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Desafios à organização de redes de atenção à saúde
Rosana Kuschnir
Escola Nacional de Saúde Pública Fundação Oswaldo Cruz
Rosana Kuschnir
Regionalização e redes : primeiras propostas
• Primeiras propostas de regionalização a partir da discussão da área de abrangência de hospitais, em torno de 1860, na Inglaterra
• Ainda em 1890, foi proposta instância para coordenação de todos os hospitais e dispensários para provisão unificada de cuidado para um distrito
Rosana Kuschnir
Relatório Dawson - 1920
• Dawson tem o crédito de ter proposto pela primeira vez o esquema de rede
• Médico que trabalhou na organização de serviços de emergência na I guerra
• O primeiro Ministro da Saúde o nomeou coordenador de uma comissão para definir “esquemas para a provisão sistematizada de serviços médicos e afins que deveriam estar disponíveis para a população de uma área dada”
Rosana Kuschnir
Relatório Dawson - 1920
• Introdução/ Justificativa
“...só pode ser assegurada mediante uma organização nova e ampliada, distribuída em função das necessidades da comunidade. Tal organização é indispensável por razões de eficiência e custos, assim como para o benefício do público e da profissão médica”
Rosana Kuschnir
Relatório Dawson - 1920
• “Com a expansão do conhecimento, as medidas necessárias para resolver os problemas de saúde e as enfermidades se tornam mais complexas, reduzindo-se o âmbito da ação individual e exigindo, ao contrário, esforços combinados”
• “A medicina preventiva e a curativa não podem separar-se em virtude de nenhum princípio sólido e em qualquer plano de serviços médicos devem coordenar-se estreitamente”
Rosana Kuschnir
Relatório Dawson – 1920
• Serviços “domiciliares” apoiados por centros de saúde primários e auxílio de laboratórios, radiografias e acomodação para internação
• Nas cidades maiores, centro de saúde secundários, com serviços especializados no mínimo, clínica, cirurgia, gineco, oftalmo, otorrino
• Localização “de acordo com a distribuição da população e dos meios públicos de transporte” e com “as correntes naturais de fluxos comerciais e de tráfego” , variando “em tamanho e complexidade, segundo as circunstâncias”
Rosana Kuschnir
Relatório Dawson – 1920
• “os centros secundários vinculam-se a um hospital docente...Isto é conveniente, primeiro, em benefício do paciente... e, segundo, em benefício do pessoal adscrito aos centros de saúde, que poderiam assim acompanhar o processo em que interferiram desde o começo, familiarizar-se com o tratamento adotado e apreciar as necessidades do paciente depois de seu regresso ao lar”
• Considerando-se uma grande região, outros serviços especializados – saúde mental, p.ex- se relacionariam com os centros de saúde primários e secundários
Rosana Kuschnir
Relatório Dawson – 1920
• “para maior eficácia e progresso do conhecimento, deveria estabelecer-se um sistema uniforme de histórias clínicas; no caso de um paciente ser encaminhado de um centro a outro para fins de consulta ou tratamento, deve ser acompanhado de uma cópia de sua história clínica”
Rosana Kuschnir
Relatório Dawson – 1920
• “Todos os serviços – tanto curativos como preventivos – estariam intimamente coordenados sob uma única autoridade de saúde para cada área. É indispensável a unidade de idéias e propósitos, assim como a comunicação completa e recíproca entre os hospitais, os centros de saúde secundários e primários e os serviços domiciliares, independentemente de que os centros estejam situados no campo ou na cidade”
Rosana Kuschnir
Relatório Dawson – 1920
Apresentou, entre outros, os conceitos de:• Território• Populações adscritas, • Porta de entrada • Vínculo/ acolhimento• Referência • Atenção primária como coordenadora do cuidado
Rosana Kuschnir
Modelo baseado em Dawson
• Adotado por todos os países que instituíram sistemas nacionais de saúde
• Preconizado pela Organização Mundial de Saúde e pela Organização Pan-Americana de Saúde
• Relação intrínseca entre os princípios e a estratégia de regionalização
Rosana Kuschnir
Sistemas Nacionais de Saúde
• PRINCÍPIOS
• UNIVERSALIDADE
• EQUIDADE
• INTEGRALIDADE DAS
AÇÕES
• ESTRATÉGIA
• REGIONALIZAÇÃO
• HIERARQUIZAÇÃO
Rosana Kuschnir
Organização em redes• Redes: instrumentos para garantir acesso e
equidade • Numa população dada, são necessários mais
serviços de menor densidade tecnológica para cuidar das patologias mais comuns
• Não faz sentido imaginar territórios com base populacional pequena que ofertem toda a gama de serviços
• Questões de eficiência/ escala e qualidade é necessário concentrar serviços
Organização em redes• Como garantir acesso a todos? • Regionalização: regiões são territórios de base
populacional ampla, com auto-suficiência de recursos• Subdivididas em distritos, sub-regiões, micro-regiões,
também com auto-suficência (em menor grau)
• Mecanismos de referência entre níveis (e/ou territórios), alimentados por sistemas de informação e de transportes
• Questão central: auto-suficiência em cada nível
Organização em redes
• Para provisão de atenção integral, são necessárias formas distintas de organização de recursos, que obedecerão a critérios de escala, necessidade de concentração de recursos, qualidade, acessibilidade
• Na concepção de redes de atenção, a contraposição atenção primária x hospitais é falsa
Organização em redes
• A definição da rede não é feita a partir da definição de cada unidade
• Numa rede, não cabe a uma unidade apenas se auto-definir
• A soma das propostas de cada componente não forma a rede
• Organização de redes pressupõe planejamento/ definição de papéis/ perfis assistenciais que se complementem e dos fluxos a serem estabelecidos
Organização em redes
• Uma primeira questão: cobertura – relação entre oferta/ demanda/ necessidade
• Condição sine qua non para constituição de redes: capacidade instalada
• Planejamento e gestão do cuidado pensado de forma sistêmica e articulada e com instrumentos de gestão especificamente pensados
• Do contrário, vão se criando nós e gargalos : p. ex. UTI´s , atenção ao trauma, cuidado especializado
Organização em redes
• Gargalos não se resolvem com instrumentos de regulação
• Instrumentos de regulação são potentes ferramentas para gestão de redes mas não criam rede onde não existe
• Redes de atenção são definidas, planejadas e geridas a partir de espaços centrais/ regionais, necessariamente de forma participativa
Desafio à construção de redes e à regionalização
• Associar a organização do cuidado à gestão• Planejamento como base da pactuação e da elaboração de
contratos• Estabelecer a região como construção coletiva• Responsabilização coletiva pela saúde • Definir responsabilidade de cada município e de cada
unidade• Para isso, suspender as fronteiras e revisitar os
mecanismos que possibilitem a operacionalização do plano regional e as estratégias para esta construção coletiva
Atenção Primária na Rede
• A expectativa com relação à atenção primária:– Resolver maioria dos problemas de saúde da população– Porta de entrada do sistema– Garantir acesso– Garantir vínculo/ responsabilização– Acolhimento/ acompanhamento– Coordenação do cuidado– Ações de saúde coletiva/ intersetoriais/ ação sobre os
determinantes sociais
Atenção Primária na Rede
• Resolver maioria dos problemas
– Resolutividade não é um conceito abstrato– “Maioria dos problemas” varia de acordo com as
características de ocupação do território e o perfil epidemiológico
– Qualquer serviço/ nível de atenção resolverá apenas aqueles problemas para os quais está preparado
Atenção Primária na Rede
• Para uma APS resolutiva– Clarear as fronteiras da resolutividade da atenção
primária– Debater a idéia/ concepção da APS como um nível da
rede que cuida da promoção enquanto a “doença” deve ser tratada em outros tipos de unidade/ níveis de atenção
– A definição clara dos tipos de casos/ situações que devem ser cuidados e com que recursos e dotar a APS dos recursos necessários
Atenção Primária na Rede
• Para uma APS resolutiva:– Formação dos profissionais – sem formação clínica
específica e de peso, a APS pode focar na triagem/encaminhamento
– Desprecarização dos vínculos/ estratégias para enfrentar a competição predatória
– Garantia dos recursos necessários : instalações físicas/ condições de trabalho/ equipamentos/ medicamentos
– Garantia de acesso e articulação com outros níveis de atenção
Atenção Primária na Rede
• Porta de entrada/ vínculo/ responsabilização– Porta entrada não pode ser compreendida/ pensada
como porta giratória/ restritiva– Não é apenas o lugar onde o usuário acessa o sistema,
mas onde mantém o vínculo– Coordena e orienta as estratégias de cuidado– Em conjunto com centrais de coordenação do cuidado,
responsável pelo caminhar ao longo da rede, gerencia os itinerários (necessariamente pré-definidos)
Atenção Primária na Rede
• Garantia de acesso– Entrada no momento em que o usuário sente a necessidade– Enfrentar a questão da demanda programada X demanda
espontânea– Separação artificial oriunda da fase pré-SUS onde assistência à
saúde cabia ao INAMPS e os programas ao MS e secretarias– Contradiz a idéia de integralidade
Atenção Primária na Rede
“Pesagem todo dia e vacina todo dia, isso para mim não vai dar certo, ou faz uma coisa organizada, dia disso e dia daquilo ou então não faz nada. PSF tem que ter organização. Agora, o dia de fazer vacina é terça e quinta feira, manda uma pessoa vir na segunda feira porque não pode vir nos dias agendados... vira bagunça” (depoimento da técnica de enfermagem)*
*depoimento coletado em dissertação de mestrado desenvolvida na ENSP
Atenção Primária na Rede
• “O modelo do PSF é o modelo que trabalha com a prevenção e promoção e eles (a comunidade) ainda não entenderam isso. Eles acham que o médico é para ser procurado quando eles estão doentes, e não quando está com saúde para poder fazer um acompanhamento, para receber orientações, para tomar determinados medicamentos quando precisa, para poder permanecer com saúde” (médica)
*depoimento coletado em dissertação de mestrado desenvolvida na ENSP
Atenção Primária na Rede
“A gente tem muita dificuldade do paciente entender o que é PSF. Ele ainda não entendeu o que é PSF. Porque todo o dia a gente pega criança queimando em febre, gente ligando para cá dizendo que está passando mal em casa. Gente ligando para as meninas ver a pressão arterial. Gente,emergência não é PSF. PSF é consulta para justamente o paciente não adoecer, para ele ser acompanhado, isso é o que entendo de PSF. Mas a criança só vem quando ela está queimando de dor, está muito ruim, aí vem para o PSF “ (recepcionista).
*depoimento coletado em dissertação de mestrado desenvolvida na ENSP
Atenção Primária e Redesde Atenção
• Para que a APS cumpra seu papel o grande desafio: enfrentar os dilemas e rever concepções
• Grande desafio para garantia do direito à saúde: superar a fragmentação e constituir redes
• Não existe rede sem uma atenção primária que cumpra seu papel
• Não é possível uma atenção primária que cumpra seu papel sem a inserção numa rede de atenção.
“Para todo problema complexo existe uma solução simples, fácil – e errada”
H.L. Menckel (1880-1956)