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DA OBRIGATORIEDADE À PRÁTICA PEDAGÓGICA: AS
FORMAÇÕES DISCURSIVAS ACERCA DO ENSINO DE ARTE
NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
1
SILVANA MOURA DA SILVA
DA OBRIGATORIEDADE À PRÁTICA PEDAGÓGICA: AS
FORMAÇÕES DISCURSIVAS ACERCA DO ENSINO DE ARTE
NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Educação da
Universidade Federal de Pernambuco,
como requisito parcial para obtenção do
grau de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª Drª Maria Luiza Neto Siqueira.
Recife
2004
2
Silva, Silvana Moura da Da obrigatoriedade à prática pedagóg ica : as
formações discursivas acerca do ensino de arte nos anos iniciais do ensino fundamental / Silvana Moura da Silva : O Autor, 2004.
138 folhas : il., fig., quadros. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal
de Pernambuco. CE. Educação, 2004. Inclui bibliografia e anexos. 1. Educação – Ensino de arte – Histórico e
legislação. 2. Arte – Prática docente – Concepção do p rofessor. 3. Análise do d iscurso – Fala e prática. I. Título.
373.67
372.5 CDU (2.ed.)
CDU (22.ed.) UFPE
BC2005-006
4
DEDICATÓRIA
A meu pai (in memorian), Bernardino Inácio da Silva, com quem aprendi
a humildade da vida e a capacidade de acreditar no ser humano...
A minha mãe, dona Silvinha, grande lutadora, por seu amor, e pela
valorização ao aprendizado, tornando-se um “modelo” de educadora...
A meus filhos Karla Daniela e Murilo, meu sobrinho Lucas e meus netos
Mayk e Swellen, símbolos de tolerância e paciência que testemunharam e
fizeram parte dessa batalha, compartilhando a ausência e a pouca presença...
A meus irmãos e irmãs – Tonho, Juca, Nita, Jó, Vado, Vaninho, Niltinho,
Benedito, Sílvia e Silma, pelo apoio que representam em minha vida, cada um
de seu jeito, acreditando e estimulando meus sonhos...
5
AGRADECIMENTOS
A construção de um trabalho dessa natureza torna-se possível pela
colaboração de pessoas que, em diferentes momentos, dão suporte e forma
aos sonhos que não são seus, doando energia para sonhar junto o sonho do
outro. Tornam-se mestres nos ensinamentos. Meus agradecimentos:
Aos educadores, alunos e gestores da escola campo de investigação,
pela disponibilidade em contribuir na realização deste trabalho.
Aos mestres: Drª Profª Célia Salsa e Gabriela Martin Ávila,
especialmente pelas contribuições na qualificação; Fernando Azevedo, pelas
contribuições que o tornara “co-orientador”, pela fé e luta na democratização do
ensino de Arte; à Drª Profª Graça Ataíde pela sapiência (uma vez mestra
sempre mestra) e disponibilidade em ser co-autora na autonomia intelectual de
seus discípulos; a Sebastião Pedrosa, pela disponibilidade e desprendimento
com que lida com o desconhecido, fazendo o outro sentir-se parte.
Ao Dr. Profº Sérgio Abranches, pela sabedoria em acreditar no ser
humano, apoiando sua jornada com mensagens e incentivos, estimulando e
ajudando no crescimento, além de seu compromisso com a construção de
conhecimento e da autonomia intelectual de seus discípulos, dosada com
respeito, amor e humor. Obrigada, Mestre! Mais uma vez!
A Drª. Profª Maria Luiza Neto Siqueira, que, como orientadora, conciliou
competência com paciência e respeito, tornando humana a construção deste
trabalho, com freqüentes doses de incentivo. Mas, sobretudo, pela
6
sensibilidade e coragem em aceitar o desafio de orientar um trabalho que
inaugura uma temática no Centro de Educação, abrindo espaço que traz a
possibilidade de uma nova linha de pesquisa: o ensino de Arte.
A Grande Mestra Letícia Ramos, pelas valiosas contribuições,
desprendimento e solidariedade, nos momentos que precisei de apoio, ora
como pessoa humana, ora como pesquisadora, ora como amiga.
Ao colega Everson, pelo prazer que expressou ao saber da existência
deste trabalho, pelas doses de incentivo em seguir adiante, compartilhando a
empolgação com o objeto de pesquisa, fazendo deste uma referência. É
pouco? Pela sua humildade, fazer do seu sonho alimento para o sonho do
outro: Vamos Publicar Nossos Livros!
A Luíza e Flávio, que foram mestres em acreditarem que a harmonia e o
movimento são capazes de compor uma orquestra de saberes mediados pela
busca de ser feliz.
A minha AMIRMÃ (uma mistura de amiga e irmã), Marluce Ferreira dos
Santos, pelo grande apoio que representa na minha vida acadêmica e pessoal,
dando exemplo de competência, humildade, justiça e compromisso com a
construção de um mundo mais humano.
E finalmente, indo, para a regra “Os últimos serão os primeiros”:
Meus agradecimentos a Deus e ao Arcanjo Miguel, que mesmo quando
não “tivemos” tempo de pensar nele, dispensou todo seu tempo para cuidar de
nós, com sua presença em cada uma dessas e de outras pessoas que
contribuíram nessa caminhada, apoiando cada passo desta etapa de meu
crescimento.
7
RESUMO
Este trabalho discute as concepções de Arte e de ensino de Arte de
professoras do Ensino Fundamental I da Rede Municipal da Prefeitura da
Cidade do Recife, propondo compreender sua prática frente à obrigatoriedade
do ensino de Arte na Educação Básica, assegurada pela Lei nº 9.394/96, da
LDB. A revisão bibliográfica sobre a temática discute o percurso histórico
ocidental dos conceitos de Arte, indicando elementos para a compreensão dos
paradigmas atuais sobre o seu ensino. A pesquisa foi de abordagem
fenomenológica, adotada por sua possibilidade de aproximação às professoras
como uma busca compartilhada do sentido de seu sistema de significados. O
aporte metodológico foi a Análise de Discurso – AD, com base na linha teórica
de Eni Orlandi, tendo como foco os discursos dito e não-dito das professoras,
apreendidos através de observação de sua prática e de entrevistas
semiestruturadas. Denominando seu discurso como pedagógico, analisamos
ainda o interdiscurso, concebido como a articulação desse discurso com o
institucional, o qual corresponde aos textos de base legal: LDB, PCNs,
proposta pedagógica da PCR. Verificamos, como base de sustentação do
discurso pedagógico: o ideário canônico; o ideário de beleza clássica; a livre
expressão, como sinônimo de liberdade. As professoras expressaram, como
dificuldades para o ensino de Arte, a carência de formação adequada e de
habilidade para trabalhar com Arte, o que denominamos de distância entre a
proposição instituída e sua operacionalização. Mesmo reconhecendo suas
limitações, quanto à sua formação e condições de trabalho, mostram-se
8
dispostas a discutir, com pesquisadores e definidores de políticas públicas,
suas dúvidas, necessidades e dificuldades, e assim, abertas às possibilidades
de superá-las. Inferimos que as questões aqui discutidas vêm contribuir para a
reflexão sobre a importância do ensino de Arte no currículo, considerando,
sobretudo, que se trata de uma linguagem, que atribuindo sentido ao seu
objeto de conhecimento, sua construção e/ou produção, comunica e expressa
saberes culturais e estéticos, sendo, portanto, merecedora de eqüidade em
relação às demais áreas.
Palavras-chave: Arte, Ensino de Arte e prática docente.
9
ABSTRACT
This work argues the conceptions of Art and teaching of Art by teachers of the
first grade of elementary municipal schools on Recife Town (supported by PCR
– The Town Hall), aiming understand the docent practical, facing that Art is a
compulsory subject in basic education and is assured by the LDB law Nº
9.394/96. The bibliographical revision on the thematic area argues occidental
route of Art precepts, indicating elements that guide the understanding of the
current paradigms about its teaching. The research was guided by
phenomenological approach, adopted for its possibility of approach to teachers,
aiming a shared search of the sense of its system of meaning. We make use,
as a methodological base for data analysis, of the Discourse Analysis – DA,
based on the theoretical line of Eni Orlandi, focusing the teachers’ said and not-
said (silence) speeches, apprehended through its practical observation and
semi-structuralized interviews. Denominating this speech as pedagogical, we
also analysed the inter-speech, conceivable as a decurrently link of institutional
speech, which correspond to texts of legal base: LDB, PCNs and texts of the
PCR Pedagogical Proposal. We verify, as a sustentation basis for pedagogical
speech: the canonic ideology, the classical beauty ideology, and the free
expression as a synonymous of freedom. The teachers had expressed as
difficulties for the education of Art, the lack of adequate formation and of the
ability to work with Art, what we denominated as distance between the
institucional proposal and the concretely done. Even recognizing its limitations
about formation and work conditions, the teachers demonstrated interest to
discuss with researchers and public politicians, concerning its doubts,
10
necessities and difficulties, and thus, were opened to the possibilities to
overcome them. We concluded that the questions argued here come to
contribute for the reflection on the importance of the education of Art in the
scholar’s curriculum, considering, over all, that Art is a language, attributing
sense to its object of knowledge, construction and/or production, report and
express esthetical and cultural knowledge, thus deserving equity in relation to
the other subjects.
Key words: Art, teaching of Art and docent practical.
11
SUMÁRIO
DEDICATÓRIA....................................................................................................4
AGRADECIMENTOS ..........................................................................................5
RESUMO ............................................................................................................7
ABSTRACT.........................................................................................................9
INTRODUÇÃO..................................................................................................13
CAPÍTULO I – O ENSINO DE ARTE: UMA PRESENÇA NA HISTÓRIA E NA
EDUCAÇÃO.......................................................................................................22
1.1 – Arte: Os Diferentes Sentidos e Seu Referencial Ocidental...................23
1.2 – O Ensino de Arte: Influências Ocidentais na Educação Brasileira........27
1.2.1 – O Ensino de Arte no Brasil: Breve História da Democratização.....33
1.3 – A Arte e o Ensino de Arte na Contemporaneidade...............................40
CAPÍTULO II – ABORDAGEM METODOLÓGICA............................................55
2.1 – Fundamentos Teórico-metodológicos da Pesquisa: Caminho
Norteador.......................................................................................................56
2.2 – Análise de Discurso: Contribuições na Compreensão da Concepção
de Arte e de Ensino de Arte...........................................................................60
2.3 – Leitura do Quadro: A Escola Campo de Investigação ..........................63
2.4 – Seleção dos Sujeitos da Pesquisa .......................................................65
2.5 - Procedimentos da Pesquisa..................................................................67
2.6 – O Discurso da Professora na Entrevista...............................................69
2.7 – Corpus: Mapeando o Texto, Identificando o Discurso ..........................70
12
CAPÍTULO III – O DISCURSO SOBRE ARTE E O ENSINO DE ARTE ...........71
3.1 – Arte como Recurso aos Interesses Econômicos: Discurso
Institucional....................................................................................................74
3.1.1 – O Discurso Pedagógico Frente à Obrigatoriedade do Ensino de
Arte ............................................................................................................82
3.2 – Arte como Recurso a outras Disciplinas: O Discurso Pedagógico .......89
3.2.1 – Importância da Disciplina Arte Frente a Outras Disciplinas ...........89
3.2.1.1 – Apoio Administrativo e Pedagógico às Professoras com o Ensino
de Arte: Elementos Trabalhados................................................................90
3.2.2 – Dinâmica de Trabalho do Professor com o Ensino de Arte ...............96
3.2.3 – Arte: Relação Saber/Poder ..........................................................103
3.2.4 – Arte: Da Beleza ao Prazer ...........................................................106
3.2.5 – Arte como Livre Expressão: O Silêncio na Memória da Formação
.................................................................................................................108
3.2.6 – O Ensino de Arte: Atividades Múltiplas ou Interdisciplinaridade? 116
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................121
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................129
ANEXOS ........................................................................................................136
14
Este trabalho tem sua origem nas inquietações vivenciadas na nossa
prática docente com o Ensino Fundamental I, na qual enfrentamos o desafio da
obrigatoriedade de ensinar Arte, uma área de conhecimento específico,
contudo, desdobrada na sua diversidade de linguagens: artes visuais, teatro,
dança e música.
O currículo de formação dos/as professores/as1 do Ensino Fundamental,
nos níveis médio (Normal Médio) e de graduação (Pedagogia), não contempla
disciplinas que os preparem para o efetivo exercício do ensino de Arte.
Entretanto, é reconhecido o direcionamento desse ao caráter polivalente na
prática docente no Ensino Fundamental I.
Essas considerações nos levam a identificar a obrigatoriedade, aqui
discutida, como algo de relevante complexidade, uma vez que vários desafios
se articulam: a polivalência da prática docente no contexto do Ensino
Fundamental I; o ensino de uma área de conhecimento – Arte, sem uma
adequada formação docente para sua práxis; a busca de uma prática docente
coerente com o reconhecimento da contribuição desse ensino para a formação
da cidadania dos alunos.
Além dessas reflexões, vale ressaltar o tabu que, ao longo dos anos,
envolveu a arte em mistérios, destinando-a para alguns privilegiados que
1 A ênfase de gênero, no que se refere à palavra professor/a, traz a intenção de contemplar a
categoria de profissionais que atuam no Ensino Fundamental I. Embora o magistério nesse nível de ensino seja, culturalmente, desempenhado eminentemente pelo sexo feminino, nos últimos anos tem atraído também profissionais do sexo masculino.
15
nasciam com o dom do fazer e pensar artístico. Mencionamos aqui a ideologia
do dom como a idéia de que o fazer e o pensar artístico são frutos de um
lampejo de inspiração, destinado a uns poucos nascidos com habilidade para
tal. Os indivíduos comuns, sobretudo os das classes populares, desenvolvem
atitudes decorrentes da absorção da ideologia do “dom”, materializando
limitações no que se refere à arte, acreditando não ter habilidades para realizar
uma leitura de uma obra de arte e, muito menos, criar algo que seja
considerado arte. A citada ideologia é um entrave ao ensino de Arte, levando
tanto o/a professor/a quanto o estudante a acreditarem que não são capazes,
e, portanto, a desconhecerem que o fazer artístico demanda, também, de um
processo de aprendizagem e de persistente trabalho, e não meramente de
inspiração divina.
Tem sido reconhecido que o efetivo exercício da cidadania está
vinculado à apropriação do conhecimento historicamente produzido pela
humanidade. Nessa produção, a Arte está incluída enquanto área de
conhecimento específico, dotada de elementos constitutivos transformados em
conteúdos escolares.
Assim, a apropriação de conhecimentos em arte instrumentaliza o
indivíduo a ler a realidade onde está inserido, alfabetizando-o noutras
linguagens codificadas e construídas historicamente pela humanidade.
No entanto, devemos lembrar que mesmo reconhecendo a presença da
arte no dia a dia da sociedade, no âmbito de sua formação escolarizada, os/as
professores/as do Ensino Fundamental I têm sido privados desse contato direto
com a obra de Arte e informações afins, que possibilitassem o desenvolvimento
de competências que os habilitassem a ler arte, além de uma perspectiva
16
formalista. Esse fato se legitima de um lado pela legislação educacional
brasileira e, por outro, pelo caráter canônico das Artes, o que garantiu ao longo
de sua história manter-se distante das classes populares.
É relevante destacar, em que pese toda a produção artística no último
século, a especificidade brasileira da supremacia de uma cultura transplantada
e suas formas sistemáticas de transmissão cultural monopolizada por ordens
religiosas (jesuítas) que, assegurando o analfabetismo das classes populares,
favorece o advento da cultura de massa, construindo um muro virtual entre as
classes populares e as manifestações artísticas culturais, como, por exemplo,
as artes plásticas, teatro, etc... (SODRÉ, 1999).
No que se refere à dimensão canônica da arte, podemos nos reportar
aos movimentos artísticos que, seguidos de seus manifestos, traziam “... as
idéias dos artistas sobre o mundo e sobre a arte, a maneira de realizar a
ruptura com o passado e de construir uma nova forma de expressão” (NARDIN
e FERRARO, 2001, p. 188). Esses manifestos propõem um caráter
universalista e, conseqüentemente, supervalorizam a dita “alta cultura” em
detrimento da cultura popular, contribuindo assim para perdermos a referência
de articulação da criação com o contexto social, mantendo a arte afastada do
restante da sociedade.
No Brasil, Ana Mae Barbosa (2002) traz essa questão no livro “Tópicos
Utópicos”, ao realizar uma crítica pós-colonialista, onde chama a atenção para
a atitude de colonizado dos brasileiros. Trata de parte da história do ensino de
Arte no Brasil, com o pioneirismo das escolas de educação superior trazida por
D. João VI, entre elas a Academia de Belas-Artes. Afirma que esta teve sua
organização como Escola Neoclássica de linhas retas e puras, em contraste
17
com o barroco brasileiro, oriundo de Portugal, já modificado por artistas e
artífices. A mudança de paradigma estético, provocada pelos artistas
neoclássicos do Instituto de França que vieram para o Brasil, provocou um
preconceito de classe a partir da categorização estética, separando o barroco
para o povo e o neoclássico para a elite.
Esse afastamento da arte do restante da sociedade e a diretriz
norteadora dos currículos, tratando o ensino de Arte como atividade, na LDBEN
5.692/71, explicitam a ausência do ensino de Arte na escola, e desse modo, a
ausência de uma base sólida prática e teórica na formação do/a professor/a,
que permitisse prepará-lo/la para o exercício da referida área de conhecimento.
Assim, sem as diretrizes educacionais que garantiriam a teorização no
processo de formação escolarizada, e distanciado do acervo de produção da
arte, o/a professor/a vem sendo privado/a do conhecimento ampliado a esse
respeito.
Nesse sentido, não podemos perder de vista um olhar analítico do
ensino de Arte sob a ótica da base legal, sobretudo, do contexto que marca o
final da década de 80 e a década de 90, do século passado2. Na verdade, esse
período foi diferente, uma vez que se trata de um período de discussão,
elaboração e aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBEN, Lei nº 9.394/96. Esta lei, em seu § 2º, do artigo 263, assegura o ensino
de Arte como “componente curricular obrigatório”.
Entretanto, a obrigatoriedade do ensino de Arte, assegurada na LDB/96,
exige uma operacionalização, determinando a esse/a professor/a a promoção 2 Neste trabalho, todas as referências entre as décadas de 20 a 90 dizem respeito ao século
XX. 3 “O ensino da arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da
educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos” (BRASIL, LDB Nº 9.394/96).
18
do desenvolvimento cultural do/a aluno/a através de sua prática docente, o que
tem se constituído um desafio, uma vez que, como área de conhecimento
específico, passa a ter um conjunto de conteúdos em diversas modalidades de
expressão artística, tais como: música, artes visuais, teatro e dança.
Esse fato nos remete a inferirmos que o desenvolvimento da práxis do
ensino de uma área de conhecimento, sobre a qual não houve formação
anterior, já se revela como uma atividade complexa. Junte-se a isso o fato
dessa diversidade de linguagens – artes visuais, teatro, dança e música –, ter
em comum, em princípio, apenas a criatividade. Questionamos, portanto, se
os/as professores/as se encontram instrumentalizados/as para desenvolver tal
prática.
De acordo com as considerações expostas, elaboramos as seguintes
questões: Que concepção de ensino de Arte norteia a prática docente no
Ensino Fundamental? De que forma os/as professores/as do Ensino
Fundamental conduzem o ensino de Arte? Foram tais questões, sob a ótica
das diretrizes da LDB/96, dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs (Vol.
6) e da Proposta Pedagógica da Prefeitura da Cidade do Recife, que
orientaram a nossa investigação, na busca de esclarecer o objeto desta
pesquisa: as concepções de Arte e de ensino de Arte dos/as docentes do
Ensino Fundamental I, para o que mereceu destaque a sua prática pedagógica.
Embora esta categoria não tenha sido tratada com especificidade neste
trabalho, suas noções significativas transversalizam as discussões desta
investigação, reconhecendo relevantes contribuições, de autores como Paulo
Freire (1987, 1997), Tardif (2002), Giroux (1997) entre outros.
19
Professoras4 do Ensino Fundamental I, em exercício na Rede Pública
Municipal de Ensino da Prefeitura da Cidade do Recife – PCR, como pessoas
que vivenciam esse dilema de ensinar uma área de conhecimento para a qual
não estão preparadas, foram os sujeitos selecionados para a realização deste
estudo. Como critério para tal escolha, consideramos a antecipação da PCR
com sua decisão de inserir Arte no currículo enquanto disciplina obrigatória, no
Ensino Fundamental I, antes mesmo de ser assegurada na LDB, lei nº
9.394/96.
A PCR, através da Secretaria de Educação e Cultura, implantou a Arte
nas séries iniciais do Ensino Fundamental desde o ano de 1993, norteando sua
proposta pedagógica pelo princípio de cidadania. Naquele momento, a PCR
dizia reconhecer “... a arte como linguagem autônoma, como disciplina e seus
conteúdos específicos, como área de conhecimento” (Proposta Pedagógica da
PCR, Arte, 1996).
A legislação foi considerada como eixo desencadeador de mudanças,
desde a elaboração da Constituição Federal do Brasil (1988), que foi a base de
discussão e elaboração da Nova LDB/96 e de desdobramentos em outros
instrumentos afins, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais – PCNs,
nos quais reconhecemos, no contexto histórico da década de 80 e 90, a
possibilidade de nos fornecer uma visão dos interesses econômicos, sociais,
políticos e culturais. De fato, os discursos, presentes na legislação, nos
permitiram situar a prática docente do professor do Ensino Fundamental I no
ensino de Arte, compreendendo-a nas relações que se estabelecem no meio
onde se desenvolve.
4 A utilização da palavra “professora”, apresentada no gênero feminino, refere-se às
professoras que foram sujeitos desta investigação.
20
Foram essas considerações que nos levaram a iniciar este estudo sobre
a prática docente do ensino de Arte das professoras do Ensino Fundamental I
na Rede Municipal do Recife, com o propósito de compreender essa práxis.
Nesse sentido, buscamos conhecer o estado de discussão sobre a prática
docente desse ensino, questões que se situam numa dimensão de ordem
intelectual. Buscamos ainda, do ponto de vista do exercício profissional, o
rebatimento desse estado, na concepção de Arte e de ensino de Arte das
professoras, através de seu discurso e de sua prática, que também se tornou
um tipo de texto, considerado por nós como discurso.
Estruturamos este trabalho em três capítulos. O primeiro trata das raízes
históricas e ocidentais da Arte e de alguns de seus paradigmas. Também traz
elementos do debate nacional sobre as influências políticas e históricas para o
ensino de Arte5.
No segundo capítulo, descrevemos o percurso metodológico,
apresentando a linha de pensamento que norteou o trabalho, a qual se
aproxima de uma abordagem fenomenológica; apresentando também a análise
do Discurso – AD, como aporte metodológico á análise dos dados desta
investigação.
No terceiro capítulo, analisamos as formações discursivas das
professoras do Ensino Fundamental I acerca das concepções de Arte e de
ensino de Arte, sob a luz dos textos da base legal e documentos educacionais
que asseguram a obrigatoriedade do ensino dessa disciplina, bem como
apontam seus princípios filosóficos e pedagógicos.
5 Embora tenhamos a clareza que o ensino de Arte comporta as linguagens: artes visuais,
teatro, dança e música, a base teórica deste trabalho privilegiou uma ampla referência produzida na linguagem de artes visuais, considerando a carência de produção das outras linguagens, sobretudo voltadas para o ensino de Arte, bem como a predominância dessa linguagem na prática docente no Ensino Fundamental I.
21
Nas considerações finais apresentamos uma síntese da articulação
entre as formações discursivas e o silêncio dos discursos. Discutimos também
as possíveis implicações decorrentes das concepções de Arte e do ensino de
Arte das professoras, participantes da pesquisa, considerando ainda as
possibilidades que se descortinam a partir desta investigação, bem como a
provisoriedade do próprio conhecimento construído com ela.
23
Devo confessar primeiramente, que eu não sei o que é belo e
nem sei o que é arte.
(Mário de Andrade, 1938).
1.1 – Arte: Os Diferentes Sentidos e Seu Referencial Ocidental
É comum iniciar um trabalho apresentando definições. Mas, em se
tratando de Arte, isso se torna infinitamente desafiante frente ao que estamos
nomeando de paradoxo: há uma indefinição, no sentido de uma definição
universal coexistindo com uma multiplicidade de definições.
Sem dúvida, podemos afirmar que os diferentes sentidos da palavra
"arte" variou muito ao longo dos tempos e das culturas. No Ocidente, no
contexto pré-histórico a arte expressava a praticidade das atividades artísticas.
Na Antiguidade designava ocupações diferentes (orador, esgrimista ou
tecelão), sinalizando o sentido sinônimo de ofício ou habilidade, que pouco se
diferençava da técnica e da ciência. Em toda a Idade Média, sobretudo no
Renascimento e nos séculos seguintes, a palavra "arte" serviu para designar
tanto o trabalho de intenção estética como outros sem nenhuma relação com a
estética. Só no século XIX a palavra passou a ser aplicada predominantemente
à criação estética e às denominadas "belas-artes" e, no século XX, se amplia
para além das artes plásticas6.
6 O século XIX também é marcado por uma crise no estatuto das belas artes e na História da
Arte, provocada pelo advento das técnicas de reprodução, como a fotografia e a litografia, que na visão de Benjamin, embora não altere o conteúdo da obra de Arte, desperta do seu valor de culto, gerando uma polêmica entre pintores e fotógrafos que se prolonga até o
24
Contudo, verificamos que alguns aspectos estão presentes na tentativa
de conceituar a Arte: (1) a Arte é produto de um ato criativo; (2)
correspondência da Arte com paradigmas da ordem em que se insere; e (3)
universalidade da Arte na sua relação com a pessoa humana, ao longo de sua
história.
Consultando o Houaiss (2001), opção arbitrária dentre tantos outros
dicionários, encontramos uma infinidade de definições de Arte, que em parte se
justifica pelos adjetivos que o complementam, atribuindo uma especificidade
aos verbetes. Mas, dentre eles, dois nos chamaram atenção: um, numa
perspectiva a partir da tradição platônica, indicando Arte como “habilidade ou
disposição dirigida para execução de uma finalidade prática ou teórica,
realizada de forma consciente, controlada e racional”; outra, com base na
tradição aristotélica apresentando Arte como “conjunto de meios e
procedimentos através dos quais é possível a obtenção de finalidades práticas
ou a produção de objetos” (p. 306).
Nas referidas definições encontramos Arte no sentido de técnica, sendo
essa a peculiaridade que queremos destacar para lembrar nossa herança
cultural oriunda da Antiguidade Clássica7.
A Arte na Grécia Antiga não tinha o sentido de belas-artes como o
atribuído na modernidade e sim, de tecné, embora esse sentido de belas-artes
da modernidade origine-se do sentido de beleza atribuído por Platão,
século XX. Ver mais sobre o assunto em: AZEVEDO, Fernando Antonio, 2004; BENJAMIN, Walter, 1980.
7 Situar o sentido da arte na Antiguidade contribui para compreendermos nossa história e as influências decorrentes no nosso modo de pensar arte e conseqüentemente o ensino de arte no mundo ocidental; contudo, essa referência ao passado não deve desconhecer que na contemporaneidade têm ocorrido mudanças no mundo da arte e da estética que repercutem na arte-educação. A esse respeito ver: PARSONS, Michel J., s/d; BARBOSA, Ana Mae, 2001.
25
sobretudo vinculado ao prazer estético, que, em suas idéias, aparece
reprimido.
Noutras palavras, poderíamos assinalar que, na visão de Platão, a
permanência do ser é assegurada pela idéia, e a produção de um determinado
objeto por um artesão está subordinada a essa idéia, o que faz dele um
imitador. A mimese8 não tem sentido próximo a uma concepção naturalista e
realista; ela é vinculada à concepção grega do ser e da verdade. Aristóteles,
em sua Poética, sustenta que todas as artes imitam a natureza e se
classificam conforme a maneira pela qual o fazem (com cores ou formas, com
sons ou ritmos, palavras etc.). No entanto, a mimese, para Aristóteles, é a
imitação, como representação superior do sensível e não como reprodução
imperfeita do absoluto, como concebe Platão.
Situando o papel do pintor nesse processo, ele estaria como um
imitador de uma “coisa” que já não era o real, mas imitação desse real, fato
que marca a diferença entre a mimese da imitação pictórica, da imitação
artesanal.
Na concepção platônica, o filósofo concebe a idéia como verdade (a
idéia de um objeto), o objeto individual que o artesão fabrica e o objeto
reproduzido na pintura é uma imitação da imitação. Nesse sentido, o pintor
está mais distante da verdade do que o artesão. Assim, Platão situa o poeta e
o pintor como produtores de simulacro.
A Arte, para Platão, “designa um saber, um savoir-faire refletido e
fundado no raciocínio que se opõe à rotina” (LACOSTE, 1986, p. 12). Por essa
8 A palavra mimese é um conceito estético que surge na Antiguidade com uma diversidade de
significados no discurso filosófico. No sentido elementar alguns autores, a exemplo de Osborne (1993), assinalam que significa imitação. Ver mais sobre o assunto em: OSBORNE, HAROLD, 1993.
26
idéia de não verdade, Platão rejeita as Artes não pela Arte em si, mas pelo
ilusionismo que em sua visão a Arte revolucionária de sua época provoca.
A novidade dessa "revolução" ilusionista dos primórdios da Arte
ocidental consiste no que Platão designa como a Arte da aparência
enganadora, capaz de dar ao espectador a ilusão de profundidade
(perspectiva linear, modelado de sombra e luz, jogo das cores).
O outro elemento da Arte condenado por Platão é a sombra – não a que
acompanha exteriormente o objeto, mas a passagem gradual sobre ele da luz
à sombra. Platão considera esse fenômeno de “impressão” enganadora como
uma perturbação da alma, aproximando a pintura da feitiçaria.
A sedução da Arte, com base no pensamento de Platão, por meio da
ilusão, exerce, paradoxalmente, um fascínio que a filosofia deve dissipar de
maneira assídua e incansável. A Arte faz esquecer as verdadeiras realidades e
a beleza, entendida em Platão, desvia da sensibilidade e do corpo. Quando
Platão condena a pintura como uma Arte da qual a mimese é a essência, tem
consciência do poder da estética uma vez que a estética é “uma fisiologia
aplicada”.
Na República de Platão, por exemplo, a música (cantos e danças)
desempenha um papel essencial na educação moral dos jovens cidadãos. O
legislador deve regulamentar a Arte pela influência sobre o corpo e as paixões,
e, mesmo a excelência soberana da cultura musical é acompanhada de uma
severa regulamentação.
No que se refere ao belo e à criação artística, embora Platão defina a
Arte pela mimese e não pela beleza, em suas idéias reside o sentido que
atribuímos às Belas-artes, uma vez que sua análise aborda os efeitos
27
psicológicos e fisiológicos da Arte, assim como uma descrição do entusiasmo
poético que as “estéticas” setecentistas reencontrarão.
Segundo Jean Lacoste (1986), o aspecto mais importante da definição
da beleza de Platão é a busca da unidade dessa definição através da
multiplicidade de belas coisas sensíveis. A Arte do belo em Platão existe na
dialética, a Arte suprema que procura purificar o prazer e substituí-lo pela
apreensão intelectual das essências. A beleza, embora sensível, não é própria
das obras de Arte e conduz, de fato, à ascese. A Arte de imitação, sob esse
ponto de vista, é um obstáculo à busca da Beleza, dado que convida,
primordialmente, a permanecer no mundo sensível que ela reproduz.
E onde reside a importância dessas idéias para nossa discussão? Se
não conseguimos, com isso, chegar a uma definição universal de Arte, pelo
menos nos ajudou a entender a Arte como área de conhecimento específico,
uma vez que vem sendo construído ao longo da história da humanidade.
Consideramos a limitação de nosso interesse à transposição desse
legado ao contexto escolar, traduzido ao ensino de Arte de professores/as do
Ensino Fundamental I. Assim, é pertinente destacar que, neste trabalho, as
terminologias Arte e Ensino de Arte são apresentadas com iniciais maiúsculas,
registrando o respeito que atribuímos às mesmas nesse contexto.
1.2 – O Ensino de Arte: Influências Ocidentais na Educação Brasileira
O discurso sobre o Ensino de Arte no contexto educacional brasileiro,
entre outras questões, sinaliza para a função que a Arte desempenha na
formação do estudante, seja como expressão, seja como contribuição ao
28
desenvolvimento de um leitor crítico do mundo, seja como lazer. A verdade é
que a Arte no âmbito educacional, como um dos componentes das diretrizes
curriculares na formação do estudante, não é uma discussão nova. Essa já era
uma preocupação na Antiguidade Grega, quando Platão interroga sobre a
natureza da Arte,
conceituando a atividade artística para chamá-la a colaborar nas tarefas pedagógicas, integrando-a ao conjunto de conhecimentos e de práticas ajustados àqueles ideais necessários à formação do homem, que os gregos denominaram de Paidéia (NUNES, 1976, p. 01).
Nas idéias presentes no pensamento grego sobre a formação do
homem, podemos buscar as raízes da formação do ser humano integral, tão
presente nas discussões educacionais das últimas décadas, considerando sua
vinculação com a função social da escola. Verificamos sua presença nas
diretrizes da educação, em documentos como os PCNs do Ensino
Fundamental I, nas orientações que apontam como finalidade da educação a
formação da cidadania9, a qual é definida como uma das responsabilidades da
escola. Nessa perspectiva, tem sido admitido que ninguém é cidadão apenas
do ponto de vista cognitivo, mas na sua completude material e espiritual. A
idéia de cidadania está vinculada à concepção de um ser que participa
ativamente da vida política, social, econômica e cultural do meio onde está
inserido, o que se dá pela consciência da realidade e de si mesmo. O conceito
de cidadania acompanha a dinamicidade da vida e, ao longo dos anos, rompe
9 A palavra cidadania aparece nas leis educacionais brasileiras, pela primeira vez, no contexto
da redemocratização do país, como consolidação das instituições democráticas, definidas pela Constituição de 1988. Esta noção é tratada com mais profundidade em MACHADO, Nilson José (1997); SILVA, Aída (2000). Na perspectiva econômica mundial, tem sido discutida a noção de cidadania transnacional, compreendida como complemento da cidadania nacional, uma vez que o exercício dos direitos transcende os limites territoriais ou mesmo, os limites materiais que competem aos Estados-membros que formam o bloco. Contribuições em: GONÇALVES, Maria Eduarda (2002).
29
com sua etimologia latina (civis) que designava apenas os habitantes das
cidades que tinham direitos e, portanto, participavam ativamente da vida
política, atualizando a cada contexto, conforme as necessidades e interesses
de um povo.
Essas considerações nos remetem à reflexão de Cosme D. B. Massi
(2001) sobre autonomia, quando assinala que ela tem sido revelada pela
política educacional brasileira como algo que somente se constrói na medida
em que se é capaz de ter vontade própria, agir com intencionalidade, ou seja,
ser capaz de refletir sobre a realidade e nela intervir, com o desejo de
participação e transformação dessa realidade, o que nos leva a acreditar que a
formação da pessoa humana do aluno/a não passa apenas pela dimensão
cognitiva.
Situamos essa discussão do ser humano integral nas idéias de Paulo
Freire (1987), quando ele enfatiza uma práxis que implica ação e reflexão dos
homens sobre o mundo para transformá-lo. Na sua concepção, consciência vai
além do cognitivo, considerando sua articulação com os aspectos político e
humanista na formação do sujeito.
Num artigo que trata da ação cultural e conscientização, Paulo Freire
(2001, p. 77) assinala que “é como seres conscientes que homens e mulheres
estão não apenas no mundo, mas com o mundo”. Isso implica na capacidade
do ser humano em realizar uma operação de transformar o mundo pela sua
ação, apreendendo a realidade e, ao mesmo tempo, expressando-a por meio
de sua linguagem criadora.
Nesse sentido, favorecer ao sujeito o efetivo exercício da cidadania
numa perspectiva transformadora é pensar sua formação como ser integral,
30
capaz de objetivar a realidade e a si mesmo, garantindo seu espaço no e com
o mundo. Daí a importância dessa visão da pessoa humana na re-significação
da função social da escola, de modo que tenhamos clareza do tipo de
sociedade em que estamos inseridos, que tipo de sociedade desejamos
construir e que tipo de ser humano serve ao tipo de sociedade que desejamos.
Nessa perspectiva, podemos assinalar que a presença dessa discussão
acerca do Ser Humano Integral na legislação da educação brasileira pode ser
identificada no discurso de autonomia, assim como no discurso dos princípios
educacionais de interdisciplinaridade e contextualização. A interdisciplinaridade
traz a pauta da discussão sobre a fragmentação que marcou o avanço da
ciência num dado momento histórico. Por outro lado, a contextualização aborda
o significado que passa a ser atribuído à cultura local, que sempre foi relegada
a último plano e não encontrava espaço na escola.
Considerando essa questão cultural, verificamos que o eixo norteador
muda, centrando-se no ser humano, uma vez que sem ele não há cultura. O
Papa João Paulo II, num discurso proferido na UNESCO em 1996, afirmou que
“é a cultura humana que reflete os diversos sistemas de relações de produção,
mas, tendo o homem em sua origem”. E como a cultura é uma dimensão da
vida que está constantemente em construção é compatível com o conceito de
ser humano integral como uma idéia de vir-a-ser ainda que não seja no sentido
de perfeição.
Essa idéia que concatena a visão de ser humano, além de uma
dimensão cognitiva, física, material, mas, articulando-a com as dimensões
emocional, espiritual, intuitiva, está presente na visão holística desse ser. Ela o
concebe como o ser que manifesta, pelo corpo físico, suas ações e
31
pensamentos. Contudo, é preciso que conheça suas próprias necessidades,
para que se desenvolva intelectual e moralmente. A aprendizagem é um
continuum fluxo e, nesse sentido,
a visão holística consiste em aceitar as duas verdades como partes da mesma realidade: a verdade relativa da existência do sujeito e do objeto, do conhecedor, do conhecido e do conhecimento, e a verdade absoluta da identidade entre sujeito e objeto (WEIL, 1993, p. 58).
Ratificamos que a raiz desse pensamento se encontra na Grécia, como
cultura que se dedica à formação no sentido particular e no seu sentido
histórico, dedicando-se à formação de um elevado tipo de homem.
De acordo com Werner Jaeger, duas concepções influenciam essa
formação: a de cultura e a de natureza. A de cultura é compreendida como
“totalidade das manifestações e formas de vida metafísica, como princípio de
uma valoração nova do homem” (1995, p. 8). Na verdade, a ampliação da
noção de cultura, nesse ideal grego, atribui ao homem, como criador da cultura,
a responsabilidade da articulação entre os mundos físico e espiritual, e a
concepção de natureza, considerando “as coisas do mundo numa perspectiva
tal que nenhuma delas apareceria como parte isolada do resto, mas, sempre
como um todo ordenado em conexão viva, na e pela qual tudo ganhava
posições e sentido” (1995, p. 8). Na verdade, tanto nessa noção de natureza
quanto na de cultura, a idéia de integralidade da pessoa humana fortalece as
idéias platônicas da divisão entre os dois mundos: o das idéias e o da
aparência.
Jaeger (19995, p. 10) lembra que
quando esse povo atinge a consciência de si próprio descobre pelo caminho do espírito as leis e normas objetivas cujo conhecimento dá ao pensamento e à ação uma segurança antes desconhecida.
32
Nesse sentido, o contexto grego fornece indicativos do processo
histórico que consubstanciou a cultura ocidental e o nosso jeito de fazer
educação, entre tantas outras dimensões da vida em sociedade, considerando,
sobretudo, que foram seus pensadores que deram origem a um pensamento
racional e filosófico.
Rafael Yus (2002), em sua obra Educação Integral: Uma educação
holística para o século XXI, ao definir e caracterizar a Educação Holística como
uma abordagem educacional que integra a pessoa humana, mostra que o
ponto de partida para se pensar uma educação nessa perspectiva é o repensar
a fragmentação de todas as esferas da vida humana: econômica, social,
pessoal, cultural. Em se tratando de um novo paradigma, a visão de educação
holística formata-se numa abordagem que leva em consideração a globalidade
da pessoa, a espiritualidade, inter-relações, equilíbrio, cooperação, inclusão,
experiência e contextualização.
As idéias, que o referido autor traz, não se distanciam do conceito de
competência10 presente no relatório da Comissão Internacional sobre
Educação para o Século XXI (1996), para a UNESCO, no qual “aspectos de
aprender estão combinados com a formação do ser humano, num processo de
educação de convivência humana e de práxis social” (MARKET, 2001, p. 2).
Se essas preocupações estão presentes por modismo ou por uma busca
de identidade do homem é uma discussão que não cabe no momento, mas, a
essência humana, a dimensão além do cognitivo, tem sido preocupação que
acompanha os estudiosos no processo da história da humanidade.
10 Essa noção, definida por Perrenoud (2000, p. 15) como a “capacidade de mobilizar diversos
recursos cognitivos para enfrentar um tipo de situação”, tem sido muito freqüente nas diretrizes e discussões educacionais brasileiras, sendo articulada à abordagem de currículo em ação. Para mais informações: Documentos produzidos pelo MEC para a Educação Básica (PCNs, 1997) e PERRENOUD, Philippe (2000).
33
Market (2001), citado acima, fazendo alusão a uma análise que Marx faz
nos manuscritos, lembra que a essência humana é algo próprio no interior do
homem e caracteriza o desenvolvimento dos cinco sentidos, como uma tarefa e
conseqüência da história da humanidade. Ele demonstra que para Marx, o
homem é um ser ativo, produtivo e sensível, e apropria seu ser multiforme de
forma global, isto é, como homem integral, portanto, formando seus próprios
sentidos, sua sensibilidade, e suas relações sociais num processo dialético: na
interação com a natureza (no trabalho) e com o outro homem (na
comunicação) num processo universal. Nesse sentido, só por intermédio da
riqueza objetivamente desenvolvida do ser humano que a riqueza da
sensibilidade humana (um ouvido musical, um olho sensível à beleza das
formas, em suma, sentidos capazes da satisfação humana e que se confirmam
como faculdades humanas) é cultivada ou criada.
Enfim, a função que a Arte desempenha na formação do estudante, seja
como expressão, seja como contribuição ao desenvolvimento de um leitor
crítico do mundo, seja como lazer, é uma construção histórica da humanidade.
Conhecê-la, contribui na reflexão para entendermos e construirmos nossa
pratica com o ensino de arte.
1.2.1 – O Ensino de Arte no Brasil : Breve História da Democratização
O Ensino de Arte no Brasil teve início com as escolas especializadas
para crianças e adolescentes, no final da década de 20 e início da década de
30. Esse momento foi marcado por reflexões acerca da especificidade da Arte,
gerando o fenômeno da Arte como atividade extra curricular. Iniciando com a
34
Escola Brasileira de Arte, em São Paulo, esta admitia alunos com base no
talento, por meio de prova de desenho, e desenvolvia um ensino apoiado na
livre expressão, no espontaneísmo, no estilo que privilegiava a fauna e a flora.
Outros espaços se abriram com o mesmo modelo, como iniciativa dos
precursores Theodoro Braga, Anita Mafaltti e outros. Uma importante
contribuição veio de Mário de Andrade, que, em suas reflexões e análises,
publicados em artigos e desenvolvidos em sua prática como docente, tomava a
produção da criança com critérios científicos sob a ótica da filosofia da Arte,
considerando a “Arte como linguagem complementar, como Arte
desinteressada, e como exemplo de espontaneísmo expressionista a ser
cultivada pelo artista” (BARBOSA, 2001, p. 38).
Esse movimento foi frustrado no período da ditadura do Estado Novo,
pela pedagogização da Arte, no momento que o governo federal coloca no
currículo na Escola Secundária, desenho geométrico, e, na escola primária,
desenho pedagógico e cópia de estampas nas aulas de composição em língua
portuguesa. Na visão dessa autora, essa pedagogização se caracteriza pela
“utilização instrumental da Arte na escola para treinar o olho e a visão ou seu
uso para liberação emocional e desenvolvimento da originalidade vanguardista
e da criatividade” (BARBOSA, 2001, p. 38).
Contudo, foi após a referida ditadura do Estado Novo, já em 1947, que
teve início um movimento de valorização da Arte da criança, liderado por
artistas e arte-educadores, tais como Guido Viaro, Lula Cardoso Ayres, Suzana
Rodrigues, Noêmia Varella, contando com o apoio professores como Helena
Antipoff e Anísio Teixeira, do Movimento de Redemocratização da Educação.
Essa idéia, movimento de valorização de Arte, dá origem ao movimento
35
Escolinhas de Arte no Brasil11, chegando, na época, a um total de trinta e duas
escolas; com o objetivo de “liberar a expressão da criança (...) sem
interferência do adulto”. Muitas dessas escolas funcionaram em ateliês de
artistas. Era um movimento que se caracterizava pelo neo-expressionismo, o
qual eclodiu na Europa e Estados Unidos no pós-guerra, e no Brasil após a
ditadura em questão. Os expoentes do movimento tentavam mostrar o valor da
Arte na formação do ser humano, junto aos professores da rede pública, com
argumentos psicológicos. Contudo, estes não tinham autonomia frente às
orientações de seus governos.
Na época, 1948, houve uma tentativa de elaboração de uma proposta,
por Lúcio Costa, a qual trazia a “preocupação de articular o desenvolvimento
da criação e desarticular a identificação de Arte e natureza, direcionando a
experiência para o artefato” (BARBOSA, 2001, p. 40). Mas, apenas em 1958,
com uma lei federal, que instituía nas escolas, classes experimentais12, é que
fragmentos dessa proposta começaram a ser veiculados.
As classes experimentais, desenvolvendo um trabalho no qual co-
existiam uma certa variedade de técnicas e métodos, tais como método
naturalista de observação, método de Arte como expressão de aula, tinham o
propósito de “investigar alternativas experimentando variáveis para os
currículos e programas determinados como norma geral pelo Ministério de
Educação” (BARBOSA, 2001, p. 40).
11 A repercussão do Movimento Escolinhas de Arte, no Estado de Pernambuco, resultou na
criação, em 1953, da Escolinha de Arte do Recife, por um grupo de educadores, artistas e intelectuais, e, era parte desse grupo, Noêmia de Araújo Varela, arte-educadora que tem um importante papel no modernismo em Arte Educação. Outras relevantes contribuições nesse sentido encontramos em Azevedo (2000).
12 No Recife (PE), as experiências com as classes experimentais, se destacam: a Escola Ulysses Pernambucano, o Grupo Escolar Regueira Costa e Grupo Escoar Manoel Borba.
36
O trabalho, nas classes experimentais, tinha ainda, como eixo norteador,
o respeito às etapas de evolução gráfica das crianças, e um propósito
perseguido foi o do “Ensino de Arte em direção ao desenvolvimento da
criatividade” (BARBOSA, 2001, p. 41), caracterizando este momento como o
Modernismo em Arte-Educação. Nomes de peso, que atuavam na Escola de
Arte do Brasil, foram: Margaret Spencer, pela sua experiência fora do país,
como conhecedora de Arte; Augusto Rodrigues, artista plástico e poeta
pernambucano que, junto com ela, criou a primeira escolinha, desempenhando
um papel politicamente importante, pelas relações que estabelecia com as
classes dominantes, conseguindo assim, salvaguardar a Escolinha de qualquer
suspeita durante o regime militar (1964-1983); Lúcia Valentim, pelo norte de
sistematização que atribuía ao trabalho; e Noêmia Varella, como orientadora
teórica e prática.
A LDB de 1961 eliminou a uniformização dos programas escolares,
permitindo continuar as experiências iniciadas em 1958. Porém, é reconhecido
que o Ensino de Arte na escola não evoluiu e desde a década de 50 até a
década de 70, como lembra Lucimar Bello Frange (2002), o ensino de arte é
marcado pela livre expressão. Com o golpe de 1964, instalando-se outra
ditadura no Brasil, as escolas experimentais foram desmontadas.
É na LDB 5.692/71 que, sendo a Arte normatizada, passa a compor o
currículo como Educação Artística, materializada numa prática de Arte
sugestionada por temas e desenhos alusivos a comemorações cívicas,
religiosas e outros eventos.
Com a demanda causada pela normatização da arte como Educação
Artística – apesar do efeito multiplicador das escolas especializadas, a exemplo
37
da Escola de Arte do Brasil de onde saíram muitos professores que passaram
a atuar na escola pública – são criados cursos de Arte nas universidades.
Assim, atendendo à pressa na formação e a polivalência, por meio de cursos
aligeirados (com duração de dois anos), surge as denominadas licenciaturas
curtas, com direito a habilitação específica.
Na época, o Ministério da Educação, devido a essa demanda, e à
necessidade de definir o que ensinar e como ensinar, estabeleceu convênio
com a Escola de Arte do Brasil, para que técnicos das Secretarias Estaduais se
preparassem para elaborar guias curriculares de Educação Artística para os
Estados. Contudo, de modo geral, não funcionaram satisfatoriamente. Segundo
Barbosa (2001) houve “... dissociação entre os objetivos emitidos que dificulta o
fluxo de entendimento introjetado na ação”. Nessa experiência de elaboração
do guia, alguns estados se destacaram com um trabalho mais efetivo junto a
seus professores, tais como Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.
O MEC, no ano de 1977, reconhecendo o fiasco que representou a
experiência, e o caos que se encontrava o Ensino de Arte, criou o Programa de
Desenvolvimento Integrado de Arte Educação – PRODIARTE, com o propósito
de “integrar a cultura da comunidade com a escola, estabelecendo convênios
com órgãos estaduais e universidades” (BARBOSA, 2001, p. 46).
Muitos Estados da federação vivenciaram projetos, destacando-se os
Estados da Paraíba, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro. O final da década de
70 tornou-se um momento em que a organização da categoria de arte-
educadores se intensificou, muita embora sem profundidade de reflexão
política. As articulações que aconteceram no período eram freqüentemente
coordenadas por pessoas bem relacionadas com o regime militar. Portanto, até
38
aquele momento, essas articulações contabilizaram apenas ganhos
quantitativos, com adesão, cada vez maior, de professores para a discussão do
Ensino de Arte e de questões pertinentes à área, tais como a pesquisa.
Só a partir da década de 80, é que foram possíveis as discussões
políticas acerca do Ensino de Arte, sendo de fundamental importância para o
fortalecimento da categoria, a Semana de Arte e Ensino na USP, quando foi
criado o Núcleo Pró Associação de Arte Educadores de São Paulo.
O cenário de redemocratização do país, após a década de 80 até os
dias de hoje, foi favorável aos arte-educadores e artistas interessados na
discussão do Ensino de Arte e ao desenvolvimento de algumas ações políticas.
Foram desencadeados congressos e festivais, simpósios, fóruns de discussão,
bem como, encaminhamentos a partir de suas entidades representativas, como
a Federação de Arte Educadores do Brasil – FAEB, para a luta de
reconhecimento e legitimidade do Ensino de Arte de forma conseqüente.
Nessas discussões, vem ganhando espaço a Proposta Triangular, que
teve por base ações como fazer, ler e contextualizar, elaborada por Ana Mae
Barbosa, sistematizadas a partir das condições estéticas e culturais da pós-
modernidade, caracterizada pelo uso da imagem, sua decodificação e
interpretações na sala de aula. Na nova perspectiva de Ensino de Arte, a
Proposta Triangular, como uma das opções, veio a partir da consciência de
necessidades de contribuir para a leitura crítica do mundo.
Nessa nova fase, a LDB 9.394/96 foi um marco, porque assegurou a
obrigatoriedade do Ensino de Arte para toda Educação Básica. Contudo, por si
só, essa resolução não garante efetivamente o exercício desse ensino nas
salas de aulas das escolas públicas. Os próprios Parâmetros Curriculares
39
Nacionais – PCNs, que são criados com a intenção de proposição pedagógica,
sem caráter obrigatório, conforme o Parecer nº 03/97 do Conselho Nacional de
Educação – CNE, não apenas é amplo, como está distante de se sintonizar
com a realidade das escolas brasileiras. Fato que soa curioso, caracterizando
suas propostas descontextualizadas, na medida em que suas orientações
didáticas sugerem métodos e procedimentos que consideram o valor educativo
da ação cultural da arte na escola. Porém, a própria realidade do Ensino de
Arte nas escolas públicas se constitui por uma quase inoperância, pela
ausência de espaço, carência de professores qualificados, entre outras
deficiências. E ainda, a abrangência, tratada por Maura Penna (2001), pode ser
identificada de antemão pelas quatro linguagens – Música, Dança, Cênica e
Artes Visuais – componentes do Ensino de Arte. Isso exigiria um professor
qualificado em cada uma das linguagens, e no caso de sua demanda, conta
apenas com um profissional (quando conta), que, por suas limitações, mesmo
com “boa fé”, acaba privilegiando uma das linguagens, em detrimento das
outras.
Em resumo, é conhecido o esforço, por parte de arte-educadores,
brasileiros, entre esses, teóricos e artistas, sua luta em democratizar o ensino
de Arte através da escola. Porém, essa luta, ao longo de sua história instituinte,
se depara com a estrutura, que indica não apenas a complexidade dessa
batalha, mas, sinaliza, também, os jogos de interesses que permeiam essas
relações educacionais no que diz respeito ao ensino de Arte.
E, nesse sentido, conhecer os jogos de interesse que envolvem a
obrigatoriedade do ensino de Arte, nos oportuniza não apenas identificar as
40
influências políticas e históricas que envolve a questão mas, possibilita-nos
entender a importância dessa disciplina no currículo do ensino Fundamental.
1.3 – A Arte e o Ensino de Arte na Contemporaneidade
O caráter obrigatório do Ensino de Arte, assegurado na lei 9.394/96,
representa um grande avanço, uma vez que na legislação anterior Lei nº
5.692/71, a Arte era proposta como atividade, e, conforme adverte Azevedo
(1996, p. 35)
Destituída de um caráter de disciplina que colabora na formação/informação/construção do conhecimento humano, favorecendo a formação de uma mentalidade excludente quanto ao acesso da maioria da população aos bens estéticos e artísticos.
Torna-se relevante lembrar que o contexto que marcou a oficialização na
LDB de 71 e o movimento que caracterizou a elaboração da lei 9.394/96 são
totalmente opostos. O primeiro marcado pela intransigência retrógrada de um
período de ditadura militar em que vivia o país; a segunda, por um momento de
abertura política, que permitia a participação da sociedade civil organizada
intervir no processo de elaboração.
De fato, como assinala Saviani (2000), para esclarecermos o significado
de um produto de modo eficaz, é necessário verificarmos como foi produzido.
No artigo intitulado “Funções de preservação e deformação do Congresso
Nacional na legislação do ensino: Um estudo de política educacional” esse
autor analisa as Leis: 4.024/61 (LDB), 5.540/68 (Reforma Universitária) e
41
5.692/71 (Reforma do 1º e 2º grau), afirmando que as emendas na legislação
revelam a função do Congresso Nacional na legislação do ensino.
Em suas conclusões, Saviani (2000) revela que a função do Congresso
Nacional pode ser de deformação ou preservação da coerência do projeto
original. As respostas, para as diferenciações e causas dessas funções, estão
no modo de funcionamento do regime político brasileiro. Assim, no nosso
regime dito democrático, à luz desse significado, ganham importância às
noções de democracia restrita e democracia excludente.
De posse desse esclarecimento, devemos lembrar também que a forma
como a Arte está assegurada na legislação atual, ao mencionar que a mesma
deve “promover o desenvolvimento cultural dos alunos”, já aponta alguns
elementos que norteiam a concepção de Arte veiculada às discussões em
torno dessa questão. Contudo, isso não significa que esteja garantido tal
desenvolvimento, nem que os interesses dos arte-educadores tenham
conseguido prevalecer, em detrimento dos interesses das classes dominantes.
Ana Mae Barbosa (1998), analisando o papel da Arte no
desenvolvimento cultural, chama a atenção para a representação simbólica dos
traços espirituais, materiais, intelectuais e emocionais, característicos de uma
sociedade. Assinala ainda que a Arte, enquanto linguagem presentacional dos
sentidos, transmite significados que outras áreas do conhecimento, como a
sociologia, a história a antropologia, não podem dizer frente ao tipo da
linguagem discursiva e cientifica. Segundo essa autora, através da Arte é
possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do
meio ambiente, e desenvolver a capacidade crítica, de modo que analisando a
42
realidade percebida e desenvolvendo a criatividade, essa realidade possa ser
transformada.
Entretanto, não é simplesmente colocando a Arte no currículo que está
garantido o crescimento dessas habilidades mencionadas. É necessário
preocupar-se com o modo como a Arte é concebida e ensinada. Nesse sentido,
a escassez teórica no Ensino de Arte limita seu uso em procedimentos que se
situam numa abordagem da tradição positivista. Temos, como ilustração disso,
o uso das Artes visuais como mero recurso para comemorações festivas e
atividades afins. Distanciando-se de uma perspectiva contemporânea, não
favorece o conhecimento nas e sobre Artes visuais, de modo organizado,
relacionando produção artística com apreciação estética e informação histórica,
integração que corresponde à epistemologia de Arte (BARBOSA, 1998).
Na verdade, essa perspectiva rompe com o conceito de Arte como
recurso, deslocando-o para o campo dos saberes, enfatizando que “o
conhecimento das Artes tem lugar de intersecção: experimentação,
decodificação e informação. Nas Artes visuais, estar apto a produzir uma
imagem e ser capaz de ler uma imagem são duas habilidades inter-
relacionadas” (BARBOSA, 1998, p. 17). A importância de leitura visual, na
atualidade, é um requerimento fundamental, atribuindo à educação a tarefa de
ensinar a gramática visual e sua sintaxe através da Arte. De fato, o desafio
atual do Ensino de Arte é pensar e propor além da leitura formalista.
Fruto de muita discussão entre os arte-educadores, atualmente essa
tendência vem se desenvolvendo em torno do Ensino de Arte. Na verdade, ela
privilegia essa área de conhecimento enquanto constituída de teoria do
conhecimento e história própria como qualquer outra área de conhecimento
43
específico, tais como as disciplinas de Matemática, Português e outras, com
seus respectivos conteúdos.
No entanto, o ensino da Arte, conforme afirmamos anteriormente, era
concebido como atividade, e não como área de conhecimento, constituída de
objeto específico.
A partir de sua experiência em sala de aula e na coordenação de
projetos educacionais, Célia Maria de Castro Almeida (2001) propõe-se a tratar
acerca das concepções e práticas artísticas na escola. Com base em seus
estudos, pode-se observar que a prática docente do Ensino de Arte nas séries
iniciais, na forma pela qual se desenvolve, caracteriza-se pela utilização da
Arte a serviço de outras disciplinas, como recurso para ilustrá-las, atribuindo-se
às Artes, o que denomina de caráter utilitário ou instrumental. Ela recorre a
estudos de autores como Vicent Lanier (1984), Elliot Eisner (1979) e Georges
Snyders (1998), para identificar as concepções assumidas pelos professores,
destacando as características e as posições ideológicas das práticas
pedagógicas de tais professores.
Nessa perspectiva, é destacado, ainda, o uso da Arte pelos professores,
em geral, também, a serviço do desenvolvimento emocional e social da
criança, recorrendo-se ao desenho, para ilustrar os trabalhos e desenvolver a
coordenação motora; à música para relaxar as crianças e desenvolver a
acuidade auditiva, e assim por diante. Esse modo de agir com a Arte estaria
fundado na abordagem contextualista, mesmo sem os professores em questão
se darem conta de sua existência.
É pertinente destacar que a abordagem contextualista da Arte, de modo
geral, caracteriza-se pela função instrumental da Arte na formação do indivíduo
44
como um todo. Portanto, a partir dos conhecimentos específicos da área, a Arte
estaria a serviço da formação do indivíduo nas dimensões: intelectual, afetiva,
espiritual e física.
De acordo com Almeida (2001, p. 13) nas idéias dos autores
contextualistas
o ensino das Artes nas escolas não deveria se preocupar apenas com o desenvolvimento de habilidades, conhecimentos e valores exclusivos da área artística, mas também com a formação geral dos alunos.
A referida autora compartilha com as idéias contextualistas e identifica
que a prática dos professores com o ensino de Arte caracteriza-se por essa
perspectiva. Entretanto, questiona o fato de que professores não têm clareza
do porquê da presença da Arte no currículo escolar.
Assim como a autora, na nossa experiência docente, percebemos que
os professores têm consciência de que o ensino de Arte na educação básica
não tem o propósito de formar o músico, o artista plástico, o ator ou o
dançarino. De fato, a Arte na educação escolar de hoje não tem como objetivo
formar artistas, mas, sobretudo, busca contribuir para uma leitura mais ampla
de mundo. A falta dessa clareza é um fator determinante da inquietação dos
professores do Ensino Fundamental, no que se refere a “o que ensinar”.
Nessa perspectiva, para mostrar as razões que justificam a presença da
Arte no currículo escolar, a discussão de Elliot Eisner (1979), mostra, tendo
como referência às Artes plásticas, a Arte reconhecida enquanto disciplina
capaz de construir habilidades de pensamento, de percepção, motores e de
valores. Eisner (1979) aludido por Almeida (2001, p. 14) destaca que ao
realizarem atividades artísticas as crianças
45
desenvolvem auto-estima e autonomia, sentimentos de empatia, capacidade de simbolizar, analisar, avaliar e fazer julgamentos e um pensamento mais flexível; (...) o senso estético e as habilidades específicas da área artística, tornam-se capazes de expressar melhor idéias e sentimentos, passam a compreender as relações entre partes e todo e a entender que as Artes são uma forma diferente de conhecer e interpretar o mundo.
Apesar de reconhecer que, por meio do ensino de Arte, os alunos se
tornam mais sensíveis, capazes de perceber de forma acurada modificações
no mundo físico e natural, e também de experimentar sentimentos de ternura,
simpatia e compaixão, o motivo apontado como mais importante para incluir as
Artes no currículo escolar, segundo Almeida (2001, p. 15) é que elas “... são
partes do patrimônio cultural da humanidade, e uma das principais funções da
escola é preservar esse patrimônio e dá-lo a conhecer”.
Nessa discussão, o traço essencial que pretendemos destacar é que a
importância do ensino da Arte vai além do campo específico das Artes.
Podendo ser observado quando ela afirma que
as Artes deveriam servir a interesses políticos e sociais; para discutir questões como diversidade cultural e formas de exclusão social e, desse modo, contribuir para a construção de sentimentos de tolerância, respeito e compaixão entre as pessoas (ALMEIDA, 2001, p. 18).
Assim, é pertinente destacar que, de acordo com essa autora, a
concepção dualista que separa mente e corpo, pensar e fazer, lazer e trabalho,
Arte e técnica contribui na escola, para uma descaracterização do ensino
artístico. Isso, de certo modo, explica a demanda dos professores por “técnicas
novas” e “novos modelos” de “trabalhinhos” e, também, alguns ditos, imagens e
idéias dos professores com relação ao fazer e ao ensinar Arte: “é preciso ter
dom”, “não tenho jeito” ou “sou desafinado”.
46
Tais preocupações norteiam a concepção de que Arte não se ensina, já
se nasce sabendo. Entretanto, na contemporaneidade, a, capacidade
imaginativa do artista é entendida
Como passível de ser aprendida e apreendida por qualquer pessoa, sem distinções preestabelecidas de dotes artísticos (...) a imaginação do artista pode ajudar a inaugurar um novo olhar, mais sensível e inteligente, sobre o real (AZEVEDO, 1996, p. 17).
Essas observações demonstram que a concepção de Arte como mero
fazer artístico, desprovida de qualquer elemento constitutivo enquanto
conteúdo possível de ser apreendido vem, aos poucos, sendo superada como
fruto de muita discussão, pesquisa e produção envolvendo essa temática.
Portanto, frente a um breve olhar acerca do ensino da Arte, é possível
identificar alguns pontos chaves: por um lado, uma concepção apoiada numa
visão filosófica idealista, revestida de um caráter ideológico liberal, na medida
que assegura que o artista é pré-dotado misticamente pelo “dom”, justificada
pelo determinismo biológico, considerando que já se nasce artista; e por outro,
uma concepção onde a Arte é
compreendida como um processo de trabalho consciente em que a inteligência, assim com a emoção, são mobilizadas em sua relação dialética, no sentido de dominar e transformar a matéria prima em fato artístico (AZEVEDO, 1996, p. 29).
Isso vem revelar a inter-relação do Ensino de Arte com as dimensões
política, social, cultural e econômica da sociedade, como trata Barbosa (2001).
Ela chama a atenção que, politicamente, os textos redigidos e aprovados pelo
Conselho Federal de Educação – CFE, são caracterizados por sua
ambigüidade política, que beneficia a empresa privada do ensino. Esse
benefício se materializa na realidade das escolas da rede particular, as quais,
protegidas pela ambigüidade de sentido dos textos, retiram Arte de seus
47
currículos tendo em vista que, menos um professor na folha de pagamento
representa mais lucro em sua contabilidade.
Conforme Heliana Ometto Nardin e Mara Rosângela Ferraro (2001),
acerca dessa dimensão política da historicidade do percurso da arte, não há na
contemporaneidade uma referência estética e teórica que revele um caráter
conceitual de Arte de forma universal e invariável. Tal indefinição faz gerar uma
obra transformadora e investigadora. Elas destacam que o movimento interno,
vivenciado nas Artes, está em interação com os aspectos da vida social,
política, econômica e cultural da sociedade.
Essas autoras, fazendo alusão a estudo de Arthur Efland (1998) sobre
os conceitos de cultura, sociedade, Arte e educação em um mundo pós-
moderno, reportam-se ao movimento modernista, como uma revolução cultural
ocidental, que afetou a vida em todos os sentidos. O período tratado é marcado
pela emergência do progresso da ciência, tendo por característica o surgimento
de determinados movimentos de Arte já nomeado por seus criadores. A título
de exemplo, podemos mencionar o Cubismo, que de acordo com Nardin e
Ferraro (2001), trata-se de movimento estético que rompe com a imitação do
real. Tal movimento é historicamente prenunciado entre 1907 e 1914 pelas
obras de Picasso e Braque.
Essa nomeação dos movimentos vinha acompanhada de um manifesto,
no qual apresentava “... as idéias dos artistas sobre o mundo e sobre a Arte, a
maneira de realizar a ruptura com o passado e de construir uma nova forma de
expressão” (NARDIN e FERRARO, 2001, p. 188). É interessante perceber que
esses manifestos propõem um caráter universalista, e, conseqüentemente,
contribuem para perdermos a referência da criação com o contexto social.
48
Também supervalorizam a dita “alta cultura” em detrimento da cultura popular,
e assim, contribuem para que a Arte se mantenha afastada do restante da
sociedade. Tendo por base esse afastamento, começamos a encontrar
respostas para a ausência do ensino de Arte na escola.
Vale ressaltar que essa ausência está relacionada à Arte como
atividade, assegurada na legislação como Educação Artística, voltando-se o
ensino modernista para o desenvolvimento da expressão do aluno.
Diferentemente de uma perspectiva pós-moderna ou contemporânea, que,
além disso, assegura o desenvolvimento da livre interpretação da obra de Arte
como objeto de ensino, ratificado pelo slogan: todos podemos compreender e
usufruir da Arte (BARBOSA, 2002).
Ana Mae Barbosa (1996), contribuindo no sentido da discussão dessa
ausência, no artigo “A pintura: algumas polaridades no Brasil e suas
conseqüências para a crítica e o ensino”13, aponta polaridades existentes nas
Artes plásticas no Brasil no que se refere à caracterização da produção das
obras. Após apresentar um breve histórico das categorias artísticas que
predominou no Brasil da década de 20, à contemporaneidade, ela norteia sua
reflexão para a postura dos críticos em Artes e sua atenção exclusiva para a
leitura e análise da neo-abstração e neoconceitual, como também, para os
arte-educadores que se direcionaram para o figurativo. Segundo essa autora,
“... é de contestação e ruptura, e não de cristalização, que se alimenta a Arte”
(BARBOSA, 1996, p. 7). Esta alusão é usada para indicar a polaridade entre o
13 Nesse artigo a autora trata das artes plásticas, reportando-se ao Modernismo explosivo de
1922, relacionando ao que denomina de “quase cubismo” de Tarsila do Amaral, com ênfase numa temática culturalista; e, ao expressionismo de Anita Malfatti como uma temática que denomina intimista. Ela refere ainda, que os anos 50 e 60, dominados pelo abstracionismo, foram sacudidos também pela polaridade (entre a geometria e o gesto).
49
Modernismo explosivo de 22 e expressionismo que se confrontou no Brasil do
século XX.
Um aspecto que consideramos pertinente destacar é o dos arte-
educadores, que, segundo essa autora, tais profissionais, privam a escola de
se aprofundar no desenvolvimento de habilidades mais profundas, no que diz
respeito à apreciação e recepção da obra de Arte. Ela afirma que, na
contemporaneidade, a tensão bipolar se origina na confrontação do figurativo e
do não-figurativo. Destaca ainda, que nos anos 50, essa luta foi amena, mas
que voltou com muita força nos anos 80.
Nessa perspectiva, concordamos com a autora quando nos adverte
sobre a questão da polaridade, observando que a “representação objetiva e
não-objetividade se inter-relacionam no discurso sem apontar para uma
artificial hierarquização pseudo-desenvolvimentista” (BARBOSA, 1996, p. 12).
Queremos destacar no período abordado por ela, o fato dos críticos de Arte
“menosprezarem” o figurativo, e os arte-educadores o abstracionismo. O que
reclama um equilíbrio, que se traduz pela necessidade dos críticos se voltem
também para a avaliação do figurativo, e os arte-educadores compreendam
que a “facilidade” de análise que o figurativo pode proporcionar é apenas um
estágio da apreciação.
No que se refere ao contexto sócio-econômico e político da década de
80 e 90, vimos que as interações transnacionais marcaram diversos aspectos
da vida em sociedade, vindo os interesses da globalização repercutir inclusive
na legislação educacional.
Verificamos em Boaventura de Souza Santos (2002), na obra que
organiza, intitulada: “A Globalização e as Ciências Sociais”, na qual reflete
50
acerca do processo de globalização, uma explicação a complexidade desse
fenômeno que trás em seu bojo contradições e desigualdades.
Ele inicia sua reflexão, com uma alusão a Gildens (1990), apresentando
a noção de definição de globalização como “... intensificação de relações
sociais mundiais que unem localidades distantes de tal modo que os
acontecimentos locais são condicionados por eventos que acontecem a muitas
milhas de distância e vice versa” (SANTOS, 2002, p. 26).
É essa particularidade de condicionamento que tomamos como
referência para entendermos a realidade brasileira no período a partir do final
da década de 80. Reconhecemos que a partir dos elementos econômicos,
sociais, políticos e culturais, que permeiam o fenômeno da globalização,
possamos compreender essa complexidade. E que tal compreensão revelar-
se-á imprescindível para verificarmos como reagiu a realidade brasileira na
gestação de sua legislação que vem completar o marco do período da
redemocratização do país, na relação entre o local e o global.
Na nossa concepção, a elaboração da legislação, referente à
Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases – LDB, Lei nº
9.394/96, apoiou-se no que Santos (2002, p. 66) denominou de Globalismo
Localizado, consistindo, “... no impacto específico nas condições locais
produzido pelas práticas e imperativos transnacionais que decorrem dos
localismos globalizados”.
Podemos assim nos perguntar: De que modo essas preocupações do
Banco Mundial, e de outros organismos internacionais, são materializados na
legislação?
51
Primeiramente, é pertinente esclarecer que essa complexidade não foi
uma construção repentina, pois a globalização é um fenômeno que remonta ao
final do século XV e início do século XVI, ressurgindo revigorada na década de
80, do século XX, revestida de um poder “desumano” que anuncia entre outros
fatores uma crise econômica global, bem como, o recuo das vitórias históricas
das classes trabalhadoras e da sociedade em geral, com efeitos no exercício
dos direitos sociais e humanos.
Considera-se que essa construção revigorada parte da crise do
capitalismo do final da década de 60, tornando-se mais clara na década de 70
eclodindo no contexto da intensa e progressiva crise estrutural do regime de
acumulação fordista, fortalecendo a retórica neoliberal que ganha espaço
político, e também, densidade ideológica, com crença fundamental na
eficiência e justiça da economia e da sociedade reguladas pelo mercado
(GENTILI, 1996).
A retórica neoliberal se expressa como base para elaboração teórica e
conceitual de um novo senso comum. Verificamos em Pablo Gentili (1996) que
compreende o neoliberalismo como “... um complexo processo de construção
hegemônica”, elementos de tal elaboração, que o desafio dos intelectuais
neoliberais foi o de promover uma mudança de mentalidade na população, ou
seja, construírem um novo senso comum, podendo ser traduzido como um
novo imaginário social, que desse sustentação aos ideais da nova ordem
social.
Esse teórico, refletindo acerca do discurso neoliberal no campo
educacional, atribui o êxito cultural a cinco décadas de história teórica e mais
de vinte anos de experiência no exercício do poder como elementos que
52
contribuíram para a definição da natureza e do caráter dos programas de
ajustes neoliberais em nível mundial.
Esse desgaste reflete-se nas desigualdades garantidas por meio de
orientação e apoio de organismos internacionais. Podemos, como exemplo,
mencionar o Banco Mundial, que, por um lado, reconhece que a igualdade é
relativa e para superá-la é preciso intensificar os gastos em saúde e educação;
por outro lado, reúne esforços para que isso seja viabilizado com vistas ao
crescimento econômico (CHOMSKY, 2001).
Recorrendo aos estudos de Otávio Ianni (2002) quando reflete sobre a
ocidentalização do mundo, em sua obra “A sociedade global”, verificamos que
ele assinala que um novo ciclo de ocidentalização está em curso, o qual vem
sendo fortalecido pelas “missões civilizatórias” das organizações multilaterais,
transnacionais.
Esse autor destaca, com base no documento Word Bank, Education
Washington (1974) que
desde que o Banco Mundial decidiu entrar no campo de desenvolvimento educacional, em 1962, seu objetivo tem sido (...) ajudar os países em desenvolvimento a reformar e expandir seus sistemas educacionais, de tal maneira que eles possam contribuir mais plenamente para o desenvolvimento econômico (IANNI, 2002, p. 74).
Nesse sentido, lembramos que a racionalização do mundo interfere nas
relações, nos processos e estruturas de todos as dimensões da vida em
sociedade, visando à dominação e apropriação de bem, e promovendo a
integração e antagonismo entre nações e no seio de cada uma delas. É aí que
entra o papel de missionário das civilizações das organizações transnacionais,
influenciando, orientando e induzindo o fazer das nações.
53
Sendo um dos propósitos da globalização o alcance mundial do
capitalismo que se consolidou no século XX, é clara sua vinculação e
intervenção entre os projetos de desenvolvimento nacional e os projetos
econômicos e políticos de âmbito mundiais. Percebemos que tais propósitos
são marcados pelo desenvolvimento intensivo e extensivo do capitalismo, que
se expressa na concentração e centralização do capital, também em escala
mundial.
Tendo em vista essa concentração e centralização do capital e
atendendo a esse propósito, materializa-se também a produção e distribuição
de produção em larga escala por todas os cantos do planeta. Nesse novo ciclo
do capitalismo, a indústria cultural vem se tornando um dos meios de
“reeducar” o povo através da expansão dos meios de comunicação de massa,
o que vem sendo reconhecido como a categoria imagens. Essa expansão trás
um propósito, que, de acordo com Ianni (2002), é o de produzir uma cultura
internacional-popular.
Segundo Fischer (2002, p. 233) “o lucro obtido na satisfação (...) por
entretenimento é o alvo dos produtores e distribuídos da chamada ‘arte para as
massas’ no mundo capitalista”, configurada como uma produção carregada de
frases feitas, comercializadas como sonhos por meio de imagens. É pertinente
lembrar que os artistas buscam novos meios para denunciar e/ou representar
essa realidade obscura que se formata nesse novo momento do capitalismo.
Artistas e escritores têm sido incitados a procurar novas expressões que
possibilitem denunciar e representar essa nova realidade.
Entretanto, ocorre que para as massas de seres humanos, alvo predileto
no momento do capitalismo, a Arte é algo, de modo geral, inteiramente novo.
54
Como assinala Fischer (2002, pp. 233-234) “... não aprenderam a distinguir o
bom do ruim, seres cujos gostos artísticos ainda está por se formar, cuja
capacidade de apreciar as qualidades artísticas precisa ser desenvolvida”.
Considerando a capacidade de produção cada vez mais arrojada dos
meios de produção capitalista; a expansão do modo de pensar, de agir, de
imaginar das massas atendendo ao propósito da globalização; a missão
civilizatória das organizações transnacionais, mediadoras dos “receptores e
doadores” do desenvolvimento econômico; a disponibilidade de uma arma tão
poderosa como a Arte, para as massas “ignorantes”, inferimos que nada mais
conveniente do que colocá-la nos currículos escolares.
Entretanto, não podemos desconsiderar que se a Arte tem, como função
permanente, como afirma Fischer (2002, p. 252), “... recriar para a experiência
de cada indivíduo a plenitude daquilo que ele não é, isto é, a experiência da
humanidade em geral”, devemos buscar sua magia uma vez que esse
processo de recriação indica que a realidade é possível de ser transformada.
Nessa perspectiva, a magia está em identificarmos a importância da Arte
na formação da pessoa humana, em definirmos seu papel no currículo escolar,
em reconhecermos as possibilidades dos/as educadores/as em conhecer a
história da Arte e ter clareza quanto às opções pela formação das classes
populares.
56
A linha não existe na natureza. É uma invenção do homem, um guia para aqueles que desejam penetrar no mundo amorfo que nos circunda em toda parte. A linha é o fio de Ariadne que
nos conduz através do labirinto de milhões de objetos naturais. Sem a linha estaríamos perdidos. Não
encontraríamos mais o caminho.
(Georges Grosz, 1924)
2.1 – Fundamentos Teórico-metodo lóg icos da Pesquisa: Caminho
Norteador
Considerando que o objeto de pesquisa deste trabalho diz respeito a
uma temática de profundo significado existencial – Arte, buscamos uma opção
teórico-metodológica que favorecesse uma adequada aproximação entre
sujeitos envolvidos e pesquisadora, permeada por essa dimensão da Arte. Ao
lado disso, consideramos ainda a necessidade de abordar a relação dos
sujeitos com os textos de base legal, referente ao ensino de Arte.
Inicialmente, norteamos nossa escolha pela busca de um enfoque
metodológico que enfatizasse o mundo da vida cotidiana, o que nos levou para
o campo de preocupação da fenomenologia social, com base nas idéias de
Schutz, por sua vez, inspirada na filosofia husserliana.
Ela dá ênfase ao estudo do cotidiano, como já mencionamos,
reconhecendo que o estudo da realidade e do fenômeno ocorre de maneira
57
subjetiva14. A fenomenologia propõe o estudo do homem procurando a
essência e o significado do objeto.
De acordo com Schutz, a realidade já possui um sentido atribuído pelos
sujeitos que aí vivem, sendo o propósito do pesquisador revelar esses
significados. Fazendo alusão a esse pensador, Maria Cecília Minayo (2000, p.
58) assinala que, “...são os pequenos grupos (...), os responsáveis pela
identidade dos indivíduos, pela sua estabilidade e por seu sistema de
significados, na medida em que os integram uma visão de mundo
compartilhada”. Com base nessa reflexão, Inferimos que os indivíduos que
integram a escola, realidade que compõe o campo de estudo desta
investigação, correspondem a sujeitos que norteiam sua prática por uma
intencionalidade.
Em função desse sentido, já atribuído à Arte e ao Ensino de Arte, pelos
professores, escolhemos os instrumentos de coleta de dados, de modo que
apreendêssemos o discurso dos sujeitos por meio de sua fala e de sua prática,
preservando a dimensão de subjetividade. Reconhecemos que esse processo
esteve norteado pela referência intencional também do pesquisador, uma vez
que na perspectiva fenomenológica, a experiência vivida é um exercício de
interpretação.
A fala das professoras contém um conhecimento íntimo, profundo,
permanente, estando presente parte do sensível. Meu papel enquanto
pesquisadora foi de um bom crítico, que numa perspectiva antropológica
“passeia na frente da obra com uma lâmpada”.
14 A subjetividade, conforme o ideário fenomenológico, neste estudo é entendida como a
dimensão do sujeito, desenvolvida a partir de suas experiências de vida.
58
Outro aspecto abordado pela fenomenologia é a intersubjetividade, o
que significa dizer que para a fenomenologia só existe conhecimento entre dois
sujeitos a partir de uma relação subjetiva, a qual envolve a dimensão afetiva e
não apenas a racional.
Na perspectiva de assegurar a historicidade desse sujeito – professor/a,
recorremos, como aporte metodológico para análise dos dados, a Análise de
Discurso – AD, tendo por base as idéias de Eni Orlandi. Segundo essa autora,
“na Análise do Discurso, procura-se compreender a língua fazendo sentido,
enquanto trabalho simbólico, parte do trabalho social geral, constitutivo do
homem e da sua história” (ORLANDI, 2002, p. 15).
Portanto, ao lidar com uma categoria complexa como a Arte, e
desafiante como o Ensino de Arte, nosso esforço se deu em procurar manter
um equilíbrio entre o conhecimento e a afetividade. Essa busca foi expressa no
decorrer do processo de conhecimento da realidade social em questão, pela
aproximação entre a estrutura simbólica e a essência do significado desse
simbolismo.
A legitimidade desse processo, do ponto de vista da fenomenologia se
deu no sentido de assegurar a dimensão da subjetividade, que apenas se
consolida na intersubjetividade. Ou seja, o conhecimento foi sendo
gradativamente construído, pela relação subjetiva existente entre sujeitos,
envolvendo não apenas a dimensão racional, mas também a afetiva. Do ponto
de vista da AD, essa legitimidade ocorre pela teorização da interpretação que o
sujeito faz da realidade, ao atribuir-lhe sentido. Como assinala Orlandi (2002, p.
26), “o estudo do discurso visa a compreensão de como um objeto simbólico
produz sentidos, como ele está investido de significância para e por sujeitos”.
59
Com essa perspectiva, além da escolha da teoria fenomenológica, que
no processo de conhecimento se volta para a compreensão do fenômeno,
recorremos à AD como aporte metodológico, uma vez que seu elemento
fundante é a construção de sentido. Assim, procuramos contribuir para o
desvelamento do sentido dos dados apreendidos na realidade estudada, à luz
de informações documentais, considerando, sobretudo, o dito e o silenciado
como base de análise.
O dito e o silenciado, presente na fala e na prática dos professores do
Ensino Fundamental I, com o ensino de Arte, tomaram forma de texto, no qual
buscamos apreender o sentido atribuído por tais sujeitos, considerando-os
“...enquanto unidade significativa e pragmática, portador do contexto situacional
expresso pelo sentido” (MINAYO, 2000, p. 212).
Embora o texto já tenha sido tomado como objeto de estudo em outras
épocas15, é a AD, a partir do século XX, anos 60, que desenvolve uma
perspectiva de preocupação em saber como o texto significa.
Como aporte metodológico, a AD surge afiliado a uma tradição
intelectual européia, que se volta para a reflexão sobre o texto e sobre a
história, bem como para a prática escolar da explicação de texto, ambos tendo
uma base de interdisciplinaridade, uma vez que era preocupação de lingüistas,
historiadores e psicólogos.
É na perspectiva do alinhamento lingüístico ao sócio-histórico que o
quadro teórico da AD recorre aos conceitos de ideologia e de discurso,
aspectos esses que devemos considerar ao tratarmos com a Arte e seu ensino,
uma vez que seu objeto de interesse, enquanto área de conhecimento, situa-se 15 Temos como referências: No século XIX, por M. Brial, na perspectiva da Semântica Histórica;
nos anos 20/30 do século XX, pelos formalistas russos; e, nos anos 50, por Z. Harris, estruturalista americano, entre outros.
60
como linguagem capaz de comunicar e expressar, portanto, assumindo o papel
de texto a ser compreendido por um leitor.
2.2 – Análise de Discurso: Contribuições na Compreensão da Concepção
de Arte e de Ensino de Arte
Como já se encontra mencionado, para identificação das concepções de
Arte e de Ensino de Arte dos professores, recorremos à contribuição da AD.
Essas concepções foram apreendidas através do registro de suas falas nas
entrevistas; de observações em sala de aula; de observações do contexto da
escola como um todo, dando destaque a alguns eventos pedagógicos, tais
como: as festividades do folclore, feira de conhecimento, a vivência de um
projeto, de tema Paz na escola, os quais, foram promovidos pelo conjunto de
profissionais.
Sob a luz da AD, reconhecemos a prática de Ensino de Arte como práxis
social, que se expressa para nós em sentido estrito, enquanto contexto
imediato, como circunstâncias de enunciação; e, no sentido amplo, como
contexto sócio-histórico e ideológico: Ambos revelando as condições de
produção do discurso onde o interdiscurso é entendido como a memória
discursiva das representações e signos construídos pelos sujeitos e/ou
instituições, que se revelam no discurso proferido (ORLANDI, 1999).
Nesse sentido, torna-se pertinente ressaltar que a referida prática
docente é desenvolvida por sujeitos que são afetados por questões de ordem
social, cultural, econômica, ideológica e política, que marcam sua experiência
de vida, conforme se inscrevem na história. De acordo com Orlandi (1999, p.
37) “... os sentidos e os sujeitos sempre podem ser outros. Todavia nem
61
sempre o são”. Inferimos então, que nem os sujeitos, nem os sentidos, nem o
discurso, estão prontos e acabados.
É a partir dessa possibilidade, de incompletude, que o elemento se
materializa como objeto da AD: O discurso vai se constituindo na concepção de
Arte e de ensino de Arte do/a professor/a, articulando-se com outros discursos
interno e externo a esses profissionais.
Como assinala Orlandi (1999, p. 17), “... os estudos discursivos visam
pensar o sentido dimensionado no tempo e no espaço das práticas do homem,
descentrando a noção de sujeito e relativizando a autonomia do objeto da
lingüística”.
É nessa perspectiva que buscamos, na fala do/a professor/a e em sua
ação, o sentido que dimensiona a concepção de Arte e de Ensino de Arte,
identificando elementos que são parte de sua formação enquanto sujeito social,
os quais são monitorados, na sua prática com o Ensino de Arte e, nas idéias
norteadoras da referida prática, como parte de um projeto de sociedade.
Esse sentido do discurso, desconstruído, permite identificar a concepção
de Arte e de Ensino de Arte. De fato, acreditamos, conforme o que preconiza a
AD, que estaremos teorizando a interpretação, uma vez que buscamos
compreender “... como um objeto simbólico produz sentidos, como está
investido de significância para e por sujeitos” (ORLANDI, 1999, p. 26), tendo
como referência o dito, o interdiscurso e o silêncio (não-dito).
O interdiscurso se justifica pela relação do discurso dos professores,
com outros discursos já ditos em outras épocas e lugares. Na verdade, os
discursos assegurados na Lei e nas diretrizes operacionais, presentes em seus
desdobramentos (PCN e Proposta Curricular da PCR), são caracterizados por
62
um sentido de permissividade que outrora não vigorava, mas, atualmente é
conveniente. Esse é um aspecto externo ao professor, que pode ser
identificado como o interdiscurso.
Nesse sentido, é significativo saber “como o texto significa”, uma vez
que não sendo a linguagem transparente, o importante na AD é construir
sentidos, sobretudo, por sua materialidade simbólica própria e significativa em
sua discursividade: é disso que trata a Análise de Discurso.
É pertinente lembrar que o bem merecido status da Arte, como
componente curricular enquanto área de conhecimento específico, resulta da
luta da categoria de arte-educadores. Se essa vitória não foi assegurada antes,
se deve ao fato da Arte representar uma possibilidade de ampliação da
consciência do sujeito, representando um risco às classes dominantes,
situação típica que revela que “o interdiscurso é todo o conjunto de formulações
feitas e já esquecidas, que determinam o que dizemos. Para que minhas
palavras tenham sentido é preciso que elas já façam sentido” (ORLANDI, 1999,
p. 33).
Poderíamos ainda lembrar os fatores que constituem a formação do
imaginário no que se refere às condições de produção do discurso. Como
assinala Orlandi (1999, p. 43) “o discurso se constitui em seu sentido porque
aquilo que o sujeito diz se inscreve em uma formação discursiva e não outra
para ter um sentido e não outro”.
Aproveitamos para enfatizar a importância de outra noção da AD
pertinente ao presente trabalho: o silêncio (o não-dito). O não-dito aparece no
dizível no momento em que buscamos situar as condições de produção dos
documentos legais, considerando o contexto em que seus discursos se
63
inserem, caracterizados pela busca da qualidade na educação. É através dos
mecanismos de interpretação e, pela função em constituir indivíduos concretos
em sujeitos que a ideologia “funcionando nos rituais materiais de vida cotidiana,
opera a transformação dos indivíduos em sujeitos. Portanto, é no sujeito e por
meio dele que a ideologia será possível” (BRANDÃO, 2002, pp. 23-24).
2.3 – Leitura do Quadro: A Escola Campo d e Investigação
Com o propósito de compreender o Ensino de Arte, a partir dos/as
professores/as do Ensino Fundamental I, tomamos como referência o discurso
desses professores/as, expresso na sua fala por meio de entrevistas, e, na sua
prática desenvolvida em sala de aula e no contexto coletivo da escola.
Frente à nossa opção, desenvolvemos a pesquisa de campo em apenas
uma escola, da Rede Municipal que oferece o Ensino Fundamental I,
localizada na cidade do Recife.
A opção por essa escola, tendo em vista subsídios significativos que
favorecessem a compreensão do Ensino de Arte, teve como critérios: Escola
Pública da Rede Municipal da Prefeitura da Cidade do Recife, considerando,
sobretudo, nossa aproximação com a mesma, enquanto educadora e, por esta
rede de ensino assegurar a obrigatoriedade do Ensino de Arte, antes mesmo
da LDB 9,394/96; escola que contasse com um número significativo de
professores, em exercício de suas atividades no Ensino Fundamental I, que
estivessem na rede antes de 1996, portanto, antes da promulgação da
64
LDB/96, o que implicaria que já estavam na rede quando esta assegurou a
obrigatoriedade do Ensino de Arte em seu currículo.
O processo de seleção se deu por meio de visitas a algumas escolas,
estabelecendo um diálogo informal com a direção das mesmas e com os
professores, visando apreender a aceitação dos sujeitos que ali desenvolvem
suas atividades, bem como, verificando se tais escolas atendiam aos citados
critérios pré-estabelecidos.
A escola selecionada está situada numa comunidade que apresenta
carência de serviços, e seu público, ali atendido, apresenta, de modo geral,
nível sócio econômico baixo. Suas instalações físicas e as condições materiais
são boas, contando com biblioteca, laboratório de informática, pátio com
pequeno palco para apresentações, instalação de pequeno parque e demais
ambientes comuns aos parâmetros habituais da arquitetura da escola pública
brasileira, conseguindo manter um padrão de organização e manutenção do
espaço físico com muita higiene.
Trata-se de uma escola recém construída, para suprir a necessidade de
instalação de uma anterior, cujos alunos e professores foram absorvidos nesse
novo espaço físico. A mesma funciona em três turnos: Manhã, tarde e noite
atendendo a 728 alunos na Educação Infantil e Ensino Médio. Destes, como
mostra o Quadro 1, que apresenta a estrutura de organização do ensino16 na
PCR, 28 (uma turma) alunos/as são do 2º ciclo da Educação Infantil; 592,
distribuídos em turmas de 1º, 2º e 3º ano do ciclo I e 1º e 2º ano do ciclo II no
16 A Secretaria de Educação da Prefeitura da Cidade do Recife, desde o ano de 2001, com
base no Inciso I, § 3º do artigo 87 e do Caput do artigo 32, da Lei de Diretrizes e Bases – LDB, nº 9.394/96, implantou a organização do ensino em ciclo.
65
Ensino Fundamental; e 108 no 1º, 2º e 3º ano do módulo I da Educação de
Jovens e Adultos.
Nível Educação Infantil Ensino Fund amental Ed. de Jovens e
Adu ltos
Estrutura Ciclo I Ciclo II Ciclo I Ciclo II Ciclo
III Ciclo
IV Módulo I Módulo II
Ano 1º 1º 2º 3º 1º 2º 1º
2º
1º
2º 1º 2º 3º 1º 2º
Turmas 1 5 2 4 4 4 1 1 1
TA* ������ ���������� �������
�� ���� ��Quadro 1 – Estruturas da Organização do ensino Fonte: Elaboração da autora, com base na organização de ensino da PCR. *TA, significa, no contexto desta tabela, Total de Alunos/as.
2.4 – Seleção do s Sujeitos da Pesquisa
A seleção das professoras, sujeitos da pesquisa, teve por base os
seguintes critérios: 1 – todas deveriam estar na rede antes de 1996,
considerando que a obrigatoriedade do Ensino de Arte na Rede Municipal do
Recife remonta ao ano de 1993, pressupondo que os impactos seriam
menores frente à obrigatoriedade assegurada na Lei nº 9.394/96; 2 – as
professoras deveriam estar desenvolvendo, atualmente, suas atividades no
Ensino Fundamental I.
O contato com tais professoras, em princípio, se deu no momento da
visita às escolas no processo de seleção. Escolhida a escola, apresentamos o
projeto de pesquisa, revelando nossa intenção acerca da dinâmica da coleta
de dados, abrindo espaço tanto à direção quanto aos professores de se
posicionar sobre o processo de levantamento dos dados empíricos
necessários à investigação. A receptividade à pesquisa foi muito boa. Por
parte dos professores, seu interesse foi atribuído: à carência de discussão
66
sobre o tema, considerando suas limitações com o ensino de Arte; ao descaso
da escola, como instituição, no que se refere à falta de apoio à disciplina de
Arte. De nossa parte, reconhecemos o compromisso e a responsabilidade em
discutirmos os resultados da investigação, com o propósito de vir a contribuir
no repensar de nossa prática docente com o ensino de Arte.
Considerando os critérios já mencionados, sobretudo, no que diz
respeito ao ano de ingresso na PCR, a seleção dos professores esteve
vinculada à sua disponibilidade em participar efetivamente da investigação,
predispondo-se a conceder entrevista e permitir a observação de suas aulas
de Arte.
É pertinente destacar que a escola escolhida, conta com um quadro de
18 professoras, distribuídos em 3 turnos: 10 no primeiro turno, 10 no segundo,
dos quais, 4 delas trabalham os dois turnos (manhã e tarde); e 3 no turno da
noite, sendo uma delas professora de dois turnos (tarde e noite).
Deste total de 18 professoras, 10 delas ingressaram na PCR entre 1979
e 1995, aspecto que atende aos critérios de nossa investigação, nos
fornecendo, portanto um quadro assim distribuído: 03 professoras que
ingressaram em 1995; 04 professoras que ingressaram em 1981; 02
professoras que ingressaram em 1980; 01 professora que ingressou em 1979.
Das 10 professoras selecionadas, 08 se dispuseram a nos conceder
entrevista, mas conseguimos entrevistar apenas 07, em função da falta de
disponibilidade para o encontro; e das professoras entrevistadas, 04 nos
permitiram observar sua sala de aula: Uma turma do 2º ano e outra do 3º ano
do ciclo I, que correspondem a 1ª e 2ª série na perspectiva seriado e, duas
turmas do Ciclo II, uma do 1º ano e outra do 2º, correspondendo
67
respectivamente a uma 3ª e 4ª série. Realizamos 02 (duas) observações em
cada sala de aula17 considerando, sobretudo, que as aulas de Arte só
aconteciam uma vez por semana. Outro motivo que limitou o número de
observações em sala de aula foi em função de que os dados começarem a se
esgotar.
2.5 - Procedimentos da Pesquisa
Esse processo de seleção das professoras e a dinâmica que o rumo da
investigação tomava, marcou o início da fas e exploratória da pesquisa, uma
vez que adentrávamos no cotidiano da escola. Esse momento serviu como
parâmetro para construção dos instrumentos – roteiros de observação e
entrevista, com especial atenção às peculiaridades da realidade que nos
propomos investigar.
No que se refere à observação, tivemos como propósito nos aproximar e
conhecer mais de perto o campo e os sujeitos no cenário a ser investigado,
reconhecendo que esse instrumento de coleta de dados contribui nesse
contato do pesquisador com o trabalho de campo. Para isso, tomamos os
devidos cuidados, reconhecendo que se trata de um exercício desenvolvido
pela mente humana, seletiva naquilo que focaliza, e, passível de sofrer
influências da história pessoal do observador: esta autora, no momento na
condição de pesquisadora, desenvolve, como profissional da educação,
atividade semelhante à das participantes da pesquisa. Assim, a nossa
aproximação teve uma conotação de intersubjetividade (pesquisadora/
17 Cada observação correspondeu a 5 horas aula, sendo realizadas em cada sala observada,
10 h/a, correspondendo a 40 horas aula de observação.
68
participantes). Contudo, foi observado o cuidado em preservar um certo
distanciamento, próprio de uma perspectiva científica, o que implicou, portanto,
em seu planejamento, definindo previamente “o que” e o “como” observar
(Lüdke e André, 1986; Alves-Mazzotti & Gewandsznjder, 1998).
Nesse sentido, considerando o que afirma Triviños (1987, p. 26):
- “... a observação possibilita um contato pessoal e estreito do pesquisador com
o fenômeno pesquisado...”;
- observar um fenômeno social significa que determinado evento social tenha
sido abstratamente separado de seu contexto para que, em sua dimensão
singular, seja estudado.
Assim, determinamos que observaríamos:
1 – a dinâmica de trabalho do professor no que se refere a planejamento,
metodologia e conteúdos do Ensino de Arte;
2 – tempo pedagógico destinado à disciplina;
3 – como a escola administra a importância da disciplina de Arte frente a outras
disciplinas (horários, carga horária, participação em eventos);
4 – em que medida se organiza com relação à Arte; que elemento trabalha e
como trabalha;
5 – apoio administrativo (direção) e pedagógico (orientadora pedagógica)
quanto ao ensino de Arte nas atividades regulares de ensino, nos eventos
especiais, (planejamento, reuniões, etc);
6 – apoio administrativo no que se refere à disponibilidade de material
(permanente e de consumo), disponibilidade de tempo para tratar o assunto do
ensino de Arte (estudo, discussão, planejamento etc.).
69
2.6 – O Discurso da Professora na Entrevista
Minayo (2000, p. 108), fazendo alusão a Kahn e Cannell (1962, p. 52),
assinala que a entrevista se trata de uma “conversa a dois, feita por iniciativa
do entrevistador, destinada a fornecer informações pertinentes para um objeto
de pesquisa, e entrada (pelo entrevistador) em temas igualmente pertinentes
com vistas a este objetivo”.
No mesmo sentido, Lüdke e André (1986) assinalam que a entrevista é
um instrumento de coleta de dados que desempenha um importante papel na
criação de uma relação de interação e/ou de influência recíproca entre quem
pergunta e quem responde.
Nesse sentido, nosso roteiro foi concebido e elaborado para a interação
com as informantes, a partir dos questionamentos básicos pertinentes à
pesquisa e das observações de campo. Durante a realização das entrevistas,
foi ainda possível ampliar algumas interrogações.
As questões que nortearam o roteiro das entrevistas18 com as 7
professoras, dizem respeito a:
a) Que concepção do Ensino de Arte norteia a prática docente no
Ensino Fundamental?
b) De que forma os professores do Ensino Fundamental conduzem o
Ensino de Arte?
18 O roteiro da entrevista segue em anexo I.
70
2.7 – Corpus: Mapeando o Texto, Identificando o Discurso
Concomitante ao processo de coleta de dados, fez-se necessária a
consulta a alguns documentos legais (Constituição do Brasil de 1988, LDB/96,
PCNs de Arte do Ensino Fundamental I e a Proposta de Ensino de Arte da
PCR), tendo em vista que estes serviriam de pano de fundo para análise dos
dados.
Assim, sob a luz de nosso arcabouço teórico-conceitual, desenvolvido na
primeira parte deste trabalho, e, da base legal, buscamos entender o discurso
das professoras do Ensino Fundamental I, no que se refere à concepção de
Arte e de Ensino de Arte. Identificamos, na referida base, um importante eixo, o
qual contribuiu na contextualização dos textos – formados pelos registros das
observações e falas – e, na identificação do sentido da construção do discurso
dessas profissionais.
Nesse sentido, categorizar os discursos situando as fontes por data,
origem, tipos de discurso, foi um exercício que possibilitou a busca de
identificação dos sentidos na estrutura dos discursos dos professores.
Esses discursos, delimitados nos respectivos documentos, como já
esclarecemos, não foram fonte de análise, mas eixos norteadores carregados
de significados, que subsidiaram a definição do discurso das professoras do
Ensino Fundamental I, possibilitando descortinar as formações discursivas, o
que nos permitiu desconstruir tal discurso, tomando-as como fonte de análise
como veremos a seguir.
72
São os espectadores que fazem os quadros (...) O artista não
é o único a concluir o ato de criação, porque o espectador estabelece o contato da obra com o mundo exterior,
decifrando e interpretando suas qualidades profundas e assim juntando sua própria contribuição ao processo criativo.
(Marcel Duchamp, 1957).
Dos textos organizados sobre a base legal da educação brasileira,
situamos as fontes por data, origem e tipos de discurso, conforme mostra o
Quadro 4.
73
DATA ORIGEM TEXTOS
1971 LDB – Artigo 7º
Será obrigatória a inclusão de Educação Moral e Cívica, Educação Física, Educação Artística e Programa de Saúde nos currículos plenos dos estabelecimentos de 1º e 2º graus, observado quanto à primeira o disposto no Decreto-lei nº 869, de 12 de setembro de 1969.
1993
PCR – Proposta
Pedagógica (1996: 7)
A Arte como linguagem autônoma, como disciplina e seus conteúdos específicos, como área de conhecimento.
1996 LDB – Lei nº
9.394/96
Artigo 26
O Ensino da Arte constituirá componente curricular obrigatório, nos diversos níveis da educação básica, de forma a promover o desenvolvimento cultural dos alunos.
1998
PCN Fundamental I,
Arte – Pág. 15
A educação em Arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico, que caracteriza um modo particular de dar sentido as experiências das pessoas: por meio dele, o aluno amplia a sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação.
2002
PCR – Proposta Pedagógica
A Arte da Rede Municipal do Recife está comprometida com a população escolar no acesso à Arte e ao patrimônio cultural, fundamentada em três eixos da política educacional: Educação sob a ótica do direito; Cultura, identidade e vínculo social; Ciência, tecnologia e qualidade de vida, por isso não pode sonegar à Arte seu ensino e sua história para todos os níveis da escolaridade.
Quadro 04 – Corpus Documental da Base Legal da Educação Brasileira Fonte: A Autora (2003)
Para efeito deste estudo, verificamos que a Lei de Diretrizes e Bases Nº
5.692/71, torna-se uma referência para situarmos a memória discursiva da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei Nº 9.394/96. Esta
última é, efetivamente, a que teremos como grande referência, tornando-se a
causa primeira de nossa inquietação com o Ensino de Arte, ao assegurar sua
obrigatoriedade na Educação Básica. Lembrando Saviani (2000), é importante
questionarmos a que interesses serve o Congresso Nacional, no momento de
elaboração de leis, sobretudo, em função das alianças que os candidatos
74
realizam no processo de campanhas. Essas alianças normalmente tornam-se
eixo norteador dos interesses aos quais têm que servir em seus mandatos, e,
esclarecem a função de deformação ou preservação do Congresso Nacional,
no que se refere aos projetos originais. O autor mencionado, afirma que as
respostas, para as diferenciações e causas dessas funções, estão no modo de
funcionamento do regime político brasileiro.
Além da lei 9.394/96, tomamos como subsídio, para análise do discurso
do professor: o discurso da Proposta Pedagógica da PCR de 1996, que dá
sustentação legal à obrigatoriedade, assegurando na Rede o Ensino de Arte
nas séries iniciais do Ensino Fundamental, desde 1993; a Proposta mais
recente, datada de 2002; e, o volume 6, dos Parâmetros Curriculares
Nacionais, que trata de Arte para o Ensino Fundamental I.
3.1 – Arte como Recurso aos Interesses Econômicos: Discurso
Institucional
Como podemos observar, no artigo 7º da Lei Nº 5.692/71, a Arte com a
denominação de Educação Artística, encontra-se mencionada juntamente com
Educação Moral e Cívica, Educação Física e Programa de Saúde. É
interessante perceber a ênfase às questões de ordem moral, ética, religiosa,
articuladas ao ideário nacionalista19, em todos os níveis de ensino, recorrendo
à ideologia como “...interpretação de sentido em certa direção, direção esta
determinada pela história” (ORLANDI, 2002, p. 101).
19 O ideário Nacionalista é entendido, no contexto deste trabalho, como ideário de uma doutrina
que subordina a política interna de um país ao desenvolvimento e/ou do poder nacional.
75
O contexto, onde se inseriu tal legislação e as condições de sua
produção e/ou imposição, é marcado por circunstâncias anti-democráticas,
uma vez que o Brasil vivia, nessa época, um regime de ditadura militar.
Verificamos que essa faceta do poder vem acompanhada de um tipo de
silêncio opressor na forma de política de silêncio local, que se instala pela
censura a comportamentos e ações democráticas da sociedade e de seus
sujeitos, proibindo-os de emitir qualquer discurso que tenha sentido contrário
aos princípios do totalitarismo do período em questão20.
A própria terminologia Educação Artística e os efetivos
encaminhamentos nos currículos plenos, apontam o descaso com a área de
Arte, reservando-lhe um papel apenas de atividade, como recurso a outras
disciplinas, desenvolvida, portanto, como tarefa ilustrativa.
A PCR, no ano de 1993, assegurando a obrigatoriedade do Ensino de
Arte, nas séries iniciais do Ensino Fundamental, revela um avanço significativo,
no sentido de considerá-la como uma área de conhecimento especifico. Essa
consideração diz respeito ao fato de que, na época em questão, vigorava a Lei
5.692/71 como legislação educacional. Entretanto, não podemos perder de
vista que se tratava de um período em que o país estava vivendo o processo
de redemocratização política. Nesse contexto havia uma ampla discussão, que
culminou com a elaboração e aprovação da Constituição de 1988, garantindo
conseqüentemente a elaboração de uma nova LDB, sobre a qual, em 1993, já
tramitava o processo de discussão e elaboração na Câmara dos Deputados,
com a participação da sociedade civil organizada. Embora a nova LDB já
estivesse em vias de elaboração, temos de reconhecer que a história da 20 No caso específico de Pernambuco, essa repressão ocorre no mesmo nível como em todo
território brasileiro e, uma expressão dela, é a perseguição, prisão e exílio, de intelectuais, como Paulo Freire, que em Recife fez parte do Movimento de Cultura Popular.
76
educação da PCR antecipa-se ao feito, ao assegurar a obrigatoriedade do
Ensino de Arte em toda educação básica.
Em 1996 é aprovada a LDB, Lei Nº 9.394/96, a qual, embora não tenha
contemplado largamente os interesses das classes populares, devido às
manobras e interesses políticos das classes dominantes, decorreu também da
participação da sociedade civil organizada no processo de discussão da
elaboração da LDB21, o que garantiu significativos avanços, tal como ter
assegurado o Ensino de Arte como componente curricular na educação básica.
Vale ainda ressaltar que a LDB em questão, além de dedicar um
parágrafo exclusivamente ao Ensino de Arte, apontou seu propósito: promover
o desenvolvimento cultural dos alunos.
A partir do que está dito, na lei atual identificamos a presença do silêncio
da lei anterior (5.692/71): O desenvolvimento cultural estava esquecido em
detrimento do desejo do Estado em um tipo de comportamento nacionalista, o
que podemos verificar por meio da ênfase atribuída à disciplina Educação
Moral e Cívica. Esse fato nos conduz a indagarmos sobre as razões do
interesse pelo desenvolvimento cultural na década de 90. Se o Ensino de Arte,
até a década de 90, esteve voltado a atividades reprodutivas e/ou ilustrativas,
por que agora esse interesse em monitorá-la como área de conhecimento?
Se tomarmos como referência as mudanças de paradigmas na
sociedade, especificamente as percorridas pela história da Arte, verificamos
que movimentos, como o da Semana de Arte Moderna de 1922, que aconteceu
no Brasil (São Paulo), mobilizaram as possibilidades do sujeito, no que se
refere a sentimentos e idéias, vislumbrando mudanças na realidade, como
21 Tema abordado por Ivany Pino (2001).
77
indicativos da gênese do interdiscurso da função da Arte, atualmente
explicitada no discurso da legislação. Há o reconhecimento de que este é um
comportamento que se tornara indesejável no período da ditadura militar (1964-
1979), a qual se interessava por uma concepção de Arte voltada à reprodução,
sem mobilizar nenhuma competência que conduzisse à reflexão.
Reconhecemos que, no momento atual, o desenvolvimento cultural
ainda é do interesse das classes dominantes. Entre tantas razões para isso,
podemos citar o atrelamento financeiro externo mantido pelo Brasil no campo
das políticas sociais, especificamente, na educação. São as exigências
internacionais que orientam o formato educacional do país. Contudo, nesse
processo não podemos omitir a mobilização da sociedade civil organizada e, no
que se refere ao ensino de Arte, a participação dos arte-educadores, os quais,
a partir de suas idéias inovadoras de trabalhar esse ensino, também têm lutado
para assegurar a Arte no currículo enquanto área de conhecimento. Entretanto,
vale aqui uma ressalva, para lembrarmos que essa luta dos arte-educadores
brasileiros não é nova, apesar das repercussões da organização de sua luta
ser mais visível a partir dos anos 80, culminando com uma série de
associações, inclusive a Federação de Arte Educadores do Brasil – FAEB22.
Assim é apontado um fato, no mínimo curioso: sendo a Arte tão
importante para o desenvolvimento cultural do aluno, só agora, no final da
década de 90, foi assegurada na educação brasileira.
Na tentativa de compreender essa preocupação atual da legislação
brasileira, em assegurar a obrigatoriedade do ensino de Arte na educação
básica, voltamos nosso olhar para a nova ordem social. Esta atualmente é
22 Informação já mencionada no capítulo 1 (item 2.1).
78
caracterizada por um projeto, a partir de idéias neoliberais, que sistematiza e
mobiliza esforços para moldar o comportamento das pessoas em sociedade.
Nesse mesmo sentido, conforme já mencionamos anteriormente, do ponto de
vista econômico, torna-se necessário destacar a globalização, a qual, tendo
como sustentação o avanço da ciência e da tecnologia, produz em grande
escala recorrendo a apenas um terço da população, à qual assegura um lugar
no mercado de trabalho formal. Em se tratando das classes populares, grande
parte é excluída, pela falta de qualificação adequada para acompanhar o
avanço da ciência e da tecnologia, no contexto de um competitivo mercado de
trabalho.
Ao se deparar com esse processo de exclusão, o sujeito precisa de
criatividade, de idéias que o ajudem a sobreviver, e, nesse sentido, nada
melhor do que o ensino de Arte para desenvolver competências dessa
natureza. Além disso, as possíveis competências, desenvolvidas com esse
ensino, também vêm atender às exigências do novo perfil de trabalhador:
criativo, com habilidade para convivência em grupo, espírito de liderança, etc.
De fato, esse novo ciclo do capitalismo, definido assim por Ianni (2002),
vem reeducando o povo, por meio de um processo que nos dá a idéia de que o
conhecimento está em toda parte. Assim, a categoria de imagens vem
ganhando espaço nas ruas, e sobretudo, nos meios de comunicação de
massa. Se o indivíduo das classes populares não encontra um lugar no
mercado de trabalho formal, a competência da criatividade pode “ajudá-lo” a
“vender picolé na praia” e achar que é empresário, ao invés de buscar a origem
dos problemas do desemprego.
79
Além disso, vale aqui mencionar um fenômeno relevante, no que se
refere à imagem, que tem sido freqüente, nos últimos tempos – a produção em
grande escala do que denominamos de superprodução de imagens, veiculada
no comércio: réplicas de artistas famosos e/ou paisagens, produzidos de uma
matéria-prima com características emborrachadas, e outros, como encartes de
revistas, vendidas a preços populares.
Reforçando essa idéia, nos reportamos a Antonio F. Costella, na obra
Para Apreciar a Arte: Roteiro Didático, na qual, chama atenção que no século
XX intensificou-se a incorporação à sociedade de consumo, dos bens
tradicionais da cultura. Ele assinala que: “a arte dita superior está
transbordando, enfim, dos seus nichos de origem e ganha as ruas das cidades,
as ondas eletromagnéticas e as infovias eletrônicas, pois as coleções dos
museus invadiram até a Internet” (2002, p. 7). Como ilustração, podemos
lembrar um artigo de Paulo Polzonoff Jr. (2004), publicado no mês de agosto
na Revista Continente Cultural, sobre banco de imagem disponível para
“download” na Internet, trazendo inclusive, o caso da Subsidiária Corbis, de Bill
Gates, que adquiriu os direitos de reprodução de obras como Mona Lisa, de Da
Vinci, entre tantas outras imagens de interesse didático, jornalístico e
publicitário. Diante de um fenômeno dessa natureza, é necessário um
consumidor. Geralmente, se consome o que se conhece ou se tem
possibilidades de conhecer. Com essa reflexão, inferimos que o fenômeno
mencionado representa mais um aspecto silenciado, a ser observado sobre a
importância que tem sido atribuída ao ensino de Arte na legislação.
Recorremos mais uma vez a Fischer (2002, pp. 233-234) para lembrar que as
“massas de seres humanos (...) não aprenderam a distinguir o bom do ruim,
80
seres cujos gostos artísticos ainda está por se formar, cuja capacidade de
apreciar as qualidades artísticas precisa ser desenvolvida”.
Nesse sentido, podemos verificar o que sugere o volume 6 dos PCNs,
que trata do Ensino de Arte para o Ensino Fundamental I, quando assinala que:
A educação em Arte propicia o desenvolvimento do pensamento artístico, que caracteriza um modo particular de dar sentido as experiências das pessoas: por meio dele, o aluno amplia a sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação. Aprender Arte envolve, basicamente fazer trabalhos artísticos, apreciar e refletir sobre eles. Envolve, também, conhecer, apreciar e refletir sobre as formas da natureza e sobre as produções artísticas individuais e coletivas de distintas culturas e épocas (BRASIL, 1997, p. 15).
A força parafrástica, como um jeito diferente de dizer a mesma coisa,
processo que assegura a memória, de algo que se mantém do discurso já dito,
pode ser identificado no enunciado do PCN em questão, quando assinala que
por meio da educação em Arte “o aluno amplia a sensibilidade, a percepção, a
reflexão e a imaginação”. De fato, essa idéia esteve presente na Semana de
Arte Moderna de 192223, assim como esteve presente no processo de luta dos
arte-educadores brasileiros. E a polissemia, jogando com o equívoco, assegura
um deslocamento com a significação (ORLANDI, 2002), traz o já dito como se
fosse o novo, após um período de esquecimento, mas que esteve presente na
legislação educacional brasileira, Lei nº 5.692/71, em um momento que era
perigoso ampliar a sensibilidade, a percepção, a reflexão e a imaginação.
Assim sendo, os PCNs, legitimam o discurso da LDB/96, quando afirma
que a educação em Arte desenvolve o pensamento artístico, explicitando que
esse tipo de pensamento caracteriza um modo particular de dar sentido às
experiências das pessoas. Portanto, trata-se de um interdiscurso, na medida 23 A Semana de Arte Moderna de 22 representou para Pernambuco um marco na história da
Arte, dando origem ao movimento regionalista de 1926, ligado não somente a artistas, mas, também a intelectuais, como resposta ao experimentalismo estético de 22 que fomentou uma ideologia que reexaminam os problemas da cultura.
81
que indica a relação com outros discursos já ditos em outros momentos
históricos.
Ratificamos que esse já dito, na verdade, está adormecido em berço
esplêndido, do ponto de vista institucional, dissimulando a luta da categoria de
arte-educadores que vem, ao longo dos anos, defendendo a democratização
do ensino de Arte. O diferencial é que, no momento atual, os sujeitos
responsáveis em instituir esse discurso, já sabem o que fazer com ele, em
termos de privilégios mercadológicos. Isso nos faz lembrar a teoria
heliocêntrica, imaginando Copérnico ser punido por descobrir que a Terra é
que girava ao redor do Sol. Ideologicamente, a justificativa de sua punição
assentava-se na mudança de paradigma que a referida teoria provocaria,
deslocando o centro das atenções para o homem e não mais para a natureza,
fato que incomodava as forças econômicas e a ordem instituída naquele
momento.
Em síntese, verificamos que, o discurso dos documentos legais, de
modo geral, mostra-se mais articulado aos interesses e exigências da atual
ordem social, firmados entre os Estados participantes nos compromissos de
Educação para Todos, em detrimento dos interesses das classes populares.
No referido discurso, a ênfase é atribuída à finalidade da Arte, o que
poderíamos traduzir como a função da Arte na vida do sujeito. Essa função,
como fio condutor da formação desse sujeito, revela, pelo não-dito, os
interesses que permeiam a concepção de Arte como recurso e apoio, às
exigências mercadológicas da nova ordem.
Assim, reconhecemos como a memória constitutiva (o interdiscurso) é
importante para compreendermos “como este texto significa”. De fato, não seria
82
possível essa compreensão sem recorrermos aos recursos ideológicos e às
forças parafrásticas e polissêmicas, que fazem o discurso, entre o mesmo e o
diferente, movimentando tanto sujeitos quanto sentidos.
3.1.1 – O Discurso Pedagóg ico Frente à Obrigatoriedade do Ensino de Arte
Sendo a base legal, apresentada acima, a diretriz do sistema
educacional brasileiro, instrumento que repercute diretamente na prática
docente, procuramos saber no discurso das professoras, até que ponto estão
informadas sobre a obrigatoriedade do ensino de Arte, sobre a Proposta
Pedagógica da PCR, os PCNs e a LDB nº 9.394/96, e as implicações do
silêncio desse discurso na prática docente do ensino de arte.
A obrigatoriedade do ensino de Arte é real e as professoras têm
conhecimento disso. Verificamos, que a exclusão nos processos de debates e
tomadas de decisões, é a formação discursiva que dá sentido ao discurso da
professora. O discurso expressa a consciência de que as mudanças chegam
na escola para serem cumpridas:
Fiquei sabendo igual às outras disciplinas. Chegou, passou a ser exigida e está lá para ser ensinada. Não vou exigir do aluno o que não sei passar pra eles.
Decorre daí três questões: A primeira, que assegurar o ensino de Arte
na lei nº 9.394/96 não foi um presente dos deuses, uma vez que representa o
esforço e luta de arte-educadores em assegurar a democratização do ensino
de Arte, luta que ganha evidência a partir da década de 80, ao tornar-se
possível a discussão política (Barbosa, 2001). A segunda, também já discutida
neste trabalho, diz respeito ao fato da participação da sociedade civil
83
organizada na elaboração da legislação, desde a Constituição Federal de
1988, até a referida LDB, sobretudo pelo processo de participação que marcou
a redemocratização24 do país. E a terceira, é o interdiscurso presente nesse
discurso, como memória das leis anteriores, a exemplo da 5.692/71 que como
uma grade aprisionava, não permitia nenhuma participação, uma vez que os
interesses da ordem social que a contextualizavam, voltavam-se às exigências
racionalistas do capitalismo, sem qualquer interesse em discutir nenhuma
concepção com a sociedade civil, muito menos concepção de ensino.
Chamamos atenção para essas reflexões, considerando que se torna
compreensível as inquietações das professoras frente à sua prática com o
ensino de Arte.
A segunda fala nos conduz a retomar as idéias de Ana Mae Barbosa
(2001), para chamarmos atenção de que não é simplesmente colocando a Arte
no currículo que a operacionalização dessa área de conhecimento irá
potencializar as possibilidades que acreditam os arte-educadores, fato que não
se distancia do que pensa uma das professoras investigadas quando afirma
que:
Sei da obrigatoriedade e acho importante. Mas, a verdade é que nada mudou porque há uma exigência, mas, não oferecem a formação adequada.
Nas idéias às quais nos referimos, a autora chama atenção da
importância da Arte no currículo para o desenvolvimento da percepção e da
imaginação, bem como da capacidade crítica do sujeito diante da realidade,
aspectos que não serão garantidos simplesmente por estar assegurado em lei.
Frente a essas considerações, compreendemos que seja necessário um
trabalho sistematizado que privilegie a alfabetização artística assegurando por 24 Questão já discutida no primeiro capítulo (item 3).
84
meio desta que o/a aluno/a seja capaz de realizar uma leitura crítica do
mundo. Contudo, diante dos dados desta investigação, verificamos que isso
apenas tornar-se-á possível a partir do momento que seriamente se pensar na
formação adequada da professora do Ensino Fundamental I.
Nesse sentido, é importante perceber que os discursos, acima
apresentados, indicam marcas de uma memória presente no processo de
formação e experiência profissional das professoras, participantes desta
pesquisa, vinculado ao modelo de sociedade. Essa memória, em outro
contexto, era o discurso dito que se expressava através de uma prática comum
no sistema educacional brasileiro, em que as decisões, determinações, com
mais freqüência e naturalidade vinham de cima para baixo. Nesse modelo não
há espaço para discussão, diferentemente do período de redemocratização do
país, como já mencionamos, no qual a sociedade civil organizada é chamada à
participação em nome da autonomia. Contudo, para quem passa uma vida
inteira excluído de qualquer participação política, não é tão fácil romper com
esse comportamento de passividade. Esse modelo ditatorial, por mais que
venha sendo superado, ainda está presente nos contextos escolares
brasileiros. Assim, as implicações aparecem na figura do profissional da
educação, como um tarefeiro, cumpridor das mudanças sinalizadas nas
diretrizes educacionais. Ou, como denomina Giroux (1997), um técnico
especialista em cumprir tarefas. O referido autor reclama para o profissional da
educação o papel de intelectual, que inclui a função de pensar a educação.
Ainda sobre isso, Tardif (2002) discute os saberes do professor, profissional
que para ele deve ser concebido como sujeito epistêmico.
85
A ruptura da função de cumpridor de tarefas para a função de educadora
no papel de intelectual se depara com alguns limites, como a falta de leitura e
de debates sobre documentos e legislação educacionais, com suas
implicações na prática docente.
Esse papel de cumpridora de tarefas, das professoras pesquisadas, fica
mais claro ao verificarmos seu discurso sobre cada um dos documentos legais.
A partir do roteiro de entrevista, conversando sobre a Proposta
Pedagógica – PP da PCR, podemos verificar o sentido atribuído por uma das
professoras, sobre as proposições desse referido documento:
Existe. Não li. Mas, observei que é fora do real tanto pela carência na formação do professor, quanto pala falta de condições físicas de ambiente e recursos materiais.
Verificamos, nesse discurso, que as proposições pedagógicas que
chegam até ao profissional de educação, no que se refere ao ensino de Arte,
ainda conta com mais esse agravante: sem espaço, sem professores
qualificados, ou outras deficiências, questões apresentadas por Maura Penna
(2001). De fato, a própria estrutura das escolas públicas brasileiras não contam
com espaço adequado para o desenvolvimento das aulas de arte. Muito
embora, não nos surpreende as limitadas condições, se revisitarmos a história
da educação brasileira, e especificamente a história do ensino de Arte uma vez
que este nunca foi objeto de maiores preocupações.
Outro aspecto que destacamos está relacionado com o possível papel
de intelectual, a que nos referimos anteriormente, que o/a educador/a precisa
assumir. Como podemos verificar no discurso de uma outra professora, ao se
referir aos PCNs:
Não li. Não temos tempo e a escola não proporciona um espaço para estudo dessa natureza.
86
Esse discurso é a memória de uma postura do educador que vai de
encontro ao conjunto de proposições presentes nos documentos que se
desdobram da LDB nº 9.394/96. Verificamos que o referido discurso aponta
uma articulação com uma época em que foi comum a ausência de uma
concepção de ensino que se traduziu no contexto educacional por meio das
tendências liberais, que, mais tarde, viriam ceder lugar a tendências
educacionais progressistas, que se expressam mais efetivamente a partir da
década de 80 com a redemocratização do país. É nesse período, em que o
sistema educacional brasileiro começa a pensar, mais efetivamente, na
democratização do ensino para atender as novas exigências sociais, políticas,
econômicas e culturais da nova ordem social. São essas exigências que
compele o sistema educacional a rever algumas noções imbricadas com a
concepção de ensino, como a concepção de avaliação, por exemplo, presente
no discurso da professora ao afirmar:
Não vou exigir do aluno o que não sei passar pra eles.
Verificamos nessa fala que a terminologia exigir, se traduz como uma
formação discursiva nos indicando a memória, de um tipo de avaliação
antidemocrática25, quando a avaliação era voltada predominantemente para
classificar o indivíduo entre os que sabem e os que não sabem; entre os que
teriam sucesso e os que não teriam, portanto, um discurso já dito em outro
momento histórico. Frente às novas exigências da ordem social, a idéia de
25 Luckesi (1999) discute, entre outros aspectos da avaliação, a relação entre as exigências da
sociedade, a democratização do ensino e a noção de avaliação que possibilita assegurar essa democratização não só como acesso, mas como permanência e a terminalidade da escolarização.
87
democratização do ensino sugere romper com esse tipo de avaliação voltada
apenas para classificar o aluno.
É nesse momento que se toma consciência de nossas lacunas teóricas,
e que, efetivamente, o sistema passa a investir em formação em serviço, ora
promovendo grandes eventos, ora desenvolvendo as ditas capacitações de
forma seletiva, no sentido de ter como critério para realização das
denominadas capacitações a representatividade de professores/as por escola,
com a esperança de que estes, em caráter de agente multiplicador, repassem
as informações para o restante dos/as professores/as que não tiveram
oportunidade de participar, o que nem sempre acontece.
De modo geral, pode ser observado que a base legal de nossa
educação não é lida, muito menos estudada, e, podemos ratificar o que vem
sendo apresentado até o momento com a fala da professora:
A LDB sei que existe, mas não li.
Essa informação nos aponta a memória discursiva de uma prática
docente tecnicista26 que predominou dos idos dos anos 60 até 70, orientada a
partir da atuação de técnicos em ações de planejamento e de professores, na
ação do fazer, reduzida a atividade de dar aulas. Esse contexto é marcado por
decisões governamentais, que se expressam nas ordens a serem cumpridas
sem nenhuma discussão com os sujeitos envolvidos no processo educacional.
Essa exclusão em debates e decisões gera a ausência de uma base teórica
que inclua os profissionais da educação.
26 Libâneo (1998), na abordagem que faz das tendências pedagógicas, assinala que as
manifestações do tecnicismo na prática escolar é uma influência que remonta a segunda metade dos anos 50 através do Programa Brasileiro-Americano de Auxílio ao Ensino Elementar – PABAEE.
88
As implicações decorrentes dessa adequação à perspectiva tecnicista
do sistema educacional e, a racionalização do sistema capitalista, sedimentou
a dicotomia entre teoria e prática, sobre o que as diretrizes educacionais atuais,
a partir da LDB 9.394/96 vem sinalizando a superação. Nada mais previsível
que as inquietações e, paradoxalmente, o aparente comodismo e/ou inércia
dos profissionais de educação frente à disponibilidade pela leitura e pelo
conhecimento. Isso nos leva acreditar que as lacunas não estão restritas às
professoras, e talvez, também não estejam contidas nas diretrizes
educacionais asseguradas na base legal e demais documentos, mas na forma
como ele chega até aos/às professores/as.
Contudo, enquanto os órgãos formadores e outros interessados não se
sensibilizarem em ouvir os/as professores/as sobre suas necessidade, dúvidas
e possibilidades, as implicações na prática docente, e nesta, o ensino de Arte,
que é objeto de nosso interesse nesta investigação, predominará a fragilidade
na concepção de ensino, reproduzindo a dissociação entre teoria e prática.
Essa situação, por tabela, torna-se obstáculo em reconhecer a finalidade da
Arte na educação: incluir a dimensão estética e artística para a grande maioria
da população, uma vez que, o motivo mais importante para incluir arte no
currículo é por ser parte de um de um patrimônio cultural da humanidade, e
preservar e assegurar o acesso a esse patrimônio está entre as funções da
escola. (ALMEIDA, 2001).
89
3.2 – Arte como Recurso a outras Disc iplinas: O Discurso Pedagóg ico
Categorizar o discurso das professoras investigadas foi possível pela
proximidade com os pólos: a fala e a prática observada, uma vez que foram daí
que emergiram as formações discursivas, que são eixos norteadores da
construção de seu discurso, possibilitando-nos inferir a concepção de Arte e a
concepção de ensino de Arte dessas educadoras.
3.2.1 – Importância da Disc iplina Arte Frente a Outras Disc iplinas
Durante a fase de observação, procuramos verificar, junto à direção,
alguns aspectos que considerávamos pertinentes, no sentido de nos indicar a
importância que a escola atribui ao ensino de Arte e seu apoio administrativo,
tanto no que diz respeito aos recursos, quanto ao sentido de assegurar um
espaço à discussão e organização pedagógica.
Assim, buscamos saber a carga horária que era destinada, pelo
currículo, à disciplina de Arte. Constatamos que a ênfase é atribuída aos 200
(duzentos) dias letivos, que deve ser seguido sem a menor preocupação ou
vigilância com a eqüidade das diversas áreas de conhecimento que compõem
a matriz curricular da escola.
Essa informação foi obtida através da diretora e da secretária da escola,
a qual nos informou que essa questão da distribuição da carga horária fica sob
responsabilidade das professoras. Complementando, nos afirmou ainda que
não há registro na escola que contemple essa questão. Detalhou, inclusive,
que no formulário de transferência, o qual anteriormente constava a carga
90
horária de cada disciplina, atualmente isso não ocorre com a implantação da
educação em Ciclos.
3.2.1.1 – Apo io Administrativo e Pedagóg ico às Professoras com o Ensino
de Arte: Elementos Trabalhados
Tivemos oportunidade de presenciar preparativos e realizações de
alguns eventos da escola, ora relacionados a datas comemorativas, ora a
projetos, tais como: o folclore; feira de conhecimento; “Paz na Escola”, este
último elaborado por uma professora de uma das turmas de 2º ano do ciclo II,
culminando com uma passeata pelo bairro.
Verificamos que a escola não oportunizou às professoras momentos
para planejamento conjunto das atividades, em tempo hábil, predominando a
fragmentação das atividades e a improvisação no uso de material de sucata.
No comportamento e depoimentos informais de tais profissionais, observamos
inquietação e/ou insatisfação. Isso foi bastante claro na culminância do evento
referente ao folclore. Naquele momento, uma das professoras que preparava
seus alunos para uma apresentação teatral de uma fábula (a formiga e a
cigarra), construía as asas da cigarra com cartolina usada, de outra atividade.
Expressando insatisfação, assinalou que:
...não sabemos trabalhar arte, e quando nos dispomos a trabalhar, temos que nos virar com material de sucata, pois, a direção não oferece nenhum apoio nesse sentido.
Presenciamos também, ainda com relação ao folclore, a articulação
entre duas professoras, que, por sua própria iniciativa, uma solicita à outra que
preparasse um grupo de alunos para apresentar o frevo na culminância da
91
comemoração em questão. Observamos que o trabalho de contextualização e
epistemologia sobre o frevo era feito pela professora da turma. No trabalho
desenvolvido com a dança, a professora orientava o grupo de alunas e alunos,
obedecendo a uma sincronia com relação à distribuição de espaço, de tempo
entre a música e os movimentos, revelando um cuidado intuitivo com
elementos possíveis de serem explorados do ponto de vista da “dança”
enquanto linguagem artística. Uma coisa significativa dessa vivência é que os
outros alunos são apenas expectadores, pois, os professores não atentavam
para o fato de que poderiam participar mais ativamente, por exemplo, na
confecção do figurino.
Esse fato pareceu ser resultado das condições estruturais da escola com
relação a recursos para atividades dessa natureza. Recorrer a empréstimo com
colegas de outras escolas, foi o que aconteceu com as roupas que o grupo de
foliões usou para se apresentar.
Essa inferência, ou até mesmo julgamento que fazemos ao apresentar
essa assertiva, tornou-se mais clara, quando essa mesma professora, que
orientou o grupo de foliões, se juntou com uma professora de outra turma e
formaram um grupo de alunos das duas salas, para prepararem apresentação
de um pastoril no final de ano. Os ensaios aconteceram assiduamente às
sextas-feiras. Contudo, essa apresentação não ocorreu porque a direção da
escola não viabilizou a compra das roupas.
Um aspecto a se destacar nos eventos desenvolvidos na escola,
programados pelo conjunto de professoras, é a articulação e os efetivos
interesses dos alunos. Foi observado que, mesmo contando com o intensivo
trabalho desenvolvido em sala de aula sobre o folclore (como fábulas, contos,
92
etc...), os alunos se mostraram muito inquietos e, boa parte deles, dispersos,
sem dar a devida atenção às apresentações. Como mostra a figura 1, em plena
apresentação de um grupo de alunos/as, parte das crianças ficam passeando
pelo pátio, conversando em pequenos grupos, ou buscando outras atividades
que a ele/as, naquele momento pareciam mais interessantes.
Fig 1 – Alunos dispersos no momento das apresentações Fonte: Fotografada pela autora na festa do folclore (2003)
O interesse dos/as alunos como aspecto importante nas situações
didáticas, sejam elas de natureza cultural ou não, fica claro nos registros das
figuras 2 e 3. Estas mostram que, no momento em que eles/as têm
oportunidade de vivenciar atividades que são de iniciativa própria, recorrem a
situações e /ou movimentos que estão mais presente em seu meio sócio-
cultural. Em várias dessas situações de final de apresentação, os/as alunos/as
dançam forró, jogam capoeira (mesmo sem os apretechos necessários:
berimbau, caxixi, etc.), com músicas escolhidas pelas professoras ou por eles
mesmos. Nessas ocasiões, o desinteresse e inquietação inicial cedem lugar ao
envolvimento total, inclusive com shows improvisados.
93
Fig 2 – Alunos (as) dançando forró
Fonte: Fotografada pela autora na festa do folclore (2003)
Fig 3 – Alunos dançando capoeira
Fonte: Fotografada pela autora na Festa do Folclore (2003)
É pertinente destacar que a direção da escola, abordada sobre recursos
para os professores trabalhar o ensino de arte, informou que:
De acordo com o que se pedir, se compra. Agora, sabem que tem que ter que ser com um certo tempo de antecedência.
Segundo ela, a PCR não manda material nenhum. E sua ressalva com
relação à antecedência era se referindo que para essas despesas ela tinha que
contar com o empenho (mecanismo contábil) que a Prefeitura repassa para a
escola quatro vezes por ano (duas no 1º semestre e duas no segundo
semestre).
No momento em que as professoras questionaram o fato das roupas não
terem sido compradas, ela alegou que não falaram a tempo. Mas, na verdade,
94
a própria diretora havia me informado a “dita relação” de material, solicitados
pelas professoras, já no mês das vivências comemorativas do folclore.
Outro fato interessante foi o momento da vivência do projeto “Paz na
escola”, sob a coordenação de uma professora do 2º ano do ciclo II. O referido
projeto começou a ser absorvido pela escola, mas, sem nenhuma discussão
coletiva para os encaminhamentos.
A professora, que elaborou o projeto, planejou detalhadamente as
ações, que iniciariam no pátio, no momento da entrada: as crianças em fila
cantaram músicas que falavam de “paz”, e como foi proposto, qualquer aluno/a
de qualquer turma, num dado momento, iria até o palco ler para o grande
grupo, e/ou mostrar seu cartaz com desenhos que sugeria reflexão sobre a
paz. A continuidade seria vivenciada em sua sala de aula, articulando seus
conteúdos à temática. Porém, a concretização do que o projeto teve de comum
em interação na escola, foi apenas esse momento no pátio e uma breve
reunião com os professores uma semana antes da culminância, para “planejar”
a realização de uma passeata no bairro com a participação de outras escolas
que foram convidadas.
Os preparativos para a passeata tiveram o apoio financeiro da direção
da escola, com a maioria das professoras preparando material (a pomba, como
broche de esborrachado, viseiras brancas do mesmo material etc.) para
distribuir com os alunos no dia do evento.
Contudo, alguns alunos, por conta própria, numa atividade extra-classe,
prepararam uma surpresa para a passeata, que representou a culminância do
projeto. Como mostra a figura 4 e 5, eles prepararam uma “Rede de TV” que
denominaram de “Rede Povo Sem Televisão” e saíram entrevistando as
95
pessoas na rua: pedestres, moradores e motoristas que enfrentavam o
engarrafamento.
Fig 4 – Alunos entrevistando motorista
Fonte: Fotografado pela autora na Passeata pela Paz (2003)
Fig 5 – Alunos entrevistando pedestre
Fonte: Fotografada pela autora na Passeata pela Paz (2003)
A feira de conhecimento, outro evento vivenciado por toda a escola foi
marcado pela socialização das produções dos alunos, a qual se revelou um
dos momentos mais autênticos do processo de produção do conhecimento em
suas diversas áreas como mostra a figura 6. A Arte foi utilizada amplamente,
como recurso a outras áreas, como mostra a figura 7, na qual as alunas
pousam orgulhosas para fotos, em frente à produção do grupo: um trabalho
sobre água.
96
Fig 6 – Alunos/as em atividade para a Feira de Conhecimento
Fonte: Fotografia cedida pela professora (2003)
Fig 7 – Alunas na Feira de Conhecimento
Fonte: Fotografia cedida pela professora (2003)
3.2.2 – Dinâmica de Trabalho do Professor com o Ensino de Arte
Diante do nosso propósito em apreender a concepção de Arte e de
ensino de Arte das professoras, partimos para a observação da prática
docente efetivamente em sala de aula. As dez professoras selecionadas,
inicialmente, como participantes da investigação, redefinimos que
observaríamos apenas quatro delas. Uma das questões que justificou nossa
redefinição foi por percebermos, por um lado, o constrangimento das
professoras com nossa presença na sala; e outra questão é que algumas
delas criaram uma expectativa, a ponto de pedirmos orientação do que fazer
e/ou como fazer, no que se refere ao ensino de Arte.
97
No que diz respeito à dinâmica de trabalho da professora com o ensino
de Arte, observamos que não constam no planejamento delas nenhum registro
sobre o ensino de Arte. Este instrumento, o planejamento, está organizado,
privilegiando as disciplinas: Língua Portuguesa, Matemática, História,
Geografia e Ciências.
Considerando o planejamento um instrumento que norteia a prática
docente, vimos, como desdobramento deste, o horário da distribuição de carga
horária como mostra os quadros 2 e 3, e neles, a disciplina de Arte está
presente apenas em uma parte do horário, que quando muito, corresponde a
duas horas aula – h/a de 50 minutos cada.
Disc. Dias
L. P.
M
C
H
G
A
I
Segunda-feira X Terça-feira X Quarta-feira X X Quinta-feira X X Sexta feira X
Quadro 02 – Distribuição do horário por disciplinas27 Fonte: A autora a partir da organização da professora 228 (2003)
Disc. Dias
L. P.
M
C
H
G
A
I
Segunda-feira X X X Terça-feira X X Quarta-feira X X Quinta-feira X X Sexta feira X X X X X X
Quadro 03 – Distribuição do horário por disciplinas Fonte: A Autora, a partir da organização da professora 4 (2003).
27 LP corresponde a Língua Portuguesa; M, Matemática; C, Ciência; H, História; G, Geografia;
A, Arte; e I, Informática. 28 A organização de horário das demais professoras são semelhantes a estes apresentados no quadro 2 e 3. E, no que se refere a disciplina de Arte, em todos esta aparece sempre as sextas-feiras, sozinha, ou geminada com outras disciplinas revisadas nesse dia.
98
Vale destacar uma particularidade do quadro 2: embora a disciplina de
Arte apareça sozinha, a professora nos informou com muita ênfase que
Quando eu trabalho Arte, que normalmente está relacionada com alguma data festiva vivenciada pela escola, me dedico à encenação. E assim mesmo com muita dificuldade.
A ênfase a qual me refiro é ao “quando trabalho arte”, indicando nessa
afirmação que as aulas de Artes em sua turma, não acontecem com a
regularidade das outras disciplinas.
E outro depoimento que ratifica esse dado veio de outra professora,
afirmando que
O ensino de Arte está na Rede. É obrigatório, consta na caderneta. Mas, na verdade, nem fazemos nem planejamos. Não sabemos trabalhar com Arte.
Embora possamos considerar esta programação da distribuição do
horário como uma forma de planejamento, vale lembrar que a disciplina Arte,
quando é desenvolvida, na verdade, seu conteúdo (e/ou atividade) é vinculado
ao conteúdo de outras disciplinas, trabalhadas no decorrer da semana ou na
programação dos trabalhos do dia. É pertinente ressaltar que essa vinculação é
caracterizada pelo desenvolvimento da aula sobre o conteúdo definido e
planejado previamente pela professora e, entre as atividades, é solicitado
desenho, pintura, ou outras formas de registro, para representar a
compreensão do assunto trabalhado.
Diante desse quadro, verificamos ainda como as professoras conduziam
o trabalho com o ensino de Arte em sala de aula. Observamos que algumas
situações se repetiam: a professora pedia para os alunos realizarem desenhos
livres.
99
Num desses momentos, estava sendo desenvolvido por uma professora,
um projeto, que tinha como tema: “paz na escola”. Após a vivência no pátio, no
primeiro horário da aula (duas h/a) uma das professoras iniciou sua aula,
fazendo uma revisão de Matemática, a partir de umas “contas” da operação
“divisão” que havia passado como tarefa de casa no dia anterior. Num segundo
momento, a professora distribuiu papel ofício e solicitou aos alunos que
desenhassem o que quisessem. Ela anunciou que, depois, o grupo-classe
escolheria o melhor, e este seria premiado com um caderno.
Quando alguns alunos perguntavam se o desenho devia ser sobre a
paz, a professora respondia que o desenho era livre, portanto, eles deveriam
fazer o que quisessem. Após a atividade, sem nenhuma exploração sobre as
produções, assim como não tiveram nenhum estímulo anterior, as atividades
foram expostas na parede (corredor da escola).
No decorrer da atividade, muitos alunos ficavam parados, sem nenhuma
iniciativa. E ao nos aproximarmos deles, revelavam que
Eu não sei o que fazer, porque não pensei em nada.
Fig 8 – Alunos e alunas em atividade de Arte
Fonte: Fotografada pela autora em observação de sala de aula (2003)
O ensino de Arte, nessa turma do 2º ano do Ciclo II (Figura 8), quando
acontecia nos dias de sextas-feiras, na última aula, apresentava sempre esse
mesmo formato, no que se observa algumas crianças atentas, desenhando a
100
partir de suas idéias; outras, copiando (decalcando) alguma imagem de livros
didáticos utilizados por eles em outras disciplinas; outros alunos, pedindo a
algum colega que faça um desenho para ele alegando que não sabem
desenhar; e ainda aqueles que ficam parados, com o olhar preso em algum
ponto do espaço sem saber o que fazer; sem contar naqueles que, mesmo sob
o olhar vigilante da professora, ainda conseguem se ocupar com alguma
peraltice, pra ele, no momento, “mais interessante”,
Outra atividade muito comum, em algumas turmas, nos horários e dias
de aula de Arte é a exibição de filmes. As sessões são exibidas na sala da
biblioteca, que deve ser reservada com antecedência, a qual, abriga
“confortavelmente”, uma turma de 20 alunos. Vale salientar que as turmas são
formadas por uma média de 35 a 40 alunos. Portanto, a sala fica superlotada.
Na sessão mostrada na foto, uma professora, vamos chamá-la de
professora “B”, de uma turma de 2º ano do Ciclo II, havia reservado a biblioteca
para exibir um filme. Os alunos já estavam acomodados, quando a professora
“A” resolveu levar também seus alunos para aproveitar a sessão. A sala ficou
ainda mais superlotada, e os alunos da professora “A” inquietos com o
conteúdo do filme que ia além de sua compreensão e interesse. Aproveitando,
sobretudo, a ausência da professora deles no recinto onde se desenvolvia a
atividade, dedicaram-se a conversas paralelas e pequenas situações de
conflitos entre eles, interferindo assim, na atividade da professora “B” que tinha
sido previamente programada.
Essa sala observada, de uma turma do 2º ano do Ciclo I, de
responsabilidade, do que chamaremos, da professora “A”, pelo episódio
narrado, com freqüência, dedicava todo o horário da aula (5 h/a) ao ensino de
101
Arte, recorrendo a essa atividade, de assistir um filme, como mostra a figura 9.
Ao concluir a sessão os alunos retornavam à sala de aula e faziam algum
exercício, com assunto já trabalhado no decorrer da semana, omitindo o tema
do filme. Na verdade, o espaço que ela dedicava a Arte limitava-se ao lazer.
Fig 9 – Alunos assistindo a um filme no espaço da biblioteca
Fonte: Fotografada pela autora (2003)
Vale destacar que essa abordagem da Arte como lazer reforça a
concepção dualista que separa, lazer e trabalho, contribuindo para
descaracterização do ensino de arte (ALMEIDA, 2001).
Uma professora, de uma das salas de aula observadaS, uma turma do
2º ano do Ciclo II, mencionou que havia passado por uma experiência
orientada por uma supervisora circulante da área de Arte da PCR. O processo
vivenciado por ela, esteve articulado a algumas ações: visita a uma exposição
de Frans Post, apreciação de sua obra, contextualização; atividades com os
alunos de observação do espaço do bairro e articulação com a leitura de
imagens que tinham realizado a partir da exposição; e, finalmente produção
deles, com material improvisado, onde a tela era confeccionada com papelão.
Algo significativo nisso é que, mesmo vivenciando essa experiência, que a
diferencia das outras professoras observadas, ela afirma que
isso não me garante um desempenho significativo em Arte, pois não me sinto preparada para trabalhar essa disciplina.
102
Além disso, a falta de recurso material para trabalhar com arte é outra dificuldade.
Esses fatos vêm demonstrar as limitações das orientações pedagógicas,
inclusive das denominadas capacitações, como instrumentos de formação em
serviço. O depoimento da professora nos indicou que tais instrumentos não
vêm atendendo suas necessidades, não apenas pelo seu caráter esporádico –
semestral, no caso das capacitações e, mais raras ainda, as orientações
pedagógicas por parte de um profissional qualificado –, mas, sobretudo, por
idéias já sedimentadas que insiste em articular suas habilidades ao ideário do
pré-dotado misticamente pelo “dom”, justificada pelo determinismo biológico;
dificultando, portanto, a apreensão de uma noção de Arte concebida como
trabalho consciente, no qual razão e emoção se mobilizam dialeticamente,
implicando portanto, que a Arte pode ser aprendida (AZEVEDO, 1996).
Um outro dado significativo diz respeito às professoras que afirmam ter
alguma afinidade e habilidade com alguma linguagem artística. Foi o caso de
uma professora que se identifica com o teatro. Ela aproveita essa afinidade
para trabalhar algumas apresentações com os alunos. Um caso que
observamos foi um trabalho que desenvolveu com os alunos na semana do
folclore: a apresentação de uma fábula. Ela preparou todo o figurino com
material de sucata, oriunda de outros materiais didáticos já utilizados por ela ou
outras professoras da escola.
Mesmo com essa habilidade, ela não se sente preparada para trabalhar
Arte, sobretudo as artes visuais. Quando ensina Arte, o desenvolvimento de
suas aulas se trata de solicitações aos alunos de determinadas atividades,
articuladas a outras disciplinas que trabalha no momento ou, diretamente
103
relacionada a alguma data comemorativa. Nesse caso, dedicando-se a
preparar uma peça para encenação.
É pertinente ressaltar que todas as professoras observadas, quando
pensam o ensino de Arte e tecem algum comentário a respeito, ou mesmo,
quando se dedicam a dar aula de Arte, voltam-se sempre para as artes
plásticas. Um dado comum entre elas a respeito do ensino de Arte, é que não
há sequer um planejamento registrado para a disciplina.
Frente a essa situação, consideramos que os dados começavam a se
esgotar, no sentido que nos interessava: a observação da prática docente,
especificamente com o ensino de Arte. Nesse sentido, é pertinente destacar
que esse esgotamento de dados se expressa através de alguns fatores, entre
eles, a não realização das aulas de Arte ou, aula de Arte como recurso a outra
disciplina ou atividade comemorativa.
Concomitante à observação, aconteciam as entrevistas, representando a
fala, das professoras, como parte do que consideramos texto. A partir de tais
entrevistas, criamos uma imagem das falas com elementos das observações
(anexo II e III), categorizando e analisando os discursos das professoras, como
veremos a seguir.
3.2.3 – Arte: Relação Saber/Poder
Conforme os dados referente ao Ensino de Arte, o discurso do
professor, o dito, na fala e na prática, traz a presença do silêncio como poder,
ao assinalar que ensinar Arte é
... dominar um mundo criativo, construído, socializando nossos bens culturais.
104
A terminologia dominar usada pela professora, como formação
discursiva, trata-se de uma força de expressão que indica, como memória
discursiva, a relação saber/poder. Esse domínio é ratificado, quando, ao se
referir à concepção de Arte, uma das professoras se reporta a “pessoas que
tenham conhecimento de desenho, prepara trabalhos com papel....”
Acrescentando: “Eu nunca tive jeito para essas coisas”. Esse fato, além de
demonstrar que os processos discursivos se realizam pelos sujeitos, mas não
têm origem neles, nos remete ao conceito de discurso competente tratado por
Marilena Chauí (2000, p. 07), como “aquele que pode ser proferido, ouvido e
aceito como verdadeiro ou autorizado (...) porque perdeu os laços com o lugar
e o tempo de sua origem”.
Estabelecendo uma relação entre esse sentimento de fragilidade dessa
professora do Ensino Fundamental I sobre Arte e seu ensino, com a sua
formação, sob a ótica da história e a filosofia da nossa educação,
consideramos pertinente ressaltar a influência da Antiguidade Clássica no
ocidente e a práxis da referida profissional.
No que se refere à Antiguidade Clássica, embora os filósofos gregos
pensassem no papel da Arte pedagogicamente, verifica-se que Arte e poder
consolida um vínculo, especificamente tratando do poder político, que se
origina com o surgimento dos princípios estéticos na Grécia, mas que não tem
sido diferente nos períodos posteriores: Na Idade Média, a Arte também esteve
vinculada aos grupos da Igreja e da nobreza, os quais dividiam o poder. A
autonomia e profissionalização do artista são fenômeno da sociedade
moderna.
105
Com relação à práxis social da professora, ela expressa uma dominação
vinculada à sua própria formação, embora venha buscando romper com
tendências pedagógicas liberais, as quais tratam o conhecimento como
domínio privado de uns poucos privilegiados que detém o saber. Contudo, o
impasse entre o novo e o velho está presente, o que é evidenciado na fala:
Acredito e prefiro sempre trabalhar em equipe, para que o aluno que sabe menos aperfeiçoe seu desenho com o outro que sabe mais.
O impasse se verifica entre o dito no discurso da professora e o
observado na prática da mesma. Por um lado, o novo sinaliza uma prática
sócio-interacionista, uma vez que “trabalhar em equipe”, significa privilegiar a
cooperação, a troca, a possibilidade de criação da zona de desenvolvimento
proximal defendida por Vygotski29. Por outro, a professora traz o desenho
como única opção de ensino de Arte, sem o menor aprofundamento de
qualquer aspecto e/ou conteúdo da referida disciplina. Nesse sentido, assume,
na prática, a natureza de um trabalho “livre”, revelando como interdiscurso,
uma tendência do ensino de Arte presente em momentos históricos anteriores,
marcado entre outras coisas, pela escassez teórica nessa área do
conhecimento (Barbosa, 1998), limitando o uso da Arte a procedimentos que se
situam numa abordagem da tradição positivista, o que, por sua vez, implica em
tratar a Arte como recurso para comemorações festivas e atividades afins.
A presença desse impasse, na escolha do trabalho em equipe, no qual
“o aluno que sabe menos, aperfeiçoe seu desenho com o outro que sabe
29 Vygotski desenvolve o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal – ZDP, considerando a existência de dois níveis de desenvolvimento: o real, que se traduz pela capacidade do sujeito em realizar tarefas independente da ajuda de outros; e o potencial, a capacidade de realizar com ajuda. Nesse sentido, a ZDP, para esse teórico, se define pela distância entre esses dois níveis de desenvolvimento, traduzindo-se portanto, como o caminho percorrido no desenvolvimento de funções em processo de amadurecimento, que serão consolidadas no nível real. Mais sobre o assunto, ver: Oliveira (1993) e Onrubia (1999).
106
mais”, presentifica não apenas a memória discursiva da relação de
saber/poder, como indica a estreita relação da prática do ensino de Arte da
professora do Ensino Fundamental I com uma perspectiva de ensino que ainda
privilegia a atividade. Dessa forma, distanciando-se de uma perspectiva
contemporânea, que favorece o conhecimento nas e sobre artes visuais, de
modo organizado, relacionando produção artística com apreciação estética e
informação histórica, integração, que corresponde à epistemologia de Arte
(BARBOSA, 1998).
3.2.4 – Arte: Da Beleza ao Prazer
Outro achado significativo está presente na fala da professora que
assinalou que o ensino de Arte deve proporcionar prazer. Diante da dificuldade
de definir o que é Arte, assinalou a partir de uma certeza intuitiva:
Arte para mim, expressa conhecimento, a partir dos sentimentos, de uma visão de mundo. Algo que provoca prazer. “Esse prazer que eu me refiro, que eu sinto, quando vejo uma tela bonita...”
Nessa fala, tomando dois termos usado pela professora: prazer e
bonito30, verificamos que em seu discurso, o dito denuncia o silêncio da Arte
institucionalizada, situando a memória discursiva nos ideais de beleza da
Antiguidade Clássica. Revistando os conceitos de beleza no referido contexto,
temos de um lado, a concepção platônica que, vinculada à visão do mundo de
Platão – mundo sensível e mundo da essência –, indica a beleza como brilho
30 Essa idéia do bonito é retomada no ideário do fascismo nazista, o qual, com base na idéia de
pureza e beleza, condena a arte expressionista, caracterizada por seus traços fortes, exteriorizando as inquietudes dos artistas contra os valores burgueses, a qual, é denominada de degenerada. A esse respeito temos as contribuições de: SONTAG, Susan (1980); ALMEIDA, Maria das Graças Andrade Ataíde de (2001).
107
ou esplendor da verdade, e, de outro lado, a concepção aristotélica que
sustenta que “a beleza consiste em unidade na variedade”. Como podemos
observar, Aristóteles desloca a Beleza do campo do ideal para o campo do
objeto, apontando outros dados a serem observados, tais como a ordem (ou
harmonia), a grandeza, a medida e a proporção.
Apontar esses conceitos de beleza da Antiguidade Clássica é
reconhecer a importância da contribuição desses filósofos gregos para a
Estética. Mas, além disso, é buscar a relação dessas idéias remanescentes
com a formação dessa professora como profissional e como pessoa humana.
Suas inquietações estão presentes na concepção que tem sobre Arte,
vinculada a um modelo canônico que denuncia a influência grega na cultura
ocidental. Podemos verificar isso em sua dedicação nos preparativos do
cenário e figurino para encenação teatral de uma fábula (a formiga e a cigarra),
que foi apresentada na escola, nas comemorações do folclore. Utilizou-se da
Arte como recurso, o que é comum nos períodos anteriores à promulgação da
LDB, Lei nº 9.394/96. E ainda, mostrou-se presa à perfeição na confecção dos
apretechos da encenação, que foi centralizada nela mesma, sem a participação
dos alunos e alunas nesse processo.
A perfeição com o que é confeccionado, sobretudo os adereços, mesmo
que seja com material reciclável, provoca um efeito em alguns professores, os
quais identificam na habilidade da professora prendada, o testemunho de que
Arte é para quem tem dom, chegando mesmo a afirmar “não tenho nenhum
pendor artístico”.
Verificamos ainda a lacuna na formação da professora e seu apelo para
remediar a situação, quando afirmou que
108
Tem que ter orientação, pintar, usar o papel (...) é uma coisa profunda.
A idéia de Arte, relacionada aos padrões de perfeição que aparece
nessas falas, traz ainda a presença do silêncio, através do interdiscurso
vinculado aos movimentos artísticos que se desenvolveram até o século XIX,
em torno dos artistas consagrados pelas idéias dominantes, ou que têm suas
obras institucionalizadas, como já mencionamos no primeiro capítulo, traduzida
num ideário de arte canônica.
3.2.5 – Arte como L ivre Expressão: O Silêncio na Memória da Formação
Independente da institucionalização ou não de determinadas obras,
como parte de nosso acervo cultural produzido por grandes nomes da
humanidade, a verdade é que as imagens estão distantes das salas de aulas,
ainda que as professoras reconheçam a importância de tê-las quando
mencionam que para o Ensino de Arte é “fundamental o acesso a livros e a
obras dos pintores famosos”. Esse fato vem revelar a possibilidade de
superação do não uso da imagem em sala de aula, apontada por Ana Mae
Barbosa (2001) em estudos sobre as reações dos educadores até a década de
80, os quais privavam a escola de se aprofundar no desenvolvimento de
habilidades mais profundas, no que diz respeito à apreciação e recepção da
obra de Arte.
Durante as observações, registramos as dificuldades referentes aos
recursos materiais, incluindo, com muita ênfase a falta de condições devido aos
baixos salários. Além disso, as lacunas na formação, como já mencionamos,
109
tornam-se entrave para a busca de material de apoio, no sentido de não saber
o que selecionar.
Nesse sentido, verificamos, que esse discurso dito, na fala e na prática
da professora, reforça uma prática, fundado na memória discursiva da Arte
como livre expressão. A presença da idéia de laissez-faire pode ser notada
quando a professora afirma que:
Nem fazemos, nem planejamos. Não sabemos trabalhar Arte. (...) seu ensino se reduz a alguns trabalhos de vez em quando. (...) desenho, em cima do assunto que você trabalha em outras disciplinas.
Ratificada pela fala de outras colegas de trabalho, quando reconhecem que:
Não somos preparados para trabalhar com o Ensino de Arte. (...) deveria ter um professor específico de Arte.
Nesse discurso, aparece um dado novo: “deveria ter um professor
específico de Arte”. O novo é o reconhecimento de que o profissional da
educação não é polivalente, apontado por essa professora pela sua fragilidade
em uma dada área de conhecimento: Arte. A fala dela, de fato, é construída por
um tipo de silêncio que “consolida” a prática da professora das séries iniciais
credenciando-a para o ensino das diversas áreas de conhecimento do
currículo, desse nível de ensino. Ao se ver “obrigado” a ensinar uma área para
a qual não teve acesso a uma formação adequada, como já mencionamos, ela
revela sua fragilidade diante desse silêncio de propriedade, gritando sua
polivalência no trato com as demais disciplinas do currículo: Língua
Portuguesa, Matemática, História, Geografia, Ciência. Assim, nesse discurso,
verificamos que o ensino de Arte vem apenas ser o calcanhar de Aquiles,
revelando, portanto, um aspecto responsável pela falta de equidade em nossos
currículos, que histórica e culturalmente vem sendo ao longo dos anos
tendenciosa. Esse problema, nas séries iniciais do Ensino Fundamental se
110
torna mais visível: o privilégio da Língua Portuguesa e Matemática, em
detrimento das outras disciplinas.
É no bojo dessa discussão que se pode compreender a fragilidade no
trabalho com o ensino de Arte aludida pela professora, acompanhada da
dificuldade ao acesso a material de apoio pedagógico, que é comum, no
discurso das professoras, uma prática na perspectiva de livre-expressão, sem
assegurar ao aluno o acesso a uma aprendizagem significativa e aliada à
produção histórica e social da Arte.
Essa idéia de liberdade no desenvolvimento do Ensino de Arte aparece
no discurso dizível da professora:
Deixar o aluno expressar no desenho (...) fruir a imaginação. Deixá-lo livre. Deve-se trabalhar Arte, interagindo31 com outras disciplinas.
Lacuna, materializada como fragilidade na prática do ensino de Arte em
sala de aula, confirmada pela ausência de planejamento, a qual indicou o
pouco caso que ainda é atribuído a esse mesmo ensino, expressando-se na
falta de equidade frente às demais disciplinas que compõem o currículo. Ainda
acerca desse planejamento de carga horária, verificamos que o ensino de Arte
fica restrito às sextas-feiras, na última aula, e, na prática, verifica-se que Arte é
tratada como lazer e/ou como recurso a outras disciplinas, como já
mencionamos.
Por outro lado, esses dados apontam a fragilidade (ou pouco caso) da
legislação, uma vez que diz o que quer, mas não considera as condições de
31 Vale ressaltar que o sentido atribuído pela professora ao destacar interagindo com outras
disciplinas, não foi na perspectiva interdisciplinar considerando-a como diálogo entre as disciplinas, mas, no sentido utilitarista, como recurso a outras disciplinas.
111
realização e/ou implementação32. Essa ausência de norte indica que a
legislação não está considerando nem a complexidade da Arte enquanto área
de conhecimento com uma diversidade de linguagens (visuais, cênica, dança e
música) muito menos, as limitações das professoras, as quais não foram
formadas adequadamente para desempenhar tal função. Portanto, indicam
apenas o vínculo institucional com as exigências da nova ordem, sobretudo,
com os interesses de organismos internacionais, que ditam as diretrizes dos
setores das políticas sociais do Brasil, como país da América Latina.
Nesse sentido, é pertinente destacar que as diretrizes educacionais
brasileiras exigem mais dos profissionais em educação do que lhes
ofereceram. Embora consideremos a possibilidade da pessoa humana tomar
consciência e transformar a realidade, inclusive se transformando, ou seja, a
possibilidade de efetivamente, estar com o mundo, como assinala Paulo Freire
(1987), reconhecemos o quanto é doloroso a ruptura com um padrão de
formação que consolidou uma visão de mundo e de homem que não
vislumbrava o futuro, mas moldava comportamentos para o momento presente.
São visíveis as marcas que dão sentido ao silêncio presente no discurso
de uma professora, ao reconhecer a Arte como área de conhecimento ainda
que articulando sua concepção de Arte a sentimentos, emoção, e mesmo, a
elementos constitutivos, articulando os conteúdos dessa disciplina aos padrões
formais:
A arte também é o conhecimento de som, cores, formas. Quando se faz arte, o sujeito revela uma visão do exterior, da natureza.
32. A esse respeito, ver: BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais: Arte. Brasília: MEC/SEF, 1997. 130 p. Vol. 6.
112
Entre as professoras participantes desta investigação, há aquelas que,
além dos conteúdos, indicam ter consciência de que a escola não tem
responsabilidade de formar o artista, mas, de instrumentalizar o estudante a
conhecer Arte. Assim, revelam suas buscas e compromisso com o ensino de
Arte, traduzido no esforço em se apropriar de “algumas técnicas” através de
leituras que realizam por conta própria, bem como, por orientação de uma
profissional, na função de supervisão circulante (que passa na escola,
conforme a necessidade e solicitação). Reconhecem ainda que
Ensinar Arte na verdade, é fazer releitura: olhar o quadro, procurar saber o que o autor estava pensando, o que ele quer dizer com aquela imagem, o que representa o objeto ou cena retratada... Pedir que ele (ela se refere ao estudante) crie também sua obra.
Apesar de enfatizar em sua afirmação que:
“Eu não tenho nenhum pendor artístico”
A vinculação do sentido, atribuída à Arte sob a ótica da influência do
pensamento grego, vinculando tal sentido a tecné, tornou-se, há muito um
paradigma consolidado e é comum entre as professoras investigadas a
indicação de que Arte se refere a “todos os trabalhos que usa a imaginação,
até receitas relacionadas à cozinha, questões relacionadas à decoração, etc...”
e ainda acrescenta:
Uma decoração numa festa, feita com canapés, por exemplo, o efeito que causa na mesa, é uma Arte.
De fato, há nesse discurso múltiplos sentidos para Arte. Mas, o silêncio
que nele reside é, em si mesmo, fundador da memória da fala dessa
professora. Uma memória relacionada à sua experiência e condição enquanto
mulher. A questão de gênero aparece no discurso da professora, para
113
assegurar-lhe o papel de produtora de Arte mesmo que seja nos domínios do
lar.
Para compreendermos o sentido amplo atribuído à Arte ratificado por
outra professora ao afirmar que “Arte é tudo”, é preciso reconhecer que o
referido discurso traz a presença de um diálogo com um interdiscurso da Arte
em seus primórdios, como tecné, e desta, prevaleceu a influência até final do
século XIX e início do século XX.
É importante destacar que, mesmo nos primórdios do classicismo grego,
quando Arte e artesanato se confundiam em nível de conceituação, naquela
sociedade, entre o século V e IV a.C., essa era uma atividade reservada aos
homens. Os gregos faziam divisão entre as artes, denominando-as de artes
maiores e artes menores33. Contudo, independente da classificação que lhe era
atribuída, essa era uma atividade eminentemente masculina naquela sociedade
em que a mulher não era considerada cidadã. Para situar a questão de gênero
nessa discussão das artes, neste trabalho é relevante apenas mencionar que,
ao longo da história da humanidade, no que se refere à produção de obras de
arte, os nomes consagrados são de pintores do sexo masculino. Apenas no
final do século XIX e início do século XX, é que verificamos o surgimento de
destaque de algumas mulheres conquistando espaço nessa área.
Por outro lado, considerando esse múltiplo sentido da Arte, a que nos
referimos anteriormente, esse silêncio relacionado à questão de gênero,
aproxima o discurso da professora da concepção pós-modernista do ensino de
Arte que concebe a Arte como produção cultural possível de ser codificada.
Nessa perspectiva, a capacidade humana de organizar formas, de inventar e 33 As denominações: artes maiores e artes menores, após o Renascimento, atribui uma
hierarquia, classificando como artes maiores a arquitetura, a escultura, a pintura, literatura e a música; e como artes menores a cerâmica, tapeçaria, marcenaria, etc.
114
reinventar o cotidiano cria ornamentos, que de acordo com Azevedo (1999),
devem também ser considerados por um projeto de educação escolar em Arte,
sobretudo, por se tratar da tradução de sentimentos e pensamentos acerca de
questões vitais para o ser humano.
Entretanto, essa possibilidade de uma pratica pós-moderna do ensino de
Arte, além dos limites que se impõem no desenvolvimento de uma prática
voltada a um processo de construção e re-construção de conhecimento, ainda
se depara com limitações estruturais relacionadas ao funcionamento da escola.
Essa instituição não cria espaço para discussão, em função do cumprimento
dos 200 dias letivos, restando às professoras, como única possibilidade, a
busca solitária da superação de suas limitações. Muito embora, vale de consolo
que é difícil, mas não impossível.
Como assinala Gaston Bachelard (1989) em seu texto “Minha lâmpada e
meu papel em branco” discutindo sobre A chama de uma vela, poeticamente,
ele dá ênfase à importância da construção e da reconstrução de nossas idéias
no âmbito da produção individual, destacando ainda que essa produção deve ir
além das experiências de vida e das leituras que fazemos da realidade. Isso
indica que, por mais traumático que tenha sido nossa experiência com a Arte
no decorrer de nossa formação, podemos assumir o papel da professora, como
intelectual, e ir à luta.
Com base no que assinala esse autor, o aspecto delimitado, repensado,
recriado torna-se “um outro ser”. Fato, que nos leva a entender que, embora a
busca das professoras, tenha sido um trabalho solitário de um indivíduo, tornar-
se criação, que só é possível pela construção e reconstrução de conhecimento,
115
sistematizado-o, o qual, vai continuar oferecendo elementos para novos
processos.
Enquanto o discurso pedagógico se apoiar em idéias assim expressas:
Seria bom que o professor ensinasse o aluno a modelar, mas eu particularmente não sei.
Ou ainda:
Tem que ter jeito para trabalhar com Arte (...) em algumas datas, como carnaval, por exemplo, há um envolvimento com trabalhos artísticos.
Continuará sendo consolidada a memória discursiva, sem promover
nenhuma reflexão que sinaliza mudança na prática docente, no que se refere
ao ensino de Arte.
De fato, entre as tendências presentes em nossas escolas públicas, nas
turmas de Ensino Fundamental I, há o indicativo de uma base pedagógica
orientada por um modelo, que ora privilegia a técnica como fim em si mesma,
ora a livre expressão. São encaminhamentos didáticos, apresentados como
alternativa para o aluno, muitas vezes, ocultando-se na prática de releitura34.
Sem negar a importância da releitura, haja visto que proporciona o contato do
aluno com a obra de Arte, Almeida (2001) chama a atenção para que ela não
seja tomada como modelo. O que importa é que a obra de Arte torne-se objeto
de questionamento, explorando as possibilidades de construção do
conhecimento. Afirma, ainda, que da mesma forma seja este o contato com
técnicas, tomando destas a contribuição para aquisição de habilidades.
O que a referida autora denomina de “prática modelar”, Donald Schön
(1991) trata como “imitação”. Schön menciona que se trata de uma prática
34 A releitura é um instrumento didático utilizado no Ensino de Arte, numa perspectiva moderna,
que embora tenha como ponto positivo o fato do aluno ter acesso a obra de Arte limita a sua produção à cópia. Sobre o assunto, ver Barbosa (2001), capítulo 5 (leitura da obra de Arte).
116
comum no campo das Artes, o que ele denomina de “modelo artístico de
aprendizagem”. Na visão desse autor “para imitar é preciso captar os
elementos essenciais do que se deve imitar, o que não é tão simples como se
imagina” (ALMEIDA, 2001, p. 28).
3.2.6 – O Ensino de Arte: Atividades Múltiplas ou Interdisc iplinaridade?
O ensino de Arte, na realidade investigada, pareceu se desenvolver em
múltiplas direções, sem ao certo apontar um eixo definido que norteasse sua
prática em sala de aula, como podemos verificar no discurso abaixo:
Conduzimos o trabalho com desenho, pintura, dobraduras, artesanatos com material reciclável, etc.
Nesse discurso, a Arte supera os ditames de um modelo canônico,
consciente ou inconscientemente, para assentar-se nos parâmetros
denominados por alguns autores como a pós-modernidade das expressões
artísticas. Verificamos essa tendência pela presença de material reciclável nas
produções artísticas, bem como, por apresentar elementos tais como
artesanato e dobradura, que poderão se transformar em instalações, e,
portanto, em obras de Arte. O ponto frágil, tanto no uso de material reciclável
quanto em trazer a produção de artesanato para sala de aula, reside no como
fazer e que elementos se trabalha nesse fazer. Nesse sentido, há o risco de
desenvolver atividades que resultem em produções que se traduzem em um
fazer como fim em si mesmo, contrariando assim as atuais diretrizes da
educação brasileira, que sugerem o trabalho dos conteúdos como um meio
para desenvolver competências.
117
Além dessas considerações, verificamos que o sentido construído no
discurso das professoras, além de expressar o silêncio que o articula ao já dito,
indica também a possibilidade de uma nova abordagem em sua prática: a
interdisciplinaridade, desde que seja assegurada a autonomia de cada uma das
disciplinas envolvidas, fato que na verdade não ocorre, como já deixamos claro
no decorrer deste trabalho. Contudo, verificamos essa possibilidade nas falas
abaixo relacionadas:
Desenho em cima do assunto que trabalho em outras disciplinas. Deve-se trabalhar Arte, interagindo com outras disciplinas. Quando trabalho um assunto (está se referindo a conteúdos de outras disciplinas), eu digo: desenhe o que mais gostou.
As formações discursivas: “desenho” (presente na primeira fala citada
acima) e “desenhe” (presente na última), apontam, como interdiscurso, a
pedagogização da Arte no período da ditadura do Estado Novo, quando
desenho geométrico e desenho pedagógico foram assegurados no currículo,
pelo governo federal. O desenho, como parte das técnicas e recursos da
expressão artística, é legítimo e presente na Arte e no ensino de Arte. Assim,
pudemos confirmar, em nossa investigação, que o desenho resistiu ao tempo
e, em alguns casos, ainda predomina como única alternativa ao ensino de Arte.
Outra formação discursiva relevante: “Interagindo”, vai buscar na história
o sentido que constrói o discurso da professora, por um lado apontando
elementos que explicita as lacunas de sua prática com o ensino de Arte; e por
outro, indicando a possibilidade de mudança.
Ao indicar “interagindo” e permanecer trabalhando o ensino de Arte nem
mesmo como disciplina autônoma, mas, como recurso, como já mencionamos,
verificamos que o interdiscurso, como memória do discurso já dito, situa-se na
118
Antiguidade. A nosso ver, esse interdiscurso estabelece uma relação com o
momento atual para ser retomado e re-elaborado no que se traduz no conceito
de interdisciplinaridade.
Situar o interdiscurso na Antiguidade nos compele lembrar que só com
Aristóteles a ciência passa a ser concebida do ponto de vista enciclopédico,
classificando o conhecimento e, conseqüentemente, divide a ciência em
teóricas (teologia, matemática e física), práticas (ética, economia e política) e
poéticas (todas as artes).35
Esse modelo se assemelha à organização disciplinar instituída a partir
da formação das universidades modernas, que se seguiu por todo século XX.
Assemelha-se, também, à organização do ensino por área de conhecimento,
assegurado nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.36
Assinalamos a relação dessa memória com a interdisciplinaridade37 por
termos verificado nas aulas de Arte que seu ensino, apesar de se relacionar a
outras disciplinas, não sugere um diálogo. Embora fale em interação, as
professoras conduzem as aulas de Arte a partir de uma relação unilateral, na
qual a arte torna-se um instrumento, ou como já dissemos em outros
momentos, um recurso a serviço de outras disciplinas, comprometendo,
inclusive, a Arte como área de conhecimento.
A Arte como área de conhecimento específico traz, em si, aspectos
como espaço, proporções, e outros elementos específicos da área em questão,
35 A esse respeito ver: BOUTROUX, Émile. (2002). 36 As diretrizes a qual nos referimos, trata-se de uma proposta de regulamentação da base
curricular nacional e de organização do Ensino Médio, assegurado pelo Parecer CEB nº 15/98. Para mais informação, ver: BRASIL, PCNEM (2002).
37 A noção de interdisciplinaridade vem sendo amplamente discutida por alguns pesquisadores e estudiosos. Podemos citar JAPIASSU, Hilton (1976) e FAZENDA, Ivani (1995; 1998; 1998a; 2000) os quais vêm, ao longo dos anos, buscando uma definição, explicitar método e construir uma teoria da interdisciplinaridade. Neste trabalho, é atribuído a essa noção o sentido de interação de diferentes áreas de conhecimento, preservando a cooperação, troca, diálogo e planejamento.
119
que indicam a necessidade de diálogo com outras áreas de conhecimento.
Porém, nesse processo, deve ser assegurado, ao indivíduo, autonomia na
produção do conhecimento, bem como, equidade da disciplina diante das
demais áreas. Apenas assim, tanto indivíduo, quanto disciplina, serão
respeitados em sua dinamicidade e história.
A ruptura com uma concepção de Arte como recurso a outras disciplinas
pode se delinear a partir do momento em que as professoras, ao invés de
tarefas com atividade artística, tomar os conteúdos da Arte estabelecendo um
diálogo com as mesmas.
A possibilidade, de que falamos, exige das professoras uma nova
postura: o papel de professoras pesquisadoras. Esta é uma necessidade, mas
não uma realidade, que verificamos no discurso de uma professora, ao revelar
como encaminha seu trabalho com o ensino de Arte.
Deve-se trabalhar Arte, interagindo com outras disciplinas.
Em seguida, acrescentando:
Em algumas datas, como carnaval, por exemplo, há um envolvimento com trabalhos artísticos.
Ao mencionar inicialmente “deve-se trabalhar”, a professora nos fornece
duas questões importantes que se imbricam: Por um lado, indica que não
trabalha Arte com regularidade, como confirmamos nas observações; e por
outro, traz um indicativo de sua sintonia com os princípios das atuais diretrizes
educacionais, no que se refere à interdisciplinaridade, quando acrescenta a
esse deve ser, a formação discursiva interagindo.
Apesar da inquietação de não saber como fazer, já mencionada tantas
vezes neste estudo e, a irregularidade das aulas de Arte indicarem as lacunas
na formação, o alento é a possibilidade, embora silenciosa, de construção de
120
uma prática de ensino de Arte que esteja sintonizada com a proposta
sistematizada por Ana Mae Barbosa, a partir das condições estéticas e
culturais da pós-modernidade, caracterizada pelo uso da imagem, sua
decodificação e interpretações na sala de aula, denominada de Proposta
Triangular, como já mencionamos anteriormente (capítulo 1). A mesma tem por
base ações como fazer, ler e contextualizar, trazendo a possibilidade de
contribuir na formação dos indivíduos, tornando-os leitores críticos do mundo. É
pertinente destacar que tal proposta “coincide” com o sugerido nos PCNs,
embora a assessoria que o produziu, tenha esquecido de mencionar suas
fontes.
122
Que concepções de Arte e de ensino de Arte norteiam a prática
docente no Ensino Fundamental I? As inquietações que motivaram a
formulação desta questão tinham como pressuposto a importância da Arte na
formação integral do indivíduo. Por isso, reconhecemos a necessidade de que
o ensino da Arte se desenvolva articulado aos princípios teóricos e
metodológicos de sua história, preservando sua integridade como um conjunto
de conhecimentos específicos. A busca de respostas, para compreender as
concepções de Arte e de ensino de Arte das professoras investigadas, revelou
dados que explicitam o sentido dos discursos que denominamos de
pedagógico, o das professoras; e, institucional, o da base legal da educação
brasileira, que serviram como subsídios para análise do discurso das
professoras.
Frente às inquietações e às respostas, não exatamente em caráter de
verdade absoluta, fica a certeza das atuais lacunas, no ensino de Arte no
Ensino Fundamental I. Contudo, fica também a clareza de que as professoras,
como protagonistas da prática docente no contexto escolar, reconhecem suas
limitações e estão dispostas a dizer aos pesquisadores e aos definidores das
políticas públicas, sobre suas dúvidas, necessidades e dificuldades,
mostrando-se também abertas às possibilidades.
No que se refere às lacunas, verificamos que as concepções de Arte e
de ensino de Arte das professoras do Ensino Fundamental I têm por base o
ideário canônico, apoiada em pilares como: o caráter misterioso da Arte, que
123
aparece como inatingível por simples mortais e, sim reservado a super
dotados; o ideário de beleza clássica, oriunda da Antiguidade Grega, retomada
pelo Renascimento, como parte de uma herança assegurada ao mundo
ocidental; a livre-expressão, como sinônimo de liberdade.
Verificamos que tais aspectos sugerem a distância entre o que hoje é
proposto como ensino de Arte e o cotidiano do contexto escolar, sobretudo em
sala de aula, identificando como responsáveis por essa distância, as carências
de formação adequada e de habilidade para trabalhar com Arte. Nesse sentido,
torna-se relegado ao esquecimento qualquer possibilidade de valorização de
saberes experienciais dos próprios professores, como parte da formação do
sujeito, e negada, ainda, a possibilidade da Arte e de seu ensino demandar de
um processo de trabalho, portanto, conhecimento possível de ser construído.
Essas lacunas, como memória do discurso institucional, da base legal e
de documentos que norteiam a educação brasileira, estão refletidas no
discurso pedagógico expresso na fala e na prática das professoras,
participantes desta investigação, tanto no dito quanto no não-dito. Encontramos
na escola, especificamente nas salas de aulas, o espaço de repercussão dessa
obrigatoriedade do ensino de Arte. Foi lá, também, como espaço in lócus, que
verificamos a fragilidade do projeto político educacional inscrito na base legal, a
exemplo da LDB/96, que sinaliza o que se tem que fazer, mas não como fazer.
Do mesmo modo, os PCNs, como desdobramentos dessa referida lei,
enquanto instrumentos e/ou diretrizes que devem subsidiar a elaboração da
matriz curricular, não apontam caminhos operacionais que possibilitem a
superação da falta de eqüidade entre as disciplinas.
124
Nesse sentido, compreendemos que o dizível e o silêncio, tanto no
discurso da base legal, que denominamos de institucional, quanto no discurso
das professoras, que denominamos de pedagógico, apontam uma unidade no
tipo de discurso que podemos denominar de legitimador. Por parte do discurso
institucional verificamos que o eixo é o desenvolvimento cultural do aluno,
visando a formação da cidadania. Esse discurso dito silencia o
desenvolvimento de competências, articulando-se ao sentido de mecanismos
técnicos, utilitários e instrumentais, que atendem ao mercado de trabalho, no
que se refere ao perfil do trabalhador exigido pela atual ordem social:
criatividade, flexibilidade, entre outros. Por parte das professoras, a
legitimidade se sustenta pela fragilidade, em sua formação para lidar com o
ensino de Arte, a qual se amplia, apontando também a falta de clareza na base
de sustentação de suas idéias e de seus discursos.
A concepção de Arte e a prática, em geral, do Ensino de Arte da
professora do Ensino Fundamental I se expressam como questões que se
imbricam. E as lacunas originárias da falta de formação específica dessa
professora e no distanciamento da Arte da sociedade, compromete a prática
desse profissional, distanciando-a de uma práxis, considerando sobretudo que
esta, a práxis, busca na realidade exterior os elementos que nortearão a
atividade humana, sendo esta, portanto, produto da consciência (Vásquez,
1997). Essa etapa é elaborada pelas professoras, na medida em que, diante
das exigências da legislação brasileira que “obriga a ensinar Arte”, vivenciam,
no contexto escolar, os limites e as possibilidades desse ensino. Entretanto, a
etapa seguinte dessa consciência é a interiorização, que se desenvolve através
125
da ação, caracteriza-se, portanto, como um processo de reelaboração,
necessariamente retornando à realidade exterior.
Frente a esse processo dialético, nos parece que as professoras que
participaram da pesquisa não têm clareza do que ensinar, não estão
conseguindo elementos que viabilizem o ensino da Arte enquanto área de
conhecimento específico. De fato, em princípio, ocorre a interiorização da
informação no que se refere à obrigatoriedade do ensino de Arte. Contudo, os
dados apontam que não ocorre a interiorização de elementos que permitiriam a
elaboração e reelaboração para o retorno à realidade exterior.
Paulo Freire (1997), ao tratar de sua teoria do conhecimento voltada
para a educação, com base na concepção dialética, visualiza que a prática,
orientada pela teoria, reorienta essa teoria num processo contínuo de
aperfeiçoamento. Segundo ele, “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma
exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria pode ir virando blábláblá
e a prática, ativismo” (FREIRE, 1997, p. 24).
Uma segunda observação sobre esse imbricamento prática/concepção
gira em torno da operacionalização do processo de ensino, sendo este
entendido como a situação didática criada pelo professor para o ensino de Arte.
Na prática, usando a Arte a serviço de outras áreas de conhecimento, torna-se
um indicativo de que as professoras não possuem clareza necessária sobre o
ato de como ensinar Arte. Essa postura compromete o desenvolvimento de
habilidades possíveis de expandir a capacidade do aluno de dizer mais e
melhor sobre si e sobre o mundo.
A AD, como aporte metodológico, nos possibilitou a explicitação dessa
estrutura atual da política de operacionalização do ensino de Arte, a partir da
126
observação dos sentidos que tornaram possível a caracterização do discurso
pedagógico da professora e, em certa medida, o discurso institucional,
considerando que este, como um conjunto de memória discursiva, dá
sustentação às formações discursivas das professoras.
De fato, esta investigação, como desafio e exercício de reflexão,
representou, para nós, uma contribuição para repensarmos os compromissos
das professoras com uma educação de qualidade, bem como, para
verificarmos em que medida essa qualidade está articulada aos interesses das
classes populares, de modo que numa perspectiva inclusiva, do ponto de vista
da autonomia intelectual, esse segmento da sociedade possa ser sujeito
partícipe da construção do conhecimento em Arte.
Consideramos que este trabalho apresenta subsídios para um
diagnóstico das condições das professoras do Ensino Fundamental I, da Rede
Municipal do Recife, referentes ao ensino de Arte. Identificando o que elas
pensam a esse respeito, obtivemos elementos para compreender como
formatam a base de sua resistência e/ou limitações frente ao ensino dessa
área de conhecimento.
Nesse sentido, entendemos que abordar o ensino de Arte, na prática
docente dos/as professores/as no Ensino Fundamental I, trouxe a possibilidade
de reflexão, tanto para os profissionais que atuam na modalidade em questão,
quanto para os órgãos definidores de política de formação continuada e/ou
instituições formadoras.
No que se refere aos docentes, esses terão ao seu alcance elementos
que permitirão o repensar de sua concepção de Arte e do ensino de Arte,
contribuindo na ressignificação de sua postura frente à docência em Arte e à
127
relação desta com a formação ampla e integral do indivíduo. Isso se daria, por
exemplo, através de iniciativas para a conquista de espaços e oportunidades
para a concretização de debates permanentes no local de trabalho. A
viabilidade dessas iniciativas poderia se dar por meio da reorganização
otimizada do tempo pedagógico, de modo a privilegiar ações educativas que
enfatizem o papel do/a professor/a pesquisador/a, disposto/a a romper com o
instituído, no que estaria incluída a sua própria atitude em relação à Arte como
área de conhecimento.
Por outro lado, os órgãos definidores de políticas de formação
continuada e/ou instituições formadoras, terão, a partir dos dados da
investigação, indicativos possíveis de nortear um plano de trabalho que venha
atender aos interesses e necessidades dos educadores em pauta, uma vez
que tais dados sugerem as lacunas e as possibilidades de tais profissionais no
que se refere ao ensino de Arte.
Reconhecemos que a grande contribuição da AD foi a de apontar como
se constrói o sentido do discurso das professoras, revelando-se, portanto,
como um instrumento para diagnosticar as reais necessidades delas. Sabemos
que na formação em serviço, nas ditas capacitações, são oferecidas, aos
professores, oficinas, seminários, e outros instrumentos de reflexão do
conhecimento voltados à prática docente, apontando como se faz e como
deveria se fazer. Temos observado, na nossa experiência como docente e/ou
discente, nessas formações, que muitas vezes, o que é oferecido com toda
“boa intenção”, mesmo sendo considerado como necessidade dos
profissionais, não os encontra abertos, uma vez que têm uma posição
sedimentada, não dando espaço para o novo, para o diferente. Acreditam que
128
suas limitações do momento, no que se refere ao ensino de Arte, são eternas,
como se fossem de origem biológica.
A partir dessas reflexões, sugerimos que a importância desses
momentos residiria em apresentar as memórias discursivas que dão
sustentação às suas idéias e/ou discursos, ao mesmo tempo em que estaria
apontando elementos que possibilitassem aos professores compreender o
porquê de sua posição, fornecendo-lhes elementos para uma tomada de
consciência e escolhas coerentes com isso. Apenas assim, asseguraremos a
possibilidade da reflexão sobre o ensino de Arte no currículo, assegurando-lhes
a mesma importância das outras disciplinas, considerando, sobretudo, que se
trata de uma linguagem, que atribuindo sentido ao seu objeto de conhecimento,
sua construção e/ou produção, comunica e expressa saberes culturais e
estéticos, e, portanto, merecedora de equidade em relação às demais áreas.
129
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137
ANEXO I
ROTEIRO DAS ENTREVISTAS
1 – Qual sua concepção de arte?
2 – Qual sua concepção de ensino de arte?
3 – Na sua escola está acontecendo o ensino de arte?
3.1 – Como?
3.2 – Por que?
4 – Como você conduz o ensino de arte na sua prática?
5 – Você está informada sobre a obrigatoriedade do ensino de arte? Como
você tomou conhecimento?
6 – Você conhece a proposta curricular de arte da PCR? Como tomou
conhecimento dela? O que está nessa proposta condiz com o entendimento de
arte que você tem? Por que?
7 – Você conhece os PCN(s)? Como tomou conhecimento deles? Já estudou o
volume de arte? O que é apresentado no volume de arte ajuda você na prática
de sala de aula? Como?
8 – Você conhece a LDB (9.394/96)? Já observou o que ela diz sobre arte?
Qual a sua opinião? Por que?
9 – O que você destacaria acerca da exigência legal na relação com a prática?
138
ANEXO II
MAPEAMENTO DAS ENTREVISTAS DAS PROFESSORAS: CONCEPÇÃO DE ARTE
DITO SILENCIADO Maneira pela qual o indivíduo expressa seus sentimentos, suas ações e reações. Emoção
Expressar conhecimento, a partir dos sentimentos, de uma visão de mundo. Algo que provoca prazer.
Prazer
Livre Expressão O que me emociona, enquanto expressão artística é Arte. Livre Expressão
Arte faz parte da vida. Arte é tudo. A todo dia, toda hora, estamos fazendo Arte. Multiplicidade
É a maneira de expressar conhecimento a partir do sentimento. (...) também é o conhecimento de som, cores, formas. Quando se faz Arte, o sujeito revela uma visão do exterior, da natureza.
Livre Expressão
Pessoas que tenham conhecimento de desenho, preparar trabalhos com papel, desenhos geométricos, massa de modelar. Eu nunca tive jeito pra essas coisas. É uma preparação do professor para trabalhar uma cultura popular com o aluno, pintar e outras coisas.
Cânone da arte
Pedagogização da arte
São os trabalhos Artesanais, pintura, todo trabalho que usa a imaginação (desenho, etc...) até receitas relacionadas à cozinha, questões relacionadas à decoração, etc...
Forma de produção: Vida cotidiana / Gênero
Interdisciplinaridade
139
ANEXO III
MAPEAMENTO DAS ENTREVISTAS E PRÁTICAS OBSERVADAS DAS PROFESSORAS:
CONCEPÇÃO DE ENSINO DE ARTE
FALA PRÁTICA SILENCIADO
Dominar um mundo criativo, construído, socializando nossos bens culturais.
Cânone da Arte Saber/poder
Proporcionar esse prazer que eu me refiro, que eu sinto, quando vejo uma tela bonita... Encenação de contos e fábulas
Sem planejamento; Arte como atividade em datas comemorativas; Arte recurso a outras disciplinas; Encenação (teatro) Prepara guarda roupa e cenário.
Arte como atividade
Não tenho nenhum pendor artístico. Lendo, aprendi algumas técnicas que procuro aplicar.
Cânone da arte
Tem que ter orientação para desenhar, pintar, usar o papel... é uma coisa profunda. O acesso a livros, a obras dos pintores famosos, etc... Nem fazemos, nem planejamos. Não sabemos trabalhar Arte. Seu ensino se reduz a alguns trabalhos de vez em quando: desenho, em cima do assunto que você trabalha em outras disciplinas.
Filmes (desenho animado); Sem orientação; Sem exploração posterior. Livre Expressão
Deixar o aluno expressar no desenho, fruir a imaginação. Deixá-lo livre. Deve-se trabalhar Arte, interagindo com outras disciplinas. Em algumas datas, como carnaval, por exemplo, há um envolvimento com trabalhos artísticos. Tem que ter jeito para se trabalhar com Arte. Não se estimulou a ter essa liberdade de fazer livremente o que se queria.
Livre Expressão
Acredito e prefiro sempre trabalhar em equipe, para que o aluno que sabe menos, aperfeiçoe seu desenho com o outro que sabe mais. Seria bom que o professor ensinasse o aluno a modelar, mais eu particularmente não sei. Não vejo que o professor tenha que mandar, ou corrigir algum erro. Quando trabalho um assunto, eu digo: desenhe o que gostou mais. Não é exigir. É deixar livre.
Sem planejamento em Arte (intuitivo); Desenho livre; Premiação ao melhor desenho; Nenhuma exploração sobre as produções; Nenhum estímulo (ambientação); Exposição dos trabalhos.
Saber/poder
Não somos preparados para trabalhar com o Ensino de Arte. Deveria ter um professor específico em Arte. Conduzimos o trabalho com desenho, pinturas, dobraduras, Artesanatos com material reciclável.
Recurso a outras disciplinas; Discute as produções dos alunos; O planejamento de Arte é absorvido em seu planejamento da semana.
Interdisciplinaridade