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2018 Matheus Carvalho Flavia Bahia Delegado Federal Administrativo e Constitucional Elaborado com base no Edital n. 1 – DGP/PF de 14.06.2018 Colaboração Larissa Mercês

Delegado Federal · O Direito Público tem por objeto principal a regulação dos ... busca dos interesses da ... Administrativo como “o ramo do direito público que tem por objeto

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2018

Matheus CarvalhoFlavia Bahia

Delegado FederalAdministrativo e Constitucional

Elaborado com base no Edital n. 1 – DGP/PF de 14.06.2018

Colaboração

Larissa Mercês

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APRESENTAÇÃO

A Editora JusPodivm, em sua incessante busca pelo melhor material de preparação para concursos públicos, com grande satisfação, apresenta a obra “TÍTULO”.

Seu diferencial é a organização e a estruturação do conteúdo com base nos temas especificados no edital das disciplinas de Direito Administrativo e Direito Constitucional, matérias com maior incidência nas provas do concur-so da Polícia Federal.

É uma verdadeira revisão do conteúdo, ponto a ponto. Essa preparação direcionada garante a otimização do estudo e a revisão completa das matérias, com destaques aos pontos mais relevantes que costumam ser cobrados nos certames. Tudo isso para oferecer uma revisão de qualidade, que muito faci-litará o planejamento e o percurso rumo à sua aprovação.

Tendo em vista oferecer uma preparação completa, didática e atualizada àquele que pretende ingressar na carreira pública, sem qualquer dúvida, acre-ditamos que os autores chegaram ao melhor material para o estudo e apren-dizado para aprovação no concurso de Delegado Federal. Esta obra, definiti-vamente, vai aprimorar os estudos das matérias de Administrativo e Constitucional.

A Editora

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1DIREITO ADMINISTRATIVO

1.1.  INTRODUÇÃO AO DIREITO ADMINISTRATIVO

1.1.1  Conceito

Primeiramente, cumpre ressaltar que a necessidade do homem em travar rela-ções foi o ponto de partida para o surgimento do direito. Ressalte-se que o ordena-mento jurídico se manifesta por meio de normas de conduta impositivas, criadas por um Estado politicamente organizado, tendente a realizar a busca pela justiça e, principalmente, com a função de alcançar a paz social.

O direito é tradicionalmente dividido em dois grandes ramos, quais sejam, o Direito Público e o Direito Privado.

O Direito Público tem por objeto principal a regulação dos interesses da socie-dade como um todo, compondo-se de normas que visam a disciplinar as relações jurídicas em que o Estado aparece como parte. Sendo assim, o objeto é a tutela do interesse público, só alcançando as condutas individuais de forma indireta ou refle-xa, excepcionalmente.

Uma das características básicas desse ramo do direito é a desigualdade nas rela-ções jurídicas por ele regidas, tendo em conta a prevalência do interesse público so-bre os interesses privados. Com efeito, sempre que houver choque ou conflitos de interesses, os interesses da coletividade devem prevalecer sobre os interesses dos par-ticulares individualmente considerados.

Por esse motivo, sempre que o Poder Público exerce atividades, na defesa do in-teresse público, dispõe de certas prerrogativas que o colocam em posição jurídica de superioridade perante o particular, desde que atuando sempre em conformidade com a lei e respeitadas as garantias individuais consagradas pela Constituição Federal.

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Decorre dessa supremacia e nela tem fundamento, por exemplo, a desapropria-ção de um imóvel privado para a construção de uma estrada, na qual o direito cons-titucional de propriedade é suprimido, desde que mediante justa e prévia indeniza-ção, haja vista haver uma necessidade de utilizar esse bem na busca incessante pelo interesse da coletividade. Logo, tendo em vista o interesse público, se for necessária a construção de uma estrada em cujo trajeto esteja um imóvel particular, o estado promoverá a desapropriação – independentemente do interesse do proprietário, res-tringindo seus direitos à percepção de uma indenização justa, nos moldes da Constituição.

Em resumo, nas relações de direito público, o Estado encontra-se em posição de vantagem jurídica em relação ao particular, subordinando os interesses deste último aos interesses de toda a sociedade – ou seja, ao interesse público, representado pelo ente estatal na relação jurídica.

Integram o ramo do direito público o Direito Constitucional, o Direito Tributário, o Direito Penal, o Direito Processual Civil e o Direito Administrativo, entre outros. Nessa obra, nos cabe analisar a disciplina relacionada ao Direito Administrativo.

Por sua vez, o Direito Privado tem por escopo a regulação dos interesses dos particulares, tutelando as relações travadas entre as partes como forma de possibili-tar o convívio das pessoas em sociedade e a harmoniosa fruição e utilização de seus bens.

Tem como característica básica as suas normas supletivas, que podem ser afas-tadas ou modificadas por acordo das partes interessadas. Ademais, o direito priva-do se baseia na igualdade jurídica entre as pessoas tratadas nas relações por ele re-gidas. Uma vez que os interesses tutelados são privados, não há fundamento para que se estabeleça, em princípio, qualquer relação de subordinação ou desigualdade entre as partes. São ramos do direito privado o Direito Comercial, o Direito do Consumidor, o Direito Civil.

Não se pode confundir o Direito Público, enquanto ramo do direito com as nor-mas de ordem pública, presentes em todos os ramos jurídicos e que se configuram como normas imperativas e inafastáveis impostas pelo ordenamento jurídico. Isso porque não há situação em que o direito privado seja regente único de todas as re-lações jurídicas. Em determinadas relações, mesmo travadas exclusivamente entre particulares, as atividades podem ter repercussão nos interesses da coletividade como um todo. Nesses casos, é comum o ordenamento estabelecer normas de ordem pú-blica, impositivas, derrogatórias do direito privado, excluindo a possibilidade de as partes livremente fazerem valer sua vontade, afastando a incidência da autonomia da vontade e liberdade negocial que regulamenta o direito privado.

Dessa forma, o Direito Administrativo é um dos ramos do Direito Público, uma vez que rege a organização e o exercício de atividades do Estado e se direciona na busca dos interesses da coletividade.

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Marçal Justen Filho1 estabelece que “O Direito Administrativo é o conjunto das normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas ne-cessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho.”

Dessa forma, o Direito Administrativo se baseia em um conjunto harmônico de princípios e regras que disciplinam as atividades administrativas visando à satisfa-ção dos interesses de toda a coletividade, mesmo que isso justifique a restrição de direitos individuais – ou seja, exclui a função jurisdicional e legislativa, respeita os direitos fundamentais dos cidadãos, postos na ordem jurídica, e disciplina o conjun-to de órgãos públicos e entidades que compõem sua estrutura organizacional.

A Profa. Maria Sylvia Zanella Di Pietro2, por sua vez, define o Direito Administrativo como “o ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agen-tes e pessoas jurídicas administrativas que integram a administração pública, a ativi-dade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins de natureza pública”.

Com efeito, a definição do que é o Direito Administrativo não é unânime na doutrina e enseja algumas divergências entre os estudiosos da matéria. Assim, é im-portante verificarmos os critérios adotados pela doutrina para delimitação do obje-to e finalidades, bem como definição da área de atuação deste ramo do direito.

1.1.2 Critérios de definição do Direito Administrativo

Podem ser definidas seis correntes dedicadas a apresentar um critério unitário para conceituar o Direito Administrativo. E consequentemente a definição de seu objeto.

1) Corrente legalista: também chamada de escola exegética. Para essa escola, o Direito Administrativo se resume no conjunto da legislação administrati-va existente no país. Essa escola se limitava a fazer uma compilação das leis existentes. É critério reducionista, pois desconsidera o papel fundamental da doutrina e da jurisprudência na identificação dos princípios básicos infor-madores do direito e, dessa forma, a corrente não prosperou, haja vista o fato de que o direito não se limita à lei.

2) Critério do Poder Executivo: conforme esse critério, todo o Direito Administrativo estaria condensado na atuação desse Poder. O critério, por-tanto, identifica o Direito Administrativo como complexo de leis disciplina-doras da atuação do Poder Executivo. Mais uma vez, trata-se de corrente que não prosperou, uma vez que ignora que a função administrativa pode ser exercida fora do âmbito do Poder Executivo. Inclusive salienta-se a

1. JUSTENFILHO,Marçal–CursodeDireitoAdministrativo.BeloHorizonte:EditoraForum,7ªed.2011.

2. PIETRO,MariaSylviaZanelladi–DireitoAdministrativo.SãoPaulo:EditoraAtlas,21ªed.2008.

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possibilidade de atividades de natureza administrativa serem atipicamente exercidas pelo Legislativo e Judiciário. Da mesma forma, a função adminis-trativa pode ser exercida por particulares por delegação estatal, como é o exemplo das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públi-cos. Por fim, deve-se ter em mente que o Poder Executivo também exerce outras funções atípicas que não a função administrativa e, por isso, seria equi-vocado associar absolutamente a atuação deste poder ao conceito e delimi-tação da matéria.

3) Critério das relações jurídicas: pretende-se definir o Direito Administrativo como a disciplina das relações jurídicas entre a administração pública e o particular. Com esse critério, a doutrina se esquece que alguns outros ramos do Direito Público possuem relações semelhantes, como é o caso do Direito Tributário e do Direito Penal. Ademais, muitas atuações administrativas não se enquadram no padrão convencional de um vínculo interpessoal, como a expedição de atos normativos para organizar a atuação de particulares e da gestão dos bens pertencentes ao Poder Público.

4) Critério do serviço público: surge na França com a criação da Escola do Serviço Público que seguia as orientações de Leon Duguit. Conforme esse critério, o Direito Administrativo tem por objeto a disciplina jurídica dos serviços públicos, ou seja, os serviços prestados pelo Estado a toda a coleti-vidade, necessários à coexistência dos cidadãos. Hodiernamente, tal critério se mostra insuficiente, haja vista o fato de que a administração pública mo-derna desempenha muitas atividades que não podem ser consideradas pres-tação de serviço público, como é o caso do poder de polícia, a execução de obras públicas, a exploração de atividade econômica pelo Estado, bem como as atuações de fomento da atividade privada. Ademais, os serviços públicos são relevantes e fazem parte do objeto de outros ramos do direito, como é, por exemplo, o caso do Direito Tributário que se vale deste conceito para co-branças de taxas e outros tributos.

5) Critério teleológico ou finalístico: considera que o Direito Administrativo deve ser conceituado como sistema de princípios jurídicos que regula as ati-vidades do Estado para cumprimento de seus fins. Essa concepção é corre-ta, mas não consegue abranger integralmente o conceito da matéria e costu-ma-se dizer que se trata de definição incompleta. Foi defendida, no direito brasileiro, com algumas alterações, por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello.

6) Critério negativista: este critério surge diante da dificuldade em identificar o objeto próprio do Direito Administrativo. Conforme essa corrente doutri-nária, o Direito Administrativo deve ser conceituado por exclusão, isto é, se-riam pertinentes a este ramo do direito todas as questões não pertencentes ao objeto de interesse de nenhum outro ramo jurídico. Sendo assim, seriam funções administrativas todas as funções do Estado que não fossem legisla-tivas ou jurisdicionais. Mais uma vez, estamos diante de uma corrente

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insatisfatória, uma vez que se utiliza um critério negativo para estabelecer a conceituação de uma atividade, bem como de um ramo do direito.

7) Critério da distinção entre atividade jurídica e social do Estado: nesse caso, os doutrinadores que adotam esse critério fazem a distinção entra a ativida-de jurídica não contenciosa do Estado e a atividade de cunho social, por meio da qual estrutura seus órgãos e atividades em geral.

Modernamente, a doutrina majoritária tem apontado no sentido de se utilizar o critério funcional, como o mais eficiente na definição da matéria. Conforme esse critério, o Direito Administrativo é o ramo jurídico que estuda e analisa a discipli-na normativa da função administrativa, esteja ela sendo exercida pelo Poder Executivo, Legislativo, Judiciário ou, até mesmo, por particulares mediante delega-ção estatal.

Assim, para o Prof. Hely Lopes Meirelles3, o Direito Administrativo consiste no “conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as ativi-dades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado”.

Analisemos o conceito, detalhadamente.Em primeiro lugar, o autor define que o Direito Administrativo é um CONJUNTO

HARMÔNICO DE PRINCÍPIOS. Todas as disciplinas autônomas dependem do em-basamento principiológico para sua existência enquanto ciência. Esses princípios norteadores da matéria formam o que é designado pela doutrina como Regime Jurídico Administrativo, que será analisado de forma pormenorizada em capítulo es-pecífico desta obra.

Ademais, define ainda o critério que esses princípios são responsáveis por REGER OS ÓRGÃOS, OS AGENTES E AS ATIVIDADES PÚBLICAS. Nesse sentido o Direito Administrativo se preocupa em ordenar a atividade institucional de seus órgãos, re-gulamentando sua estrutura orgânica e de pessoal, ou seja, trata-se da função admi-nistrativa, ainda que ela seja exercida pelo Poder Legislativo ou pelo Poder Judiciário, de forma atípica.

Por fim, o conceito se encerra definindo que a função administrativa é TENDENTE A REALIZAR CONCRETA, DIRETA E IMEDIATAMENTE OS FINS DESEJADOS PELO ESTADO. Desse modo, não se pode confundir o Direito Administrativo com as demais funções estatais. Isso ocorre porque a função legislativa tem como carac-terística típica ser geral e abstrata, inovando no ordenamento jurídico, não tendo, a princípio, aplicação concreta nas atividades individuais. Por sua vez, a função juris-dicional não é direta, haja vista depender de provocação para o seu exercício, dian-te da inércia do Poder Judiciário. Por fim, a definição de que a função administrati-va é imediata tem a intenção de diferenciar da função social da Administração Pública, por ser função mediata do Poder Público. Ademais, o conceito estabelece que o

3. MEIRELES,HelyLopes–DireitoAdministrativoBrasileiro.SãoPaulo:Malheiros,29ªed.2003.

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Direito Administrativo deve buscar concretizar os fins desejados pelo Estado, sendo que compete ao Direito Constitucional definir quais são esses fins.

Outrossim, não se pode enxergar o Direito Administrativo como aquele que cria ou aglutina poderes ao Estado, pois trata-se, na verdade, de ramo jurídico que tem a função de limitar os poderes estatais, definindo os seus contornos – inclusive por-que, conforme se demonstrará em tópico específico, os poderes da administração nada mais são do que poderes-deveres instrumentais, necessários à garantia do in-teresse público.

1.1.3  Codificação e fontes do Direito Administrativo

Observe-se, a princípio, que são consideradas fontes do direito aqueles compor-tamentos que ensejam a criação de uma norma imperativa. Conforme já explicita-do anteriormente, o Direito Administrativo, no Brasil, não se encontra codificado, isto é, os textos administrativos não estão reunidos em um só corpo de leis, como ocorre com outros ramos como o Direito Processual, o Direito Penal e o Direito Civil.

As normas administrativas estão espalhadas, tanto no texto da Constituição Federal como em diversas leis ordinárias e complementares e em outros diplomas normativos como decretos-leis, medidas provisórias, regulamentos e decretos do Poder Executivo, circunstância que dificulta um conhecimento abrangente, bem como a formação de uma visão sistemática, orgânica desse ramo do Direito.

De fato, podem ser apresentados como argumento a favor da codificação a se-gurança jurídica e a maior transparência do processo decisório. Também se fala em garantir previsibilidade das decisões administrativas e estabilidade social. Por fim, a codificação viabiliza o acesso da população, facilitando o controle da atuação esta-tal. Por sua vez, alguns doutrinadores, apontam como argumentos contrários à co-dificação, a estagnação do Direito, desatualização constante, além da competência concorrente em determinados pontos da matéria e da diversidade de temas a serem codificados.

Frise-se que, em determinados ordenamentos jurídicos, há codificação nesse ramo do Direito, como em Portugal, por exemplo.

Dessa forma, a doutrina costuma apontar a existência de seis fontes principais deste ramo do Direito, quais sejam, a lei, a jurisprudência, a doutrina, os princípios gerais, os costumes e os tratados internacionais. Analisemos cada uma delas.

I – A lei é a fonte primordial do Direito Administrativo brasileiro, em razão da rigidez que o ordenamento jurídico no Brasil estabelece em relação ao princípio da legalidade nesse ramo jurídico. O vocábulo lei deve ser interpretado ampla-mente, abarcando todas as espécies normativas, incluindo, como fonte principal do Direito Administrativo, a Constituição Federal e todas as normas ali dispos-tas que tratem da matéria, sobretudo as regras e princípios administrativos nela

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estampados e os demais atos normativos primários (leis complementares, ordi-nárias, delegadas, decretos-lei e medidas provisórias).É relevante salientar que o ordenamento jurídico brasileiro se desenvolve em es-

trutura hierarquizada, sendo que todas as normas infraconstitucionais encontram fundamento e validade no texto da Carta Magna e devem respeitar suas disposições.

Ademais, devem ser incluídos, como fontes secundárias, também os atos nor-mativos infralegais, expedidos pela administração pública, nos termos e limites da lei, os quais são de observância obrigatória pela própria administração e configuram manifestação do Poder Normativo do Estado, abarcando a edição de regulamentos, instruções normativas, resoluções, entre outras espécies normativas.

Saliente-se que a lei é o único veículo habilitado para criar diretamente deveres e proibições, obrigações de fazer ou não fazer no Direito Administrativo, ensejando inovação no ordenamento jurídico, estando os demais atos normativos sujeitos a seus termos. Somente a lei, amplamente considerada, pode criar originariamente normas jurídicas, sendo por isso, para parte da doutrina, a única fonte direta do Direito Administrativo.

II – A jurisprudência se traduz na reiteração de julgados dos órgãos do judiciá-rio, travando uma orientação acerca de determinada matéria. Trata-se de fonte secundária do Direito Administrativo, de grande influência na construção e na consolidação desse ramo do Direito, inclusive, diante da ausência de codificação legal.É importante salientar que – não obstante as decisões judiciais (em regra) não

terem aplicação geral e, porque somente impostas às partes do processo, também não gozarem de força vinculante – a Constituição Federal, após alteração pela Emenda Constitucional n. 45/04, passou a admitir a edição de súmulas vinculantes, expedi-das pelo Supremo Tribunal Federal, com força para determinar a atuação da Administração Pública.

Com efeito, dispõe o art. 103-A da Carta Maior que a Corte Suprema pode – de ofício ou mediante provocação, por meio de decisão proferida por dois terços dos seus membros (ou seja, oito ministros), após reiteradas decisões sobre matéria cons-titucional – aprovar súmula (que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administra-ção pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal), bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, nos termos da lei. A matéria é controver-sa, uma vez que alguns doutrinadores entendem que esta regra viola o Estado Democrático de Direito, haja vista o tolhimento da independência dos juízes, além da alegação de que se configuraria afronta aos princípios do contraditório e da am-pla defesa, bem como do princípio da inafastabilidade, todos eles estampados no tex-to constitucional.

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Com efeito, não há qualquer declaração expressa de inconstitucionalidade e, por-tanto, a regra de edição de súmulas vinculantes se encontra vigente no Brasil. Conforme já explicitado, não serão vinculantes todas as súmulas expedidas pelo Supremo Tribunal Federal, mas tão somente aquelas que seguirem o trâmite de apro-vação por dois terços dos ministros, nos moldes do art. 103-A da Constituição.

Dispõe ainda o texto constitucional que as súmulas vinculantes terão por obje-tivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pú-blica que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

A constituição também esclarece que caberá Reclamação ao Supremo Tribunal Federal a respeito do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmu-la aplicável ou que indevidamente aplicar (julgando procedente) a que anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

Em relação a essas súmulas, é indiscutível o fato de que as decisões judiciais com efeitos vinculantes não podem ser consideradas meras fontes secundárias de Direito Administrativo e sim fontes principais ou diretas, já que alteram o ordenamento ju-rídico positivo de forma imediata, impondo e definindo condutas de observância inafastável para todos os entes da Administração Pública.

Ademais, a Carta Magna estabelece que as decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações integrantes do controle concentrado de constitucionali-dade, produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta nas esferas federal, municipal, estadual.

Outrossim, o direito moderno, impulsionado pelo novo Código de Processo Civil, admite o Direito de Precedentes, tornando as decisões jurisprudenciais cada vez mais relevantes na formação do direito e esse fenômeno atinge o Direito Administrativo. Nessa esteira, o Supremo Tribunal Federal passa a proferir decisões, com repercus-são geral, que possuem caráter vinculante e orientador da atuação jurisdicional. Nesses casos, a Suprema Corte seleciona julgados com relevância jurídica, política, social ou econômica e profere a decisão que vai ordenar os julgados de tribunais in-feriores acerca do mesmo tema.

III – A doutrina constitui fonte secundária. Trata-se da lição dos mestres e es-tudiosos da matéria, ensejando a formação de arcabouço teórico a justificar as atuações da Administração Pública, influenciando não só a elaboração de novas regras a serem observadas como também o julgamento das lides de cunho administrativo.IV – Os costumes sociais se apresentam como um conjunto de regras não escri-tas, que são, todavia, observadas de modo uniforme por determinada socieda-de, que as considera obrigatórias. Ainda considera-se fonte relevante do Direito

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Administrativo, tendo em vista a deficiência legislativa na matéria. Ressalte-se que os costumes somente terão lugar, como fonte desse ramo do Direito, quan-do, de alguma forma, influenciam a produção legislativa ou a jurisprudência – ou seja, menos que uma fonte secundária são uma fonte indireta.Por sua vez, o costume administrativo é caracterizado como prática reiterada-

mente observada pelos agentes administrativos diante de determinada situação con-creta. A prática comum na Administração Pública é admitida em casos de lacuna normativa e funciona como fonte secundária de Direito Administrativo, podendo gerar direitos para os administrados, em razão dos princípios da lealdade, boa-fé, moralidade administrativa, entre outros.

V – Os princípios gerais do Direito são normas não escritas que servem de base para ele, configurando-se vetores genéricos que informam o ordenamento do Estado, sem previsão legal expressa. São apontados, como exemplos, a máxima que define que ninguém deve ser punido sem ser ouvido previamente, a de que não se pode permitir que alguém se beneficie da sua própria torpeza, entre outros.VI – Os tratados internacionais são fontes do direito administrativo pátrio, após a incorporação ao ordenamento jurídico, independentemente do rito de trami-tação. De fato, os tratados internacionais que versem sobre direito administrati-vo não devem, necessariamente, passar pelo rito referente à incorporação dos tratados internacionais que versem exclusivamente sobre direitos humanos, vis-to que o rito desse último é especial para incorporação do tratado com status de Emenda Constitucional.Neste sentido, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 84, VIII, atribuiu a

competência privativa do Presidente da República para a celebração dos tratados in-ternacionais, sujeitando-os, posteriormente, ao Congresso Nacional, para aprová-los, conforme dicção do art. 49, I, também da Carta Magna. Vejamos:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”.“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acar-retem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.

Ocorre que, após a Emenda Constitucional nº 45/2004, os tratados internacio-nais que versem sobre direitos humanos passaram a ser submetidos a um rito dife-rente para inclusão no ordenamento jurídico pátrio daquele rito previsto no art. 84, VIII, combinado com o art. 49, da CF. Litteris:

“Art. 5º. Omissis.(...)

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§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Essa regra não se aplica, portanto, aos tratados a respeito de matéria referente ao Direito Administrativo.

1.1.4  Sistemas de controle da atuação administrativa

Toda atividade do Estado deve ser controlada pela sociedade por meio de seus representantes – afinal, o administrador público não é titular do interesse coletivo e, por isso, não tem ampla liberdade de atuação. Dessa forma, surgiram, nos diversos ordenamentos jurídicos pelo mundo, alguns sistemas administrativos ou mecanis-mos de controle que retratam o regime adotado pelo Estado para o controle dos atos administrativos ilegais ou ilegítimos praticados pelo poder público, em todas as suas áreas de governo. Existem dois sistemas, quais sejam: o sistema inglês ou sistema de jurisdição única e o sistema francês ou sistema do contencioso administrativo.

O sistema francês ou sistema do contencioso administrativo, também chama-do de sistema da dualidade de jurisdição, é aquele que proíbe o conhecimento, pelo Poder Judiciário, de atos ilícitos praticados pela Administração Pública, ficando es-ses atos sujeitos à chamada jurisdição especial do contencioso administrativo, for-mada por tribunais de natureza administrativa. Com efeito, a justiça comum não tem legitimidade para apreciação da atividade da Administração – com algumas res-salvas, como as questões que envolvam capacidade de pessoas, repressão penal e li-tígios que envolvam a propriedade privada, por exemplo. Nesse sistema, há, portan-to, uma dualidade de jurisdição. Desse modo, pode-se dizer que estão presentes:

i. A jurisdição administrativa – formada pelos tribunais de natureza admi-nistrativa, com plena jurisdição em matéria administrativa, que, na França é representada pelo Conselho de Estado

ii. A jurisdição comum – formada pelos órgãos do Poder Judiciário, com com-petência para resolver os demais litígios que não envolvam atuação da Administração Pública.

Esse sistema, até os tempos atuais adotado na França, analisa a separação de po-deres de forma absoluta, não admitindo o controle judicial dos atos da Administração Pública. Nesse país, o Conselho de Estado é o responsável por proferir as decisões acerca da atuação pública, com caráter de definitividade, ou seja, mediante a forma-ção da chamada coisa julgada material. Impossível, portanto, a revisão pelo Poder Judiciário das decisões proferidas por este órgão.

Não obstante o respeito absoluto à separação de poderes, o sistema do conten-cioso administrativo sofre críticas no que tange à imparcialidade das decisões, uma

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vez que o órgão administrativo atua como julgador e como julgado no mesmo processo.

Por sua vez, o sistema inglês ou sistema de jurisdição única, também designa-do de sistema da unicidade de jurisdição, é aquele no qual todos os litígios, sejam eles administrativos ou privados, podem ser levados à justiça comum – ou seja, ao Poder Judiciário, único com competência para dizer o direito aplicável aos casos li-tigiosos, de forma definitiva, com força de coisa julgada material. Nesse sentido, po-de-se estabelecer que somente ao Poder Judiciário é atribuída jurisdição, em senti-do próprio.

É importante observar que a adoção do sistema de jurisdição única não implica a vedação à existência de solução de litígios na esfera administrativa. Ao contrário, a Administração Pública tem poder para efetivar a revisão acerca dos seus atos, in-dependentemente de provocação de qualquer interessado. Ocorre que a decisão ad-ministrativa não impede que a matéria seja levada à apreciação do Poder Judiciário.

Logo, mesmo que uma questão entre um particular e a administração já tenha sido apreciada em um processo administrativo, em caráter definitivo, ou seja, me-diante a formação da coisa julgada administrativa, o particular, se não satisfeito com a decisão prolatada nesse processo, poderá discutir a matéria perante o Poder Judiciário, que detém competência exclusiva para dizer o direito aplicável em cada situação com caráter de definitividade.

Dessa forma, a coisa julgada administrativa nada mais é senão a impossibilida-de de discussão de determinada matéria no âmbito de processos administrativos.

Com efeito, o sistema de unicidade de jurisdição não obsta a realização do con-trole de legalidade dos atos administrativos pela própria Administração Pública. Em verdade, esse controle é garantia do cidadão e corresponde a um poder-dever do Poder Público, não se traduzindo em uma faculdade do administrador, mas em um verdadeiro dever da Administração Pública, o denominado princípio da autotutela.

O ordenamento jurídico brasileiro adotou, desde a instauração da República, o sistema inglês – também denominado de sistema de jurisdição única ou sistema de controle judicial – no qual todos os litígios podem ser resolvidos pelo judiciário, ao qual é atribuída a função de dizer, com formação de coisa julgada, o direito aplicá-vel à espécie. O texto constitucional prevê, em seu art. 5º, XXXV, o princípio da ina-fastabilidade da jurisdição ou da unicidade de jurisdição como garantia fundamen-tal, ostentando qualidade de cláusula pétrea constitucional ao dispor que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

Conforme previamente salientado, definir que o controle da atividade administra-tiva é realizado pelo Poder Judiciário, em caráter definitivo, não significa retirar da ad-ministração pública o poder e dever de realizar o controle sobre seus próprios atos. Ocorre que, no sistema adotado no Brasil, as decisões dos órgãos administrativos não são dotadas da definitividade que caracteriza as decisões preferidas pelo Poder

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1TEORIA DO PODER

CONSTITUINTE

1.1.  HISTÓRICO

No século XVIII, a França era cenário de uma sociedade completamente estra-tificada, dividida em três Estados. O 1º (primeiro) e o 2º (segundo) Estados, juntos, formavam o clero e a nobreza e representavam 2% (dois por cento) da população francesa. O 3º (terceiro) Estado era formado pela burguesia alta, média, baixa, pro-letariado e desempregados e totalizava os restantes 98% (noventa e oito por cento) da população francesa.

Nesse país, marcado pelo autoritarismo e completo desrespeito aos direitos fun-damentais da população, o clero e a nobreza comandavam as decisões políticas fun-damentais em nome de todo o povo francês e o 3º (terceiro) Estado ficava à margem de toda possibilidade de manifestação política importante para o país.

Nos idos de 1788, o Abade Emmanuel Joseph de Sieyés distribuiu um panfleto, na França, intitulado Qu’est-ce que le Tiers État?, ou seja, “O que é o Terceiro Estado?”, que expressava as reivindicações da burguesia contra os privilégios e o absolutismo, incentivando o nascimento de um sentimento político na população discriminada no sentido de lutar pela sua posição na tomada das decisões políticas fundamentais da França. Esse documento, conforme a doutrina, foi lançado pouco tempo antes da Revolução Francesa de 1789.1

Nesse manifesto estava presente a necessidade de restauração da legitimidade da tomada das decisões políticas na França, com a substituição do Estado absolutista e

1. BULOS,UadiLammêgo.Constituição Federal Anotada.8.ed., rev.eatual.atéaEmendaConstitucionalnº56/2007.SãoPaulo:Saraiva,2008,p.45-46.

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dominador, para um Estado fundado pela vontade da Nação.2 Daí nasceu a consa-gração de que a Constituição (a lei fundamental do Estado) deve nascer da vontade de todos, inspirando a convocação da Assembleia Nacional Constituinte para elabo-ração da Declaração de Direitos francesa de 1791.3

Pode-se concluir que a teoria de Sieyés foi importante para coroar o processo de resgate da legitimidade política e a despersonalização do poder, fundamento do Estado Constitucional moderno. O nascimento de uma Constituição com raízes po-pulares marca, portanto, a Teoria do Poder Constituinte Originário.

Importante destacarmos que não é possível confundir o Poder Constituinte com a Teoria do Poder Constituinte. O primeiro acompanha o homem desde os primór-dios da história, pois não há Estado sem uma força política, centro das decisões. Já o segundo representa o surgimento das Constituições modernas que expressam o Poder Político fincado no texto constitucional.

1.2.  NATUREZA DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

• Poder de direito (ou poder jurídico)• Poder de fato• Poder políticoSegundo o Abade de Sieyés e os demais jusnaturalistas, o poder constituinte te-

ria como fonte principal os valores que são superiores às leis escritas, ou seja, o di-reito natural, e, nesse sentido, seria um poder de direito. É como se a Constituição não fosse verdadeiramente formar direitos, e sim consolidar, em documento escri-to, direitos que já foram formados antes da própria existência da lei, os direitos ad-vindos do poder natural, do poder divino, a liberdade, a igualdade, a ideia da vida etc.

Os juspositivistas, como Hans Kelsen, dentre outros, entendiam que o poder constituinte se legitimava nele próprio e que não havia nenhum alicerce prévio efe-tivo, seja em direito natural ou em direito positivo anterior. Com isso, o poder cons-tituinte seria um poder de fato.

Segundo Paulo Bonavides,4 o poder constituinte, em sua origem, é poder de di-reito, mas na sua aplicação seria um poder de fato, ou seja, seu nascimento é

2. SegundoBulos,ob.cit.,p.46-47,paraSieyès,“Povoenaçãonãoseconfundiam.Opovoseriaoconjuntodepessoasreunidasesubmetidasaumpoder.Anaçãoseriamaisdoqueconjunto;seriaaencarnaçãodosinteressesdosindivíduoscomoumtodo,nasuageneralidade e permanência. Generalidade,nosentidodeopodersoberanonãoselimitar,emseuexercício,anenhumaparceladeindivíduospostoqueasoberaniapertenceàcomunidadeinteira.Permanência,seseconsiderarointeressepermanentedasgeraçõesfuturas,quenãopodeficarrenegadoaointeressetransitóriodeumgrupodeindivíduos”.

3. BONAVIDES,Paulo.Curso de Direito Constitucional.18.ed.SãoPaulo:Malheiros,2006,p.146.

4. BONAVIDES,Paulo.Ob.cit.,p.149.

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baseado nos valores de direito natural, mas na sua aplicação ele é um poder de fato, é um poder que não se discute, importante para o Estado e que deve ser cumprido pelos cidadãos sem questionamentos.

1.3.  CONCEITO DE PODER CONSTITUINTE

Com o desenvolvimento da Teoria do Poder Constituinte ao longo da história do Direito Constitucional, o poder criador, originário, defendido por Sieyès, passou a ser analisado sob outros ângulos. Considerando-se que Constituição sem mecanis-mo de reforma é antidireito, e ainda com o surgimento do federalismo americano em 1787, que tem como principal vetor a autonomia dos Estados-membros com a sua auto-organização por meio de uma Constituição, a doutrina refletiu sobre ou-tras necessárias manifestações do poder constituinte, derivadas do poder inicial.

Daí porque o poder constituinte pode ser conceituado, em síntese, como: o po-der que fundamenta a criação de uma nova Constituição, a reforma desse texto cons-titucional e, nos Estados federativos, o poder que legitima a auto-organização dos Estados-membros por meio de suas próprias Constituições, bem como as respecti-vas reformas dos textos estaduais.

Como nos Estados Unitários não há divisão geográfica do poder político, pode-mos concluir que o poder constituinte na sua manifestação de criação das Constituições Estaduais só está presente nos Estados Federativos.

Lammêgo Bulos explica que, do ponto de vista material, sempre existiu e sem-pre existirá o poder constituinte para criar, estabelecer e estruturar a Constituição, entretanto, em uma análise eminentemente formal, o poder constituinte é algo novo, cuja formulação provém de Sieyès, que com originalidade, conseguiu exprimir a fi-losofia e o conteúdo desse poder, dissociando-o dos poderes constituídos.5

1.4.  TITULARIDADE X EXERCÍCIO

Analisando o poder constituinte à luz da Constituição de 1988, encontramos a sua titularidade e o exercício no art. 1º, parágrafo único,6 por meio do qual podemos afirmar que o titular do poder não se confunde sempre com o seu exercente.

De acordo com o dispositivo constitucional citado, a titularidade do poder está nas mãos do povo, mas a exteriorização desse poder pode ser direta ou indiretamen-te exercida pelo povo.

5. Bulos,LammêgoUadi.Constituição Federal Anotada.8.ed.SãoPaulo:Saraiva,2008,p.47.

6. Art. 1º,parágrafoúnico,daCF/88:“Todoopoderemanadopovo,queoexercepormeioderepresentanteseleitosoudiretamente,nostermosdestaConstituição”.

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Movidos por seus direitos políticos, o povo toma decisões políticas diretas quan-do participa de plebiscito, de referendo, ajuíza ação popular, participa de projetos de lei populares etc. Em suma, quando o povo toma decisões políticas sem necessida-de de intermediações, sem representação, diz-se que o exercício do poder está sen-do realizado de forma direta. Por sua vez, o exercício indireto é realizado pelos nos-sos representantes, que recebem o voto para, em nosso nome, tomar as decisões políticas fundamentais para o nosso país. Esse dispositivo constitucional expressa a base democrática brasileira, com um modelo de democracia semidireta ou participativa.

Em sua obra clássica, Qu´est-ce que le Tiers État?, o abade de Sieyès sustentou que o Poder Constituinte reside na vontade da Nação, o que não se confunde com o Povo. Segundo explica Uadi Lammêgo Bulos, o povo seria o conjunto de pessoas reunidas e submetidas a um poder, e a nação seria mais do que o conjunto; seria a encarnação dos indivíduos como um todo, na sua generalidade e permanência. Generalidade, pois o poder não estaria limitado, em seu exercício, a nenhuma par-cela de indivíduos, posto que a soberania pertence à comunidade inteira. Permanência, no sentido de se considerar o interesse permanente das gerações futuras, que não poderá ficar renegado ao interesse transitório de um grupo de indivíduos.7

1.5.  PODERES CONSTITUÍDOS

O poder de tomada de decisões políticas fundamentais é uno e indivisível, en-tretanto, como será analisado em capítulo posterior, para evitar a concentração de poder, sua manifestação se dá por meio das funções legislativa, executiva e judiciária.8

Essas manifestações do poder são consagradas como poderes constituídos porque foram desenhados pela vontade da Constituição, fruto do poder constituinte originá-rio. Com isso, os trabalhos legislativo, executivo e judiciário estão subordinados ao tex-to constitucional. Como exemplos dessa sujeição dos Poderes à Constituição, podería-mos concluir: se o legislador elabora leis contrárias à Constituição, o juiz deverá declará-las inconstitucionais (ex.: art. 102, I, “a”, da CF/88); se o chefe do Executivo des-cumpre a Constituição, deverá ser processado na forma do art. 85 da CF/88.

1.6.  ESPÉCIES DE PODER CONSTITUINTE

Com base no conceito acima exposto, poderíamos dividir o Poder Constituinte em três manifestações: o poder originário (poder criador, de 1º grau, genuíno) e suas

7. BULOS,LammêgoUadi.Constituição Federal Anotada.8.ed.SãoPaulo:Saraiva,2008,p.47.

8. Art. 2ºdaCF/88:“SãoPoderesdaUnião,independenteseharmônicosentresi,oLegislativo,oExecutivoeoJudiciário”.

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manifestações derivadas (de 2º grau, poder instituído, constituído ou remanescen-te); o poder reformador com base no art. 60 da CF/88 (realizando a alteração for-mal do texto da Constituição); e o poder decorrente, de acordo com o art. 11 do ADCT (que permitirá, nos Estados federativos, a elaboração e reforma das Constituições Estaduais).

1.6.1.  O Poder Constituinte Originário

O poder constituinte originário é o poder criador, o poder institucionalizador de uma Constituição central. Podemos dizer que a sua última manifestação no Brasil foi realizada no dia 5 de outubro de 1988, quando da promulgação da nossa atual Constituição.

É claro que se desenha um modelo ideal de um poder constituinte originário sempre pautado na vontade popular. Mas, aqui no país, nem sempre isso foi possí-vel, diante da nossa história conturbada de ditadura e pseudodemocracias. Então é possível se dizer que o poder constituinte originário se manifestou no Brasil por meio de todas as Constituições, de 1824 a 1988.9

Por sua vez, em suas manifestações posteriores, o Poder Constituinte Originário se exterioriza de maneira derivada, dando ensejo ao Poder Constituinte Derivado, com as suas espécies, Reformador e Decorrente.

1.6.2.  O Poder Constituinte Derivado Reformador

É o que possibilita a reforma formal da Constituição. No texto da atual Lei Maior é exteriorizado por meio das espécies normativas: emendas revisionais (art. 3º do ADCT) e emendas constitucionais (art. 60 da CF/88), que serão estudadas em capí-tulo posterior.

1.6.3.  O Poder Constituinte Derivado Decorrente

É o que permite, nos Estados federativos, a auto-organização dos Estados-membros na forma dos arts. 25 da CF/88 e 11 do ADCT. Frise-se que essa manifes-tação de poder é peculiar aos Estados federativos diante da autonomia dos entes que os compõem, não existindo, em regra geral, nos Estados unitários, que não possuem Constituições Estaduais.

Levando-se em consideração que, no Brasil, o Distrito Federal e os Municípios também fazem parte da nossa Federação, qual seria o poder que fundamenta a

9. ComaressalvaaotextodaECnº1/69,frutodopoderreformador.

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elaboração de uma Lei Orgânica do Distrito Federal e de uma Lei Orgânica de Município brasileiro?

Apesar da controvérsia na doutrina, podemos dizer que a Lei Orgânica do Município é uma manifestação constituída do Poder Legislativo municipal e não é considerada fruto de poder constituinte derivado decorrente. Quanto à Lei Orgânica distrital, o entendimento majoritário tem sido o de a reconhecer como manifesta-ção de poder constituinte derivado decorrente, tendo em vista que retira fundamen-to jurídico de validade diretamente da Constituição da República e que tem força normativa equivalente a da Constituição Estadual (servindo, inclusive, como parâ-metro de constitucionalidade estadual).

Não há que se falar em poder constituinte decorrente nos territórios, tendo em vista que são descentralizações políticas administrativas da União Federal e não pos-suem autonomia.

1.6.4.  Poder Constituinte Supranacional

Com o final da Segunda Guerra Mundial e a propagação de direitos humanos universais, a doutrina passou a defender a ideia de um Poder Constituinte que ul-trapassa as fronteiras nacionais, um poder supranacional fundado na dignidade da pessoa humana. Com isso, não seríamos apenas titulares de poder político no âm-bito circunscrito de uma Estado, mas onde quer que estejamos, devemos ter os nos-sos direitos respeitados.

Nesse sentido, Maurício Andreioulo defende que se trata de um poder consti-tuinte na medida que reorganiza a estrutura de cada um dos Estados que deve ade-rir ao direito comunitário.10

1.7.  CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO

O poder constituinte originário tem como principais características, as de ser:• Inicial• Ilimitado• Incondicionado• PermanenteÉ inicial, pois inaugura uma nova ordem jurídica, rompendo com o ordenamen-

to jurídico anterior, dando ensejo à importância de se analisar o que acontecerá com o ordenamento anterior constitucional e infraconstitucional, objeto do capítulo

10. RODRIGUES,MaurícioAndreioulo.Poder constituinte supranacional: essenovopersonagem.Imprenta:PortoAlegre:S.A.Fabris,2000.

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seguinte. É ilimitado, pois não está de modo algum limitado pelo direito positivo anterior e, também, incondicionado, pois não tem que se submeter a nenhuma for-ma prefixada para sua manifestação. Nesse sentido, pode surgir de uma revolução, de um golpe, de um plebiscito ou de um referendo. Seria permanente por continuar existindo mesmo após concluir a sua obra, ou seja, não se esgotaria com a criação da nova Constituição.

Alguns autores ainda acrescentam que é um poder autônomo, por caber apenas ao seu titular a escolha do conteúdo a ser consagrado na Constituição. Nesse con-texto, mostra-se relevante a decisão do Supremo Tribunal Federal no bojo da ADI nº 815/DF. No seu julgamento, o tribunal entendeu não existir hierarquia entre as normas constitucionais originárias. Isto é, não seria possível que o STF, na sua tare-fa de zelar pela guarda da Constituição Federal, declarasse que determinadas nor-mas promulgadas pelo constituinte originário eram eivadas de inconstitucionalida-de, por terem conteúdo incompatível com o das demais normas constitucionais. Deste modo, o controle de constitucionalidade mostra-se possível, tão somente, em face do poder constituinte derivado.11

Os adeptos da teoria jusnaturalista afirmam que este poder seria ilimitado pelo direito positivo já que não é necessária a observância de qualquer regra anterior à nova constituinte, entretanto, existiriam limitações instituídas pelo direito natural. Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho: (...) Todas correntes estão de acordo em reco-nhecer que ele é ilimitado em face do Direito positivo (no caso a Constituição vigente até sua manifestação). A este caráter os positivistas designam soberano, dentro da con-cepção de que, não sendo limitado pelo Direito positivo, o Poder Constituinte não so-fre qualquer limitação de direito, visto que para essa escola de Direito somente é Direito quando positivo. Os adeptos do jusnaturalismo o chamam de autônomo, para subli-nhar que, não limitado pelo Direito positivo, o Poder Constituinte deve sujeitar-se ao Direito natural.12

Nesse mesmo sentido, Jorge Miranda distingue três categorias de limitações ma-teriais (ou substanciais) possíveis: transcendentes, imanentes e heterônomos.13

Os limites transcendentes são os que se prendem aos direitos fundamentais, in-terligados com a dignidade da pessoa humana, advindos do direito natural. Com base nesses limites, é possível se estabelecer o princípio da vedação ao retrocesso (“efeito cliquet”), o qual impede retrocessos na seara de direitos fundamentais já con-solidados. Exemplo: instituir na atual Constituição a proibição do voto feminino, presente no constitucionalismo brasileiro desde 1934.

Já os limites imanentes são impostos ao Poder Constituinte no que tange à es-trutura principal do Estado, à sua soberania e forma.

11. STF,ADInº815/DF,Plenário,Rel.Min.MoreiraAlves,j.28.03.96,DJ10.05.96.

12. FERREIRAFILHO,ManoelGonçalves.Curso de Direito Constitucional.22.ed.SãoPaulo:Saraiva,1995,p.23.

13. MIRANDA,Jorge.Manual de Direito Constitucional.4.ed.Coimbra:Ed.Coimbra,2000.t.II.

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Os limites heterônimos estão relacionados com o direito internacional, ou seja, às relações internacionais estabelecidas pelo país, bem como aos princípios, tratados e regras e demais obrigações que devem ser respeitadas.

1.8.  CARACTERÍSTICAS DO PODER CONSTITUINTE DERIVADO

O poder constituinte derivado, por sua vez, possui as seguintes características principais:

• Subordinado• Condicionado• LimitadoÉ subordinado, pois as suas manifestações (reformadora e decorrente) encon-

tram fundamento de validade na Constituição Federal e devem respeitá-la, sob pena de declaração de inconstitucionalidade. A exteriorização das espécies normativas ba-seadas nesse poder (emendas e normas constitucionais estaduais) deve ser realiza-da, em razão de seu condicionamento, em harmonia com a Constituição Federal e as suas limitações se fazem presentes de acordo com as normas que devem ser obe-decidas para sua elaboração, bem como ao conteúdo, que não pode desrespeitar o do texto constitucional principal.

1.9.  DIREITO ADQUIRIDO E AS NORMAS DO PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO E DERIVADO

O § 2º do art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro estatui: “Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou con-dição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”. Poderíamos então asseverar que o direito adquirido é aquele que já se incorporou definitivamente ao patrimô-nio e/ou à personalidade de seu titular.

De acordo com a liberdade jurídica do poder constituinte originário, não gera debates doutrinários ou jurisprudenciais a posição normalmente aceita de que não há direito adquirido em face das normas constitucionais originárias,14 diante de suas inúmeras características de ilimitações jurídicas. O Ministro Aliomar Baleeiro, so-bre o assunto, tem voto curioso: Uma Constituição pode fazer do quadrado, redondo, do branco, preto, segundo a velha fórmula dos juristas antigos.15

14. STF,ADInº248/RJ,Plenário,Rel.Min.CelsodeMello,j.18.11.93,DJ08.04.94.STF,REnº140.894/SP,PrimeiraTurma,Rel.Min.IlmarGalvão,j.10.05.96,DJ09.08.96.

15. STF,REnº74.284/SP,(Rel.Min.CarlosThompson),(Plenário),j.28.03.73;DJ 20.06.73,RTJ,66/220.

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Segundo o Supremo Tribunal Federal, a Constituição se aplica de imediato, al-cançando, sem limitações, os efeitos futuros de fatos passados. Essa eficácia recebe a denominação de “retroatividade mínima”.16 Nada impede, porém, haja retroação do texto constitucional, mas nesse caso deverá haver previsão expressa. Portanto, fri-se-se: o texto constitucional poderá retroagir, mas para isso é necessário que o legis-lador constituinte o determine expressamente; não havendo previsão expressa nes-se sentido, o texto constitucional alcançará apenas os efeitos futuros de fatos passados (regulando, de imediato, as prestações futuras de um contrato celebrado no passa-do, p. ex.) – a chamada retroatividade mínima. Como afirmam Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco: “O constituinte – e apenas ele – pode ex-cepcionar a incidência imediata de alguma de suas normas, por meio de cláusulas de transição, se entender que isso melhor consulta ao interesse da ordem constitu-cional.”17 Nesse sentido, por exemplo, o art. 41, § 2º, ADCT ressalva determinados direitos adquiridos (quais sejam, aqueles que tiverem sido adquiridos em relação a incentivos concedidos sob condição e com prazo certo) da nova regra constitucional.

Diferente é saber se o direito adquirido existe diante do que estabelece o chama-do constituinte derivado, de 2º grau, limitado, precisamente aquele que altera o or-denamento jurídico através das emendas constitucionais. Sobre o assunto, a doutri-na e a jurisprudência não compartilham da mesma opinião.

Na doutrina, José Afonso da Silva e Raul Machado Horta firmam posicionamen-to no sentido da possibilidade de invocação de direito adquirido em face das emen-das constitucionais. Para o primeiro doutrinador: a reforma constitucional não pode ofender direito adquirido, pois está sujeita a limitações materiais expressas, entre as quais está precisamente a de que não pode pretender abolir os direitos e garantias in-dividuais, e dentre estas está o direito adquirido.18 De acordo com o segundo jurista: o poder constituinte originário poderá, em tese, suprimir o direito adquirido, de modo geral, incluindo nessa supressão a regra que veda a lei prejudicial ao direito adquiri-do. No caso do poder constituinte de reforma, será questionável a emenda ou revisão

16. EMENTA:–Foroespecial.Prefeitoquenãootinhanaépocadofatoquelheéimputadocomocrime,estandoemcursoaaçãopenalquandodapromulgaçãodaatualConstituiçãoqueoutorgouaosPrefeitosforoespe-cial (art.29,VIII,daConstituiçãoFederal).–A Constituição tem eficácia imediata, alcançando os efeitos futuros de fatos passados (retroatividade mínima). Para alcançar, porém, hipótese em que, no passado, não havia foro especial que só foi outorgado quando o réu não mais era Prefeito – hipótese que configura retroatividade média, por estar tramitando o processo penal –, seria mister que a Constituição o deter-minasse expressamente, o que não ocorre no caso.–Poroutrolado,nãoédeaplicar-sesequeroprincípioque inspirouaSúmulanº394.Recursoextraordinárionãoconhecido. (Grifamos) (STF,REnº168.618/PR,PrimeiraTurma,Rel.Min.MoreiraAlves,j.06.09.94,DJ09.06.95.)

17. MENDES,GilmarFerreira;BRANCO,PauloGustavoGonet.Curso de Direito Constitucional.10.Ed.SãoPaulo:Saraiva,2015,p.114.

18. SILVA,JoséAfonsoda.“ReformaConstitucionaleDireitoadquirido”.Revista de Direito Admi nistrativo,n.213,1998,p.131.

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que propuser a supressão do direito adquirido assegurado pelo constituinte originário.19

Em sentido contrário, Celso Ribeiro Bastos e José Pinto Ferreira entendem pela impossibilidade de invocação de direito adquirido em face das normas constitucio-nais derivadas. Para o primeiro jurista: à emenda ou revisão, pela força de que está revestida de norma constitucional, cabe cassar os direitos adquiridos,20 e para o segun-do: a reforma constitucional pode revogar o direito adquirido, visto que tem eficácia revogatória completa.21

Em nosso entendimento, em que pese opinião de doutrina abalizada em senti-do contrário, é inegável a existência do direito adquirido em face das emendas cons-titucionais, principalmente em razão de três argumentos, a saber: a) a Constituição de l988, em seu art. 5º, XXXVI, assegurou o direito adquirido como uma garantia individual e a expressão “lei” deve ser entendida em sentido material, englobando todas as espécies normativas; b) os direitos e garantias individuais não podem ser abolidos ou sofrerem restrições por meio das emendas (art. 60, § 4º, IV, da CF/88), ficando clara a impossibilidade do poder de reforma violar tal preceito, por ser cláu-sula pétrea; c) como as emendas estão sujeitas ao controle de constitucionalidade, podem vir a ser declaradas inconstitucionais caso violem os direitos adquiridos.

O assunto, entretanto, não é também pacífico na jurisprudência. O Supremo Tribunal Federal, antes da promulgação da Constituição de 1988, decidiu pela ine-xistência de direito adquirido contra texto constitucional, resulte ele do poder cons-tituinte originário ou do poder constituinte derivado.22 Na vigência da atual Constituição, a Corte já se manifestou pela declaração de inconstitucionalidade de emenda constitucional que violasse direito adquirido.23

19. HORTA,RaulMachado.“ConstituiçãoeDireitoAdquirido”.Revista Trimestral de Direito Público n.1,1993,p.60.

20. BASTOS,CelsoRibeiro.Comentários à Constituição do Brasil.1.ed.SãoPaulo:Saraiva,1989,p.191.v.II.

21. FERREIRA,JoséPinto.Comentários à Constituição Brasileira.1.ed.SãoPaulo:Saraiva,1989,p.148.v.I.

22. STF,REnº94.414/SP,Plenário,Rel.Min.MoreiraAlves,j.13.02.85,DJ19.04.85.

23. STF,ADI939/DF,Plenário,Rel.Min.SydneySanches,j.15.12.93,DJ18.03.94,RDA198/123.

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2A NOVA CONSTITUIÇÃO E O

DIREITO ANTERIOR

2.1.  INTRODUÇÃO

Com a chegada de uma nova Constituição, inaugura-se um momento também novo na vida de um país e, por isso, faz-se imperiosa a análise sobre o que aconte-ce com as normas preexistentes, constitucionais e infraconstitucionais. Em nome da supremacia constitucional e da importância que a Constituição desfruta no ordena-mento jurídico, serão as normas que a precederam mantidas perante a nova ordem constitucional, ou perderão seus efeitos jurídicos?

Serão estudados, a seguir, os fenômenos da revogação global e da desconstitu-cionalização, acerca da influência da nova Constituição sobre o ordenamento cons-titucional anterior, e ainda a recepção (e a não recepção) e a repristinação, exemplos de fenômenos que podem ocorrer com as normas infraconstitucionais anteriores quando da chegada da nova Constituição.

2.2.  A TEORIA DA REVOGAÇÃO GLOBAL

No Brasil, entre um ordenamento constitucional novo e as normas constitucio-nais anteriores sempre se operou o fenômeno da revogação global, que significa di-zer que a Constituição nova revoga a Constituição que a antecedeu, deixando esta última de produzir seus efeitos jurídicos. Como são normas de mesma hierarquia e versam igualmente sobre matéria constitucional, aplica-se o princípio geral do direi-to no sentido de que a lei nova revoga completamente a anterior.

O fenômeno é simples de entender se considerarmos a instabilidade da vida po-lítica do país, num contexto que sempre oscilou entre regime ditatorial (civil ou mi-litar) com a pseudodemocracia. Nada impede, entretanto, que com base na

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