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DE TERRORISMO CONVENCIONAL AO CIBERTERRORISMO: UM
ESTUDO DE CASO SOBRE O PAPEL DA AL-QAEDA
Viriato Caetano Dias1
Resumo
O escopo deste artigo é analisar a questão de terrorismo internacional, sua estrutura interna e
externa, no concreto, a crescente transformação de terrorismo convencional em ciberterrorismo,
onde o uso da ciência e das tecnologias modernas definem-se como as principais armas do
terror. Assim, nesta perspectiva, tomámos por base de trabalho o papel da Al-Qaeda, um dos
mais “famigerados” grupos terroristas fundado pelo activista suadita Osama bin Laden.
Palavras-Chave: Terrorismo Convencional; Ciberterrorismo; Al-Qaeda; Bin Laden.
Abstract:
The main objective of this article is to analyse the international terrorism, his internal and
external structure, this mutations from a conventional terrorist group to a cyber terrorism, where
the modern and new technologies will be used in terror weapons. In this observation we use for
our working paper, the Al-Qaeda targets and activities, one of the most dangerous terrorist
group, created by Osama bin Laden.
Key words: Conventional Terrorism; Cyber terrorism; Al-Qaeda, Osama bin Laden.
Notas introdutórias
A presente reflexão está dividida em quatro componentes centrais, cada uma delas tratando de
um assunto específico, todas intrinsecamente ligadas ao terrorismo. Na primeira componente
discute-se a problemática do conceito de terrorismo, que abrange desde os seus primórdios com
relatos bíblicos, até os dias de hoje, com o surgimento de ciberterrorismo; na segunda aborda os
diferentes tipos de terrorismo (são examinadas separadamente as categorias e os grupos de
terrorismo); na terceira componente abarca o papel da Al-Qaeda (sua génese, organização e
prováveis causas que estão por detrás da sua existência, são elencados alguns ataques terroristas
perpetrados pelo grupo) e, por último, o ciberterrorismo ou ciberguerra (o uso das novas
tecnologias de informação e comunicação como meios de terror). Os principais objectivos sobre
este tema a que nos propomos responder serão a pergunta: O que é terrorismo? Qual o papel da
1Mestrando em Relações Internacionais e Estudos Europeus, ministrado pela Universidade de Évora,
Endereço de „E-mail‟: [email protected].
2
Al-Qaeda nesta guerra? Como pretende ser instaurado o ciberterrorismo e quais as suas
consequências no mundo actual?
A problemática do conceito de terrorismo
O conceito de terrorismo de que nos propusemos estudar mostra-se eivado de ambivalências,
tanto é polissémico como errático. Para isso, impõe-se esclarecer, à luz das conclusões mais
avançadas da investigação disponível, o que se entende, actualmente, por terrorismo. Na
perspectiva de alguns autores, como Andrade (1999), afirma com base na definição do FBI2 -
Repartição Federal de Investigação que “Terrorismo é o uso ilícito de violência contra pessoas
ou bens para intimidar ou coagir um governo, a população civil ou parte dela, para alcançar
objectivos políticos ou sociais […]. Contudo, nem todo o acto ilícito de violência é considerado
de terrorismo3”. Na parte final da guisa, estamos a citar Andrade, o autor mostra-se cauteloso na
sua abordagem conceptual, mas, adiante, afirma que o terrorismo mais do que qualquer acção
intimidatória é o facto de, deliberadamente, procurar incutir terror, não só às vítimas, como
também ao resto da população.
Do ponto de vista político e social, Cabb Carr explica que o terrorismo, por outras
palavras, é simplesmente o nome contemporâneo que se dá, e a mudança assumida, ao combate
deliberadamente desenvolvido contra civis com o objectivo de destruir a sua vontade de apoiar
quer os líderes quer os políticos que os agentes de tal violência consideram condenáveis4. No
mesmo entendimento hodierno, Batista et al (2004:31) afirma que a palavra “Terrorismo” só foi
utilizada pela primeira vez na Conferência de Bruxelas para a Unificação do Direito Penal, em
1931 e desde então, este conceito generalizou-se e, embora não exista uma definição
consensual, é actualmente utilizado para designar a violência criminosa e indiscriminada,
perpetrada por organizações e indivíduos armados.
Embora diferentes, quer na abordagem conceptual quer na semântica, as teses aqui
apresentadas convergem numa premissa comum: o terrorismo é uma violência criminosa que
visa, além do mais, criar terror nos dirigentes políticos, militares e o medo na população civil5.
Numa perspectiva contrária, diversos grupos terroristas, incluindo a própria Al-Qaeda, têm uma
abordagem diferente do conceito de terrorismo. Estes consideram seus actos legítimo contra o
poder de um Estado, ou contra a hegemonia internacional de um ou mais Estados, ou contra a
2 Federal Bureau of Investigation.
3 Idem, p.7. 4 “The Lessons of Terrorism, Little, Brown,” Londres, 2002, pp: 6 e 30 in Adriano Moreira, “Terrorismo”
2004, p.148. 5 A mesma definição tem o Conselho de Segurança da Nações Unidas (resolução n.ºs 1269 (de 1999),
1369 (de 2001) e 1373 (de 2001); a Aliança Atlântica (do Glossário AAP-6 – “Termos e Definições” –
existe a seguinte de 1.9.89); e a União Europeia (UE de 27?12.2001). V. ainda a descrição das sessões das
Nações Unidas sobre o terrorismo, em particular sobre a Al-Qaeda, no artigo de Barbosa, 2006,
respectivamente pp. 2-4.
3
violência sistémica alienante de uma ordem interna ou transnacional6. Ao fazer-se a
interpretação da problemática do conceito de terrorismo, há-de notar-se que essa controvérsia,
não rara nem fechada, se prolongará ao longo dos tempos, porquanto, por um lado aquilo que
certos Estados consideram de superiores interesses nacionais e internacionais e, por
conseguinte, „fiscalizam o mundo ao colarinho‟ como se de seus „quintais geográficos‟ se
tratasse, por outro lado, há os que são vítimas desses mesmos interesses e que, intimidados e
oprimidos, revelam seus votos e não raras vezes acabam por ser – aos olhos da História os
legítimos vencedores da liça. Não faltam exemplos, alguns até actuais. Veja-se o caso concreto
da Palestina em que, independentemente das causas do despique religioso e ideológico que trava
com Israel, o seu território é quase que diariamente regado de bombas de fragmentação pelas
forças israelitas ante o olhar desavergonhado dos chamados „guardiões da paz‟. Ainda assim,
infelizmente, os „catalogadores de terrorismo‟, os autoproclamados „guardiões da paz‟, tudo
fazem para inventar outros termos consensuais aos interesses do “núcleo duro do poder
mundial” que considerar esta realidade, nua e crua, de terrorismo. Porquê será? Isto permite-nos
analisar, com alguma relutância, o que hoje alguns Estados consideram de “actos terroristas”
amanhã simplesmente podem não o ser, basta que para isso a História destape a „panela de
pressão‟ e decida mandar recolher para os „balneários do esquecimento e dos vencidos‟ os
protagonistas dessa época. A questão é simples, ninguém pode vestir por muito mais tempo a
capa de paladino da justiça e dos direitos humanos sem que não cometa um acto ilícito
voluntário ou involuntariamente. Às vezes a própria defesa excessiva do mal, acaba por levar à
incompreensão de ambos os lados e, consequentemente, a actos terroristas. De qualquer forma,
contrariamente ao pensamento defendido por alguns autores acima referenciados sobre a
contemporaneidade do conceito de terrorismo, a este propósito escreveu Garcia Leandro,
quando sublinha:
“Poder-se-á dizer que [o terrorismo] sempre existiu como meio de acção de grupos
locais na sua luta contra um poder mais forte, normalmente do Estado e contra uma
estrutura convencional de Forças Armadas e de meios de segurança interna que não
tinham capacidade de enfrentar directamente. […]. O terrorismo já aparece citado na
Bíblia e vem pelos séculos fora, tendo ganho especial ênfase com os anarquistas do final
do Século XIX e dos princípios do Século XX7”.
À semelhança da corrupção e da guerra, o terrorismo é apenas mais um de muitas carradas de
„tumores malignos‟, de proveniência anoso, que surgiu, digamos, sem uma „certidão de
nascimento‟ que lhe outorgasse, nesse documento, a „maternidade ou a paternidade‟ do terror.
Assim, afirmamos que a origem do terrorismo e do provável criador é inexistente. Á partida não
deve ser conferida a uma religião específica, região, etnia, raça ou cor. Posto isto, julgamos estar
6 Cf. Moreira, o já citado “Terrorismo”, 2004:134. 7 Garcia Leandro citado por Moreira, 2004, pp.369-370. Veja-se igualmente a Monografia de Sampaio,
2001, p. 6.
4
no direito de recusar, nesta reflexão, sobretudo a utilização do termo “terrorismo islâmico8”, por
considerarmos pejorativo à honra e glória dos muçulmanos e islâmicos, alheios ao terrorismo. O
terrorismo, como dissemos, não é um “produto” islâmico, muito menos americano, também não
é asiático nem pode ser australiano, tão-pouco seria africano. É, simplesmente, terrorismo. Onde
quer que ele seja praticado, defendido ou combatido, não deve rotular à sua essência.
Concordámos com Lara (2002) na identificação das causas do terrorismo que residem
quer nas consequências de uma má colonização, de uma péssima descolonização, de
intromissões sistemáticas de potências com vocações hegemónica no âmbito da guerra fria, nas
migrações decorrentes de um mundo cada vez mais interdependente, e das marginalizações que
os sistemas dominantes sempre provocam, qualquer que seja o sinal e ideologia modeladora9.
Tipos de terrorismo
Existem várias teses (e autores) que elencam os tipos de terrorismo existentes. Há no entanto a
tese defendida por Andrade (1999:8) que, do nosso ponto de vista, preenche as medidas desta
reflexão. Esta classifica o terrorismo em três grupos fundamentais: doméstico, internacional e
transnacional (os métodos, porém, são idênticos: assassínios, atentados à bomba, raptos, desvios
de aviões ou comboios). O terrorismo doméstico limita-se ao território de um país ou parte dele,
identifica-se geralmente com um movimento específico, e pode enquadrar-se num cenário de
guerra revolucionária. Este tipo de terrorismo fartura sobretudo em países como o Afeganistão,
Iraque e Paquistão, aonde proliferam a existência de grupos terroristas que, em nome do
sectarismo político e religioso, usam a propaganda revolucionária para impor terror contra as
forças governamentais e contra a população civil. O terrorismo internacional, pelo contrário,
não se limita a um país, pode implicar vários movimentos ideologicamente semelhantes, e visa
mais a população civil do que as forças armadas ou os funcionários do Estado. O exemplo
concreto deste tipo de terrorismo é o da Al-Qaeda de que falaremos mais adiante em capítulo
próprio. Este tipo de terrorismo tem a particularidade de obrigar os Estados contra quem se
dirige a gastar somas elevadíssimas para a protecção de pessoas e bens. Já o terrorismo
transnacional é uma variante de terrorismo doméstico, e sucede quando a região afectada está
dividida entre dois países. É o que sucede na Irlanda do Norte com o IRA e organizações
semelhantes, e no País Basco com a ETA10
- „Pátria Basca e Liberdade‟.
8 Burke (2004, p.42), por exemplo, define o “terrorismo islâmico” como uma expressão abrangente de
utilidade dúbia para compreender o fenómeno e para responder à ameaça com que nos confrontamos [a
América]. 9 Ibid., pp-138-139.
10 ‘Euskadi Ta Askatasuna‟.
5
Categorias
Blanc (1999) analisa com profundidade os grupos terroristas quanto à sua categoria, tendo como
ponto de partida o “States sponsored terrorism”, ou “terrorismo de Estado”, que é definido
como uma “forma de terrorismo que se serve do aparelho de Estado para ajudar um grupo
terrorista”. A segunda categoria de terrorismo é o “State relevant and State irrelevant terrorism”,
que corresponde ao terrorismo com ou sem base territorial. Diz o autor que os grupos terroristas
que entram nestas classes são relativamente independentes do controlo dos aparelhos estatais.
Ainda na descrição de Blanc, a última categoria seria, o “Personality-relevant”, que depende
unicamente de uma pessoa que dá vida ao grupo11
.
Grupos
Não pretende esta reflexão ser uma „passarela de ladainhas‟ de todos os grupos terroristas
existentes, por isso elencámos apenas aqueles que, no nosso entendimento, representam a
espinha dorsal do terrorismo internacional. Segundo Blanc (2002:19)12
, o grupo terrorista que se
destaca em primeiro plano são os Intriguistas, cujo termo designa os muçulmanos que militam
contra qualquer adaptação do Islão ao mundo moderno, sob o pretexto de que o mundo moderno
que ganhará em se regenerar no Islão, fonte de todas as qualidades que a humanidade possa
procurar. Quanto aos Fundamentalistas, o seu objectivo é o de utilizar a ciência e a tecnologia
modernas para reforçar a Umma13
. Segundo eles, é preciso que o Islão proceda a uma simbiose
com a tecnologia moderna. Depois temos os Islamitas, pelo seu lado, procuram abertamente
conquistar o poder político ou, na impossibilidade, exercer fortes pressões sobre esse poder no
sentido de restaurar o dogma religioso na sua integridade e, por via da religião, resolver ao
mesmo tempo todos os problemas da sociedade. A seguir temos os Salafitas que são, no sentido
exacto do termo, “integristas” do Islão, hostis a qualquer inovação, descrita como interpretação
humana, da lei e da ordem divinas14
.
Al-Qaeda
A formação da Al-Qaeda é „pau para várias colheres‟ e não se esgota num artigo de quinze
páginas. De acordo com Nuno Rogeiro15
, um dos mais referenciados estudiosos da matéria, a
11 Em Lara (2002, p.48), pode-se ler sete subcategorias do terrorismo: o terror puro; o terrorismo dos
partidos revolucionários de libertação nacional; o terrorismo de guerrilha; o terrorismo de insurreição; o
reino do terror; a propaganda terrorista e terrorismo internacional. 12 Blanc, 2002, p. 197. 13 Comunidade islâmica mundial ou superação islâmica. Lawrence, 2006, p.19. 14 Vd outros grupos terroristas, suas origens, líderes e organização nos débitos de Mariana Sampayo e
Paulo Lisboa, in Monteiro, “Violência Estrutural? O Magrebe e a Europa Ocidental”, Leiria, 2002,
pp.266-280. 15 V. a obra do autor: “Inimigo Público: Carl Schmitt, Bin Laden e o Terrorismo Pós-Moderno”, 2003, p.
104 segs.
6
“Qaida” é usado no sentido de base física, química, espiritual, militar, mas também de
fundamento, fundação, alicerce, cânone, regra geral, etc., “al-Qa‟ ida tal-ta‟sis”, por exemplo, é
a pedra fundacional da Criação, com especial relevo no esoterismo sufista, e, acompanhando a
modernidade, uma “base16
de dados” ou “a base sólida” traduz-se, em árabe, para qa‟ida ma‟
lumat17
.
Blanc (2002) analisou também a problemática da origem da Al-Qaeda a partir da
perspectiva religiosa e centrando-se, essencialmente, na questão soviética, afirma que a Al-
Qaeda é uma organização de solidariedade com os combatentes mujahedin18
, criada por
Abdullah Azzam [em 1984] e “herdada” por Bin Laden19
, em 1989. Entretanto, Lawrence
(2005:137) cita uma entrevista em que o então líder da Al-Qaeda afirmara: “Esse nome em
particular [Al-Qaeda] é muito antigo e surgiu bastante independentemente de mim. O irmão
Abu Ubaida al-Banshiri criou uma base militar para treinar os jovens para lutar contra o Império
Soviético, que era verdadeiramente desapiedado, arrogante, brutal e aterrorizava os fiéis. Esse
local era chamado “A Base”, como em base de treino, e o nome surgiu daí20
”.
Duas observações na nossa opinião parecem inabaláveis. A primeira é que o termo “Al-
Qaeda” (que significa “A Base”) surge no Afeganistão durante o domínio soviético cujo nome
inicial era chamado de Makhatab al-Khidamat21
- Gabinete de Serviços Afegão, liderado por
Abdullah Azzam, mais tarde este Gabinete transformar-se-ia num novo movimento original
comandado por al-Banshiri de quem Bin Laden viria a herdar o trono. A segunda constatação
que fazemos é que Bin Laden, tal como ele próprio reconheceu publicamente, não foi quem
criou a Al-Qaeda. Coube entretanto a Bin Laden não só a internacionalização do movimento à
escala mundial, mas também elevou o terrorismo à principal agenda dos países membros das
Nações Unidas. Dos anais da história mundial só muito esporadicamente ocorreram casos de
mútuo entendimento entre os Estados como acontece actualmente na luta contra o terrorismo. Se
há males que vêm por bem, diz o ditado popular, então este seria um deles pelas razões que
16
Esta “base” seria a condição essencial para qualquer verdadeiro movimento de renascimento político do
Islão, baseado não só numa expressão rigorosa da doutrina, como na criação de uma rede de organizações
agregadoras, espécie de reencarnação do Iluminismo ocidental, em torno de salões de debate teológico,
representando a vanguarda política, a vontade de martírio e a certeza da fé. Rogeiro, 2003, p.137. 17 Idem, ibidem, p. pp. 132-137; v., igualmente, Andrade (1999), especialmente a pág. 171. 18 Lutador pela causa de Allah, e que tanto designa os combatentes da jihad (o termo “jihad”, entendido a
maior parte das vezes como “guerra santa”, significa também “esforço sobre si mesmo” ou “defesa dos
direitos de Deus”). 19 O xeque e milionário saudita Osama bin Mohammed bin Awad bin Laden nasceu em Riade (Arábia
Saudita) no dia 10 de Março de 1957 e foi morto pelas forças especiais dos EUA no dia 1 de Maio de 2011 em Abbottabad (Paquistão). Para o seu lugar foi indicado à líder interno da organização o egípcio
Saif al-Adel (Muhamad Ibrahim Makkawi), o sétimo mais procurado na lista do FBI. V. quem são os
líderes da Al-Qaeda aqui: http://www.rm.co.mz (15/05/2011), e a história completa de Bin Laden em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Osama_bin_Laden (11/05/2011), e Clarke, 2004, pp. 193 a 220,
respectivamente. 20
No mesmo diapasão, v. Greenberg, 2007, p. 238. 21 MAK
7
coube a Bin Laden o entendimento harmonioso entre os Estados, muitas vezes divergentes nas
causas e nos interesses. Infelizmente é assim!
Ataques e causas da contenda
Esta reflexão não tem espaço para exumar e autopsiar todos os ataques terroristas perpetrados
pelo movimento terrorista Al-Qaeda que nos quatro cantos do mundo semearam e continuam a
semear dor, luto e hecatombe entre as populações. Antes, porém, falaremos de alguns ataques
terroristas que mais impacte tiveram na comunicação social, embora reconheça-se que o
terrorismo como conceito não se mede em números de vítimas ou na dimensão que certas
agências de notícias, na sua ingrata tarefa informativa, dão ou simplesmente deixam de
transmitir ao “público de bancada22
”
Pensa-se que os primeiros ataques terroristas ligados à Al-Qaeda durante a liderança de
Bin Laden ocorreram em 1998 contra as embaixadas americanas em Nairobi (Quénia) e em Dar
es Salaam (Tanzânia), vitimaram 224 pessoas e feriram 5000. Foi de resto nestes dois atentados
bombistas que os nomes de Bin Laden (este entra então para a lista das dez pessoas mais
procuradas pelo FBI, que fez assim dele o inimigo público n° 1 dos Estados Unidos) e da Al-
Qaeda tornaram-se sonantes. Na sequência desse ataque e após a criação da “International
Islamic Front for Jihad Against the Jews and the Crusaders” – “Frente Islâmica Mundial contra
os Judeus e os Cruzados”, Bin Laden concedeu a sua primeira entrevista à cadeia de televisão
do Qatar (al-Jazeera) onde afirmou “o nosso dever – que assumimos – é motivar a nossa umma
para a jihad por amor a Deus contra a América e os seus aliados”.
Apesar do carácter dissimulado e idiossincrático de Osama bin Laden que, aliás, não se
deve levar à letra, parece-nos evidente que os seus pressupostos de luta contra os EUA, Israel e
aliados – pelo que é público – são a causa religiosa (a ideia de que a religião muçulmana é a
religião da unificação de Deus23
, e […] “Apelamos igualmente a cada muçulmano para atacar as
tropas satânicas americanas e os demónios seus aliados. A ordem para matar americanos é um
dever sagrado com o objectivo de libertar a mesquita de al-Aqsa e a de Meca24
”), o
imperialismo ocidental que tem como símbolo a América (os ataques às torres gémeas
significava para Bin Laden o poder financeiro mundial25
), a causa Palestina (“O sangue
derramado da Palestina tem de ser vingado. Vocês têm de saber que os Palestinianos não
22 Designámos de “público de bancada” os que vivem os acontecimentos a partir da „bancada‟, pela rádio,
televisão ou através de outros meios de comunicação social, por essa razão afirmamos que não é pela
dimensão ou fervura da notícia que a dor (terrorismo) deixa de ser dor. 23
V. Greenberg, 2007, p.260. 24 Blanc, 2002, p. 112, v. igualmente Burke, 2004, p.186. 25 V. Lawrence, 2006, p. 136.
8
choram sozinhos; as suas mulheres não enviuvaram sozinhas; os seus filhos não ficaram órfãos
sozinhos26
”).
Terroristas de calibre como foi Bin Laden geralmente colocam em prática as suas
ameaças. Trata-se de um juramento que fazem na „catedral‟, isto é, no „santuário do crime‟,
onde a principal regra é a destruição e o terror. Por mais forte que seja a muralha de ferro, um
extremista nunca se resigna enquanto não se fizer adentro e quando o faz, tornar-se um autêntico
„tsunami‟. Bin Laden provou esta hipótese com o pior ataque terrorista de que há memória. A
11 de Setembro de 200127
foi cumprida a promessa, destruindo por completo as torres gémeas
do WTC28
- Centro Mundial de Comércio que causaram a morte a 2.993 pessoas (incluindo 19
terroristas). A esmagadora maioria das vítimas era civil, incluindo cidadãos de mais de 70
países. A verdade, porém, é uma: o inimigo de hoje foi o maior amigo de ontem. Durante a
guerra do Afeganistão, Usamah Bin Ladean29
e a CIA30
- Agência Central de Informações foram
aliados contra a ocupação soviética no Afeganistão, que colocou os EUA na situação de única
superpotência militar, económica e ideológica. De resto, a política internacional alimenta-se
disso: de convergência quando o inimigo é comum, de divergência quando os interesses
divergem.
Em resumo, apresentamos o quadro dos ataques terroristas perpetrados pela Al-Qaeda e
o orçamento de cada operação.
Tabela 1. Custo de algumas operações terroristas (estimativas)
26
Greenberg, 2007, p. 257. 27
Veja toda a história sobre o ataque em Burke, 2004, pp.240-258; e, especialmente sobre os bastidores
da „Casa Branca‟, Clarke, 2004, p.313 segs. No mesmo diapasão, vd a reportagem completa da CNN na
obra dada à estampa por Dayan, 2009, pp. 38-56. 28 World Trade Center, baptizado pelo nome de “Ground Zero” que significa destruição total. 29 A questão do grafismo é algo que neste trabalho procurámos não relevar. 30Central Intelligente Agency
Ataques terroristas Data Custo da operação (estimativa)
Bombas da Embaixada Africana 1998 > 30 000 USD
Ataque ao USS Cole 2000 Entre 5000 e 10 000 USD
11 de Setembro 2001 2001 > 500 000 USD
Mesquita de Djerba 2002 20 000 USD
Ataque em Limburg 2002 127 000 USD
9
Fonte: J. C. Brisard, Terrorism Financing, op. Cit., UN 2002 in Moreira (2004).
De acordo com Adelino Torres em Moreira (2004:31)32
, os fundos operacionais da Al-Qaeda
têm dois objectivos principais: investimento em projectos lucrativos que permitam alimentar as
células locais e levar a cabo actos terroristas. Para recolher fundos a organização utiliza diversos
métodos: cotizações dos membros, projectos de investimento, empresas de fachada, falsos
contratos, assaltos a brancos, cheques forjados, fraude com cartões de crédito, moeda falsa,
raptos, extorsão e contrabando de armas, tráfico de drogas, etc.
Ciberterrorismo
Ao olharmos para a realidade actual do mundo em que vivemos, em que as relações sociais
entre os indivíduos estão combinadas em espaços reais e virtuais de comunicação na sociedade
em rede, facilmente nos indagamos se o mundo hoje seria possível sem a Internet. Para Batista
et al (2004:30) com o desenvolvimento da Internet surgiram novos conceitos que fazem parte
dos clichés dos telejornais e das manchetes dos jornais, tais como: Guerra da Informação,
Ciberguerra, Ciberterrorismo e Cibersegurança, que estão a revolucionar a “arte da guerra”, o
combate ao banditismo e ao crime organizado. Para estes autores, Ciberterrorismo – foi
utilizado pela primeira vez por Barry Collin, investigador no Instituto for Security and
Intelligence”, na década de 80, para referir à convergência do ciberespaço e de terrorismo33
.
Nem todos os ataques informáticos são considerados de ciberterrorismo. A este
propósito Denning (2000) enfatiza que:
“Further, to qualify as cyberterrorism, an attack should result in violence against
persons or property, or at least cause enough harm to generate fear. Attacks that lead to
death or bodily injury, explosions, plane crashes, water contamination, or severe
economic loss would be examples. Serious attacks against critical infrastructures could be acts of cyberterrorism, depending on their impact. Attacks that disrupt nonessential
services or that are mainly a costly nuisance would not34”.
Existem entretanto dois grupos cibernéticos que à partida nada tem a ver com grupos
terroristas como Al-Qaeda, embora seus actos possam ser considerados ilegais, denominados
Hackers (amadores ou profissionais) e Crackers (são simplesmente curiosos e os que cometem
31 Discutível a autoria da Al-Qaeda. 32 Moreira, 2004:31. 33
Ibid., p.33 34 Gordon, 2003, p. 4.
Ataque em Bali31
2002 74 000 USD
10
actos de vandalismo). Para ambos os casos, não há melhor exemplo que a WikiLeaks35
, lançado
em Dezembro de 2006 pela iniciativa do seu principal editor e porta-voz o australiano
Julian Assange. Ao longo de 2010, a WikiLeaks publicou vários documentos confidenciais do
governo dos Estados Unidos, incluindo “informações bombásticos” sobre os governos de
Portugal e de Moçambique, com forte repercussão mundial36
. Ainda na esteira da actuação
destes cibernéticos, a RTP em seus programas noticiosos do dia 12/06/2011 informou que o
Departamento de Defesa norte-americano confirmou que o FBI estaria a investigar um ataque
informático contra o Fundo Monetário Internacional - (FMI) que tinha como objectivo instalar
um "software" que daria acesso a todas as bases de dados da instituição37
. Por outro lado,
segundo o jornal brasileiro “Correio do Povo”, o grupo hacker LulzSec derrubou no 23/06/2011
o site da Presidência e do Governo do Brasil, respectivamente, e declarou guerra aberta contra
todos os governos, bancos e grandes corporações do mundo38
.
No que respeita à Al-Qaeda, Scott Atran39
considera que a Internet é o único lugar onde
este movimento está a florescer e é altamente competitiva. Porquê? Julgamos nós que a
invisibilidade de quem usa estes meios, atraídos sobretudo pelo „embaratamento‟ de custos,
poderá ter despoletado na Al-Qaeda o interesse por estes meios, como afirma Magnus Ranstop
“[…] Las nuevas tecnologias informáticas facilitan la difusión de propaganda política; la
captación de voluntários; la obtención de recursos; la comunicación y la coordinación de los
diversos grupos operativos40
”. Referindo-se a queda das torres gémeas, o mesmo autor
acrescenta que “Los terroristas responsables de los atentados del 11 de septiembre, por ejemplo,
utilizaron toda classe de médios tecnológicos avanzados: mensajes de correo electrónico
encriptados o señalizados como “spam”; salas de “chat” corrientes, o buzones clandestinos;
tarjetas de telefono suizas no indentificables; teléfonos por satélite de un solo uso; o cuentas de
correo electrónico anónimas para ser utilizadas una sola vez41
”.
Para o advogado especializado em Direito Autoral, Nehemias Gueiros Jr42
, o modo de
funcionamento é bastante fácil: os terroristas abrem contas gratuitas em provedores como
„Hotmail‟ e „Yahoo‟, escrevem uma mensagem mas não a enviam, arquivando-a somente na
35
É uma organização transnacional sem fins lucrativos, sediada na Suécia que publica, em seu site, posts
de fontes anónimas, documentos, fotos e informações confidenciais, vazadas de governos ou empresas,
sobre assuntos sensíveis. 36 Conheça toda a história da WikiLeaks aqui: http://pt.wikipedia.org/wiki/WikiLeaks (12/06/2011). 37
http://www0.rtp.pt/noticias/?t=FBI-em-campo-para-investigar-ataque-informatico-ao-
FMI.rtp&headline=20&visual=9&article=450998&tm=7 (24/06/2011). 38 http://www.correiodopovo-al.com.br/v3/mundo/15123-Grupo-hacker-LulzSec-derruba-site-Presidncia-
Governo-Brasil.html (23/06/2011). 39 “A internet é o único lugar onde a Al-Qaeda floresce” publicado em 12/04/2011 no site:
www.rm.co.mz (25/05/2011). 40 Moreira, 2004:179. 41 Ibid: 207. 42V. artigo do autor em “Consultor Jurídico” publicado no site http://www.conjur.com.br/2004-ago-
29/al_qaeda_cada_vez_proxima_ciberterrorismo (07/06/2011).
11
pasta de “Rascunho”. Utilizando-se do mesmo login e da mesma senha colectivamente, outros
membros acedam o „Web Mail‟, lêem a mensagem e apagam-na, ou seja, a mensagem jamais
foi enviada, nunca saiu do provedor e não há qualquer registo ou rastro dela na Internet”. Em
resposta à sofisticação dos terroristas, que tem vindo a aumentar e à sua capacidade de
realizarem ataques inesperados a instituições ou empresas específicas, os EUA estabeleceram
uma “Estratégia Nacional para Segurança do Ciberespaço” – “National Strategy to Secure
Cyberespace” articulada com “National Strategy for Homeland Security, com os seguintes
objectivos: prevenir ciberataques contra infra-estruturas americanas críticas; reduzir a
vulnerabilidade nacional aos ciberataques; minimizar danos e ganhar tempo antes da ocorrência
de ciberataques. No compito geral, podemos, portanto, concluir que o ciberterrorismo (ao
contrário das guerras convencionais que envolvem homens fortemente armados, uma grande
estrutura de defesa e segurança, designadamente instalações militares, logísticas, meios de
transportes, material bélico, etc.), é uma guerra moderna sem rosto, sem identidade, sem
fronteiras físicas do Estado.
Notas finais
Em algum momento o leitor desta reflexão poderá ter ficado com a ideia de que o seu
autor é insensitivo ao terrorismo, ignorando o aviso à navegação, acusando-o de seguida
de tentar equilibrar as balanças, só por si, „inequilibráveis‟. De facto, só mesmo uma
leitura desinteressada poderá conduzir a esta conclusão. O terrorismo como ficou
demonstrado nesta reflexão é um acto criminoso que remota desde há antiguidade
histórica até à nossa Era. O terrorismo, portanto, não nasce com a Al-Qaeda nem com
qualquer outro movimento terrorista, embora reconheça-se que a Al-Qaeda o tenha
internacionalizado com a queda das torres gémeas em 2001. Conclui-se, nesta
perspectiva, que com a queda das torres gémeas nos EUA inicia-se o fim da hegemonia
política e económica norte-americana. Tanto o terrorismo convencional como o
ciberterrorismo não se esgotam por decretos. São sensatas as palavras de Madeleine
Albritht (antiga Secretária de Estados Unidos da América)43
quando afirma que essa
guerra não seria ganha com acções militares fosse qual fosse a violência dos bombardeamentos
ou dos ataques, fosse qual fosse também a amplitude dos prejuízos infligidos à parte adversa,
mas sim nas agências de informação e de contra-espionagem americanas [e mundial] dado que
o terrorismo não pára de evoluir. Concluímos este epílogo reconhecendo que o terrorismo pela
43 Cito de memória.
12
sua natureza (não escolhe alvos, raças, nacionalidades, etnias, etc.) é um MAL que deve
ser combatido por TODOS. Que assim seja!
„Zicomo Kwambiri‟ (Muito Obrigado).
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