DEFINIÇÃO DAS VARIÁVEIS E MÉTODOS DE COLETA DE DADOS

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    Laboratrio de Psicologia ExperimentalDepartamento de Psicologia UFSJDisciplina: Mtodo de Pesquisa Quantitativa

    TEXTO 9. DEFINIO DAS VARIVEIS E MTODOS DE COLETA DEDADOS

    AUTORA: Prof. Marina Bandeira,Ph.D.

    Aps realizada a planificao operacional da pesquisa preciso ainda fazer a classificaoe definio das variveis, preciso tambm determinar qual ser o mtodo de coleta de dados aser empregado e, finalmente, preciso escolher o instrumento de medida a ser utilizado.

    Todo projeto de pesquisa inclui, na formulao de seu problema, alguns conceitostericos. Estes conceitos devem ser claramente definidos. Para isto, torna-se necessriooperacionalizar as definies, ou seja, passar as definies do mundo conceitual para o mundoemprico.

    As variveis a serem definidas so as variveis independente e dependente, assim como asvariveis que sero controladas. Isto dar uma idia melhor dos pontos fortes da pesquisa. Almdisso, os vieses ou variveis esprias que podem estar interferindo com os efeitos da varivelindependente devem ser identificados e explicados. Assim, podemos ter a exata noo dos pontosfortes e fracos da pesquisa, colocando em perspectiva o alcance dos resultados.

    A definio operacional das variveis se faz atravs da indicao pormenorizada e

    emprica dos procedimentos necessrios para medir a varivel. Trata-se, portanto, de especificarcomo cada varivel ser medida. Por exemplo, a varivel idade ser definida como a diferenaentre a data do nascimento e a data da coleta de dados. Se estivermos estudando o efeito de umtratamento do alcoolismo, podemos querer incluir a varivel concernente quantidade de bebidaingerida pelos sujeitos. Neste caso, a varivel quantidade de bebida ingerida ser definidaoperacionalmente em termos de ml de bebida ingerida por dia.

    Se realizarmos uma pesquisa para verificar o efeito da ingesto de lcool no nmero deacidentes de carro, possvel imaginar vrias definies operacionais diferentes da varivelindependente (ingesto de lcool). Por exemplo, temos as possibilidades abaixo, descritas porContandriopoulos et al. (1994):

    1. Podemos definir operacionalmente ingesto de lcool como sendo o nmero de copos de lcoolconsumidos nas 4 horas que precederam o acidente. Neste caso, s podemos medir esta varivelperguntando ao motorista e preenchendo um questionrio a respeito da ingesto de lcool.

    2. Nossa definio operacional de ingesto de lcool pode tambm ser a concentrao de lcoolno corpo, tal como medida pelo teste do bafmetro.

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    3. Uma outra definio operacional da nossa varivel independente poderia ser a capacidade dosujeito de andar sobre uma linha reta. Neste caso, utilizaramos a observao e submeteramos ossujeitos a este tipo de tarefa, tendo assim uma medida do seu comportamento.

    4. Finalmente, poderamos definir operacionalmente nossa varivel independente pela taxa de

    lcool no sangue, atravs de um exame de laboratrio. Teramos assim uma medida delaboratrio.

    Podemos verificar que os diferentes exemplos acima determinam definies operacionaisque implicam em diferentes mtodos de coleta de dados e em diferentes nveis de qualidade dosinstrumentos de medida. Assim, um exame laboratorial da concentrao de lcool no sangueconstitui uma medida de maior qualidade do que o primeiro exemplo, que implica em perguntarao motorista o quanto ele bebeu. Em geral, duas consideraes determinam o tipo de definiooperacional a ser adotada: a qualidade do instrumento de medida e a viabilidade do mtodo decoleta de dados.

    Ao decidirmos sobre nosso instrumento de medida e o mtodo de coleta de dados,devemos adotar sempre, dentre as medidas viveis, aquela que implica em menor grau dereatividade, maior validade e maior fidedignidade. Assim, garantimos a qualidade das medidasque adotarmos. preciso ainda indicar quais foram as pesquisas que validaram estesinstrumentos e os seus resultados de fidedignidade e validade.

    MTODOS DE COLETA DE DADOS

    No projeto de pesquisa, o pesquisador dever descrever detalhadamente o mtodo queusar para coletar seus dados. Basicamente, ele pode adotar como mtodo de coleta de dados autilizao de documentos, a observao de comportamentos ou a informao dada pelo prpriosujeito, seja oralmente (entrevistas) ou de forma escrita (questionrios auto administrados).Abaixo discutiremos estes mtodos de coleta de dados.

    1.

    UTILIZAO DE DOCUMENTOS:

    Trata-se de documentos escritos, oficiais ou pessoais. No caso de documentos oficiais,podemos utilizar, por exemplo, os pronturios de hospitais psiquitricos se quisermos pesquisaras caractersticas clnicas dos pacientes, que freqentaram a emergncia no ltimo ano ou queforam internados. Podemos ainda consultar as fichas de registro de acidentes em algumaorganizao do governo que registra este tipo de dados. Este tipo de documentos muitoutilizado em pesquisas que estudam o funcionamento de organizaes. No caso de documentospessoais, podem ser utilizados, por exemplo, os dirios ou correspondncias dos sujeitos.Mencionamos documentos que se resumem a textos, mas os documentos podem tambm servisuais, tais como desenhos, pinturas ou documentos sonoros, tais como cassetes ou discos.

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    2. OBSERVAO:

    H vrios tipos de observao. Se adotarmos este mtodo de coleta de dados, precisoespecificar qual o tipo de observao adotaremos em nossa pesquisa.

    2.1. Observao Sistemtica: Este tipo de observao gera dados mais fidedignos, pois implicaem uma distncia maior entre o pesquisador e o fenmeno a ser observado. Neste caso, oinstrumento de medida consiste em uma grade de observao, na qual estaro indicados quaiselementos devemos observar. A grade de observao permite observar os comportamentos detodos os sujeitos da mesma maneira. Estas caractersticas garantem a padronizao doprocedimento de coleta e, consequentemente, a reprodutividade e a objetividade dos dados. Porexemplo, em uma pesquisa que foi realizada com o objetivo de avaliar a segurana ao volante demotoristas no seu primeiro ano de conduta, descrito por Contradopoulos et al. (1990), aobservao sistemtica foi feita, de forma padronizada para todos, da seguinte maneira:- o observador se sentava no banco detrs do carro- o circuito era semelhante para todos os motoristas observados-

    as condies do trfico eram pr- determinadas-

    as condies climticas eram pr- determinadas- as medidas tomadas foram:

    - utilizao dos retrovisores- utilizao das setas luminosas- utilizao dos acessrios de segurana- respeito dos sinais.

    A observao sistemtica pode ser realizada em diferentes contextos: natural, quase-experimental ou experimental. Estas trs condies variam em grau de reatividade da medida, emordem crescente.

    O contexto natural produz a medida menos reativa, pois podemos observar os sujeitos semque eles sejam perturbados ou at sem que eles saibam que esto sendo observados. Por exemplo,se queremos observar a freqncia do uso do cinto de segurana em carros, podemos colocarobservadores em lugar estratgicos para isso.

    O contexto quase-experimental implica na observao de sujeitos cujo tratamento foi feitopor outros. J implica em medidas mais reativas que a mencionada acima.

    O contexto experimental, finalmente, implica na observao de sujeitos que o prprioobservador trata ou investiga. Este tipo de medida pode incluir ainda mais vieses, pois aexpectativa do experimentador pode enviesar os dados obtidos.

    2.2. Observao em entrevista: O pesquisador, neste tipo de observao, est menos distantedos sujeitos estudados. Neste caso, no decorrer da entrevista, ele pode observar diversos aspectosdo comportamento humano, dependendo dos interesses e objetivos da pesquisa. Ele podeobservar, por exemplo, a aparncia fsica (cuidados com o corpo e a higiene), comportamentosno-verbais (ex. expresses faciais, gestos) ou paralingsticos (tom de voz, entonao, latnciadas respostas), comportamentos verbais (estrutura da fala, formulao das frases). Pode observarainda elementos interacionais, tais como as reaes do sujeito s intervenes do entrevistador. usada, por exemplo, em pesquisas onde h necessidade de fazer diagnsticos clnicos.

    2.3. Observao Participante: Este o tipo de observao que implica em dados mais reativosporque o pesquisador est menos distante dos seus sujeitos. Ele interage plenamente com os

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    investigada (sua varivel dependente). Ele estimula as verbalizaes do sujeito para ter o mximode informaes e anota todos os dados. utilizada, por exemplo, em pesquisas que visam fazer aadaptao transcultural de uma escala de medida ou teste, atravs de entrevistas de exploraocom uma Comisso de Especialistas e com Grupos da populao-alvo, levantando aspectosreferentes ao tema avaliado pela escala (ex.depresso).

    Entrevista com um Informante: Neste tipo de entrevista, um informante de um grupoque ocupa uma funo chave escolhido para dar informaes sobre o grupo ou sobre umapessoa. O informante pode ser mais objetivo em suas respostas, uma vez que ele no respondersobre sua prpria pessoa. Ele dar informaes sobre uma pessoa ou sobre um grupo do qual elefaz parte. utilizada com freqncia em psiquiatria, quando se aplica, por exemplo, uma escalade medida do funcionamento de pacientes psiquitricos, em entrevistas com a enfermeira queconhece mais o paciente.

    Entrevista Clnica: Neste caso, o objetivo da entrevista clnico, ou seja, focada nossintomas dos sujeitos. Pode ser utilizada para verificar diagnsticos psiquitricos, por exemplo,em pesquisas que visam validar uma escala (ex.escala de depresso de Beck). Os resultados daescala so comparados com os diagnsticos de um psiquiatra, feitos na entrevista. As pessoas querecebem escores da escala, acima de um determinado valor (ex. acima de 22) devem ser asmesma que receberam o diagnstico dado pelo psiquiatra (de depresso)..

    3.2. Entrevistas Dirigidas:

    Alm das entrevistas livres, h ainda as entrevistas dirigidas, ou seja, a informaocolhida durante a entrevista toda definida previamente. Estas entrevistas dirigidas podem ser dedois tipos, descritos abaixo.

    Entrevista semi-estruturada: Neste caso, h um roteiro de perguntas pr-formuladas,mas elas no so exclusivas. O entrevistador pode acrescentar novas perguntas, durante aentrevista, que ele achar necessrias para aprofundar mais as informaes colhidas dos sujeitos.Isto ocorre em algumas escalas psiquitricas (ex.escala de qualidade de vida para pacientes comesquizofrenia), onde o entrevistador faz perguntas adicionais ao paciente para colher informaessobre alguns aspectos de sua vida (ex. vida social) e, em seguida, com base nestas informaes,ele d uma cota de adequao do sujeito nestes aspectos (ex. adequao da vida social). Esta cotapode ser dada, por exemplo, em uma escala de 1 a 5, na qual 1 significa pouca adequao e 5muita adequao.

    Entrevista dirigida com questionrio: Neste caso, as perguntas j esto decididasanteriormente, em um questionrio estruturado. O entrevistador apenas l as perguntas e anota asrespostas dos sujeitos, sem acrescentar nenhuma nova pergunta, durante a entrevista.

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    QUALIDADE DOS INSTRUMENTOS DE MEDIDA

    Os instrumentos de medida escolhidos para a coleta de dados devem ser especificados esuas qualidades psicomtricas devem ser descritas. As qualidades psicomtricas de uminstrumento de medida se referem ao seu grau de fidedignidade e sua validade.

    FIDEDIGNIDADE

    a capacidade do instrumento de medida de medir fielmente um fenmeno, ou seja, serefere reprodutividade dos seus resultados. Ou seja, a sua capacidade de reproduzir o mesmoresultado, de forma consistente no tempo e no espao. Por exemplo, no caso de dois observadoresutilizarem grades de comportamento para fazer observaes de um sujeito, a fidedignidade desteinstrumento de medida a capacidade de se obter dados semelhantes coletados por eles sobre osmesmos comportamentos. Outro exemplo de fidedignidade seria a capacidade de se obter dadossemelhantes coletados pelo mesmo observador em momentos diferentes, ou seja, os resultadossero os mesmos. A reprodutividade se refere tambm homogeneidade dos itens do

    instrumento, ou seja, eles medem o mesmo fenmeno. A fidedignidade de um instrumento demedida inclui trs qualidades psicomtricas: 1.Estabilidade Temporar, 2. Acordo entre juizes ouobservadores e 3. Consistncia interna. Esta propriedades podem ser avaliadas atravs de trsmtodos bsicos descritos abaixo:

    1. Estabilidade Temporal: Esta qualidade psicomtrica pode ser avaliada a partir doprocedimento denominado Teste-Reteste, no qual se aplica um mesmo instrumento de medida emdois momentos diferentes, em uma mesma amostra de sujeitos e verifica-se o grau deconcordncia entre os resultados destas duas aplicaes. Geralmente, um intervalo de 2 a 3semanas adotado entre o teste e o reteste do instrumento, ou seja, entre a primeira e a segundaaplicaes do mesmo teste. O intervalo no deve ser longo demais, para evitar que ocorram

    eventos que possam afetar o comportamento avaliado. O intervalo tambm no deve ser curtodemais, para evitar que o sujeito responda em funo da sua lembrana do que respondeu naprimeira aplicao. Para verificar o grau de concordncia entre estas duas aplicaes, utiliza-seuma anlise estatstica de correlao entre os escores do teste e do re-teste. Se os resultados doteste e de re-teste apresentarem uma correlao significativa, temos uma indicao de que esteteste fidedigno, em termos de sua estabilidade temporal. Ou seja, ele mede a mesma coisaquando aplicado em dois momentos diferentes em uma mesma amostra de sujeitos. Seusresultados, portanto, so replicveis. A anlise correlacional considerada mais pertinente nestecaso a correlao intra-classe (intraclass correlation coeficient ICC).

    2.Acordo inter-juizes: A qualidade psicomtrica de acordo inter-juizes consiste nareprodutividade dos resultados de uma escala quando aplicada por dois ou mais observadores oujuizes. Aps a aplicao da escala pelos juizes, os escores so comparados, verificando-se suaequivalncia. Caso haja um alto grau de acordo entre as medidas dos observadores, podemosconsiderar que o instrumento de medida fidedigno.

    Neste caso, um critrio deve ser adotado para se determinar o grau de acordo obtido entreos observadores. Um dos critrios a porcentagem de acordo obtido entre eles, tendo sidoadotado um mnimo de 80% 85% como necessrio para se considerar que a fidedignidade do

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    instrumento satisfatria. Outra anlise estatstica tambm utilizada o clculo da correlaoentres os escores dos observadores, devendo-se obter uma correlao significativa. Finalmente,tem sido usado o coeficiente Kappa para se analisar estatisticamente o grau de acordo entre osescores dos observadores. A vantagem do coeficiente kappa que esta anlise leva emconsiderao a possibilidade de haver um acordo entre os escores, baseado no acaso. Portanto, ao

    utilizarmos este coeficiente podemos estar mais seguros de que o acordo encontrado no contaminado pela ao do simples acaso, mas sim um acordo real entre os observadores.

    3.Consistncia Interna: Quando o instrumento composto de vrios elementos (ex. uma escalacomposta de vrias questes ou itens), pode-se medir a consistncia ou homogeneidade de seuselementos, verificando-se o grau de concordncia entre eles. H trs mtodos utilizados paraverificar a consistncia interna de uma escala de medida. Um deles calcular o grau decorrelao entre as duas metades de uma mesma escala, devendo haver uma correlaosignificativa entre os escores mdios das duas metades. Um segundo mtodo calcular acorrelao entre os itens impares e os itens pares de uma mesma escala, devendo haver umacorrelao significativa entre os escores mdios destes dois grupos de itens. O terceiro mtodo,que o mais utilizado, consiste em fazer uma anlise estatstica atravs do coeficiente alfa deCronbach. Este mtodo serve para calcular o grau de homogeneidade ou semelhana dos diversositens ou questes de uma mesma escala, atravs de um programa informatizado de estatstica(ex.SPSS). Quando a escala avalia apenas uma nica dimenso ou fator de um fenmeno,obtemos a consistncia interna da escala como um todo. Quando a escala avalia diversasdimenses ou fatores de um fenmeno, calculamos a consistncia interna das questes quemedem cada dimenso ou fator, separadamente. O valor do coeficiente alfa varia de 0 a 1,0. Umaconsistncia interna adequada se situa entre 0,75 e 0,85, pois este valor indica que as questes sosemelhantes ou homogneas sem serem redundantes. O valor de alfa mais adequado depende donmero de itens de cada escala. Veja a tabela em anexo. Uma escala possui consistncia interna,portanto, quando suas questes ou itens so homogneos.

    VALIDADE

    A validade de um instrumento de medida se refere sua capacidade de medir o fenmenoou construto que ele pretende medir (e no outro construto). Por exemplo, uma escala de medidada depresso deve ser capaz de avaliar diferentes nveis deste construto (depresso) e no deoutro construto (ex.fobia). A validade de um instrumento de medida depende da adequao entreo contedo dos seus itens e o construto terico que o instrumento pretende medir. Esta adequaodepende do grau de operacionalizao do construto na elaborao dos itens e depende ainda darelao entre os resultados deste instrumento e variveis empricas relacionadas a ele, tal comoprevisto na teoria do construto avaliado. A validade de uma escala de medida s fica estabelecida

    aps muitos anos de utilizao deste instrumento, pois trata-se de algo difcil e sutil de seravaliado. H trs tipos bsicos de validade:

    1.Validade de Contedo

    Consiste na capacidade do instrumento de medir todas as facetas, componentes ouaspectos do construto ou conceito. Implica em avaliar a coerncia aparente entre o conceito e oinstrumento. Quando uma escala possui validade de contedo, suas questes abrangem todos os

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    aspectos do fenmeno estudado. Por exemplo, se uma escala est avaliando o grau de depresso,ela teria validade de contedo se inclusse questes que avaliam todos os aspectos da depresso:somticos, cognitivos, comportamentais, etc. Ou seja, a escala seria completa, abrangente. Almdisso, ela no pode abranger contedos que no pertencem ao seu construto. O procedimento parase avaliar a validade de contedo de um teste envolve:

    1.

    Consulta a uma Comisso de Especialistas: neste caso, o pesquisador deve reunir estesespecialistas em grupo e submeter o teste sua avaliao. Eles discutiro sobre asquestes do teste, avaliando se os itens representam adequadamente todos os aspectosdo construto e levantando, caso necessrio, aspectos que ainda no tenham sidoincludos ou eliminando outros considerados irrelevantes. Aspectos do fenmeno queestejam teoricamente relacionados entre si e que no tivessem sido abordados sosugeridos e anotados pelo pesquisador para serem acrescentados ao teste. Porexemplo, no caso da depresso, psiquiatras e psiclogos formariam parte deste grupode especialistas.

    2. Consulta a um grupo da populao-alvo: o pesquisador deve ainda reunir um grupo depessoas que possuem a vivncia do fenmeno que est sendo medido e realizar umasesso de grupo focal. Por exemplo, no caso da validao de uma escala de depresso,deve-se formar um grupo de pessoas que sofrem de depresso. Nesta sesso, opesquisador deve estimular os participantes a falarem de sua experincia de modoabrangente, incluindo todos os aspectos do fenmeno. Os aspectos levantados pelosparticipantes que ainda no tivessem sido abordados no teste, passariam ento a serincludos sobre forma de novas questes elaboradas pelo pesquisador.

    2.Validade de Critrio

    Consiste na capacidade do instrumento de medida em predizer o resultado a ser obtido emum desempenho ou comportamento especifico dos indivduos, presente ou futuro. O desempenhodo individuo torna-se o critrio com relao ao qual a escala ser comparada. avaliado atravsdo clculo da correlao entre os escores do teste e uma outra medida, presente ou futura, dedesempenho dos sujeitos, que chamamos de critrio. Diferentes tipos de desempenho soutilizados: desempenho acadmico, desempenho profissional, diagnstico psiquitrico, avaliaesde pares. Quando se trata da correlao entre o instrumento de medida e um comportamentofuturo, trata-se da validade preditiva. Por exemplo, a correlao entre um teste ou provaapresentada no vestibular e o sucesso no desempenho acadmico das pessoas posteriormente nauniversidade. Outro exemplo: a correlao entre os escores da escala de otimismo (antes de entrarna universidade) e o desempenho acadmico posterior. Ou: a correlao entre a escala deotimismo (aplicada antes de uma cirurgia) e a recuperao de pacientes aps a cirurgia.

    Quando se trata de uma correlao entre o instrumento de medida e um comportamentoou critrio prtico contemporneo, chamamos este tipo de validade de validade concorrente ousimultnea. Por exemplo, a correlao entre os resultados de uma escala sobre a sade mental deum grupo de pessoas e os resultados obtidos por estas mesmas pessoas em entrevistas clnicasrealizadas por um psiquiatra para avaliar sua sade mental.

    3. Validade de Construto

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    Consiste na capacidade de relacionar adequadamente a varivel operacional (ex.os itensda escala) com o construto ou conceito terico (definio do conceito, com base na teoria).Consideramos que nosso instrumento de medida tem validade de construto quando est realmentemedindo o conceito terico que pretendemos medir. Os testes e escalas validados que soutilizados em Psicologia para medir inteligncia, aptides, interesses ou traos de personalidade,

    so instrumentos de medida que foram analisados para se estabelecer sua validade. H diversasmaneiras de analisar a validade de construto de um instrumento.a) Validade nomolgica ou terica (Teste de Hiptese). Quando avaliamos a

    capacidade de um instrumento de medida de comprovar uma hiptese que se baseia em umateoria, chamamos esta validade de validade nomolgica ou terica. Em certos casos, a hiptesepode prever que dois grupos distintos de indivduos deveriam teoricamente ter resultadosdiferentes em uma determinada escala. Por exemplo, uma escala que avalia a Qualidade de Vidade pacientes psiquitricos deveria teoricamente dar resultados diferentes, quando so aplicadasem dois grupos de pacientes: um grupo que recebe um tratamento melhor, multidisciplinar, globale integrado, comparativamente a um grupo que recebe apenas um tratamento farmacolgico. Emoutro exemplo, citado por Contandriopoulos et al. (1994), uma escala de capacidade pulmonarque realmente medisse esta capacidade, ou seja, que tivesse validade de construto, deveriadiferenciar significativamente grupos que variam com relao ao fenmeno medido, porexemplo, grupos que diferem com relao capacidade dos pulmes, como no caso de umgrupo de fumantes comparativamente a um grupo de no-fumantes (seus escores na escaladeveriam ser significativamente diferentes, pelo teste estatstico t de Student ). Outra hiptese aser testada se refere validade de testes cujo construto depende de mudanas no desenvolvimentocognitivo, em funo da idade. Neste caso, testa-se a hiptese de que os escores do teste vo sersignificativamente diferentes quando aplicado-a em indivduos de diferentes faixas etrias.

    Quando testamos a hiptese de que a escala deve correlacionar com outras variveis comas quais o construto deve estar teoricamente relacionado (ex. habilidades sociais e assertividade),devemos encontrar uma correlao significativa entre estas variveis (validade convergente). Poroutro lado, quando testamos a hiptese de que a escala no deve correlacionar com variveis comas quais o construto no est teoricamente relacionado, devemos encontrar uma correlao queno seja significativa (validade discriminante). Pasquali ( 2003) denomina este tipo de validadecomo convergente-discriminante.

    b)Validade de trao. Quando avaliamos a capacidade do instrumento de medida decorrelacionar com um outro instrumento de medida que avalia um conceito teoricamentesemelhante e que j foi validado anteriormente, chamamos este tipo de Validade de Trao(Contandriopoulos et al., 1994). Alguns autores a denominam Validade Concomitante. Nestecaso, aplicamos os dois instrumentos de medida em uma mesma amostra de sujeitos e calculamoso grau de correlao dos dados obtidos. Se os resultados obtidos com o novo instrumentoapresentarem uma correlao significativa com o antigo instrumento j validado, podemosconsiderar que o novo instrumento possui validade de trao ou validade concomitante. Ou seja,aumentamos a confiana de que ele estaria medindo o mesmo conceito medido pelo teste antigo,devido correlao encontrada entre eles.

    c) Validade fatorial. Um outro mtodo utilizado para se avaliar a validade de construtode um instrumento de medida consiste em identificar sua estrutura dimensional, ou seja,identificar quantas dimenses do construto a escala est avaliando com os seus itens. Aidentificao da estrutura dimensional se faz estatisticamente atravs de uma Anlise Fatorial. A

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    Anlise Fatorial avalia em que grau os itens ou questes de uma escala esto reagrupados emtorno de um nico fator ou subescala (ou dimenso) ou em vrios fatores ou subescalas (oudimenses). Por exemplo, em que grau as questes da Escala de Satisfao dos Pacientes com osServios de Sade Mental (Escala Satis-Br) esto medindo um nico fator ou vrias sub-dimenses ou sub-escalas da satisfao com os servios. Por exemplo: satisfao com a estrutura

    fsica do servio, satisfao com o tratamento, satisfao com a equipe, etc. Estas seriam ento assub-dimenses do construto global satisfao com os servios de sade mental. Dizemos que aescala unifatorial ou multifatorial, dependendo do nmero de fatores ou dimenses que possui.As escalas multifatoriais constituem instrumentos mais sensveis, capazes de identificardiferentes aspectos da satisfao e de correlacionar com outras variveis mais facilmente, do queuma escala unifatorial.

    Quando vrias subescalas so identificadas, recomendado investigar as correlaes queexistem entre elas e as correlaes entre cada uma das subescalas com a escala global. Espera-seencontrar uma correlao mais elevada entre cada sub-escala e a escala global do que acorrelao observada entre as sub-escalas. Este resultado seria indicativo da presena de umconstruto comum subjascente a estas subescalas. Este resultado indicaria a presena de umconstruto bsico referente satisfao geral ou global com os servios de sade mental.

    H uma diferena entre um questionrio e uma escala de medida. Somente as escalaspossuem propriedades psicomtricas de validade e fidedignidade estabelecidas e, portanto,somente elas podem ser utilizadas para se medir o grau de um construto em uma amostra desujeitos. Geralmente, as escalas possuem itens quantitativos com alternativas de escala dispostasem forma de uma escala Likert de 1 a 5 pontos. Por exemplo, se temos escala de medida dasatisfao, poderemos ter 5 alternativas de resposta, variando de 1=muito insatisfeito at 5=muitosatisfeito. Podemos calcular a mdia do grau de satisfao de um grupo de sujeitos e podemostambm comparar esta mdia com a de outro grupo que nos interesse. Esta mdia seria calculadasomando-se os pontos obtidos em cada item da escala e dividindo pelo numero de itens.

    Quando utilizamos um questionrio, este no foi submetido a uma avaliao de validade efidedignidade, pois no estamos avaliando um construto. Neste caso, no podemos medir o graude um construto. Podemos apenas calcular a porcentagem de pessoas que responderampositivamente s questes do questionrio ou no. Por exemplo, quantos por cento responderamque esto muito satisfeitos ou quantos por cento esto insatisfeitos. Sem realizarmos uma anlisedas propriedades psicomtricas de um instrumento de medida, no podemos saber o que as suasquestes esto medindo. Portanto, no basta elaborar questes de um questionrio e supor queelas esto medindo o que pretendemos medir.

    ADAPTAO TRANSCULTURAL DE UMA ESCALA: Quando se pretende utilizar uma escalaque foi elaborada em outro pas, para se fazer avaliaes no Brasil, necessrio que esta escalaseja primeiro adaptada e, em seguida, validada para o contexto brasileiro. A vantagem de se fazeristo que podemos, mais tarde, comparar os dados obtidos aqui com os obtidos em outros paises,usando a mesma escala. Por exemplo, pode-se avaliar se a taxa de depresso ps-parto no Brasil mais elevada do que em outros paises, usando-se a mesma escala de avaliao que se usa emoutros pases e, em seguida, pesquisar os fatores que esto associados a este problema. Para isto, necessrio que a escala seja equivalente sua verso original, em termos do seu contedo,porm contendo palavras e situaes que sejam pertinentes para nossa cultura (Bunchaft e Cavas,2000).

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    Para fazer a adaptao transcultural de uma escala, a literatura internacional apresenta osprocedimentos mais recomendados, de modo a se obter uma nova verso da escala, que sejaequivalente verso original (Guillemin, Bombardier e Beaton, 1993; Vallerand, 1989). Estaequivalncia deve ocorrer em relao ao contedo da escala (equivalncia semntica), ssituaes usadas nas questes da escala (equivalncia experiencial), aos aspectos culturais

    (equivalncia cultural), s alternativas de resposta para cada questo da escala (equivalnciatcnica) (Jorge, 2000) e forma de aplicao (ex.entrevista face a face ou auto-aplicada)(Reichenheim e Moraes, 2007). Os procedimentos recomendados por Guillemin et al. (1993) parafazer a adaptao transcultural de uma escala so:

    1. Traduo: um tradutor bilnge, cuja lngua materna o portugus, devetraduzir a escala, obtendo-se assim uma primeira verso brasileira. Quandopossvel, recomenda-se duas tradues por dois tradutores..

    2. Retraduo: uma outra pessoa bilnge, cuja lngua materna o ingls (nocaso da escala ser de lngua inglesa), deve ento passar a primeira versobrasileira de novo para o ingls. Recomenda-se igualmente, quando possvel,duas verses retraduzidas.

    3.

    Comisso de especialistas: as diversas verses da escala so, ento, submetidasa uma comisso de especialistas, composta por profissionais que tmconhecimento do tema da escala e que trabalham com pessoas apresentando oproblema em questo. Os membros da comisso realizam duas tarefas:

    a. Comparam a verso retraduzida para o ingls (ou verses) com a versooriginal em ingls (ou verses), juntamente com os tradutores. Caso hajapalavras muito diferentes nestas duas formas que mudam o sentido das frases,isto indica que a primeira traduo continha erros que devem ser corrigidos.Os erros so, ento, corrigidos nesta fase, na escala escrita em portugus.

    b.

    Em seguida, os membros da Comisso discutem as questes referentes adaptao transcultural de frases, palavras, exemplos, expresses verbais esituaes da escala original, que necessitam ser adaptadas para o contextobrasileiro. Por exemplo, se a escala faz uso de uma situao comum no pas deorigem e que no ocorre freqentemente no Brasil, uma outra situao queocorra frequentemente aqui (portanto culturalmente pertinente no nossocontexto) deve ser escolhida para substitui-la, desde que seja equivalente aocontedo da original. Frases e expresses verbais cotidianas devem serescolhidas para formar as frases. Obtemos ento uma verso preliminar daescala brasileira.

    4.

    Estudo piloto (Pr-teste): A verso preliminar brasileira vai ser, ento,aplicada em uma pequena amostra de pessoas da populao-alvo, afim de setestar se a escala de fcil compreenso, se as palavras escolhidas so de usocotidiano, se as instrues esto claras, se as alternativas de resposta so fceisde serem discriminadas. Para cada pessoa que responde escala, procura-seidentificar termos ou frases que ela considera pouco usual ou de difcilcompreenso e busca-se encontrar outros substitutos, de melhor aceitao. Aescala modificada e, em seguida, aplicada a uma outra pessoa da populao-

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    alvo, at que no haja mais problemas de compreenso na escala. Ela deve serfcil para qualquer pessoa, independente de seu nvel scio-econmico e deescolaridade. Este procedimento foi denominado Tcnica de Sondagem (ProbeTechnique)

    Uma outra maneira de se proceder, no estudo piloto, introduzir uma

    avaliao escrita das questes, de forma que o respondente classifique cadapergunta da escala em termos do seu grau de compreenso, em uma escala dealternativas (ex. de 1 a 4, onde 1 muito confusa e 4 muito clara). Calcula-se,ento o grau de compreenso da media do grupo, eliminado-se os itens queobtiveram baixa cotao. .

    Pode-se ainda aplicar a verso brasileira e a verso original em um mesmogrupo de pessoas bilnges e verificar se as respostas destes sujeitos apresentamuma correlao elevada, o que deveria ocorrer se as duas formas soequivalentes. Este ltimo procedimento, entretanto, no garante que aformulao das questes seja de fcil compreenso para todos e umprocedimento especfico para isto deve ser feito, tal como descrito acima,perguntando-se aos sujeitos o seu grau de compreenso.

    Referncia Bibliogrfica:

    Contandriopoulos, Ap., Champagne, F., Potvin, L., Denis, J.L. E Bouyle, P. (1990) Savoirpreparer une recherche. Montral. Les presses de lUniversit de Montral.

    Campbell, D.T., Stanley, J.C. (1979) Delineamentos experimentais e quase-experimentais depesquisa. Editora da Universidade de So Paulo, SP.

    Selltiz, C., Wrightsman, L.S., Cook, S.W. (1987) Mtodos de pesquisa nas relaes sociais.Editora da Universidade de So Paulo, SP.

    Bunchaft G, Cavas CST. Sob medida: um guia sobre a elaborao de medidas do comportamentoe suas aplicaes. So Paulo, Vetor, 2002.

    Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-Cultural adaptation of health-related quality of lifemeasures: literature review and proposed guidelines. Journal of Clinical Epidemiology, 46 (12):1417-1432, 1993.

    Jorge MR. Adaptao transcultural de instrumentos de pesquisa em sade mental. In: GoresteinC, Andrade LHS, Zuardi AW, editors. Escalas de avaliao clnica em psiquiatria epsicofarmacologia. Lemos Editorial, p. 53-58, So Paulo, 2000

    Pasquali (2003). Psicometria. Teoria dos testes na Psicologia e na Educao. Petrpolis: EditoraVozes.

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    Vallerand RJ. Vers une mthodologie de validation trans-culturelle de questionnairespsychologiques: implications pour la recherch en langue franaise. Canadian Psychology. 30(4), 1989.

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    ANEXO

    TABELA DE VALORES DE ALPHA DE CRONBACH

    A tabela abaixo mostra o valor mnimo necessrio para que o coeficiente alpha deCronbach seja considerado adequado como ndice de consistncia interna da escala. Este valormnimo varia em funo do nmero de itens que a escala possui.

    _____________________________________________________Valor mnimo N. de itens da

    ____________de alpha____________escala__________________

    0,32 para uma escala de 2 itens0,42 para uma escala de 3 itens0,50 para uma escala de 4 itens0,55 para uma escala de 5 itens0,70 para uma escala de 10 itens e mais

    ____________________________________________________

    Referncia:

    Tabela estabelecida por Gulliksen, H. (1950). Theory of Mental Test, New York: John Wiley

    Tabela retomada depois por Martinez, A.R. (1995). Psicometria: teoria de los tests psicolgicos yeducativos. Madrid: Editorial Sintesis.

    Tabela citada por Caron, J., Mercier, C. e Tempier, R. (1997). Sant Mentale au Qubec, XXII, 2,195-21l7.