13
Maria Manuela da Silva Oportunidade do Desenvolvimento Comunitário em Portugal A técnica do desenvolvimento comunitário traduz-se por uma união de esforços entre as populações e os poderes públicos, com o fim de melhorarem a situação económica, social e cultural de um pais ou região. Admite-se, por isso, que possa prestar valioso contributo em Portugal, fomentando o equipamento colectivo das comunidades locais, a reorga- nização da agricultura, a educação de base e a melhoria das condições de vida e contri- buindo, deste modo, para a correcção dos desequilíbrios regionais. 1. Termos de referência Começa a vulgarizar-se entre nós a expressão «desenvolvi- mento comunitário», nem sempre porém dentro do seu significado técnico próprio. Impõe-se, por isso, que recordemos os termos precisos em que utilizamos no texto aquela designação. Deve-se às Nações Unidas a seguinte definição que mereceu aceitação quase geral: «O desenvolvimento comunitário é uma técnica pela qual os habitantes de um país ou região unem os seus esforços aos dos poderes públicos com o fim de melhorarem a situação económica, social e cultural das suas colectividades, de associarem essas colectividades a vida da Nação e de lhes permitir que contribuam sem reserva para os progressos do País» 1. 0 interesse votado a esta técnica de desenvolvimento provém de uma verificação empírica a dificuldade que as comunidades ou regiões económicas mais atrasadas têm em se aproveitarem do processo geral de desenvolvimento e em contribuírem para ele. 1 Veja-se M. M. SILVA Desenvolvimento Comunitário Uma Técnica de Progresso Social A.I.P., Lisboa, 1962.

da Silva Oportunidade do Desenvolvimento Comunitário em ...analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1224163326H3cNW1up0Xu63YZ0.pdf · nização da agricultura, a educação de base e a

Embed Size (px)

Citation preview

MariaManuela

daSilva

Oportunidadedo DesenvolvimentoComunitário em Portugal

A técnica do desenvolvimento comunitáriotraduz-se por uma união de esforços entre aspopulações e os poderes públicos, com o fimde melhorarem a situação económica, sociale cultural de um pais ou região. Admite-se,por isso, que possa prestar valioso contributoem Portugal, fomentando o equipamentocolectivo das comunidades locais, a reorga-nização da agricultura, a educação de basee a melhoria das condições de vida e contri-buindo, deste modo, para a correcção dosdesequilíbrios regionais.

1. Termos de referência

Começa a vulgarizar-se entre nós a expressão «desenvolvi-mento comunitário», nem sempre porém dentro do seu significadotécnico próprio. Impõe-se, por isso, que recordemos os termosprecisos em que utilizamos no texto aquela designação.

Deve-se às Nações Unidas a seguinte definição que mereceuaceitação quase geral: «O desenvolvimento comunitário é umatécnica pela qual os habitantes de um país ou região unem os seusesforços aos dos poderes públicos com o fim de melhorarem asituação económica, social e cultural das suas colectividades, deassociarem essas colectividades a vida da Nação e de lhes permitirque contribuam sem reserva para os progressos do País» 1.

0 interesse votado a esta técnica de desenvolvimento provémde uma verificação empírica — a dificuldade que as comunidadesou regiões económicas mais atrasadas têm em se aproveitaremdo processo geral de desenvolvimento e em contribuírem para ele.

1 Veja-se M. M. SILVA — Desenvolvimento Comunitário — Uma Técnicade Progresso Social — A.I.P., Lisboa, 1962.

No tipo de economia em curso, esta dificuldade importa tanto àspopulações que não conseguem progredir como aos espaços regio-nais mais progressivos que, por causa das regiões atrasadas, se po-dem ver atrofiados por falta de mercado ou mão-de-obra qualifi-cada ou ainda sobrecarregados com encargos de assistência ououtros. Ora, o desenvolvimento comunitário tem-se mostrado umatécnica eficaz para enfrentar a situação das comunidades não evo-luídas. Há, portanto, uma razão pragmática que está na origem dointeresse crescente votado à técnica do desenvolvimento comunitá-rio como instrumento de aceleração do desenvolvimento económicodas regiões atrasadas. Ê justo salientar que também têm o seupeso argumentos colhidos da justiça social — aspiração a quetodos os povos beneficiem equitativamente do progresso, pelo me-nos no que respeita à satisfação de necessidades fundamentais.Inspirado nesse objectivo já alguém opinou que o desenvolvimentocomunitário era «a organização sistemática da difusão do pro-gresso técnico ao nível das comunidades locais» 2.

Com efeito, a experiência tem demonstrado que o progressonão se difunde espontânea e automaticamente. Pelo contrário,quanto mais pobres são as regiões, menos aptas se mostram paraaproveitarem do progresso geral. Entregues a si próprias, a ten-dência natural torná-las-á cada vez mais pobres. Haja em vistafenómenos de emigração de pessoas e capitais ditados por condi-ções de vida insuficientes e o empobrecimento que daí resultacomo regra.

O desenvolvimento comunitário é uma técnica que tem apli-cação numa multiplicidade de situações e não apenas nos casosdas regiões atrasadas a que temos feito referência. Contudo, emrelação a estas, não se conhecem, presentemente, técnicas maiseficazes, razão por que se lhes faz mais ampla referência, muitoembora se insista em que o desenvolvimento comunitário tenhatoda a oportunidade na aceleração ou no ordenamento de econo-mia® já evoluídas3.

A técnica do desenvolvimento comunitário é de certo modouma síntese de conhecimentos pertinentes a várias disciplinas —Economia, Psicologia, Sociologia, Antropologia Cultural — aplica-dos convergentemente ao fenómeno do progresso humano, de for-ma a suscitá-lo, orientá-lo e controlá-lo.

Em síntese, pode dizer-se que o desenvolvimento comunitárioé uma técnica que tem o seu ponto de apoio no® seguintes prin-cípios:

2 PAUVERT, J. M. — «Note sur quelques imp!i<*ations ãu développementcommunautaire» in Les implications Sociales du Développement Economique— P.U.F., Paris, 1962.

3 As técnicas usadas neste caso são outras, razão por que então seprefere usar a expressão «organização comunitária».

— Parte das necessidades «sentidas» pela população; criarou consciencializar necessidades é uma das tarefas dostécnicos ou agentes cio desenvolvimento comunitário.

— Envolve a população no seu próprio desenvolvimento, fa-zendo-a tomar consciência de que este é obra sua e por-tanto deve ser feito com a sua adesão, o seu esforço e osseus recursos.

— Suscita o máximo aproveitamento dos recursos locais(conhecidos e potenciais) tanto materiais como humanos.A prospecção destes recursos é uma tarefa importante arealizar por toda a população, naturalmente com o apoiodos técnicos que podem trazer à população pistas novas.

— Proporciona uma colaboração eficaz entre as populaçõese os serviços, assegurando a estes a maior rentabilidade.Sobretudo, nos casos de comunidades atrasadas, os servi-ços deparam com uma falta de receptividade que constituipoderoso entrave a uma acção eficiente. O desenvolvi-mento comunitário cria nas populações um espírito de re-ceptividade e cooperação que constituem factores demáximo aproveitamento dos serviços existentes1.

— Fomenta a cooperação e entre-ajuda, quer enquanto ati-tude de espírito quer na organização económica e socialda comunidade (cooperativas, centros comuns de gestão,agricultura de grupo, etc).

— Procura uma resposta global para os diferentes aspectosda promoção humana. Principiando embora por um aspectoparticular (nutrição, saMe, cooperativas de crédito, etc.)há que ter sempre em conta a situação global a transformare as inter-acções que, inevitavelmente, se criam entretodas as variáveis do processo.

2. O desenvolvimento comunitário e a aceleração do processo dedesenvolvimento económico e social português (4)

Uma análise, ainda que superficial, das condições de vida noterritório metropolitano faz ressaltar que o progresso económicoobservado para o conjunto da economia nacional se não tem re-partido equitativamente, tendo-se mesmo acentuado algumas dasdesigualdades já existentes em matéria de nível de vida e satis-fações de ordem colectiva5. No termo de dois planos de desen-

4 Confinamos a 'análise e considerações que seguem ao espaço portu-guês europeu.

5 Veja-se M. M. SILVA — «Assimetrias espaciais do progresso no con-tinente português» — Anál%se Social, Vol. II, n.° 6, 1964. Uma análise maisdesenvolvida pode versse em Manuel dos S»antos LOUREIRO — As assimetriasde crescimento no Continente português, I.N.I.I., Lisboa, 1963, 2 vol., 229-f+ 181 p.

500

volvimento de índole vincadamente sectorial, ohservam-se dese-quilíbrios e disfunções sérios que importa corrigir devidamente.Ora, é da conhecida lógica dos processos de desenvolvimento queas assimetrias na repartição do progresso tenderão a acentuar-secada vez mais se não depararem com medidas que abertamenteas corrijam e compensem. Está o Governo consciente desta situa-ção e por isso começa a esboçar-se uma tendência nitidamentefavorável às políticas de desenvolvimento regional que, emborainseguramente, vão começando a surgir aqui e além.

Sem entrarmos numa análise aprofundada, a qual tivemosocasião de fazer recentemente6, podemos no entanto referir comomerecendo uma especial atenção à política regional os seguintesaspectos: problemas levantados pelo despovoamento de algumasregiões, sobretudo do interior; estrangulamentos em matéria dequalificação profisKsioaial e instrução em geral; empobrecimentorelativo das comunidades rurais; insuficiente cobertura sanitáriae a falta de equipamento colectivo no meio rural (água, luz, esgo-tos, comunicações, etc.); e, sobrelevando os demais, a exiguidadeda educação de base. A notar que estas situações não são inde-pendentes ou de equacionação autónoma os problemas que se lhesreferem, pois todas elas vão entroncar na questão mais amplado confronto regional de diferentes níveis de desenvolvimento.O despovoamento, por exemplo, dá-se porque os indivíduos nãoencontram localmente empregos suficientemente remunerados1, pornão existirem actividades com a devida rentabilidade e bem assimpor não poderem desfrutar localmente de condições de vida quelhes permitam níveis de satisfação semelhantes àqueles: que elessabem existir noutros pontos do País ou no estrangeiro. A emi-gração, sensível embora à flutuação da moda e às condições exter-nas de maior ou menor facilidade, é sempre ditada, em últimaanálise, por uma forte pressão económica, seja esta resultantedas condições de trabalho insuficientemente remunerado ou dasdeficientes condições de vida.

Face à problemática da necessidade de aceleração do desen-volvimento económico português com concomitante difusão dessedesenvolvimento por todo o território, impõe-se certamente aóptica regional a que há pouco fizemos referência. Todavia, estanão poderá por si responder a certo tipo de questões como asseguintes:

— exiguidade de recursos para fazer face a amplas necessi-dades de investimentos só a longo prazo reprodutivos econsequente necessidade de inteira mobilização de recursoslocais existentes;

« Relatório preparatório do i n Plano de Fomento sobre Bases paraelaboração de um programa de desenvolvimento comunitário à escalanacional.

501

— cepticismo, atavismo e rotina das populações mais atrasa-da^ e consequente necessidade de transformação da suaatitude mental face ao progresso, como condição préviade todo o desenvolvimento e atenuante de inevitáveis dis-funções devidas a transformações bruscas que possamsurgir;

— insuficiência da organização económica de base (produção,comercialização e crédito), e consequente necessidade defomentar a cooperação como meio de transição entre umaeconomia de pura subsistência e atomizada e uma econo-mia de mercado com crescente concentração;

— baixo nível de educação de base e impreparação geral parauma contribuição eficaz ao progresso geral ou mesmo parao seu aproveitamento mais conveniente.

A estas lacunas responde com êxito a técnica do desenvolvi-mento comunitário que, deste modo, se mostra de particular opor-tunidade na aceleração do desenvolvimento económico português,principalmente se ela aparecer como se impõe em ligação estreitacom a política do desenvolvimento regional.

3. Objectivos do desenvolvimento comunitário em Portugal

O objectivo genérico do desenvolvimento comunitário é aaceleração do processo geral de desenvolvimento económico-socialde uma região ou País. Este objectivo é, porém, susceptível deconcretização e particularização. No caso português, já nos refe-rimos a que, em termos de generalidade, o desenvolvimento comu-nitário deverá provocar a reintegração das zonas não evoluídasno ritmo geral do desenvolvimento nacional e bem assim corrigir(rapidamente, acrescentemos) as actuais assimetrias regionaisverificadas. Este enunciado é ainda demasiadamente amplo e ca-rece de maior pormenorização.

Face às assimetrias verificadas, o desenvolvimento comuni-tário procurará:

— Dotar as comunidades locais susceptíveis de viabilidadeeconómica e cultural do necessário equipamento colectivo(caminhos, escolas, água, electricidade, esgotos). Esteprograma deverá ter a necessária comparticipação finan-ceira e técnica do Estado, mas será mais eficiente sesouber aproveitar da participação da própria comuni-dade em dinheiro ou trabalho voluntário ou se for reali-zado sob qualquer forma de adesão daqueles a quembeneficia;

—i Criar localmente condições de trabalho produtivo, medianteassistência técnica a actividades artesanais tradicionais e

502

implantação regional de novas indústrias adequadas aosrecursos existentes. Pode desempenhar um papel prepon-derante no fomento económico a expansão de pequenase médias empresas, devidamente equipadas para produzi-rem em condições de rentabilidade económica em mercadode concorrência 7;

— Reorganização agrícola (melhoria de condições da explo-ração agrícola e da comercialização dos respectivos produ-tos). A extensão agrícola e a formação rural familiar po-derão ser dois pilares desta transformação necessária darentabilidade dos campo®. Em alguns casos a re-estrutu-ração da exploração agrícola ou da propriedade pode serindispensável;

— Fomento da educação de base generalizada a todos os sec-tores de população e particularmente aos jovens;

— Aceleração, com controlo, da transformação das condiçõesde vida das famílias (nutrição, habitação, tempos livres,etc....).

Na consecução destes objectivos, o desenvolvimento comuni-tário deverá manter estreita colaboração com os serviços existen-tes, promovendo a sua máxima eficiência no duplo aspecto decoordenação de políticas dos vários serviços e na sua adequadaadaptação às necessidades locais.

4. Antecedentes do desenvolvimento comunitário em Portugal

Não existe até hoje entre nós nenhum programa a nívelgovernamental de desenvolvimento comunitário. Pela primeiravez, quando dos trabalhos preparatórios do próximo Plano de Fo-mento, o Governo mostrou interesse por esta técnica de desen-volvimento, fazendo incluir o seu estudo num dos grupos de tra-balho preliminares do Plano. Desconhece-se, neste momento, quala opinião que o Governo finalmente tomará sobre o assunto; to-davia, merece já ser assinalada aquela primeira manifestaçãode interesse 8. Nos últimos anos, não têm faltado, porém, manifes-tações de interesse pelo desenvolvimento comunitário, tanto emplano de estudo como em realizações concretas, por parte de algunssectores. Nesta ordem de considerações, merecem destaque:

— O Seminário sobre Organização e Desenvolvimento Comu-nitário organizado pela U.C.I.S.S. (Union Catholique In-

7 Acenca do apoio técnico a dar às pequenas empresas veja-se MariaFilipa GONÇALVES — A pequena empresa, A. I. P., 1964.

s Na altura em que este artigo se imprime já é conhecido o Projectodo Plano de Fomento para 1965-1967. Não foi considerada no Plano qualquerpolítica de desenvolvimento comunitário.

503

ternationale de Service Social) em 1961, no Estoril, a queo Sindicato dos Missionais de Serviço Social deu umaestreita colaboração. Para a preparação deste Semináriorealizaram-se algumas reuniões que muito contribuírampara um esclarecimento de base sobre a técnica do desen-volvimento comunitário;

-Certas realizações em domínios afins ao desenvolvimentocomunitário: Plano de Ajuda Rural de Coimbra, Obra doBem-Estar rural do concelho de Baião, Experiência-.agrí-cola da Shell Portuguesa em Sever do Vouga, etc. ;

• A acção da Equipa de Estudo e Experimentação de Desen-volvimento Comunitário, constituída há cerca de 3 anospor iniciativa particular com vista à investigação, expe-rimentação e difusão dos princípios e técnicas do desen-volvimento comunitário. Esta equipa, formada por técni-cos de diferentes ramos, tem em curso uma experiência--piloto em duas freguesias do concelho de Alcobaça,, masé sua intenção actuar em toda a zona a oeste da Serra dosCandeeiros, que compreende os concelhos de Alcobaça,Peniche, Óbidos, Nazaré e Caldas da Rainha.

Estas experiências bem podem considerar-se elementos deapoio a uma futura política de desenvolvimento comunitáriono País.

Constitui também um elemento a favor da generalização datécnica do desenvolvimento comunitário a existência de uma redeampla de serviços estaduais de base, os quais bastaria informarcom nova óptica e dotar com meios mais amplos de acção para queconstituíssem os serviços de apoio indispensáveis ao desenvolvi-mento comunitário. Estão neste caso os serviços de educação sani-tária e saúde pública, extensão agrícola, educação de base, forma-ção familiar rural. Em alguns casos, impor-se-ia uma delimitaçãoprévia de funções dos vários serviços com objectivos afins, paraevitar duplicações que reduzem a eficiência. Ê da índole do desen-volvimento comunitário operar de forma pacífica essa delimita-ção e promover a cooperação máxima entre os vários serviçosexistentes,

A existência de uma rede de Casas do Povo,, que, em certosdistritos, cobre mesmo grande parte das freguesias rurais, cons-titui outro factor a ter em linha de conta. Não obstante asCasas do Povo, em muitos casos, estarem desvirtuadas dos seusverdadeiros objectivos, poderão vir a desempenhar no desenvol-vimento comunitário um factor dinâmico sob condição de seconverterem em realidades sociais genuinamente representativasdos interesses das comunidades que servem.

50i

5. Bases para a estruturação de uma política de desenvolvimentocomunitário em Portugal

Uma política de desenvolvimento comunitário estruturada anível nacional tem de equacionar as seguintes questões:

— Objectivo concreto a atingir com o desenvolvimento comu-nitário e tipo de programa a adoptar.

—-Entidade responsável pela execução da política de desen-volvimento comunitário.

— Recrutamento e formação de agentes de desenvolvimentocomunitário a vários níveis.

— Financiamento.— Investigação e avaliação dos projectos.

São possíveis soluções diversas para cada um destes aspectosdo problema, definindo-se a política concreta por uma opção de-terminada em face das alternativas existentes. Naturalmente queesta opção é fortemente condicionada pela situação concreta empresença.

Nas considerações que seguem procuraremos ter presente ocaso português, embora nem sempre explicitando todas as suasmúltiplas variáveis por falta de instrumentos para uma análiseaprofundada.

A — Objectivo do desenvolvimento comunitário e tipo deprograma a adoptar

Já no parágrafo anterior apontámos como objectivo genéricodo desenvolvimento comunitário a aceleração do ritmo de desen-volvimento, designadamente pela integração das comunidades maisatrasadas no progresso geral. Para este fim, o desenvolvimentocomunitário deverá procurar proceder ao equipamento colectivodas comunidades rurais atrasadas, à criação de empregos produ-tivos locais, à reorganização da exploração agrícola no duploaspecto das condições de produção e da comercialização dos pro-dutos e ainda ao fomento da educação de base.

Como se desenha, presentemente, uma óptica regional dedesenvolvimento, convém precisar que o desenvolvimento comu-nitário deverá servir esta política de desenvolvimento regional,integrando-se nela e informando-a sobretudo nos aspectos acimaassinalados.

Consideram-se habitualmente três ti£os de desenvolvimentocomunitário:

— integrado— adaptado— projecto-piloto

60&

Serve o primeiro para inspirar e estruturar toda a políticade um dado país; o segundo na&ce ô dêôenvolvê-sè ao lado dasestruturas administrativas e políticas já existentes, às quaisinculca nova óptica e modo de actuação. O projecto-piloto tem umaestrutura própria em relação com as estrutura^ existentes masindependente delas e realiza-se com duração limitada para a con-secução de fins particulares.

Que modalidade convirá adoptar para o caso português?Certamente é de rejeitar a primeira hipótese, visto tratar-se

de um País com ampla tradição administrativa e aquela modali-dade ser recomendada principalmente para os países novos abraços com o problema da sua própria estruturação política eadministrativa. A escolha recairá portanto numa forma de desen-volvimento comunitário adaptado ou na modalidade projecto-piloto.Aliás as duas poderão coexistir.

No caso concreto português, importa ter em linha de contaas situações seguintes:

a) Estão em curso no País algumas iniciativas em domíniosafins ao desenvolvimento comunitário, as quais seriamsusceptíveis de serem convertidas em verdadeiros pro-jectos de desenvolvimento comunitário e, eventualmente,em projeetos^piloto.

6) Não existem técnicos de desenvolvimento comunitárioformados em número suficiente para fazer face a umaprogramação nacional que imediatamente entrasse emexecução; tão-pouco se encontram já mentalizados paracooperarem num plano de desenvolvimento comunitárioem larga escala os funcionários dos serviços públicos quevão intervir no desenvolvimento, Nestas condições ter-se-áque caminhar paulatinamente, assegurando previamentecondições de formação de técnicos e mentalização geralde funcionários.

c) Prevê-se uma política de desenvolvimento regional, ha-vendo a contar para ela com uma estrutura administra-tiva geral bastante extensa, a qual necessita sobretudode dinamização, coordenação e condições de contacto eficazcom as comunidades locais que serve.

Nestas condições, parece defensável que se comece por algunsprojectos-tipo, de preferência integrados em esquemas de desen-volvimento regional. Seria viável começar com 3 ou 4 projectos--piloto definidos para as principais regiões do País com uma trí-plice finalidade: experimentação da técnica, treino de pessoale demonstração de resultados.

à medida que os resultados o aconselharem e for possível

506

dispor de pessoal qualificado, poder-se-á passar gradualmentepara um tipo de desenvolvimento comunitário adaptado.

B — Entidade responsável

à entidade responsável pela política do desenvolvimento co-munitário cabem normalmente as seguintes funções:

— Animação (que pode ser indirecta) das comunidades locaisem ordem a despertar-lhes o desejo de progresso e a pre-pará-las psicologicamente para o alcançarem (técnicas dedinamização de comunidade, identificação e formação delíderes locais e regionais).

— Ligação entre as comunidades a desenvolver e os diversosserviços públicos de apoio técnico e financeiro aos projec-tos locais e regionais (prospecção de necessidades e recur-sos potenciais, hierarquização de benefícios, elaboração deprojectos).

— Coordenação, a nível nacional ou regional, das políticas1 quepodem influir na melhoria do nível de vida e bem-estard -s populações locais procurando que se processem sincro-nizada e complementarmente dentro dos princípios e se-gundo as técnicas do desenvolvimento comunitário.

— Recrutamento e formação de agentes de desenvolvimentocomunitário a vários níveis. (Esta tarefa pode igualmenteser desempenhada por algumas instituições particulares).

— Apoio técnico aos projectos-piloto.— Avaliação de resultados.

Para o bom desempenho destas funções, a entidade respon-sável deve visivelmente ocupar um lugar de destaque na escala dahierarquia administrativa que lhe permita audiência fácil juntodos vários Ministérios, pois que, nas realizações concretas, aquelessão chamados a uma colaboração efectiva e pronta.

Por outro lado, para que resulte fecunda a acção directa,importa assegurar ao órgão responsável uma grande flexibilidadede actuação e ainda grande capacidade executiva.

Estes requisitos fazem pensar num departamento especialligado ao departamento responsável pela política regional, compossibilidade de ramificação adequada a nível regional.

C — Recrutamento e formação de agentes

A eficiência do desenvolvimento comunitário está grande-mente condicionada pelo número e grau de qualificação dos agen-tes de vários níveis. Daí que, em todos os planos de desenvolvi-

507

mento comunitário, se dê graaide importância às questões rela-tivas à formação de pessoal. Noa agentes de desenvolvimentocomunitário, convém distinguir:

—os animadores de base (agentes que actuam a nível locale que podem ser funcionários polivalentes especialmentetreinados ou elementos da população a quem se propor-cione uma formação adequada);

— os técnicos dos diferentes ramos que intervêm num planoglobal de desenvolvimento;

—os funcionários dos serviços administrativos;— os líderes locais e regionais, incluindo nesta categoria tanto

os líderes formais como os informais.

O problema do recrutamento e formação de agentes de desen-volvimento comunitário merece ser encarado entre nós desde já,pois que a falta de cadeiras de conteúdo social na UniversidadePortuguesa vem certamente multiplicar as naturais dificuldadesde arranque. Há que prover desde já a um ensino intensivo emdesenvolvimento comunitário criando esta disciplina em algunscursos universitários, designadamente nos de Economia, Agrono-mia e Direito 9.

Também no que respeita à habilitação com técnicas especiaisde relações humanas muito seria de desejar que se multiplicassemcursos ou seminários de estudo sobre essas diferentes técnicas.

A formação dos funcionários públicos pode ter um caráctermais amplo, sendo suficiente ou o tipo curso intensivo de temporeduzido ou sessões de conferências regulares.

Quanto à formação dos elementos de actuação a nível local— verdadeira pedra de toque de um desenvolvimento comunitárioautêntico — são maiores as dificuldades porque são necessáriosmétodos especiais nos quais não há técnicos portugueses devida-mente formados. Parece que neste caso a melhor solução seriao recurso à assistência técnica estrangeira, a negociar com algumorganismo internacional em condições de permitir simultanea-mente a formação de alguns técnicos portugueses que pudessemde futuro encarregar-se dos programas de formação de líderes eanimadores locais.

D — Fitnanciamento

Na medida em que o desenvolvimento comunitário pressupõeuma acção concertada por parte dos diferentes serviços adminis-

9 Recentemente começou um curso de desenvolvimento comunitário noInstituto de Serviço Social de Lisboa, tendo existido, desde há mais tempo,cursos de serviço social de comunidades nas três Escolas de Serviço Soci(al.

508

trativos ligados ao fomento, a maior parte do financiamentode um plano de desenvolvimento comunitário encontra-se repar-tida pelas rubricas orçamentais próprias dos diferentes Ministé-rios, sendo, no entanto, desejável que, no mesmo orçamento, seestabeleça algum critério de prioridade para utilização dessas ver-bas em projectos de desenvolvimnto comunitário, a fim de salva-guardar esses Planos da habitual escassez de verbas,

Para além das somas votadas para os vários departamentos,há, contudo, que prever um orçamento próprio para o desenvol-vimento comunitário com o qual sejam cobertos os seguintesencargos:

— remuneração do pessoal;— programas de formação;—'deslocações aos projectos em curso;— material didáctico e de informação.

Não será princípio defensável, senão em casos particulares,dispor de fundos especiais a empregar directamente em melhora-mentos locais ou regionais, antes sendo de desejar o reforço dasverbas dos respectivo® departamentos do Estado e sua consignaçãoaos projectos de desenvolvimento comunitário. Não se devemignorar, embora não tenham que ser contabilizados, os recursosfinanceiros locais.

E — Investigação e avaliação

Toda a política do desenvolvimento comunitário tem deapoiar-se numa avaliação regular tão profunda e exaustiva quantopossível. Ê esta avaliação que proporciona:

—-elementos objectivos para a elaboração de novos planos;— pistas de previsão e correcção das disfunções;—base para a investigação, pelo confronto entre resultados

previstos e realizados.

A avaliação deve fazer-se a todos os níveis pelos agentes deactuação de cada nível, mas é igualmente desejável uma avaliaçãogeral feita inclusivamente por agentes estranhos à execução. Estaavaliação, que não se confunde com uma vulgar inspecção, podecompetir à entidade responsável a nível nacional pelo desenvolvi-mento comunitário.

6. Conclusão

As considerações feitas abrem perspectivas para que se con-sidere como tendo toda a oportunidade e interesse uma política

509

de desenvolvimento comunitário em Portugal, Esta melhor se en-quadrará na política de desenvolvimento regional, servindo-lhede óptica própria, especialmente nos esforços a fazer nos domí-nios da educação de base, formação familiar, saúde pública, infra--estruturas locais, reorganização da agricultura, apoio às pequenasempresas e ao artesanato local, etc.

Para o estabelecimento de uma política de desenvolvimentocomunitário, convirá partir do que existe e designadamente terem conta os serviços de apoio já criados (extensão agrícola, edu-cação sanitária e saúde pública, melhoramentos e crédito agrícola,etc.) espalhados pelos diferentes Ministérios e bem assim as ex-periências em curso susceptíveis de se converterem em projectosde desenvolvimento comunitário ou centros de formação e prepa-ração de técnicos ou ainda locais de demonstração de determinadastécnicas.

A aceitar-se a vantagem da conjugação da política do desen-volvimento comunitário com a política regional, poder-se-á, à me-dida que se forem constituindo as diferentes comissões regionaisde desenvolvimento, enquadrar nessas comissões alguém respon-sável pelo desenvolvimento comunitário, cuja função será, alémde tornar presente no plano a óptica do desenvolvimento comu-nitário, a elaboração de um ou dois projectos-piloto a nível regio-nal, onde desde já seja possível ir ensaiando mais amplamentea técnica do desenvolvimento comunitário, criando simultanea-mente zonas de demonstração e treino.

Esta solução de âmbito regional não dispensa, antes impõeque, a nível central, se crie quanto antes um departamento res-ponsável pela coordenação dos diferentes projectos e pelo apoiotécnico quando necessário.

Também desde já não se vê nada que impeça o dar-se a maioratenção à divulgação da técnica do desenvolvimento comunitárioentre técnicos de desenvolvimento e funcionários públicos, orga-nizando para esta categoria de pessoas ciclos de conferências ouseminários de estudo. Esta iniciativa tanto poderá caber à enti-dade que venha a criar-se a nível nacional, responsável pelo desen-volvimento comunitário, como a qualquer instituição ligada à in-vestigação ou à acção social.

É igualmente importante que se procure reforçar e apoiaras experiências em curso que melhor sigam as técnicas do desen-volvimento comunitário, de foirma a dotá-las com possibilidadesde virem a ser centros de formação de animadores locais e outrosagentes de desenvolvimento.

As sugestões dadas podem parecer banais e demasiadamentemodestas. Tivemos a preocupação de que fossem operacionais acurto prazo e integrando quanto possível recursos já existentes.

510