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Publicação de apoio aos projetos arte-educativos da fazenda
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_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _da floresta natural à arte na natureza
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Assim como um corte numa rocha nos revela as camadas da história geológica do planeta, iremos aqui apresentar a fazenda serrinha em camadas de história. As mais recentes afloram à superfície, como as partes visíveis das rochas. E estão se transforman-do o tempo todo, resultado das ações humanas e da natureza que acontecem agora, no momento em que você lê este texto. Outras, mais antigas, são como cicatrizes na terra, que em algum momento foram dominantes, e hoje se apresentam como sinais já bastante apagados, porém fundamentais para compreender a paisagem atual. Revelamos aqui algumas pistas dessas marcas do tempo. Assim, num passeio pela fazenda, observando bem, você poderá identificá-las, perceber como estão interligadas e relacioná-las com o que acontece em volta da fazenda, no país e até mesmo no planeta.
a HIstÓrIa no PresenteBragança Paulista, abril de 2013
o princípio
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _Uma floresta exuberante já ocupou quase integralmente a costa do Brasil, do Nordeste ao Sul, e parte do interior, incluindo o lugar onde é hoje a fazenda serrinha. Os índios tupis, que viveram por milhares de anos nessa floresta, conhecida atualmente como Mata Atântica, abriam pequenas clareiras para construir suas habitações e cultivar roças de mandioca e milho, adentrando o interior da mata para caçar, pescar e colher frutos, porém sem derrubá-la.
Quando chegaram em 1500, os conquistadores portugueses tinham dificuldade para encontrar lugares que não fossem florestas. Logo em seguida aos primeiros desembarques, começaram a destruir as matas para explorar madeira e abrir espaço à cana-de-açúcar e ao gado. Florestas para os portugueses eram obstáculos à agricultura. É dai que a palavra “mato” até os dias de hoje em muitos lugares é associada a sujeira.
O desmatamento foi tão intenso que resta hoje menos de um déci-mo da cobertura original da Mata Atlântica. Ao contrário dos portu-gueses, nossa dificuldade reside em encontrar áreas de floresta. Na região de Bragança Paulista (SP), por exemplo, há pouquíssimas matas. Observe a paisagem quando estiver na estrada. Há muitas casas, fábricas, plantações, pastos. E, aqui e ali, algumas matinhas. Sempre pequenas e isoladas.
MAtA AtLâNticA
Vai um cafezinho?
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ O café, planta cuja semente torrada e moída é tão apreciada em todo o mundo, foi a cultura que fez o Brasil entrar no caminho da modernidade. E que acelerou ainda mais a derrubada da Mata Atlântica. As primeiras plantações foram estabelecidas no país no século 18, espalhando-se rapidamente, primeiro ao longo do vale do Paraíba e, no século seguinte, pelo oeste paulista.
A região de Bragança Paulista possui clima perfeito para os cafezais, oferecendo naquele tempo grandes oportunidades de pros-peridade econômica. E assim em 1899, um personagem destacado da sociedade local, o major Benedicto Moreira, político republicano e abolicionista, adquiriu algumas glebas de terra num local montanhoso do município, totalizando 115 hectares, para investir na cafeicultura. Denominou a propriedade fazenda serrinha.
No período áureo, a fazenda contava com noventa mil pés de café. A atividade prosperou por cerca de cinquenta anos, sucumbindo após sucessivas crises econômicas, fortes geadas e o empobrecimento do solo, cedendo o lugar a pastos, eucaliptais e culturas anuais.
AgricULtUrA E PEcUáriA
fábrica na roça
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Os movimentos daquela fabriqueta artesanal eram mágicos: o barro atirado nas fôrmas, cortado e batido na bancada, saindo já como ti-jolo; depois, a secagem ao sol e a queima por três dias e três noites num enorme forno. Um trabalho bonito, ágil e preciso. A olaria, inau-gurada em 1986, trouxe um sopro de prosperidade à fazenda, que desde os tempos do café deixara de ser verdadeiramente produtiva.
O negócio deu tão certo que logo o trabalho manual foi substituído pelo motor elétrico. Em uma hora a máquina era capaz de produzir a mesma quantidade de tijolos que as mãos humanas levavam um dia inteiro para manufaturar. No lugar das pás que retiravam a argila do barranco, vieram os tratores. A olaria prosperou e a terra rapida-mente se degradou.
O barranco inicial virou uma cratera, que avançou pelo pasto e destruiu minas d’água – a melhor argila está sempre próxima às nascentes. E a alegria inicial transformou-se em desencanto. Era triste ver aquela terra sendo comida dia a dia e a fumaceira dos fornos, que nunca cessava.
Por outro lado, a olaria fez nascer em nós um olhar conservacionis-ta, que culminou com o encerramento das atividades, em 1997. Mas o que fazer a partir daquele momento?
OLAriA
rEtirA A ArgiLA
... OU MANUALMENtE ENFOrMA NA MáQUiNA ...
SEcA
AMASSA
... OU MANUALMENtE ENFOrMA NA MáQUiNA ...
QUEiMA
o sertão virou mar
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _A fazenda serrinha localiza-se aos pés da serra da Mantiqueira, numa encosta do vale do rio Jacareí, outrora integrada ao bairro das Sete Pontes, que nasceu e se desenvolveu à beira do caminho entre Bragança e Joanópolis. Uma área que tem passado por rápidas transformações.
com a inundação do vale no final da década de 1970, para a cons-trução do reservatório Jaguari-Jacareí, maior entre as cinco repre-sas do Sistema cantareira – que abastece cerca de 60% da região metropolitana de São Paulo –, Sete Pontes ficou quase inteiramente submerso, restando fora d’água a área conhecida hoje como bairro da Serrinha. A designação remete ao acidente geográfico mais notável do lugar, o morro da Serrinha, cujo cume, a 996 metros de altitude, é caracterizado por afloramentos de granito, compondo um monumento natural de bonito efeito na paisagem local.
A represa motivou a implantação de uma série de condomínios e empreendimentos turísticos em suas margens e de loteamentos populares à beira da estrada da Serrinha, de forma que o bairro adquiriu feições urbanas. O processo foi favorecido pela duplicação da rodovia Fernão Dias na década de 1990, que também atraiu muita gente para a região.
É fundamental destacar a importância da Serrinha para a produção de água. Nos inúmeros vales existentes no bairro, há uma série de nascentes, algumas delas vertendo diretamente para a represa, outras formando córregos que seguem para os rios Jaguari e Atibaia. O morro da Serrinha é um divisor de águas entre as bacias do Jaguari e do Atibaia, integrando as cabeceiras da bacia do Piraciaba.
cONtExtO rEgiONAL
riO JAgUAri, 1964
cONStrUÇÃO DA BArrAgEM, 1976
rEPrESA DO JAgUAri-JAcArEÍ, 1996
rESErVAtÓriO JAgUAri-JAcArEÍ
rESErVAtÓriO PAiVA cAStrO
rESErVAtÓriO ágUAS cLArAS
EtA gUArAÚ
rodo
via F
ernã
o Dias
Serra da cantareira
Pedra grande
VarGeM
BraGanÇa PaulIsta
atIBaIa
nazarÉPaulIsta
MaIrIPorÃ
PIraCaIa
rio Jaguari
rio Atibaia
canal do Juqueritúnel
túnel
Est. Elevatória Sta. inês
CaMPInas
sÃo Paulo
sIsteMa CantareIra
MGsP
Vale do ParaÍBa
rio Jaguari
rio da cachoeira
rio Atibainha
rio Jacareí
rodovia D. Pedro i
reserVatÓrIo atIBaInHa
reserVatÓrIo CaCHoeIra
Pico do Selado
Pico do Lopo
Monte Verde
JoanÓPolIs
eXtreMa
rio camanducaia
túnel
túnel
Belo HorIzonte
n
no
so
ne
se
s
l
o
tudo se transforma
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _Na natureza há dois processos complementares que acontecem ao mesmo tempo e o tempo todo: um é a tendência da vida de criar estruturas cada vez mais complexas, reproduzir-se e acumular energia. Uma floresta nasce dessa forma, sem que ninguém regue, semeie ou adube, pelos processos naturais. O outro é a simplifica-ção; ocorre, por exemplo, quando um animal morre e se degrada, quando o fogo resume a vida a cinzas ou, no caso das ações huma-nas, quando uma floresta é transformada em pastagem.
Diante desses conceitos e olhando para a fazenda ao término das atividades da olaria, cuja paisagem se encontrava praticamente re-duzida a capim e eucalipto, os primeiros caminhos a seguir ficaram claros: deixar aquela terra perturbada simplesmente descansar e, ao mesmo tempo, enriquecê-la, ou seja, favorecer o trabalho da natureza. Nesse tempo, assim como os pássaros e os macacos, passamos a agir como dispersores de sementes que trazíamos de florestas vizinhas, espalhando pela fazenda ou semeando em saquinhos no viveiro.
O matagal cresceu, não só na antiga olaria, mas por toda a fazenda. como consequência, passamos a receber frequentes visitas de bugios, jacus, saracuras e tantos outros animais que antes ficavam restritos a fragmentos florestais distantes. Atualmente procuramos ligar os fragmentos de mata da fazenda e do entorno por meio de corredores florestais e trampolins verdes, pequenas áreas no pasto que são cercadas e revegetadas, funcionando como pouso para aves entre um fragmento de mata e outro.
Em 2001, o governo Federal, por meio do icMBio, reconheceu parte da fazenda como rPPN – reserva Particular do Patrimônio Natural –, assegurando em caráter perpétuo a conservação das áreas tom-badas. Alguns vizinhos acham que somos malucos: “Esses aí deram para plantar pé de pau”.
rESErVA EcOLÓgicA
1994
2010
fraGMentos de Mata atlÂntICa
trampolins verdes
fraGMentos florestaIs Isolados
Áreas eM reCuPeraÇÃo
ConeXÕes PossÍVeIs
n
so
s
lo
Pegadas criativas
_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Em harmonia com o processo de restauração da Mata Atlântica, da biodiversidade e dos processos naturais, cada intervenção humana realizada na fazenda é pensada, planejada e executa-da partindo da premissa de que seu resultado deve produzir o mínimo impacto sobre o ambiente ou, preferencialmente, trazer--lhe benefícios. tendo como inspiração esses princípios e motivado pela voca-ção da fazenda, muito utilizada como espaço de convivência e frequentada por artistas, nasceu, em 2002, o festival de arte serrinha, evento que propõe uma reocupação poética da paisa-gem por meio da arte contemporânea.
O parque de instalações, em contínuo movimento de criação e recriação, integra esse processo. As instalações constituem as “pegadas” deixadas por artistas que passam pela fazenda, con-tribuindo para o esforço de recuperação dos ambientes naturais ao dar novos significados a eles e experimentá-los de forma harmoniosa e livre. São trabalhos que interagem não apenas com as pessoas, mas também com todas as espécies animais e vegetais do entorno.
Obras construídas especificamente para aqueles espaços, elas possuem caráter dinâmico ao incorporar a ação do tempo na sua constituição, que as assemelham a organismos vivos. Algu-mas são permanentes; outras vão desaparecendo ao sabor do sol, da chuva e dos ventos.
ArtE
EDUArDO SrUr Nau, 2011
LUiz HErMANO Enquadrando a paisagem, 2004
HUgO FrANÇA Sem título, 2008/09
BENÉ FONtELES A grande espiral, 2004
HUMBErtO BrASiL Sem título, 1989
BiJAri Mula sem cabeça, 2006
FErNANDO LiMBErgEr Fértil, 2003
gUStAVO gODOY [I]mobiliário, 2007
FABiO DELDUQUE Casulo, 1994
BENÉ FONtELES A grande espiral
HUgO FrANÇA Sem título
HUMBErtO BrASiLSem título
FáBiO DELDUQUE Casulo
EDUArDO SrUrNau
LUiz HErMANOEnquadrando a paisagem
FErNANDO LiMBErgEr Fértil
gUStAVO gODOY [I]mobiliário
BiJAri Mula sem cabeça
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_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ Edição e textos MArcELO DELDUQUEFotos MArcELO DELDUQUE, ArQUiVO FAzENDA SErriNHA e ArQUiVO SABESPDesign H2r