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Universidade de São Paulo Instituto de Química Deconvolução de padrões isotopoméricos obtidos de espectros de massas de baixa resolução para a obtenção de padrões isotópicos elementares José Geraldo Alves Brito Neto Tese de doutorado Prof. Dr. Claudimir Lucio do Lago (orientador)

Deconvolução de padrões isotopoméricos obtidos de espectros de

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  • Universidade de So Paulo

    Instituto de Qumica

    Deconvoluo de padres isotopomricos obtidos de espectros de

    massas de baixa resoluo para a obteno de padres isotpicos

    elementares

    Jos Geraldo Alves Brito Neto

    Tese de doutorado

    Prof. Dr. Claudimir Lucio do Lago (orientador)

  • Sumrio

    Agradecimentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . iv

    Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . v

    Abstract . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vi

    Glossrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . vii

    1 Introduo e objetivos 1

    1.1 Noes de espectrometria de massas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1

    1.2 Reviso sobre anlise isotpica e correlatos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10

    1.3 Reviso bibliogrfica sobre mtodos matemticos aplicados espectrometria de massas 15

    1.4 Objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

    2 O mtodo Z 23

    2.1 Definies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24

    2.2 Convolvendo padres isotpicos e isotopomricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25

    2.3 Implementao da convoluo dos padres isotpicos e isotopomricos . . . . . . . 26

    2.4 Comparando padres isotopomricos e espectros de massas . . . . . . . . . . . . . . 28

    2.5 Ligando as partes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28

    2.6 Implementao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

    2.7 Propagao de erros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

    2.8 Exemplo de aplicao a dados de espectrometria de massas com ionizao electrospray 33

    i

  • SUMRIO ii

    3 Caracterizao do mtodo Z 38

    3.1 Caractersticas experimentais estudadas e modelos utilizados . . . . . . . . . . . . . 40

    3.2 Frmulas contendo apenas o elemento de interesse . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44

    3.3 Frmulas contendo o elemento de interesse e um outro . . . . . . . . . . . . . . . . 54

    3.4 Estudo de caso: C60 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65

    3.5 Fixando os padres isotpicos dos tomos acompanhantes . . . . . . . . . . . . . . 66

    3.6 Inverso da atribuio dos padres isotpicos de A e X . . . . . . . . . . . . . . . . 77

    3.7 Sobre a escolha dos picos utilizados na regresso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88

    3.8 Ajustando tambm a linha base . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 91

    3.9 Implementaes alternativas do mtodo Z . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

    3.10 Efeitos colaterais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96

    3.11 Concluses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 100

    4 Anlise da razo hidrognio/deutrio atravs de poliis 102

    4.1 Introduo e objetivos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102

    4.2 Espectrometria de massas com ionizao electrospray . . . . . . . . . . . . . . . . . 105

    4.3 Materiais e mtodos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110

    4.3.1 Tratamento robusto dos dados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 114

    4.4 Resultados e discusso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

    4.4.1 Manitol . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116

    4.4.2 cido Glucnico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118

    4.4.3 Glucosamina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126

    4.4.4 Borato + N-metilglucamina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

    4.5 Discusso geral dos desvios observados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

    5 Concluses e perspectivas 136

  • SUMRIO iii

    A Sobre dimenses de massas atmicas e moleculares e as abscissas dos espectros de mas-

    sas 138

    B Levando em conta a limitao de tempo de aquisio de dados nos estudos com no-

    idealidades aleatrias 139

    C Listagem da Biblioteca do Mtodo Z 141

    Referncias 153

  • iv

    Agradecimentos

    Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP) pelo suporte financeiro, sem o

    qual este trabalho no poderia ter sido realizado.

    Ao Claudimir, meu orientador acadmico, poltico, psicolgico, guru espiritual e, acima de tudo,

    meu amigo. Nas discusses cientficas, nos quebra-paus na hora de escrever os artigos e insultar os

    revisores em ingls, tomando cerveja (muito raramente nos ltimos anos) ou falando besteira pelos

    corredores aps os cafezinhos do B6, a orientao do Claudimir, segura, mas nunca obstrutiva, foi

    ajudando a dar forma no s a este trabalho, mas ao meu pensamento cientfico como um todo.

    Maria Carolina Blassioli Moraes (Carol), minha scia durante a maior parte da ps-graduao

    e em cuja experincia com a tcnica de espectrometria de massas com ionizao electrospray eu me

    apoiei desavergonhadamente durante a realizao de boa parte dos experimentos deste trabalho.

    Ao Carlos Antonio Neves, meu grande amigo desde os tempos da graduao, cujas contribuies para

    este trabalho so tantas e to pulverizadas que fica at difcil de tentar comear a enumerar.

    A todos os colegas de laboratrio, por terem me proporcionado um ambiente agradvel de trabalho.

    Ao pessoal da Nihon Kiin do Brasil, por criar o buraco negro da minha vida: o go. Em particular,

    aos senseis Watanabe, Hiramatsu, Furukawa, Fumio, Aketa, Didier Sousan, Miguel Flusser, Henri

    Iamashita e Rafael Caetano, e tambm ao sr. Yamamoto, por terem me ajudado a evoluir do nvel de

    principiante ao de principiante entusiasmado.

    Aos funcionrios e professores do IQ-USP, em particular, aos da secretria de ps-graduao: Cibele,

    Emiliano, Maria Ins e Milton (em ordem alfabtica) pelos timos servios prestados, que contribui-

    ram significativamente para o bom andamento deste trabalho.

    Enfim, minha famlia, a quem eu dedico este trabalho.

  • v

    Resumo

    H na literatura um grande nmero de publicaes versando sobre mtodos analticos para a deter-

    minao de razes isotpicas atravs das mais diversas modalidades de espectrometria de massas.

    Entretanto, praticamente todos esses mtodos possuem uma restrio comum em relao gama de

    ons moleculares que podem ser utilizados nessas determinaes: eles devem ser, ou ons elementa-

    res, ou ons cujo nico tomo poli-isotpico o elemento de interesse. Isto obtido, ou mediante

    a destruio das molculas da amostra, ou complexos tratamentos qumicos para a obteno de es-

    pcies poli-atmicas adequadas. Neste trabalho, foi desenvolvido um mtodo matemtico capaz de

    deconvolver o padro isotopomrico de um on molecular, isto , calcular os padres isotpicos dos

    tomos que o compem dados a sua frmula elementar e o seu espectro de massas. A principal con-

    tribuio de um mtodo desse tipo a ampliao da variedade de espcies qumicas e modalidades

    de espectrometria de massas aceitveis para anlises isotpicas. O algoritmo desenvolvido foi ca-

    racterizado atravs da sua aplicao a um grande nmero de espectros simulados visando modelar a

    resposta do mtodo quando submetido a algumas imperfeies experimentais tpicas de espectrome-

    tria de massas e relevantes para anlises isotpicas, tais como rudo, discriminao instrumental de

    massas, no linearidade de deteco, falta de resoluo e m compensao de linha base espectral.

    Os resultados obtidos permitiram concluir que, ao contrrio do que o senso comum s vezes possa

    sugerir, determinaes isotpicas realizadas atravs de espcies poli-atmicas podem, muitas vezes,

    ser mais exatas e precisas que as efetuadas pelas abordagens convencionais. Concluiu-se que, de

    maneira geral, os resultados tendem a ser tanto melhores quanto maior for o nmero de instncias

    do elemento de interesse na frmula do on molecular escolhido. Foi estudada experimentalmente a

    viabilidade de mtodos analticos de equilibrao para determinaes de razes isotpicas hidrog-

    nio/deutrio em amostras aquosas utilizando poliis como sondas e espectrometria de massas com

    ionizao electrospray. Os poliis testados foram o manitol, o cido glucnico, a glucosamina e a

    N-metilglucamina (atravs do seu complexo com o cido brico). Os resultados obtidos mostraram

    alguns desvios sistemticos que sugerem que haja troca parcial de hidrognios no lbeis dos poliis

    na fase gasosa, o que impossibilitaria esta aplicao. Sondas aternativas aos poliis so propostas.

  • vi

    Abstract

    Several articles can be found in the literature describing methods for the determination of isotopic

    ratios through the various modalities of mass spectrometry. However, almost all of them have a com-

    mon restriction on the type of molecular ion that can be employed in these determinations: they must

    be either elemental ions, or polyatomic ions whose sole polyisotopic element is the one being analy-

    sed. This is usually achieved through the destruction of the molecules, or through complex synthetic

    procedures. In this work, a mathematical method capable of deconvolving the isotopomeric pattern of

    a molecular ion, i.e., calculating the isotopic pattern of its constituent atoms given its formula and its

    mass spectrum, has been developed. The main contribution of such a method to the field is the bro-

    adening of the range of acceptable chemical species for isotopic analyses. The developed algorithm

    was characterized by applying it to a large number of simulated spectra with the objective of model-

    ling its response to some experimental imperfections common to mass spectrometry and relevant for

    isotopic analyses, such as noise, instrumental mass discrimination, detection non-linearity, lack of re-

    solution and bad baseline compensation. The results allowed us to conclude that, in spite of whatever

    commonsense might suggest, isotopic analyses carried out through the polyatomic approaches can,

    in many cases, be more exact and precise than those performed through conventional approaches. It

    could also be concluded that, in general, the larger the number of instances of the element of interest

    in the formula of the chosen ion, the better the results become. Also as part of the project, the viability

    of employing polyols as probes for the hydrogen/deuterium ratio in aquous samples in equilibration

    methods and electrospray mass spectrometry has been studied. The studied polyols were: manitol,

    gluconic acid, glucosamine and N-metilglucamine (through its complex with boric acid). The ob-

    tained results showed some systematic errors that suggest that there might be a partial exchange of

    non-labile hydrogen atoms during the electrospray phenomenon. Alternative probes are proposed.

  • vii

    Glossrio

    Canal de m/z: Intervalo de m/z em torno de um valor central de interesse.

    CID: Do ingls, Collision-induced Dissociation, dissociao induzida por coliso. Dissociao uni-

    molecular de ons que colidiram com um gs inerte.

    Coeficiente de autocorrelao: Estatstica calculada sobre pontos de uma srie temporal X(t) que

    permite inferir o nvel de dependncia entre os pontos dessa srie amostrados em momentos

    diferentes. () =(

    X (t) X)(X (t + ) X

    )/2X

    Convoluo: Operao matemtica utilizada para misturar os padres isotpicos dos elementos

    que compem uma molcula para gerar o seu padro isotopomrico.

    Deconvoluo: Oposto da convoluo.

    Dados heteroscedsticos: Contrrio de dados homoscedsticos. A varincia proporcional in-

    tensidade.

    Dados homoscedsticos: Dados amostrados de uma distribuio normal. Em geral, fala-se em da-

    dos homoscedsticos quando a varincia independente da intensidade.

    Decarga corona: Descarga eltrica que acontece na ponta do capilar de uma fonte electrospray de-

    vido a um campo eltrico excessivamente alto.

    Deteco analgica: Modo de deteco para espectrometria de massas em que o sinal produzido pelo

    detector devido chegada dos ons monitorado na forma de uma corrente eltrica contnua

    cuja intensidade o sinal analtico.

    Deteco digital: Modo de deteco para espectrometria de massas em que os eventos de chegada

    de ons ao detector so contados um a um, e o sinal analtico a freqncia de chegadas.

    Diluio isotpica: Tcnica de anlise qumica quantitativa em que se procura determinar a varia-

    o causada no padro isotpico de um elemento de interesse adicionando-se amostra uma

    quantidade conhecida de uma outra amostra do mesmo elemento, porm com padro isotpico

    adulterado.

  • viii

    Discriminao instrumental de massas: Variao da sensibilidade de um espectrmetro de massas

    com o valor de m/z sintonizado.

    ESMS: Espectrometria de massas com ionizao electrospray

    Expanso polinomial: Outro nome para a convoluo dos padres isotpicos.

    on molecular: Tradicionalmente, o on gerado pela incorporao de carga molcula sendo ana-

    lisada por espectrometria de massas. Neste trabalho, no entanto, esta expresso usada para

    designar qualquer on composto por mais de um tomo.

    IPDEC: Nome de publicao do mtodo Z.

    Linha base: Nvel de sinal considerado igual a zero.

    MAD: Estimativa robusta da escala de uma amostra. a mediana dos desvios absolutos em relao

    mediana da amostra.

    Mediana: Estimador robusto do valor esperado de uma amostra. o quantil de ordem 50% da

    mesma.

    Mtodos de Monte Carlo: Algoritmos cujas sadas so nmeros aleatrios. Neste trabalho, foi

    usado um mtodo de Monte Carlo para fazer propagao de desvios.

    Padro isotpico: Conjunto das abundncias relativas dos diferentes istopos de um elemento qu-

    mico

    Padro isotopomrico: Conjunto das abundncias relativas dos diferentes isotopmeros de uma de-

    terminada espcie qumica (seo 2.1).

    Pico base: Pico mais intenso de um espectro de massas.

    simplex morro abaixo: Algoritmo genrico de minimizao.

    SIR: Do ingls, Selected Ion Recording, registro de ons selecionados. Modo de aquisio de dados

    de espectrometria de massas em que so monitorados alguns canais especficos de m/z.

  • ix

    Tempo morto do detector: Subsestimao do sinal analtico que ocorre no modo de deteco digital

    em altas freqncias, quando alguns eventos so ignorados por acontecerem muito prximos

    uns dos outros.

    TIC: Do ingls, Total Ion Current: corrente inica total. A integral do sinal registrado pelo detector

    ao longo de toda a escala de m/z.

    Varredura de m/z: Modo de aquisio de dados de espectrometria de massas. O valor sintonizado

    pelo filtro de m/z variado em pequenos incrementos de modo a se obter um espectro de

    massas quase contnuo.

  • Captulo 1

    Introduo e objetivos

    1.1 Noes de espectrometria de massas

    De maneira geral, um espectrmetro de massas composto por trs partes principais: (1) fonte de

    ons, (2) filtro de m/z e (3) detector. A primeira parte responsvel pela gerao de ons na fase

    gasosa a partir das amostras. No filtro de m/z, os ons gerados na fonte so separados em funo

    das suas relaes massa/carga. O detector responsvel pela quantificao dos ons que passam pelo

    filtro de m/z.

    A aplicao mais natural da espectrometria de massas, e a que tambm est ligada sua prpria cri-

    ao, a separao e anlise de istopos. Entretanto, historicamente, a sua principal aplicao em

    qumica tem sido a identificao de substncias orgnicas, sendo mais uma das tcnicas do leque de

    opes analticas disposio do qumico. Mais recentemente, com o surgimento de mtodos de io-

    nizao capazes de transferir macromolculas inteiras para a fase gasosa, a espectrometria de massas

    tambm passou a ser usada para a determinao de massas moleculares desse tipo de substncia, o

    que tradicionalmente era feito por mtodos como espalhamento de luz ou cromatografia de excluso

    em gel.

    As principais fontes de ons so:

    Ionizao por eltrons O tipo de fonte mais comumente encontrado em espectrmetros de massas

    comerciais. Os ons so produzidos pela coliso da amostra volatilizada com um feixe de eltrons de

    1

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 2

    alta energia (tipicamente 70 eV). principalmente aplicada a substncias orgnicas volteis de massas

    moleculares baixas (dezenas a centenas de unidades). Normalmente, devido ao excesso de energia

    dos eltrons, este processo de ionizao tambm acaba levando fragmentao das molculas da

    amostra, o que, por um lado, torna os espectros mais complexos, mas, por outro, gera informaes

    que podem ser teis na identificao da amostra. A ionizao direta por eltrons produz quase que

    exclusivamente ctions, pois a eficincia de captura de eltrons pela maioria das molculas orgnicas

    tpicas muito baixa. Devido ao baixo consumo de amostra e necessidade de volatilidade da mesma,

    a ionizao por eltrons a parceira ideal da cromatografia gasosa em colunas capilares.

    Ionizao qumica Uma variante da ionizao por eltrons. Nesta fonte, a amostra misturada

    em fase gasosa com um gs reagente em grande excesso1 e bombardeada pelos eltrons. Por uma

    questo at mesmo probabilstica, as molculas do gs reagente que so ionizadas diretamente pelo

    feixe de eltrons, reagindo entre si e, eventualmente, com as molculas da amostra, transferindo-lhes

    carga eltrica. Este tipo de ionizao mais brando que a ionizao por eltrons convencional, pois

    a amostra no entra em contato direto com o feixe de eltrons de alta energia, causando assim menos

    fragmentao dos ons.

    Ionizao por plasma Neste tipo de fonte de ionizao, os ons so produzidos ao nebulizar-se a

    amostra lquida em um plasma de argnio aquecido por acoplamento indutivo com um campo ele-

    tromagntico oscilante de radiofreqncia (ICP: Inductively Coupled Plasma). As altas temperaturas

    envolvidas causam a destruio quase completa de substncias orgnicas eventualmente presentes na

    amostra, o que faz com que este mtodo seja razoavelmente robusto em relao a interferncias vindas

    da matriz.

    Ionizao trmica Para a ionizao trmica, a amostra depositada sobre um filamento de rnio ou

    tungstnio, que ento aquecido pela passagem de uma corrente eltrica. ons so ejetados da super-

    fcie do filamento e transportados por um campo eltrico para dentro do espectrmetro de massas. A

    tcnica de ionizao trmica, ou espectrometria de massas terminica (TIMS), utilizada principal-

    1Um gs reagente comumente utilizado o metano. Enquanto, em condies normais de ionizao por eltrons,trabalha-se a uma presso da ordem de 105 torr na regio da fonte de ons, para ionizao qumica, mantm-se umapresso de metano da ordem de 0,75 torr [1, pgina 7].

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 3

    mente para anlises isotpicas de muitos elementos atravs de ons envolvendo o tomo de interesse

    e oxignio e/ou outros elementos presentes na matriz depositada.

    H na literatura muitos exemplos de mtodos completos de anlise isotpica de diversos elementos

    em amostras de interesse para geoqumica2. Na verdade, TIMS considerada h dcadas a tcnica

    para anlises isotpicas rigorosas. Entretanto, nos ltimos anos, a ionizao com plasma de argnio

    vem substituindo-a para vrios sistemas3. O principal problema da ionizao trmica o preparo

    complicado e demorado da amostra e a dificuldade de se faz-lo de forma reprodutvel.

    Ionizao por tomos/ons rpidos (FAB/FIB) A ionizao acontece pela incidncia sobre a

    amostra de um feixe de tomos de gases nobres (FAB) ou ctions de metais alcalinos (FIB) de alta

    energia cintica sobre a amostra. Uma variante desta tcnica de ionizao, mais encontrada em labo-

    ratrios de microeletrnica, a espectrometria de massas de ons secundrios (SIMS). Nesta tcnica, o

    feixe de ons possui uma boa colimao e o seu ponto de incidncia sobre a amostra pode ser variado.

    Isto permite que se faa uma varredura da superfcie, analisando os ons ejetados na coliso (ons

    secundrios), obtendo assim um mapa espacial da composio qumica da amostra. Alm disso, pelo

    fato do feixe de ons efetivamente erodir a superfcie, aps uma calibrao adequada da velocidade

    de penetrao, possvel obter tambm perfis de composio em funo da profundidade4.

    Ablao e ionizao por laser Este mtodo de ionizao, que empregado principalmente para

    slidos, baseia-se na incidncia de um laser infravermelho de alta densidade de potncia sobre a

    superfcie da amostra. O aquecimento leva ejeo de material da superfcie (ablao) e sua eventual

    ionizao e fragmentao. Um exemplo de aplicao desta tcnica a anlise de aerossis com um

    engenhoso sistema de sincronizao de disparo do laser que permite uma amostragem partcula a

    partcula [15].

    Tambm so usados lasers de comprimentos de onda menores para ionizao em espectrometria de

    de massas. Um exemplo a tcnica de ionizao por absoro multifotnica intensificada por res-

    sonncia (REMPI), onde a ionizao se d pela absoro pela molcula de interesse de mais de um

    2Por exemplo, boro [2], cdmio e zinco [3], cloro [4] e urnio [5].3Por exemplo, boro [6], disprsio [7], clcio, ferro e selnio [8, 9].4Informaes gerais a respeito da tcnica de SIMS de varredura podem ser encontradas em [10]. Aplicaes desta

    tcnica em metalurgia e anlise de superfcies metlicas podem ser encontradas nas referncias [11, 12]. Tambm haplicaes na anlise de superfcies polimricas [13, 14].

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 4

    fton proveniente de um laser cuja cor coincide com uma transio eletrnica da molcula. Como a

    absoro multifotnica depende da ressonncia da freqncia do laser com uma banda de absoro

    eletrnica da molcula, ela pode fazer uma ionizao seletiva da amostra. H aplicaes de REMPI na

    anlise de misturas de, por exemplo, hidrocarbonetos aromticos policclicos, que no so facilmente

    diferenciveis pelas tcnicas de ionizao no seletivas [16].

    Dessoro e ionizao por laser auxiliada pela matriz (MALDI) Nesta tcnica, a amostra de

    interesse misturada com um eletrlito e uma substncia com alta eficincia de absoro de luz

    no comprimento de onda de um laser que ser usado. A mistura bombardeada pelo laser e o super-

    aquecimento leva emisso para a fase gasosa de pequenos agregados contendo a amostra, o eletrlito

    e a matriz. Os ons em fase gasosa so produzidos a partir desses agregados pela incorporao do

    eletrlito s molculas da amostra ou pela transferncia de prtons entre as molculas da matriz e as

    da amostra. Por ser pouco agressivo amostra, este mtodo de ionizao tem sido usado atualmente

    para ionizar macromolculas de interesse biolgico e tambm polmeros [17].

    Ionizao electrospray Uma das mais populares tcnicas de ionizao para espectrometria de mas-

    sas da atualidade. A ionizao electrospray permite transferir para a fase gasosa direto da soluo

    uma ampla gama de substncias polares, indo desde ons inorgnicos simples e metais de transio

    at macromolculas como protenas, cidos nuclicos e diversos polmeros [18].

    Segundo a proposta inicial de Yamashita e Fenn [19, 20, 21], o electrospray gerado bombeando a

    soluo de interesse atravs de um tubo capilar metlico que mantido a um potencial (positivo ou

    negativo) de alguns milhares de volts em relao a um contra-eletrodo posicionado em frente sua

    sada. O campo eltrico leva a um acmulo eletrofortico de carga na soluo na ponta do capilar

    e posterior emisso de gotculas com excesso de carga. Estas gotculas passam por um processo

    recursivo de evaporao de solvente e fisso eletrosttica que culmina com a expulso dos ons para a

    fase gasosa.

    Como a ionizao electrospray foi usada na parte experimental deste trabalho, ela ser tratada deta-

    lhadamente mais adiante nesta tese (seo 4.2, pgina 105).

    Os filtros ou analisadores de m/z utilizam combinaes de campos eltricos e magnticos para causar

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 5

    (A)

    (C)

    (B)

    Figura 1.1: Esquema de um filtro de m/z de setor magnticoAs linhas tracejadas representam as trajetrias hipotticas de ctions com relaes m/z: (A) desejada,(B) menor que a desejada e (C) maior que a desejada. O campo magntico entra no plano do desenho.

    perturbaes variveis nas trajetrias dos ons que saem da fonte, de modo a diferenci-los. Os tipos

    mais comuns so:

    Setor magntico Os ons passam por uma regio em que h um campo magntico perpendicular s

    suas trajetrias, o que faz com que eles descrevam arcos de circunferncia. A deflexo sofrida pelos

    ons funo da relao m/z e da intensidade do campo magntico, que variada de modo a permitir

    que apenas os ons com uma determinada relao m/z cheguem ao detector, mantido em uma posio

    fixa. A figura 1.1 contm um esquema de um filtro de setor magntico.

    A principal vantagem do setor magntico a baixa discriminao instrumental de massas5, o que

    faz com que este filtro seja bastante empregado em espectrmetros de massas dedicados a anlises

    isotpicas. Alm disso, quando associado seqencialmente a um setor eltrico, que possibilita a

    filtragem do feixe de ons por energia cintica, ou monocromao, pode-se obter alta resoluo de

    m/z com este tipo de analisador.

    5Para mais informaes sobre este fenmeno e a sua relevncia para anlises isotpicas, veja a seo 3.1, pgina 41.

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 6

    Quadrupolo Este o tipo de analisador de massa mais comumente empregado em equipamentos

    comerciais de uso geral. Neste tipo de filtro, esquematizado na figura 1.2, os ons so injetados

    paralelamente a quatro barras metlicas s quais so aplicadas combinaes de potenciais eltricos

    AC e DC. A variao dos potenciais DC aplicados s barras faz com que somente os ons com uma

    determinada relao m/z tenham trajetrias estveis e cheguem ao final do percurso. A figura 1.2

    contm tambm a trajetria simulada de um on quando o filtro quadrupolar est sintonizado para a

    sua relao m/z6.

    O quadrupolo no tem uma resoluo de m/z alta e a natureza complexa do fenmeno que leva

    filtragem dos ons faz com que a sua transmitncia no seja rigorosamente constante para os ons

    de diferentes relaes m/z, o que leva a discriminao instrumental de massas severa. Entretanto,

    para os padres de espectrometria de massas, a sua implementao razoavelmente simples e barata,

    e o seu consumo de energia eltrica razoavelmente baixo se comparado, por exemplo, com o do

    eletrom do setor magntico.

    A faixa de m/z analisvel com um quadrupolo vai de 1 a poucos milhares, no sendo, em princpio,

    aplicvel a macromolculas. Entretanto, o advento da tcnica de ionizao electrospray, que capaz

    de produzir abundantemente ons multiplamente carregados, permitiu que este tipo de filtro fosse

    aplicado at mesmo para molculas de altas massas moleculares.

    Ion trap O ion trap parecido com o quadrupolo, porm tambm h uma componente do campo

    eltrico na direo do eixo principal. Os ons so injetados na regio do analisador e l ficam aprisio-

    nados por um intervalo de tempo da ordem de milissegundos, longo para os padres de espectrometria

    de massas. O controle dos potenciais eltricos aplicados permite que ons de determinadas relaes

    m/z sejam ejetados da armadilha.

    No perodo de tempo que os ons permanecem aprisionados, pode-se fazer, por exemplo, com que

    eles colidam com um gs residual injetado, levando-os a reaes que vo desde a simples dissociao

    induzida por coliso at reaes on-molcula mais complexas. Isto possibilita que cada um dos frag-

    mentos da amostra produzidos inicialmente na ionizao sejam purificados e submetidos a novas

    fragmentaes e anlises, gerando um tipo de espectrometria de massas multidimensional.

    6A simulao foi feita utilizando o modelo publicado em [22].

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 7

    (A) (B)

    Ux

    Uy

    Figura 1.2: (A) Esquema do filtro quadrupolar e (B) trajetria estvel simulada de um on de m/zigual a 20 em seu interior.Os potenciais Ux(t) = U + V0 cos(t) e Uy(t) = U V0 cos(t) aplicados s barras so superpo-sies de um potencial AC e um offset DC. A seta em (B) indica o ponto de injeo do on no planoxy, com velocidade inicial perpendicular a este.

    Analisadores concatenados, ou espectrometria de massas tandem Mltiplos analisadores podem

    ser colocados seqencialmente na trajetria dos ons desde a fonte at o detector. Neste tipo de

    aparelho, h dois tipos de elementos intercalados: os de anlise e os de reao. Os primeiros so

    usados convencionalmente, isto , para filtrar o feixe de ons de acordo com a relao m/z. Os

    ltimos so quadrupolos ou hexapolos operados apenas com os potenciais AC, sem fazer nenhum

    tipo de seleo de m/z. Entretanto, na regio destes elementos, gases residuais podem ser injetados

    para reagir com os ons e gerar novos produtos para serem analisados nos filtros seguintes.

    Comercialmente, so encontrados espectrmetros de massas com trs quadrupolos, sendo dois de

    anlise e um de reao. Nestes aparelhos, possvel fazer espectrometria de massas bidimensional:

    a partir dos ons gerados da amostra, escolhem-se os que tm uma certa relao m/z no primeiro

    analisador, reage-se com um gs residual no segundo quadrupolo e separam-se os produtos no ltimo.7

    Ressonncia ciclotrnica de ons (ICR) O ICR um outro tipo de armadilha de ons, em que, di-

    ferentemente do ion trap, o aprisionamento feito por um campo magntico. Os ons provenientes da

    fonte so injetados em uma cela em que h um campo magntico uniforme e intenso. Como a direo

    7Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) h um espectrmetro de massas tandem com cinco quadrupolos,sendo dois deles de reao e trs de anlise [23].

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 8

    de injeo perpendicular ao campo, os ons passam a descrever rbitas circulares, ficando aprisio-

    nados na cela. O movimento de aproximao e afastamento dos ons de um par de paredes opostas

    da cela induz oscilaes em suas distribuies de cargas, que podem ser detectadas na forma de uma

    corrente eltrica oscilante por um circuito ligado s paredes. A intensidade da corrente induzida

    proporcional quantidade de ons realizando a rbita, mas a sua freqncia igual freqncia de

    percurso da rbita circular, que, por sua vez, inversamente proporcional8 relao m/z dos ons. Ao

    calcular-se a transformada de Fourier da corrente medida em funo do tempo, que a superposio

    dos sinais induzidos pelos diferentes ons, obtm-se o espectro de massas. Por este motivo, a tcnica

    de ressonncia ciclotrnica de ons tambm chamada de espectrometria de massas por transformada

    de Fourier.

    Na verdade, apenas o movimento ciclotrnico dos ons no suficiente para que se adquira um espec-

    tro de massas. Se os ons estiverem uniformemente distribudos ao longo de toda a rbita, no haver

    corrente induzida nos eletrodos, pois as suas componentes em oposio de fase se cancelaro. Antes

    que o espectro possa ser adquirido, necessrio fornecer energia aos ons para que o pacote todo passe

    a mover-se concentrado em uma pequena regio de uma rbita mais externa. Fornece-se energia aos

    ons pela aplicao de potenciais alternados de freqncias adequadas s paredes metlicas da cela.9

    O fato de os ons permanecerem na cela por longos perodos de tempo permite que mltiplas etapas de

    reao e anlise sejam executadas, fazendo assim espectrometria de massas multidimensional. Outro

    atrativo da tcnica de ICR a alta resoluo de m/z e tambm as altas preciso e exatido com que

    se podem medir as massas dos ons. Isso se deve ao fato de a informao de massa ser codificada em

    uma freqncia da ordem de quilohertz, uma das grandezas que o ser humano sabe medir melhor.

    Tempo de vo (ToF: Time of Flight) Conceitualmente, o mais simples dos analisadores de m/z.

    Em sua implementao mais ingnua, os ons gerados na fonte so simplesmente acelerados por uma

    diferena de potencial eltrico em direo ao detector e a informao de m/z obtida do tempo

    transcorrido desde a extrao da fonte at a chegada ao detector. Entretanto, nos ltimos anos este

    8Assume-se aqui que todos os ons so injetados com a mesma energia cintica na cela.9Na verdade, os potenciais aplicados no so necessariamente funes harmnicas do tempo. Usa-se freqentemente a

    aplicao de potenciais abrangendo uma banda larga de freqncias para excitar toda uma faixa de m/z simultaneamente.A aplicao de potenciais com dependncias temporais mais complexas permite que sejam realizados alguns truquesbastante interessantes com os ons. Um exemplo disso a tcnica de Transformada de Fourier inversa de formas de ondaarmazenadas (SWIFT: Stored Waveform Inverse Fourier Transform), em que o potencial sintetizado por conversodigital-analgica a partir da sua representao em freqncias armazenada em um computador [24].

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 9

    filtro sofreu um grande nmero de modificaes que permitiram aumentar a sua resoluo e intervalo

    til de m/z. Dentre estas modificaes est o reflectron e o ToF ortogonal [25, 26, 27, 28].

    O analisador por tempo de vo de construo extremamente simples, no precisando nem de campos

    magnticos intensos, como no caso do setor magntico e do ICR, nem de uma complexa eletrnica

    analgica de potncia para a produo de campos eltricos alternados de altas freqncias e amplitu-

    des, como no caso do quadrupolo. Outra vantagem do TOF que, abrindo-se mo da alta resoluo

    de m/z, pode-se miniaturiz-lo bastante, o que permite que se simplifique o sistema de vcuo do

    espectrmetro de massas.

    A necessidade de sincronizao entre a extrao dos ons da fonte e o incio da contagem do tempo

    faz com que o analisador por tempo de vo seja mais naturalmente adaptado a tcnicas pulsadas de

    ionizao, como MALDI, do que a tcnicas com produo contnua de ons, como electrospray.

    H alguns tipos de detectores para espectrometria de massas. Estes dispositivos so responsveis pela

    transformao dos eventos de chegada dos ons vindos do filtro de m/z em sinais eletrnicos registr-

    veis. Estes detectores podem ser divididos em dois grupos: com ou sem multiplicao de eltrons. Os

    detectores do primeiro grupo, que composto pelos multiplicadores de eltrons, dinodos contnuos e

    fotomultiplicadoras10, transformam o evento inicial de chegada do on em uma avalanche de eltrons

    atravs de mltiplas colises/ejees com dinodos em cascata mantidos a potenciais progressivos11.

    Ao segundo grupo pertencem as taas de Faraday (Faraday cups), que so pequenos copos metli-

    cos que simplesmente geram uma corrente eltrica capturando os ons do feixe. Esses detectores so

    muito menos sensveis que os com multiplicao, mas so preferidos para espectrmetros de mas-

    sas dedicados a anlises isotpicas rigorosas. Isto devido sua simplicidade, que permite que se

    construam aparelhos contendo mltiplos detectores colocados em posies diferentes12, o que, asso-

    ciado a um setor magntico, permite monitorar mltiplos canais de m/z simultaneamente, conferindo

    robustez em relao a oscilaes da produo de ons na fonte.

    10Fotomultiplicadoras tambm so usadas em espectrometria de de massas. Os ons colidem inicialmente com umcintilador, gerando ftons, que so amplificados pela fotomultiplicadora. A vida til da multiplicadora ampliada, poisela no entra em contato direto, nem com os ons, nem com os gases residuais do aparelho.

    11No caso do dinodo contnuo, a cascata de colises/ejees acontece com um nico dinodo cuja superfcie mantidacom um gradiente de potencial.

    12Em alguns aparelhos, a posio das taas de Faraday em relao sada do setor magntico controlada precisa-mente com um microposicionador, e a sensibilidade das taas em funo do ponto de incidncia do feixe monitoradarigorosamente.

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 10

    O sinal eltrico gerado pelos detectores pode ser monitorado de duas formas: digital e analgica.

    Quando operado no modo digital, os pulsos gerados pelo detector quando da chegada de um on so

    contados individualmente e a resposta registrada o nmero de eventos por unidade de tempo. Neste

    modo, praticamente toda a informao de interesse tirada da freqncia de eventos e a intensidade

    da corrente gerada pelo detector tem pouca importncia. Quando a intensidade do feixe muito

    alta (maior que 107 Hz) e os eventos no podem ser distinguidos claramente, trabalha-se no modo

    analgico, em que se monitora uma corrente mdia produzida pelo detector. Neste caso, a unidade

    atribuda ao sinal registrado arbitrria.

    1.2 Reviso sobre anlise isotpica e correlatos

    Talvez os exemplos mais tradicionais do uso de medidas de razes isotpicas sejam os sistemas de da-

    tao indireta, muito utilizados em geocincias, onde se procura obter informaes temporais a partir

    das razes entre certos pares de istopos assumindo determinados modelos a respeito de fenmenos

    naturais que levem ao fracionamento dos mesmos. Outras propriedades como temperatura da crosta

    terrestre e do manto em tempos ancestrais tambm podem ser inferidas atravs de medidas de razes

    isotpicas mediante modelos adequadas.

    As razes isotpicas tambm encontram aplicaes interessantes em nutrio e reas correlatas. Um

    exemplo de relevncia atual dessas aplicaes a deteco do uso de testosterona sinttica por atletas.

    A testosterona hormnio sexual masculino produzida em pequenas quantidades pelos testculos

    e induz, entre vrias outras modificaes corporais, o aumento da massa muscular. Entretanto, alm

    de ser profundamente prejudicial sade do usurio, o consumo de testosterona sinttica por atletas

    profissionais proibido pelos principais rgos controladores mundiais dos esportes. A testosterona

    sintetizada endogenamente a partir do colesterol, tendo como intermedirio metablico a dehidro-

    epiandrosterona. Aps o seu uso, ela transformada ainda em androstanodiol antes de ser eliminada.

    O androstanodiol produzido atravs desta longa via metablica tem uma razo isotpica 12C/13C que

    varia pouco entre pessoas com hbitos alimentares no muito diferentes. Entretanto, a admisso de

    testosterona sinttica perturba esta impresso digital isotpica a ponto de permitir que o doping seja

    detectado.

    Para estas anlises, normalmente empregado um tipo especial de espectrmetro de massas acoplado

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 11

    a um cromatgrafo a gs chamado genericamente de espectrmetro de massas para o monitoramento

    de razes isotpicas (IRMM: Isotope Ratio Monitoring Mass Spectrometer) [29]. A sada da coluna

    do cromatgrafo ligada a um pequeno forno contendo CuO, NiO ou Pt a temperaturas da ordem de

    900C, que usado para converter todo o carbono da amostra em CO2. Este ento analisado para a

    razo 12C/13C com ionizao por eltrons.

    Istopos radioativos so freqentemente utilizados como traadores em estudos bioqumicos, entre-

    tanto, em muitos casos, istopos estveis tambm podem ser usados para este fim com vantagens.

    Neste tipo de estudo, administra-se a um organismo vivo um precursor sintetizado com reagentes iso-

    topicamente enriquecidos e depois analisa-se a razo isotpica do elemento em questo em amostras

    onde os produtos de biossntese podem estar contidos. Dessa forma, infere-se o destino do precursor

    administrado.

    Um exemplo de aplicao prtica deste tipo de abordagem a anlise da eficincia de absoro de

    ferro pelo aparelho digestivo humano. Administram-se aos pacientes quantidades conhecidas de Fe

    enriquecido no istopo estvel 58Fe misturado na comida e depois mede-se a razo isotpica 58Fe/56Fe

    em amostras de sangue retiradas deles. A diferena entre a composio isotpica natural do ferro

    contido no sangue dos pacientes e a medida, junto com a concentrao total de ferro no sangue e

    a massa de ferro administrada permite que se infira a eficincia de absoro de ferro pelo aparelho

    digestivo. Walczyk e colaboradores [9] realizaram um estudo sobre a influncia do cido ascrbico

    na eficincia de absoro de ferro por crianas utilizando esta metodologia.

    Na verdade, a aplicao descrita acima apenas um exemplo de uma metodologia mais geral de

    anlise quantitativa chamada diluio isotpica, em que se procura determinar a concentrao de um

    elemento de interesse em uma amostra medindo a perturbao causada no seu padro isotpico pela

    adio de uma quantidade conhecida de uma amostra isotopicamente adulterada do mesmo. Pode-se

    dizer que se trata de uma verso ideal da padronizao interna, isto , quando tanto o padro quanto

    o analito tm praticamente o mesmo comportamento qumico.

    As aplicaes dos istopos como traadores e a diluio isotpica baseiam-se no fato de que eles

    tm comportamentos qumicos muito parecidos. Por outro lado, tambm h aplicaes baseadas

    justamente no fato de que os istopos tm comportamentos qumicos ligeiramente diferentes. Um

    dos exemplos mais interessantes dessas aplicaes a determinao da paleoacidez dos oceanos [30].

    Determinou-se experimentalmente que o cido brico (B(OH)3) com o istopo 10B ligeiramente

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 12

    mais forte que o com o istopo 11B, isto , o equilbrio qumico:

    10B(OH)3 + [11B(OH)4] [10B(OH)4] + 11B(OH)3

    ligeiramente deslocado para a a direita. A constante desse equilbrio, determinada experimental-

    mente, vale 1,0194. A conseqncia direta disso que as razes isotpicas 10B/11B no cido brico

    e no borato, alm de serem em geral diferentes, tambm so funes do pH do meio. A figura 1.3

    contm os desvios por mil da razo isotpica 10B/11B no borato em funo do pH em relao razo

    natural. Estes desvios foram calculados com base na constante do equilbrio acima, na constante de

    dissociao do cido brico isotopicamente mdio (pka=9,28) e considerando que a razo isotpica

    do boro total igual natural. No extremo de pH alto da curva, quando o borato a espcie predo-

    minante, a razo isotpica 10B/11B no borato tende natural. Por outro lado, para pH baixo, quando

    praticamente todo o boro encontra-se na forma de cido brico, o pouco borato presente no meio tem

    uma razo isotpica bastante alterada.

    Entretanto, o borato, devido sua caracterstica aninica, que tende a ligar-se aos sedimentos,

    formando depsitos que acabam ficando ocludos no leito dos corpos dgua. Isso quer dizer que, ao

    medir-se a razo isotpica 10B/11B em uma amostra de sedimento, na verdade, est sendo determinada

    a razo isotpica 10B/11B do borato que foi depositado no momento da sua formao. Esta razo vai

    permitir que se infira a posio do equilbrio de fracionamento isotpico na dissociao do cido

    brico e, conseqentemente, o pH do meio em que aquele borato encontrava-se.

    A tcnica mais utilizada para a determinao de razes isotpicas a espectrometria de massas. Nor-

    malmente, procura-se transferir o elemento de interesse da amostra para a fase gasosa, transformando-

    o, em um on, ou elementar, ou molecular, porm cujo nico elemento poli-isotpico o elemento

    de interesse. Uma tcnica de ionizao que favorece a formao de ons elementares a ionizao

    por plasma (ICP-MS). Tcnicas que geram ons moleculares so, por exemplo, ionizao trmica, por

    eltrons e electrospray.

    Quando se trabalha com ons elementares ou moleculares simples13, as razes isotpicas so obtidas a

    partir dos espectros simplesmente dividindo as intensidades dos feixes de ons correspondentes a cada

    13Simples quer dizer que o nico elemento poli-isotpico desses ons o de interesse. A frmula elementar noprecisa ser simples.

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 13

    0 2 4 6 8 10 12 14pH

    -20

    -15

    -10

    -5

    0

    Des

    vio

    rela

    tivo

    por

    mil

    da r

    azo

    isot

    pic

    a

    6 7 8

    -18,9

    -18,6

    -18,3

    Figura 1.3: Desvio por mil em relao ao valor natural da razo 10B/11B em funo do pH

    um dos istopos. Outras vezes, geram-se xidos na fase gasosa. Nestes casos, necessrio corrigir

    as intensidades registradas para compensar a interferncia dos istopos do oxignio. Este tipo de

    interferncia, que justamente o objeto de estudo deste trabalho, ser tratado mais rigorosamente

    mais adiante.

    Nas aplicaes tpicas, em geral, procura-se tirar concluses a partir de variaes muito pequenas

    das razes isotpicas. Isso faz com que um rigor muito grande acompanhe este tipo de medida. A

    simplicidade conceitual da razo isotpica e do seu processo de medida podem dar a falsa impresso

    de que se trata de um mtodo absoluto, isto , cujos resultados podem ser relacionados diretamente

    com os padres do sistema internacional de unidades, sem o intermdio de calibraes. Entretanto,

    devido s imperfeies que afetam os espectrmetros de massas reais, quase sempre necessrio

    fazer uma compensao atravs de padres isotpicos certificados14. Isso faz com que a preciso e

    exatido finais da razo isotpica obtida fiquem atreladas s do padro isotpico utilizado. Em muitos

    casos, trabalha-se com mais de um padro isotpico, sendo um deles usado para corrigir os erros do

    14Padres isotpicos certificados so amostras reais ou sintticas contendo um ou mais elementos de interesse, sobrecuja composio isotpica se atingiu um consenso. Esta composio consensual determinada submetendo a amostra aanlises independentes por diferentes laboratrios e consolidando os resultados.

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 14

    instrumento. A razo normalmente reportada na forma de um desvio em relao do outro padro:

    r = 1000rmedida rpadrao

    rpadrao

    Conforme j fora mencionado, h uma restrio severa sobre as espcies qumicas que podem ser

    utilizadas para determinaes de razes isotpicas. Em geral, ou o nico elemento poli-isotpico na

    frmula destas molculas o elemento de interesse, ou ento estas espcies so xidos simples. A

    razo para esta restrio o fato de que o que se observa nos espectros de massas so, na verdade, os

    padres isotopomricos15 dos ons em questo, e estes ltimos podem ter formatos bastante diferentes

    dos padres isotpicos, que so as grandezas desejadas. Estas restries excluem at mesmo ons

    contendo mltiplas instncias do elemento de interesse.

    Os pesquisadores da rea tm investido uma grande dose de energia e criatividade no desenvolvi-

    mento de mtodos que permitam obter os elementos de interesse nas espcies qumicas apropriadas,

    que normalmente envolvem apenas tomos como flor, fsforo, oxignio e os metais alcalinos sdio

    e csio. Por exemplo, para a anlise isotpica de C, normalmente recorre-se combusto, conforme

    fora citado no incio desta seo. Para outros elementos, necessrio recorrer a procedimentos mais

    complicados. O cloro, por exemplo, de um composto orgnico clorado, precisa ser convertido quanti-

    tativamente a cloreto de metila para anlise por espectrometria de massas com ionizao por eltrons.

    Um mtodo otimizado para a sntese de CH3Cl a partir de organoclorados foi publicado h no muito

    tempo [31]. Este trabalho prope que se converta o cloro da amostra em CuCl por aquecimento a

    550C durante duas horas na presena de CuO e, posteriormente, converta-se o CuCl a CH3Cl por

    aquecimento a 300C durante mais duas horas na presena de iodeto de metila. J o Fe precisa ser

    convertido no complexo voltil Fe(PF3)5 antes da anlise com ionizao por eltrons [32].

    Os exemplos acima deixam claro que maneiras de ampliar a gama de espcies qumicas aceitveis

    para anlises isotpicas seriam contribuies importantes para a rea. Seria possvel simplificar pro-

    cedimentos experimentais e incluir novas modalidades de espectrometria de massas lista das usveis

    para anlises isotpicas, hoje restrita principalmente ionizao trmica, ICP e por eltrons.

    15Uma definio rigorosa de padro isotopomrico encontra-se na pgina 24. Por ora, um exemplo suficiente. Opadro isotopomrico a mistura dos padres isotpicos dos elementos que compem um on molecular. Por exemplo,se o padro isotpico do tomo de cloro [35Cl=0,75, 37Cl=0,25.], o padro isotopomrico da molcula hipottica Cl2 [35Cl2=0,752, 35Cl37Cl=20,750,25, 37Cl2=0,252].

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 15

    A proposta desse trabalho desenvolver um mtodo matemtico que permita calcular os padres

    isotpicos dos tomos que compem um determinado on molecular simplesmente conhecendo a sua

    frmula elementar e o seu espectro de massas.

    1.3 Reviso bibliogrfica sobre mtodos matemticos aplicados

    espectrometria de massas

    primeira vista, a informao contida em um espectro de massas muito simples. Cada pico,

    cuja relao m/z encontra-se na abscissa, representa um on gerado a partir da amostra utilizada.

    De fato, conceitualmente, a espectrometria de massas muito mais simples do que outras tcnicas

    espectroscpicas corriqueiramente utilizadas em qumica, como, por exemplo, as espectroscopias de

    absoro no infravermelho e Raman, ou ento a espectroscopia de ressonncia magntica nuclear,

    cujos resultados s podem ser interpretados recorrendo, pelo menos, mecnica quntica. Isto sugere

    que a identificao da substncia que gerou um espectro de massas e seus fragmentos seja uma tarefa

    trivial. Entretanto, na prtica, interpretar um espectro de massas uma tarefa mais complexa do que

    interpretar os resultados obtidos atravs da maioria das tcnicas espectroscpicas.

    A razo desta dificuldade a alta degenerescncia da abscissa do espectro de massas. Enquanto,

    nas outras tcnicas espectroscpicas, normalmente possvel fazer uma associao quase que um

    para um entre o eixo x e as funes qumicas, na espectrometria de massas isto no possvel. Por

    exemplo, ao interpretar-se um espectro de absoro no infravermelho, tem-se sempre em mente que

    carbonilas absorvem entre 1690 e 1760 cm1, hidrognios de alcanos, de 2850 a 2960 cm1, etc

    [33]. No caso de RMN, tambm possvel associar os deslocamentos qumicos (abscissas) dos sinais

    de absoro aos grupos funcionais. Por outro lado, a massa de um on molecular no depende dos

    seus grupos funcionais, mas apenas das identidades dos seus tomos. Naturalmente, a maneira como

    um on molecular se fragmenta depende dos seus grupos funcionais, mas h que se concordar que

    a associao entre rotas de fragmentao e grupos funcionais com simples massas e abundncias de

    fragmentos muito mais complexa e sujeita a ambigidades. Mesmo a comparao com bancos de

    espectros pode levar a erros crassos quando estes bancos no so cuidadosamente montados para a

    classe de compostos com que se deseja trabalhar.

    Por essas razes, um crebro humano devidamente treinado, com sua inigualvel capacidade de reco-

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 16

    nhecimento de padres, ainda uma ferramenta essencial na interpretao de um espectro de massas.

    No ta que a interpretao de espectros de massas de substncias orgnicas com ionizao por

    eltrons foi o carro abre-alas das aplicaes de inteligncia artificial em qumica [34]. Desde a dcada

    de 1960 muita pesquisa tem sido feita no sentido de desenvolver algoritmos e programas que auxiliem

    os especialistas humanos nesta tarefa [35, 36].

    Uma linha de pesquisa explorada por alguns autores foi a determinao de composies elementares

    a partir das distribuies isotopomricas registradas no espectro de massas. Genericamente, estes m-

    todos so chamados de anlise de padres isotpicos e procuram descobrir qual a frmula do on

    molecular simplesmente comparando a sua distribuio isotopomrica com distribuies simuladas

    para ons de diferentes frmulas [37]. A maneira de se fazer a comparao entre os padres isotopo-

    mricos e o espectro tambm foi objeto de estudo. Blom [38] props que a comparao fosse feita,

    no diretamente entre as intensidades dos picos, mas entre os momentos de primeira e segunda or-

    dem e, s vezes, ordens superiores das distribuies. Lago props um mtodo baseado em estatstica

    bayesiana para resolver o problema, porm este no foi muito bem compreendido pela comunidade

    [39].

    Na verdade, estas abordagens encontram duas dificuldades fundamentais: (1) a exploso combinat-

    ria para frmulas complexas e (2) a ambigidade dos padres isotpicos dos elementos comumente

    encontrados em molculas orgnicas. Por exemplo, muitas vezes, a preciso experimental no per-

    mite diferenciar atravs do padro isotopomrico a troca de um tomo de nitrognio por um radical

    metileno (CH2), visto que ambos tm a mesma massa inteira. Alguns erros sistemticos a que esto

    sujeitos os espectros de massas podem complicar ainda mais esse quadro. Estas dificuldades fizeram

    com que muitas dessas linhas de pesquisa fossem abandonadas ao longo do tempo.

    Outra metodologia de determinao de composio elementar que foi muito explorada e que encon-

    trou mais sucesso a baseada nas massas exatas dos fragmentos, obtidas com espectrmetros de

    massas de alta resoluo. Nesta abordagem, que se baseia no fato de que prtons e nutrons tm mas-

    sas ligeiramente diferentes, procura-se determinar a massa de um fragmento com o mximo possvel

    de exatido e depois determinar a combinao de elementos qumicos que levou a ela. Transforma-se

    o problema de determinao de composio em um de determinar os coeficientes de uma combina-

    o linear envolvendo apenas nmeros inteiros. O problema dessa abordagem era a necessidade de

    espectrmetros de massas de alta resoluo, at no muito tempo atrs, caros e de difcil operao.

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 17

    Vrios programas semi-automticos de interpretao de espectros de massas de substncias orgnicas

    foram divulgados na literatura [35, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46]. De maneira geral, todos estes mto-

    dos recorrem algumas heursticas simples abstradas do conhecimento acumulado da rea para tentar

    identificar parte dos ons presentes no espectro ou, pelo menos, facilitar a identificao por um ser

    humano. De posse das identidades de alguns ons, pode-se fazer uma regresso linear mltipla dos

    seus padres isotopomricos sobre o espectro experimental e obter as intensidades relativas dos ons,

    ou ento limpar o espectro substituindo os padres isotopomricos dos ons identificados pelos seus

    picos mono-isotpicos, isto , o pico correspondente ao isotopmero de composto pelos istopos mais

    leves de cada elemento16.

    Na dcada de 1990 houve uma ressurgncia na rea quando alguns pesquisadores, notoriamente

    Gasteiger, da Alemanha, e colaboradores passaram a advogar o uso de redes neurais artificiais para

    fazer a interpretao dos espectros de massas [47, 48]. Infelizmente, os autores s conseguiram de-

    monstrar a aplicabilidade dos seus mtodos interpretao de espectros com ionizao por eltrons

    de algumas butilaminas, notoriamente bem comportados, e no foi dada continuidade linha17.

    Um dos problemas que afeta a anlise de distribuies isotopomricas a correta identificao das

    mesmas quando h superposio de ons diferentes no espectro, ou interferncias isobricas. Um tipo

    particularmente comum18 de interferncia isobrica em espectros de massas de substncias orgnicas

    com ionizao por eltrons a dos ons MnH, isto , ons que diferem uns dos outros por apenasalguns tomos de hidrognio. Na verdade, este tipo de interferncia tambm observado em espec-

    tros de massas de metais de transio com ionizao electrospray e constitui um problema para a

    determinao de razes isotpicas [53]. Mtodos matemticos, alguns deles baseados em estatstica

    multivariada, foram propostos para tentar eliminar a interferncia dos ons MnH, obtendo o padroisotopomrico de um deles e as abundncias relativas de todos [51, 52].

    Um filo da que est muito em voga hoje em dia o da anlise de macromolculas biolgicas. As

    portas da espectrometria de massas foram abertas para estas molculas frgeis, polares e de altas

    massas com o surgimento de novos mtodos de ionizao como o electrospray e a dessoro/ionizao

    16Essas vozes foram sendo silenciadas medida que os avanos na computao foram permitindo o armazenamentode bancos de espectros cada vez maiores e sistemas de busca nesses bancos passaram a ser vendidos casadamente com osCG-EM de bancada.

    17Os prprios autores, sensveis aos ventos da cincia moderna, acabaram redirecionando os seus esforos para reasonde as perspectivas de reconhecimento rpido (ou publicao rpida) fossem melhores [49, 50].

    18Um levantamento estatstico por Moraes e colaboradores [51, 52] mostra que, na verdade, longe de ser algo excepci-onal, a interferncia isobrica por ons MnH a regra quando se trabalha com ionizao por eltrons.

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 18

    por laser auxiliada pela matriz (MALDI). Uma vez tornada possvel a transferncia para a fase gasosa

    dessas molculas inteiras, floresceu toda uma nova linha de mtodos computacionais para a anlise e

    interpretao desses espectros de massas, com caractersticas bastante diferentes dos tradicionalmente

    encontrados com a ionizao por eltrons.

    A apario de ons moleculares com mltiplas cargas, algo extremamente raro com ionizao eletr-

    nica, tornou-se comum e, muitas vezes, desejvel19. Para lidar com estes espectros, mtodos ma-

    temticos para, por exemplo, identificar as vrias instncias de uma mesma macromolcula com

    cargas diferentes, determinar os seus estados de carga e consolidar as informaes contidas em

    todos eles foram criados. No jargo da rea, estes mtodos so chamados de deconvoluo

    [54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61]. Apesar do nome, estes mtodos no tm qualquer relao com o

    objeto de estudo desta tese.

    A determinao de massas moleculares de protenas em extratos celulares, que normalmente feita

    por eletroforese em gel de poliacrilamida, pode ser feita de forma bem mais simples e exata. Mtodos

    matemticos para tentar calcular a massa mono-isotpica de uma protena a partir da sua distri-

    buio isotopomrica foram desenvolvidos [62, 63]. Outra linha que vem gerando muitas aplicaes

    comerciais a de seqenciamento de protenas por espectrometria de massas multidimensional, ou

    a identificao de mutaes e modificaes ps-traducionais por comparao com bancos de dados

    genmicos [64, 65, 66]. Alguns pesquisadores ousadamente sugerem que at mesmo seja possvel

    substituir todo o aparato de separao cromatogrfica comumente usado em bioqumica por espectro-

    metria de massas multidimensional de alta resoluo [67].

    Um problema que surge recorrentemente no desenvolvimento de mtodos para a interpretao de

    espectros de massas o do clculo das distribuies isotopomricas dados a frmula elementar do

    on e as abundncias isotpicas dos tomos que o compem. Apesar de tratar-se de um problema

    razoavelmente simples, um nmero considervel de trabalhos na rea de qumica foram publicados a

    esse respeito [68, 36, 69, 70, 71, 72, 73, 74]. Muitos so artigos voltados para a rea de ensino, e tm

    como objetivo expor o problema para alunos de graduao e propor uma metodologia mais ou menos

    genrica para resolv-lo. Outros trazem otimizaes e implementaes supostamente inovadoras, mas

    19 a produo abundante de ons moleculares com mltiplas cargas que permite que quadrupolos convencionais, comalcances de m/z de poucos milhares de unidades, sejam capazes de filtrar ons com massas de centenas de milhares deunidades de massa atmica.

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 19

    cuja aceitao para publicao s pode ser compreendida levando em conta, ou a falta de intimidade

    dos qumicos com a computao, ou eventuais facilidades de acesso de certos grupos de pesquisa a

    alguns peridicos. Outros, entretanto, trazem idias e maneiras de se encarar o problema interessantes.

    Na verdade, este problema pode assumir vrias formas. Talvez a mais direta de todas seja encarar os

    padres isotpicos e isotopomricos como distribuies de probabilidades de variveis aleatrias com

    valores discretos (as massas). Esta interpretao permite que se chegue rapidamente concluso de

    que a operao que mistura os padres isotpicos para gerar os isotopomricos uma convoluo20.

    Uma outra associao equivalente, bastante popular na rea de qumica, dos padres isotpicos e

    isotopomricos com polinmios. A idia representar os padres isotpicos/isotopomricos como

    polinmios cujos coeficientes so as abundncias relativas dos istopos/isotopmeros:

    p (a; x) = a0 + a1x + anxn1

    onde o vetor a contm as abundncias isotpicas/isotopomricas e x a varivel do polinmio.

    Com esta associao, a operao de convoluo de dois padres equivale multiplicao dos po-

    linmios associados a ambos. Para construir o padro isotopomrico de um on molecular, basta

    multiplicar os polinmios associados aos padres isotpicos dos tomos que o compem, elevados

    aos seus respectivos nmeros de frmula. Talvez a melhor proposta de implementao computacional

    desse esquema seja devida a Yergey e Kubinyi [75, 76] 21.

    O mtodo de Kubinyi funciona muito bem para molculas no muito grandes, mas lento para ma-

    cromolculas. Rockwood e outros [77, 78, 79] propuseram um mtodo rpido para o clculo de

    espectros de resoluo finita de macromolculas. Neste trabalho, as distribuies isotpicas e isoto-

    pomricas de resoluo infinita so representadas por combinaes lineares de funes delta:

    p (a,m, m) =n

    j=1

    aj (m mj) (1.1)

    onde a e m contm as abundncias e as massas exatas22 dos istopos/isotopmeros. No domnio das

    massas, o espectro de resoluo finita da molcula dado pela convoluo dos padres isotpicos dos20Para detalhes formais desta associao, veja a seo 2.2 pgina 25.21O sistema proposto por Kubinyi usado neste trabalho. A seo 2.3, na pgina 26, contm a descrio detalhada da

    implementao.22Neste caso, no feita a aproximao de massas inteiras, de amplo uso na interpretao de espectros de molculas

    pequenas.

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 20

    tomos que o compem com uma funo de forma de pico:

    p (m) =p1 (m) p1 (m) p2 (m) p2 (m) s (m)

    1 vezes 2 vezes(1.2)

    onde s (m) a funo de forma de pico e os pi (m) e i so o padro isotpico (na forma da equao

    1.1) do elemento de ndice i e o seu nmero de frmula respectivamente.

    Calculando a transformada de Fourier dos dois lados da equao 1.2, obtm-se no domnio recproco:

    P () = +

    p (m) eimdm = S ()

    n

    i=1

    Pi ()i (1.3)

    onde S () a transformada de Fourier da funo de forma de pico e as funes Pi () so as dos

    padres isotpicos atmicos:

    Pi () = +

    pi (m) e

    imdm =ni

    j=1

    aijeimij

    onde, agora, aij e mij so a abundncia relativa e a massa do istopo de ndice j do elemento de

    ndice i. a varivel conjugada massa, sem significado fsico.

    A proposta de Rockwood e colaboradores [77, 78, 79] postular uma funo de forma de pico e

    calcular a transformada de Fourier da distribuio isotopomrica em um certo nmeros de valores de

    . De posse dessa funo, calcula-se uma aproximao ponto a ponto da distribuio isotopomrica

    no domnio das massas atravs de uma transformada de Fourier discreta inversa. Os autores justificam

    que este mtodo interessante para molculas grandes, pois, a convoluo transforma-se em uma

    multiplicao no domnio recproco e os nmeros de frmula transformam-se em meros expoentes

    inteiros, como na equao 1.3. O tempo de computao acaba ficando mais dependente da resoluo

    com que se deseja obter o espectro de massas, do que da frmula da molcula propriamente dita.

    Entretanto, este mtodo s serve para obter espectros de resoluo finita e com um perfil de pico

    arbitrariamente postulado. Ele no tem grande aplicao em interpretao de espectros de molculas

    pequenas, onde o uso de espectros de resoluo infinita23 generalizado. Por outro lado, segundo

    23Em espectrometria de massas de baixa resoluo de molculas pequenas, assume-se que o instrumento s capazde resolver picos separados por pelo menos uma unidade de massa, e os espectros transformam-se em simples listas deintensidades em valores de m/z inteiros, ou, como muito comum, espectros de palitos finos.

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 21

    os autores, para a gerao de espectros simulados de macromolculas para comparao com espectros

    experimentais, por exemplo, este mtodo til.

    Se, por um lado, vrios trabalhos j foram publicados a respeito da convoluo de padres isotpicos,

    isto , do clculo de distribuies isotopomricas de molculas a partir da frmula e dos padres

    isotpicos atmicos, por outro, pouco esforo foi dedicado ao processo inverso, isto , o clculo dos

    padres isotpicos atmicos a partir do padro isotopomrico e da frmula. Na minha opinio, isto

    se deve ao fato de que, primeiro, o problema da deconvoluo mais difcil que o da convoluo e,

    segundo, que, primeira vista, no h utilidade para a deconvoluo na interpretao.

    De fato, o problema da convoluo muito mais simples que o da deconvoluo. A primeira envolve

    uma operao direta, que permite at mesmo que se estabelea uma relao funcional analtica entre

    as entradas (padres isotpicos e frmula) e a sada (padro isotopomrico). A resposta determinada

    inequivocamente pelos dados. J no caso da operao inversa, no possvel, em geral, estabelecer

    uma relao funcional analtica. Algum tipo de procedimento numrico iterativo vai ser necessrio.

    Alm disso, para muitas frmulas moleculares, a deconvoluo desesperanosamente ambgua, isto

    , mais de um conjunto de padres isotpicos explica o padro isotopomrico. Em outros casos,

    imperfeies experimentais no padro isotopomrico determinado podem introduzir ambigidades e

    causar grandes deformaes nos padres isotpicos calculados.

    Na verdade, de tempos em tempos, uma ou outra faceta do problema da deconvoluo de padres

    isotopomricos surge na literatura e recebe algum tipo de soluo especfica. Por exemplo, conforme

    j fora dito na seo anterior, razes isotpicas de alguns elementos so determinadas a partir de

    espectros de massas de seus xidos aplicando uma correo simples para a interferncia do padro

    isotpico do oxignio. Ainda na dcada de 1970, Hugentobler e colaboradores [71] propuseram que o

    polinmio associado a um padro isotopomrico poderia ser dividido pelo associado a um fragmento

    para obter o padro isotopomrico do fragmento restante; uma proposta que flerta com a deconvoluo

    dos padres isotopomricos.

    A prpria idia de usar ons moleculares contendo mais de um elemento poli-isotpico para fins de

    anlises isotpicas no nova. Na dcada de 1970 Genty [80] publicou algumas frmulas matem-

    ticas que permitiriam que se calculasse a razo isotpica de um elemento de interesse na presena

    de outros elementos poli-isotpicos. Entretanto, as equaes apresentadas so vlidas apenas para

  • CAPTULO 1. INTRODUO E OBJETIVOS 22

    molculas contendo um ou dois elementos poli-isotpicos e com limitaes sobre os nmeros de is-

    topos dos mesmos. Ao longo da dcada de 1990, at o ano 2000, Datta e colaboradores publicaram

    alguns artigos explorando vrios aspectos da determinao de razes isotpicas de B e Li atravs do

    on Li2BO+2 , produzido por ionizao trmica [81, 82, 83, 84]. Mais um caso de deconvoluo de

    padres isotopomricos que recebeu uma soluo particular.

    As instncias do problema da deconvoluo de padres isotopomricos no esto restritas qumica

    analtica. Na dcada de 1990, Hellerstein e colaboradores [85] publicaram em um peridico da rea

    mdica um artigo propondo um mtodo chamado de MIDA (Mass Isotopomer Distribution Analysis).

    O propsito desse mtodo extrair informaes cinticas de estudos metablicos com traadores

    isotpicos analisando a forma das distribuies isotopomricas dos produtos. Uma das etapas do

    mtodo envolve o clculo do grau de enriquecimento isotpico de um elemento de interesse, ou seja,

    um caso particular da deconvoluo do padro isotpico do elemento de interesse da distribuio

    isotopomrica. Entretanto, a implementao sugerida pelos autores deixa muito a desejar.

    Vrios pesquisadores j se depararam ao longo das dcadas com o problema da deconvoluo de

    padres isotopomricos e at propuseram solues para ele aplicadas aos seus casos especficos. En-

    tretanto, ningum ainda deu o passo seguinte, na verdade, bastante bvio, que a formulao de um

    mtodo genrico para a resoluo do problema, isto , a obteno dos padres isotpicos dos tomos

    que compem um dado on molecular dados a sua frmula elementar e o seu espectro de massas. Este

    o objetivo deste trabalho.

    1.4 Objetivos

    O objetivo principal deste trabalho desenvolver um mtodo genrico de deconvoluo de padres

    isotopomricos obtidos de espectros de massas de baixa resoluo com o objetivo de obter os padres

    isotpicos dos tomos que o compem.

    Um objetivo secundrio deste trabalho a verificao da viabilidade de abordagens de anlises iso-

    tpicas baseadas em ons moleculares contendo mltiplos elementos poli-isotpicos apoiadas no m-

    todo de deconvoluo.

  • Captulo 2

    O mtodo Z

    O mtodo Z 1 o produto principal deste trabalho. Trata-se de um algoritmo que permite estimar as

    abundncias isotpicas dos tomos que compem um determinado on molecular dados o espectro

    de massas desse on e a sua frmula elementar. Conforme fora discutido na introduo (seo 1.3,

    pgina 21), esta uma instncia do problema de deconvoluo de padres isotopomricos.

    Neste trabalho, decidiu-se encaminhar o problema da deconvoluo como um de regresso no linear,

    isto , desenvolveu-se um mtodo que calcula as abundncias isotpicas atmicas que, atravs da

    receita implcita na frmula elementar, geram um espectro de massas que mais se aproxima de um

    outro espectro, experimental. Para tanto, so necessrios dois componentes bsicos: (1) uma maneira

    genrica de se calcular o espectro de massas de um on molecular dados a sua frmula elementar

    e as abundncias isotpicas dos seus tomos componentes e (2) uma metodologia para se variarem

    as abundncias isotpicas atmicas de modo a reproduzir o espectro de massas experimental. Os

    componentes usados na verso final do algoritmo so, para a primeira tarefa, um mtodo de expanso

    polinomial e, para a segunda, o mtodo simplex morro abaixo.

    Antes de entrar nos detalhes do funcionamento do mtodo Z, necessrio definir algumas expresses

    que sero usadas recorrentemente. Algumas delas j foram usadas na introduo, porm sem uma

    definio formal.

    1O mtodo Z foi publicado com o nome de mtodo IPDec (Isotopomer Pattern Deconvolution) [86] para evitar coli-ses com o nome de um outro algoritmo aplicado determinao de cargas de cargas de macromolculas ionizadas porelectrospray chamado de z-score [55].

    Caso o leitor esteja interessado em uma jistificativa para a escolha do nome Mtodo Z, cheque a seo 3.10 (pgina96).

    23

  • CAPTULO 2. O MTODO Z 24

    2.1 Definies

    Padro isotpico Neste trabalho, a expresso padro isotpico refere-se ao conjunto das abundn-

    cias relativas dos diferentes istopos de um dado elemento qumico. Ele ser tratado como um vetor

    cujos componentes so as ditas abundncias. Por exemplo, o elemento carbono possui dois istopos

    estveis com nmeros de massas iguais a 12 e 13. Suas abundncias naturais relativas so iguais

    a 0,989 e 0,011 respectivamente. O padro isotpico do tomo C pode ser representado pelo vetor

    (0, 989, 0, 011). Em alguns casos, pode ser interessante representar este padro isotpico pelo vetor

    (0, 0, 0, 0, 0, 0, 0, 0, 0, 0, 0, 0, 0, 989, 0, 011)

    onde a primeira posio corresponde massa zero.

    Isotopmero Classe de molculas pertencentes a uma mesma espcie qumica que possuem a

    mesma massa inteira, porm diferentes composies de nucldeos. Por exemplo, a espcie qumica

    chamada de metano possui a frmula elementar CH4. Esta espcie possui 5 isotopmeros, cujas mas-

    sas vo de 16 a 20 unidades. As molculas pertencentes ao isotopmero de nmero de massa 16

    possuem a composio de nucldeos 12C1H4. Por outro lado, ao isotopmero de nmero de massa 17

    pertencem as molculas com composies de nucldeos iguais a 13C1H4 e 12C2H11H3, isto , contendo

    um tomo de carbono 13, ou um tomo de deutrio.

    Abundncia isotopomrica Probabilidade de que uma molcula escolhida ao acaso dentre as da

    populao de uma espcie qumica pertena a um determinado isotopmero. Por exemplo, dado

    que as abundncias relativas naturais dos carbonos 12 e 13 so 0,989 e 0,011 respectivamente, as

    abundncias dos isotopmeros de massas 24, 25 e 26 u da espcie qumica C2 so 0, 9892 = 0, 9781

    (12C2), 2 0, 989 0, 011 = 0, 0218 (12C13C e 13C12C) e 0, 0112 = 0, 0001 (13C2) respectivamente.

    Padro isotopomrico Conjunto das abundncias dos diferentes isotopmeros de uma espcie qu-

    mica. Da mesma forma que o padro isotpico, neste trabalho, o padro isotopomrico tambm

    organizado na forma de um vetor cujas componentes so as abundncias dos diferentes isotopmeros.

    Na verdade, o padro isotpico pode ser considerado um caso particular do padro isotopomrico

  • CAPTULO 2. O MTODO Z 25

    para uma formula elementar contendo apenas uma instncia de um nico elemento qumico.

    o padro isotopomrico que medido em um espectro de massas quando se considera que as

    freqncias relativas dos eventos de surgimento de ons de diferentes m/z so iguais s suas abun-

    dncias relativas, ou probabilidades de aparecimento. Isto justificado pelo fato de se estar lidando

    com nmeros muito grandes de eventos.

    2.2 Convolvendo padres isotpicos e isotopomricos

    O objetivo desta seo deduzir um mtodo genrico para o clculo de padres isotopomricos a

    partir de frmulas elementares e padres isotpicos atmicos.

    Sejam a e b dois padres isotopomricos correspondentes a fragmentos moleculares A e B quaisquer.

    Deseja-se calcular c, o padro isotopomrico do fragmento molecular C cuja frmula AB.

    A massa de uma molcula C escolhida aleatoriamente de uma populao igual soma das massas

    dos fragmentos A e B que a compem, que, por sua vez, so variveis aleatrias discretas cujas

    distribuies de probabilidades so os padres isotopomricos a e b respectivamente. Isto quer dizer

    que o padro isotopomrico da molcula de frmula AB a distribuio de probabilidade de uma

    varivel aleatria igual soma de duas outra variveis aleatrias cujas distribuies so os padres

    isotopomricos a e b, e cujos valores so as massas possveis dos fragmentos A e B.

    Portanto, a probabilidade de que se obtenha uma molcula de massa m dentre as da populao das de

    frmula AB :cm = P

    {mA + mB = m | mA a e mB b

    }=

    =

    m ambmm(2.1)

    onde os limites da somatria correspondem aos valores de m tais que tanto am quanto bmm fazem

    sentido dados os padres isotopomricos a e b. Da mesma forma, os limites para o ndice m do vetor

    c so dados em funo das dimenses dos vetores a e b.

    A somatria da equao 2.1 corresponde convoluo dos dois vetores a e b:

    c = a b (2.2)

    onde o smbolo representa a operao de convoluo.

  • CAPTULO 2. O MTODO Z 26

    O argumento acima pode ser estendido para uma frmula elementar qualquer AABB ...:

    y =a a b b A vezes B vezes

    (2.3)

    onde cada vetor convolvido um nmero de vezes igual ao nmero de frmula do seu elemento.

    Desta forma, para calcular o padro isotopomrico de uma molcula de frmula elementar conhecida,

    basta que se convolvam os padres isotpicos dos elementos que a compem, sendo que cada padro

    isotpico atmico comparece na convoluo um nmero de vezes igual ao nmero de frmula do seu

    elemento correspondente.

    Esta metodologia de clculo de padres isotopomricos tambm chamada na literatura de expanso

    polinomial [76]. Esta denominao surge quando se considera que os padres isotopomricos so

    polinmios cujos coeficientes so as abundncias isotopomricas. Neste caso, a operao de convo-

    luo da equao 2.2 corresponde multiplicao dos polinmios associados aos padres isotpicos

    atmicos elevados aos seus respectivos nmeros de frmula.

    2.3 Implementao da convoluo dos padres isotpicos e isoto-

    pomricos

    Como a convoluo de vetores efetuada de acordo com a equao 2.1 possui as propriedades co-

    mutativa e associativa, a convoluo dos padres isotpicos atmicos para a obteno do padro

    isotopomrico molecular no precisa ser necessariamente implementada na ordem descrita na equa-

    o 2.2, convolvendo um a um os padres isotpicos atmicos. Na verdade, para calcular o padro

    isotopomrico de uma molcula de frmula complexa, mais vantajoso realizar um nmero menor de

    convolues de padres isotopomricos grandes do que um grande nmero de convolues de padres

    isotopomricos pequenos [75, 76].

    Neste trabalho, a convoluo foi implementada utilizando um esquema de construo binria ilustrado

    no fluxograma da figura 2.1. Neste diagrama, assume-se que o vetor temp inicial j contm um

    padro isotopomrico intermedirio ao qual ser convolvido vezes o padro isotopomrico a. A

    implementao deste esquema em linguagem C encontra-se na listagem da biblioteca do mtodo Z:

  • CAPTULO 2. O MTODO Z 27

    mod 2 = 1

    temp temp*a

    Incio

    /2

    a a*a

    > 0

    Sim

    Sim

    No

    No

    Fim

    Figura 2.1: Fluxograma da implementao da convoluo de mltiplas instncias de um padro iso-tpico no mtodo Z.

    apndice C, pgina 147, rotina poly_expand.

    A implementao da convoluo de dois vetores tambm no feita atravs da somatria da equao

    2.1, mas atravs de um loop duplo sobre os dois vetores sendo convolvidos. A cada iterao, um

    elemento do vetor de sada incrementado de acordo com a equao:

    yi+j = yi+j + aibj

    onde i e j so os ndices dos loops sobre os dois vetores de entrada, y o vetor de sada e a e b so

    os vetores de entrada. Esta rotina (convolve) encontra-se no apndice C, pgina 148.

  • CAPTULO 2. O MTODO Z 28

    2.4 Comparando padres isotopomricos e espectros de massas

    Os padres isotpicos e isotopomricos so distribuies de probabilidades, sendo assim normaliza-

    dos para soma igual a 1. J as ordenadas dos espectros de massas possuem unidades associadas a elas,

    que podem ser arbitrrias ou no. Entretanto, esperado que os picos do espectro de massas sejam

    proporcionais s abundncias do padro isotopomrico que o gerou. A funo escolhida para medir

    a discrepncia entre um padro isotopomrico e um espectro de massas a soma dos quadrados das

    diferenas entre as intensidades dos picos do espectro e os do padro isotopomrico multiplicados por

    um fator de escala2:

    R =

    i

    (Ii kYi)2 (2.4)

    onde Ii e Yi so os i-simos picos do espectro de massas e do padro isotopomrico respectivamente.

    O fator de escala k calculado em funo do padro isotopomrico de modo a minimizar a somatria

    da equao 2.4. A expresso analtica para k :

    k =

    i YiIii Y

    2i

    (2.5)

    Nas somatrias das equaes 2.4 e 2.5, os limites de recurso do ndice i foram deixados em branco

    para indicar que estas somatrias no precisam ser executadas sobre o padro isotopomrico ou es-

    pectro inteiro. Na verdade, implementou-se o mtodo Z de modo que seja possvel escolher quais

    picos do padro isotopomrico e do espectro de massas devem ser comparados. Isto feito atravs de

    uma mscara binria (vide apndice C, pgina 142, prottipo da rotina metodoz5_adjust).

    2.5 Ligando as partes

    Mtodo de minimizao O algoritmo escolhido para variar as abundncias isotpicas atmicas de

    modo a minimizar a discrepncia entre o padro isotopomrico calculado e o espectro de massas ex-

    2A funo R definida na equao 2.4 no a nica possvel, nem necessariamente a melhor para todos os casos.Existem outras possibilidades. Por exemplo, quando dispe-se de informaes a respeito da varincia da intensidadede cada pico do espectro, cada elemento da somatria pode ser dividido pela varincia do pico espectral correspondente,levando assim a uma regresso ponderada. Esta estatstica pode levar a resultados melhores que a da equao 2.4 quando osdados experimentais tm comportamento heteroscedstico. Na verdade, conforme ser descrito mais adiante, o algoritmode minimizao utilizado na implementao genrico o suficiente para permitir a substituio da funo R com bastantefacilidade.

  • CAPTULO 2. O MTODO Z 29

    perimental, calculada atravs das equaes 2.4 e 2.5, foi o mtodo simplex morro abaixo (downhill

    simplex) [87]. Se comparado a mtodos que utilizam as derivadas (ou estimativas delas) de primeira

    e segunda ordens da funo sendo minimizada com respeito aos parmetros variacionais, o simplex

    morro abaixo exige em geral um nmero maior de avaliaes da funo para que se atinja o ponto

    de mnimo. Por outro lado, a independncia das derivadas permite que o mtodo seja aplicado a uma

    gama maior de problemas, inclusive quando as derivadas so singulares. No caso do mtodo Z, apesar

    de, a princpio, as derivadas da funo R com respeito s abundncias isotpicas atmicas serem bem

    comportadas, o clculo destas trabalhoso, o que justifica a aplicao do simplex morro abaixo.

    O mtodo simplex morro abaixo foi implementado em linguagem C, em uma biblioteca cujo cdigo

    fonte no foi includo nesta tese. Entretanto, as chamadas rotina principal de minimizao desta

    biblioteca encontram-se na funo metodoz5_adjust, no apndice C, pgina 150.

    Estimativas iniciais Para minimizar uma funo de n parmetros, o mtodo simplex morro

    abaixo realiza uma srie de operaes geomtricas em um slido convexo de n + 1 vrtices em

    um espao ndimensional. Conseqentemente, necessrio construir um primeiro simplex comn+1 conjuntos iniciais de parmetros, assim como avaliar a funo em todos esses vrtices. No caso

    do mtodo Z, so usados como vrtices iniciais os seguintes vetores de parmetros:

    1. Estimativa inicial fornecida pelo usurio, normalmente composta pelas abundncias isotpicas

    naturais tabeladas dos elementos em questo

    2. Os outros n vrtices restantes so cpias do primeiro, porm com uma das abundncias isot-

    picas atmicas deslocada em +0, 1.

    A gerao do simplex inicial encontra-se na funo create_simplex, apndice C, p-

    gina 146. Na verdade, o algoritmo descrito acima est implementado na funo utilitria

    simplex_build_initial, que faz parte da biblioteca onde foi implementado o mtodo sim-

    plex morro abaixo, e que no foi includa neste texto.

    Critrio de convergncia O critrio utilizado para interromper a busca pelo mnimo um de tama-

    nho. Quando a distncia euclidiana entre os vrtices correspondentes aos valores mximo e mnimo

  • CAPTULO 2. O MTODO Z 30

    da funo torna-se sistematicamente menor que um certo limiar, interrompe-se o algoritmo. Utiliza-se

    um limiar igual a 108 na implementao do mtodo Z.

    Normalizao dos padres isotpicos As somas dos picos de cada padro isotpico atmico deve

    ser igual a 1. Esta condio impe um vnculo linear sobre cada um dos conjuntos de abundncias

    isotpicas de cada um dos elementos. No mtodo Z, esta condio garantida simplesmente fazendo

    com que uma abundncia do padro isotpico de cada tomo seja, por definio, igual a 1 menos a

    soma das demais. A deciso sobre quais abundncias sero determinadas pela condio de normaliza-

    o tomada na rotina create_map, (C, pgina 145), que mapeia as abundncias isotpicas sobre

    as variveis de regresso. Mais tarde, quando os valores das abundncias forem necessrios, a rotina

    get_abundance (C, pgina 146) ser usada. Esta ltima utiliza o mapa criado pela rotina anterior

    para retornar o valor correto.

    Naturalmente, abundncias isotpicas negativas no tm significado fsico. Mesmo assim, optou-se

    por no impor nenhuma restrio de positividade s abundncias ajustadas pelo mtodo Z. A ausncia

    desta restrio d uma maior robustez numrica/estatstica ao mtodo. Isto acontece, pois algumas

    imperfeies experimentais podem deformar o espectro a ponto de fazer com que ele s possa ser

    reproduzido atribuindo valores negativos a algumas abundncias. Por exemplo, quando os dados

    experimentais so sujeitos a rudo, isto , os espectros so variveis aleatrias amostradas de uma

    certa distribuio, algumas realizaes individuais do espectro podem exibir este tipo de deformao.

    Entretanto, se o mtodo Z for aplicado a todos os espectros de uma seqncia longa amostrada e os

    seus resultados forem consolidados, esses casos patolgicos sero cancelados por outros espectros

    da srie e, em geral, ser obtido um padro isotpico mdio sem abundncias negativas. Por outro

    lado, se alguma restrio no sentido de forar as abundncias individuais a valores positivos fosse

    imposta, isso poderia introduzir um erro sistemtico no resultado final.

    2.6 Implementao

    O mtodo Z foi implementado em C na forma de uma biblioteca para ser utilizada em outros pro-

    gramas. Esta biblioteca foi utilizada em dois programas feitos para este trabalho: (1) um mdulo de

    anlise para um programa grfico de manipulao de dados de espectrometria de massas desenvolvido

  • CAPTULO 2. O MTODO Z 31

    como parte deste trabalho e (2) uma interface que permite que a rotina do mtodo Z seja executada a

    partir de um pacote genrico de manipulao numrica chamado Octave3.

    O programa de manipulao de espectros de massas, chamado LAIALynx, foi escrito para facilitar

    o acesso aos dados adquiridos com o espectrmetro de massas do grupo em que este trabalho foi

    desenvolvido: um espectrmetro de massas com ionizao electrospray modelo Platform II produzido

    pela empresa Micromass (Inglaterra). Este programa possui, alm da capacidade de ler os dados

    armazenados pelo sistema de aquisio de dados do espectrmetro de massas, uma srie de mdulos

    de anlise, que podem ser usados para realizar uma srie de operaes sobre estes dados, tais como

    obteno de espectros mdios e medianos, compensao de linha base, etc. A parte relacionada ao

    mtodo Z deste programa apenas um mdulo de anlise que pode ser executado pelo usurio para

    aplic-lo a um ou mais espectros que estejam sendo manipulados. As figuras 2.2 e 2.3 contm cpias

    de algumas janelas deste programa4.

    O apndice C contm a listagem completa em C da biblioteca do mtodo Z, porm o cdigo fonte

    do LAIALynx e o da interface para o Octave no foram includos. O primeiro muito extenso (mais

    de 20000 linhas de cdigo fonte original, fora algumas bibliotecas de terceiros) e razoavelmente

    complexo, mas isto se deve principalmente a detalhes de implementao da interface grfica, que so

    totalmente irrelevantes para esta tese. O segundo razoavelmente trivial e tambm no traz nenhuma

    contribuio para uma melhor compreenso do mtodo Z, que o objeto de estudo desta tese.

    2.7 Propagao de erros

    Dados experimentais reais so afetados por um grande nmero de pequenos fatores fora do controle

    do experimentalista, que se manifestam sob a forma de erros aleatrios, ou rudo. essencial saber

    como o rudo experimental afeta os resultados do mtodo Z, para que se possam tirar concluses

    com base nestes nmeros. No caso do mtodo Z,