18
4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016 DESAFIOS NA REQUALIFICAÇÃO URBANA E AMBIENTAL Parque das Lagoas do Norte, Teresina/PI DE PAAUW, ROBERT Arquiteto e mestre pela Escola Superior de Arquitectura de Barcelona, Diretor do escritório JANSANA, DE LA VILLA, DE PAAUW ARQUITETOS e Professor de Desenho da Paisagem e Infraestrutura Verde na Escola da Cidade, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, São Paulo Jansana, de la Villa, de Paauw, arquitetos Rua General Jardim 645, cj51. 01223-011 São Paulo [email protected] RESUMO Uma região de lagoas ao norte na cidade de Teresina, Piauí, é um lugar originalmente moldado pela natureza e suas dinâmicas hidrológicas e que foi ocupado, manipulado e remanejado pelo homem. Este território recebe os Projetos Básicos e Executivos das Obras de Requalificação Urbana e Ambiental das Áreas 2, 3 e 4, incluindo Plano de Reassentamento, na região de Lagoas do Norte e ainda em fase de andamento. A intervenção, de cunho urbanístico, paisagístico e social, se faz através dos protagonistas do lugar e no marco de um programa impulsado pela Prefeitura de Teresina com financiamento do Banco Mundial. O projeto busca celebrar o convívio entre a natureza e a cidade no que pode ser chamado um “parque habitado”, com enorme potencial para ativar a economia da região e se consolidar não apenas como um destino para negócios e tratamento hospitalar, mas também como destino turístico. A execução do projeto está a cargo do Consórcio Teresina Sustentável, composto pelos os escritórios Jansana, de la Villa, de Paauw Arquitetos, com sede em São Paulo e Barcelona, e MPB Engenharia, com sede em Florianópolis e Brasília. Palavras-chave: Àgua e barro; convívio e reequilíbrio sistêmico; conectividade territorial; parque ambiental habitado; quintal urbano de proximidade.

DESAFIOS NA REQUALIFICAÇÃO URBANA E AMBIENTAL …forumpatrimonio.com.br/paisagem2016/artigos/pdf/262.pdf · A execução do projeto está a cargo do Consórcio Teresina Sustentável,

Embed Size (px)

Citation preview

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

DESAFIOS NA REQUALIFICAÇÃO URBANA E AMBIENTAL Parque das Lagoas do Norte, Teresina/PI

DE PAAUW, ROBERT

Arquiteto e mestre pela Escola Superior de Arquitectura de Barcelona,

Diretor do escritório JANSANA, DE LA VILLA, DE PAAUW ARQUITETOS e Professor de Desenho da Paisagem e Infraestrutura Verde na Escola da Cidade, Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo, São Paulo

Jansana, de la Villa, de Paauw, arquitetos Rua General Jardim 645, cj51. 01223-011 São Paulo

[email protected]

RESUMO

Uma região de lagoas ao norte na cidade de Teresina, Piauí, é um lugar originalmente moldado pela natureza e suas dinâmicas hidrológicas e que foi ocupado, manipulado e remanejado pelo homem. Este território recebe os Projetos Básicos e Executivos das Obras de Requalificação Urbana e Ambiental das Áreas 2, 3 e 4, incluindo Plano de Reassentamento, na região de Lagoas do Norte e ainda em fase de andamento. A intervenção, de cunho urbanístico, paisagístico e social, se faz através dos protagonistas do lugar e no marco de um programa impulsado pela Prefeitura de Teresina com financiamento do Banco Mundial. O projeto busca celebrar o convívio entre a natureza e a cidade no que pode ser chamado um “parque habitado”, com enorme potencial para ativar a economia da região e se consolidar não apenas como um destino para negócios e tratamento hospitalar, mas também como destino turístico. A execução do projeto está a cargo do Consórcio Teresina Sustentável, composto pelos os escritórios Jansana, de la Villa, de Paauw Arquitetos, com sede em São Paulo e Barcelona, e MPB Engenharia, com sede em Florianópolis e Brasília.

Palavras-chave: Àgua e barro; convívio e reequilíbrio sistêmico; conectividade territorial; parque

ambiental habitado; quintal urbano de proximidade.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

O elemento

A Água

Atualmente a água é considerada como a mais maravilhosa das substâncias por suas

propiedades únicas. Segundo Boada e Maneja, ela é protagonista de processos vitais, de

forma que, sem ela, a vida não existiria. Porém, a água se encontra em um momento histórico

de dificuldades. Fala-se em “crise da água” essencialmente pelas diferentes alterações em

seu ciclo, assim como pelo acréscimo na sua demanda (BOADA, 2015, p.7).

Definitivamente, podemos afirmar que a razão de existir da região de Lagoas do Norte em

Teresina é pela água, pois ali se encontra a confluência entre os rios Poti e Parnaíba. Esse é

um contexto de grande vulnerabilidade ambiental. Sua configuração de planície fluvio-lacustre

com extensa área plana inundável foi alterada por diferentes intervenções hidráulicas nos

últimos 40 anos: construção de diques, sistema de interligação de lagoas (antigos braços de

rio), sistemas de controle de nível, etc.

A estação chuvosa provoca considerável elevação no nível das águas dos dois rios,

especialmente no mês de abril, marcado por chuvas torrenciais. Essa elevação resulta no

extravasamento dos leitos e, consequentemente, na inundação da planície formada na

confluência fluvial. Trata-se de um fenômeno natural, inerente a muitas outras regiões

ribeirinhas. Na região de Lagoas do Norte, no entanto, a ocupação urbana desordenada tem

acarretado acentuação e descontrole dos processos naturais, com efeitos nefastos à

qualidade de vida da população.

Encontro dos rios: à esquerda, o Rio Parnaíba, e à direita, o Rio Poti. Foto: Eduardo Crispim, 2012.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

O passado

A história do lugar

Teresina foi a primeira capital brasileira planejada, ainda durante o reinado de Dom Pedro II.

Seu nome faz homenagem à emperatriz Tereza Maria de Bourbon, que teria sido mediadora,

junto ao imperador Dom Pedro II, para que a cidade viesse a se tornar a capital do Piauí em

detrimento de Oeiras, até então sede administrativa localizada no sertão do estado. Teresina,

diferentemente, tinha uma localização mais central e próxima aos rios navegáveis Parnaíba e

Poti, podendo estabelecer o contato com o litoral, fundamental para melhoria na atividade

comercial.

O primeiro assentamento do que hoje se conhece por Teresina data de 1760 e se localizava

precisamente à beira do rio Poti, no lugar onde acontece a sedimentação do próprio rio

quando ele se encontra com o Parnaíba. Ali se formam as lagoas do norte da cidade por efeito

de fechamento dos distintos braços de rio, onde pescadores, canoeiros e plantadores de fumo

e mandioca fizeram suas moradias.

No entanto, quando o governador Saraiva constatou que o local à beria dos rios estava sujeito

à instabilidades inerentes à área de várzea com enchentes e epidemias palustres, designou

um local um pouco mais a sul para emprender a nova cidade. Esse novo lugar foi chamado de

Vila Nova do Poti e, posteriormente, a cidade foi rebatizada como Teresina. O traçado da

cidade planejada pelo mestre João Isidoro França começou na atual Praça da Bandeira com a

Igreja de Nossa Senhora de Amparo, padroeira dos Teresinenses.

Ainda com todos os problemas ligados às enchentes periódicas, Vila do Poti não ficou

desabitada. Ao contrário, sua ocupação foi crescendo e é hoje o bairro mais antigo da capital,

conhecido como Poti Velho. Junto a outros 12 bairros, ele integra a área de intervenção do

Programa Lagoas do Norte, que tem aproximadamente 1.300ha e cerca de 100.000

moradores com carência de infraestrutura de saneamento básico.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Áreas de intervenção: os 13 bairros de Lagoas do Norte. Imagem: Prefeitura de Teresina, 2005.

As necessidades

Programa Lagoas do Norte

O Programa de Melhoria da Qualidade Ambiental Lagoas do Norte da Prefeitura de Teresina

está em andamento desde 2008 e possui financiamento do BIRD. Ele busca contribuir para o

desenvolvimento sustentável dessa parte da cidade através de um conjunto de ações

integradas, interrelacionadas e tecnicamente planejadas, visando a implantação de um

processo estruturado de intervenção na realidade local.

Assim, o programa prevê o desenvolvimento econômico, social e ambiental sustentável,

incluindo: a Modernização da Gestão Municipal, o Desenvolvimento Econômico e Social

através de ações sociais de geração de emprego e renda, a Requalificação Urbana e

Ambiental com a urbanização da região; Reestruturação do Sistema Viário; Reurbanização

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

dos Bairros da Região incluindo arborização e iluminação de calçadas; Melhorias

Habitacionais; Loteamentos para reassentamento; Novos conjuntos habitacionais e

infraestrutura; Reabilitação de equipamentos comunitários; Implantação de Parques Urbanos;

Novos equipamentos comunitários; Avaliação Ambiental das Intervenções e Atualização do

Plano de Reassentamento Involuntário (PRI). Além disso, engloba também a Melhoria e

Implantação da Infra-estrutura de Saneamento Ambiental com: a Melhoria do Sistema de

Abastecimento de Água; Implantação do Sistema de Esgotamento Sanitário, incluindo Plano

de Adesão da população atendida; Plano de operação e manutenção dos equipamentos e

infraestrutura implantados com análise de fontes de financiamento; Drenagem Urbana;

Melhoria do Sistema de Macrodrenagem das Lagoas e Recuperação de Áreas Degradadas.

As necessidades são tantas que este desafio representa uma oportunidade única para que,

no processo de desenvolvimento, os diferentes especialistas envolvidos trabalhem a partir de

uma transversalidade profissional e que a interdisciplinaridade consiga um resultado

integrado, sólido e coeso. Desta formula depende o êxito da operação.

Ao poder público, em seu papel indutor do desenvolvimento econômico, social, urbano e

ambiental para a redução das desigualdades urbanas, cabe a prerrogativa de definir a divisão

social e simbólica do espaço, as normas de uso e ocupação do solo, os tipos de construção

adequadas à saúde, bem como os espaços para equipamentos e serviços urbanos e para

preservação ambiental.

Os equilíbrios

Renaturalização versus ocupação e atividade extrativa

Uma realidade onipresente é a ambiental. O projeto urbanístico define o território como um

Parque Ambiental Habitado. Sendo assim, ele tem como desafio fazer a interface entre a

cidade e a natureza, já que uma esta inserida na outra em um equilíbrio atualmente precário e

claramente desestabilizado.

A cidade, com as atividades humanas do dia a dia, pressupõe uma carga excessiva,

sobretudo pela ausência de infraestrutura urbana adequada. Já a Natureza, submetida às

agressões da urbe, está bem representada pelos magníficos corpos d’água das lagoas,

porém, poluídos e parcialmente aterrados, com proliferação de vegetação antrópica e sinais

de fauna local sobrevivente, mas em condições de extrema poluição.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

A ocupação da região de Lagoas do Norte, por ser uma área complicada pelas enchentes

recorrentes, se deu paulatinamente e informalmente por famílias de baixa renda. Além dos

assentamentos irregulares, esse território também foi enormemente prejudicado pela

atividade oleira descontrolada que ocupou a região a partir da década de 1950, por ela possuir

argila de boa qualidade e água em abundância. A partir dessa ação rudimentar, a paisagem

natural sofreu profundas mutações. O processo de extração da argila irregular para produção

de ceramica vermelha (tijolos e artesanato) criou cavas e depressões no solo, quando não

modificando os limites das lagoas. Somado a isso, temos a ocupação e aos aterros informais

gerou uma intensa degradação ambiental. Das 34 lagoas existentes na região, restaram

apenas 12.

Assim, como medida urgente, o Programa Lagoas do Norte atuou logo de ínicio com a

desativação das olarias irregulares existentes na região, mantendo apenas olarias

controladas pelo atual Polo Cerêmico, localizado no bairro de Poti Velho. Os trabalhadores

que se viram prejudicados por isso puderam fazer cursos profissionalizantes em outras áreas,

realizados pela Prefeitura como parte do Programa, ou também participar da Olaria Ecológica

inaugurada, onde se produz em cooperativa de tijolos ecológicos.

Paradoxalmente, as lagoas ainda existentes ficam aparentes apenas na vista aérea, já que

estão escondidas atrás das ocupações informais, não podendo ser vistas a partir das ruas da

cidade. A malha urbana tem crescido ao redor das margens dessas lagoas, dando as costas

para elas, despejando ali esgoto sem restrições. Também foram determinantes para a

degradação ambiental da região os aterros clandestinos que redesenharam o contorno

geográfico, sempre “mutante”, das margens em busca de “fabricar” lotes onde não existia

solo, sempre com o intuito de construir habitações informais ou agregar mais um pedaço de

terreno nos fundos do quintal para uso privado. Assim, as lagoas são espaços

ambientalmente sensíveis, muito maltratados, que desde o início do projeto se busca

resgatar, preservar e dar um uso voltado para toda a sociedade, para o bem comum, em

harmonia com o meio ambiente.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Condições precárias: à esquerda, esgoto a céu aberto, à direta acima, aterros irregulares para

construção informal, e abaixo, cágados nadam em canal poluído. Imagens: acervo pessoal, 2014.

Se faz indispensável, então, reverter essa situação, conciliando paisagem física com

ocupação/ação humana. Uma ferramenta local usada é a renaturalização, isto é, o

estabelecimento de comunidades vegetais adequadas para estes ambientes. Da-se ênfase

especial na sequência que se criará desde a área mais próxima às moradias e vias com

tráfego até as águas das lagoas, determinando um gradiente de renaturalização desde a

realidade mais urbana até a mais rústica e selvagem. O intuito é consolidar a convivência

entre o ser humano e as espécies de fauna que ali vão se estabelecer ou já estão

estabelecidas.

Outras ações importantes para o processo de renaturalização é a indução de programas

educativos ambientais determinantes, pois incentivará os hábitos culturais conscientes e a

mudanças de hábitos urbanos que deterioram o meio-ambiente. Assim, o apoio às hortas com

um programa adequado, por rexemplo, é fundamental, pois convive perfeitamente com o meio

circustante, uma vez que controlado por uma exploração responsável do solo.

Os desafios do projeto

As identidades, o resgate e a revitalização do turismo

Para que um território seja entendido, respeitado e lembrado é muito importante resgatar as

identidades que ali convergem. Para isso, se faz necessário achar o conjunto de estratégias

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

que não permita que essas identidades se percam. Uma intervenção urbana abrangente

como esta é a conjuntura perfeita para estabelecer e consolidar as linhas de trabalho.

Desde a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural da Unesco,

aprovada em 1972, e a resolução do Comitê do Patrimônio Mundial de 1992, onde foram

reconhecidas “as interações significativas entre homem e o meio natural” como paisagens

culturais, se pode destacar o ponto referente ao “sentido de identidade e pertencimento da

população que habita ou trabalha no território abrangido pela paisagem”. Lagoas do Norte é

exponente de uma das atividades mais tradicionais de Teresina: o trabalho com o barro dos

ceramistas, atividade que deu nome à maior lagoa que ainda existe na região, a Lagoa dos

Oleiros. O atual Polo Cerâmico concentra ainda a cooperativa dos artesãos e é um dos

maiores atrativos turísticos na área junto ao Parque do Encontro das Águas dos dois rios.

Porém, apesar de ser uma atividade controlada, as condições de salubridade e segurança de

trabalho ali não são adequadas, inclusive por se encontrarem em área alagável. Assim, o

Programa contempla não só uma nova localização para os artesãos, mas também a

construção de um novo prédio destinado à atividade. A intenção é que nesse novo polo se

possa ver não apenas o produto cerâmico finalizado, mas também todo o processo de

manipulação do barro, passando pelas etapas de trabalho manual, forno e produto acabado.

Atividade oleira no atual Pólo Cerâmico de bairro de Poti Velho. Fotos: acervo pessoal, 2014.

A proposta urbanística do Programa também busca reconhecer a realidade da tradição oleira

com a iniciativa de implantação do Museu do Barro. O equipamento ocupará um lugar bem

central e representativo, diante de uma das novas praças projetadas na requalificação do que

virá a se chamar Polo Turístico.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

O Polo Turístico é uma porção de território no último trecho do rio Poti, pouco antes de

desembocar no Parnaíba, entre o Parque do Encontro das Águas dos rios e o atual Polo

Cerâmico. Esta fração de território tem uma atenção diferenciada no projeto, pois deve dispor

de uma diversificada oferta de atividades tanto para o visitante quanto para o morador da

área, que una incentivos à interpretação dos atrativos da paisagem, disposição de espaços de

lazer, potencialização da cultura e da tradição, além de equipamentos esportivos.

Polo Turístico: acima, a situação atual, e abaixo, o projeto urbanístico. Imagens: JDVDP, 2015.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

O projeto desvia o último trecho da Av. Boa Esperança, principal via de acesso da região das

lagoas vindo a partir do centro da cidade (a sul), aproveitando sua duplicação. Esse desvio

acontece a uma distância aproximada de 200 metros do rio Poti, reservando uma ampla

porção de solo para abrigar todas as atividades necessárias no local, enquanto afasta o futuro

volume de carros que irão passar por ali. Na via remanescente se consolida um calçadão com

tratamento cívico, onde o pedestre é o protagonista. Como esse pedaço da antiga avenida se

localiza em cima de um dique, nele se consolida um mirante perante o rio Poti (ponto ao

extremo noroeste na imagem acima) e a nova área criada para polo (mais abaixo),

aproveitando-se o talude do dique para integrar uma arquibancada ao longo do mesmo.

A oferta inclue ainda do lado esquerdo da avenida, sentido sul-norte, estacionamentos,

reforma do atual parque do Encontro das Águas, novas áreas de brinquedos ao ar livre para

crianças, mirante panorámico 360º da região, reconversão de um pavilhão existente em

restaurantes, urbanização do calçadão, balanços para o rio Poti, bares, parque para lazer,

feiras e shows, Museu do Barro, fonte interativa, edifício administrativo, quadras cobertas para

badminton, tênnis e poliesportiva, quadra poliesportiva de areia descoberta, espaço para

parcour, nova área para o Polo Cerámico, além de praças, jardins, arborização e iluminação.

Já do lado direito da Av. Boa Esperança desviada, sempre sentido sul-norte, estão previstos

àrea institucional com um Centro de Convenções, restaurantes na beira da Lagoa de Oleiros,

praças e um skate park.

Polo Turístico: à esquerda, arquibancada, e à direita, calçadão em balanço. Imagens: JDVDP, 2015.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Polo Turístico: à esquerda, vista aérea do local, e à direita, fonte interativa. Imagens: JDVDP, 2015.

Polo Turístico: mirante. Imagens: JDVDP, 2015.

Conexões urbanísticas

Conectividade Ambiental

A área de trabalho apresenta um território que tem se desenvolvido no sentido longitudinal

sul-norte. Porém a relação transversal leste-oeste tem sido sistematicamente esquecida, às

vezes por conta das prórpias lagoas que impõem limites territorialmente bem específicos por

natureza, complicando as relações nesse sentido. O projeto, então, visa estabelecer uma

maior permeabilidade transversal do território através da consolidação de uma “rede cívica”

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

de conexões com prioridade para o pedestre e a bicicleta através de caminhos, passarelas,

ciclovias e vias que relacionem todos os atrativos que cada área tem a oferecer.

Por sua vez, com o intuito de dar maior visibilidade às lagoas desde as ruas da cidade e poder

aprimorar a relação ruas/lagoas, o projeto tem trabalhado o conceito de apertura de “janelas

urbanísticas” em pontos estratégicos. Estas operações incluem a remoção de moradias para

criar praças de contato entre a rua e os passeios das orlas requalificadas das lagoas. Estas

praças vem a representar cenários de atividades e funcionam como autênticas aberturas para

as lagoa, cuja visibilidade convida a combinar os deslocamentos dos moradores tanto pela

rua, quanto pelas orlas das lagoas, pois a distância aproximada entre elas é de 100 metros.

Estas novas plataformas urbanas tem a vocação de funcionar como espaços públicos de

proximidade para os moradores, razão pela qual estão provistas de mobiliário urbano

(brinquedos para crianças, pistas de skate, arquibancadas e anfiteatros) ou simplesmente

espaços vazios com arborização e iluminação, a fim de promover a apropiação temporal

desses lugares pelas iniciativas culturas locais da comunidade, como, por exemplo, a

capoeira.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Janelas Urbanísticas: articulação entre lagoas. Imagens: JDVDP, 2015.

Uma das principais diretrizes do trabalho é a macrodrenagem superficial. A engenharia

hidráulica determina as cotas de inundação (pontos máximos de enchente) das lagoas

através de uma série de estudos hidrológicos e simulações. A partir dessas cotas, as margens

das lagoas podem ser trabalhadas urbanística e paisagisticamente e se consolidar como

novas frentes para todos os bairros lindeiros. Um “quintal urbano” com a devida proximidade

para a população, que atende as necessidades dos locais e de outros visitantes. Isso

possibilita uma configuração de fachada nos atuais “fundos” das moradias através das

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

melhorias habitacionais, inclusive com acesso das casas diretamente às orlas, iniciativa

também do programa. Essa é uma oportunidade também singular para melhorar as conexões

entre bairros através de passeios e ciclovias, além de vias de costura para eventuais ruas sem

saída.

Em visitas ao local, a partir dos diferentes levantamentos e diagnósticos, se constatou que as

características de cada uma das lagoas é diferente. Isso permite a implantação de diversos

ambientes, visando o restabelecimento dos equilíbrios ambientais que irão conviver com

outros usos culturais e esportivos perfeitamente compatíveis. Passeios de orla nas margens

das lagoas dialogam com a natureza, organizando circuitos de caminhada.

Por isso, não só a infraestrutura urbana pesada tem um papel relevante no desenho do

território. A infraestrutura verde, através da arborização urbana, também vai contribuir para o

conforto ambiental desta rede, buscando a consolidação de “corredores de sombra” que

protejam o pedestre e o ciclista que se locomovem por ali e os acolham com melhores

condições de temperatura, mitigando as ilhas de calor.

Conectividade viária e fluvial

A duplicação da Av. Boa Esperança assegurará a relação com o centro da cidade de maneira

mais cômoda e com maior segurança viária. Essa avenida, implantada sobre o dique,

possibilitará um trajeto visualmente agradável com vista tanto para o Rio Parnaíba como para

as lagoas. Sendo parte integrante das condições paisagísticas privilegiadas, a avenida será

tratada com elementos de “traffic-calming” para assegurar o conforto ambiental adequado em

uma área com o meio-ambiente especialmente sensível.

Para isso lembramos a importância que as margens dos rios possuem para consolidar a

conectividade dos sistemas ambientais. Assim, a proposta leva em conta a intervenção nos

caminhos de orla, criados através do tempo pelos pescadores da região, com a finalidade de

amarrar essa relação de transversalidade da região tanto com o rio Parnaíba como com o

parque criado. Entre o Rio Parnaíba e o dique da Av. Boa Esperança já existem hortas que

passam a compor o sistema ambiental.

Bolsões de estacionamento são propostos para atender a demanda dos diferentes eventos

que possam ser realizados nas áreas previstas. Também são trabalhados estacionamentos

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

próximos aos lugares atrativos para atender demandas mais pontuais, assim como a atenção

às necessidades aos portadores de necessidades especiais.

A disposição dos cais nos rios pode consolidar a conectividade na área tanto para o morador,

quanto para o visitante. Os cais serão lugares de contemplação e de possível mobilidade

hidroviária com a intenção de que a população redescubra as orlas dos rios a partir de

diferentes perspectivas.

Masterplan de Lagoas do Norte. Imagem: JDVDP, 2015.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Todas estas ações não conseguem se formalizar sem um planejamento que possa priorizar

as intervenções a serem implantadas. Assim, o documento base de implantação do projeto se

materializa através de um masterplan que da visibilidade ao critério principal de trabalho: as

conexões para conseguir encorpar e consolidar todos os potenciais que existem na área, seja

se tratando de pessoas ou do meio ambiente. Isso quer dizer reequilibrar a convivência entre

todos os elementos para se atingir a harmonia entre os sistemas.

As pessoas

Remoções, plano de reassentamento e novos loteamentos

O projeto contempla a remoção e o reassentamento de famílias. Esta remoção obedece a

várias causas, mas objetiva principalmente a redução da ocupação em áreas de risco. Por sua

vez, o desenvolvimento do projeto tem acrescentado outros motivos de remoção de moradia

por: cota de alagamento, proximidade ou localização sobre dreno, abertura de vias,

precariedade construtiva, urbanismo, poligonal de afetação por Área de Proteção Permanente

(APP).

Para efetivar essas remoções, o programa contemplou a elaboração de um Plano de

Reassentamento Involuntário (PRI), seguindo as Políticas Operacionais do BIRD. Após a

definição da quantidade de remoções, foi realizado o estudo de domínio fundiário dos terrenos

para avaliar se eram públicos ou não e assim determinar quais deles podiam ser aproveitados

para a construção das novas habitações sociais, todas no padrões do programa Minha Casa

Minha Vida (MCMV).

Sendo conhecidos os terrenos públicos, foi possível projetar os loteamentos necessários para

atender os afetados com as remoções e que optaram pelo reassentamento. Foi estimado o

custo de implantação para cada um dos loteamentos proposto, mas esse fator não é o único a

ser levado em conta. A distância em relação à área original da população removida é uma

importante determinante, já que o intuito é não desestruturar socialmente os vínculos já

criados pelos moradores na região antes de serem removidos.

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Conclusão

O envolvimento em um projeto destas caraterísticas, com tamanhas dimensões territoriais,

permite ter uma visão global das problemáticas que ali se concentram para compreender

quais são as prioridades e ações a serem tomadas. Começando pelo Planejamento

Urbanístico em forma de Masterplan, se pode estabelecer as fases de intervenção conforme

as urgências. Este documento é imprescindível para que o poder público possa se organizar e

definir quais obras realizar e em quais momentos.

No que diz respeito à implantação do projeto ambiental, para que se tenha sucesso, é

absolutamente necessário organizar um plano de impacto acerca da Educação Ambiental,

necessário para dialogar com os moradores e explicar quais são os processos que estão

sendo lançados na região. Assim, a população é estimulada a modificar alguns de seus

hábitos danosos ao meio-ambiente e adquirir outros hábitos importantes.

Por outro lado, para a gestão dos novos espaços livres públicos, é preciso definir o perfil do

gestor desses espaços, podendo recair tanto em mãos da administração pública como

privada. O dimensionamento desse trabalho de gestão e manutenção do território após a

implantação do projeto é de vital importância, já que isto garante o futuro e êxito do mesmo.

Ficha Técnica

Prêmios Programa Lagoas do Norte

Selecionado 2ª fase World Habitat Awards 2016-2017

9ª edição do Prêmio Melhores Práticas em Gestão Local, Caixa Econômica Federal

Cliente

Prefeitura Municipal de Teresina PMT

Secretaria Municipal de Planejamento e Coordenação – SEMPLAN

BIRD-Banco Mundial

Arquitetos

Jansana, de la Villa, de Paauw Arquitetos

Parceiros

MPB Engenharia

4O COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO Belo Horizonte, de 26 a 28 de setembro de 2016

Área de projeto

1.300 há

Referências

BIRD-Washington. Termo de Referência: SOLICITAÇÃO DE PROPOSTAS SBQC N° 05/2010. Elaboração dos Projetos Básicos e Executivos das Obras de Requalificação Urbana e Ambiental das Áreas 2, 3 e 4, incluindo Plano de Reassentamento, no Município de Teresina-PI. Programa Lagoas do Norte-Teresina/PI. Acordo de Empréstimo nº 7523-BR.

BOADA, Martí e MANEJA, Roser. El Agua y la vida, cooperación en la Esfera del Agua.

2013. Editorial Lunwerg. Barcelona.

Histórico de Teresina. Disponível em:

<http://semplan.teresina.pi.gov.br/historia-de-teresina/>. Acesso: agosto de 2016.

Portal da Prefeitura de Teresina. Disponível em: <http://www.teresina.pi.gov.br/>. Acesso:

julho de 2016.

RIBEIRO, Rafael Winter. Paisagem Cultural e Patrimônio. Série Documentação e Pesquisa

do IPHAN. Rio de Janeiro, IPHAN, 2007.