino], eu não sei. E se é interessante, eu não

fui convencido de que é interessante. E se eu achava interessante, eu não disse isso para o

professor, para o Centro de Educação. Se eles estão fazendo, estão fazendo porque acham

que devem fazer. Mas eu acho que tinha que ter uma aproximação melhor.

37 Usaremos este termo para nos referir ao conjunto de disciplinas que não as específicas da Matemática, mas aquelas de formação didático-pedagógico-humanística, que nessa regra são colocadas no ano final do curso.

92

Essa fala evidencia um problema estrutural de “isolamento” dentro da universidade em

relação à estrutura departamental que vai refletir em cada curso, aqui de modo particular no

curso Licenciatura em Matemática.

6.2 A EJA em São Mateus-ES

Localizado no norte do Espírito Santo, o município de São Mateus (situado aproximadamente

a 220 quilômetros da capital do estado – Vitória –) possui uma extensão territorial de

2.343,251 km2 e uma população de 102.955 habitantes38. De acordo com o banco de dados do

Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN), das 61.328 pessoas com idade igual ou superior a 15

anos de idade, registradas pelo censo 2000 nesse município, 16.923 estavam em condição de

analfabetismo funcional, o que corresponde a um índice de 27,6% da população naquele ano.

Para atender a essas e outras demandas educacionais, o município contava em 2007 com 96

escolas de nível fundamental e 11 escolas de nível médio, como mostra a tabela abaixo:

Tabela 4 - Quantitativo de escolas de nível fundamental e médio do município de São Mateus – 2007

Dependência Níveis de

ensino Estadual Municipal Privada Federal Total Fundamental 11 77 8 0 96

Médio 6 0 5 0 11 Fonte: Adaptado do Censo Educacional 2007-INEP

Em pesquisa de campo realizada no ano de 2007, constatamos que das 96 escolas de ensino

fundamental 19 ofertavam educação de jovens e adultos em nível fundamental e das 11

escolas de nível médio 3 ofertavam EJA em nível médio. Além disso, o município contava

com “salas avulsas” de EJA para séries iniciais do ensino fundamental em alguns bairros ou

comunidades e com turmas do projeto “Alfabetização é um direito”. Convém destacar que,

nos anos de 2007 e 2008, a educação de jovens e adultos era ofertada apenas nas

dependências estadual e municipal, como pode ser observado nas tabelas a seguir (Tabelas 5 e

6).

38 http://www.saomateus.es.gov.br/web2007/perfil.asp

93

Tabela 5 - Matrícula da Educação de Jovens e Adultos em São Mateus - 2007

Ensino Fundamental Dependên cia Escolas/Turmas/Projeto Séries

iniciais Séries finais

Ensino Médio

*EMEF “Dr. Arnóbio A. de Holanda” 25 46 - EMEF “Arueira” 56 111 - EMEF “Aviação” 23 50 - EMEF “Bom Sucesso” 52 131 - EMEF “Guriri” 40 125 - EMEF “Profº João Pinto Bandeira” 70 317 - EMEF “KM 35” 23 84 - EMEF “Lilazina” 33 155 - EMEF “M. A. S.S. Filadelfo” 32 69 - EMEF “Maria da Cunha Fundão” 39 83 - EMEF “Paulista” 13 54 - EMEF “Dora Arnizault Silvares” 42 - - EMEF “Anedina” 20 - - EMEF “Laurindo Samaritano” 28 - - EMEF “Mercedes de Aguiar” 14 - - EMEF “Palmitinho” 16 - -

Mun

icip

al

Salas avulsas 132 - - Subtotal 658 1225

**EEEFM "Américo Silvares" 40 241 411 EEEFM "Pio XII" - - 539 EEEFM "Santo Antônio" - - 328 EEEFM "Nestor Gomes" 19 - - ***EEEF "Dr. Emílio Zanotti" 59 180 -

E

stad

ual

Projeto “Alfabetização é um Direito” 250 - - Subtotal 368 421 1278

Total 1026 1646 1278 *Escola Municipal de Ensino Fundamental, ** Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio, *** Escola Estadual de Ensino Fundamental.

Cabe-nos destacar a relação entre o número de matrículas de EJA no ensino médio (1278) e o

de escolas correspondentes ao atendimento a essas matrículas (apenas três, a saber, todas

localizadas no meio urbano). Uma primeira consideração a esse respeito deve ser feita: a

sobrecarga de alunos nessas escolas. Em conversa com uma das diretoras, ela nos disse que,

além do número expressivo de matrículas, a escola mantinha uma lista de espera de alunos

que dava facilmente para formar novas turmas. Isso era de esperar se tivéssemos observado

que o número de matrículas em EJA no nível fundamental fosse maior que o de nível médio.

Isso indica uma necessidade de aumento na oferta de educação de jovens e adultos nesse nível

de ensino. O segundo ponto a ser considerado trata da ausência de oferta de EJA em nível

94

médio no meio rural. Das escolas de nível médio que ofertavam EJA a única situada no meio

rural não ofertava ensino médio na modalidade EJA.

Tabela 6 - Matrícula da Educação de Jovens e Adultos em São Mateus - 2008

Ensino Fundamental Dependên

cia Escolas Séries iniciais

Séries finais

Ensino Médio

*EMEF “Dr. Arnóbio A. de Holanda” 35 69 - EMEF “Arueira” 56 75 - EMEF “Aviação” 27 48 - EMEF “Bom Sucesso” 74 173 - EMEF “Guriri” 40 133 - EMEF “Prof. João Pinto Bandeira” 86 378 - EMEF “KM 35” 40 136 - EMEF “Lilazina” 36 118 - EMEF “M. A. S.S. Filadelfo” 40 76 - EMEF “Roseli Pires Clemente” - 93 -

Mun

icip

al

EMEF “Paulista” 20 58 - Subtotal 454 1357 -

**EEEFM "Américo Silvares" 43 295 441 EEEFM "Pio XII" - - 488 EEEFM "Santo Antônio" - 144 345

Est

adua

l

***EEEF "Dr. Emílio Zanotti" 40 200 - Subtotal 83 639 1274

Total 537 1996 1274 *Escola Municipal de Ensino Fundamental, ** Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio, *** Escola Estadual de Ensino Fundamental. O levantamento realizado em 2008 foi restrito às escolas que trabalhavam com EJA nas

etapas fundamental (séries finais) ou média de ensino, por isso não aparecem na tabela acima

as escolas que ofertavam EJA apenas para as séries iniciais do ensino fundamental. Isso

porque buscamos, nesse segundo levantamento, focar as escolas em que se encontravam os

sujeitos da pesquisa – dentre as quais estava a Escola Municipal de Ensino Fundamental

Guriri – EMEF Guriri (Fotos 2, 3 e 4).

95

Foto 2 – Vista de frente da EMEF Guriri

Foto 3 – Vista da secretaria, diretoria e sala dos professores da EMEF Guriri

Foto 3 – Vista de fundo da EMEF Guriri

96

Neste ano percebemos um aumento nas matrículas nas séries finais do ensino fundamental em

relação ao ano anterior e a oferta de EJA no nível fundamental pela EEEFM "Santo Antônio",

que não fazia essa oferta no ano anterior.

Com relação aos profissionais que atuavam nessa modalidade no município, restringimos

nossa observação aos professores de matemática que estavam atuando nas séries finais do

ensino fundamental e no nível médio, por estarem nesse grupo, os sujeitos de nossa pesquisa.

Em 2007, identificamos 26 professores atuando com a disciplina Matemática, dos quais 21

eram egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus. Nesse ano, não nos

detivemos em aprofundar a pesquisa com os professores, pois se tratava de uma identificação

inicial. Destacamos que das 15 escolas que ofertavam EJA nas séries finais do ensino

fundamental e no ensino médio apenas em três não havia professores de matemática da EJA

formados pelo curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus39, como ocorreu em

2008. Isso indica a forte presença do curso no quadro de professores do município, pelo

menos no que diz respeito aos professores da EJA.

Já em 2008 havia um total de 28 professores de matemática atuando na EJA, dos quais 17

trabalhavam no nível fundamental e 11 no nível médio. Desses 28 professores 15 tiveram sua

formação em nível de graduação no curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES

e 13 tiveram outros tipos de formação de nível superior, entre eles: Administração de

Empresas, Pedagogia, Ciências Contábeis, Engenharia Metalúrgica, Tecnologia de

Infraestrutura de Vias, Supervisão Escolar. Ressaltamos que as informações a respeito da

formação desses professores foram obtidas por meio de questionário (Anexo 2) a que os

próprios professores, exceto pela formação na graduação, que também foi obtida por meio de

análise das atas de colação de grau do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-

ES. Essa informação se faz necessária porque o que trazemos daqui em diante, a respeito de

informações sobre os professores, está restrito a um grupo de 18 professores, que foram os

que deram respostas ao questionário. Dos 18 professores que responderam ao questionário 10

eram egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES e dos outros 8

professores 5 eram licenciados em Matemática por programas especiais de formação40.

39 Devemos alertar que a separação que usamos entre os dois grupos de professores de matemática da EJA tem o intuito apenas de destacar a presença dos sujeitos da pesquisa no contexto da EJA em São Mateus.

97

No que diz respeito à formação em nível de pós-graduação dos professores egressos do curso

de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES apenas um estava com o curso de pós-

graduação em andamento, os outros já haviam concluído. Dos demais apenas um não havia

cursado pós-graduação. Além dos cursos de pós-graduação, registramos outros cursos de

formação continuada nos dois grupos de professores, entre os quais se encontravam dois

voltados para a EJA. Os cursos registrados foram: Saberes e práticas da inclusão, Curso de

Formação de Professores do 1º e 2º segmentos do ensino fundamental – Educação de Jovens

e Adultos, Curso de Cultura Afro-Brasileira, PDP – Programa de desenvolvimento

Profissional –, Curso de Geometria, Curso de Capacitação para professores de matemática,

Curso de formação continuada “Parâmetros em Ação”, Implementação e prática da Lei

10639/2003, Curso de Matemática para Professores do Ensino Fundamental, Encontro

Estadual de Formação Continuada para EJA, Curso de Educação para Professores de 5ª a 8ª

séries.

Um dado interessante que emergiu das respostas aos questionários está relacionado ao tempo

de atuação dos professores na EJA. Observamos uma média de dois anos e meio no grupo de

professores egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES, sendo os

valores bem distribuídos no intervalo de 0,5 a 5 anos, e de 5 anos no outro grupo de

professores. Neste segundo caso, há uma distribuição heterogênea dos valores, que variam de

1 ano a 13 anos, com os valores concentrados nos extremos desse intervalo. Assim,

registramos um tempo maior de atuação em EJA no grupo dos professores que não egressos

do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES no ano de 2008.

Na análise dos questionários dos diretores (Anexo 1), observamos quatro escolas com um

período maior de oferta de educação de jovens e adultos – duas estaduais, com 13 e 14 anos

de oferta, e duas municipais, com 10 e 12 anos de oferta. As demais escolas, municipais em

sua maioria, possuem um período de oferta igual ou inferior a 8 anos, o que pode ser

justificado pelo fato de, somente a partir do ano 2000, a educação de jovens e adultos ter

oferta regulamentada pela Secretaria de Educação do município.

Com relação à forma de oferta dessa modalidade pela rede municipal de ensino, a

coordenadora da EJA informou-nos que, antes do ano 2000, havia algumas “classes de

40 Conforme a Resolução Nº 2 do Conselho Nacional de Educação, de 26 de junho de 1997.

98

aceleração” no turno noturno, mas essas não eram regularizadas. A partir de 2000, foram

criados o projeto “Semi-Árido” em parceria com o governo do Estado e o “Projeto Todos

podem Ler – PTPL”, em parceria com a Superintendência Regional de Educação. Em 2003 e

2004, foi desenvolvido o projeto “BB Educar” em parceria com a Fundação Banco do Brasil,

que subsidiou o projeto, fornecendo capacitação para os professores, material didático aos

alunos, bolsas, camisas e outros. Paralelamente a essas ações, a Secretaria regularizou, em

2004, os cursos noturnos que já existiam (os de aceleração), quando foi criado o projeto de

Educação de Jovens e Adultos do município, como escrito na própria apresentação do projeto:

Trata-se de um Projeto de Educação de Jovens e Adultos, intitulado “SEMPRE É TEMPO DE APRENDER” que irá nortear todo o atendimento prestado a essa clientela em todos os seus aspectos e em todas as fases de aprendizagem e deverá compreender, no mínimo, a oferta de uma formação equivalente às oito séries iniciais do Ensino Fundamental (Projeto Sempre é Tempo de Aprender, 2004, p. 1).

O projeto foi estruturado em duas fases: Suplência Fase I – composto por quatro períodos

semestrais em que o 1º e 2º são destinados à alfabetização e o 3º e 4º, à conclusão das séries

iniciais do ensino fundamental; Suplência Fase II – composto por quatro períodos semestrais

em que os períodos de 5º a 8º correspondem à 5ª à 8ª séries do ensino fundamental.

Relativamente a ações da Secretaria voltadas para formação continuada dos professores, são

ofertados, segundo a coordenadora, durante o ano letivo, diversos cursos por iniciativa da

Secretaria de Educação, e os professores são incentivados a participar deles. Além disso, na

medida do possível, os professores são convidados a participar de eventos fora do município,

como ocorreu nos últimos anos, com participação de professores nos Fóruns Estaduais e em

Seminários de EJA, acrescenta a coordenadora. Entretanto, dos cursos oferecidos por

iniciativa da Secretaria identificamos apenas um, voltado para a Educação de Jovens e

Adultos, ocorrido em setembro de 2006. Isso refletiu nas respostas dos professores na questão

sobre sua formação continuada, como explicitamos anteriormente.

Em relação ao apoio dado aos professores quanto a orientações pedagógicas, não havia, de

acordo com a coordenadora, acompanhamento específico de um coordenador de área. O que

havia era o acompanhamento dos supervisores da escola, e, quando solicitado, os professores

recebiam orientações de um grupo de profissionais das áreas específicas que trabalham com o

Programa de Regularização do Fluxo Escolar (5ª à 8ª série do ensino fundamental) –

PREFES.

99

Sobre o material didático específico para a EJA e a disciplina Matemática, a coordenadora

afirmou que a única coisa que as escolas receberam foram os Cadernos de EJA fornecidos

pelo MEC. Estes seriam reproduzidos para os alunos, mas o custo de reprodução para os

alunos ficaria muito alto, o que o tornava inviável, além de não ser um material específico por

disciplina.

A coordenadora ressaltou ainda que, em 2006, antes que a EJA contasse com as verbas do

Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos

Profissionais da Educação (FUNDEB), a Secretaria tinha uma verba denominada “Moni EJA”

para despesas com produção de material didático e capacitação de professores. Com essa

verba foi ofertado o curso de formação já mencionado, que foi produzido por supervisores,

professores e técnicos da Secretaria de Educação de cada área específica, e o material didático

para alfabetização e para o 5º período da Suplência Fase II. No entanto, com a extinção dessa

verba, os trabalhos não tiveram continuidade. Consideramos isso lamentável, porque se

iniciava ali uma construção para aquela realidade, a partir da qual trazia, por meio das

contribuições dos professores, as características específicas do público ao qual o material se

destinaria.

No que diz respeito à organização da EJA na rede estadual de ensino até dezembro de 2007, a

EJA era estruturada em: Projeto Todos Podem Ler – PTPL – para as séries iniciais do ensino

fundamental com duração de 3 anos; Suplência Fase II, para as séries finais do ensino

fundamental, com duração de 2 anos e de caráter semestral; Suplência Fase III, para o Ensino

Médio também com duração de 2 anos e caráter semestral.

Durante o ano de 2007, a Secretaria Estadual de Educação (SEDU), em parceria com as

Superintendências Regionais de Educação, diretores de escolas, pedagogos e representantes

de alunos, formulou as Diretrizes da Educação de Jovens e Adultos. Assim, a partir de 2008, a

EJA passou a ser estruturada nas escolas da rede estadual de ensino, como mostra a tabela a

seguir.

100

Tabela 7 - Quadro organizativo da Educação de Jovens e Adultos na dependência estadual de ensino a partir de 2008

ESTRUTURA – 2008 1º Segmento 2º Segmento 3º Segmento

Séries iniciais - EF Séries finais - EF Semestral Semestral Semestral 2 anos 2 anos 2 anos 60 pontos

60 pontos 60 pontos 75% frequência 75% frequência 75% frequência

1600 horas 1600 horas 1200 horas Fonte: Caderno de Diretrizes da Educação de Jovens e Adultos. Vitória – ES. 2007

Os cursos de Educação de Jovens e Adultos – Ensino Fundamental e Médio –, assim

denominados nas novas diretrizes, foram divididos em oito etapas para o Ensino Fundamental

e três etapas para o Ensino Médio, todas com duração de 400 horas. No período em que

realizamos a pesquisa, em 2008, as escolas da rede estadual atendiam turmas tanto na

estrutura anterior quanto na nova estrutura.

Na rede estadual de ensino, no município de São Mateus, a EJA fica sob os cuidados da

Superintendência Regional de Educação (SER – São Mateus). Sobre as ações dessa

superintendência voltadas para a formação de professores, de acordo com a coordenadora da

EJA, houve, nos últimos anos, apenas um curso de capacitação. Segundo registros da

superintendência, que nos foram disponibilizados para análise, esse curso tinha como título

“Curso de Formação de Professores/ Educação de Jovens e Adultos – 1º e 2º segmentos”. Foi

uma ação vinda de um convênio MEC/FNDE/SEDU que aconteceu, em quatro etapas, no

período de julho a setembro de 2005 e teve a participação de professores de outros municípios

ligados às SRE de Colatina, Nova Venécia e Barra de São Francisco. As turmas de

professores e os trabalhos do curso foram desenvolvidos por segmento e, no caso do 2º

segmento da EJA, por área de atuação: Linguagem, Ciências da Natureza e Ciências

Humanas.

É importante considerar que, na época da pesquisa de campo, estava sendo elaborado pela

coordenadora da EJA na superintendência um projeto de formação de professores intitulado

“Formação Continuada e Desenvolvimento de Competências Profissionais”41, cujos objetivos

específicos eram: ampliar fundamentos teóricos que embasassem a condução dos trabalhos na

educação de jovens e adultos; proporcionar compreensão do processo de ensino-

101

aprendizagem da Educação de Jovens e Adultos, fornecendo subsídios que fundamentassem a

prática pedagógica; traçar propostas metodológicas, pedagógicas, conteúdos, currículos de

Educação de Jovens e Adultos. Para isso a coordenadora estava, na época, fazendo uma

pesquisa junto com os professores, por meio de um questionário, no qual buscava identificar

as metodologias de ensino utilizadas por eles, suas formas de avaliação e recuperação, as

dificuldades encontradas em seu trabalho com relação às turmas, aos alunos e à estrutura da

escola, e as medidas a serem tomadas para uma educação de qualidade.

Apesar de a proposta do projeto ser, nas palavras da própria coordenadora, audaciosa,

entendemos naquele momento que ela tinha tudo para dar certo, pois começava na

identificação do que os professores, sujeitos para os quais o projeto seria destinado, pensavam

sobre seu trabalho e suas necessidades para o desenvolvimento dele. Dava-se assim àqueles

professores a oportunidade de refletirem sobre suas práticas e de serem ouvidos (OLIVEIRA,

E. C., 2004).

Sobre as condições de trabalho e apoio dado aos professores, no que diz respeito ao material

didático, a coordenadora declarava que não havia específico para EJA e que os professores

trabalhavam com os mesmos livros destinados ao ensino fundamental e médio “regular” –

característica da adaptação colocada por Viera Pinto (1982). O máximo que vinha sendo

feito, e podia ser feito, sobre isso, segundo a coordenadora, era informar os diretores das

escolas do material disponibilizado pelo MEC (Cadernos de EJA). Além disso,

diferentemente do que acontecia na rede municipal de ensino, não havia acompanhamento do

trabalho dos professores por supervisores, visto que, geralmente, o turno noturno nas escolas

da rede estadual não contava com o trabalho desses profissionais.

Percebemos que as ações voltadas para o desenvolvimento da Educação de Jovens e Adultos

nesse município, relativamente à formação de professores e assistência a seu trabalho, são

ainda muito limitadas, quando não inexistentes. Isso caracteriza a precarização das condições

de trabalho dos professores da EJA colocadas por E. C. de Oliveira (2004), das quais, como

diz a própria autora, ainda muito pouco se tem falado. Se há o desejo de que EJA se constitua

numa modalidade de ensino, no sentido exposto no Parecer CEB/CNE Nº 11/2000, deve-se

dar, no mínimo, condições de trabalho para esses profissionais.

41 Obtivemos uma cópia deste projeto da coordenadora da EJA da Superintendência Regional de Educação.

102

7. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

Nas seções seguintes, traremos a apresentação e análise dos dados coletados na pesquisa de

campo por meio dos questionários respondidos e das entrevistas e observações de aulas

realizadas. Nas seções 7.1 e 7.2, apresentamos uma análise mais pontual referente aos dados

coletados por meio dos questionários e das entrevistas e observações respectivamente. Na

seção 7.3, buscamos fazer uma análise mais global, retomando em nossas considerações os

objetivos da pesquisa. Os excertos das respostas escritas dos professores ao questionário e das

entrevistas foram colocados nesse texto em itálico para diferenciar de suas demais partes.

7.1 Aplicação e análise dos questionários

Em face do levantamento que realizamos em 2008, tínhamos em mão a relação de todas as

escolas que ofereciam EJA nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio e a dos

respectivos professores de Matemática da EJA42. No contato que tivemos com os diretores das

escolas onde expusemos os objetivos da pesquisa e a necessidade de contato com os

professores de matemática para aplicação do questionário, pedimos para fazê-lo

pessoalmente, de preferência no horário de planejamento dos professores para que não os

interrompêssemos em horário de aula. Isso nos ajudou bastante porque, ao chegarmos às

escolas (no período noturno), nos identificávamos, em geral para os coordenadores, expondo a

razão de nossa visita, e logo éramos encaminhados aos professores. Em um ou outro caso,

tivemos de aguardar por causa de alteração no horário de aula, ou voltar noutro dia, porque o

professor havia faltado.

Conversamos com cada professor, falando sobre a pesquisa, a importância de sua participação

e o questionário, e juntos estabelecemos um prazo de duas semanas, para que pudéssemos

recolher os questionários respondidos. A dificuldade que tivemos durante a aplicação dos

questionários, que aconteceu no período de abril a julho de 2008, foi conciliar a

disponibilidade de horários para uma única noite em que não estávamos trabalhando em

Vitória. Nos casos em que não conseguimos, procuramos os professores antes do início das

aulas ou no horário do intervalo. Além disso, por várias vezes, quando retornávamos às

42 Como apresentado na seção 6.2 , havia 15 escolas e 28 professores de Matemática ao todo.

103

escolas para recolher os questionários, os professores não haviam respondido a eles.

Combinávamos uma nova data, e, mesmo com essas idas e vindas, 10 dos 28 professores não

devolveram o questionário respondido.

Acreditamos que isso tenha ocorrido por vários motivos, entre os quais, por causa da intensa

jornada de trabalho dos professores ou pela dificuldade que algumas pessoas sentem em

expressar suas ideias por meio da escrita, ou mesmo de expor suas opiniões devido à timidez.

Quanto aos professores que nos deram retorno, esses se mostraram bem abertos em contribuir

no que fosse preciso, demonstrando interesse pela pesquisa e satisfação em participar.

Como expusemos na seção 5.1, estruturamos o questionário (Anexo 2) em duas partes. A

análise que apresentamos em seguida refere-se às questões da segunda parte.

Ao formularmos as duas primeiras questões dessa segunda parte, tínhamos como objetivo

levar os professores a refletir sobre seu trabalho na EJA, buscando nele identificar

dificuldades em relação ao ensino da Matemática nessa modalidade. Tais questões tinham a

função de introdução para as três questões seguintes que objetivavam identificar o papel da

formação inicial oferecida pelo curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus nos

enfrentamentos por eles vivenciados no trabalho com a EJA. Uma vez estabelecida essa

relação entre a prática profissional e a formação inicial, mesmo de forma menos direta que as

três anteriores, a última questão visava também a identificar o papel do curso no trabalho do

professor, visto que as sugestões deveriam levar em conta a sua experiência profissional.

As respostas escritas analisadas são dos dez professores que nos devolveram os questionários

respondidos. Para mantermos suas identidades em sigilo, usamos os códigos P1, P2,..., P10

para representá-los.

104

Questionário Parte II

Considerando sua prática docente em matemática na EJA: Questão 1

Você sente algum tipo de dificuldade no ensino de matemática nessa modalidade de

ensino? Em caso afirmativo descreva-a.

Ao formularmos essa primeira questão, supomos que as respostas escritas dos professores

fossem girar em torno de algo, como dificuldades relacionadas a questões mais específicas ao

ensino da Matemática, tais quais conteúdos específicos ou algum método adequado ao ensino

da Matemática na EJA, coisas desse tipo. No entanto, apesar de poderem se relacionar a essas

questões, as respostas escritas dos professores tiveram outro foco. Talvez a questão não tenha

sido devidamente formulada. Como não fizemos um teste piloto com o questionário antes de

aplicá-lo (o que foi uma falha), somente percebemos isso depois do retorno dos questionários.

As dificuldades apresentadas pelos professores estavam de, um modo geral, relacionadas a

dificuldades existentes na EJA, derivadas das próprias características dessa modalidade de

ensino, de seus sujeitos, e não explicitamente relacionada ao ensino da Matemática na EJA.

Entretanto, tais dificuldades apresentavam consequências diretas sobre ele, como aconteceu

com o problema das faltas dos alunos apontados por três professores (P2, P3 e P10).

A maioria dos alunos são trabalhadores cansados, pois trabalham na roça, nos viveiros e na colheita de café. Acordam muito cedo. Alguns moram distante da escola. Tem aluno que anda duas horas de ônibus para ir de sua casa até a escola. E outros ainda trabalham por escala. As faltas, talvez seja um dos principais problemas, pois com isto os alunos não conseguem acompanhar os conteúdos (P2).

Nessa mesma direção, o professor P10 indica o problema do horário de início das aulas. Ele

afirmou:

[...] o horário de início de aula, visto que a maioria trabalha e chegam bastante atrasados, atrapalhando o rendimento do conteúdo.

O que os professores trazem reflete num sério problema característico do ensino noturno de

modo geral, seja ele ou não denominado de EJA, que é a questão dos tempos/espaços de

ensino que precisa ser repensada, levando em conta uma especificidade desses alunos: sua

condição de trabalhadores. O reflexo no ensino da Matemática vem associado, nesse caso, à

continuidade/sequência dos conteúdos curriculares porque, como as faltas não são casos

isolados, os alunos apresentam dificuldades em acompanhá-los, o que atrapalha o processo de

ensino e aprendizagem. Soma-se a esse conjunto outro aspecto mencionado pelo professor P8:

105

A falta de tempo que os alunos têm em praticar as atividades propostas em sala de aula.

Isso ocorre porque estão no trabalho, quando não estão na escola, no período noturno. Assim

o tempo de estudo se limita àquele da sala de aula.

Num outro conjunto, identificamos algumas dificuldades que os professores projetaram,

relacionando somente a dificuldades dos alunos. Numa delas os professores apontaram como

consequência do período de afastamento da escola que grande parte dos alunos da EJA

apresenta em seu histórico de vida escolar. Como disseram os professores P3, P1 e P5:

Os alunos do turno noturno, em sua maioria, são alunos que interrompem os estudos por motivos diversos e ficaram sem frequentar a escola por muitos anos. Não se lembram dos conteúdos de séries anteriores (P3). [...] a dificuldade está na falta de base (P1). Os alunos têm muita dificuldade, para assimilar os conteúdos programáticos, já que tem alguns anos que não frequentam a escola (P5).

Embora a dificuldade dos alunos em “lembrar dos conteúdos das séries anteriores” ou “de

assimilar os conteúdos programáticos” tenha sido justificada pelo tempo em que eles

estiveram afastados da escola, acreditamos que outros fatores, de forma conjunta, contribuam

para que isso ocorra na EJA, porque muitos de nossos alunos do “ensino regular”, crianças e

adolescentes que não apresentam em seu histórico escolar períodos de afastamento da escola,

também apresentam as mesmas dificuldades, talvez em menor grau. Entre os fatores que

mencionamos estão: a questionável linearidade do conhecimento matemático (exigência dos

pré-requisitos) (FONSECA, 1999); as experiências escolares anteriores em que a

aprendizagem dos conteúdos não se deu de forma significativa para os alunos. E isso, no caso

específico daqueles alunos da EJA de mais idade, pode também estar associado à diminuição

na capacidade de recuperação da memória em longo prazo, como exposto por Vega, Belém e

Bus (2004).

Diferentemente do caso anterior em que a dificuldade estava relacionada à

continuidade/prosseguimento dos conteúdos, aqui o professor destaca o ritmo com que se dá o

andamento dos conteúdos. Disse o professor P10:

A dificuldade que sinto é em relação ao andamento da matéria, o ritmo é bem vagaroso, e não há aprofundamento de determinados assuntos.

106

Ao afirmar que “o ritmo é bem vagaroso”, o professor deixa implícita uma comparação com

o desenvolvimento dos conteúdos em outras modalidades de ensino. Sobre esse aspecto

alguns autores (VEGA; BELÉM; BUS; 2002, OLIVEIRA, M. K., 2004) chamam a atenção

para as pesquisas que, ao compararem sujeitos com idades diferentes, no caso, adultos com

crianças ou adolescentes, atribuem resultados menos promissores aos mais velhos, ao passo

que, nas pesquisas em que os mais velhos são comparados com eles próprios, os resultados

são bem mais otimistas. Queremos destacar nesse caso o erro que nós, muitos professores da

EJA, cometemos: ao avaliarmos o desenvolvimento de nossos alunos da EJA, tomamos como

referência nossos alunos do ensino “regular”, sejam crianças sejam adolescentes, ou até

mesmo jovens e “adultos abstratos” como alerta M. K. de Oliveira (2004), mesmo

conhecendo e afirmando as especificidades que os diferem. Entretanto, compreendemos

quanto é difícil evitar tal comparação, já que, em geral, os professores que trabalham com a

EJA são também professores no “ensino regular”. Esse talvez seja um dos motivos por que

Arroyo (2006) insista pela constituição da identidade do profissional da EJA, assim como da

própria EJA.

No que se refere ao “não aprofundamento de determinados assuntos”, não encontramos na

resposta anterior do professor elementos suficientes que pudessem mostrar que o problema

decorresse do “ritmo vagaroso” ou fosse uma característica independente do andamento da

matéria na EJA. No caso de se apresentar como característica independente, ficaria a

pergunta: que assuntos são esses e por que não há aprofundamento deles? Isso, a nosso ver,

remeteria também à questão da seleção do que é essencial quanto a conteúdos para a EJA

(FONSECA, 1999).

Numa outra direção, a dificuldade apresentada pela professora P9 traz à tona mais um assunto

que tem causado muita discussão no campo da EJA, que é o da diferenciação etária existente:

A maior dificuldade, na minha opinião, é o fato de termos, por exemplo, em uma mesma turma, alunos com 16 anos de idade que são usuários de drogas e têm problemas de comportamento, senhoras com 60 anos que querem recuperar o tempo perdido e outros na faixa dos 30 que só querem um certificado para apresentarem na empresa onde trabalham. De acordo com o professor Dante Henrique Moura43, no âmbito das discussões nacionais

sobre a idade mínima para a Educação de Jovens e Adultos, as posições ainda estão divididas

43 MOURA, Dante Henrique. Educação Profissional e EJA. II Seminário PROEJA-ES - Formação de educadores: entre as práticas curriculares e os desafios da integração. Relatório de Roda de Prosa. Relatoria - Gerliane Martins Cosme, 28 Nov. 2008.

107

entre os que veem a diferença como um aspecto positivo, porque promove, por exemplo, uma

troca entre os adultos e os jovens, e os que a veem como um aspecto negativo, promotor da

evasão dos alunos de mais idade.

Além da diferenciação etária, a professora levanta a questão da diferenciação existente entre

os interesses de cada aluno em relação àquela educação. Para o ensino da Matemática, uma

consequência dessa diferença de idades e objetivos (que implica diferença de

desenvolvimento cognitivo e, portanto, de aprendizagem (VEGA; BUENO; BUS, 2004)) vai

incidir justamente sobre os conteúdos a privilegiar (retoma a questão da “busca pelo

essencial”) e sobre as formas de abordagem desses conteúdos, a respeito de metodologia e de

atividades a serem desenvolvidas.

Finalmente, duas professoras, P6 e P7, afirmaram não sentir dificuldades no ensino da

Matemática na EJA. Embora suas respostas não nos tenham dado elementos para aprofundar a

análise, considerando as respostas dos demais professores, percebemos duas possibilidades

que poderiam justificá-las. As professoras podem realmente não sentir dificuldades no ensino

da Matemática, o que pode ocultar uma percepção de ensino da Matemática para a EJA como

algo mais superficial, ou podem não ter parado para refletir sobre a questão tomando uma

resposta mais rápida.

Questão 2

O que ou como faz para tentar superá-las? Quanto à questão das faltas, como não é possível reduzi-las – porque os alunos faltam devido

ao trabalho, ou até mesmo ao cansaço que lhes acomete após um dia de trabalho que não lhes

deixa ânimo para enfrentar uma sala de aula –, os professores buscam diferentes maneiras

para contornar esse problema. A professora P3 assim expressa:

Tento ser amiga, ouvi-los antes de começar a aula. Tento ser divertida e agradá-los convencendo-os da importância e necessidade, para o mercado de trabalho, que eles estudem. Tento diversificar as aulas, trazendo um pouco de prática em cada conteúdo ministrado. Nesse caso, a professora recorre ao diálogo como um caminho para resolver o problema,

estabelecendo uma relação de empatia com os alunos. Nesse diálogo, o trabalho entra como

peça-chave, porque representa para muitos o principal motivo de estarem ali e talvez o único

que os impeça de uma segunda evasão. Além disso, a relação dos conteúdos com a prática

108

(entendendo-a como a vida cotidiana do aluno, seu trabalho diário) parece representar um

fator de motivação. Nesse mesmo caminho segue o professor P10, acrescentando dinâmica às

aulas, utilizando recursos didáticos como os jogos. São estas suas palavras:

Tento atrair a atenção do aluno com aulas dinâmicas, como exemplo, jogos matemáticos, para que não fiquem desestimulados e assim reduzir o número de faltas.

A motivação se apresenta, nesse caso, como um fator que influencia o envolvimento desses

sujeitos nas atividades escolares, concordando com as considerações de Vega, Bueno e Bus

(2004).

No caso da professora P2, a questão das faltas dos alunos vem acompanhada de sua

preocupação com o cumprimento do programa de ensino estabelecido pela Secretaria de

Educação Municipal e do acompanhamento desse conteúdo pelos alunos. Assim escreveu a

professora:

[...] procuro trabalhar num ritmo mais lento, para que todos possam acompanhar o conteúdo proposto pela Secretaria de Educação. Peço para realizarem as atividades em dupla ou em grupo. [...] (P2). Trabalhando num ritmo mais lento, a professora tenta fazer que os alunos que faltam não

percam tanto conteúdo, o que parece ser otimizado pelo trabalho conjunto, porque em

conjunto os alunos mais assíduos podem ajudar aqueles que faltam mais.

Já o professor P10 escreveu que procurava trabalhar com um conteúdo até que a maioria dos

alunos o tivesse absorvido. Para aproveitar o tempo no início da primeira aula, ele buscava

tirar as dúvidas de alguns alunos no início das aulas, enquanto aguardava a chegada dos

demais. Procurava trabalhar com “assuntos matemáticos envolvendo o cotidiano do aluno”,

de modo que seu interesse pelas aulas se tornasse maior.

Sobre a falta de tempo dos alunos para atividades extraescolares, a saída utilizada pelos

professores foi trabalhar apenas com o tempo em que eles se encontram na escola.

Para contornar as dificuldades dos alunos em relação aos conteúdos estudados em outras

séries, agravada pelo tempo de afastamento dos alunos da escola, os professores P1 e P5

disseram que buscavam trabalhar com revisões de conteúdo antes de introduzir os conteúdos

novos, retomando principalmente os conceitos básicos.

109

No caso da questão da diferenciação etária, exposto pela professora P9, a saída encontrada por

ela foi usar a própria situação em seu favor. Ela escreveu:

Não são raros os casos de conflitos entre os alunos com idades diferentes. Os mais jovens acham que os mais velhos são lentos demais e os mais velhos dizem que não saíram de casa para aturar bagunça, que não conseguem aprender e que vão acabar desistindo. O que eu faço é tentar usar estas diferenças em meu favor mostrando que eles podem se ajudar. Os mais novos entram com a agilidade e os menos novos com as experiências de vida que enriquecem as aulas (P9).

Essa troca proporcionada pela diferença, da qual a professora tenta beneficiar-se, é um dos

fortes motivos pelos quais se tem lutado contra o aumento da idade mínima na EJA.

Em relação a essas duas primeiras questões, chamou-nos a atenção uma preocupação implícita

nas repostas dos professores P2, P5 e P8 com o cumprimento do programa de conteúdos. A

nosso ver, ela se justifica pela preocupação com os pré-requisitos “necessários” aos alunos

para o prosseguimento dos estudos dos conteúdos nos períodos seguintes e pelo próprio

desejo desses conteúdos por parte dos alunos. Essa preocupação parece tornar o ensino

fortemente centrado no conteúdo (FONSECA, 1999), mesmo que os professores busquem

aplicá-los/associá-los à prática, à vida cotidiana.

Para Fonseca (1999, p.31), essa expectativa dos alunos da EJA pelo conhecimento escolar “no

conteúdo e na forma”, que percebemos poder ser uma justificativa da centralidade do

conteúdo no processo de ensino e aprendizagem, precisa ser ‘negociada’ com outras que não podem negar os conteúdos, as estratégias e até o ritual escolar, mas devem ressignificá-los, questionando-os, buscando o que há de essencial e de tradição, o que foi forjado por necessidades que permanecem ou que já foram ultrapassadas, enfim, dialogar com o conhecimento prévio escolar do aluno – vivido, observado ou imaginado – (tal como já nos acostumamos a dizer que é preciso fazer com o conhecimento da vida cotidiana), considerando-o como parte de seu patrimônio cultural, que não pode ser negligenciado em qualquer relação pedagógica.

Entendemos terem procurado os professores fazer essa negociação, na medida do possível,

com os recursos que lhes são disponíveis, com as exigências que lhes são postas e com aquilo

que sabem sobre a educação para esses sujeitos.

110

Questões 3, 4 e 5

Em que o Curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES contribuiu (contribui) para seus enfrentamentos nas aulas de Matemática na EJA? Em que ele não contribuiu (contribui)? Mais especificamente, as atividades (inclusive extracurriculares) e disciplinas, durante a licenciatura, contribuíram para a sua prática profissional na EJA? Caso tenham contribuído, quais foram elas e em que sentido elas contribuíram? Como dissemos antes, as questões 1 e 2 funcionaram meio que uma reflexão introdutória que

cada professor deveria fazer para responder a essas três questões, considerando que, para

responder a elas, precisaria identificar as contribuições de sua formação inicial para os

enfrentamentos evidenciados nas questões 1 e 2.

Fazendo uma leitura analítica das respostas dos professores em relação à questão 3, nós as

reunimos em dois grupos: as que afirmam ter o curso contribuído muito pouco ou quase nada

(P2, P5, P6, P7, P8 e P10) e as que afirmam que o curso contribuiu para os enfrentamentos

nas aulas de matemática na EJA (P1, P3, P4 e P9).

A análise conjunta desses com as respostas às questões 4 e 5, por diferentes que sejam as

justificativas dos professores, as respostas parecem convergir para uma mesma posição em

relação ao papel desempenhado pela formação oferecida no curso aos professores que vêm a

trabalhar com a disciplina Matemática na EJA: o curso teve grande contribuição no que diz

respeito à formação matemática, teórica, do conhecimento matemático, mas no que tange ao

aspecto pedagógico, da atividade profissional de ser professor, do enfrentar as dificuldades de

sala de aula e do tratamento aos alunos, o curso trouxe poucas contribuições; no que se refere

diretamente a EJA, praticamente nenhuma.

Como dissemos, os professores atribuem como grande contribuição do curso para sua prática

profissional àquela relativa ao domínio dos conteúdos específicos da Matemática, o corpo de

conhecimentos que estrutura essa área como campo científico, “os fundamentos da disciplina”

(FREITAS, 1994). Isso aponta uma forte formação teórica, como explicito nas respostas dos

professores P1 e P3.

No domínio do conteúdo (P1). O curso de Licenciatura contribuiu na construção do meu raciocínio lógico, no conteúdo específico [...] (P3).

111

E enfaticamente na resposta da professora P9. Acredito ter tido uma boa formação acadêmica no que diz respeito única e exclusivamente aos conhecimentos matemáticos [...].

Essa forte formação matemática parece ser responsável pela importante segurança e

autonomia à qual se referiu o professor P4, como registrou:

O curso me deu segurança e autonomia para fazer adequações às necessidades dos alunos.

A segurança e a autonomia declaradas pelo professor se referem, a nosso ver, à grande

compreensão (domínio) de conteúdos matemáticos escolares e, principalmente, à capacidade

(ou habilidade) adquirida no curso de ir à busca, quando necessário, de aprender aquilo que

não foi aprendido no curso. Mas aprender não no sentido apenas de aprender para si próprio,

mas também, principalmente, aprender para ensinar. Daí a “segurança e autonomia para fazer

as adequações às necessidades dos alunos”.

Formação matemática à parte, aparecem, nas respostas à questão 5, referências às disciplinas

pedagógicas, especialmente à Didática, como responsável por alguma contribuição da

formação para a prática profissional dos professores na EJA. Assim, escreveram os

professores:

A disciplina de Didática contribui um pouco, com algumas dicas para serem utilizadas na sala de aula (P5). Apenas a disciplina de Didática. Algumas atividades extracurriculares contribuíram para um melhor desempenho na prática e postura em sala de aula (P8). Algumas matérias didáticas que comentam sobre o assunto [EJA] muito superficial para uma coisa tão complexa (P10).

Mas como podemos perceber, nas respostas escritas, essa contribuição parecia ser bem tímida.

Segundo a professora P3,

O curso de Licenciatura (...) não teve o cuidado de criar momentos para discutir o aluno do Ensino Fundamental, nem o de ensino Médio e muito menos o aluno da EJA (P3).

O que acreditamos ser consequência do aspecto apontado pelo professor P10, para quem o

curso contribuiu em “praticamente” nada para os enfrentamentos nas aulas de Matemática na

EJA. Ele declarou:

O curso é mais voltado para um mestrado do que licenciatura. E o EJA necessita de uma atenção diferenciada e o curso não oferece esse item (P10).

112

É importante notar que, apesar de terem estudado em épocas diferentes – a professora P3

estudou no logo no início da implantação do curso, 1992-1995, e o professor P10 em uma das

últimas turmas, 2004-2007 –, eles apresentam posições bem semelhantes em suas

considerações sobre as contribuições da formação para o trabalho na EJA. Todavia, o

professor P10 foi o único a dizer que alguma referência à EJA havia sido feita no curso, talvez

até mesmo devido às influências dos avanços no campo de discussão sobre a EJA.

Quando o professor P10 afirma: “O curso é mais voltado para um mestrado do que

licenciatura”, ele atribui uma característica ao curso que vai ao encontro das respostas

anteriores dos professores no que diz respeito à formação Matemática e da fala do

subcoordenador do curso (apresentada na seção 6.1) no que diz respeito aos papéis cumpridos

pelo curso. Neste caso, aquele referente ao formar os alunos para a continuação dos estudos,

para a pesquisa em Matemática em cursos de pós-graduação.

Esse aspecto levantado pelo professor P10 é também notado, ainda que de forma menos

explícita, nas respostas das professoras P3 e P9, quando elas tratam da questão da pouca

atenção dada no curso às disciplinas pedagógicas.

No período em que cursei graduação (1992-1995) o (...) curso estava sendo ainda implantado. Havia uma preocupação muito grande em passar os conteúdos do programa. Não havia se formado uma discussão a respeito do aluno. Poucos eram os colegas que já atuavam em sala de aula. Não estou duvidando da qualidade do curso. Pelo contrário, em termos de conteúdo, foi muito bom. Apenas não foram fomentadas discussões sobre o aluno e em especial sobre alunos da EJA (P3, grifos nossos). Poderia surgir uma justificativa onde aulas como filosofia, sociologia, didática e metodologia fossem apontadas como responsáveis pela formação profissional “professoral” e até acho que seria ótimo argumento, mas quem fez o curso que eu fiz sabe que não é bem assim que funciona. Estas aulas acabam ficando subestimadas e são consideradas um atraso já que tomam o tempo em que poderíamos estar “nos acabando” nos livros de cálculo e álgebra (P10, grifo nosso).

Essas declarações novamente reforçam a posição dos professores sobre incentivos máximos e

importância à formação matemática.

Em relação àquilo que o curso deixou de contribuir, os professores apontam a relação entre os

conteúdos estudados na época da formação e os conteúdos a serem ensinados. Eles

afirmaram:

O que vemos na faculdade é longe do conteúdo da EJA (P7).

113

O curso não me ensinou a lidar com alunos, tampouco utilizo na sala de aula a maioria dos conteúdos que aprendi. A realidade é outra, no EJA ensino o básico, pois a maioria dos alunos tem uma grande dificuldade de aprendizagem (P5). As respostas das professoras alertam para um distanciamento existente entre aquilo se aprende

no curso e aquilo se ensina na escola básica na EJA em termos de conteúdo. Apesar de esses

conteúdos provavelmente terem sido diretamente estudados em disciplinas, como Matemática

Básica I e II e Fundamentos da Matemática Elementar I e II, conforme verificamos nos planos

de ensino, pelo visto parece ter havido nelas pouca discussão sobre esses conteúdos de ensino

na educação básica, principalmente se referindo às disciplinas Matemática Básica I e II.

No caso das professoras P5 e P7, elas cursaram essas duas disciplinas no processo seletivo

estendido, do qual falamos na seção 6.1. O principal objetivo dessas disciplinas era “a

preparação para as matérias de Cálculo Diferencial e Integral e álgebra Linear, que serão

assuntos de várias disciplinas do curso” (Plano de Ensino das disciplinas Matemática Básica I

e Matemática Básica II para os candidatos ao curso de Matemática (São Mateus) - 2001). Isso

nos ajuda a compreender melhor esse distanciamento das questões epistemológicas do ensino

e aprendizagem da matemática escolar.

Além dessas disciplinas, que tratam especificamente desses conteúdos, as respostas das

professoras acenam para uma desconsideração por disciplinas, como Cálculo Diferencial e

Integral e Álgebra Linear, das questões ligadas aos conteúdos de ensino da educação básica,

de modo particular na EJA. Embora esses conteúdos sejam tratados nessas disciplinas, eles

não são tratados do ponto de vista desse ensino escolar, talvez, por isso, não tenham sido

identificados pelas professoras.

Outro aspecto a ser destacado na resposta da professora P5 é o da utilização dos conteúdos

aprendidos, no caso os conteúdos da matemática de nível superior. O aprendizado desses

conteúdos parece, para ela, não ter tido muito sentido para seu trabalho com o ensino da

matemática básica na EJA.

Rômulo Campos Lins (2004), ao defender a ideia de que as disciplinas de Matemática

“avançada” têm um potencial único na formação de professores de matemática, apresenta uma

“justificativa” que, a nosso ver, parece bastante adequada, principalmente se considerarmos o

ensino da Matemática na EJA. Segundo esse autor, a matemática dessas disciplinas,

114

matemática do matemático44, oferece ao futuro professor uma oportunidade única de viver o

estranhamento peculiar ao encontro com noções que contrariam em tudo o senso comum do

cotidiano. É aí que está a maior contribuição. “É apenas ao se tornar sensível a esse

estranhamento, por tê-lo vivido como aluno-futuro-professor, que o professor poderá ser

sensibilizado para a necessidade de ler seus alunos sempre” (LINS, 2004, p. 4, grifo nosso),

de entender que, assim como a matemática do matemático lhe tenha causado estranhamento

durante sua formação, a matemática que ensina a seus alunos também lhes pode causar

estranhamento.

Por mais que a Matemática pareça clara para o professor e que ele goste, não necessariamente

o será para seus alunos. Nisso reside o reconhecimento da diferença que, segundo Lins

(2004), não deve ser eliminada, mas realçada, percebida e aceita, de modo que esteja presente

a proposta de que o aluno, eventualmente, seja capaz de pensar como o professor quando

quiser, como professor tentará fazer o melhor para entender como o aluno pensa. A ideia,

completa Lins (2004), não é corrigir o aluno, mas ajudá-lo a crescer sem que ele tenha de

abandonar outras maneiras de produzir significado para o que trata ou lhe é apresentado.

A questão é que, pela declaração da professora, somos levados a acreditar que as experiências

por ela vividas nessas disciplinas na graduação não possibilitaram o despertar dessa

sensibilidade necessária à leitura de seus alunos, daí não vê a “utilidade” da maioria dos

conteúdos nelas aprendidos.

Num aspecto menos restrito à Matemática, o professor P1, ao responder que o curso não

contribuiu “em conhecer a realidade das escolas”, aponta um dos problemas expostos nas

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica

(BRASIL, 2001b). Tais problemas devem ser enfrentados pelos cursos de formação inicial no

campo institucional, que é o distanciamento existente entre as instituições de formação de

professores e os sistemas de ensino da educação básica. Integrando-se a essa questão, o

aspecto pontuado pela professora P3 aponta outro problema também identificado pelas

Diretrizes no campo curricular: o da desconsideração das especificidades próprias dos níveis

44LINS, Rômulo Campos. Matemática, monstros, significados e educação matemática. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani; BORBA, Marcelo Carvalho (orgs.). Educação Matemática: pesquisa em movimento. Cortez: São Paulo, 2004, p. 92-120.

115

e/ou modalidades de ensino em que são atendidos os alunos da educação básica, entre os

quais estão os sujeitos da EJA.

Não discutimos o que era ou não prioridade para o aluno, ou como lidar com o aluno adulto que volta para escola não com objetivo de adquirir conhecimentos específicos de conteúdo, mas para concluir o ensino fundamental ou médio, com o objetivo de conseguir um novo emprego ou se manter no emprego que já tem (P3).

Esse silenciamento da formação em relação a essas realidades e ao tratamento dessas

especificidades do contexto escolar contribuiu para o estranhamento vivido pela professora P2

diante da realidade desconhecida. Estranhamento que possivelmente gerou um sentimento de

impotência, de não saber o que fazer diante daquela realidade.

[...] É o primeiro ano que trabalho com EJA e confesso que na primeira semana pensei em

desistir (P2).

Outro aspecto apontado pelos professores em relação àquilo que ele não contribuiu é o da

prática docente, do trabalho diário do professor com os alunos, das estratégias de ensino.

Escreveram eles:

O curso não prepara você para atuar na sala de aula e enfrentar e superar as dificuldades encontradas a cada dia, principalmente em relação à EJA (P2). O que a faculdade nos ensina não ajuda na sala de aula, pois a realidade é outra (P6). Não contribuiu com o lidar com o aluno, estratégias para a sala de aula (P3).

Apesar de estarem na grade curricular do curso duas disciplinas de Prática de Ensino, uma

disciplina de Didática e uma de Estágio em Atividades Complementares de Ensino, que são,

no curso disciplinas que abordam mais especificamente o aspecto formativo acima

mencionado, as respostas dos professores indicam certa “insuficiência” desta formação. Como

dissemos antes, apenas os professores P5, P8 e P10 se referiram à contribuição de disciplinas

pedagógicas e de algumas atividades extracurriculares, mas, referindo-se à EJA, escreveu o

professor P10: “algumas matérias didáticas que comentam sobre o assunto, muito superficial

para uma coisa tão complexa”.

Entretanto, não podemos deixar de considerar um aspecto relevante explicitado na resposta da

professora P9 às questões 3, 4 e 5 que, a nosso ver, contribuiu para essa “insuficiente”

formação. A resposta da professora indica certo descaso no curso com as disciplinas da

dimensão pedagógica por parte dos alunos.

116

Poderia surgir uma justificativa onde aulas como filosofia, sociologia, didática e metodologia fossem apontadas como responsáveis pela formação profissional “professoral” e até acho que seria ótimo argumento, mas quem fez o curso que eu fiz sabe que não é bem assim que funciona. Estas aulas acabam ficando subestimadas e são consideradas um atraso já que tomam o tempo em que poderíamos estar “nos acabando” nos livros de cálculo e álgebra (P9, grifo nosso).

Esse descaso é provocado não pelo fato de que tais disciplinas não sejam importantes nem

mereçam sua atenção e dedicação, mas por causa da própria estrutura do curso que exigia um

“peso” de muita dedicação dos alunos com as disciplinas de formação matemática, como

ficou evidenciado. Posto isso, perguntamo-nos: não haveria uma falta de diálogo e

preocupação entre os professores formadores de Matemática e os professores da área

pedagógica com o futuro profissional (professor)?

Saindo do campo curricular e focando o trabalho dos professores formadores, suas

metodologias de trabalho e comportamento diante dos futuros professores, as repostas dos

professores P4 e P10 chamaram a atenção para a postura rígida que o aluno (futuro professor)

constrói no curso, tomando como exemplo seus professores e suas práticas de ensino e

alertando para o fato de que tais práticas não combinam com a educação básica e

principalmente com a EJA. Esses professores ressaltam:

O rigor com que se é avaliado pode confundir o professor do EJA, pois esse deve ser flexível e criativo na hora de avaliar (P4). Não aprendi a ser professora na faculdade, muito pelo contrário, saí de lá com uma postura rija que não combina nada com o projeto EJA e nem mesmo com as outras modalidades de ensino dentro do atual momento da educação em nosso país (P9).

Referindo-se, de modo particular, ao processo avaliativo, a afirmação do professor P4 leva a

entender que o rigor desse processo tem como característica a falta de flexibilidade e de

criatividade. Entende-se como flexibilidade aquela necessária à análise das particularidades de

cada aluno no processo avaliativo e como criatividade aquela ideal presença à

construção/elaboração dos instrumentos avaliativos.

O que os professores trazem nessas declarações traduz o que expomos na seção 4.1, quando

abordamos a questão da formação “incidental ou ambiental” tratada por Fiorentini (2004).

Embora a maioria dos professores não percebesse ou não tivesse consciência – especialmente

os professores das disciplinas específicas cuja formação em nível de pós-graduação era

predominantemente em Matemática, Pura ou Aplicada –, seus modos de ensinar, de avaliar e

117

de se comportar em determinadas situações de sala de aula estavam sendo, o tempo todo,

percebidos e até incorporados pelos futuros professores, os quais tomariam futuramente como

“modelos” a serem seguidos ou não.

Em relação a essa formação incidental, chamou-nos atenção particularmente outra declaração

da professora P9:

[...] Precisei mudar muito para me adequar e estou em constante mudança. A EJA é para alunos que trabalham durante o dia e/ou estão defasados. Eles enfrentam uma série de dificuldades para estarem estudando como maridos ciumentos, filhos pequenos que não têm com quem ficar, cansaço ou vergonha e eu entendo que meu papel é aproveitar ao máximo o tempo em que eles estão na sala e dificultar o mínimo suas vidas. Mas, novamente afirmo, não aprendi isto na faculdade. Recentemente procurei uma aluna minha da 8ª série para incentivá-la a voltar para escola pois sei que ela tem condições de fazer as provas que perdeu e conseguir concluir esta etapa o que ficará bem mais difícil após o nascimento da criança. Eu passei por esta dificuldade, sei o quanto foi difícil e pude comprovar o quanto meus professores (com uma exceção) eram desumanos. Antes e durante a gravidez eu fui ótima aluna, minhas notas estavam sempre entre as maiores, mas isso não foi levado em consideração e quando eu precisei de compreensão não obtive e cheguei a ser mal tratada. Pode parecer que estou levando para o lado pessoal mas pretendo apenas justificar meus argumentos. Na verdade só hoje faço esta reflexão, na época, eu achava normal tal postura, afinal, eles eram professores de matemática e professores de matemática são assim” [Grifos nossos]. Conforme já explicitamos, apesar de a professora P9 ter sido bastante enfática quando

afirmou que teve “uma boa formação acadêmica no que diz respeito única e exclusivamente

aos conhecimentos matemáticos” (grifo nosso), a situação por ela vivenciada durante o curso

(sua gravidez e as consequências) foi, a nosso ver, uma grande contribuição deste para sua

formação “professoral”, principalmente no que diz respeito ao trabalho com a EJA. Por mais

que ela afirme “não aprendi isto na faculdade”, foi a postura de seus professores da

graduação aliada ao contato com a realidade educacional por ela vivida na EJA – não só por

meio do caso de sua aluna, mas de tantos outros casos que representam a especificidade da

EJA –, que a fez refletir sobre sua prática e a prática de seus professores e que teve como

consequência a mudança da qual ela fala no início do trecho acima. Freire (2008, p.25) diz: É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem [e nesse caso a prática de outros] que se pode melhorar a próxima prática [...] quanto mais me assumo como estou sendo e percebo a ou as razões de ser porque estou sendo assim, mais me torno capaz de mudar, de promover-me, no caso, do estado de curiosidade ingênua para o de curiosidade epistemológica (FREIRE, 2008, p. 39).

E é com Freire que concluímos esta parte, afirmando: [...] Neste caso, é a força criadora do aprender de que fazem parte a comparação, a repetição a constatação, a dúvida rebelde, a curiosidade não facilmente satisfeita, que supera os efeitos negativos do falso ensinar. Esta é uma das significativas vantagens dos seres humanos – a de se terem tornado capazes de ir mais além de seus condicionantes (FREIRE, 2008, p. 25)

118

Questão 6

Tendo em vista sua experiência profissional, que sugestões você daria para serem incorporadas a esse curso de licenciatura? De certa forma, as sugestões expressas pelos professores refletem naquilo que eles

responderam nas questões anteriores, mas não se limitando a EJA, uma vez que, como

pudemos observar suas considerações a respeito do curso, apesar de terem se voltado para

essa realidade, não se limitaram a ela. Buscamos representar as sugestões mediante um

esquema em que elas aparecem relacionadas a seis aspectos gerais que as englobam e

demonstram necessidades para serem atendidas pelo curso, com vistas a uma formação um

pouco mais direcionada à atividade profissional do professor, do seu trabalho diário em sala

de aula.

1 Integração da universidade/espaço de formação com a escola básica: SP1, S1P3, S2P3,

S1P8 45;

A integração dos alunos do curso com o grupo de professores atuantes nas escolas poderia

proporcionar um espaço rico de formação profissional, tanto para os alunos do curso quanto

para os professores da educação básica, por meio da qual os futuros professores poderiam

conhecer as realidades educacionais existentes, em especial a EJA; conhecer, analisar e

discutir em conjunto os programas de ensino adotados; além disso, esse espaço de formação

conjunta poderia funcionar como um espaço por meio do curso de formação poderia

acompanhar o processo de ensino e aprendizagem da educação básica.

2 Desenvolvimento de atividades relacionadas a novas formas de ensinar matemática:

SP2, S3P3, S3P5, S1P10;

Construção de um laboratório, como atividade curricular de uma disciplina específica, onde

os alunos pudessem fazer oficinas em que seriam desenvolvidas atividades relacionadas a

novas formas de ensinar matemática, como jogos, atividades lúdicas, dinâmicas e projetos,

para tornar as aulas mais atrativas, buscando trazer a matemática para a realidade do aluno.

As sugestões propostas sobre esse aspecto demonstram uma ansiedade dos professores de

fazer da matemática uma disciplina mais dinâmica e prazerosa, tanto para alunos quanto para

professores, e de atribuir mais significado para seu ensino.

45 Por exemplo: o código S1P8 designa a sugestão 1 do professor 8 e o código SP1 designa a sugestão do professor P1.

119

3 Atenção/importância dada às disciplinas pedagógicas: SP4, S1P5, SP6, SP7, S2P8,

S1P9, S2P10;

Foi unânime a referência à importância das disciplinas pedagógicas, uma vez que as sugestões

que não aparecem neste item, as dos professores P1, P2 e P3, podem ser promovidas por meio

dessas disciplinas. As sugestões dos professores vão, de modo especial, apontar a necessidade

de mais espaço, ou melhor, aproveitar o espaço existente, para disciplinas, como a Didática,

Prática de Ensino e Estágio.

4 Participação em atividades extracurriculares: S2P9;

Apesar de a questão 5 fazer referência a atividades extracurriculares que tivessem contribuído

para a prática profissional dos professores, eles não fazem referência a nenhuma de modo

específico, salvo o caso do professor P8, que declarou que “algumas atividades

extracurriculares contribuíram para um melhor desempenho na prática e postura em sala de

aula”. Também a professora P3 se refere à inexistência delas no período (1992-1995) em que

estudou, justificando tal inexistência porque o curso estava sendo implantado na época. A

falta de referência a esse tipo de atividade pode ser justificada pelo fato de não terem sido

desenvolvidas muitas delas durante todo o período em que os professores estiveram no curso.

Na seção 7.1, explicitamos as atividades que constavam no Relatório Geral do Polo do ano de

2004. A maioria delas foi desenvolvida no período de 2002 a 2004, salvo pelo Projeto Plantão

de Dúvidas. Dessa forma, a sugestão 2 da professora P9 demonstra a necessidade de os alunos

participarem de atividades no curso de licenciatura, como palestras, congressos, entre outras,

relacionadas também à educação, não somente à Matemática para pós-graduação.

5 Atenção a conteúdos específicos nas disciplinas: S2P5, S2P10;

Merece ser destacada a atenção dada pelo professor P10 à disciplina de Psicologia, orientando

um direcionamento para uma psicologia de jovens e adultos. De modo geral, estuda-se nessa

disciplina somente o campo da psicologia que se volta para o desenvolvimento de crianças e

adolescentes, o que é reflexo do próprio desenvolvimento de pesquisas nessa área, como foi

explicitado na seção 4.3.

6 Consideração das especificidades próprias da EJA: SP1, SP6, S3P10, S2P10;

Embora as sugestões listadas nesse aspecto tenham sido consideradas nos demais, elas

merecem destaque por estarem diretamente se referindo à EJA.

120

Sugestões dos professores

(SP1): “Que levasse o aluno a conhecer a realidade da Educação de Jovens e Adultos. Que levasse o aluno para dentro da sala do EJA, durante o curso de licenciatura”. (SP2): “Disciplinas que nos auxiliam, mostram, tenham modelos de conteúdos e atividades para serem aplicados de maneira diferenciada do modo como está nos livros didáticos”. (S1P3): “O aluno do curso de licenciatura deveria ter conhecimento dos programas de ensino fundamental e médio da região em que estuda, bem como analisar e discutir a proposta”. (S2P3): “O curso poderia oportunizar aos alunos, uma maior integração com o grupo de professores atuantes no município”. (S3P3): “Sei que enquanto aluno, o tempo é curto para nos dedicarmos a algo além das disciplinas oferecidas. Mesmo assim, acredito que o curso deveria oportunizar a formação de oficinas que envolvessem atividades práticas no ensino de matemática, oficinas de projetos, de jogos matemáticos, oficinas de atividades lúdicas, etc. O aluno do curso deveria ter acesso a essas oficinas, fazer um laboratório com elas em sala de aula ou até mesmo tentar produzi-las”. (SP4): “Mais importância às aulas de formação pedagógica”. (S1P5): “O curso deveria ser voltado para a licenciatura, o que não acontece”. (S2P5): “Deveria estudar mais os conteúdos do ensino médio”. (S3P5): “Deveria ensinar alguns jogos para facilitar a aprendizagem dos alunos”.

(SP6): “Mais didática e mais ensino nessa área [EJA]”.

(SP7): “Mais disciplinas voltadas para didática”.

(S1P8): “Melhor observação da universidade em relação às escolas de ensino fundamental e médio, no sentido de monitorar o processo de ensino aprendizagem”. (S2P8): “Mais observações e aulas práticas”. (S1P9): “Acho que as disciplinas ligadas à educação deveriam ter mais espaço”. (S2P9): “Também acho que os alunos de matemática são, de certa forma, alienados, pois enfiam a cara nos números e não sobra tempo para ler ou debater sobre outros assuntos. Durante os meus quatro anos de curso não participei de sequer uma palestra, congresso, mesa redonda sobre educação, sala de aula, inclusão, avaliação ou EJA. Eu considero isto um absurdo e um verdadeiro entrave para a educação”.

(S1P10): “Dinâmicas, para aulas mais atrativas. Trazer matemática para a realidade do aluno. Jogos matemáticos”.

121

(S2P10): “Prática de ensino voltado para EJA”. (S3P10): “Psicologia voltada para os jovens e adultos. Matemática financeira”. É importante ressaltar que nenhuma sugestão foi feita em relação às disciplinas ou atividades

relacionadas à formação específica (da Matemática), o que, a nosso ver, demonstra a

satisfação dos professores com esse aspecto, considerando as respostas às questões anteriores.

7.2 Apresentação e análise das entrevistas e observações

Como dissemos na seção 5.1, nossos contatos com as professoras (sujeitos desta pesquisa)

para a realização das entrevistas ocorreram por telefone e e-mail. Por meio deles, explicitamos

os objetivos da realização das entrevistas, os aspectos que seriam nelas tratados e

combinamos data, local e hora a serem realizadas, de acordo com a disposição de cada

professora. Realizamos uma entrevista com cada professora e, no momento anterior ao seu

início, conversamos acerca dos procedimentos a serem utilizados durante a entrevista e depois

dela, para que pudéssemos entrar em acordo e, dessa forma, estabelecer uma relação bem

aberta e clara com as professoras.

Para as entrevistas, elaboramos um roteiro de questões estruturado em quatro blocos. O

primeiro deles continha questões relacionadas à EJA pelas quais buscamos identificar

aspectos acerca daquilo que as professoras compreendiam por Educação de Jovens e Adultos

e, de modo particular, por educação matemática para jovens e adultos; o segundo continha

questões relacionadas à formação pelo curso de Licenciatura em Matemática e suas

contribuições para o trabalho das professoras na EJA. Nesses dois primeiros blocos,

aproveitamos para retomar algumas questões apresentadas no questionário, visando a um

melhor aprofundamento delas; no terceiro, apresentamos questões que nos permitissem

conhecer um pouco da visão de cada professora sobre sua pratica profissional; no último,

inserimos questões ligadas à formação continuada dessas professoras.

De modo geral, com esse roteiro das entrevistas, buscamos centralmente identificar

contribuições dos processos formativos vivenciados pelas professoras para seu trabalho com a

122

EJA, de modo particular, as contribuições da formação pelo curso de Matemática. Assim, os

blocos primeiro e terceiro, como nos questionários, tinham uma função de trazer para a

conversa uma reflexão acerca da realidade do trabalho dessas professoras, segundo a

percepção delas em relação a essa realidade, para que, com base neles, pudéssemos tratar mais

especificamente da influência dos processos formativos para o trabalho dessas professoras

(segundo e quarto blocos). Além disso, uma vez explicitada essa realidade de trabalho,

teríamos elementos para melhor compreender as considerações delas nos outros dois blocos.

Da mesma forma que fizemos nas entrevistas, mantivemos contatos para a realização das

observações em sala de aula das professoras. Entretanto, após definirmos os dias da realização

dessas observações das aulas – dois dias para cada professora, havendo variação do número

de aulas –, fomos às escolas e conversamos com cada uma sobre os procedimentos para a

observação, para que pudéssemos aproveitar, ao máximo, o tempo disponível em sala de aula.

Antes de conversarmos pessoalmente com os professores, procuramos também os diretores de

cada escola e solicitamos permissão para a realização dessas atividades, já que as

realizaríamos nas instituições sob a responsabilidade deles. Informamos que já havíamos

conversado com as respectivas professoras, e, como aconteceu quando realizamos os

levantamentos em 2007 e 2008, eles se mostraram bastante dispostos a colaborar com a

pesquisa e nos deram permissão para que pudéssemos proceder às observações.

Nas subseções seguintes, apresentamos separadamente a análise dos dados coletados por meio

das entrevistas e observações de cada uma das três professoras. Para isso estabelecemos

algumas regras:

Em relação à identidade das professoras entrevistadas, por opção delas próprias,

mantivemos seus nomes verdadeiros;

Quanto aos nomes das escolas onde trabalhavam, esses foram mantidos em sigilo

conforme solicitação feita por seus diretores. Dessa forma, utilizamos os pseudônimos

a seguir para representá-las quando citadas no texto:

Escolas da professora Bernadete Piol de Andrade: 2008 – EMEF Beta; 2009 – EMEF

Alfa;

Escola da professora Natália Costa Carvalho dos Santos: EMEF Delta;

Escola da professora Caroline Barbosa de Souza Pereira: EEEFM Gama;

123

Nas análises, para a utilização de excertos das falas das professoras, tanto das

entrevistas como das observações, utilizamos os seguintes códigos:

(...): pausa na fala;

[...]: supressão de trechos da fala;

[ ]: comentários, explicações ou acréscimos às falas das professoras foram

apresentados entre colchetes, para melhor entendimento das ideias colocadas;

“ ” : trechos entre aspas mostram que a professora estava citando a fala de alguém;

N: o negrito foi usado para dar ênfase a alguns trechos da falas das professoras.

7.2.1 Professora Bernadete Piol de Andrade

Bernadete Piol de Andrade é professora efetiva da rede municipal de ensino de São Mateus-

ES – na EMEF Alfa –, pela qual trabalha como professora de Matemática no Ensino

Fundamental “regular” e na modalidade EJA, nos períodos matutino e noturno,

respectivamente.

Sua formação de nível médio foi realizada em curso técnico de Contabilidade e a formação

em nível de pós-graduação foi feita em curso de Especialização em Informática Educacional.

Bernadete ingressou no curso de Matemática de São Mateus em 1992, de modo que fez parte

da segunda turma a se formar nesse curso, em 23 de março de 1996. Interessante notar que,

apesar de ser um curso de licenciatura, o objetivo da professora ao ingressar não era se tornar

professora de matemática, como podemos notar em sua declaração:

Quando eu entrei para fazer Matemática, eu e vários outros meus colegas (...) Olha só, pode ser até (...) Era um curso de licenciatura, mas era opção que nós tínhamos dentro dos cursos aqui [cursos oferecidos pela CEUNES]. “Eu adoro matemática, mas se eu tenho a pretensão de fazer uma engenharia um dia, o que eu tenho que fazer que é mais próximo? Matemática!!! porque depois eu elimino matéria”. Muitos de nós, não entramos lá para ser professor de matemática. [...] “Vou entrar para fazer matemática, depois eu faço outro curso”. A professora, portanto, via o curso de Matemática como uma porta de entrada para algum

outro curso de alguma área afim. O magistério não era seu objetivo. Entretanto, ao se formar,

decidiu “experimentar” a profissão e nela permaneceu até então. Com isso já são 13 anos

completos de vida de professora de matemática. Como ela mesma afirmou:

124

Vou experimentar dar aula! Ah até que não é ruim não, vou continuar dando aula! Entendeu?! Até quando (...) Depois eu fui me identificando e fui ficando.

Contudo, sua experiência com a EJA é mais recente, começou em 2006, quando foi convidada

a trabalhar no Laboratório de Informática Educacional (LIED) da EMEF Alfa, onde já

trabalhava com o Ensino Fundamental no turno matutino. Mas em sala de aula mesmo só

começou em 2007, quando foi para a EMEF Beta. A professora nos disse que dois foram os

motivos que a levaram a trabalhar com a EJA: o primeiro, por causa do horário. Visto que ela

ocupava duas cadeiras no município, trabalhar nos períodos matutino e noturno lhe dava o

período da tarde livre. O segundo motivo

[...] é porque é tranqüilo trabalhar na EJA, é mais calmo. [...] No sentido que as salas não são tão superlotadas, e também os jovens e adultos vêm para estudar; um ou outro caso que vem dá uma brincadinha e tudo, mas eu não tenho problema com a indisciplina, nem nada. Então, é menos cansativo, fiiiisicamente falando!

Devemos destacar que algumas mudanças ocorreram em relação ao local de trabalho da

professora Bernadete. Quando aplicamos o questionário e realizamos a entrevista com essa

professora, ela estava trabalhando como professora de matemática da EJA na EMEF Beta,

uma “escola de bairro”, como ela mesma afirmou, referindo-se à sua localização afastada do

centro da cidade. Diferentemente da EMEF Alfa, onde trabalhou pela primeira vez com a EJA

no LIED. Quando entramos em contato com ela, para conversarmos sobre a observação de

suas aulas em 2009, ela se mostrou bastante disposta em poder colaborar; no entanto, disse-

nos que a escola Beta, onde havíamos realizado a entrevista, não mais iria ofertar a EJA.

Desse modo, ela retornaria para a escola Alfa e talvez não fosse trabalhar em sala de aula, mas

novamente no LIED. Felizmente, como era de seu interesse, ela continuou a trabalhar em sala

de aula por causa da grande demanda de alunos.

Entretanto, alertou-nos de que, apesar de ambas as escolas ofertarem a EJA de Nível

Fundamental, o que eu iria observar era uma realidade diferente daquela que ela havia

descrito da escola Beta, porque nela a predominância era de alunos adultos, tendo um ou outro

adolescente vindo do turno matutino. Ao contrário, na escola Alfa a predominância era de

alunos adolescentes, que foram encaminhados para a EJA por causa da defasagem idade-

série. Mas, mesmo assim, optamos por manter a observação de suas aulas, ainda mais porque

ela conhecia as duas realidades e, na entrevista, havia-nos falado a respeito de ambas.

Relatou:

Eu trabalho aqui na escola Beta [em 2008 na entrevista], uma escola de bairro, as turmas não são superlotadas, são pequenas, que atende ao pessoal aqui do bairro. Ninguém sai de lá

125

do centro para vir aqui. Eu trabalhei meu primeiro ano na escola Alfa que é uma escola de centro. Não sei se você teve oportunidade de conversar com os meninos professores de Matemática da EJA de lá, mas eu também não sei se os meninos de lá trabalharam em escolas de bairro [...]. Eles estão na EJA há anos e eu acho que nunca viram esse balanço que eu vi aqui. Eu sei que o aluno do dia e o aluno da EJA têm uma diferença de aprendizagem grande, mesmo estando no LIED, mesmo depois na sala de aula. Agora o aluno de bairro que é o meu caso, ainda é mais. Eles têm um grau de dificuldade maior, porque talvez lá, eles têm um ou dois ou três com esse grau extremo de dificuldade numa turma, essa é a minha turma toda. Eu tenho um ou dois ou três que se sobressaem. Visão de EJA A oportunidade que a professora teve de trabalhar com a EJA nas duas escolas possibilitou-

lhe identificar uma diferenciação entre os públicos atendidos, o que talvez tenha decorrido das

próprias características das escolas46. A professora nos disse que percebeu uma grande

diferença de aprendizagem, revelando que o aluno da EJA da escola Beta

(predominantemente o aluno adulto que parou de estudar há muitos anos e, em alguns casos,

por causa da matemática) apresenta mais dificuldades de aprendizagem que o da escola Alfa

(predominantemente o aluno adolescente que se encontrava em defasagem no Ensino

Fundamental “regular”).

Posta essa diferenciação existente dentro da própria EJA, a professora vai identificar essa

modalidade de ensino como

[...] uma regularização do aluno que está defasado, para aquele adolescente que ficou reprovado, lá no ensino regular; ou uma oportunidade para quem realmente não teve, aquela pessoa que morava lá na roça, que casou, teve filho e nunca teve condições de estudar, ou mesmo morando aqui, teve filho cedo, parou de estudar, ou mãe que morreu. Por algum motivo particular ele teve problemas e está buscando hoje conhecimentos. Então, eu penso em duas coisas: regularizar para o adolescente, que está lá numa faixa etária diferente e dar oportunidade para aquele que não teve. Além do grau mais elevado de dificuldades de aprendizagem, a professora, ao falar sobre os

alunos da EJA da escola Beta, diz que são muito sensíveis a ponto de a quebra da relação por

uma troca de professor, por exemplo, não ser muito favorável. Na fala de Bernadete:

46 A EMEF Alfa é uma escola bastante grande, localizada bem próxima do centro da cidade e, devido a sua localização, atende alunos de vários outros bairros do município. Quando fizemos a observação, havia duas turmas de cada período com aproximadamente 25 alunos e havia possibilidade de abrir novas turmas de alguns períodos após o recesso de carnaval, quando muitos alunos começariam a estudar. A EMEF Beta é uma escola bem menor localizada num bairro afastado do centro da cidade e atende apenas a alunos do bairro. Quando a EJA ainda funcionava, havia apenas uma turma não muito grande de cada período.

126

Quando chega um novo professor eles reclamam logo que você entra, porque você é muito caxias, porque você está dando muita matéria, porque está dando prova, reclama, reclama, reclama. Mas aí se você sai e entra outro eles vão ter que reclamar tudo de novo. Porque eles vão reclamar de todos que entrarem. Eles são sensíveis. Você põe substituto, você percebe que eles não gostam muito. Eles são sensíveis. Primeiro porque eu já criei um vínculo com eles, um elo. Eles já conhecem meu ritmo, eu já conheeeço o ritmo deles. Já sei até aonde eu posso ir com eles, quando dá para ir mais um pouquinho, quando não dá. "Oh, essa turma dá para eu ir mais um pouquinho. Essa se eu for lá eles param".

Essa percepção da professora em relação aos alunos da EJA e de suas características tornava

sua prática diferenciada daquela do turno matutino. Embora procurasse trabalhar com as

mesmas atividades com os alunos da EJA, o nível de aprofundamento era menor.

De manhã é uma coisa bem diferente do que eu faço a noite. Alguma coisa que eu faço lá [com os adolescentes] dá para aplicar aqui. Como a história das caixinhas [confeccionadas na época que a professora respondeu o questionário. Foram feitas para trabalhar com volume e área de sólidos]. Tem alguns trabalhos que você faz lá com os adolescentes que dá para você fazer. No ano passado mesmo eu fiz um Tangram de coração com minha 8ª série de manhã, para calcular área e perímetro do coração, quando eu terminei Geometria, porque antes da história da caixinha, que falava de volume, eu fiz com eles o Tangram de coração. Eu não me aprofundei em termos de área e perímetro assim muito, como eu me aprofundei lá. Mas deu para eles verem e ter noção, algumas noções. Lá os meninos viram outras formas que aquele Tangram poderia produzir e outras coisas. Porque adolescente é mais (...) além da gente ter mais tempo lá, o adolescente ele é mais criativo nesse sentido do que o adulto. O adulto, o professor vai conduziiiindo, ele vai fazendo, mas ele não tem aquele rompante assim dos adolescentes. Mas deu para fazer, o mesmo trabalho, só que mais aprofundado lá e aqui bem mais resumido.

Além disso, a professora dizia-nos, quando indagamos sobre as diferenças entre o ensino na

EJA e no ensino “regular”, que essa diferença decorria principalmente dos objetivos que

levavam os alunos a estudar. Eram esses objetivos que diferenciavam o ensino. Ela

argumenta:

Quando eu olho para o meu aluno adolescente eu penso em aprofundar mais ser mais rigorosa, no algebrismo e tudo porque meu aluno de hoje ele está estudando lá para tentar passar no Cefetes. Meu aluno de hoje está estudando para poder passar no bolsão da escola particular. Então eu foco nisso, no que meu aluno da 8ª série [dando um exemplo] está querendo, passar nessas coisas aí, que cobram isso. E o meu aluno da EJA, o que ele está querendo? Ele não quer passar na prova do Cefetes, ele não está nem aí. Ele vai querer passar no concurso da prefeitura. Então eu não posso pular, tem que dar um pouquinho do algebrismo sim, porque lá no concurso ele vai ter isso. Mas eu tenho que trabalhar coisas do dia a dia dele mesmo. Então a diferença é essa. O que é que meu aluno da 8ª série vai fazer quando sair e o que o meu aluno da EJA vai fazer. Aquele aluno da EJA, que trabalha, que quer uma promoção no emprego, que quer ter condição de fazer um cursinho dentro da empresa, específico dentro da área dele, que vai exigir dele um raciocínio, mas não vai precisar ser tão metódico.

127

Era com base nesse foco que ela procurava selecionar para a EJA aqueles conteúdos que

pudessem ser relacionados à vida cotidiana dos alunos, ao trabalho, como o cálculo de áreas

de algumas figuras e volumes de alguns sólidos, regra de três e porcentagem, entre outros.

Mas sem deixar também de trabalhar alguns conteúdos mais abstratos, ou os que exigiam

processos mais “mecânicos”, como os usados na resolução de equações ou no uso de

fórmulas, que, de acordo com a professora os alunos apresentavam mais dificuldades. Nesses

últimos a abordagem dada era mais superficial, de modo que o conhecimento em jogo fosse

aquele necessário para o uso como ferramenta para a aprendizagem de outros conteúdos,

como o uso das equações na regra de três.

Dessa forma, o ensino da Matemática na EJA se apresentava como mais superficial, ora

justificado pelo curto tempo disponível para o tratamento dos conteúdos de cada período

(caráter semestral), ora pelas dificuldades dos próprios alunos, seja relativamente ao tempo

disponível para estudos extraescolares, seja pelas dificuldades próprias de aprendizagem,

“suas limitações”.

O trabalho da professora e as condições para sua realização

Na tentativa de trazer um pouco mais de significado aos conteúdos matemáticos ensinados e

tentar com isso, ao menos, atenuar a impressão que os alunos têm da Matemática como

disciplina difícil, considerada por alguns como a responsável por sua evasão escolar, a

professora Bernadete buscava em suas aulas, nas explicações dos conteúdos, fazer ligações

destes com a realidade de vida dos alunos. Assim, a cada semestre, buscava dar um trabalho

avaliativo mais prático, além da prova escrita, com algum conteúdo que fosse mais adequado,

como citou em vários exemplos quando pedimos na entrevista que falasse um pouco sobre o

desenvolvimento de suas aulas.

Bem (...) Um pouco de quadro e giz, aliás, muito de quadro e giz, e tentando enxertar alguma idéia na medida do possível, dependendo do que está sendo abordado. Algum trabalho mais prático, até mesmo de forma lúdica. Mas a parte de resolução de exercícios, é mecanicista, cuspe, quadro e giz mesmo, a parte mecânica. A gente quando consegue encontrar alguns conteúdos, dá para fazer uma parte concreta. Prova é aquele exercício mecanicista que o aluno vai fazer com aquelas repetições no quadro, é com exercício, correção de exercício, o velho quadro, cuspe e giz. Como trabalho eu vou dar material concreto. Por exemplo, no 5º período eles vão estudar números decimais, aí o que eu pensei. Pegar folder, panfleto de supermercado, revistas, aí eu promovo com eles, em dupla, que façam uma lista de compras, com três quatro unidades de x produtos. Recorta,

128

cola, faz um cartazinho. Aí ele vai multiplicar números decimais, porque o preço tem duas casinhas. É um número decimal que eles mais usam (...), ele vai multiplicar, depois vai somar, para ver o total das compras. Aí no 6º período você pode fazer até uma mesma coisa, se eles ainda não fizeram, fazendo o seguinte: “Se a compra deu isso, mas aí para pagar se você tiver isso, como é que vai ser?”, para lembrar a ele da dívida, do valor negativo. Eu já fiz isso no 7º trabalhando percentual (...). Igual essas meninas que vendem revistas de Avon, Natura, aqui tem um monte, e eles ganham percentual, 30 por cento para quem é sei lá o que, e aí eu trabalho isso com ela: “Se você fosse uma promotora de vendas da Natura, Avon” (...) assim, é o que tem aqui, Avon, Natura, Hermes, essas coisas assim, para eles calcularem o percentual. Aí se elas fizeram isso: “Se eu tivesse vendido tantos disso, tanto daquilo, quanto eu ganharia?” E aí eu ensino como fazer na mão, depois mostro na calculadora. É um trabalho com coisa prática, do dia a dia.

Uma coisa que eu fiz muito legal também, no 7º período passado, foi a construção de um gráfico, onde eles tinham uma pergunta. Eu pedi que eles fizessem uma pergunta que a resposta fosse bem objetiva e eles fizeram uma pesquisa com os colegas de outras salas. Aí teve um grupo que pesquisou preferências musicais, axé, hip hop, forró. E aí eles criaram um gráfico `a mão mesmo, desses percentuais, porque aí eles pesquisaram tantos alunos, porque para conseguir fazer eles calcularam o percentual dos resultados e construíram o gráfico na mão. [...] E também assim, a gente pega gráficos de recorte de revistas mostra para eles e faz umas perguntinhas para eles terem noção primeiro do que é um gráfico, fazer a leitura, para depois construir. [...]

O ano passado eu quis que eles entendessem a diferença de área, perímetro, e até volume. Porque volume não é tão cobrado agora. Mas se eles vão colocar piso numa casa eles lembram de área, mesmo porque maioria deles aqui ou é pedreiro ou o marido é (...) “Não é assim que funciona para comprar o piso?” Então você mostra que precisa calcular a área (...). Vários senhores que tem aqui sabem o que é cubar. Então eu pergunto:“O que é cubar?” É a questão do volume. “E o que é o volume? É o que cabe dentro” Então eu tento mostrar essas diferenças construindo caixinhas, pegando uma vasilha, pegando uma coisa pronta. Agora tenta botar para eles (...) porque a gente trabalha com cilindro, paralelepípedo (...) não tenta enfiar uma fórmula de prisma na cabeça deles, de (...) De cone, de pirâmide, porque ele vai me perguntar para que ele vai querer aquilo. Então agente tenta procurar aquilo do dia a dia dele, coisas mais palpáveis. O adolescente você com a fórmula ele consegue até captar melhor, ou pelo menos usar melhor aquilo. Se você chegar (...) “Hoje eu vou ensinar área, perímetro e volume. Área é isso, perímetro é isso e volume é isso.” Eles vão ficar assim olhando para você, vão prestar atenção, vão sair dali: “Nossa aquela professora hoje deu uma aula difícil!”. Agora se você chega assim: “Quem já cubou aqui um poço, uma caixa d’água?” “Ah, professora eu já fiz!” Aí eles vão falando as experiências, e aí você fala “Isso é calcular volume” Entendeu? Partindo do dia a dia deles!

Analisando esses excertos, percebemos, como explicita Fiorentini (1995), a presença de

elementos de algumas tendências pedagógicas, como a Tecnicista, a Associacionista e a

Socioetnocultural. Juntos, esses elementos fazem parte da construção do ideário pedagógico

da professora, do qual faz parte seu modo de conceber o ensino da Matemática na EJA.

129

Assim, como veremos também com as outras professoras, há uma busca de associação dos

conteúdos escolares com a vida real, com o trabalho dos alunos, compreendendo esse aspecto

como fator importante para a aprendizagem dos conteúdos escolares. Embora esse aspecto

fosse considerado importante, nem sempre as professoras viam uma possibilidade de fazer

essa associação com alguns conteúdos, os chamados “conteúdos mais abstratos”.

Percebemos serem esses os tipos de conteúdos indicados pelas professoras como aqueles que

os alunos apresentam mais dificuldades de aprender, e elas de ensinar. Nesses casos, disse-nos

a professora Bernadete que o jeito era recorrer a regras e procedimentos “mecanicistas”,

como a resolução de equações.

A questão da equação não tem muito para onde fugir. Eu vou até onde dá e reviso, reviso, reviso (...) Não tem um jeito diferente a não ser explicação oral, quadro, giz, treinamento, treinamento, exercício, aquele mecanismo mesmo de repetição, não tem outra forma para equação não. Nenhuma das duas equações eu arranjei forma. Para geometria dá, para porcentagem dá, para regra de três dá, com probleminhas. Para fração lá da quinta série dá.

No período da observação, nas duas turmas do 7º período, a professora estava realizando a

correção de várias equações do 1º grau que haviam sido deixadas como exercícios pelo

professor que estava trabalhando, nas aulas anteriores, com essas turmas47. Durante a correção

de cada equação, a professora procurava explicar detalhadamente cada “passo” dado por meio

de associações do tipo: “Agora temos que arrumar a casa. Vamos colocar os casais de um

lado e os solteiros do outro; “Passou por cima do sinal de igual, troca de sinal”, “o sinal de

igual funciona como pedágio e o preço pago é a mudança de sinal”. Após uma dessas aulas

de correção, quando a professora nos falava a respeito da dificuldade que encontrava em fazer

os alunos compreenderem o processo de resolução das equações, ela nos disse que já havia

tentado outras vezes fazer esse processo, explicando os “porquês” de cada procedimento

realizado, o porquê da mudança de sinal quando o termo muda de membro na equação,

tentando associar ao exemplo da balança, assim como faz no ensino “regular” com os

adolescentes. Mas, segundo ela, os resultados foram piores do que os obtidos quando ela

simplesmente dizia que tinha de mudar o sinal, ou que tinha de separar os termos em cada

membro da equação como havia feito na correção.

47 Quando entrei em contato com a professora na semana anterior à observação, ela nos disse que trabalharia com turmas do 5º e 6º períodos, e assim seria nessas turmas que eu faria a observação. Entretanto, devido à chegada de muitos alunos novos, foi necessário que se formassem novas turmas e as aulas fossem redistribuídas entre os professores. Dessa forma, no dia anterior ao primeiro dia de observação, as aulas foram redistribuídas, e ficaram para a professora Bernadete as turmas do 6º e 7º períodos. Ao chegar à escola, no dia 18/2/09, Bernadete

130

Bernadete nos disse que um dos motivos que justificariam esse fato era que, nas experiências

escolares anteriores, os jovens e adultos haviam estudado equações dessa forma, sem

explicações sobre os “porquês”, assim como havíamos estudado, talvez devido à não

formação superior específica dos nossos professores. Mesmo tendo certa dificuldade em

relação ao ensino desse (e de alguns outros) conteúdo na EJA – o que demonstrava a

negligência de sua formação inicial no tratamento dos conteúdos escolares com vistas ao

ensino (FIORENTINI; CASTRO, 2003), principalmente na EJA –, a professora reconhecia a

relevância de sua formação inicial para seu trabalho de professora, comparando-o com o

trabalho realizado por professores de matemática que não tiveram essa formação específica.

O ensino de determinados conteúdos foi a principal dificuldade apontada pela professora em

seu trabalho dentro de sala de aula. Em nosso ver, era agravada devido às suas condições de

trabalho. Ao realizarmos a entrevista, a escola em que a professora Bernadete trabalhava tinha

apenas quatro turmas do ensino fundamental, uma de cada período, e ela era a única

professora de matemática da escola. Dessa forma, quando a interrogamos sobre suas

condições de trabalho, recursos disponibilizados, ela mostrou que o maior problema era com o

planejamento. Por ser a única professora de matemática, não tinha com quem trocar idéias,

discutir, por exemplo, sobre as dificuldades encontradas nos conteúdos mencionados, enfim.

Era um trabalho solitário48.

Segundo ela, a única oportunidade que teve para discutir essas e outras questões relacionadas

à EJA com colegas, professores de matemática de outras escolas, foi num curso de formação

específico para os professores da EJA da rede municipal de ensino. Na verdade, o único curso

específico de que participou para EJA. Em suas palavras, notamos que foi um momento

marcante:

Assim, foi um curso até muito legal. Levantou umas polêmicas, que não nos deram muitas respostas, fez mais perguntas (...) Mas deixou a gente com (...) uma pulguinha, “Opa não estou sozinha, está todo mundo com ela agora”. A gente tava meio que cada um dando tiro sozinho, e no escuro e sozinho. Agora, a partir do momento que a gente consegue, todo mundo falar (...).

me comunicou as modificações e disse que, no caso dos 7os períodos, ela daria continuidade ao que o professor havia começado, uma revisão de equações do 1º grau. 48 Já no período de observação, a escola onde a professora estava trabalhando, escola Alfa, contava com três professores de matemática, mas como o período era de início de ano, quando questionamos a professora sobre planejamentos coletivos, ela nos disse que certamente eles ocorreriam a partir do momento em que os professores soubessem de suas turmas definitivas, porque vinham ocorrendo muitas mudanças.

131

Foi a partir desse encontro que, por solicitação dos professores, a coordenadora de EJA da

Secretaria Municipal de Educação organizou encontros entre os professores de cada área. E,

segundo a professora, foi nesses encontros que ela percebeu que suas dificuldades em relação

aos conteúdos eram comuns às dos demais colegas. Assim relatou Bernadete:

[...] aí eu descobri que não era só comigo, era com todo mundo e que o pessoal não estava dando [os conteúdos]. “Então eu vou seguir pelo mesmo caminho porque, enfiando de goela abaixo ninguém está entendendo nada e não está adiantando”. Igual à história da equação do segundo grau que eu ainda tento empurrar de goela abaixo, mas eu sei que no caso o pessoal também não consegue chegar até o final.

A solução encontrada pelos professores para as dificuldades enfrentadas com o ensino de

alguns conteúdos foi aquela para a qual Fonseca (1999 p. 36) faz uma advertência: “a mera

exclusão de alguns conteúdos mais sofisticados”. Mas acreditamos que essa iniciativa se tenha

dado porque, além de não saberem como trabalhar com tais conteúdos, não tiveram uma

formação específica acompanhada de pessoal qualificado que pudesse orientá-los nesse

trabalho, ou mesmo na “seleção” dos conteúdos a serem trabalhados.

Apesar de os encontros terem servido, como disse Bernadete, para ver que sua situação era

comum à dos colegas, ela lamentou que as dificuldades permanecessem e que novamente

cada um tivesse voltado a trabalhar sozinho. De certa forma, isso acena para as poucas

mudanças promovidas por cursos de formação continuada que desconsideram a realidade de

trabalho do professor e sua prática como ponto de partida e chegada do processo de formação

(OLIVEIRA, E. C., 2004).

A professora ainda pontuou a carência de material didático específico para EJA e de um

programa de ensino. Em relação ao programa de ensino, disse que a única coisa que tinha era

uma lista de conteúdos que havia sido elaborada pelos professores de matemática de outros

anos, mas era apenas isso. Com relação ao material didático ela nos disse que havia uma

apostila específica para a EJA, mas esta não trazia todos os conteúdos tratados na listagem de

conteúdos estabelecida, e as atividades eram muito poucas, de modo que era necessário

recorrer aos livros didáticos do ensino “regular” para pesquisar mais atividades.

O que Bernadete nos disse a respeito de suas condições de trabalho vem reafirmar a realidade

da situação funcional precária vivenciada historicamente pelos sujeitos da EJA, em particular,

seus professores. Nas palavras de E. C. de Oliveira (2004), “é como se os sujeitos da

educação de jovens e adultos, as professoras e os professores acabassem, também, por compor

132

o contingente dos socialmente excluídos pela nossa sociedade capitalista, cujo peso na agenda

política neoliberal é ínfimo”.

Contribuições da formação inicial

A primeira vez que procuramos a professora Bernadete, ocasião em que falamos de nossa

pesquisa e entregamos o questionário (Anexo 2) , ao se referir à primeira pergunta da parte II,

a professora citou uma expressão que ilustrava o que seria a sua resposta àquela pergunta e,

segundo ela, tinha ouvido de um professor seu, professor Número Um49, durante a graduação:

“Um canhão para matar uma barata”, referindo-se à forte formação matemática recebida no

curso em relação aos conteúdos matemáticos escolares a serem ensinados. Essa era a grande

contribuição do curso, apontada por ela, como reforçou na entrevista.

Em termos de aprendizagem matemática eu não tenho o que reclamar! Eu me lembro de um questionamento que nós fizemos até para o professor Número Um. “Poxa professor Número Um, tem um monte de conteúdo aí de segundo grau que a gente nunca viu, está lá no programa e a gente não estudou”. Sabe aquela coleção de onze livrinhos que tem lá em cima? [...] aquela que a gente faz lá na Básica I, Básica II (...) Então, “Mas tem conteúdo aqui que a gente não viu em Básica I e Básica II e está lá dito que é do segundo grau, mas nós não estudamos. Como é que a gente vai dar aula para o segundo grau?” Eu nunca vou me esquecer da resposta dele. Ele virou para turma e disse: “Com o raciocínio que vocês têm hoje, após fazer Cálculo I, Cálculo I” (...) a gente estava no III quando começou a questionar isso (...) “Com o raciocínio que vocês têm hoje, abra qualquer um livro daqueles do segundo grau e se você não conseguir resolver alguma coisa, vem aqui me procurar para reclamar”, e é verdade. Nesse sentido é verdade, porque você está tão lá na frente que pode ser um conteúdo que você nunca viu, você pega o livro e lê, você vai ter raciocínio para entender aquilo. Isso eu senti na pele. [...] Depois disso eu fui dar aula no ensino médio (...) E você pode pegar logaritmo que você vai saber sim, você pode pegar qualquer matéria para poder dar aula que você vai conseguir entender.

Enquanto ela falava, perguntávamos se esse conhecimento que lhe dava plenas condições de

entender qualquer conteúdo do segundo grau (ou primeiro que fosse) lhe dava também

condições suficientes para ensinar, para entender o processo cognitivo necessário a alunos em

diferentes condições, ou mesmo modos e possibilidades didáticas, de abordá-los que

pudessem ser mais adequados em determinadas situações. Mas como ela mesma disse no

desenrolar de nossa conversa,

[...] quando eu saí de lá eu saí uma pessoa que sabia matemática, mas dar aula de matemática eu acho que eu aprendi com a prática [...].

49 Utilizaremos a expressão Número Um para fazer referência a um professor por quem a Bernadete demonstrou bastante admiração.

133

Isso mostrava que, mesmo que o canhão pudesse matar a barata, ele não era suficiente ou

mais adequado! Embora concordasse com seu professor em relação à formação matemática,

as exigências do trabalho de sala aula, da relação com os alunos lhe haviam dado provas de

que isso não bastava. Nisso reside uma questão para a qual Fiorentini (2004) chama a atenção:

“O que é saber bem a matemática para ser professor de matemática? Ou melhor: que

matemática o professor deve saber, para ensinar de maneira significativa na escola?”.

Em relação à formação pedagógica, a professora nos disse não ter muitas recordações

específicas. Sobre as atividades de estágio, segundo ela, foram apenas de observação e de

prática, os alunos tinham que preparar aulas e apresentar na sala para os próprios colegas. De

acordo com a professora, a sensação que tinham nessas aulas era a de realizarem uma aula

apenas de desempenho didático e serem avaliados. Entretanto, pontuou que teve um aspecto

muito positivo com isso. O professor que dava a disciplina pediu aos alunos que

apresentassem as aulas no curso de Pedagogia.

Até nós apresentamos assim, o que era primeira, terceira dimensão eles não tinham assim a noção, a maioria deles. Mas foi tudo assim, bem lúdico. Teve a curva de Möbius, o cilindro que você parte em dois, então nós fizemos uma parte lúdica, uma historinha do prisioneiro que escapole da prisão [...] “É o ponto. O ponto que é o fugitivo. Ele está prisioneiro lá na dimensão dele que é a linha, e aí? Você bota uma barreira aqui outra aqui, prendeu o ponto. Mas o ponto viajou foi para dimensão dois” (...) Essa historinha.

Sobre a educação de jovens e adultos, de acordo com a professora, ela não se lembrava de

nenhuma discussão a respeito. Todas as atividades desenvolvidas no curso visavam à

educação básica do ensino fundamental e médio “regular”.

Na época, que eu fiz faculdade, mesmo quando eu saí de lá, eu não me lembro de nenhuma discussão de EJA. Era só fundamental e médio! Eu nem sei como é que funcionava esse projeto na época. [...] [...] E não se discutia o jovem o adulto em defasagem, com essa preocupação que tem hoje. Era só o supletivo, que a pessoa ia lá fazia um curso resumido. Não tinha discussão não.

O que ficou marcado, na verdade, em relação à formação pedagógica foi o descaso que,

segundo a professora, havia por parte dos alunos. Isso, inclusive, levou o professor a pedir-

lhes que apresentassem as aulas no curso de Pedagogia. Além do descaso com as disciplinas

pedagógicas, a professora pontuou a existência de uma forma de rivalidade com o curso de

Pedagogia. Sobre o descaso, dizia ela que era mesmo motivado, como apresentamos

anteriormente, por causa dos objetivos de muitos alunos com o curso, porque não queriam ser

134

professores e, dessa forma, não se importavam com essas disciplinas. Assim se expressou a

professora Bernadete:

Vamos ser sinceros que nós alunos do curso de matemática nós não levávamos a sério (...) Eu tinha uma prova de Cálculo marcada e tinha uma prova de Sociologia, para qual que eu ia estudar? Para de Cálculo. Você sabe que todos nós estudávamos para de Cálculo, dava uma lida em Sociologia e fazia com o que entendeu, ou lembrava do que o professor falou e era assim que a gente fazia [...]

Por isso nossa briga com Pedagogia. A gente ficava implicando porque o pessoal da Pedagogia ficava falando que ia dormir de madrugada por causa de uma prova de Sociologia, e a gente olhava assim (...) (risos)

Como mencionamos antes, a professora Bernadete parecia cultivar uma grande admiração

pelo professor Número Um em razão do trabalho dele. Ao falar da relação que havia entre ele

e sua turma, ela destacava o prazer que esse professor tinha em ensinar.

Ele deu aula quatro semestres para gente. Tudo que você imagina de cálculo é a cara do professor Número Um (risos). [...] Quando a gente conseguiu entender o jeitinho dele (...) A gente amava o professor Número Um. [...] a gente ria tanto com ele. Ele fazia umas caretas quando ele estava raciocinando (risos). Ele adorava nossa turma. E amava dar aula, gostava! Ela disse-nos que era um dos poucos professores da matemática que se preocupavam com a

educação, com o realmente aprender, com o realmente ensinar. A professora mencionou

inclusive um curso de formação de professores da rede municipal de ensino com duração de

quatrocentas horas, do qual ele era um dos professores e o coordenador. Nesse curso, ele

chamava a atenção dos professores em relação aos “porquês” no ensino dos conteúdos, como

no caso das equações, da mudança de sinais, a importância de tomar o cuidado de justificar

para os alunos cada “passe de mágica” realizado. Segundo a professora, esse curso ajudou

muito os professores, inclusive ela, a tomar esse cuidado.

Pelo que a professora Bernadete nos disse e pelo que observamos em suas aulas, o modo de

ser desse professor, suas concepções de Matemática e de seu ensino, seja para a educação

superior, seja para a educação básica, parecem ter tido grande influência sobre sua formação

de professora de matemática. Na sua experiência como aluna do professor Número Um – seja

do curso de formação inicial, seja do curso de formação continuada –, a professora Bernadete

não aprendeu com ele apenas matemática, mas, como propõe Fiorentini (2004, p. 5), [...] internaliza [internalizou] também um modo de concebê-la e de tratá-la. [...] Essa imersão prática é necessariamente formadora, pois levam os futuros professores a adquirirem crenças, valores, representações e certezas sobre a prática do ofício de professor, bem como sobre como ser aluno.

135

7.2.2 Professora Natália Costa Carvalho dos Santos Natália Costa Carvalho dos Santos é professora efetiva da rede municipal de ensino de São

Mateus, pela qual é professora de Matemática do Ensino Fundamental na modalidade EJA, no

turno noturno. Embora estivesse trabalhando, no turno matutino, com Ensino Fundamental

“regular” em uma escola particular no período da pesquisa, disse-nos que sempre preferiu

trabalhar com o Ensino Médio, porque se identificava melhor trabalhando com seus alunos do

Ensino Médio do que com as crianças e adolescentes do Ensino Fundamental. Foi esse um

dos motivos que a levaram, quando aprovada no concurso em que se tornou professora efetiva

da rede municipal de ensino, a escolher a EJA como área de trabalho: a identificação com o

trabalho com pessoas jovens ou adultas. Mas retornaremos a esse ponto mais adiante.

A professora Natália teve sua formação em nível médio feita num curso Científico50 e a

formação em nível de pós-graduação feita num curso de especialização em Matemática. Seu

trabalho como professora de Matemática começou bem cedo (aos 17 anos), já no primeiro ano

da graduação, em 1996, e o mais interessante é que ela começou dando aula para os próprios

colegas de curso científico, que haviam ficado reprovados, tornando-se colega de trabalho de

seus ex-professores. Apesar de ter sido “estranha” essa experiência e de achar que iria ser

péssimo quanto à aceitação dos colegas, segundo a professora Natália,

[...] eles aceitaram numa boa. [...] E foi bom porque quando a gente é mais nova é mais corajosa. Eu acho né! Depois que vai ficando velho começa a afrouxar mais! (risos) Como eu entrei logo de cara (...) Se eu tivesse esperado mais eu teria ficado com mais medo. Diferentemente do que ocorreu com a professora Bernadete, a professora Natália começou sua

experiência profissional no magistério durante o próprio curso de formação.

Já a primeira experiência com EJA veio no final do curso, no último ano. Como dissemos, um

dos motivos pelos quais a professora Natália foi levada a trabalhar com a EJA foi sua

identificação com o trabalho com alunos jovens ou adultos:

Bem quando eu escolhi (...) Quando eu fiz o concurso, na minha cabeça, eu tinha que, se eu não conseguisse dar aula para EJA, eu nem queria. [...] E eu não tenho paciência não para dar [aula] de 5ª a 8ª para criança. Então eu peguei por causa disso. Porque eu sabia que ia ter mais sossego, mais tranqüilidade e não ia me estressar muito. Então o motivo foi esse. Porque eu acho menos estressante do que trabalhar com criança.

Essa escolha também foi influenciada por sua primeira experiência profissional em EJA no

último ano da graduação (1999), apesar de ter sido por um curto período de tempo e pelas

50 Diferentemente dos cursos técnicos de nível médio que davam uma formação profissional, o Científico “preparava” o aluno para o prosseguimento dos estudos em nível superior.

136

circunstâncias em que ela aconteceu: nessa experiência, ela trabalhou no turno noturno, numa

escola localizada num bairro de periferia, considerado no município bastante perigoso.

Eu lembro que eu fiquei um pouco assustada quando eu cheguei lá, mas foi pouco tempo também. Foram só seis meses. Foi minha primeira experiência com jovens e adultos. Já no final do curso de matemática. Foi legal! Foi ótimo. Foi aí que eu gostei e quando teve o concurso [em 2004] eu já pensei em pegar aqui [EMEF Delta], para trabalhar com jovens e adultos. Achei tranqüilo, achei fácil de conversar. Com criança você já tem que ter mais cuidado e como você viu, eu sou de falar mesmo (risos).

Dessa forma, a professora Natália caminhava, em 2009, para seu 13º ano de trabalho como

professora de matemática e 5º como professora de matemática da EJA.

Visão de EJA

Quando nos falou a respeito dos motivos que a levaram a trabalhar com a EJA, a professora já

trazia à tona certo modo de ver esse campo da educação e seus sujeitos. A EJA se lhe

apresentava como campo de trabalho que, devido às características de seus sujeitos –

trabalhadores que estão na escola por vontade própria e que sabem de seus objetivos de estar

nesse espaço e querem estudar –, o torna mais “tranquilo”, mais sossegado, se comparado ao

trabalho com crianças e adolescentes. Palavras da professora Natália [Grifos nossos]:

[...] Primeiro, o adolescente ele estuda porque o pai mandou. Criança e adolescente são obrigados pelos pais, ele não faz o que ele escolheu. O adulto não, ele está aqui por que ele quer. Ele viu que por algum motivo ele não pode, no passado e agora ele quer. Por diversos motivos, pode ser por trabalho, porque tem vontade mesmo de estudar, enfim. Mas ele está aqui por que ele quer e isso já é um diferencial. Isso já melhora e muito, porque se a pessoa está aqui porque ela quer, não tem ninguém segurando, ela vai estar com vontade de estudar. Essa foi a principal característica apontada quando a questionamos sobre as diferenças por ela

percebidas entre a EJA e o ensino “regular” (nível fundamental), buscando reconhecer nessas

características suas percepções sobre a EJA. A segunda característica marcante dessa

modalidade de ensino apontada pela professora foi a diferenciação dos níveis de

aprendizagem.

[...] Muita diferença de níveis também. Porque aqui, o nome já diz, é de jovens e adultos. A gente tem aqui de 16, 17, de 40, de 50, de 70 anos então você tem que ter um jogo de cintura. É comum acontecerem brigas, confusão por causa dessa diferença de idade, fora a diferença de nível mesmo, tem uns que já estão mais adiantados, que pegam o conteúdo com mais facilidade [Grifos nossos].

137

Numa conversa com a professora sobre esse assunto após uma aula de observação, motivada

por uma situação que havia nos chamado a atenção51, perguntamos se ela percebia essa

diferença de níveis como consequência da diferença de idades. Ela nos disse que acreditava

que mais do que a própria diferença etária, a falta de base de alguns alunos, provocada por

experiências escolares anteriores não muito bem sucedidas, era o fator que mais contribuía

para essa diferenciação de níveis de aprendizagem. Da mesma forma que havia alunos de

mais idade com muita dificuldade de aprendizagem, também havia alunos adolescentes com

os quais isso ocorria.

Ela ponderou ainda que essa questão não poderia ser avaliada, levando em conta apenas um

aspecto. Disse-nos que um aspecto relevante a ser considerado era a motivação. A professora

via a motivação dos alunos da EJA como primeira missão do professor. Isso de certo modo

vai ao encontro do que dizem os autores da Psicologia Evolutiva Vega, Bueno e Bus (2004)

sobre aprendizagem de pessoas adultas. Para eles, o pouco envolvimento desses sujeitos nos

processos de educação formal e, acrescentando, as dificuldades por eles enfrentadas quando

se dá o envolvimento não devem ser interpretados por incapacidade de aprendizagem desses

sujeitos, mas à luz de fatores históricos e sociais, ou de fatores pessoais relacionados à falta de

motivação, à baixa autoestima e às experiências escolares prévias.

Além das duas características, a Natália ainda ressaltou a questão do tempo como fator

diferenciador, tanto escolar – projeto supletivo – quanto extraescolar –, pois como

trabalhadores o tempo de estudo se restringe ao tempo na escola.

[...] Aqui no nosso caso é supletivo, é um tempo reduzido. Então a gente trabalha sabendo desse diferencial. Você está dando aula de manhã para criança e adolescente, eles não fazem nada, eles podem estudar em casa, podem fazer trabalho. Aqui você dá aula sabendo que eles têm esse tempo aqui para estudar. Só esse tempo aqui.

Salvo esses aspectos, a professora afirmou não perceber diferenças entre a EJA e o ensino

“regular”, e assim, para ela, a educação de jovens e adultos

[...] é uma educação normal como qualquer outra só que é para jovens e adultos, é a noite, porque a pessoa trabalha. Precisa trabalhar. [...] A gente trabalha os mesmos conteúdos, os mesmos entre aspas, porque não dá tempo de dar tudo. A gente faz uma seleção [Grifo nosso].

51 A situação a que nos referimos ocorreu numa turma de 7ª série. A professora propôs uma atividade para os alunos e percebemos que alguns deles, inclusive quase todos os adultos da sala, os quais estavam sentados próximos de nós, tiveram muita dificuldade em resolvê-la.

138

A mesma posição é mantida por ela no que trata das dificuldades encontradas no processo de

ensino e aprendizagem da Matemática:

Eu não vejo diferença. Eu posso falar: “Aqui tem muita gente com dificuldade”, lá [ensino regular] também tem. Eu dou aula ali na escola Ômega52. Tem muita criança que tem muita dificuldade, mais do que alguns adultos aqui. E têm muitos adultos que tem muita dificuldade também. Foi como eu te falei. As turmas aqui têm níveis muito diferentes. [...] [...] Para mim é a mesma coisa. Tem a dificuldade que todo mundo sabe, que a Matemática é um pouco assustadora para maioria dos alunos, tem uma rejeição de alguns alunos.

Essa percepção de EJA orienta a prática da professora Natália, de modo que afirma utilizar

basicamente os mesmos recursos e metodologias que utiliza com seus alunos no turno

matutino, salvo a postura/relacionamento diante dos (e com os) alunos e uma busca por

aproximar os conteúdos escolares de seu cotidiano. Segundo ela:

Oh! os recursos que eu uso, acho que são os mesmos que todos os professores usam. Procurar introduzir o conteúdo de uma maneira mais leve. Aqui no caso deles que já são adultos, tentar aproveitar as situações que você sabe de trabalho, porque a maioria é pedreiro, a maioria deles aqui trabalha em obras (...) Então, aproveitar alguma situação que faça com que eles lembrem de alguma coisa. A gente relaciona com a realidade. Introduzir o conteúdo de maneira menos assustadora e ir dificultando depois, com o passar do tempo [...]. A minha aula é igual a todas as aulas, não tem diferença. Eu não acredito muito nessa diferença, que é totalmente diferente, porque as matérias são as mesmas. Eu trabalho na escola Ômega [outra escola em que a professora trabalhava] de 5ª a 8ª e trabalho aqui. Os exercícios que eu dou lá eu dou aqui também. Os conteúdos que eu dou lá eu dou aqui também, não todos, mas são conteúdos em comum. A diferença é só a abordagem. A maneira como eu entro na sala de aula, a maneira como eu trato os alunos, porque lá são crianças. Aqui eu trato meus alunos de igual para igual. Aqui eu não tenho a postura de dar ordens, de tratá-los como crianças que eles não são. No conteúdo [...] Eu explico. [...] Faço a introdução de uma maneira leve, “a gente vai trabalhar esse conteúdo”, teeento contar alguma historinha, ou fazê-los lembrar de alguma situação que tem a ver com aquilo, passo a definição e exercício. Igual a qualquer aula normal. Eu dou avaliação normal também. [...] Eu dou uma avaliação tradicional. Avaliação tradicional mesmo. Só que além da avaliação tradicional eu avalio de outras formas [...] A participação, a freqüência, que é problemática. Mas a avaliação em si, não tem nada de diferente, é uma normal mesmo, tradicional.

Os depoimentos da professora demonstram uma posição bem clara a respeito do modo como

percebe a EJA, comparando com o ensino “regular”. Acaba sendo difícil não fazer uma

comparação, já que trabalha, paralelamente, com as duas realidades e, conforme ela mesma

139

disse, não percebe grandes diferenças. Entretanto, em alguns trechos (quando fala das

dificuldades em relação à Matemática, da metodologia quando descreve um pouco de sua

aula), parece-nos indicar outra posição. Ela disse:

[...] Tem muita criança que tem muita dificuldade, mais do que alguns adultos aqui. E têm muitos adultos que têm muita dificuldade também. Foi como eu te falei. As turmas aqui têm níveis muito diferentes. [...] Têm alunos muito bons [na EJA] que poderiam acompanhar o ensino regular, que tem condições totais de acompanhar o ensino regular, mas estão aqui porque trabalham, ou pela idade, enfim.

[...] Trabalho pouquíssimo com o livro, como eu te falei a gente tem problema aqui com o livro e também, às vezes eu até evito o livro porque tem questões que são tão assustadoras que eu não vou chegar naquele ponto. [...] Uma avaliação que não seja muito complicada e que não seja nada muito diferente do que eu dei na sala de aula. Parecido. [Grifos nossos]

Existe nessas declarações uma diferenciação entre o ensino “regular” e o da EJA, como se o

ensino no primeiro fosse mais exigente que no segundo, de modo que os alunos do segundo

não conseguissem acompanhar o primeiro, salvo o caso dos “alunos bons”. Como

consequência, o trabalho da professora acabava sendo direcionado nesse sentido.

Entretanto, uma de nossas conversas durante a observação das aulas ajudou-nos a

compreender melhor esse posicionamento da professora Natália. Perguntamos a ela quais

eram os critérios que utilizava para selecionar os exercícios a serem aplicados em sala de aula.

Ela disse que procurava, na medida do possível, trazer exercícios que ensinassem algo a mais

do que matemática para os alunos. Além disso, disse que não utilizava muito os exercícios

dos livros didáticos porque os achava muito “puxados” – a não ser os dos livros de 5ª série –,

pois, à medida que se avança nas séries, os exercícios exigiam em suas resoluções cada vez

mais conhecimento de vários conteúdos. A professora dizia-nos que o problema é que na EJA

nem todos os conteúdos eram ensinados, porque o tempo ficava reduzido pela metade. Dessa

forma, quando ela considerava os exercícios muito puxados, não era no sentido de que eram

muito difíceis para seus alunos, que eles não seriam capazes de resolvê-los, mas que não

conseguiriam por causa da falta de conhecimento de alguns conteúdos anteriores.

Assim, embora a professora concordasse que a abordagem feita dos conteúdos na EJA fosse

mais superficial, os fatores que justificavam esse tipo de abordagem estavam mais

relacionados às próprias características daquela modalidade de ensino, como o tempo

52 Escola particular onde a professora trabalha no turno matutino com Ensino Fundamental “regular”.

140

reduzido pela metade para cada período estudado, a falta de tempo extraescolar dos alunos

para a dedicação aos estudos, ou a falta de base dos alunos e todas as suas implicações, do que

às dificuldades de aprendizagem dos alunos.

O trabalho da professora e as condições para sua realização

Como mostramos antes, era com base nessa compreensão da EJA que a professora Natália

direcionava seu trabalho e que, segundo ela, em geral se diferenciava muito pouco daquele

que realizava no turno matutino. Basicamente era para ela aquilo que todos os professores de

matemática fazem: tentar introduzir os conteúdos de maneira “mais leve”, “menos

assustadora”, buscando relacioná-los à realidade – no caso da EJA, ao trabalho – para, em

seguida, passar as definições e exercícios, “igual a qualquer aula normal”.

Além disso, nas observações de suas aulas, vimos que a professora procurava sempre interagir

com os alunos durante as explicações de conteúdos ou durante a correção de exercícios (que

sempre faz), fazendo-os participar das aulas de modo bastante à vontade para fazerem

perguntas, tirarem dúvidas e outras coisas. Especificamente nos momentos em que os alunos

se encontravam fazendo exercícios, ela sempre procurava atendê-los individualmente, quando

solicitada. Observamos que, quando um aluno perguntava a respeito de um exercício, ela

sempre procurava questioná-lo sobre seu erro, de modo que ele próprio pudesse encontrar a

resposta correta, ou seja, ela o fazia repensar a questão com base no erro que ele havia

cometido. Isso evidencia uma marca da tendência pedagógica construtivista na qual, segundo

Fiorentini (1995, p. 21), o erro que o aluno comete passa a ser visto não como algo negativo,

ruim e que deve ser prontamente corrigido pelo professor, mas como uma manifestação

positiva de grande valor pedagógico.

Em uma das aulas a que assistimos – na turma do 7º período em que, apesar de ser uma turma

que a professora já conhecia, havia muitos alunos novatos –, chamou-nos a atenção uma

situação: durante o tempo em que os alunos ficaram resolvendo a atividade passada pela

professora, ouvimos alguns deles (os únicos adultos da sala) dizendo não terem conseguido

fazer nenhum item da atividade, ao que a professora simplesmente disse que continuassem

tentando. Achamos essa sua atitude estranha porque ela tinha dado aos demais uma maior

atenção, questionando-os sobre seus erros, entre outros.

141

Fomos compreender a atitude da professora assim que terminou a aula, quando ela nos

perguntou o que havíamos achado da turma e da aula. Então aproveitamos para perguntar a

respeito da situação. Ela nos disse que se tratava de um grupo de alunos que ela já conhecia e

que não havia feito nenhum tipo de interferência de propósito. Ela sabia que, mesmo que eles

não tivessem conseguido resolver a atividade naquele momento, na aula seguinte

apresentariam a atividade pronta, pois eram alunos muito esforçados e, embora demorassem

mais para realizar as atividades propostas, sempre conseguiam fazê-las. Ela nos disse também

que uma daquelas alunas tirava as melhores notas da turma.

No evento acima descrito, ficou evidenciado o conhecimento que a professora tinha dos

ritmos de aprendizagem de seus alunos adultos e o respeito pelo ritmo de cada um,

desenvolvidos possivelmente “pela atenção cuidadosa com a dinâmica que se estabelece em

sala de aula, com as posições assumidas pelos sujeitos, com a recorrência e o inusitado das

situações” (FONSECA, 2002, p. 61). Além disso, reforça a importância da necessidade de ser

o professor efetivo na escola, o que lhe permite conhecer melhor os seus alunos.

Em relação aos exercícios, a Natália nos disse, quando a questionamos sobre os critérios que

utilizava para selecioná-los ou elaborá-los, que procurava sempre trazer aqueles mais

interessantes, para que fosse possível ensinar algo além da Matemática. Embora nem sempre

isso fosse possível, porque alguns conteúdos tratados, ou a forma pela qual a professora o

estava abordando, não o permitiriam, como ocorreu com o conteúdo de potências que vinha

sendo estudado no 8º período. Os exercícios aplicados eram basicamente procedimentais, para

aprender como calcular potências de base e expoente inteiros positivos, porque, segundo a

professora, muitos alunos não lembravam como isso era feito, porém vários ainda estavam

calculando a potência, multiplicando a base pelo expoente.

Em contrapartida, na turma do 6º período quando a professora estava trabalhando com o

conteúdo de números inteiros, segundo ela, sempre iniciava o conteúdo conversando com os

alunos a respeito de uma situação que envolvia crédito e débito, para que todos

compreendessem melhor, procurando exercícios diferenciados que envolviam situações reais.

Ela buscava trabalhar com vários exemplos práticos, abordando, por exemplo, as ideias de

adição e subtração de inteiros53. Segundo ela, só depois que essas ideias estivessem bem

53 Em um exercício passado pela professora, em uma das aulas observadas, havia uma pergunta sobre a variação da temperatura em determinado dia, no qual a temperatura máxima havia sido de +51ºC e a mínima de -4ºC.

142

compreendidas pelos alunos, é que trataria diretamente sobre essas operações e, se necessário,

recorreria às regras de sinais.

No primeiro dia de observação, essa professora nos mostrou o plano de ensino da disciplina.

Conforme ela já nos havia dito na entrevista, era uma listagem de conteúdos acompanhados

dos respectivos objetivos específicos e estavam separados por cada um dos quatro períodos.

Ela nos informou que esse plano de ensino havia sido feito em 2006.

Foram feitas várias reuniões, com o pessoal que trabalha na secretaria [Secretaria Municipal de Educação] que é responsável pela EJA. [...] Foram muitas reuniões, todos os professores de cada disciplina se reuniram, trocaram idéias e conversaram, quais eram os conteúdos que julgavam (...). Aconteceu o seguinte, a gente escolheu os conteúdos que seriam importantes para vida, para o dia a dia e para o segundo grau, porque a gente quer que o nosso aluno vá para o segundo grau, não pare por aqui. Então a gente escolheu usando esse parâmetro.

Como podemos perceber, havia uma preocupação dos professores com a associação dos

conteúdos ao cotidiano dos alunos, característica sempre buscada na EJA. Como se tratava de

Ensino Fundamental, preocupava-se com a continuidade dos estudos dos alunos.

O plano de ensino era, segundo a professora Natália, a única orientação que existia para o

trabalho com a EJA, tanto de modo geral quanto especificamente para a disciplina

Matemática. De acordo com ela, não existia nenhum acompanhamento do trabalho dos

professores, seja pela Supervisão da escola, seja pela Secretaria de Educação. Todo o

planejamento, seja das aulas, seja semestral, era feito individualmente por professor. Como se

tratava de uma escola pequena em que havia somente um professor de cada disciplina, não era

possível nenhum planejamento com a participação de colegas da mesma disciplina.

Desde quando havia começado a trabalhar com a EJA pela rede municipal de ensino, ela

havia participado somente de um encontro de formação específico para a EJA promovido pela

Secretaria de Educação em 2006. Na opinião dela, embora o curso não tivesse sido específico

Durante a correção da atividade, a resposta apresentada pelos alunos foi +47ºC. Para fazê-los compreender o erro que haviam cometido, a professora desenhou um termômetro no quadro e registrou as duas temperaturas, daí explicou que, caindo de +51ºC para 0ºC, a temperatura havia variado 51 graus, depois caindo de 0ºC para -4ºC, tinha variado mais 4graus. Dessa forma, concluiu que no total a variação (a diferença) tinha sido de 55º C. Explicou também que a resposta + 47ºC estaria correta se, ao invés de cair de 51ºC para -4ºC, a temperatura tivesse caído para 4ºC. A representação usada pela professora foi fundamental para a compreensão dos alunos a respeito da variação (diferença) das temperaturas. Eles disseram ter compreendido a resolução do exercício, mas, como se tratava de um primeiro exercícios desse tipo, eles também afirmaram que aquilo era um pouco complicado.

143

por disciplinas, ele foi bom. Tratou de temas mais gerais e, a princípio, parecia que iria até

provocar alguma mudança. Mas, conforme ela mesma disse, “não deu em nada”.

Foi uma série de palestras. O curso era aos sábados e domingos, ou sexta e sábado (...). [...] foram palestras de professores convidados para estarem dando palestras específicas para EJA. Nem todas as palestras foram tão específicas assim, mas algumas foram muito interessantes, inclusive teve uma palestra que deu uma mexida com a cabeça do pessoal da secretaria e eles inventarem de querer mudar tudo! (risos) e não mudaram nada! Eu não lembro, eu sou péssima para nomes, o nome do cara (...) Um palestrante (...). Esse cara fez uma palestra. Boa a palestra dele e tal, e o foco da palestra dele foi que o currículo está todo errado, que a gente tem que mudar o currículo, que tem que trabalhar de maneira diferente, de trabalhar com eixos temáticos, e por cima daqueles eixos trabalhar as disciplinas todas. E o pessoal da prefeitura [Secretaria de Educação] quis trabalhar essa idéia, fez uma confusão danada (...) mas não saiu do papel. Não deu em nada, continuou tudo do mesmo jeito. As palestras foram interessantes. Eu acho o seguinte, é sempre bom a gente conhecer coisas novas e discutir, mas na verdade depois não mudou nada, porque a gente continua trabalhando basicamente do mesmo jeito.

Não sabemos ao certo, mas pelo que parece, como essa formação ocorreu no mesmo ano em

que houve a elaboração do Plano de Ensino pelos professores, provavelmente esta última

tenha sido influenciada pela primeira. Pelo visto, foi o único fruto que rendeu.

O que a professora Natália nos traz ao final de sua fala revela aquilo que Ponte (1992) trazia

sobre as mudanças de concepções e práticas dos professores: estas só se dão perante abalos

muito fortes, geradores de grandes desequilíbrios. Além disso, como observava o autor sobre

os cursos de formação, eles não podem ser concebidos como a imposição de um qualquer conjunto de "verdades", mas exigem uma atitude diferente, de grande respeito pelos participantes. A formação tem de ser entendida como um processo de troca e de criação coletiva, em que quem conduz intervém com certos conhecimentos e competências, mas está igualmente a aprender com os outros (PONTE, 1992, p. 27).

Ainda sobre os cursos de formação, a professora fez uma espécie de desabafo que, embora, à

primeira vista, pareça um pouco radical, demonstra uma inquietação, uma ansiedade por

mudança de quem percebe um problema, mas na prática não sabe como resolver. Talvez

porque nem o conheça direito e se perceba sozinha, mesmo sabendo que tantos outros se

encontram da mesma forma. Natália assim se expressou:

Eu acho que os cursos deveriam ser extremamente práticos. Mais práticos e menos falatório, porque o falatório é sempre mais ou menos a mesma coisa [...]. Eu acho tudo muito chato, muito repetitivo e o que eu percebo é o seguinte, ao longo desses anos, dando aula, só mudam os nomes. Eles sempre arrumam nomes novos para estarem falando (...) mas é tudo a mesma coisa. A educação não muda, só mudam as expressões. Eles parecem que vestem uma capa, mas é a mesma coisa. É como quando começou aquela história de trabalhar com projetos,

144

tem que trabalhar com projetos. O professor sempre trabalhou com projetos, só não tinha o nome de projetos. Mas agora tem que ter projetos. E aí eles vão inventando, mas nada muda. Eu acho que os cursos deveriam ser mais práticos. Por exemplo, nós temos aqui agora a sala de computador, mas não teve ninguém aqui para dar uma orientação, “Oh Natália, nós viemos aqui (...) Na área de Matemática você pode trabalhar (...) tem um jogo, tem isso, tem aquilo”, não sei, não sei! [...] Uma coisa mais direcionada, mais prática (...) Ou determinados conteúdos, disciplinas que seja consenso que os alunos tenham mais dificuldades. Alguém que dê umas dicas “Pode ser trabalhado assim ou assado”. Não sei. Coisas mais práticas para sala de aula.

Além disso, quando a questionamos sobre os recursos disponibilizados para a realização de

seu trabalho, ela nos disse que o maior problema na escola era com o texto didático, porque,

embora tivesse uma apostila específica para a EJA, não era em quantidade suficiente para

todos os alunos. Isso porque, no início, quando se emprestava aos alunos, muitos evadiam e

acabavam não a devolvendo. Mas, segundo ela, isso não afetava muito seu trabalho porque

achava que a Matemática era uma das disciplinas que menos se apegavam aos livros

didáticos. Dessa forma, quando queria usar algum livro específico, ia à biblioteca e escolhia

um que fosse adequado às necessidades da aula, específico ou não para a EJA. Do contrário,

dava suas aulas no quadro mesmo, ou, como observamos durante duas de suas aulas, trazia

uma cópia para cada aluno de alguma atividade copiada de alguma outra fonte ou por ela

elaborada. Quanto ao uso do laboratório, era um recurso disponibilizado na escola, mas que

não o utilizava porque não sabia como fazê-lo.

Contribuições da formação inicial

A professora Natália foi, entre os professores que responderam ao questionário, aquela que

mais informações trouxe sobre sua percepção em relação ao curso, porque, conforme ela

mesma disse na entrevista, tem facilidade em se expressar também por meio da escrita. Desse

modo, na entrevista exploramos um pouco mais a respeito de alguns comentários que trazia

nas respostas escritas em seu questionário, na busca de algum novo elemento que pudesse ser

agregado aos anteriores.

Reafirmou de modo enfático, por exemplo, o que havia escrito no questionário a respeito de o

curso de Matemática tê-la preparado pouco para ser professora. Mesmo quando a

questionamos sobre a contribuição de disciplinas ou atividades mais específicas para uma

abordagem de questões acerca da educação básica, ela nos disse não se lembrar de muita coisa

nesse sentido.

145

Olha, para falar a verdade eu não lembro não! Deve ter tido, com certeza em algumas aulas deve ter tido. Mas, na minha opinião o que teve foi pouco. Eu acho que seja lá o que teve, porque eu nem sei o que teve, mas mesmo assim foi pouco.

Em particular, quando a questionamos sobre a EJA, ela respondeu que só foi trabalhar com a

EJA quando estava terminando o curso, de modo que, se ocorreu alguma discussão em

relação a esse aspecto no curso, ela não se lembrava, porque não trabalhava ainda naquela

modalidade de ensino. Talvez, se trabalhasse, pudesse se lembrar. Como ocorreu quando a

questionamos sobre a disciplina de Estágio, ela nos contou até alguns detalhes da experiência

nessa disciplina.

Eu acho que nosso Estágio (...) Teve outros alunos, de outros cursos, que de vez em quando aparecem umas pessoas, até aqui na escola apareceu, fazendo um estágio meio enganador, pedindo pra tirar foto, bem superficial sabe. Então, vendo essas pessoas fazendo estágio por aí, eu acho que o meu foi bem feito. Porque eu realmente assisti às aulas (...) Eu sou chata para escrever, eu não gosto de escrever o que eu não penso ou o que eu não vi. Então o meu relatório, foi exatamente o que eu vi. E a gente fez estágio mesmo, nós assistimos às aulas. Até o professor na época, que eu nem lembro mais quem é, pediu para gente, para recompensar o transtorno de estar lá, olhando, assistindo as aulas, que a gente fizesse algum tipo de trabalho. Então a gente fez, a gente ofereceu aula particular aos sábados (...).

[...] Nós assistimos aulas de alguns professores. Eu anotei tudo que eu podia! [...] Eu acho que meu estágio foi bem feito. O que foi pedido, eu fiz. O relatório foi todo feito, então eu acho que foi bem feito.

[...] O professor que dava a disciplina na época, pediu o que ele queria e a gente fez. Não teve esse acompanhamento na escola. Apenas a gente fazia grupos de alunos e íamos para a escola. Não tinha supervisão. Se a gente quisesse dar uma enganada, podia (risos).

Quando a questionamos sobre a disciplina de Prática de Ensino, ela também disse não se

lembrar.

De Prática (...) Eu não lembro nada disso! Eu dar aula, eu não cheguei a dar aula por nenhum professor. Eu dei aula quando eu fiz estágio na sala do professor que eu tava assistindo aula. A gente deu uma aula lá a pedido do professor [da disciplina de Estágio]. Mas não tinha ninguém além do professor que dava aula na escola [...] Dois aspectos devem ser destacados nessas declarações: o primeiro é sobre a influência dessa

experiência para a formação profissional da professora. Se houve alguma, deve ter sido bem

pequena, uma vez que as atividades realizadas não foram problematizadas por não haver uma

supervisão (acompanhamento mais próximo) do professor da disciplina; nenhuma discussão

foi realizada em torno do relatório de estágio, das observações, das aulas particulares aos

146

sábados ou ainda da aula ministrada pelos alunos na turma de observação. Assim, todas essas

experiências vividas pela professora e seus colegas, que poderiam ter-se tornado numa fonte

rica de análise de questões sobre a prática do professor de matemática, a matemática ensinada

(neste caso, no ensino médio), as dificuldades dos alunos, as questões de desenvolvimento

cognitivo, entre outras, não foram exploradas.

Esse pode ter sido um dos motivos que levou a professora a dizer que o curso havia

contribuído pouco para sua formação de professora, pois, segundo Fiorentini e Castro (2003,

p. 152), “[...] a prática de ensino e o estágio supervisionado configuram-se como momentos

fundamentais de formação e de desenvolvimento profissional do professor”.

Para a Natália, a experiência na disciplina Estágio em Atividades Complementares de Ensino

serviu para ver que a sua prática era semelhante à de outros professores. Em seus comentários

ela dizia:

Não mudou muito a minha vida porque, primeiro eu já estava na sala de aula. Eu entrei na sala de aula, eu acho que no primeiro período. Eu entrei na faculdade com dezessete anos e com dezessete anos eu comecei a dar aula já. Então eu já estava habituada com a escola. O que foi legal foi um pouco para você ver que está fazendo dentro da normalidade. Porque quando você está no início ainda, você acha que o professor que já está a mais tempo, sabe mais do que você, ou que você ainda tem muito que aprender (...) E você olhando a aula do outro professor você vê que você está indo no caminho certo! [...] principalmente porque eu assisti muito às aulas do “Fulano de Tal” 54, que é tão famoso, que todo mundo falava tanto (...) Pois é, quando eu assistia às aulas dele eu falei: “Uai, o que é que tem? Qual é a novidade?” [...] Aí eu aliviei. “Eu sou uma professora normal”.

Só muito tempo depois, conhecendo outras realidades, como aconteceu quando começou a

trabalhar na EJA, é que ela foi perceber que essa normalidade não era tão normal assim,

precisando mudar bastante aquela sua postura inicial, conforme ela nos disse:

[...] até porque eu apanhei um pouco quando saí de lá, até aqui nessa escola eu cheguei a ter problema, porque eu era professora meio inflexível, eu acho que eu era dura demais para trabalhar com jovens e adultos. Eu tive que mudar!

O segundo aspecto se refere ao fato de a professora dizer não se lembrar muito bem de

experiências no curso que abordassem a educação básica, a formação do professor de

matemática para a educação básica. Retomando a fala da professora, provavelmente tenham

54 Professor de matemática formado pela primeira turma do curso de Matemática de São Mateus, considerado por muitos alunos da escola onde trabalhava como um excelente professor. Muito conhecido por sua postura bastante rigorosa, por ir para sala de aula sem nenhum livro ou caderno de anotações, e por ser o “terror” de muitos alunos.

147

acontecido atividades nas disciplinas pedagógicas que tratavam dessas questões, mas elas não

foram significativas o suficiente ou não foram em “quantidade” suficiente para que pudessem

ser lembradas, como foi a forte formação matemática.

Conforme explicitamos na análise das respostas ao questionário, a grande preocupação e

valorização dos alunos pelas disciplinas de formação especificamente matemática parecia

funcionar como uma espécie de barreira, que os impedia de dar atenção às disciplinas de

formação pedagógica. Estas, de modo geral, também são reconhecidas como responsáveis

pela formação do professor. Talvez essa falta de maior atenção dos alunos e de integração

entre as disciplinas de conteúdo matemático e parte pedagógica possa ter contribuído para o

pouco aproveitamento relatado por Natália ou o eu “não lembrar”.

Esse fato da Natália, assim como o de os demais professores não terem muitas lembranças das

atividades desenvolvidas pelas disciplinas pedagógicas, pode ser interpretado, a nosso ver, à

luz do que apresentamos na seção 4.3 acerca da percepção humana sobre a influência de

expectativas do indivíduo, da motivação, de suas necessidades e de suas experiências

passadas, no que por ele percebido (BRUNER; POSTMAN, 1947; BRUNER, 1997;

DAVIDOFF, 1983; RODRIGUES; ASSMAR; JABLONSKI, 2000).

Talvez pudéssemos considerar que parte daquilo que foi apresentado ou trabalhado nessas

disciplinas não tivesse sido percebido pelos professores. Isso porque suas expectativas e suas

atenções estavam naquela época em grande parte direcionadas às disciplinas específicas, cujas

exigências de dedicação a estudos funcionavam como uma espécie de motivação.

Os professores estavam, de certo modo, “preparados” para perceber aquela formação

(BRUNER; POSTMAN, 1947). Em contrapartida, as experiências passadas com seus antigos

professores da educação básica e, naquele momento, com os professores da graduação

funcionavam como elementos que fortaleciam a ideia de que, para ser professor de

matemática, bastava apenas saber bem a matemática e, consequentemente, não se

interessavam muito pelas disciplinas de formação pedagógica. Não lhes davam atenção. Por

isso os professores se lembravam com mais ênfase da formação matemática.

Não queremos dizer com isso que aquilo que a professora Natália e os demais disseram a

respeito de sua formação – o curso ter dado pouca contribuição para a formação profissional

148

do professor – não seja verdade; mas queremos trazer um elemento a mais para a

compreensão desse processo de recordar-se do que tempos atrás havia sido (ou não)

percebido.

Retomando a questão da integração entre disciplinas do curso, quando perguntamos à

professora se ela percebia algum tipo de integração entre as disciplinas, fossem de formação

matemática ou pedagógica, ela nos disse que, na verdade, o que percebia era até uma

rivalidade. Essa rivalidade era (é) inclusive refletida dentro da própria escola básica. Eis suas

declarações:

Eu percebia, pelo contrário, que eu achava uma coisa engraçada. Hoje eu acho engraçado. Porque depois, em encontros que a gente já teve com pedagogos aí eu lembrava disso. O que eu achava, o que acho que existia na verdade, era um desprezo com o pessoal da Pedagogia. No final eu acho que existe até hoje. Os matemáticos se acham os mais estudiosos, que é mais difícil e tal, e debocham um pouco do pedagogo, como se a Pedagogia fosse mais fácil que a Matemática. E já os pedagogos, também debocham dos matemáticos, como se fossem uns alienados, que não fizessem nada além de estudar Matemática. O que é verdade também. (risos). Acho que os dois têm um pouco de razão! Mas se o curso era para formação de professor, eu acho deveria haver essa integração e não há. Existe um tipo de rivalidade. É um desprezando o outro, é um debochando do outro. Eu acho que deveria haver isso sim, essa integração, deveria começar lá. Essa declaração da professora evidencia uma crença de várias pessoas na Matemática como a

principal, a mais importante e relevante área do conhecimento que foi sendo construída e está

muito presente no imaginário das pessoas. De modo especial, relativizando o extremismo,

consideramos que crenças semelhantes são bem presentes para quem gosta ou é um estudioso

de matemática. Contrariamente, parece abominável, ou quase, para aqueles que se afastam

dela.

Apesar de considerar que o curso não tenha contribuído para a formação do professor de

matemática em seu trabalho de sala de aula, Natália não deixa dúvidas sobre a importância da

formação matemática quando perguntamos se esse aspecto havia pesado demais no curso e

talvez não devesse ser assim. Responde com firmeza:

Não! Isso aí, não! Eu acho que tem que ser! Entrou num curso de Matemática é para aprender Matemática. Não é para aprender mais ou menos. É para aprender mesmo. E esse aspecto eu acho legal. [...]

Eu sinceramente acho que o curso não prepara para ser professor. Eu acho que prepara para Matemática só. A gente aprende muita Matemática. Agora para sala de aula (...) Eu acho que não prepara bem.

149

Finalmente com relação à influência de seus professores, como apresentamos também na

análise das respostas ao questionário, a professora considerou que a maioria não lhe deu bons

exemplos. Essa resposta dela não foi por causa apenas da experiência que vivenciou no curso

por conta de sua gravidez, mas da análise do trabalho de seus professores, considerando que

estavam num curso de formação de professores para a educação básica. Em suas palavras:

[...] antes da gravidez, eu era uma boa aluna, estava entre as melhores notas, tirava de letra. Depois o negócio complicou! Então eu achei esse professor extremamente sensível, porque ele não me conhecia, eu freqüentei poucas aulas dele, mas ele teve a sensibilidade de procurar o meu histórico, de conversar com o professor anterior de Cálculo II, ele era professor de Cálculo III, porque Cálculo I e II não tinha sido dado por ele [...] Eu achei ele muito sensível, porque ele não tinha nem motivo para me ajudar, mas ele me ajudou, olhou muito a minha prova, eu lembro que ele falava assim, tentava achar a porcentagem em tudo que eu sabia, para ver se dava para dar uma empurradinha sabe?! E aquilo me chamou atenção porque ele não me conhecia [...] mas ele me ajudou e ele me chamou atenção. Ele não tinha obrigação nenhuma e se ele não tivesse me ajudado eu nem teria ficado com raiva. Eu teria achado normal. Mas ele me ajudou. E quando eu chego e vejo tantas situações que você precisa pensar no aluno, aí eu me lembro da atitude dele. Porque aqui é muito comum, são alunos que são presos, são alunos, enfim, diversas situações, [alunos] que trabalham, ou que engravidam também. Então você tem que ter essa flexibilidade e ele teve, uma coisa que eu nem tava acostumada assim, me chamou atenção. Enquanto outros professores eu acho que tiveram atitudes, durante a minha gravidez, até estúpidas, para mim estúpidas, porque quiseram me cobrar coisas desnecessárias que não acrescentava em nada e poderiam ter me ajudado, teriam sido um pouquinho mais humanos eu acho. [...] Mas hoje, fazendo essa reflexão eu não acho que seja papel de professor, umas atitudes que alguns professores tomaram lá. Mas não é só isso não, porque teve uma coisa particular que aconteceu comigo, não só comigo, porque outras garotas que engravidaram na época, uma até parou, desistiu e tal. Mas isso foi uma coisa assim que me marcou. Porque hoje eu lido com essas situações aqui com meus alunos. Mas eu acho que (...) Ah, sinceramente, de maneira geral, os professores eu acho que não me deram bons exemplos não! A maioria não! Eram professores muito assim (risos). Eu acho que professor, não sei, professor que já dá aula há muitos anos, que já tem muito curso, já se acomodou e que não se esforça em fazer a sua parte. Eles acham que é bonito, fazer um papel de malvado, então a gente acaba que fazendo um curso, estudando meio que sozinho, não é! Não é o professor que ensina. Praticamente ele fala qual é o tópico que você tem que estudar. Depois ele cobra para ver se você estudou. E eu acho que ali é um pouco (...) Ah, tudo bem, eu estudei sozinha e acabei aprendendo. Mas é um curso para formação de professores e eu não posso chegar aqui e fazer isso também. Eu não posso falar para eles que a matéria é equação do segundo grau e eles que se virem para lá. Então nesse ponto aí, eu acho que os professores deixaram bastante a desejar. [Grifo nosso].

150

7.2.3 Professora Caroline Barbosa de Souza Pereira

Caroline Barbosa dos Santos é professora contratada (Designação Temporária) da rede

estadual de ensino no município de São Mateus e da rede municipal de ensino no município

de Conceição da Barra. Pela rede municipal ela trabalha com Ensino Fundamental “regular” e

pela rede estadual com o Ensino Médio na modalidade EJA na EEEFM Gama. Das três

professoras pesquisadas Caroline foi a que se formou mais recentemente, em 2006. Por ainda

não ser professora efetiva, todo ano ela passa por certo desconforto por causa da rotatividade

nas escolas dos professores contratados. Felizmente nos anos de 2008 e 2009, anos em que

estivemos pesquisando, ela conseguiu “escolher” a mesma escola, EEEFM Gama.

A professora Caroline teve formação de nível médio por um curso técnico em Administração

e em nível de pós-graduação, por um curso de especialização em Matemática. Em relação a

sua formação na graduação, assim como a professora Bernadete, ela não pensava em ser

professora, a opção pelo curso de Matemática veio por falta de outra opção, principalmente na

época em que ela ingressou, em 2002, quando eram oferecidos no POLUN apenas os cursos

de Matemática e Educação Física. Eis o seu relato:

Eu acho que eu vim para esse curso por causa de outra oportunidade que eu não tive, mas me identifiquei e gosto. Hoje eu não me vejo fazendo outra coisa. Eu nunca pensei na minha vida: “Ah eu vou ser professora!” E muito menos de Matemática. Nunca tive problema na escola, mas eu vim fazer esse curso e eu caí de pára-quedas aqui e acabei me identificando e gosto de ser professora, gosto de ensinar. Eu acho lindo quando um aluno ele simplesmente dá aquele estalo: “Nossa! Acabei de entender isso professora!” Isso para mim é gostoso demais, de ver o aluno aprender, de ver os alunos que questionam, que perguntam, que querem aprender, e ver que eu posso passar para eles alguma coisa. Então isso é gostoso. Estar percebendo as necessidades dele, de aprender com eles. Hoje você acha que sabe tudo, aí você chega na escola e aprende um pouquinho mais. [Grifos nossos]

Entendemos que o “cair de pára-quedas no curso” se deva apenas pelo fato do curso ser uma

licenciatura e ter lhe “levado” a se tornar professora. O processo seletivo de que teve de

participar para o ingresso no curso e também o trecho de sua fala “Eu nunca tive problema na

escola”, provavelmente se referindo à Matemática, demonstram uma característica que talvez

ela mesma desconhecesse quando “optou” por fazer Matemática, que é a grande familiaridade

sua com essa área do conhecimento e que provavelmente a diferenciava de muitos colegas na

escola básica (Lins, 2004).

151

Dessa forma, ocorreu-nos uma pergunta: o que a levou a se identificar tanto com a profissão

como mostram certos trechos em seu depoimento?

Talvez por ter descoberto a familiaridade/afinidade que tinha com a Matemática e por ter,

assim como a professora Natália, tido a primeira experiência como professora, ainda enquanto

estava no segundo ano do curso, em 2003. Pelo que nos parece, também pode ter contribuído

a experiência com a EJA; pois, de acordo com o que nos disse, foi sua primeira oportunidade

de trabalho, porque era à noite, já que estudava durante o dia. Afirmou que daí em diante,

sempre que pode, nas “escolhas de DT” 55 de início de ano, prefere trabalhar com a EJA.

Assim expressou:

Olha (...) No primeiro momento foi a oportunidade de trabalho que eu tive. Foi trabalhar a noite porque eu estudava à tarde e trabalhar a noite foi jovens e adultos. Mas depois eu me identifiquei. Eu gostei de trabalhar com eles porque a gente vê assim, a vontade de aprender, mesmo que seja bem pouquinho que eu desconfio [a professora se refere à “quantidade” que conhecimento almejado pelos alunos da EJA], é maior que trabalhar com adolescente. [...] Hoje eu prefiro escolher em trabalhar com EJA.

Visão de EJA

Essa característica da EJA expressa na fala da Caroline – esse desejo do aluno adulto em

aprender – foi o que ela apontou como a principal diferença entre a EJA e o ensino “regular”.

Como ela disse:

Eu vejo que o EJA [de nível médio], ele absorve muito os mais velhos, as pessoas mais já de idade. Eu tenho aluno, por exemplo, com 60 anos que está ali à procura de ter um ensino médio. E ele vai lá para aprender. Eles têm um desejo maior de (...) Você passa para ele um (...) Uma equação básica e quando eles aprendem aquilo ali, a demonstração de satisfação é muito grande neles e os adolescentes que estão lá normalmente no regular, eles não têm isso. Eles não têm a demonstração do prazer de estar aprendendo, para eles (...) Eles querem é terminar rápido, e sair dali o mais rápido possível. E o adulto não. Ele está voltando porque ele quer, não porque ele é obrigado. A maioria é porque quer estar aprendendo, mesmo que seja um mínimo. É por isso que eu acho diferença entre os dois, regular e o EJA. [Grifos nossos]

Esse desejo se apresenta como uma das razões que justifica a inserção e permanência desses

sujeitos jovens e adultos na escola, mesmo vivendo, como ressalta Fonseca (2002, p. 2), “num

contexto de condições adversas como é aquele com que [...] se deparam no dia-a-dia de sua

vida particular, profissional, comunitária e no noite-a-noite de sua vida escolar”. Por esse

55 Processo que ocorre antes do início das aulas em que os professores contratados escolhem as séries, as escolas em que vão trabalhar durante o ano.

152

motivo, talvez devesse receber mais atenção no campo da investigação, até mesmo para

compreender melhor a evasão característica na EJA.

Como reflexo da visão de EJA e de seus sujeitos, segundo Paiva (2006), observada ainda nos

tempos atuais como a mais forte se comparada a outras concepções e sentidos em torno da

EJA, a professora Caroline considera a nova experiência escolar dos alunos jovens e adultos

como uma oportunidade de escolarização que eles não tiveram na “época certa”. Como uma

volta à escola para fazer, no tempo presente, o que não foi feito na infância (PAIVA, 2006).

No depoimento da professora:

O EJA para mim é oportunidade. É a oportunidade que eles [os alunos] estão tendo hoje, que não teve antes. Oportunidade de ter um ensino médio. Oportunidade de estar aprendendo algo hoje, que na época talvez de adolescente, que era o certo para estar na escola não tinha oportunidade. Por diversos motivos, de trabalho, por ter de parar por causa de casamento, porque na época, no meu caso, dos mais adultos, casava e então não podia mais estudar, porque o marido não permitia. Hoje ele tem mais oportunidade. É questão de oportunidade mesmo.

Para ela, essa nova oportunidade, no entanto, vem diferenciada em alguns aspectos daquela

experiência que deveria ter ocorrido na “época certa”.

Tudo é muito devagar, você não pode (...) Você escolhe um conteúdo para trabalhar, tem que dar meio superficial, para que eles possam acompanhar. Pela idade das pessoas que estão ali, pelas oportunidades da vida. O dia a dia deles é diferente, então exige um diferente. De manhã, como é 7ª série que eu trabalho, a exigência é maior para eles, eu exijo muito mais para eles. Acho que eles podem render muito mais. Por exemplo, eu não tenho como passar polinômios para os adultos, aquelas regras de polinômios todas, porque eles não conseguem absorver aquilo tudo dentro daquelas regras. Se eu passo uma matéria (...) De qualquer uma, tem que ser sempre mais superficial, mais rápido, eu não posso exigir exercícios que exigem muita concentração, que exige muito dele, que exige muito trabalho, muito pensamento, coisas além. Não dá para exigir muito deles isso. A realidade de vida do sujeito jovem ou adulto, sua condição de trabalhador, sua idade, suas

responsabilidades, suas dificuldades, assim como a própria estrutura dessa modalidade de

ensino, são usadas pela professora para justificar essa diferença. Esta é marcada nessa nova

oportunidade por um ensino mais superficial, mais aligeirado, com muito menos cobrança

sobre os alunos, revelando um processo de ensino e aprendizagem “lento”, quando

comparado àquele que deveria ter ocorrido na “época certa”. A professora Caroline seguiu

afirmando:

153

Acho que (...) Pela idade (...) Eu tenho alguns lá que eles trabalham fora de São Mateus, trabalham o dia inteiro, acordam cinco horas da manhã para trabalhar, chegam às vezes seis e meia em casa, toma banho e vem para escola. Eles não têm tempo de estudar em casa, eles não tem tempo de fazer exercícios, tarefas de casa. A gente não tem como exigir porque ele não tem tempo de fazer. Então, a vida deles é trabalhar o dia inteiro e vir para escola à noite. E á noite eles estão cansados, eles estão (...) Às vezes tem problema em casa, com a família. A gente acaba virando um pouco de psicólogo porque a gente precisa parar para ouvir um pouco o problema da vida familiar (...) Então tudo isso não permite que eles absorvam aquele conteúdo todo. Então a gente tem que ir mais devagar com eles, a matéria, ela não pode exigir muito (...) Quando é um exercício mais elaborado, eles não conseguem resolver. Eu tenho aluno lá que tem dificuldade de somar, tem uma dificuldade enorme de somar número negativo. Outro que faz conta muito fácil de cabeça, mas que não sabe escrever.

Nesse modo de ver a EJA que orienta a prática da professora, os alunos jovens e adultos são

vistos pelas carências escolares – alunos evadidos, reprovados, defasados, com dificuldades

de aprendizagem. Para Arroyo (2007), a reconfiguração da EJA, da qual muito se tem falado

nos últimos anos, só poderá ocorrer se essa forma de percebê-la for revista, se “o direito à

educação ultrapassar a oferta de uma segunda oportunidade de escolarização, ou na medida

em que esses milhões de jovens-adultos forem vistos para além dessas carências” (ARROYO,

2007, p. 23).

O trabalho da professora e as condições para sua realização

As considerações de Caroline sobre suas condições de trabalho denunciam o abandono vivido

pelos professores que atuam com a Educação de Jovens e Adultos no município,

principalmente os que trabalham pela rede estadual de ensino, que é o caso dela e a sua

preocupação em relação a isso. Essa professora trabalha em uma das únicas três escolas que

ofertam EJA de nível médio no município, uma escola de grande porte que atende, há sete

anos, um grande número de alunos vindos inclusive da zona rural do município.

Suas declarações revelaram uma total inexistência de qualquer tipo de programa, ou projeto

que pudesse orientar o trabalho do professor com a Educação de Jovens e Adultos. De acordo

com a professora, não havia sequer um plano de ensino, como aquele descrito tanto pela

professora Natália como pela Bernadete, elaborado em conjunto pelos professores da rede

municipal de ensino, que pudesse orientar os conteúdos a serem trabalhados em cada Bloco.

O que havia, segundo a professora, era apenas uma listagem com todos os conteúdos a serem

trabalhados durante os dois anos de estudo, a partir da qual, a cada ano, o professor tinha que

decidir os conteúdos que seriam dados para cada Bloco. Assim registram suas palavras:

154

[...] eu acho que o EJA, o que está faltando nesse momento é um projeto bom. Eu acho que ele precisa é de um planejamento. O EJA não está tendo isso. Nós não temos um programa de conteúdos para o EJA, nós temos adaptações. Nós não temos livro para o EJA, eu uso vários. Eu procuro um livro aqui e outro ali para dar um suporte, mas eu não tenho livro para o EJA, eu não tenho um programa para seguir [...]. Aí hoje eu, por exemplo, eu estou com uma dificuldade. O que eu vou passar agora? Eu tenho que escolher o que eu vou passar para o EJA.

O EJA tinha que ser mais trabalhado, ter um programa voltado para o adulto (...) Tinha que ter um planejamento mais dedicado a eles. O professor faz o que ele quiser o que ele achar que naquele momento está sendo viável. Mas tinha que ter um programa. Eu acho que tinha que ter um currículo melhor para o EJA, ter um programa melhor para o professor saber trabalhar melhor com esse tipo de aluno. Porque ele não tem isso, ele é jogado na sala de aula para poder trabalhar com o Bloco IV, aí você vai decidir qual matéria você vai passar, aí você tenta voltar com eles, "O que vocês viram para eu dar continuidade", porque senão a gente não consegue, você vai inventar coisas para você passar? Tem matéria [na lista de conteúdos] que não vale à pena a gente passar para eles, e a gente fica procurando outras coisas, adaptando. Por exemplo, eu passei para eles, no Bloco II, questões de porcentagem, matemática financeira, que a vida tava pedindo (...).

Além disso, como destacou a professora Caroline, nos três anos em que havia trabalhado com

EJA, nunca havia recebido da escola, ou de alguém da equipe da EJA da Superintendência

Regional de Educação (responsável pelas escolas da rede estadual de ensino) nenhum tipo de

orientação para o desenvolvimento de seu trabalho nessa modalidade de ensino, fosse por

meio de reuniões, cursos ou planejamentos coletivos. A única orientação que recebeu na

escola quando começou a trabalhar, no ano de 2002, foi que “pegasse leve com os alunos”,

mais nada além. Isso mais uma vez evidencia a marca forte da visão assistencialista de EJA

pela qual os alunos são vistos em face das suas carências e dificuldades de aprendizagem.

Além disso, considerando a visão de EJA da professora, a situação mostra como essa visão

predominante se perpetua dentro das instituições de ensino, influenciando os modos de

perceber a EJA dos professores que nela se inserem (PONTE, 1992).

Mesmo trabalhando numa escola onde havia mais três professores de matemática da EJA e,

portanto, seria uma oportunidade para haver um planejamento conjunto em que os professores

pudessem trocar ideias, discutindo algumas questões metodológicas, segundo a professora,

cada um fazia o planejamento individualmente e em casa. Isso porque o período reservado

para os planejamentos era entre fim do período de aulas do turno vespertino e início do

noturno, tendo como espaço reservado a sala dos professores, o que implicava ser impossível

a ocorrência de um planejamento devido ao constante movimento de entrada e saída de

155

professores da sala. A nosso ver, isso também não acontecia porque, segundo o que a

professora nos disse, não havia nenhuma sistematização ou acompanhamento dos

planejamentos pela supervisão.

Perguntamos à professora se ela havia percebido mudanças com a elaboração das novas

Diretrizes para Educação de Jovens e Adultos, implantadas em 2008 pela Secretaria do Estado

de Educação. Ela nos respondeu que nada havia mudado além da estrutura temporal (duração

das aulas) e na nomenclatura (em que os Blocos passavam as ser chamados de etapas), no

mais, tudo continuava da mesma forma desde quando havia trabalhado pela primeira vez.

Teve um ano que eu trabalhei com EJA, no ano passado eu não trabalhei e esse ano (2008) eu retornei. Do ano que eu trabalhei para esse não mudou nada não. O currículo é o mesmo. Eu tenho que escolher. E o papelzinho [listagem de conteúdos] que me deram da outra vez, me deram agora.

Tudo isso ajuda a compreender, em partes, a desorientação (desorientada ação) e preocupação

da professora em relação ao seu trabalho, explícita nas declarações acima. Ora

especificamente em relação à sua disciplina, sobre os conteúdos a privilegiar – a “busca do

essencial” (FONSECA, 1999) –, ora de modo mais geral, em relação ao como trabalhar com

os alunos adultos. Além disso, evidencia, mais uma vez, o quadro de precariedade de

condições de trabalho vivido pelos professores da EJA.

Dificuldades à parte, a professora disse-nos buscar, da melhor forma possível, fazer seu

trabalho com os recursos de que dispunha: a sala de aula com quadro e giz, seus livros de

ensino médio regular. Quanto aos livros, segundo ela, são muito abstratos para trabalhar com

a EJA, por isso procurava usá-los apenas como um apoio para a elaboração de atividades a

serem aplicadas para os alunos. Caroline disse que buscava também pesquisar atividades em

sites educacionais como forma de complementar seus planejamentos. Além disso, buscava

levar em conta tudo aquilo que aprendia com os alunos sobre os conteúdos de ensino.

No trabalho com os conteúdos, buscava realizar suas explicações partindo dos exemplos mais

simples aos mais difíceis. Em cada etapa, procurava aplicar exercícios tanto mais mecânicos

quanto outros mais contextualizados, e outros ainda mais abstratos. Embora tenha dito que os

alunos apresentavam um pouco de dificuldade em relação a esses últimos; como relatou no

exemplo descrito a seguir:

Por exemplo, (...) Agora eu to trabalhando com EJA com trigonometria no triângulo retângulo. então eu tento mostrar pra eles (...) No início eu colocava um triângulo e eles

156

tinham que calcular todos: seno, cosseno e tangente daquele mesmo triângulo e eu fui treinando com eles bastante as fórmulas. Isso levou muito tempo, vários exemplos, e para eles precisa ser muitos exercícios. Não dá para pegar de cada matéria e você pegar dois, três. Isso não funciona. Tem que ser muitos, para eles começarem a associar as coisas. Depois disso tudo, de treinar a fórmula, eu passei para eles verem, retirar os dados, para eles verem o que eles iriam usar, o que foi dado no texto. Eles que iam ver onde que eles iriam usar o seno, usar o cosseno, a tangente, para eles começarem a identificar os dados que estavam no exercício. Então aí está a dificuldade, que antes eles tinham que calcular tudo, então eles não tinham que pensar muito [...] Quando eu passei para ser assim, eles acharam que a matéria já tinha mudado. "Ah professora você já mudou de matéria!". [...] Então agora eu estou tentando mostrar para eles que eles podem fazer isso, eles têm que olhar, retirar os dados. Eu pego um triângulo e olho:"Isso aqui é o que? É cateto oposto? É cateto adjacente? Qual o significado dessas palavras?" "Oposto é o que está longe, e adjacente (...)", tem que falar que é aquele que está perto, senão eles não conseguem enxergar. Então eu retiro os dados, escrevo, pergunto "Esse daqui é que valor? É cateto oposto? Tem hipotenusa?" "Ai então vocês vão lá nas fórmulas. Qual das fórmulas aqui que vocês vão usar essas duas coisas ao mesmo tempo?" Aí eles demoram um tempo para poder ler as fórmulas todas novamente para ver qual eles vão utilizar.[...] Então eu tento fazer isso, eu faço a parte mecânica, eu faço exercícios mais elaborados que eles precisam pensar um pouco mais. [...] Ontem, depois de 15 dias, que uma aluna percebeu que seno, cosseno e tangente era diferente. Ela não tinha conseguido ver isso ainda, ontem que eu consegui, depois de vários dias, mostrar para ela que era diferente. Então tem coisas que eles conseguem absorver, os que são mais mecânicos, os que não precisam ter muito assim, dar volta, habilidade de pensar, eles conseguem (...) É meio complicado.

Segundo a professora, mesmo atendendo os alunos individualmente, recurso que ela via como

fundamental para o trabalho na EJA devido aos diferentes ritmos de aprendizagem, os alunos

encontravam muita dificuldade em compreender conteúdos mais abstratos, como o de

Geometria Analítica, não conseguindo fazer exercícios “mais elaborados” (que não fossem

mecânicos).

Passamos por essas mesmas dificuldades em relação ao ensino desse tipo de conteúdo quando

trabalhamos com a EJA. Hoje percebemos, devido a novas experiências e aos estudos que

temos feito, que o problema não está somente relacionado às dificuldades que dizemos que

nossos alunos têm de compreendê-los, mas também relacionado às dificuldades que nós

professores temos de ensiná-los. Muitas vezes não temos a compreensão necessária desses

conteúdos para ensiná-los. O que temos é um conhecimento de conceitos, procedimentos e

significados até, mas para o nosso próprio aprendizado. Falta-nos um conhecimento mais

profundo deles que possibilite fazer nosso aluno da EJA o compreender e nos possibilite

compreender as construções de nossos alunos e seus modos de perceber esses conteúdos.

157

Além disso, o que agrava ainda mais esta situação é a própria falta de compreensão que temos

dos processos cognitivos do sujeito adulto, porque, como foi apresentado pelos autores da

Psicologia Evolutiva, esse sujeito não tem, em nível de desenvolvimento cognitivo, nenhum

problema que o impeça de se beneficiar da educação escolarizada. Então, por que

continuamos a dizer que nossos alunos não conseguem aprender determinados conteúdos?

Essa é uma questão com que nós, educadores de jovens e adultos, devemos comprometer-nos.

No primeiro dia de observação, antes de iniciar as duas primeiras aulas que seriam numa

turma de primeira etapa, a professora Caroline nos mostrou a relação dos conteúdos que

seriam trabalhados naquele semestre em cada etapa56 e nos disse que estava trabalhando

naquela turma com o conteúdo de Números Inteiros. Ela se mostrou bastante preocupada

porque não conseguia fazer os alunos entenderem as operações com números inteiros, as

regras de sinais.

No decorrer das quatro aulas que observamos nessa turma, a professora passou para os alunos

resolverem várias expressões numéricas com números inteiros. Durante a correção das

atividades no quadro, ela procurava sempre explicar cada passo realizado, tentando associar

as operações de adição e subtração a crédito e débito respectivamente. Quando surgia alguma

multiplicação, ela recorria às “regras de sinais”. Depois das aulas, perguntamos à professora

se ela havia tentado explicar as operações, usando outra abordagem, que não por meio das

expressões numéricas. Ela nos disse que havia introduzido as operações de adição e subtração,

utilizando uma tabela, como se fosse um extrato bancário, e ali os alunos entenderam bem.

Mas ressaltou que, trabalhando apenas com os números fora desse contexto, os alunos não

conseguiam compreender. Isso a preocupava, porque a utilização que ela pretendia fazer

desses conteúdos era apenas como uma ferramenta para os conteúdos seguintes, como o

trabalho com funções. Como faria para chegar até lá?

Não era nosso objetivo analisar por que motivos os alunos apresentavam tanta dificuldade

assim, como dizia a professora, no aprendizado desse e de outros conteúdos, mas destacar a

dificuldade que a professora enfrentava para ensinar tais conteúdos a esses alunos e sua

preocupação em relação isso. Mais adiante retornaremos a falar sobre esse aspecto.

56 Segundo ela, os professores de Matemática da EJA da escola haviam-se reunido e feito uma seleção dos conteúdos a serem trabalhados em cada etapa, baseados na listagem antiga, buscando retirar aqueles conteúdos muito abstratos que os alunos apresentam grandes dificuldades de aprender.

158

Retomando um pouco sobre a rotina de sala de aula, a professora nos disse que buscava

sempre incentivar os alunos a participar de suas aulas, incentivando-os ao máximo a fazer

perguntas e comentários durante as explicações de conteúdos ou durante a resolução de

exercícios, porque, assim, tinha como saber se os alunos estavam conseguindo aprender. Ela

disse que, logo de início, quando os alunos não a conheciam, eles apresentavam certa

resistência, mas aos poucos começaram a participar das aulas, mesmo porque percebiam que,

se não fizessem perguntas a ela, era ela quem fazia a eles. Caroline narrou:

Agora eles já vão até lá do meu lado, "Carol eu não entendi, você pode me ajudar?" Aí ele senta comigo ali, eu explico de um jeito diferente, ou tudo de novo, um jeito de obter a resposta mais rápida (...)

Dessa forma, a professora parecia tentar evitar que se criasse uma barreira entre ela e os

alunos, muitas vezes provocada pela timidez que os alunos da EJA apresentavam, por se

sentirem envergonhados em estudar com alguém bem mais novo que eles. Assim, procurava

aproveitar ao máximo as experiências de vida, de trabalho, dos alunos, relacionando-as aos

conteúdos ensinados como forma de valorizar seus conhecimentos, ao mesmo tempo que

buscava, por meio deles, dar mais significado ao ensino dos conteúdos escolares. Além disso,

como ela mesma repetiu, vinha aprendendo muito com eles, e muitas vezes aquilo que

aprendia com uma turma ela já aproveitava para utilizar numa outra. Como aconteceu no

exemplo que citou, quando falávamos da relação entre a linguagem matemática e a linguagem

usada pelos trabalhadores, em uma situação em que estava trabalhando com perímetro e área

de figuras planas.

Por exemplo, eu ensinando o que é área de figuras para um pedreiro (...) Perímetro para eles é ‘medida corrida’ [...] "Ah professora você falou perímetro, eu não sei o que é que é. Se você tivesse falado que era ‘medida corrida’, eu tinha calculado". Então aí a gente vai aprendendo essas coisas. Então o pedreiro ele sabe calcular muito bem a área. Ele calcula a área de qualquer figura, transformando aquilo num quadrado. Ele não sabe porquê, mas ele está ali colocando um quadrado (...) E ele calcula muito bem, tudo do jeito dele. Então tem essas coisas assim que a gente vai aprendendo do dia a dia deles. Eles vão falando algumas coisas que você vai começando a associar. Aí depois você começa a usar também!

O único problema que Caroline teve nesse sentido, em seu relacionamento com os alunos, foi

quando começou a trabalhar. Como explicitamos antes, sua primeira experiência de trabalho

foi com a EJA, e, de acordo com seu relato, os alunos ofereceram certa resistência a seu

trabalho, pelo fato de ela ser bem mais nova que a maioria deles. Mas isso só aconteceu logo

159

no início, depois os alunos foram conhecendo-a melhor, conhecendo seu trabalho, e, a partir

de então, não teve mais problemas em relação a isso.

Esse estranhamento inicial experimentado pela professora é uma dificuldade vivida pelos

professores de EJA que muitas vezes apresentam idade menor do que a média idade de seus

alunos. Assim como ocorre esse estranhamento dos alunos em relação ao professor, também

há o estranhamento do professor em relação aos alunos. Deste decorre a necessidade de um

conhecimento sobre os alunos pelo professor, que pode parecer mais difícil que o

conhecimento acerca do aluno adolescente ou criança, porque, segundo Fonseca (2002, p. 62-

63), [...] a compreensão das razões dos alunos, que quando se trata do público infantil ou adolescente pode valer-se da experiência do próprio educador de ter sido criança ou de ter sido adolescente, vê-se privada desse recurso quando o alunado se encontra numa fase de vida pela qual não passou o professor. A atitude de escuta atenta e generosa assumida por esse profissional terá de ser aí ainda mais cuidadosa e despojada – e, por isso, extremamente importante para sua formação profissional e pessoal – na acolhida de um outro que ele reconhece ter vivenciado experiências que lhe escapam não só por seus significados socioculturais mas também do ponto de vista da trajetória e do desenvolvimento humanos.

Diante dos enfrentamentos em seu trabalho com a EJA, reconhecendo as necessidades

específicas por ele demandadas, a professora enfatizou a necessidade de haver “um estudo”

por que os professores pudessem orientar-se para saberem quais conteúdos “serviriam” para

determinada série. Além disso, os cursos específicos de formação continuada de Matemática

para os professores de EJA que pudessem, por exemplo, indicar caminhos para o ensino

daqueles conteúdos mais problemáticos. Segundo ela, até então nunca havia participado de

nenhum curso desse tipo e procurava, na medida do possível, fazer adaptações para a EJA

daqueles cursos de que participava e que eram destinados ao ensino “regular”.

Contribuições da formação inicial

Assim como os demais professores, também a professora Coroline apontou a formação

matemática como principal contribuição de sua formação inicial. Em relação à formação

pedagógica, algumas considerações são recorrentes. Ela também ressaltou a pouca atenção

dada pelos alunos às disciplinas pedagógicas devido à grande preocupação com as disciplinas

matemáticas. Embora se tenha referido a algumas contribuições específicas relativas às

disciplinas pedagógicas para sua formação profissional, como explicitaremos a seguir, num

aspecto mais amplo reafirmou o que os outros professores disseram: o curso não privilegiou a

formação do professor para a educação básica.

160

Diferentemente das outras duas professoras que fizeram a disciplina Estágio em Atividades

Complementares de Ensino em escolas da educação básica, segundo a professora Caroline, os

alunos de sua turma de graduação não realizaram nenhuma atividade nas escolas. Ela afirmou:

O estágio para gente que já trabalhava na época, a gente não teve que ir para sala de aula. Então a gente trabalhou aqui no Pólo mesmo. A gente preparava uma aula para mostrar para o professor. Outra disciplina que eu não me lembro o nome, tinha que trabalhar com os alunos como se fosse tirar dúvidas (...) o projeto de reforço que vinha os alunos e a gente ajudava e foi isso aí. Mas para eu ir para outra escola, dar aula, não teve não, no estágio. [...] Então era basicamente essa idéia, vinha aqui [no Polo] e dava o reforço.

Por não se recordar direito, a professora faz referência a duas disciplinas que a faziam lembrar

atividades relacionadas a estágio, uma das quais – projeto de reforço – era o projeto de

extensão Plantão de Dúvidas que foi vinculado à disciplina de Estágio em Atividades

Complementares de Ensino. Provavelmente, quando se referia à disciplina em que tiveram de

preparar aulas e mostrar ao professor, estivesse na verdade lembrando atividades da disciplina

de Didática ou Prática de Ensino. Mas isso na verdade não é o mais importante.

O que gostaríamos de ressaltar é que, a nosso ver, a disciplina de Estágio era uma

oportunidade que os alunos do curso tinham de observar, de estar em contato com as

realidades escolares existentes de uma forma diferente, refletindo sobre essas realidades,

como propunham Ponte (2002), Pires (2002) e Pavanello (2003). Mesmo que já estivessem

trabalhando como professores, as próprias experiências de trabalho poderiam funcionar como

laboratórios de estudo e reflexões.

Em relação às outras disciplinas, embora não lembrasse em qual delas, a professora fez

referência ao desenvolvimento de algumas atividades desenvolvidas que tiveram bastante

influência para sua formação profissional. Talvez, umas mais que outras, como veremos. Em

uma delas, provavelmente aquela em que precisavam apresentar a aula para o professor na

própria turma, a professora Caroline destacou a importância que passou a dar para a

realização do planejamento das aulas. Nas palavras dela:

Acho que foi uma das aulas que a gente gostou muito, assim (...) Porque tinha muita coisa que a gente não se preocupava de fazer na sala de aula e aqui [na disciplina do curso] a gente tinha aquela exigência, de dar uma aula mais certinha. Lá a gente achava, "Eu sei mais que eles" então a gente não se preocupava com o planejamento. "Não, isso aqui eu sei, pode deixar que é tranqüilo". E aqui a gente teve que fazer o planejamento mesmo para dar aula, aquela parte escrita, de desenvolver mesmo que ia passar, botar no papel mesmo. Coisa que a gente não fazia na sala de aula. [...]

161

No caso, a gente dava para professor. Não dava aula para aluno. Não tinha alunos. Era para a turma ou só para a professora mesmo. A gente escolhia o tema, aí tinha que identificar a série, a matéria, o conteúdo, para gente mesmo escolher. [...] Depois que eu vi que eu comecei a fazer isso eu chegava na sala de aula mais preparada. Quando você lê aquilo antes, que você dá uma olhada, faz suas observações no livro (...) Hoje em dia, às vezes quando eu não tenho tempo de fazer o planejamento, que eu pego um exercício e vejo que a resposta está errada, se eu tivesse visto aquilo antes, se tivesse planejado, eu teria percebido. Às vezes eles gostam de tirar as repostas dos livros dos alunos porque pode ter alguma errada ali, mas é só você ter tempo de planejar antes que você percebe isso. Alguma coisa errada, que está faltando para você falar. Se você não olha antes, você vai seguir só aquele roteiro do livro. Você se perde. Então hoje eu vejo que o livro deixa a desejar [...] Referindo-se a uma outra disciplina, provavelmente Fundamentos da Matemática Elementar,

a professora falou sobre um projeto que os alunos de sua turma montaram para a elaboração

de uma apostila sobre o ensino de Geometria Espacial, tratando o estudo dos sólidos

geométricos. Em outra, eles chegaram a fazer uma análise dos conteúdos a serem abordados

em cada série e nível da educação básica, mas, conforme ela disse, foi tudo bem rápido sem

muito aprofundamento.

[...] uma vez nós paramos para ver, decidir as matérias específicas para cada série. Foi montado, o que deveria ficar aqui ou ali [...] Mas uma coisa muito rápida. Precisava um pouco mais para gente poder questionar. Por que a gente percebe (...) hoje eu pego um livro e olho e sei "isso aqui não dá para eu passar para os alunos agora. Isso aqui eles não vão ter condições de entender", então eu não passo.

Apesar de a análise ter sido feita apenas quanto aos conteúdos do ensino fundamental e médio

“regular”, esse espaço de questionamento sugerido por Caroline poderia ter sido um espaço

onde questões acerca dos conteúdos da EJA pudessem ter emergido nas discussões, já que na

época ela havia também trabalhado com EJA. Talvez isso pudesse ao menos atenuar as

dificuldades para ela geradas pela ausência de um programa de ensino específico dessa

modalidade.

Conforme ela afirmou, todas as atividades desenvolvidas nas disciplinas de formação

pedagógica só levaram em consideração o ensino fundamental e médio “regular” e, ainda

assim, tudo de modo muito superficial, como falou sobre currículo, quando mencionamos na

entrevista um objetivo apresentado num plano de ensino da disciplina de Prática de Ensino

II57.

57 Analisar a Proposta Curricular para o ensino da Matemática do Estado do Espírito Santo, distinguindo seus elementos e postura crítica.

162

Às vezes a gente pode até ver essas coisas, mas eles passam tão por cima, tão (...) "Ah, tá! o currículo escolar. O que é o currículo?" A gente estudou por cima o currículo, mas assim, parar para analisar mesmo, não [...]. Essa percepção da professora sobre sua formação pedagógica no curso ratifica a posição dos

demais professores pesquisados que registra a pouca influência do curso – tomando

emprestada a expressão da professora Natália – para a “formação professoral”. Fiorentini

(2004, p. 5) ressalta: Algumas pesquisas têm mostrado [...] que as disciplinas específicas influenciam mais a prática do futuro professor do que as didático-pedagógicas, sobretudo porque as primeiras geralmente reforçam procedimentos internalizados durante o processo anterior de escolarização e as prescrições e recomendações das segundas “têm pouca influência em suas práticas posteriores”, [uma vez que em geral são vistas como meras instâncias de treinamento ou aplicação prática de modelos aprendidos previamente, Fiorentini e Castro, 2003, p. 152]. Ou seja, disciplinas prescritivas que dizem como o professor deve ensinar, não conseguem alterar o saber experiencial sobre como ensinar e aprender matemática na escola, e que foi internalizado durante a formação escolar ou acadêmica do futuro professor.

Em relação à formação matemática, a contribuição apontada pela professora para seu trabalho

com o ensino da Matemática referia-se ao “conhecimento aprofundado” acerca dos conteúdos

matemáticos escolares, propiciado pelos estudos nas disciplinas específicas dos fundamentos

desses conteúdos. Caroline assim se expressou:

Acho que aqui na faculdade a gente aprendeu a aprofundar as coisas, a saber o porquê das coisas. Então lá, quando você chega na sala de aula e você ensina a soma, a multiplicação, ou a potência, você não mostra só aquilo ali, você tenta mostrar para eles que não é só aquilo ali. Existe coisa além. "Porque que a potência não é multiplicar base pelo expoente?” como é o costume deles. Se você perguntar para eles, se ensinar que é só multiplicação, eles têm muita dificuldade, eles vão achar que pode multiplicar toda hora a base vezes o expoente. Então eu acho que aqui na faculdade ensinou isso, que a gente pode mostrar para eles, a gente deve até mostrar que existe muita coisa por trás de cada conteúdo. Mesmo que você não trabalhe a parte histórica toda, então você mostra para eles que aquilo ali não surgiu só da imaginação de qualquer pessoa. Teve todo um processo, todo um estudo a respeito daquilo. Não é só porque o homem inventou aquilo ali de qualquer maneira, ele viu que dava certo. Então mostrar para eles que existe um procedimento humano, o porquê, o histórico de cada conteúdo. Isso eu acho que é interessante. Entretanto, ao conversarmos depois das aulas de observação, a professora ponderou a respeito

das dificuldades relacionadas ao ensino dos conteúdos “abstratos”, (como o caso dos

números inteiros ou da Geometria Analítica), afirmando que esse conhecimento não garantiu

a ela o êxito no ensino dos conteúdos escolares. Embora ela tivesse pleno domínio

operacional e procedimental dos conteúdos escolares, faltava-lhe conhecimento conceitual, o

conhecimento de suas finalidades e de suas múltiplas formas de exploração (FIORENTINI;

163

CASTRO, 2003). Isso porque seus estudos na faculdade não haviam sido feitos, tendo

também como foco o ensino da matemática na educação básica, como já havíamos

considerado na análise das respostas aos questionários. Acreditamos que isso decorra, em

parte, da própria formação acadêmica dos professores formadores, predominantemente pós-

graduados em cursos de Matemática Pura ou Aplicada. Fiorentini e Gonçalvez (2005, p. 84-

85), referindo-se à sua pesquisa, afirmaram que os formadores, em sua formação acadêmica, tiveram pouca oportunidade de reflexão e estudo sobre aspectos epistemológicos, históricos e socioculturais das idéias matemáticas, principalmente seu processo de produção e sistematização. Assim, faltaram a esses profissionais, durante a formação acadêmica, atividades que lhes permitissem discutir ou refletir sobre questões fundamentais ao trabalho docente em matemática, tais como: Qual o papel social e político da matemática no desenvolvimento da cultura, da sociedade e do pensamento humanos? [...] Quais as semelhanças e diferenças entre matemática escolar, a matemática popular e a matemática acadêmica ou científica? [...] De que forma o ensino do cálculo, da álgebra, de estocástica ou de análise matemática poderia ser desenvolvido tendo em vista a formação do professor de matemática para o ensino fundamental e médio [de modo especial para EJA]?

Quanto à influência de seus professores, Caroline fez referência aos professores da educação

básica. Tomando-os como (contra) exemplos, ela sempre busca motivar seus alunos a

participar de suas aulas, a serem questionadores. Procura mostrá-los diferentes caminhos na

Matemática para chegar a um mesmo resultado, tentando com isso fazê-los compreender que

eles também podem construir seus caminhos. Assim ela contou:

Olha, eu estudei com professores que não eram formados [...]. A gente não tinha questionamento. A gente não sabia que a matemática podia fazer de várias formas. Hoje eu digo para os meus alunos, eu falo para eles que (...) Por exemplo, eu falo para eles: "Você mora em que bairro?", "Eu moro no Vila Nova", "Então, para você ir para o Vila Nova você precisa passar no centro?". Então eu mostro para eles isso também, que a Matemática possui vários caminhos e que a diferença é que vai encontrar uma só resposta. Então, na minha época eu não tinha direito a questionamento. Hoje eu levo eles a questionar, a procurar, a querer saber mais. Eu explico para eles de uma forma, mas na hora de corrigir exercício, eu faço de outra forma. Aí eles falam: "Mas professora eu não fiz assim, é o certo?". Eu tento mostrar para eles que a matemática tem várias formas de resolver, que eles podem fazer do jeito que eles quiserem, desde que sejam coerentes e que vão encontrar a mesma resposta, e eu não tive isso.

[...] Eu tento incentivá-los para fazer isso. Coisa que eu não tive na minha época. Era aquilo e acabou, se você fizesse de outra forma estava errado, e eu não tive oportunidade de questionar. Então hoje eu tento fazer isso para eles, mostrar que eles podem, que eles podem questionar. Eu explico que a Matemática é exata porque tem uma única resposta e não porque tem um só caminho. A constituição dessa postura pela professora somente aconteceu mediante sua reflexão. Do

lado da educação básica, na qualidade de professora de suas percepções como aluna sobre as

164

ausências de explicações, justificativas e questionamentos; do lado da graduação, em sentido

oposto. Isso lhe permitiu perceber a necessidade e importância de sua formação matemática

para seu trabalho de professora. Além disso, essas constatações evidenciam o processo

dinâmico e interativo que é a formação do professor, que não se limita a tempos e espaços

bem determinados (FIORENTINI; CASTRO, 2003).

7.3 Análise geral

Considerando o objetivo geral de nossa pesquisa – analisar a integração entre formação inicial

e continuada do professor de matemática, seu engajamento e atuação profissional na EJA –,

buscamos, nessa última reflexão sobre os dados coletados, trazer a relação que percebemos

entre a formação inicial do professor, suas condições de trabalho e sua atuação profissional,

assim como fizemos, de certa forma, na análise individual das entrevistas. Embora a formação

inicial dos professores e suas condições de trabalho exerçam grande influência sobre sua

atuação como professores de matemática na EJA, elas não a determinam, porque a própria

atuação do professor, sua prática, funciona como elemento (trans)formador. Nisso reside uma

característica dos próprios professores – seres humanos: “a de se terem se tornado capazes de

ir mais além de seus condicionantes” (FREIRE, 2008, p. 25).

Procurando responder ao terceiro objetivo específico de nossa pesquisa, apresentamos a

seguir reflexões sobre as:

“Heranças” da formação inicial: identificação e análise das percepções externadas dos

professores em relação às contribuições de sua formação inicial para sua prática

profissional

Como expusemos na análise dos questionários, as percepções dos professores sobre o papel

desempenhado pela formação oferecida pelo curso para o trabalho com a disciplina

Matemática na EJA mostravam que o curso havia dado grande contribuição quanto à

formação matemática, teórica, do conhecimento matemático. Todavia, no que tange ao

aspecto pedagógico, da atividade profissional do ser professor, do enfrentar as dificuldades de

165

sala de aula, do tratamento dos alunos, ente outros, as contribuições, de um modo geral,

haviam sido bem tímidas, e, no que se referia diretamente à EJA, havia sido quase nula.

Quanto à formação pedagógica, as respostas dos questionários faziam menção à disciplina de

Didática como responsável pelo tratamento de questões relacionadas ao trabalho do professor,

como foi exposto pelos professores P5, P8 e P10. Já nas entrevistas, embora as professoras

não se recordassem de nomes de disciplinas, todas fizeram referências ao desenvolvimento de

atividades de planejamento e exposição de aulas para a própria turma. Além disso, a

professora Caroline se referiu a outras atividades de modo mais específico. Acreditamos que

isso tenha ocorrido por ter ela sido das professoras entrevistas a que havia se formado mais

recentemente, por isso se recordava melhor de mais atividades dessa natureza.

O modo como as professoras descreveram tais atividades, explicitando, por exemplo, o

sentimento despertado na apresentação da aula diante do professor e da turma, no caso da

professora Bernadete, ou da relevância explicitada pela professora Caroline em relação à

necessidade do planejamento de aula, ou ainda da ausência de espaço dado para

questionamentos na seleção dos conteúdos de cada série, revelaram a importância dada por

essas professoras a esses aspectos. Revelaram também que, embora tais atividades não

tivessem sido tão presentes quanto as professoras achavam que deveriam ter sido, não haviam

sido tão tímidas como se apresentavam nas respostas ao questionário.

Embora as professoras tenham sido bem claras ao afirmar a pouca contribuição do curso em

relação à formação pedagógica, as três pontuaram como fator agravante desse quadro o

descaso por parte dos alunos com as disciplinas de formação pedagógica em detrimento da

formação específica, como foi bem explicitado pela professora Bernadete.

[...] vamos ser sinceros que nós alunos do curso de matemática nós não levávamos a sério (...) Eu tinha uma prova de Cálculo marcada e tinha uma prova de Sociologia, para qual que eu ia estudar?! Para de Cálculo. Você sabe que todos nós estudávamos para de Cálculo, dava uma lida em Sociologia e fazia com o que entendeu, ou lembrava do que o professor falou e era assim que a gente fazia. Entre os fatores que justificavam tal descaso, as professoras apontaram:

– a pesada carga de estudos nas disciplinas de formação específica que levava os alunos a se

dedicarem quase que totalmente a elas, deixando assim as outras “meio que de lado”, como

elucidado na fala anterior da professora Bernadete e, na seguinte, da professora Caroline.

[...] Hoje eu acho que se eu fizesse o curso, eu me preocuparia com isso. Daria um pouco mais de atenção. Na época eu não [trecho não compreendido da gravação] mas você pega

166

aquele monte de disciplinas, aí tem período que você pega Álgebra dois correndo o risco de pegar uma dependência, junto com Psicologia (...) Então aí hoje eu acho que eu daria uma atenção maior. A gente vê que faz falta! – o desinteresse mesmo por parte dos alunos que não viam essa formação como importante,

porque não pretendiam ser professores, como evidenciamos na análise da entrevista da

Bernadete; ou ainda como ressaltou a professora Bernadete, porque, mesmo pretendendo ser

professores, não viam essa formação como tão importante quanto à formação matemática.

De certa forma, acreditamos que isso tenha sido um reflexo da própria estrutura do curso.

Como foi explicitado pelo seu coordenador e realçado numa resposta do professor P10,

quando disse que o curso estava mais voltado para um mestrado, embora fosse um curso de

licenciatura, havia uma preocupação com a formação daquele aluno que tinha interesse em

seguir seus estudos em programas de pós-graduação em matemática, ou seja, havia uma

preocupação com a formação do especialista, que diríamos talvez fosse uma marca da

tendência Formalista Moderna, explicitada por Fiorentini (1995).

Além disso, a nosso ver, esse descaso pode ter sido um motivo pelo qual os professores, de

modo especial as professoras entrevistadas com as quais pudemos aprofundar na investigação,

não se recordassem muito bem de disciplinas ou atividades desenvolvidas quanto à formação

pedagógica. Isso pode ser interpretado, como fizemos na seção 7.2.2, à luz dos estudos sobre

os processos perceptivos.

É importante considerar que, segundo as professoras, o reconhecimento da necessidade dessa

formação só veio com o passar do tempo, por meio dos enfrentamentos vividos no trabalho da

sala aula e da reflexão sobre essa prática.

Eu sinceramente acho que o curso não prepara para ser professor. Eu acho que prepara para Matemática só. A gente aprende muita Matemática, agora para sala de aula (...) Eu acho que não prepara bem [...] Eu só acho isso hoje. Antes quando eu estudava lá eu não achava. Hoje eu acho. Até porque eu apanhei um pouco quando saí de lá, até aqui nessa escola eu cheguei a ter problema, porque eu era professora meio inflexível, eu acho que eu era dura demais para trabalhar com jovens e adultos. Eu tive que mudar (Professora Natália) Se, por um lado, isso evidencia que a constituição do professor se dá por um processo difícil,

longo e inacabado (FREIRE, 2008), por outro, aponta a importância de, na formação inicial, a

realidade escolar existente (PONTE, 2002) – da qual faz parte a EJA –, e o trabalho do

professor de matemática dentro e fora da sala de aula serem tomados como ponto de “partida

e de chegada do processo formativo” (OLIVEIRA, E. C., 2004). Os professores reconhecem

167

essa necessidade e deram inclusive (na resposta à sexta questão do questionário) importantes

sugestões de implantações para o Curso nesse sentido.

No que diz respeito à formação matemática, ela foi destacada por sua importância no

“domínio (conhecimento aprofundado) dos conteúdos a serem ensinados” (P1, P3), de seus

fundamentos, que compreendemos ser o responsável pela segurança e autonomia explicitadas

pelo professor (P4) que o permitia fazer “as adequações às necessidades dos alunos; na

construção do raciocínio lógico” (P3).

De modo mais específico, as três professoras deram ênfase a essa forte formação matemática

que lhes permitia tratar dos conteúdos escolares com muita propriedade, conhecer o que

“estava por trás” desses conteúdos e ver que podiam, e deviam, explicitar isso aos alunos,

fazendo-os compreender os “porquês” nas construções matemáticas e não simplesmente

justificar que determinado procedimento realizado numa construção era feita daquela forma

porque era uma regra e pronto, como explicitaram as professoras Caroline e Bernadete,

fazendo referências ao trabalho de suas professoras de matemática na escola básica. Aquela

formação ainda lhes possibilitava conhecer muito além daquilo que haviam de ensinar. Era o

“canhão para matar barata” da professora Bernadete.

[...] Eu comecei desde o primeiro período a aprender a dar nomes às coisas, a entender as definições, a explicar bem a resolução do exercício, a comentar, saber por que eu estou fazendo aquilo. Então eu acho que, de tudo que eu aprendi lá, eu não uso aqui, de maneira específica aqui, mas eu acho que abriu bastante a minha mente. (Professora Natália)

Tanto nos questionários quanto nas entrevistas, em nenhum momento a relevância dessa

formação foi descreditada ou questionada. Nem mesmo quando os professores, no

questionário, expuseram suas sugestões em relação ao curso, houve alguma que se

direcionasse a esse aspecto do curso. Na entrevista , quando Natália nos falava sobre o que

achava em relação a essa formação, nós a questionamos se ela achava que essa formação

matemática havia sido pesada demais, ao que ela nos respondeu:

Não, isso aí não! Eu acho que tem que ser! Entrou num curso de Matemática é para aprender matemática. Não é para aprender mais ou menos, é para aprender mesmo. E esse aspecto eu acho legal. Eu acho que faltou o lado de trabalhar o professor, não o matemático. Porque ali o curso é para professor de Matemática, então eu acho que faltou esse lado.

Entretanto, um aspecto havia de ser observado com mais atenção: a relação entre a

matemática aprendida no curso e a ensinada na escola. Nas próprias citações acima, a

professora, de certa forma, acenou para esse aspecto quando disse: “Então eu acho que, de

168

tudo que eu aprendi lá, eu não uso aqui, de maneira específica aqui”, “Eu acho que faltou o

lado de trabalhar o professor, não o matemático”. Também como já explicitamos nas

respostas aos questionários, as professoras P7 e P5 disseram:

O que vemos na faculdade é longe do conteúdo da EJA (P7).

[...] tampouco utilizo na sala de aula a maioria dos conteúdos que aprendi. A realidade é outra, no EJA ensino o básico [...] (P5).

As conversas proporcionadas pelas observações das aulas das professoras, como já

explicitamos nas análises individuais da entrevistas, de modo especial da Caroline e da

Bernadete, permitiram-nos observar que, embora elas vissem a sólida formação matemática

oferecida no curso como muito importante e necessária para seu trabalho com o ensino da

Matemática, elas reconheciam que não era suficiente, ou seja, elas percebiam que saber

matemática para ser professor não era a mesma coisa que saber matemática para ser um

matemático (SHULMAN apud FIORENTINI, 2004). No curso “faltou o lado de trabalhar o

professor”, porque, como disse a professora Caroline, não havia muita preocupação com o

ensino da Matemática para a educação básica.

Um último aspecto a considerar no que diz respeito às contribuições da formação inicial para

a atuação dos professores é o da formação incidental (FIORENTINI, 2004), que pudemos

explorar com as três professoras. Todas elas citaram, em suas falas, exemplos de professores

cujas práticas influenciaram seus modos de serem professoras, assim como ocorreu na

situação vivenciada pela professora Natália por causa de sua gravidez e da consequente

postura de seus professores diante da situação. A professora identificou como uma atitude

negativa aquela dos professores que não tiveram muita compreensão de sua situação, dando,

segundo ela, um “mau exemplo” para sua prática profissional, especialmente na EJA; ou com

a professora Bernadete, referindo-se ao professor Número Um com quem aprendeu a tomar o

“cuidado de explicar os porquês aos alunos”; ou ainda com o caso da crítica da professora

Caroline ao citar a prática de sua professora de matemática do ensino fundamental (que não

era formada), que não dava espaço para os alunos questionarem.

Além disso, ao descreverem como eram suas aulas, os “rituais” das aulas, os procedimentos

metodológicos utilizados, entre outros, que depois tivemos a oportunidade de ver com uma

maior riqueza de detalhes no período de observação, ainda que esses se apresentassem

169

ressignificados por causa das características e objetivos da realidade educacional a que

pertenciam, a EJA, elas evidenciaram as marcas “herdadas” de seus formadores que fazem

parte de seus modos de ver e fazer a matemática e seu ensino (FIORENTINI, 2004), de modo

particular na EJA.

Condições de trabalho dos professores

Na análise das considerações dos professores a respeito da formação inicial, os professores

apontaram a ausência de tratamento específico em relação à educação de jovens e adultos, na

verdade, nem sequer se lembravam de ter ouvido alguma coisa sobre isso. Apenas o professor

P10 fez referência, comentários feitos em algumas disciplinas, mas, conforme ele mesmo

disse, de modo muito superficial58. Isso denuncia o silenciamento dessa formação em relação

à educação de jovens e adultos. Dessa forma, os professores só vieram tomar conhecimento

dessa realidade educacional com a sua inserção no trabalho com a EJA.

Mas, mesmo daí em diante, a situação parece não ter mudado muito. As professoras

entrevistadas registraram também um quase total silenciamento por parte das escolas, da

Secretaria de Educação e da Superintendência Regional de Educação do município a respeito

de orientações para o trabalho com a EJA.

Elas criticaram a falta de um programa de ensino específico para a EJA o qual pudesse

orientar, pelo menos, os conteúdos a serem ensinados em cada período/etapa. Além disso,

nenhum tipo de trabalho pedagógico era feito nas escolas, fosse nos planejamentos individuais

de cada professor, fosse nos coletivos, que pudessem dar orientações para o trabalho em sala

aula, visto que tudo aquilo que faziam era por conta própria. Como disse a professora

Caroline, o professor é “jogado” à sala de aula e ele é quem decide o que e como trabalhar de

acordo com o que acha que é conveniente para os alunos.

Apenas a professora Bernadete fez referência a alguns poucos encontros com outros

professores de matemática da EJA, propostos por eles à Secretaria de Educação, que então

tratou de promovê-los, mas depois disso, segundo ela, nada mais havia sido feito, e “os

58 Acreditamos que o fato do professor P10 ter sido o único a fazer referência a alguma abordagem em relação à EJA no curso se deva por ter sido ele o professor, entre os dez pesquisados, que havia se formado por último, em 2007, e por isso se lembrasse melhor daquilo que havia estudado. Por outro lado, pode ser também que essa atenção, ainda que superficial, já fosse alguma influência das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena.

170

professores continuavam sozinhos”. Dada a realidade em que trabalham, as dificuldades que

enfrentam, os poucos recursos que lhes são disponibilizados para realizarem seu trabalho, elas

reconhecem a necessidade de ser dada uma maior atenção à EJA, pois, como disse a

professora Caroline, “[...] a gente sabe que a realidade dos adolescentes é diferente da

realidade dos adultos”. Embora reconheçam essa diferença porque a vivenciam diariamente,

não sabem lidar direito com ela e por isso reivindicam essa “atenção”.

O que as professoras trazem reflete no quadro histórico de precariedade das condições de

trabalho que vivenciam os professores da educação de jovens e adultos. Essa precariedade os

leva, na maioria das vezes, por não saberem como fazer diferente, a fazer dessa educação uma

“adaptação” (VIEIRA PINTO, 1982) daquela que vivenciam no ensino “regular”. Uma

solução que, às vezes, entra em conflito com as próprias expectativas em relação a essa

educação por causa do reconhecimento da diferença e que, de certa forma, as coloca numa

posição de vítima (HARGREAVES apud FREITAS et al, 2005) do sistema educacional.

Essa negligência em relação à EJA também ficou evidenciada no campo da formação

continuada de professores. Como explicitamos na seção 6.2, apenas dois únicos cursos

específicos para a educação de jovens e adultos haviam sido ministrados no município pelos

sistemas de educação nos últimos anos: um, em 2006, por iniciativa da Secretaria de

Educação municipal e outro, em 2005, pela Superintendência Regional de Educação. Mas, nas

entrevistas, apenas se referiram àquele que havia sido ministrado por iniciativa da Secretaria

de Educação.

Apesar de as professoras terem feito uma boa avaliação sobre ele, o que elas disseram sobre

os “frutos colhidos” – a pouca mudança ocorrida a partir dele – confirma as críticas aos cursos

de curta duração feita de maneira intensiva e rápida, que não promovem uma articulação entre

os aspectos teóricos e os problemas concretos da realidade educacional (BRZEZINSKI;

GARRIDO, 2002). Esse tipo de formação vai em direção oposta ao que Freire (2001, p. 37)

propõe para a formação de professores: A melhora da qualidade da educação implica a formação permanente dos educadores. E a formação permanente se funda na prática de analisar a prática. É pensando sua prática, na presença de pessoal altamente qualificado, que possível perceber embutida na prática uma teoria não percebida ainda, pouco percebida ou já percebida, mas pouco assumida.

171

Em face do que pudemos perceber, os cursos de formação continuada representam para as

professoras um lugar/espaço onde elas buscam aprender aquilo que não aprenderam na

formação inicial relativamente a metodologias de ensino, construção de recursos didáticos,

entre outras, para o trabalho diário de sala e o tratamento dos conteúdos. Diante disso, quando

os descrevem, eles apresentam um caráter mais utilitário, “mais prático”, como disse a

professora Natália. No entanto, quando falam da ausência de um programa que pudesse

orientar o trabalho do professor, a professora Caroline reforça:

[...] tinha que ter um currículo melhor para o EJA, ter um programa melhor para o professor saber trabalhar melhor com esse tipo de aluno.

Acenam para a necessidade de uma formação de caráter não tão prático, mas que também

cumpriria um papel de suprir algumas carências que poderiam ter sido tratadas na formação

inicial.

Atuação dos professores

Percebemos, fundamentados na análise dos dados coletados, de modo mais explícito nas

entrevistas e observações, uma atribuição aos alunos de parte dos percalços do processo de

ensino e aprendizagem da Matemática. Estes são expressos pela falta de base dos alunos, por

suas dificuldades de aprender e realizar atividades mais aprofundadas, pela falta de tempo que

eles têm para os estudos extraescolares, consequência do trabalho, entre outras. Por

conseguinte, o processo de ensino e aprendizagem, que percebemos ser bastante centrado nos

conteúdos de ensino (FONSECA, 1999), acabava sendo mais “superficial”. Superficial no

sentido de não aprofundamento de certos conteúdos e de total exclusão de outros (“os

conteúdos abstratos”).

Entretanto, no caso das professoras Caroline e Bernadete, apesar de chamarem a atenção em

vários momentos das entrevistas e também nas observações para as dificuldades dos alunos,

elas conferem a si próprias limitações desse processo ao admitirem as dificuldades

encontradas ao ensinar tais conteúdos na EJA. Também a professora Natália deixou isso

implícito quando nos falou sobre a necessidade de abordar, nos cursos de formação

continuada, os conteúdos de ensino que os alunos apresentam maiores dificuldades de

aprender.

172

Há duas considerações a fazer sobre o exposto, que, a nosso ver, convergem para a mesma

direção: a formação dos professores. A primeira, sobre a abordagem superficial dada aos

conteúdos.

Acreditamos que, por não terem conhecido (no sentido de estudar, refletir sobre) a EJA, seja

na formação inicial, seja nos cursos de formação continuada, os professores acabam fazendo

do ensino da matemática na EJA uma adequação (VIEIRA PINTO, 1982) daquele realizado

no ensino “regular”. Conforme eles mesmos disseram, mal chegaram a estudar esse último na

formação inicial.

Suas práticas se pautam em experiências desenvolvidas com os alunos do ensino “regular”e,

apesar de algumas adaptações, os conteúdos, as atividades, os métodos são quase os mesmos.

Quando essas experiências desenvolvidas na EJA acabam não sendo bem sucedidas, as

limitações muitas vezes são direcionadas aos alunos, como dissemos. Acreditamos que isso

ocorra porque, mesmo reconhecendo as especificidades desses alunos, os professores parecem

não saber lidar com elas na prática, no desenvolvimento do seu trabalho. Por isso acabam

fazendo uma abordagem da matemática na EJA de modo mais superficial, menos aprofundada

do que aquela realizada no ensino “regular”; assim, a “busca do essencial” acaba tendo, como

alertava Fonseca (1999, p. 36), “a conotação de mera exclusão de alguns conteúdos mais

sofisticados, dando a sensação de que os alunos jovens e adultos receberiam menos do que os

alunos do ensino regular”.

Devemos destacar que não concordamos com a ideia de que os alunos da EJA não consigam

aprender determinados conteúdos “mais sofisticados” ou “abstratos” e que, por isso, devam

“receber menos”, embora já tenhamos acreditado nisso em algum momento de nossa vida

profissional. Entretanto, ainda não sabemos lidar com o ensino desses conteúdos na EJA,

talvez não saibamos nem lidar muito bem com seu ensino na educação “regular”. Resta-nos,

então, o desafio de buscar novos caminhos de fazer que nossos alunos aprendam também

esses conteúdos para que não continuemos a negar-lhes esse conhecimento.

A segunda consideração trata das limitações conferidas pelas professoras a si próprias. Ao

identificarem suas dificuldades com o ensino de determinados conteúdos na EJA, as

professoras, mesmo considerando a importância da sólida formação matemática que tiveram

em sua formação inicial, reconhecem a falta de uma preocupação no curso de formação inicial

173

com os conhecimentos matemáticos, visando ao processo de ensino e aprendizagem na

educação básica, de modo especial na EJA.

O que elas disseram sobre suas limitações revelava que sua formação inicial havia se

preocupado muito mais em formar um profissional que tivesse domínio operacional e

procedimental da matemática, que conseguisse aprender qualquer conteúdo escolar, do que

um profissional que soubesse mais sobre os conteúdos escolares – seus conceitos,

significados, finalidades – e como explorá-los de múltiplas formas (FIORENTINI; CASTRO,

2003).

Além disso, a fala da professora Caroline

[...] eles [os alunos] calculam algumas coisas que você fala “Meu Deus será que de onde eles tiraram essa regra?!!” e você não sabe de onde. E coisas que eles fazem são muito mais simples que as nossas, e eu falo “Eu nunca vi”, e eles me ensinam. Na calculadora eles me ensinam usar algumas coisas que eu nunca vi. Calcular diâmetro de alguma coisa Teve um aluno que me mostrou como ele calculava o raio do cilindro lá! Então são coisas que eles percebem que eles fazem no dia a dia, que a gente sabe como é que é, mas na nossa realidade e a deles é outra.

Advertia-nos também quanto a uma desconsideração dessa formação em contemplar o

conhecimento matemático de tal modo que, parafraseando Fonseca (2002, p. 57), pudesse

despertar no futuro professor a “sensibilidade”, que lhe permitiria reconhecer a Matemática

conhecida e utilizada pelos seus alunos, embora ela não se apresentasse em seu formato

escolarizado, e a “presença de espírito”, que o proveria de estratégias para considerá-la,

integrando-a na negociação de significados e intenções forjadas na situação de ensino-

aprendizagem para (res)significá-la.

Voltando ao trabalho das professoras, identificamos uma busca constante de associação dos

conteúdos escolares às “coisas do dia-a-dia”, “ao trabalho”, “à realidade do aluno”, porque

elas dizem que isso ajuda na aprendizagem dos alunos da EJA. Essa condição de associação

dos conteúdos escolares ao cotidiano do aluno chegava inclusive a ser usada como critério de

seleção dos conteúdos a serem trabalhados. Isso alheado à abordagem superficial dada aos

conteúdos parece acenar para o que Fiorentini (1995, p. 27) diz a respeito da tendência

pedagógica socioetnocultural: [...] suas idéias vêm influenciando – geralmente de modo enviesado - alguns professores a se restringirem à matemática prática, empírica e intuitiva. Alguns chegam a exacerbar e a romantizar o saber popular, de tal maneira, que passam a

174

negar os conhecimentos mais sistematizados e elaborados historicamente por outros grupos culturais.

Não é nossa intenção questionar se a prática das professoras era ou não adequada, se estava ou

não correta, porque nem mesmo temos esse direito; mas destacar que as professoras faziam

seu trabalho como podiam, com os recursos de que elas dispunham. Quando dizemos recursos

não nos referimos apenas aos recursos materiais, mas também ao conhecimento necessário

para o trabalho com o ensino da Matemática na EJA. Tal conhecimento deveria, pelo menos

em parte, ter sido construído em sua formação profissional.

Se elas chegavam a excluir determinado “conteúdo abstrato” ou “não aprofundá-lo muito”,

acreditamos que não o faziam apenas porque os alunos “não conseguiam aprender”, mas

também porque percebiam – depois de muito insistirem, como nos disse a professora

Bernadete – que com os recursos de que dispunham não prosseguiriam.

Dizemos isso porque percebemos que, se, por um lado, suas práticas pareciam tender “a dar

menos para EJA”, podendo indicar talvez certo descaso ou falta de comprometimento das

professoras com esta última, por outro, a busca: i) por meios que pudessem fazer os alunos

aprenderem melhor – fosse pela associação dos conteúdos ao cotidiano, fosse pela

“realização de atividades mais práticas ou lúdicas”, fosse pelo “mecanicismo”; ii) pela

compreensão dos conhecimentos usados pelos alunos nas atividades, exercícios e das formas

de representação desses conhecimentos, essa compreensão supõe uma “atitude de escuta

atenta e generosa” do aluno jovem ou adulto (FONSECA, 2002); iii) pela motivação dos

alunos que apresentavam uma baixa autoestima (VEJA; BUENO; BUS, 2004) que poderia

implicar uma segunda evasão da escola; representava uma grande preocupação dessas

professoras com a aprendizagem desses alunos e com essa segunda investida deles numa

experiência escolar.

Essa preocupação foi explicitada em muitas de suas falas, tanto nas entrevistas quanto em

nossas conversas no período de observação. É a preocupação de quem, pensando sobre sua

própria prática e sobre a prática de outros (colegas de profissão ou ex-professores), nos

desafios nela enfrentados, nos seus erros e acertos, procurava constituir-se professora de

matemática da EJA, tal como nos disseram:

Como eu cheguei nesse ponto?! Foi como eu te falei trabalhando, acertando e errando. Você faz uma coisa não funciona, o aluno reclama (...) Precisei da experiência para chegar aqui, a minha, a de um colega que conversou comigo porque ele fez assim, fez assado [...] Não

175

cheguei pronta em lugar nenhum e não vamos ficar prontas nunca. Quando você já tem um tempo igual eu tenho três anos de EJA, e nessa mesma escola, mesmo que você está numa turma diferente, mas baseado nas experiências passadas você erra menos eu acho. Mas (...) só com a experiência mesmo (Professora Bernadete). Depois a gente vai aprendendo mesmo. Ás vezes você pensa: “Hoje eu posso fazer isso aqui”, chega lá você não consegue aí você tem que mudar seu planejamento. Aí você vai aprendendo. É na prática mesmo, ali quebrando a cabeça (Professora Caroline). Eu acho que foi construído na sala de aula. Um pouco apanhando porque eu comecei cedo. Eu acho que hoje eu sou bem diferente de quando eu entrei na sala de aula a primeira vez. Eu entrei na sala de aula com 17 anos, muito nova, mas meio que me achando, vamos dizer assim (risos). Hoje eu estou com a bola mais baixa. Eu acho que a sala de aula, os próprios alunos que foram me direcionando. Eu custei um pouco para aprender, eu não era flexível, enfim. Eu acho que eu cometi vários erros, ainda cometo, é lógico, ainda tenho muito que melhorar, mas eu acho que a própria sala de aula e prática que foi fazendo com que eu mudasse. A realidade dos alunos, o dia a dia mesmo. Eu vi que do jeito que estava não ia, que não estava funcionando, tinha alguma coisa errada e aí eu fui me adaptando, ao convívio (...) é isso aí, foi no dia a dia (Professora Natália).

Porque, como afirmam Fiorentini e Castro (2003, p. 128), [...] quando estamos imersos numa prática social, em especial a sala de aula, nossas reflexões e significações sobre o que sabemos, fazemos e dizemos podem constituir-se em algo formativo para cada um de nós. É nesse processo de produção de significados e de ressignificação de saberes e ações que nos constituímos professores; ou seja, aprendemos a ser professor e professora no trabalho.

176

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa realizada por nós, a qual, destas considerações finais em diante, assume sua fase

“conclusiva”, está inserida no campo da formação profissional de professores. Essa formação

é concebida por nossos referenciais teóricos, especialmente por Freire (1979, 2001, 2008), e

assumida por nós como um processo permanente, que se inicia desde logo com nossas

experiências, enquanto éramos alunos ainda crianças, e se estende ao longo de toda nossa

vida, de modo especial, nossa vida profissional.

Entretanto, ao desenvolver este estudo, por causa das próprias limitações que um trabalho

deste tipo impõe, objetivamos analisar a integração entre formação inicial e continuada de

professores de matemática, seu engajamento e atuação profissional na EJA, para que

pudéssemos tentar responder à seguinte questão de investigação: Que contribuições os

professores de matemática, egressos do curso em licenciatura de São Mateus-ES, consideram

provenientes de sua formação inicial para os enfrentamentos que vivenciam no ensino da

matemática na EJA?

Para tanto, realizamos inicialmente em 2007 e 2008 levantamentos por meio dos quais

pudemos identificar os sujeitos de nossa pesquisa (professores de matemática da EJA) e os

respectivos espaços de trabalho – nosso campo de pesquisa.

Esse levantamento mostrou que existia em São Mateus-ES, naquele período, quinze escolas

que ofertavam ensino fundamental e médio na modalidade EJA. Dessas, em 2008, onze

estavam sob dependência administrativa municipal e eram responsáveis por 68% das 1996

matrículas de EJA nas séries finais do ensino fundamental. As outras quatro, sob dependência

estadual, eram responsáveis pelos outros 32% das matrículas de EJA das séries finais do

ensino fundamental e por todas as 1274 matrículas de EJA em nível médio.

Mostrou ainda uma carga excessiva de matrículas nas escolas que ofertavam EJA de nível

médio. Além disso, dada a localização dessas escolas que ofertavam EJA de nível médio –

todas na zona urbana –, ficou evidenciada a ausência de oferta de EJA em nível médio na

zona rural desse município. Apesar dessa ausência, sabemos que existe uma demanda

considerável por educação de jovens e adultos de nível médio, pelo menos em algumas

localidades da zona rural deste município. Embora não tenhamos dados palpáveis que

177

comprovem esse fato, nossos cinco anos de experiência profissional em docência em escola

da zona rural desse município (no ensino noturno) nos permitem fazer tal afirmação. Além

disso, durante o período de observação das aulas da professora Coroline (que trabalhava numa

escola que ofertava EJA de nível médio), identificamos alunos que se deslocavam da zona

rural para estudar nessa escola. Isso ajuda a confirmar o que dissemos.

Esse levantamento mostrou também que, em 2008:

havia 28 professores de matemática que atuavam em turmas de EJA de nível

fundamental e médio, dos quais 15 eram egressos do curso de Licenciatura em

Matemática de São Mateus-ES;

dos 28 professores 18 responderam ao questionário, sendo dez egressos do curso em

questão e, entre os demais, cinco haviam-se graduado em outros cursos e possuíam

licenciatura em Matemática por programas especiais de formação;

em média, os professores egressos que responderam ao questionário trabalhavam na

EJA havia dois anos e meio; a média de tempo de serviço no outro grupo de

professores chegava a cinco anos;

dos egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES:

o apenas um deles (P10), recém-formado, estava cursando pós-graduação lato

sensu, todos os demais já possuíam tal formação;

o quatro atuavam com EJA de nível médio e os outros seis com EJA de nível

fundamental;

o todos estavam trabalhando, ou já haviam trabalhado, com educação “regular”;

o dois professores (P3 e P9) haviam participado de um dos dois únicos cursos de

formação continuada que identificamos terem sido realizados no município nos

últimos anos (a partir do ano de 2000).

A análise das respostas dos professores ao questionário revelou que as dificuldades

enfrentadas no seu trabalho com o ensino da Matemática na EJA estavam, por um lado,

relacionadas, de todo, às dificuldades existentes na EJA. Como exemplo, as advindas das

próprias características dessa modalidade de ensino, como as faltas dos alunos, a falta de

tempo deles para estudos extraescolares, o horário de início das aulas e a diferenciação etária

existente; por outro, estavam relacionadas às dificuldades atribuídas aos alunos e suas

178

consequências para o processo de ensino na EJA, como a falta de base dos alunos, seu ritmo

lento de aprendizagem e o pouco aprofundamento dos conteúdos.

As dificuldades apontadas pelos professores pareceram estar sempre, de um modo ou de

outro, relacionadas às dificuldades atribuídas por eles aos alunos. Esse modo de percebê-los

vai ao encontro do que diz Arroyo (2007), quando afirma que os sujeitos educandos da EJA

continuam sendo vistos por suas “carências escolares”.

Nenhum professor atribuiu a si próprio, explicitamente, dificuldades no trabalho com EJA,

mas percebemos, implicitamente registrados em algumas declarações, indícios de certo

“despreparo” para a realização do trabalho na EJA.

É o primeiro ano que trabalho com a EJA e confesso que na primeira semana pensei em desistir (P2).

[Referindo-se ao curso] Não contribuiu com o lidar com o aluno, estratégias para a sala de aula. Não discutimos o que era ou não prioridade para o aluno, ou como lidar com o aluno adulto que volta para escola não com objetivo de adquirir conhecimentos específicos de conteúdo, mas para concluir o ensino fundamental ou médio, com o objetivo de conseguir um novo emprego ou se manter no emprego que já tem (P3, Grifo nosso). A formação matemática – dos conhecimentos matemáticos, do domínio dos conteúdos

matemáticos e formação teórica – foi apontada pelos professores, tanto nos questionários

quanto nas entrevistas, como principal contribuição do curso de Licenciatura em Matemática

de São Mateus-ES para sua formação profissional. Contribuição fundamental para seu

trabalho de professor de matemática nos enfrentamentos vivenciados por eles em seu trabalho

com a EJA. Entretanto, um aspecto novo referente à didática de ensino emergiu das

entrevistas e das observações, de modo especial das professoras Caroline e Bernadete.

Apesar de a formação matemática ter sido considerada como fundamental para o trabalho do

professor de matemática, responsável pela segurança e autonomia do professor como escreveu

o professor P4 (seção 7.1, p. 112), ela parece ter deixado a desejar num aspecto: o do ensino

para a educação básica. Isso porque, como nos disse a professora Caroline, não havia muita

preocupação no curso com o ensino da Matemática na educação básica. O que foi reforçado

pelo que escreveu o professor P10: “o curso era mais voltado para um mestrado do que para

a licenciatura” (Grifo nosso). Dessa forma, esses professores percebiam que saber

179

matemática para ser professor não era a mesma coisa que saber matemática para ser um

matemático (SHULMAN apud FIORENTINI, 2004).

A dificuldade que expressaram as professoras Caroline e Bernadete, ao terem de ensinar

determinados conteúdos na EJA, que pareciam tão simples de compreender, evidenciava que

o curso não se havia preocupado muito com a dimensão epistemológica, no que diz respeito à

mediação do professor para o ensino da Matemática. Segundo Fiorentini e Miorim (apud

FIORENTINI; CASTRO, 2003), a dimensão semântica ou conceitual se refere à produção

dos múltiplos significados, relações e conceitos das ideias e representações simbólicas da

matemática, tão necessária ao seu ensino e aprendizagem, de modo especial na EJA.

Assim, se, por um lado, foi unânime a consideração pelos professores da relevância da

formação matemática para seu trabalho como professores de matemática, por outro o foi

também em relação a pouca atenção dada no curso à dimensão didático-pedagógica da

formação desse profissional, principalmente se tratando do profissional da EJA.

Nesse ponto, devemos fazer algumas considerações. Precisamos esclarecer que, embora seja

difícil não se referir à dicotomia “disciplinas responsáveis pela formação matemática” e

“disciplinas responsáveis pela formação pedagógica”, compreendemos que essa pouca

atenção dada no curso à dimensão didático-pedagógica da formação do professor de

Matemática da EJA seja de responsabilidade de todas as disciplinas que compõem o curso, já

que estão inseridas num curso de formação de professores, e não somente de um grupo de

disciplinas. Vemos esse “descaso” como uma consequência também da própria formação dos

professores formadores. Mas, se, por um lado, essa formação em Matemática Pura ou

Aplicada da maioria dos professores formadores que atuavam com nas disciplinas

matemáticas (como constatamos em levantamento realizado) não os levava a contemplar

discussões sobre questões relativas à educação matemática no âmbito do ensino e

aprendizagem, por outro, a formação dos outros professores formadores, das disciplinas “não-

matemáticas” que compunham o curso, também não os levava a contemplar discussões sobre

matemática ou educação matemática.

Identificamos que parece ter havido, durante o período do curso que analisamos – dos

egressos das primeiras turmas aos egressos da última turma – quase nenhum movimento no

sentido de uma maior atenção dada a essa dimensão epistemológica relativa ao ensino e

180

aprendizagem na formação desses professores no curso, como mostram as respostas da

professora P3, que terminou o curso em 1995, e do professor P10, que o concluiu em 2007.

No período em que cursei graduação (1992-1995) [...] havia uma preocupação muito grande em passar os conteúdos do programa. Não havia se formado uma discussão a respeito do aluno. Pouco eram os colegas que já atuavam em sala de aula. Não estou duvidando da qualidade do curso. Pelo contrário, em termos de conteúdo, foi muito bom. Apenas não foram fomentadas discussões sobre o aluno e em especial sobre alunos da EJA (P3, grifo nosso). O curso é mais voltado para um mestrado do que licenciatura e o EJA necessita de uma atenção diferenciada e o curso não oferece esse item. Algumas matérias didáticas que comentam sobre o assunto, muito superficial para uma coisa tão complexa (P10, grifo nosso). Apesar de ainda precário, possivelmente esse sutil movimento seja reflexo da própria

“evolução” que vem ocorrendo relativamente tanto à legislação sobre a formação de

professores para educação básica em cursos de graduação, quanto às mudanças ocorridas no

campo da EJA, inclusive no âmbito da legislação concernente.

Outro aspecto a ser ressaltado refere-se à influência das práticas dos professores formadores

na formação dos alunos deste curso. No caso das professoras entrevistadas, embora tenham

feito referências às práticas de seus professores formadores, como podemos relembrar, de

modo especial, o caso ocorrido com a professora Natália, elas pareciam não ver essa

“formação incidental” (FIORENTINI, 2004) como uma contribuição desse curso para sua

formação.

Uma última consideração a ser feita, no que tange à dimensão pedagógica da formação dos

professores egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES, relaciona-se

à percepção dessa dimensão pelos professores quando estavam cursando a graduação e à sua

percepção atual relativamente a essa formação. Como vimos pelas entrevistas das três

professoras, essa dimensão da formação não era vista como tão necessária, a ponto de haver

um “descaso” pelos alunos com essa dimensão em sua formação.

Fundamentadas no que apresentamos sobre a percepção humana (seção 4.3) – de modo

particular sobre as influências das expectativas e necessidades do indivíduo sobre o objeto de

percepção, seja ele um acontecimento, uma pessoa (BRUNER; POSTMAN, 1947; BRUNER,

1997) –, somos levadas a acreditar que esse “descaso” poderia funcionar como uma espécie

181

de barreira aos licenciados que os impedia de dar uma maior atenção a essa dimensão, ou

mesmo de perceber aquilo que poderia trabalhar nas disciplinas em relação a esse aspecto.

O fato de os professores, atualmente, perceberem essa formação como tão necessária para os

enfrentamentos que vivenciam em seu trabalho como professores de matemática na EJA,

evidencia o caráter “mutante” do objeto de percepção. Aquilo que outrora era percebido como

quase irrelevante, passa a ser percebido como totalmente relevante, importando saber articular

os conhecimentos pedagógicos aos conhecimentos matemáticos. Isso por causa da influência

das novas experiências propiciadas pela prática profissional, das necessidades que emergem

dessas novas experiências. Daí a importância de considerar a prática como elemento

fundamental na formação profissional do professor (FREIRE, 2008).

Se, por um lado, o quase total silenciamento no curso no tocante à Educação de Jovens e

Adultos é reflexo do próprio histórico de descaso dessa, hoje modalidade de ensino, por outro,

é reflexo do afastamento entre a universidade – instituição por excelência promotora da

formação de professores – e as instituições de educação básica. Além disso, destacamos que a

própria estrutura do curso (a pouca comunicação entre os diversos centros e departamentos

que ofertam as disciplinas) tem dificultado o desenvolvimento mais integral dele. Isso, aliado

à questão da formação dos formadores (explicitada anteriormente), fez que esse quadro

continuasse grave.

No mais, como alerta Di Pierro (2005), o pouco envolvimento das instituições de ensino

superior com o campo da EJA dificulta a instituição e consolidação de espaços de formação

de professores mais voltada para essa modalidade, seja inicial, seja continuada. Como

percebemos dentro de nossa universidade, o trabalho desenvolvido pelo Núcleo de Educação

de Jovens e Adultos (NEJA), embora seja de grande relevância para a formação de

professores no estado, é ainda insipiente devido ao alcance que tem, ao pequeno número de

pessoas envolvidas nesse processo e aos recursos para ele disponibilizados. Isso explica, em

parte, a carência de cursos de formação continuada para professores da EJA, como registrada

em nosso município de São Mateus, que se encontra afastado, a 220 quilômetros, do núcleo

localizado em Vitória.

182

Mas ainda devemos acrescentar que não bastam os cursos de formação, sejam de curta, sejam

de longa duração. É necessário que exista uma política de acompanhamento posterior aos

cursos, para acompanhar de perto os resultados e intervir quando for o caso. Do contrário,

esse tipo de formação não provocará nenhuma mudança efetiva.

Apesar de todas as dificuldades enfrentadas pelos sujeitos pesquisados, das carências por eles

atualmente identificadas em sua formação inicial, da quase ausência de cursos de formação

continuada específicos para a Educação de Jovens e Adultos, da falta de recursos para o

desenvolvimento de seu trabalho, eles buscam (res)significar os saberes relativos à sua

profissão no “noite-a-noite” de seu trabalho com seus alunos jovens e adultos, na reflexão de

sua prática e da prática de outros – seus colegas de profissão, ex-professores, entre outros –,

fazendo assim de sua formação profissional um processo permanente (FREIRE, 2001;

FIORENTINI; CASTRO, 2003).

Temos consciência de que nossas limitações de pesquisadora iniciante, a experiência

profissional de apenas três anos com a Educação de Jovens e Adultos e, até mesmo, o tempo

estabelecido para o desenvolvimento de uma pesquisa como esta, entre outros fatores,

influenciaram este trabalho. Embora essa pesquisa possa trazer contribuições para o campo da

formação de professores de matemática da EJA, ainda deixa em aberto alguns aspectos

levantados durante a investigação que precisam ser mais bem estudados, como é o caso das

metodologias de ensino e aprendizagem praticadas pelos professores nessa modalidade.

Retomando nossos objetivos específicos, acreditamos ter conseguido: i) verificar o

contingente de escolas que oferecem educação para jovens e adultos no município São

Mateus-ES, bem como o contingente de alunos atendidos pelas escolas nessa modalidade de

ensino; ii) identificar o contingente de egressos do curso de Licenciatura em Matemática de

São Mateus-ES que atuam como professores de matemática na Educação de Jovens e Adultos.

Os resultados relativos a esses dois objetivos foram explicitados na seção 6.2.

Quanto ao terceiro objetivo: identificar e analisar percepções externadas de professores de

matemática da EJA (egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES)

sobre contribuições de sua formação inicial e continuada para sua prática profissional, os

resultados foram apresentados no capítulo 7, resumidamente na seção 7.3. Um aspecto que

acreditamos não ter sido muito explorado, embora estivesse especificado neste objetivo, foi o

183

da formação continuada. Apesar de constar, na primeira parte do questionário aplicado aos

professores, uma pergunta sobre cursos de formação continuada (apenas de identificação), na

segunda parte dele, não apresentamos nenhuma questão que explorasse mais esse aspecto.

Nas entrevistas, esse aspecto também não foi muito explorado, porque tínhamos uma

preocupação maior em centrar nossa atenção na formação inicial.

Como última consideração sobre o curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES,

embora não menos importante, está o nosso conhecimento de que não é possível que um curso

de formação inicial possa dar conta de formar integralmente, sem lacunas, o professor de

matemática da EJA. Mesmo porque, se considerássemos isso, estaríamos indo de encontro ao

que compreendemos como formação do professor, como processo permanente. Todavia,

concordamos com nossos sujeitos da pesquisa, professores egressos do curso de Licenciatura

em Matemática de São Mateus-ES que nesse curso deva haver uma maior preocupação com a

formação “professoral” (como disse a professora Natália) de seu licenciado, já que se trata de

um curso de formação de professores.

Assim, concordando que a prática do professor deva ser tomada como ponto de partida e

chegada de qualquer processo formativo (OLIVEIRA, E. C. de, 2004), consideramos bastante

conveniente deixar como sugestões para esse curso de formação inicial algumas daquelas

indicações apresentadas pelos sujeitos da pesquisa na última questão do questionário.

(SP1): Que levasse o aluno a conhecer a realidade da Educação de Jovens e Adultos. Que levasse o aluno para dentro da sala do EJA, durante o curso de licenciatura. (S1P3): O aluno do curso de licenciatura deveria ter conhecimento dos programas de ensino fundamental e médio da região em que estuda, bem como analisar e discutir a proposta. (S2P3): O curso poderia oportunizar aos alunos, uma maior integração com o grupo de professores atuantes no município. (S2P5): Deveria estudar mais os conteúdos do ensino médio. (S1P8): Melhor observação da universidade em relação às escolas de ensino fundamental e médio, no sentido de monitorar o processo de ensino aprendizagem. (S2P8): Mais observações e aulas práticas.

(S2P9): Também acho que os alunos de matemática são, de certa forma, alienados pois enfiam a cara nos números e não sobra tempo para ler ou debater sobre outros assuntos. Durante os meus quatro anos de curso não participei de sequer uma palestra, congresso, mesa redonda sobre educação, sala de aula, inclusão, avaliação ou EJA. Eu considero isto um absurdo e um verdadeiro entrave para a educação.

184

(S2P10): Prática de ensino voltado para EJA. (S3P10): Psicologia voltada para os jovens e adultos. Entre as sugestões propostas pelos professores, apresentamos acima aquelas que, a nosso ver,

revelam aspectos do curso que precisam ser mais bem desenvolvidos – como as disciplinas

mais voltadas para a prática do professor – ou mesmo comecem a ser desenvolvidos – como a

integração entre os futuros professores (alunos do curso) e os professores em atuação (das

redes de ensino do município). Acreditamos que essa integração seria muito produtiva porque

se constituiria num espaço de troca de teorias e práticas, que promoveria simultaneamente

formação inicial e continuada. Além disso, poderia até mesmo possibilitar o conhecimento

pelos futuros professores das realidades a serem encontradas em sua profissão, como a EJA.

Dessa forma, além do ensino, o curso poderia cumprir com as outras funções da universidade,

a pesquisa e a extensão.

No caminho percorrido para a concretização deste trabalho, pudemos experimentar como

mudam nossas percepções acerca de determinado objeto de percepção. Algumas experiências

profissionais e outras experiências de formação que tivemos antes desta nossa pesquisa –

marcadas, em alguns casos, por insucessos – direcionaram inicialmente nosso olhar (modo de

perceber) para “ver” nosso curso de formação inicial de forma negativa. Essa percepção que

tínhamos em relação ao curso (que hoje consideramos “ingênua”, no sentido de ausência de

criticidade) foi sendo modificada – por influência de novas experiências vivenciadas com os

sujeitos da pesquisa, com colegas e professores durante os estudos nas disciplinas do

mestrado. E, ao concluirmos esta pesquisa. temos uma percepção (percepções) diferente

daquela inicial. Não somente sobre aquele curso de formação, mas da formação de

professores.

Todo esse processo por nós vivenciado evidencia a influência das experiências, necessidades

e expectativas de um sujeito sobre sua percepção da realidade e, como consequência, no

desenvolvimento/formação desse sujeito. Além disso, evidencia uma característica de nós,

seres humanos, enfatizada por Freire (2008), sermos seres inacabados e conscientes desse

inacabamento, por isso em constante transformação.

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ANEXOS

ANEXO 1 – Questionário aplicado ao diretor

Caro diretor: Estamos desenvolvendo uma pesquisa que pretende identificar o contingente de egressos do Curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES que atuam como professores de matemática na Educação de Jovens Adultos neste município e analisar como esses professores percebem as contribuições de sua formação inicial para o enfrentamento das questões que vivenciam no ensino da matemática na EJA. Para tanto estamos fazendo um levantamento inicial identificando as escolas que oferecem essa modalidade de ensino e os professores que nela atuam com a disciplina de matemática. Solicitamos que responda esse questionário e nos comprometemos manter seu nome sob sigilo. O questionário preenchido poderá ser entregue pessoalmente a Gerliane Martins Cosme ou em envelope lacrado na secretaria de sua escola onde posteriormente recolheremos. Se preferir pode ser enviado a [email protected]. Atenciosamente,

Gerliane Martins Cosme (Mestranda – PPGE/UFES) Lígia Arantes Sad (Orientadora - PPGE/UFES)

Diretor Email Telefone

Escola Endereço Telefone

Há quanto tempo a escola trabalha com EJA?

Número de alunos matriculados na EJA em 2008 1º segmento 2º segmento 3º segmento

Alfa Pós 1º 2º 3º 4º B I B II B III B IV

Professores de matemática que atuam na EJA

Nome Turma(s) Nome Turma(s) Nome Turma(s)

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ANEXO 2 – Questionário aplicado aos professores

Caro professor: Estamos desenvolvendo uma pesquisa que pretende identificar o contingente de egressos do Curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES que atuam como professores de matemática na Educação de Jovens Adultos neste município e analisar como esses professores percebem as contribuições de sua formação inicial para o enfrentamento das questões que vivenciam no ensino da matemática na EJA. Para tanto estamos fazendo um levantamento inicial identificando as escolas que oferecem essa modalidade de ensino e os professores que nelas atuam com a disciplina de matemática. Solicitamos que responda esse questionário e nos comprometemos manter seu nome sob sigilo. O questionário preenchido poderá ser entregue pessoalmente a Gerliane Martins Cosme ou em envelope lacrado na secretaria de sua escola onde posteriormente recolheremos. Se preferir pode ser enviado a [email protected]. Atenciosamente,

Gerliane Martins Cosme (Mestranda – PPGE/UFES) Lígia Arantes Sad (Orientadora - PPGE/UFES)

Questionário – parte I Nome

Idade

Email

Telefone

Licenciatura em Matemática Sim ( ) Não ( ) Instituição Local Ano de início Ano de conclusão Outro(s) cursos de graduação Sim ( ) Não ( ) Qual? Pós-graduação: Sim ( ) Não ( ) Instituição Local Ano de início Ano de conclusão Formação em nível médio Ensino médio com habilitação para o magistério ( ) Outro ( ) Qual?

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Cursos extras de formação continuada Título Data Título Data Tempo de serviço como professor de matemática Educação de Jovens e Adultos Outros níveis/modalidades Escola (s) em que atua como professor de EJA Nome Turno Turmas e número de aulas por turma

Nome Turno Turmas e número de aulas por turma

Questionário – parte II (Para os professores que são egressos do curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES) Considerando sua prática docente em matemática na EJA: 1) Você sente algum tipo de dificuldade no ensino de matemática nessa modalidade de ensino? Em caso afirmativo descreva-as. 2) O quê ou como faz para tentar superá-las? 3) Em que o Curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus-ES contribuiu (contribui) para seus enfrentamentos nas aulas de Matemática na EJA? 4) Em que ele não contribuiu (contribui)? 5) Mais especificamente, as atividades (inclusive extracurriculares) e disciplinas, durante a licenciatura, contribuíram para a sua prática profissional na EJA? Caso tenham contribuído, quais foram elas e em que sentido elas contribuíram? 6) Tendo em vista sua experiência profissional, que sugestões você daria para serem incorporadas a esse curso de licenciatura?

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ANEXO 3 – Roteiro para entrevista com as professoras

Questões relacionadas à EJA 1. O que te levou a dar aula na EJA?

2. Para você, existe diferença entre a educação de jovens e adultos e a “educação regular”?

Se existe, em que elas diferem? 3. O que você entende por educação de jovens e adultos? 4. Existe, para você, diferença entre ensinar matemática para jovens e adultos e ensinar

matemática para crianças ou adolescentes?Se existe o que é diferente? 5. Existe alguma dificuldade específica do ensino da matemática na EJA? Em caso

afirmativo, descreva-as.

6. O que você faz para enfrentá-las? 7. Em que condições (em termos de estrutura da escola, planejamento, materiais didáticos)

você desenvolve seu trabalho na EJA em sua escola? Essas condições são adequadas aos sujeitos da EJA?

8. Sobre as mudanças ocorridas com as novas diretrizes da EJA, na rede estadual de ensino,

houve alguma mudança que não as relacionadas à estrutura dos cursos, ou à nomenclatura? Por exemplo, com relação à sua prática?

Questões relacionadas ao curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus: relembrando sobre o curso. 9. Como foi desenvolvida a disciplina de Estágio no seu curso de licenciatura? Poderia

descrever em linhas gerais, pontuando aspectos como orientação por professor responsável, turmas em que realizou o estágio, etc.?

10. E as aulas de Prática de Ensino, como foram desenvolvidas? 11. Ocorria algum tipo de interação entre as disciplinas específicas e as disciplinas

pedagógicas? Ou mesmo entre as disciplinas específicas, ou entre as pedagógicas? 12. Você vê esse aspecto (interação entre as disciplinas) como relevante para sua formação?

Por quê? 13. O que significou para você as aulas de Estágio e de Prática de Ensino?

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14. Você tinha alguma experiência de sala de aula antes destas disciplinas? 15. Você teve alguma orientação nessas disciplinas, ou em outras, que contemplasse reflexões

para que você pudesse tomar consciência da realidade da EJA? Justifique. (Em caso afirmativo de outras disciplinas, especificá-las).

16. Em que momento você passou a conhecer a realidade da EJA, senão nestas disciplinas?

Como foi esse contato? 17. Que saberes, procedimentos você observou em seus professores no passado (mesmo antes

da licenciatura) e tomou como exemplo a ser seguido (ou não) em sua prática com os alunos da EJA?

18. As disciplinas do curso, especialmente as específicas, e/ou outras atividades

extracurriculares contribuíram para a formação de conceitos e significados dos conteúdos matemáticos, ou contribuíram especificamente para saber resolver problemas, numa dimensão mais procedimental?

Questões relacionadas à sua prática na EJA 19. Conte-me um pouco sobre suas aulas na EJA. Como elas se dão?

20. Existe um programa de ensino específico para a disciplina de Matemática na EJA que de

orientações para o planejamento e desenvolvimento de seu trabalho? Se não tem, como você faz para, por exemplo, definir conteúdos a serem ensinados em cada período?

21. Você tem algum material didático específico para o trabalho com a EJA?

22. Em caso afirmativo, que tipo de material? De onde veio? Quem o fez? Existe material para todos os alunos?

23. Em caso negativo, que material você utiliza? 24. Você tem tempo de planejamento garantido no seu horário de trabalho na escola? 25. Como você faz a preparação/planejamento de suas aulas? 26. Você recebe (ou já recebeu) alguma orientação específica em seus planejamentos, ou de

modo geral para o ensino de Matemática na EJA? Em caso afirmativo, quem deu essa orientação e como ocorreu?

Questões relacionadas aos cursos extras de formação continuada. 27. Você já participou de algum curso de capacitação/formação específico para EJA? Em caso

afirmativo, quando e como foi o curso? Do que tratou? Como foi desenvolvido?

28. Esse(s) curso(s) contribui (contribuíram) para o desenvolvimento de seu trabalho na disciplina de Matemática? Em caso afirmativo, que tipo de contribuições foram essas? Estavam diretamente ligadas ao ensino de Matemática?

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29. Como você acha que foi construída, em você, essa percepção quer de EJA, quer de formação de professores, tendo em vista tudo o que você me disse em relação às questões anteriores e as do questionário?

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ANEXO 4 – Roteiro para entrevista com o Subcoordenador do Curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus José Antônio da Rocha Pinto.

1. Quando começou o curso de Licenciatura em Matemática de São Mateus? 2. Quais foram os cargos que o professor exerceu na CEUNES/POLUN?

3. Em que condições, em termos de estrutura física, recursos, etc, começou o Curso de

Licenciatura em Matemática de São Mateus?

4. Quais foram as dificuldades enfrentadas pelo Curso durante seu período de existência?

5. Que mudanças ocorreram no curso durante seu período de existência?

6. O que levou o Curso a ser suspenso no ano de 2006?

7. Sobre o Projeto Pedagógico do Curso, onde se encontra?

8. Quais foram as atividades extracurriculares desenvolvidas pelo Curso?

9. Em relação às modalidades de ensino, em especial a Educação de Jovens e Adultos, como o curso tratava desses assuntos? Que tipo de atenção era dada à elas?

10. Havia alguma tipo de integração entre as disciplinas específicas da Matemática

ofertadas pelo departamento de Matemática e as disciplinas ofertadas por outros departamentos?