58
caius_c 1 Decifrando Nietsche e Maquiavel João Alberto Padoveze

Decifrando Nietsche e Maquiavelstatic.recantodasletras.com.br/arquivos/1997441.pdf Decifrando Nietsche e Maquiavel João Alberto Padoveze. caius_c 2 NICOLÓ MACHIAVELLI “O Príncipe”

  • Upload
    lydien

  • View
    238

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

caius_c 1

Decifrando

Nietsche

e

Maquiavel

João Alberto Padoveze

caius_c 2

NICOLÓ MACHIAVELLI

“O Príncipe”

caius_c 3

O homem

Nicolau Maquiavel, em italiano Niccolò Machiavelli, (Florença, 3 de Maio de 1469 — Florença, 21 de Junho de 1527) foi um historiador, poeta, diplomata e músico italiano do Renascimento. É reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna, pela simples manobra de escrever sobre o Estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser. Os recentes estudos do autor e de sua obra admitem que seu pensamento foi mal interpretado historicamente. Desde as primeiras críticas, feitas postumamente por um cardeal inglês, as opiniões, muitas vezes contraditórias, acumularam-se, de forma que o adjetivo maquiavélico, criado a partir de seu nome, significa esperteza, astúcia.

Niccolò di Bernardo dei Machiavelli viveu a juventude sob o esplendor político de Florença durante o governo de Lourenço de Médici e entrou para a política aos 29 anos de idade no cargo de Secretário da Segunda Chancelaria. Nesse cargo, Maquiavel observou o comportamento de grandes nomes da época e a partir dessa experiência retirou alguns postulados para sua obra. Depois de servir em Florença durante catorze anos foi afastado e escreveu suas principais obras. Conseguiu também algumas missões de pequena importância, mas jamais voltou ao seu antigo posto como desejava.

Como renascentista, Maquiavel se utiliza de autores e conceitos da Antiguidade Clássica de maneira

caius_c 4

nova. Um dos principais autores foi Tito Lívio, além de outros lidos através de traduções latinas, e entre os conceitos apropriados por ele, encontram-se o de virtù e o de fortuna. 1

A época

No século XII, cidades-estados no norte e centro da Itália apresentavam grande desenvolvimento econômico e cultural, ao passo que o sul continuava a ser dominado pelos normandos e a partir de 1176 pelos aragoneses.

A partir do século XIII, o poder, nas cidades, passou às mãos de potentados. Enquanto na Itália do Norte dominavam quatro grandes cidades (Florença, Gênova, Veneza, Milão), a Itália Central estava dividida pelo grande cisma, e a Itália do Sul, pelas lutas entre os angevinos e os aragoneses (séculos XIV-XV). San Marino é um remanescente dessas cidades-estados do norte.

No século XIV, a Península Itálica foi campo de batalha para os franceses, os aragoneses e os suíços. No final do século XV, a Itália foi invadida pela França e, mais tarde, pelo imperador Carlos V, que subjugou a maior parte do território em 1550. A França, pelo Tratado de Cateau-Cambrésis, renunciou às suas pretensões à parte transalpina (1559), e os aragoneses,

1 Extraído do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolau_Maquiavel

caius_c 5

herdeiros de Carlos V na Itália, dominaram a península durante dois séculos.

Apesar disso, o século XIV foi uma época de grande desenvolvimento em função da atividade comercial das quatro repúblicas marítimas, Veneza, Génova, Pisa e Amalfi, e da atividade financeira dos banqueiros de Florença. O desenvolvimento econômico e a riqueza da Itália permitiram um grande desenvolvimento cultural e artístico, conhecido como Renascimento, que se irradiou pela Europa. 2

Durante o Renascimento, as cinco principais potências na península Itálica eram: o Ducado de Milão, a República de Veneza, a República de Florença, o Reino de Nápoles e os Estados Pontifícios. A maior parte dos Estados da península era ilegítima, tomados por mercenários chamados condotiere.

Eram incapazes de se aliar durante muito tempo estando entregues à intriga diplomática e às disputas, e, por suas riquezas, eram atrativos para as demais potências européias do período, principalmente Espanha e França. A política italiana era, portanto, muito complexa e os interesses políticos estavam sempre divididos. Batalhando entre si, ficavam a mercê das ambições estrangeiras, mas a influência de alguém como Lourenço de Médici havia impedido uma invasão. Com a morte deste em 1492, e a inaptidão política de

2 Extraído do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_It%C3%A1lia

caius_c 6

seu filho, a Itália foi invadida por Carlos VIII, causando a expulsão dos Médici de Florença.

Esta era em si palco do conflito entre duas tendências: a da exaltação pagã do indivíduo, da vida e da glória histórica, representada por Lourenço de Médici e seu irmão Juliano de Médici; e a da contemplação cristã do mundo, voltada para o além, que se formava como resposta ao ressurgimento da primeira nos mais variados aspectos da vida como a arte e até na Igreja, representada por religiosos como Girolamo Savonarola.

Anunciando a chegada de Carlos VIII como a de um salvador, contrário aos Médici e com grande apoio popular, o pregador Girolamo Savonarola tornou-se a figura mais importante da cidade dando ao governo um viés teocrático-democrático. Com sua crescente autoridade e influência Savonarola passou a criticar os padres de Roma como corruptos e o Papa Alexandre VI por seu nepotismo e imoralidade. O Papa excomungou o frei, mas a excomunhão foi declarada inválida por ele. No entanto, Savonarola acabou preso e executado pelo governo provisório em 23 de maio de 1498. Com a demissão de seus simpatizantes era nomeado para o cargo de secretário da Segunda Chancelaria de Florença, cinco dias depois da morte do frei, Maquiavel, com 29 anos. 3

3 Extraído do site http://pt.wikipedia.org/wiki/Nicolau_Maquiavel

caius_c 7

A Obra

O Príncipe é provavelmente o livro mais conhecido de Maquiavel e foi completamente escrito em 1513, apesar de publicado postumamente, em 1532. Teve origem com a união de Juliano de Médici e do Papa Leão X, com a qual Maquiavel viu a possibilidade de um príncipe finalmente unificar a Itália e defendê-la contra os estrangeiros, apesar de dedicar a obra a Lourenço de Médici II, mais jovem, de forma a estimulá-lo a realizar esta empreitada. Outra versão sobre a origem do livro, diz que ele o teria escrito em uma tentativa de obter favores dos Médici, contudo ambas as versões não são excludentes.

Está dividido em 26 capítulos. No início ele apresenta os tipos de principado existentes e expõe as características de cada um deles. A partir daí, defende a necessidade do príncipe de basear suas forças em exércitos próprios, não em mercenários e, após tratar do governo propriamente dito e dos motivos por trás da fraqueza dos Estados italianos, conclui a obra fazendo uma exortação a que um novo príncipe conquiste e liberte a Itália. Em uma carta ao amigo Francesco Vettori, datada de 10 de dezembro de 1513, Maquiavel comenta sobre o escrito:

E como Dante diz que não se faz ciência sem registrar o que se aprende, eu tenho anotado tudo nas conversas que me parece essencial, e

caius_c 8

compus um pequeno livro chamado De principatibus, onde investigo profundamente o quanto posso cogitar desse assunto, debatendo o que é um principado, que tipos de principado existem, como são conquistados, mantidos, e como se perdem.

— Carta de Nicolau Maquiavel a Francisco Vettori de 10 de Dezembro de 1513

As intenções de Maquiavel

Discute-se muito as intenções de Maquiavel sobre o objetivo de sua obra. À primeira vista, de acordo com sua carta de exortação, seu maior desejo é a unificação da Itália e expulsão de seus invasores, a quem ele chama de bárbaros.

“observei nos duelos e nos combates individuais o quanto os italianos são superiores na força, na destreza ou no engenho. Mas, quando se passa para os exércitos, não comparecem. E tudo resulta da fraqueza dos chefes, porque aqueles que sabem não são obedecidos, e todos julgam saber, não tendo surgido até agora alguém que tenha sabido se sobressair pela virtude ou pela fortuna de forma a que os outros cedam (exortação)”.

Outros acreditam que ele compôs o livro apenas para tomar as graças de do poder vigente, visto que foi demitido em 1512, acusado de política contra os Médici

caius_c 9

e colaborador do governo anterior. Em 1513 foi preso acusado de ser republicano e torturado. Solto depois de 22 dias, retirou-se para sua propriedade de Sant´Andrea in Percussina, onde morreu, sem ter retornado para qualquer função política.

Foi acusado de ser conselheiro de tiranos e herege, tantos pelos católicos como pelos protestantes.

Alguns o consideram como um nacionalista e outros acreditam que sua obra era um disfarce de seus ideais republicanos, com a qual visava alertar o povo contra os governos autoritários.

Independente das suas intenções, sua obra é bastante clara e seus escritos tem uma lógica quase irrefutável. O uso da mesma serve para aqueles que almejam o poder total e para aqueles que desejam lutar contra os mesmos.

Divisão da obra

Podemos dividir a obra em quatro partes:

1) Descrição dos principados 2) Milícias e exércitos 3) Qualidades do príncipe 4) Exortação

Na primeira parte, Maquiavel descreve as formas de principado, suas qualidades e defeitos. Ele divide do seguinte modo:

caius_c 10

a) Hereditários b) Mistos c) Novos d) Civil e) Eclesiásticos

Dentro dessa classificação, ele transmite informações sobre as formas de condução dos mesmos, enumerando seus defeitos e qualidades. Freqüentemente, ele recorre à história para mostrar ou justificar seus textos. No capitulo IV, “Por que o reino de Dario, ocupado por Alexandre, não se rebelou contra seus sucessores após a morte dele”. Em outros capítulos, como o V, ele cita regras para evitar revoltas dentro de um principado tomado, que tinham suas próprias leis.

Na parte das milícias e exércitos, ele explica todas as suas formas existentes e aconselha sobre como recorrer a elas ou mantê-las.

Nas qualidades do príncipe, Maquiavel, assim como Nietzsche relativiza a moral dos dominantes. Para ele, manter-se no poder implica em abandonar as virtudes comuns dos homens e assumir outras que são essenciais à liderança.

Na última parte, dirigida a Francesco Vettori, ele faz uma exortação para que surja um príncipe capacitado para unificar a Itália e expulsar seus invasores.

caius_c 11

Os principados

Na visão de Maquiavel, os principados hereditários seriam os mais fáceis de governar. Um príncipe com qualidades medianas poderiam manter o poder pelo fato de que o povo estaria acostumado ao trato de seus ancestrais. Não necessitando tomar medidas e não tendo vícios, o povo o amaria naturalmente.

Nos principados mistos, que seriam os aqueles conquistados e anexados a outro, a situação é mais tensa, visto que o príncipe, para manter o poder, é obrigado a tomar medidas que podem incitar a fúria do povo contra ele. Para esses, a manutenção do poder pelo príncipe deve ser feita através de duas medidas:

a) Extinção da estirpe do antigo príncipe b) Não alterar as leis e os impostos do principado

Para os territórios conquistados, onde os costumes e a língua são diferentes, ele sugere que o príncipe deva habitá-lo, pois estará mais pronto para possíveis sublevações e seus auxiliares não irão saqueá-lo.

Outro artifício é a instalação de colônias nesses principados. Seu custo seria menor que a manutenção de exércitos no local e a ofensa seria apenas aos poucos habitantes que teriam suas terras tomadas.

caius_c 12

O príncipe, nesses territórios, deve tornar-se protetor dos fracos, sem conferir a eles nenhum poder, e oprimir os poderosos, para retirar-lhes a força. Se um príncipe estrangeiro invadisse a terra, não encontraria ninguém com recursos suficientes para ser um bom aliado.

O sistema feudal, onde os senhores das terras serviam ao rei é pernicioso para o príncipe. Os barões e outros nobres, além da terra, detêm a simpatia de povo e são poderosos o suficiente para afrontar o rei, como ocorria na Idade Média. O ideal seria que o príncipe distribuísse o poder para servos, que alternar-se-iam no poder. Esse sistema impediria que o povo a eles se afeiçoasse e qualquer mudança não seria notada. O poder emanaria diretamente do príncipe, que apenas o delegaria (sistema absolutista).

Para os principados ocupados que viviam sob suas próprias leis, existem três alternativas:

a) Arruiná-los b) Habitá-los pessoalmente c) Deixá-los viver com suas próprias leis

Os romanos mantiveram-se no poder durante tanto tempo porque não provocavam grandes mudanças nos usos e costumes locais, chegando até a adotá-los. Deixando os povos conquistados com sua religião e leis, bastava a eles que pagassem os tributos a Roma e não ao seu antigo rei.

caius_c 13

Para as repúblicas, onde Maquiavel acredita que exista um ódio maior aos invasores, ele não vê outra solução exceto a de aniquilá-las.

Para os principados completamente novos, de príncipe e de Estado, a conquista e a manutenção do poder estão ligadas às virtudes do próprio príncipe. O sucesso depende de contar com forças próprias e não de outrem e de implantar uma nova ordem, visto que a antiga ainda não está estabelecida.

Para o príncipe cujo poder foi dado ou dependa de outros, a possibilidade de manter-se no poder é bastante pequena porque não terá subsídios para enfrentar qualquer situação adversa. Sua opção seria a de dissolver as tropas que o colocaram lá e formar uma própria.

Para os que ascendem ao trono através de um crime, restam poucas alternativas, visto que dificilmente terá o apoio do povo e terá contra si a inimizade dos que eram adeptos do antigo príncipe. Resta a ele eliminar todos os adversários de uma só vez e fazer o bem aos poucos, para demonstrar que é passível de humanidade.

O sistema do principado civil é parecido com a república. Os meios para se chegar ao poder podem ser através do povo ou da ajuda dos poderosos. Tendo o apoio do povo fica mais fácil

caius_c 14

Para medir a forças de um principado, devemos verificar se o príncipe tem força própria ou as empresta de outrem. Nesse último caso, convém que o príncipe fortifique sua cidade pois não poderá contar com ajuda imediata em caso de invasão.

Quando aos principados eclesiásticos, a força da religião lhes dá poder suficiente para se manterem. Segundo Maquiavel, somente estes são seguros e felizes.

As tropas podem ser mercenárias, próprias, auxiliares ou mistas. As mercenárias e as auxiliares são perigosas pois não tem vínculos com o príncipe exceto pelo seu pagamento. As próprias são mais devotas e confiáveis e as mistas o são porque as forças do príncipe a obrigam a isso.

A negligência do príncipe para com seus exércitos e pela arte militar é o que provoca sua queda ou sua manutenção no poder. Os que atentam apenas para as futilidades terminam por serem destronados.

As virtudes

A grande virtude do príncipe é ser prudente no que concerne aos vícios, pois esses podem fazer com que perca o poder.

A parcimônia deve ser usada no lugar da liberalidade, pois aquela evita que seus gastos sejam grandes e acarretem a necessidade de tributação

caius_c 15

exagerada do povo. A liberalidade deve ser usada somente em tempo de guerra, quando os soldados estão propensos à rapina e poderiam rebelar-se contra o príncipe se este não concedesse-lhes despojos de guerra.

A crueldade deve ser usada contra o indivíduo e não contra a comunidade. Sendo poucos atingidos, não existirá propensão à revoltas. O príncipe deve temer o ódio dos cidadãos ou de seus pares.

Um príncipe prudente não deve guardar sua palavra empenhada. Cada situação exige um procedimento e a manutenção dessa pode prejudicá-lo.

Maquiavel conclui que um príncipe não precisa ter todas as qualidades exigidas mas, precisa parecer tê-las (nada mais atual!). Uma imagem forte de sua pessoa é o reflexo de seu principado. Segundo as palavras do próprio Maquiavel “Um príncipe, portanto, deve ter muito cuidado em não deixar escapar de sua boca nada que não seja repleto das cinco qualidades acima mencionadas, para parecer, ao vê-lo e ouvi-lo, todo piedade, todo fé, todo integridade, todo humanidade, todo religião; e nada existe mais necessário de ser aparentado do que esta última qualidade. É que os homens em geral julgam mais pelos olhos do que pelas mãos, porque a todos cabe ver mas poucos são capazes de sentir”.

Um príncipe que deseja ser estimado deve dar raros exemplos e fazer grandes empreendimentos. Essa

caius_c 16

grandeza é que o faze estimado pelo povo. Aqueles que são irresolutos ou mantém-se neutros estão propensos a serem odiados por todas as partes, pois não toma partido de nenhum deles ou então deixará que eles produzam os acontecimentos.

Os auxiliares do príncipe devem ser escolhidos dentre aqueles que estejam mais interessados no Estado do que em si próprios. O povo julga os príncipes de acordo com aqueles que exercem o mando em nome dele. Os aduladores, aqueles que expressam sua opinião apenas para agradar ao príncipe, devem ser evitados pois seus maus conselhos podem ocasionar a ruína do mesmo.

A fortuna também faz parte do jogo do poder. O príncipe sábio e prudente deve estar pronto para saber aproveitar as melhores oportunidades, mesmo que à primeira vista lhe pareçam adversas – “Disto depende, ainda, a variação do conceito de bem, porque, se alguém se orienta com prudência e paciência e os tempos e as situações se apresentam de modo a que a sua orientação seja boa, ele alcança a felicidade; mas, se os tempos e as circunstâncias se modificam, ele se arruína, visto não ter mudado seu modo de proceder.”

República

No livro “O Príncipe” existem poucas referências às repúblicas, visto que o próprio Maquiavel promete tratar desse assunto em outra ocasião. No entanto, existe nas frases abaixo certo sentimento favorável a

caius_c 17

esse tipo de governo, embora ele dê ao príncipe fórmulas para tomá-las e manter-se no poder.

“Contudo, nas repúblicas há mais vida, mais ódio, mais desejo de vingança; não deixam nem podem deixar esmaecer a lembrança da antiga liberdade: assim, o caminho mais seguro é destruí-las ou habitá-las pessoalmente. (cap. V)”

“Ainda, uma República armada de tropas próprias se submete ao domínio de um seu cidadão com muito maior dificuldade do que aquela que esteja protegida por tropas mercenárias ou auxiliares. (cap. XII)”

No Capitulo IX, ele declara que o povo não quer ser mandado e nem oprimido pelos poderosos e esses desejam governar e oprimir o povo. Desses anseios ocorrem três efeitos: ou principado, ou liberdade, ou desordem. A palavra liberdade, provavelmente, significa República.

Povo

O povo é visto apenas como elemento de subordinação, sem outras iniciativas a não ser aceitar o governo imposto pelo príncipe ou revoltar-se contra ele. O jogo da dominação é exercido apenas pelos poderosos. No entanto, para que o príncipe detenha o poder, ele deve usar de artifícios ou ter qualidades para evitar possíveis revoltas.

caius_c 18

O que chega ao principado com a ajuda dos grandes se mantém com mais dificuldade daquele que ascende ao posto com o apoio do povo, pois se encontra príncipe com muitos ao redor a lhe parecerem seus iguais e, por isso, não pode nem governar nem manobrar como entender. (cap. IX)

Além disso, sem injúria aos outros, não se pode honestamente satisfazer os grandes, mas sim pode-se fazer bem ao povo, eis que o objetivo deste é mais honesto daquele dos poderosos, querendo estes oprimir enquanto aquele apenas quer não ser oprimido. (cap. IX)

Deve, pois, alguém que se torne príncipe mediante o favor do povo, conservá-lo amigo, o que se lhe torna fácil, uma vez que não pede ele senão não ser oprimido. Mas quem se torne príncipe pelo favor dos grandes, contra o povo, deve antes de mais nada procurar ganhar este para si, o que se lhe torna fácil quando assume a proteção do mesmo. E, por que os homens, quando recebem o bem de quem esperavam somente o mal, se obrigam mais ao seu benfeitor, torna-se o povo desde logo mais seu amigo do que se tivesse sido por ele levado ao principado. O príncipe pode ganhar o povo por muitas maneiras que, por variarem de acordo com as circunstâncias, delas não se pode estabelecer regra certa, razão pela qual das mesmas não cogitaremos.

caius_c 19

Concluirei apenas que a um príncipe é necessário ter o povo como amigo, pois, de outro modo, não terá possibilidades na adversidade. (cap.IX)

Para reduzir o assunto a termos breves, digo que do lado do conspirador não existe senão medo, ciúme, suspeita de castigo que o atordoa; mas, do lado do príncipe, existe a majestade do principado, as leis, as barreiras dos amigos e do Estado que o defendem; conseqüentemente, somada a tais fatores a benevolência popular, é impossível exista alguém tão temerário que venha a conspirar. Isso porque, geralmente, onde um conspirador teme antes da execução do mal, se tiver o povo por inimigo, deve temer ainda mesmo depois de ocorrido o fato, não podendo por isso esperar qualquer amparo. (cap. XIX)

O príncipe que tiver mais temor de seu povo do que dos estrangeiros, deve construir as fortalezas; mas aquele que sentir mais medo dos estrangeiros que de seu povo, deve abandoná-las (cap. XX)

Deve, ainda, um príncipe mostrar-se amante das virtudes, dando oportunidade aos homens virtuosos e honrando os melhores numa arte. Ao mesmo tempo, deve animar os seus cidadãos a exercer pacificamente as suas atividades no comércio, na agricultura e em qualquer outra ocupação, de forma que o agricultor não tema ornar as suas propriedades por receio de que as

caius_c 20

mesmas lhe sejam tomadas, enquanto o comerciante não deixe de exercer o seu comércio por medo das taxas; deve, além disso, instituir prêmios para os que quiserem realizar tais coisas e os que pensarem em por qualquer forma engrandecer a sua cidade ou o seu Estado. Ademais, deve, nas épocas convenientes do ano, distrair o povo com festas e espetáculos. E, porque toda cidade está dividida em corporações de artes ou grupos sociais, deve cuidar dessas corporações e desses grupos, reunir-se com eles algumas vezes, dar de si prova de humanidade e munificência, mantendo sempre firme, não obstante, a majestade de sua dignidade, eis que esta não deve faltar em coisa alguma. (cap. XXI)

Natureza Humana

O conhecimento da natureza humana é essencial para o príncipe manter o poder. Visto dessa ótica, os homens pensam apenas em tomá-lo ou submeter-se a ele. As atitudes que o príncipe deve tomar são aquelas que beneficiem os que o ajudam, sem dar-lhes poder suficiente para evitar que seu poder seja usurpado, ao mesmo tempo em que deve retirar o mesmo das mãos de possíveis inimigos.

Por onde se depreende que os homens devem ser acarinhados ou eliminados, pois se se vingam das pequenas ofensas, das graves não podem fazê-lo; daí decorre que a ofensa que se faz ao

caius_c 21

homem deve ser tal que não se possa temer vingança (cap. III)

Deve-se considerar não haver coisa mais difícil para cuidar, nem mais duvidosa a conseguir, nem mais perigosa de manejar, que tornar-se chefe e introduzir novas ordens. Isso porque o introdutor tem por inimigos todos aqueles que obtinham vantagens com as velhas instituições e encontra fracos defensores naqueles que das novas ordens se beneficiam. Esta fraqueza nasce, parte por medo dos adversários que ainda têm as leis conformes a seus interesses, parte pela incredulidade dos homens: estes, em verdade, não crêem nas inovações se não as vêem resultar de uma firme experiência. (cap. VI)

Na verdade, os homens ofendem ou por medo ou por ódio. (cap.VII)

E, para melhor esclarecer esta parte, digo que os grandes devem ser considerados em dois grupos principais: ou procedem por forma a se obrigarem totalmente à tua fortuna, ou não. Os que se obrigam e não são rapaces, devem ser considerados e amados. Os que não se obrigam devem ser encarados de dois modos: se fazem isso por pusilanimidade ou por natural defeito de espírito, deverás servir-te deles, máxime que são bons conselheiros, porque na prosperidade isso te honrará e na adversidade não precisarás temê-los. Mas quando eles, ardilosamente, não se

caius_c 22

obrigam por ambição, é sinal que pensam mais em si próprios do que em ti: desses deve o príncipe guardar-se temendo-os como se fossem inimigos declarados, porque sempre, na adversidade, ajudarão a arruiná-lo. (cap. IX)

Tal príncipe não pode fundar-se naquilo que observa nas épocas de paz, quando os cidadãos precisam do Estado, porque então todos correm, todos prometem e cada um quer morrer por ele enquanto a morte está longe; mas na adversidade, no momento em que o Estado tem necessidade dos cidadãos, então poucos são encontrados. (cap. IX)

Um príncipe, pois, que tenha uma cidade forte e não se faça odiar, não pode ser atacado e, existindo alguém que o assaltasse, retirar-se-ia com vergonha, eis que as coisas do mundo são assim tão variadas que é quase impossível alguém pudesse ficar com os exércitos ociosos por um ano, a assediá-lo. A quem replicasse que, tendo as suas propriedades fora da cidade e vendo-as a arder, o povo não terá paciência e o longo assédio e a piedade de si mesmo o farão esquecer o príncipe, eu responderia que um príncipe poderoso e afoito superará sempre aquelas dificuldades, ora dando aos súditos esperança de que o mal não será longo, ora incutindo temor da crueldade do inimigo, ora assegurando-se com destreza daqueles que lhe pareçam muito temerários. (cap. X)

caius_c 23

Deve o príncipe, não obstante, fazer-se temer de forma que, se não conquistar o amor, fuja ao ódio, mesmo porque podem muito bem coexistir o ser temido e o não ser odiado: isso conseguirá sempre que se abstenha de tomar os bens e as mulheres de seus cidadãos e de seus súditos e, em se lhe tornando necessário derramar o sangue de alguém, faça-o quando existir conveniente justificativa e causa manifesta. Deve, sobretudo, abster-se dos bens alheios, posto que os homens esquecem mais rapidamente a morte do pai do que a perda do patrimônio. (cap. XVII)

Jamais existiu um príncipe novo que desarmasse os seus súditos, mas, antes, sempre que os encontrou desarmados, armou-os; isto porque, armando-os, essas armas passam a ser tuas, tornam fiéis aqueles que te são suspeitos, os que eram fiéis assim se conservam e de súditos tornam-se teus partidários. (cap. XX)

Mas quando os desarmas, começas a ofendê-los, mostras deles duvidar, ou por vileza ou por desconfiança uma ou outra destas opiniões concebe ódio contra ti. E, por não poderes ficar desarmado, torna-se necessário que te voltes à milícia mercenária, que é daquela qualidade que já foi dita e, quando fosse boa, não poderia sê-lo por forma a defender-te dos inimigos poderosos e dos súditos suspeitos. (cap. XX)

caius_c 24

Porque os homens são levados muito mais pelas coisas presentes do que pelas passadas e, quando nas presentes encontram o bem, ficam satisfeitos e nada mais procuram (cap. XXIV)

Guerra

Conhecer a arte da guerra é a virtude suprema do príncipe. Sem isso, ele estará fraco e sujeito a ser destituído.

pois sabiam que a guerra não se evita mas apenas se adia em benefício dos outros (cap. III)

Deve, pois, um príncipe não ter outro objetivo nem outro pensamento, nem tomar qualquer outra coisa por fazer, senão a guerra e a sua organização e disciplina, pois que é essa a única arte que compete a quem comanda. E é ela de tanta virtude, que não só mantém aqueles que nasceram príncipes, como também muitas vezes faz os homens de condição privada subirem àquele posto; ao contrário, vê-se que, quando os príncipes pensam mais nas delicadezas do que nas armas, perdem o seu Estado. (Cap. XIV)

Deve o príncipe, portanto, não desviar um momento sequer o seu pensamento do exercício da guerra, o que pode fazer por dois modos: um com a ação, o outro com a mente (cap. XIV)

caius_c 25

Virtude

A virtude do príncipe é aquela que o mantém no poder. O conceito é diferente das qualidades que os homens comuns apreciam ou acreditam serem válidas. Para ele, a virtù seria a capacidade de adaptação aos acontecimentos políticos que levaria à permanência no poder. A virtù seria como uma barragem que deteria os desígnios do destino.

No entanto, ele não descarta a forma comum da virtude, onde o príncipe deve mostrar-se de forma favorável a conquistar as graças de seus súditos. Embora o termo maquiavélico designe alguém que vale-se de todos os meios para conseguir seus intentos, algumas práticas não são consideradas como as virtudes de um verdadeiro príncipe - Não se pode, ainda, chamar virtude o matar os seus concidadãos, trair os amigos, ser sem fé, sem piedade, sem religião; tais modos podem fazer conquistar poder, mas não glória.

Em parte, a sua virtude confunde-se com o conhecimento das formas de como se deve agir em cada situação.

Deve um homem prudente seguir sempre pelas sendas percorridas pelos que se tornaram grandes e imitar aqueles que foram excelentes, isto para que, não sendo possível chegar à virtude destes, pelo menos daí venha a auferir algum proveito; (cap. VI)

caius_c 26

Portanto, aquele que num principado não conhece os males logo no início, não é verdadeiramente sábio, o que é dado a poucos (cap. XIII)

É necessário seja o príncipe tão prudente que saiba fugir à infâmia daqueles vícios que o fariam perder o poder, cuidando evitar até mesmo aqueles que não chegariam a pôr em risco o seu posto; mas, não podendo evitar, é possível tolerá-los, se bem que com quebra do respeito devido. (cap. XV)

Portanto, um príncipe deve gastar pouco para não precisar roubar seus súditos, para poder defender-se, para não ficar pobre e desprezado, para não ser forçado a tornar-se rapace, não se importando de incorrer na fama de miserável, porque esse é um daqueles defeitos que o fazem reinar. (cap. XVI)

O príncipe, contudo, deve ser lento no crer e no agir, não se alarmar por si mesmo e proceder por forma equilibrada, com prudência e humanidade, buscando evitar que a excessiva confiança o torne incauto e a demasiada desconfiança o faça intolerável. (cap. XVII)

Odioso o tornará, acima de tudo, como já disse, o ser rapace e usurpador dos bens e das mulheres dos súditos, do que se deve abster; e, desde que não se tirem nem os bens nem a honra à

caius_c 27

universalidade dos homens, estes vivem felizes e somente se terá de combater a ambição de poucos, o que se refreia por muitos modos e com facilidade. Desprezível o torna ser considerado volúvel, leviano, efeminado, pusilânime, irresoluto, do que um príncipe deve guardar-se como de um escolho, empenhando-se para que nas suas ações se reconheça grandeza, coragem, gravidade e fortaleza; com relação às ações privadas dos súditos, deve querer que a sua sentença seja irrevogável; deve manter-se em tal conceito que ninguém possa pensar em enganá-lo ou traí-lo. (cap. XIX)

Moral

A moral está relacionada com a virtú, a capacidade do príncipe em frente a cada situação. Por causa disso, a moral é relativizada. Ter uma forma única de agir ou de pensar implica em perda do poder em situações diferentes daquelas em que se está. Deve-se ser cruel ou não, deve-se ser liberal ou não, de acordo com cada situação.

Penso que isto resulte das crueldades serem mal ou bem usadas. Bem usadas pode-se dizer serem aquelas (se do mal for lícito falar bem) que se fazem instantaneamente pela necessidade do firmar-se e, depois, nelas não se insiste mas sim se as transforma no máximo possível de utilidade para os súditos; mal usadas são aquelas que, mesmo poucas a princípio, com o decorrer do

caius_c 28

tempo aumentam ao invés de se extinguirem. Aqueles que observam o primeiro modo de agir, podem remediar sua situação com apoio de Deus e dos homens, como ocorreu com Agátocles; aos outros torna-se impossível a continuidade no poder. (cap. VIII)

Por isso é de notar-se que, ao ocupar um Estado, deve o conquistador exercer todas aquelas ofensas que se lhe tornem necessárias, fazendo-as todas a um tempo só para não precisar renová-las a cada dia e poder, assim, dar segurança aos homens e conquistá-los com benefícios, (cap. VIII)

Portanto, as ofensas devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam menos, ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos, para que sejam melhor apreciados. Acima de tudo, um príncipe deve viver com seus súditos de modo que nenhum acidente, bom ou mau, o faça variar: porque, surgindo pelos tempos adversos a necessidade, não estarás em tempo de fazer o mal, e o bem que tu fizeres não te será útil eis que, julgado forçado, não trará gratidão. (cap. VIII)

Donde é necessário, a um príncipe que queira se manter, aprender a poder não ser bom e usar ou não da bondade, segundo a necessidade. (cap. XV)

caius_c 29

Um príncipe não deve, pois, temer a má fama de cruel, desde que por ela mantenha seus súditos unidos e leais, pois que, com mui poucos exemplos, ele será mais piedoso do que aqueles que, por excessiva piedade, deixam acontecer as desordens das quais resultam assassínios ou rapinagens: porque estes costumam prejudicar a comunidade inteira, enquanto aquelas execuções que emanam do príncipe atingem apenas um indivíduo. (cap. XVII)

É muito mais seguro ser temido do que amado. Isso porque dos homens pode-se dizer, geralmente, que são ingratos, volúveis, simuladores, tementes do perigo, ambiciosos de ganho; e, enquanto lhes fizeres bem, são todos teus, oferecem-te o próprio sangue, os bens, a vida, os filhos, desde que, como se disse acima, a necessidade esteja longe de ti; quando esta se avizinha, porém, revoltam-se. E o príncipe que confiou inteiramente em suas palavras, encontrando-se destituído de outros meios de defesa, está perdido: as amizades que se adquirem por dinheiro, e não pela grandeza e nobreza de alma, são compradas mas com elas não se pode contar e, no momento oportuno, não se torna possível utilizá-las. (cap. XVII)

Mas quando o príncipe está à frente de seus exércitos e tem sob seu comando uma multidão de soldados, então é de todo necessário não se importar com a fama de cruel, eis que, sem ela,

caius_c 30

jamais se conservará exército unido e disposto a alguma empresa. (cap. XVII)

Logo, um senhor prudente não pode nem deve guardar sua palavra, quando isso seja prejudicial aos seus interesses e quando desapareceram as causas que o levaram a empenhá-la. Se todos os homens fossem bons, este preceito seria mau; mas, porque são maus e não observariam a sua fé a teu respeito, não há razão para que a cumpras para com eles. (cap. XVIII)

Leis

A lei é outra forma de dominância. Quando boas e bem usadas, elas dão segurança aos cidadãos e resguardam o príncipe de revoltas.

Os principais fundamentos que os Estados têm, tanto os novos como os velhos ou os mistos, são as boas leis e as boas armas. E, como não pode haver boas leis onde não existam boas armas e onde existam boas armas convém que haja boas leis, deixarei de falar das leis e me reportarei apenas às armas. (cap. XII)

Deveis saber, então, que existem dois modos de combater: um com as leis, o outro com a força. O primeiro é próprio do homem, o segundo, dos animais; mas, como o primeiro modo muitas vezes não é suficiente, convém recorrer ao segundo. (cap. XVIII)

caius_c 31

Conclusão

Maquiavel nos surpreende pela sua lógica em uma região que os homens costumam negar por parecer contrário às suas crenças. Sua escrita seca e precisa nos ofende e abala nossa credibilidade em nossa espécie. No entanto, existem centenas de outros escritos, arrazoados de formas diferentes, que fornecem a mesma visão. Talvez temamos mais sua forma crua de escrever do que suas idéias. Qualquer político ou empresário dos dias atuais age de acordo com aquilo que ele nos mostra em seu livro. Os grandes best-sellers dos executivos são aqueles que mostram as mesmas formas de dominação. A mídia conduz o povo da mesma forma que ele descreve. Sua forma de ver o homem nos assusta porque nos mostra aquela face que não queremos ver em nós próprios.

caius_c 32

NIETSCHE

“Para alem do bem e do mal.

Prelúdio a uma filosofia do futuro”

caius_c 33

O Homem

Friedrich Nietzsche nasceu numa família luterana em 1844, sendo destinado a ser pastor como seu pai, que morre jovem em 1849 aos 36 anos, junto com seu avô, também pastor luterano. Entretanto, Nietzsche perde a fé durante sua adolescência, e os seus estudos de filologia afastam-no da teologia

Durante os seus estudos na universidade de Leipzig, a leitura de Schopenhauer (O Mundo como Vontade e Representação, 1818) vai constituir as premissas da sua vocação filosófica. Aluno brilhante, dotado de sólida formação clássica, Nietzsche é nomeado aos 25 anos professor de Filologia na universidade de Basiléia. Adota então a nacionalidade suíça. Desenvolve durante dez anos a sua acuidade filosófica no contacto com pensamento grego antigo - com predileção para os pré-socráticos, em especial para Heráclito e Empédocles. Durante os seus anos de ensino, torna-se amigo de Jacob Burckhardt e Richard Wagner. Em 1870, compromete-se como voluntário (enfermeiro) na guerra franco-prussiana. A experiência da violência e o sofrimento chocam-no profundamente.

Em 1879 seu estado de saúde obriga-o a deixar o posto de professor. Em 1882, ele encontra Paul Rée e Lou Andreas-Salomé, a quem pede em casamento. Ela recusa, após ter-lhe feito esperar sentimentos recíprocos. No mesmo ano, começa a escrever o Assim Falou Zaratustra, quando de uma estada em Nice. Nietzsche não cessa de escrever com um ritmo

caius_c 34

crescente. Este período termina brutalmente em 3 de Janeiro de 1889 com uma "crise de loucura" que, durando até a sua morte, coloca-o sob a tutela da sua mãe e sua irmã. No início desta loucura, Nietzsche encarna alternativamente as figuras míticas de Dionísio e Cristo, expressa em bizarras cartas, afundando depois em um silêncio quase completo até a sua morte.

Sua irmã falseou seus escritos após a sua morte para apoiar uma causa anti-semita. Falácia, tendo em vista a repulsa de Nietzsche ao anti-semitismo em seus escritos. Entretanto, sua irmã morre confortavelmente sob a tutela nazista.

Durante toda sua vida sempre tentou explicar o insucesso de sua literatura, chegando à conclusão de que nascera póstumo, para os leitores do porvir. O sucesso de Nietzsche, entretanto, sobreveio quando um professor dinamarquês leu a sua obra Assim Falou Zaratustra e, por conseguinte, tratou de difundi-la, em 1888. Seu livro Ecce Homo é uma tentativa de publicidade de seus livros. 4

A Terra

A língua alemã e o sentimento de pertença à nação alemã existem há mais de mil anos, mas o país conhecido agora como Alemanha só foi unificado em 1871 em Versalhes, quando o Império Alemão, dirigido pela Prússia, foi constituído. 4 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Nietzsche, 17 de fevereiro de 2008, 08:51

caius_c 35

O Sacro Império Romano Germânico, que existiu desde o século VIII d.C. até 1806, é considerado o primeiro Reich alemão (Reich = Império, em alemão, termo usado para descrever os sucessivos períodos históricos do povo alemão). No momento de maior extensão territorial, o Império incluía o que são hoje a Alemanha, a Áustria, a Eslovênia, a República Tcheca, o oeste da Polônia, os Países Baixos, o leste da França, a Suíça e partes da Itália central e setentrional. A partir de meados do século XV, passou a ser conhecido como o "Sacro Império Romano da Nação Germânica". O Império Alemão de 1871-1918 é chamado de o Segundo Reich, de modo a indicar a sua descendência do império medieval. Segundo o mesmo raciocínio, Adolf Hitler referia-se à Alemanha Nazista (1933-1945) como o Terceiro Reich. 5

O tempo

O Príncipe Otto Leopold Eduard von Bismarck-Schönhausen (Otto Leopold Eduard Fürst von Bismarck-Schönhausen), Duque de Lauenburg (Schönhausen, 1 de Abril de 1815 — 30 de Julho de 1898) foi um dos mais importantes líderes nacionais do século XIX; enquanto primeiro-ministro do reino da Prússia (1862-1890) unificou a Alemanha, depois de uma série de guerras que levou a cabo com sucesso, tornando-se o primeiro Chanceler (1871-1890) do Império Alemão.

5 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Alemanha, 17 de Fevereiro de 2008, 10:50

caius_c 36

De início extremamente conservador, aristocrata, e monarquista, Bismarck lutou contra o crescente movimento social democrata na década de 1880 ao tornar ilegais várias organizações e ao instituir, de forma pragmática, a lei de acidentes de trabalho, o reconhecimento dos sindicatos, o seguro de doença, acidente ou invalidez entre outras, convencido de que só com a ação do estado na resolução destes problemas se poderia fazer frente às novas idéias políticas. Tornou-se conhecido como o "Chanceler de Ferro" (Eiserner Kanzler).

A política de Bismarck pautou-se pelo nacionalismo e pelo militarismo. Face à aspiração das forças democráticas alemãs (nomeadamente o Parlamento) em ganhar representação no governo e maiores poderes, Bismarck opôs-se ferozmente. A sua solução foi jogar a carta do nacionalismo e do militarismo para unir os alemães em torno de um governo autoritário, quase mesmo uma ditadura. As guerras com a Dinamarca e depois com a França foram manobras que asseguraram a unificação da Alemanha em torno de um regime militarista. O nacionalismo e o militarismo alemães ganharam com Bismarck a supremacia sobre as aspirações democráticas dos alemães. Os alemães aprenderam com Bismarck a renunciar à aspiração pela democracia em troca da união política e a infiltração da disciplina militarista em todas as esferas da vida. Não nos devemos pois surpreender que a Alemanha não tenha uma longa tradição democrática. A República de Weimar falhou precisamente porque estes elementos e estrutura

caius_c 37

autoritários permaneceram intocados e só após a Segunda Guerra Mundial é que se pode falar em democracia na Alemanha. 6

A obra

Publicado em 1886, a obra “Para além do bem e do mal” está eivada de influências relativas à sua época. Percebe-se claramente que as teorias evolucionistas de Charles Darwin (1809-1882), as percepções de Sigmund Freud (1856-1939) e as crescentes reivindicações feministas estão espalhadas em seus escritos. Embora visionário, em alguns aspectos pode ser considerado como retrógrado, principalmente no que concerne às mulheres. Talvez esse sentimento tenha se derivado de suas decepções amorosas, acrescido das idéias de predominância masculina da época.

Crítico das idéias novas que permearam sua época, era contrário aos ideais de democracia e igualitarismo. Ele os considerava, assim com a emancipação feminina, como fruto da decadência do homem.

A falta de uma identidade alemã, produzida apenas com a unificação da Alemanha por Bismarck, gerou um sentimento muito forte. Em trechos do livro, existe a impressão de que Nietzsche fala somente aos alemães e que sua filosofia é uma tentativa à indução de que eles caminhem em direção a isso. 6 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Otto_von_Bismarck, 17 de fevereiro de 2008, 09:30

caius_c 38

O militarismo alemão de sua época explica,

talvez, suas assertivas contra a democracia e a Revolução Industrial da Inglaterra provocou repúdios ao capitalismo.

Suas investidas contra a aristocracia são por conta da dominância que deveriam exercer mas, segundo ele, o fazem de forma totalmente errada.

O livro é uma reflexão sobre a moral, sem, contudo, dar uma definição clara sobre uma posição a ser assumida. Ele não aponta caminhos, apenas critica os de sua época, tentando motivar “os espíritos livres” a encontrá-los. Não é um caminho para multidões. É a senda para os homens solitários que devem transformar-se e através de si provocar a mesma mudança em outros.

Muitas vezes enigmático, outras quase incompreensível, deixa um alento, uma forma para que o ser humano tente uma escalada para a evolução. Ele acreditava que seus textos não seriam compreendidos pela sua geração. Ele preconiza “Nossas intuições mais elevadas devem e hão de soar como loucuras, por vezes mesmo como crimes, quando ilicitamente chegam aos ouvidos daqueles que não foram feitos e nem predestinados a ela”. (art. 30)

caius_c 39

Filosofia e os eruditos

No prefácio, Nietzsche sustenta que a luta contra a opressão cristiano-eclesiástica foi a tensão que gerou o espírito europeu. Essa tensão é como um arco que o indivíduo deve ter para poder atirar sua flecha e, quem sabe, atingir o alvo.

Para Nietzsche, a verdade e a moral são relativas. A grande crítica aos filósofos é que a verdade que eles apregoam deriva da verdade individual de cada um e que eles julgam que seja a verdade de todos.

“Terá sido a questão da verdade que se nos apresentou ou, pelo contrário, fomos nós que nos apresentamos a ela? Qual de nós aqui é Édipo? Quem a Esfinge?” (art.1)

“De leve fui descobrindo o que agora tem sido toda grande filosofia. Nada mais que uma autoconfissão do autor, uma espécie de memórias involuntárias e despercebidas” (art.6 )

O binômio resultado das oposições como bem-

mal, é apenas resultado de uma falta de pensar, visto que deve existir algo além dessas posições.

Nietzsche acredita que a maior parte do pensamento consciente deve ser incluída nas atividades instintivas, na qual não excetua a meditação filosófica. Não se trata apenas de um jogo pré-fabricado de onde

caius_c 40

as idéias sairiam naturalmente mas, envolveria uma pré-disposição da própria pessoa ao livre pensar. O pensamento de Kant, Platão, dos estóicos, dos atomistas materialistas é sistematicamente bombardeamento como falsos e, acima de tudo, produtores de modos de vida e pensar que provocam um deperecimento do ser humano. Chama Spinoza de inconseqüente por considerar que o instinto de auto-conservação de instinto fundamental do ser humano. Para ele, a vontade de viver é a vontade de potência.

“E outros até pretendem que o mundo exterior seja obra de nossos órgãos! Conseqüentemente, nossos órgãos seriam obras deles próprios!” (art.15)

Os sentidos do ser humano não devem ser

usados como base para sua vivência dentro de uma moral. Uma filosofia não pode ser baseada em sentimentos derivados de nossa percepção corporal do mundo.

“Aquilo que se chama de livre-arbítrio é essencialmente o afeto de superioridade em relação àquele que deve obedecer.” (art.19)

O fato de ser livre implica em que outra pessoa

deve estar escravizada. O termo não se aplica à concepção atual. Para Nietzsche, o livre-arbítrio é forma que uma pessoa se conduz para conseguir seus objetivos, obrigando que outras pessoas cumpram suas ordens nesse sentido.

caius_c 41

“A força dos preconceitos morais penetrou profundamente no mundo intelectualizado, aparentemente mais frio, mais livre de pressupostos e, como é evidente, teve os efeitos mais perniciosos porque o entravou, cegou e desnaturou.” (art.23)

Uma elite, no caso a dos filósofos ou de

condutores de pensamento, adquiriu para si uma moral tão rígida que não permite que avancem além dela. A moral para a qual atribuem virtudes que devem conduzir o homem na sociedade, são consideradas como entrave para o próprio desenvolvimento dele.

“Libertemo-nos de todos os senhores” – assim o instinto plebeu almeja também aqui. Mas a ciência, depois de se ter defendido com pleno sucesso da teologia, a quem fora submissa durante muito tempo, prepara-se agora com toda a arrogância e incompreensão para ditar leis à filosofia e fazer, por seu turno, o papel de senhor – que digo eu – o papel de filósofo”. (art. 204)

A ciência não é o livre pensar do filósofo.

Nietzsche não aceita o papel de que a tecnologia ou os novos conhecimentos conduzam o homem. Para ele, o importante é estar totalmente distante das idéias que forçam o homem para uma direção, para poder dar-lhe outros rumos.

caius_c 42

Quando hoje se ouvir louvar alguém dizendo que “vive como um sábio” ou como “um filósofo”, isso quer dizer apenas que ele vive “prudentemente à parte”. (art. 205)

Muito criticado em sua época por suas posições

radicais, ele critica os demais que são chamados ou se auto-denominam de filósofos ou pensadores mas, que o fazem apenas para próprio engrandecimento. Para esses não interessa os frutos da filosofia mas, a posição social ou o reconhecimento público daqueles que os julgam apenas pelos seus conhecimentos. O espírito livre

“Independência é algo para bem poucos – é prerrogativa dos fortes.” (art.29)

“O que serve de alimento ou bálsamo para o tipo superior de homem deve ser quase veneno para um tipo diverso e menor”. (art. 30)

“Não existem fenômenos morais, apenas uma interpretação moral dos fenômenos.” (art. 108)

“O que é considerado mau numa época é, em geral, um resíduo desatualizado do que foi considerado bom num passado mais distante – o atavismo de um ideal envelhecido”. (art. 149)

Nietzsche destaca bem a forma como encara o

“espírito livre” que ele preconiza com os que se

caius_c 43

consideram como tal. A estes ele atribui apenas a preguiça ou conformismo que os leva a considerarem os atos sem avaliá-los corretamente.

Ele divide a moral em três períodos históricos:

a) Pré-moral, onde o valor do ato era sua conseqüência.

b) Moral, onde o valor do ato era sua origem e não sua conseqüência.

c) Extra-moral, onde a moral deveria ser questionada a ponto de formar uma que atendesse a um novo estágio evolutivo do homem.

A segurança é o principal fator que move os

homens a adotar determinada filosofia ou modo de vida. Mesmo não acreditando em uma doutrina que pretenda torná-los felizes ou virtuosos, os homens ainda a adotam. Dá-se o nome de “niveladores”, porque são escravos facundos e plumitivos, do gosto democrático e suas idéias modernas. (art. 44)

“Perante nós mesmos devemos prestar contas para demonstrar que nascemos para a independência e para o comando” (art. 41)

Existe uma aparente contradição na frase acima,

onde a independência (espírito livre) e o comando (militarismo) parecem estar vinculados. Segundo acredito, Nietzsche acha que os espíritos livres devem fazer parte de uma elite que dissemine seus

caius_c 44

pensamentos, visto que os outros não podem fazê-lo. A frase está imbuída de elitismo.

Os “filósofos do futuro”, que conseguem visualizar uma moral alem do bem e do mal, formarão a elite que predominará. Religião

“Os livros de toda a gente são sempre livros malcheirosos. Há neles o odor de gente miúda. Por toda a parte onde o povo fala e bebe, mesmo nos sítios onde venera, costuma cheirar mal. Não se deve ir a igreja quando se quer respirar ar puro”. (art. 30)

“Em qualquer lugar em que até agora se tenha manifestado na terra a neurose religiosa, vamos encontrá-la ligada a três perigosas prescrições dietéticas: a solidão, o jejum e a castidade”. (art. 47)

“Os homens mais poderosos, até o momento, inclinaram-se sempre com veneração diante do santo, como ante o enigma do autodomínio e da extrema e intencional renúncia. Por que fizeram isso? Acharam que o santo tinha a força superior que queria afirmar-se por tal domínio, a força de vontade em que reconheciam e veneravam a sua própria força e seu prazer de dominar”. (art. 51)

caius_c 45

“O amor destinado a um só é uma barbaridade, porque se exerce às custas de todos os outros. O mesmo quanto ao amor por Deus”. (art. 67)

“Os princípios tendem a tiranizar, justificar, honrar, injuriar ou esconder os hábitos. Dos homens com princípios iguais querem, verdadeiramente, atingir algo de fundamentalmente diferente, com base nesses princípios.” (art. 77)

Nietzsche separa a religião em três períodos:

a) No primeiro período sacrificavam-se homens

ou aqueles a quem eles amavam, ao seu deus.

b) No segundo período sacrificavam-se os instintos, a natureza própria (moral) aos deuses

c) No terceiro período, deve-se sacrificar o próprio Deus ao Nada, tarefa das futuras gerações.

A religião serve de varias formas aos dominados

e dominadores:

a) É uma forma de lavar a sujeira da política e dar-lhe um aspecto sobrenatural que justifique seus atos.

b) Serve de guia para uma parte dos dominados, dando ocasião para se prepararem para dominar as classes baixas.

caius_c 46

c) Serve de consolo para as classes dominadas, ao dar-lhes o conformismo com sua situação.

A Moral

“Em toda ciência da moral, apresentada até hoje, tem faltado ainda, por mais fantástico que isso possa aparecer, o problema da próprio moral.” (art. 186)

“Aquilo que os filósofos chamavam “fundamentação da moral” e que se propunham realizar era, encarado sob prisma adequado, apenas uma forma erudita da cândida crença na moral dominante” (art. 186)

“Qualquer moral, opostamente ao laisser aller, é uma espécie de tirania contra a natureza e também contra a razão”. (art. 188)

“No agir mal, a plebe só encara as más conseqüências e, no íntimo, acha que é estúpido agir mal. Mas admite, sem mais “bom” como idêntico a útil e agradável”. (art. 190)

“Platão quis persuadir-se com toda a força – a maior força desenvolvida até agora por um filosofo – de que a razão e a instinto dirigem espontaneamente para uma única meta – o bem, “Deus”. (art. 191)

caius_c 47

“Entendendo que, desde que há homens tem havido também rebanhos humanos sempre muito obedientes, relativamente ao reduzido número de mandatários”. (art. 199)

“Se a utilidade dominante nos juízos de valor morais for apenas útil para o rebanho.....”. (art. 201)

“Importa muito que o menor número de pessoas reflita sobre a moral” (art. 228)

Sendo relativa, a moral é utilizada em cada época

apenas para reforçar a dominância de uma elite sobre os demais. A moral é classificada apenas como utilitária, assim como a religião, onde o dominante se vale dela para manter seu poderio e o dominado a usa apenas para sentir-se conformado com sua sujeição. Ele chama a “plebe” de rebanho humano, alguém que segue os mandatários apenas por conveniência e falta de visão. As virtudes

“No caso de alguém, pro exemplo, que estivesse predestinado e feito para mandar, a autonegação e a humilde retirada não seriam virtudes, mas o desperdício de uma virtude – assim me parece a mim” (art. 220)

“Há co isa mais bela do que procurar as suas próprias virtudes?” (art. 214)

caius_c 48

As virtudes tradicionais como compaixão, piedade e as derivadas do pensamento judaico-cristão podem ser abandonadas quando o objetivo a ser alcançado necessita de outras qualidades.

A procura da virtude é algo pessoal e depende do que o indivíduo pretende conseguir. Identidade alemã

No prefácio, existem referências com relação a essa falta de identidade ou desprezo pela que existia em sua época.

- Os alemães inventaram a pólvora – as minhas felicitações! Mas depois estragaram tudo – inventaram a imprensa! (prefácio)

Trata-se de apologia ao militarismo e às formas

autoritárias de governo. A pólvora representa a força e a imprensa a democracia.

- Todavia, nós, que nem somos jesuítas, nem democratas, nem mesmo suficientemente alemães.....(prefácio)

“Sendo um povo da mais monstruosa mistura e amalgama de raças, talvez até com preponderância de elementos pré-arianos, como povo do meio em todos os sentidos, os alemães são mais incompreensíveis, mais complexos, mais contraditórios, mais desconhecidos, mais

caius_c 49

incalculáveis, mais supreendentes, mesmo mais terríveis do que outros povos são para si próprio.” (art. 243)

“O alemão arrasta o peso de sua alma.” (art. 242)

“Eis que já estou a tocar o que para mim é serio, no “problema europeu” conforme eu entendo, na criação de uma nova raça que venha a governar a Europa.” (art. 251)

Nietzsche despreza o alemão da sua época, que

não tem uma identidade própria, talvez fruto da própria situação do país em sua época. Sem uma identidade própria, ele acha que grande parte da falta de qualidade do povo alemão deriva de uma mestiçagem ocorrida durante séculos. Misoginia

“As verdadeiras mulheres acham que a ciência é um atentado ao pudor. Elas têm a sensação de serem olhadas por debaixo da pele – pior ainda! Por baixo de seus vestidos e adornos.” (art. 127)

“Na vingança e no amor, a mulher é mais bárbara que o homem.” (art. 139)

Quando uma mulher demonstra inclinações eruditas é porque há algo errado na sua sexualidade. A esterilidade predispõe a uma certa masculinidade de gosto. Pois o homem, com

caius_c 50

vossa licença, é de fato “o animal estéril”. (art. 144)

“Comparando em seu conjunto homem e mulher, pode-se dizer: a mulher não teria arte para se enfeitar se não pressentisse o papel secundário que desempenha”. (art.95)

“A mulher quer emancipar-se. Para atingir esse desiderato começa a esclarecer os homens sobre a mulher em si. Sem dúvida que isso constitui um dos piores progressos no sentido do geral afeamento da Europa.” (art. 252)

“A mulher tem tanta razão para ficar envergonhada! Há tanto pedantismo na mulher, tanta superficialidade, doutrinarismo, presunção mesquinha, pequenez desenfreada e imodesta.” (art. 232)

Totalmente contrário às pretensões feministas da

época, que considera como degeneração do próprio homem, Nietzsche demonstra uma impressionante misoginia. Provavelmente, parte dela decorra de suas poucas e infrutíferas relações amorosas.

Em um trecho do livro, ele as chama até de más cozinheiras, que se soubessem a química que existe por trás da produção da comida seriam ótimas cientistas. A falta de capacidade delas é demonstrada nisso, pois como é de costume que as mulheres cozinhem á séculos, não lhe cabe que elas não tenham descoberto

caius_c 51

a importância das transformações químicas que produzem. Racismo

“As raças trabalhadeiras encontram enorme dificuldade em suportar a ociosidade”. (art. 189)

“E também que lhes é necessário desacreditar a qualquer preço o homem tropical, quer como manifestação de doença e degenerescência do homem, quer como seu próprio inferno e próprio suplício. Mas por quê? Em favor das zonas temperadas? Em favor dos homens moderados? Daqueles que tem moral? (art. 197)

Os homens de uma era de dissolução e mestiçagem de raças traz em seu organismo, exatamente por isso, a herança de uma ascendência múltipla, ou seja, instintos e escalas de valores opostos.” (art. 200)

“Nossa Europa de hoje, teatro de uma tentativa disparatadamente súbita de misturar radicalmente as classes e, conseqüentemente, as raças...” (art. 208)

“O europeu, que é um homem mestiço – em geral um plebeu razoavelmente feio....” (art. 223)

Obcecado pela falta de identidade alemã e

imbuído das interpretações errôneas sobre as teorias de

caius_c 52

Darwin, ele acusa a falta de senso do europeu como produto de uma mestiçagem. As idéias européias sobre a imoralidade dos povos de outros continentes faz com que ele pressuponha que somente possa existir uma raça pura dentro da Europa. Autoritarismo

“Nós que acreditamos de outra forma, nós, para quem o movimento democrático não é apenas uma forma de decadência da organização política, mas uma forma de decadência, quer dizer, uma diminuição do homem...”. (art. 203)

“A degenerescência global do homem até aquilo que é considerado pelos cretinos e boçais socialistas como seu “homem do futuro” - seu ideal! – essa degenerescência e amesquinhamento do homem até seu perfeito animal de rebanho – ou, ou como eles diriam, até ao homem da “sociedade livre”. (art. 203)

“.... e sobretudo a introdução do disparate parlamentar, para alem da obrigação de toda gente ler o seu jornal no pequeno almoço....(art. 208)

“O século que se anuncia já traz consigo a luta pelo domínio da terra, a obrigatoriedade de praticar uma política de respeito.” (art. 208)

caius_c 53

“A democratização da Europa é, ao mesmo tempo, uma instituição involuntária para a criação de tiranos, entendida essa palavra em todos os sentidos, inclusive no mais espiritual”. (art. 242)

O processo democrático detonado pela

Revolução Francesa e a adesão de outros países a esse sistema de governo horrorizava Nietzsche. A democracia seria apenas uma forma de acrescentar novos tiranos aos governos e as idéias de socialismo e comunismo vigentes lhe pareciam contrárias à sua percepção de que uma elite formada por filósofos, com pureza racial, deveria dominar os demais. Anti-semitismo

“O que a Europa deve aos judeus? Deve muito, de bom e de ruim” (art. 250)

“Por mais categórica que seja a repulsa do anti-semitismo propriamente dito por parte de todos os cautelosos e políticos, tal cautela e tal política não se dirigem porventura contra o próprio tipo de sentimento, mas apenas contra sua própria imoderação, em especial contra a expressão insípida e vergonhosa desse sentimento desmedido.” (art. 251)

“Que a Alemanha tem a quantidade suficiente de judeus, que o estomago alemão, o sangue alemão em dificuldade (e terão por muito tempo) em digerir esse quantum de “judeu” – como fez o

caius_c 54

italiano, o inglês, graças a uma digestão mais completa – é a nítida expressão e a linguagem de um instinto geral que se deve escutar e de acordo com o qual se deve agir. Não deixe entrar nem mais um judeu! Principalmente fechem-lhes as portas na fronteira do leste! Isso é o que ordena o instinto de um povo cuja índole é ainda fraca e indefinida, de forma que facilmente poderia esbater-se, ser apagada por uma raça mais forte” (art. 251)

“Os judeus são, indubitavelmente, a raça mais forte, mais rija, mais pura que vive atualmente na Europa.” (art. 251)

“Talvez para isso fosse útil e conveniente expulsar do país os vociferadores anti-semitas. Dever-se-ia acolher os judeus com toda a cautela, com critério seletivo.” (art. 251)

Certa inveja dos judeus aparece em seu livro. Ele

os considera a única raça pura existente na Europa, fruto de uma segregação imposta e auto-imposta. Os próprios conceitos morais cristãos ele os atribui única e exclusivamente aos judeus.

Ele os acha úteis para a Alemanha e acredita que deveriam ser controlados por oficiais do exército alemão, de origem prussiana, a quem julgava como os mais puros alemães (os Marcas).

caius_c 55

Aristocracia

“A elevação maior do tipo “homem” foi até agora obra de uma sociedade aristocrática”. (art. 257)

“O essencial numa aristocracia boa e sã, porem, é que não se sinta como função, mas como seu sentido e suprema justificativa – que aceite com boa consciência o sacrifício de inúmeros homens, que por sua causa, devem ser oprimidos e reduzidos a seres incompletos, escravos, instrumentos. “(art. 258 )

“De um lado a moral dos senhores e de outro a moral de escravos”. (art. 260)

“Desde já, saliente-se que nessa primeira moral a antinomia “bom” e “mau” significa o mesmo que “nobre” e “desprezível”. (art. 260)

“A moral dos escravos é em essência uma moral de utilidade. Aí temos o nascedouro dessa celebre oposição “bom” e “maldoso”. No maldoso sente-se o poder e a ameaça, uma certa intimidação, força que o desprezo não deixa surgir”. (art. 260)

“Toda moral aristocrática é intolerante.” (art. 262)

“Apenas os medíocres tem a possibilidade de continuar a procriar. Eles são os homens do futuro, os únicos sobreviventes.” (art. 262)

caius_c 56

“Mesmo correndo o risco de desgostar ouvidos inocentes eu ouso afirmar: o egoísmo pertence à natureza da alma aristocrática, isto é, a inabalável fé segundo a qual a um ser como “nós somos”, outros seres tem por natureza de sujeitar-se e sacrificar-se-lhe.” (art. 265)

Notadamente com tendências a uma aristocracia

no poder, Nietzsche contrapõe-se àquela com quem convivia, a quem julgava como inaptos para exercer o poder. No entanto, ele acredita que seria a única forma possível de governo, onde um grupo seleto (os filósofos) determinaria os destinos dos demais.

A moral dos senhores e a moral dos escravos encaixam-se perfeitamente nessa forma de governo. Conclusão

Para se falar sobre qualquer livro de Nietzsche é necessário escrever outro livro, tanto pela sua profundidade como pelas suas contradições.

A sua busca pelo homem livre, pelo espírito livre, depara-se com a consciência deste de que neste estágio ele estaria apto para governar os demais. A busca individual para se tornar seu “super-homem” transformá-lo-ia em exemplo para que outros o seguissem e assim formasse uma elite dominante. Seus três estágios nessa busca, onde o homem deve tornar uma criança, para poder aprender, em camelo para

caius_c 57

poder suportar e em leão para poder lutar, mostra que o homem deve abnegar-se do que é para poder transformar-se em um ser superior.

A moral é relativizada e deve servir para essa dominância. Supondo que ela sempre foi usada dessa forma, nada mais certo que fosse usada em outra forma para a dominância. A moral seria única, interpretada de duas formas pelas classes dominantes e dominadas. Essa moral relativa pode ser vista também em Machiavel.

A virtude é uma busca individual que não deve ser confundida com as estabelecidas pela moral judaico-cristã. A virtude é a busca de qualidades necessárias para que se cumpra um intento. Ela não é um fim mas, um meio para que o homem consiga seus intentos.

A religião deve ser descartada como prejudicial ao homem. Ela paralisa o pensamento dos homens e serve apenas como fator de dominância das classes sacerdotais. Quase imutável, ao contrário da filosofia, ela dita aos homens a impossibilidade de evolução e transfere seus desejos para um mundo fora do real.

As formas de governo democráticas ou que tenham o povo como base são degenerações do homem. Esses tipos de governos dariam chances a quem não estivesse preparado suficientemente para o governo, que Nietzsche acredita que ser possível apenas através de uma linhagem acostumada ao mando.

caius_c 58

A mulher deve ser mantida em seu lugar nessa

sua sociedade, apenas para os fins que ele julga adequados que seriam os da procriação e criação de filhos. As demais atividades somente podem ser exercidas pelos homens, que ele julga naturalmente superiores. Essa forma de ver o sexo feminino é coerente com as teorias evolutivas da predominância do mais forte e apto e da mentalidade luterana e puritana de sua época.

O que ele denomina de “vontade de potência” é a decisão individual para a transformação. Tendo essa vontade, os homens passam a assumir virtudes ou qualidades que o transformam e fazem-nos atingirem os objetivos. É a vontade que domina os homens depois que ele próprio a domina.

Nietzsche não aponta uma saída além da relativização da moral e da busca individual pela evolução. Ele mais critica do que informa. Talvez ele próprio não visse, em sua época, uma saída para as formas que os homens se conduzem.

O mais brilhante nele, tirando suas conclusões sobre assuntos de sua época, é sua preocupação com a própria espécie humana, que ele julga que chegou a um estágio máximo e que para passar para o próximo estágio tem que evoluir. Quem não evolui perece, assim dita as regras da evolução.