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Tese de doutorado acerca do desenvolvimento dependente latino americano no século XXI
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLNDIA
PRISCILA SANTOS DE ARAUJO
DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE LATINO-AMERICANO NO SCULO XXI -
Desigualdade e Padro de Reproduo
UBERLNDIA
2013
PRISCILA SANTOS DE ARAUJO
DESENVOLVIMENTO DEPENDENTE LATINO-AMERICANO NO SCULO XXI -
Desigualdade e Padro de Reproduo
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Economia, da Universidade Federal de Uberlndia, como requisito parcial para a obteno do Ttulo de Doutora em Economia. rea de Concentrao: Desenvolvimento Econmico. Orientador: Prof. Dr. Niemeyer Almeida Filho.
UBERLNDIA
2013
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)
Sistema de Bibliotecas da UFU, MG, Brasil.
A663d 2013
Araujo, Priscila Santos de, 1980-
Desenvolvimento dependente latino-americano no sculo XXI :
desigualdade e padro de reproduo / Priscila Santos de Araujo. - 2013.
264 f. : il.
Orientador: Niemeyer Almeida Filho.
Tese (doutorado) Universidade Federal de Uberlndia, Programa de
Ps-Graduao em Economia.
Inclui bibliografia.
1. Economia - Teses. 2. Desenvolvimento econmico - Teses. 3.
Capitalismo - Amrica Latina - Teses. I. Almeida Filho, Niemeyer.
II. Universidade Federal de Uberlndia. Programa de Ps-Graduao em Economia. III. Ttulo.
CDU: 330
Dedico este trabalho a todos aqueles que destinam parte
de suas vidas aos estudos da Teoria Marxista da
Dependncia.
AGRADECIMENTOS
Expressar meu sentimento de agradecimento por aqueles que me acompanharam durante o
desenvolvimento desta tese tarefa difcil. Primeiro, porque, durante o doutorado, muitas
mudanas ocorreram, casei-me, mudei de casa, passei em concurso, mudei de cidade, voltei
e mudei novamente de trabalho. Nesse caminho, muitas pessoas me ajudaram e deram
fora para que eu no desistisse no meio do caminho. Entre elas, devo um agradecimento
especial ao meu orientador, profxessor Niemeyer, que, em alguns momentos, foi alm das
tarefas de um mestre, apoiando-me assim como um pai ou um amigo. Mesmo diante das
minhas limitaes e dvidas do caminho percorrido, sempre esteve disponvel com valiosas
crticas e verdadeiras aulas a cada reunio. Levarei para minha vida seus ensinamentos, sua
dedicao e compreenso.
Agradeo aos professores Carlos Alves, Mathias Seibel pelas contribuies ao trabalho, na
ocasio da banca de qualificao e pelo aceite em participar da banca de defesa da tese,
juntamente com os professores Jos Rubens e Elizeu Serra.
Este trabalho tambm fruto dos grandes ensinamentos que tive desde a graduao em
Vitria/ES. Aos professores do departamento de Economia da UFES agradeo, em especial,
aos professores Reinaldo Antnio Carcanholo (em memria), Maurcio Sabadini e Paulo
Nakatani, que me apresentaram s discusses no campo marxista. Aos professores que tive
no Instituto de Economia da UFU Prof. Carlos Alves, Prof. Cesar Ortega, Prof. Flvio Vilella,
Prof. Henrique Neder, Prof. Jos Rubens, Prof. Marcelo Carcanholo, Profa. Marisa Botelho e
Profa. Vanessa Petrelli agradeo pelo grande peso que deram minha formao.
Agradeo aos colegas da turma do Doutorado 2009 Clsio Marcelino, Ester William,
Jucyele Cardoso, Michelle Borges e Nilton Csar , apesar dos poucos momentos que
passamos juntos, foram brilhantes as discusses em sala de aula. Agradeo, ainda, minha
querida amiga Karine Obalhe, pela ateno, companheirismo e contribuio no tratamento
dos dados do primeiro captulo.
Aos colegas do IFGoiano e do IFTM, especialmente, Prof. Breno Augusto, Prof. Bruno
Arantes, Profa. Diane Belusso, Profa. Elisa Antnia, Profa. Iraci Joo, Prof. Jos Carlos, Profa.
Miriellen e Profa. Sabrina de Cssia.
Devo prestar meus agradecimentos especiais minha famlia. Meu pai Luiz Augusto, minha
me Schirley Affonso, pela educao que me deram e pela compreenso da minha ausncia
em tantos momentos importantes. minha irm Dbora, espero ser um exemplo da
importncia de se estudar para ser algum na vida, ensinamento que nossos pais tanto
prezam. s minhas sobrinhas, Jlia e Caroline, ao meu irmo Marco Aurlio, agradeo o
carinho, e aos meus avs, tios e primos, pelo apoio de sempre.
famlia Santos que me adotou nos ltimos anos, D. Luci, Sr. Randolfo, Raphael, Randolfo
Jnior e Ana Jlia, devo agradecer pelo apoio e ateno. Sem a comidinha mineira da D. Luci,
eu no teria sade para terminar essa tese. Agradeo de forma particular ao meu amor
Ricardo Jos, que acompanhou todos os meus medos, angstias e dvidas durante toda essa
jornada. Abriu mo da sua prpria vida para viver comigo os desafios de fazer uma tese do
doutorado. Seu amor e sua generosidade so algo que me faz admir-lo ainda mais. Muito
obrigada.
No quero me ver pleno e cheio de certezas
Prestes a explodir em um golpe seco
Permitam-me celebrar dvidas
Ilimites
O desprendimento de meus sapatos cansados
De tantos caminhos prticos
De tantas muralhas
Fossos e drages (DOS SANTOS JR., 2011).
Hemos planteado que la dependencia es una relacin de subordinacion politica entre naciones
capitalistas. Desde otro punto de vista, ella corresponde a una forma peculiar de capitalismo, que
surge en base a la expansion mundial de un sistema que configura diversas formas de explotacion. El
capitalismo dependiente representa, en ese contexto, un tipo de capitalismo en el cual, dadas las
relaciones de clases que all se establecen, basadas en la superexplotacin del trabajo, las
contradicciones se hacen ms agudas, configurndolo pues como el "eslabn debil" del sistema. Es
por ello que a ms desarrollo capitalista dependiente, ms contradicciones sociales y mayor
desarrollo de la lucha de clases (MARINI, 1993).
RESUMO
Esta tese sustenta, essencialmente, a existncia de desigualdade na estruturao do sistema capitalista. Esta desigualdade constitutiva de determinaes histricas das formaes sociais capitalistas, que so organicamente conformadas em um sistema global, hierarquizado e combinado, que tende a reproduzir-se. O foco principal sobre as formaes sociais latino-americanas, sua natureza e insero global. A motivao para a escolha do tema surgiu quando o Banco Mundial apresentou em 2011 uma interpretao da evoluo da Crise do Subprime. A ideia defendida apontava para uma mudana significativa na estrutura da economia mundial, com algumas economias em desenvolvimento assumindo funes de liderana na determinao da dinmica global. Nossa argumentao diversa, recuperando elementos centrais da interpretao de Marx a respeito da natureza do capitalismo e de autores da Teoria Marxista da Dependncia que desenvolveram e aprofundaram essas suas proposies no tratamento concreto da Periferia. Assim, o objetivo principal discutir a natureza do desenvolvimento dependente latino-americano como um desdobramento prprio da estrutura desigual do sistema capitalista mundial. No contexto do capitalismo contemporneo, no h alteraes da condio internacional das economias latino-americanas, pois so pases que alimentam o capitalismo do centro do sistema ao mesmo tempo em que esto condicionados a eles. Na atual fase, deixaram de ser exclusivamente fornecedores de matrias-primas, pois diversificaram a sua indstria, mas mantiveram essencialmente um padro de reproduo pautado nas exportaes de bens primrios complementando-as com bens mais sofisticados. Esses elementos mantm uma dinmica interna limitada, pois a forma de compensao dessa transferncia continua sendo pela superexplorao, conservando as dificuldades da realizao da produo do valor. Diante desse quadro, indicamos que se mantm a organicidade do sistema capitalista e uma desigualdade econmica e social, intrnseca s economias perifricas. Essa a natureza das economias dependentes latino-americanas. Assim, a partir da trilha aberta pelos tericos da Teoria Marxista da Dependncia essa tese contesta a perspectiva do campo dominante da economia que reala os avanos do capitalismo e dissimula os seus percalos, como uma conquista aberta a todos os pases.
Palavras-Chave: Dependncia. Desenvolvimento. Desigualdade. Organicidade.
ABSTRACT
This thesis supports basically the existence of inequality in capitalist system structure. This inequality is constitutive of historical determinations of capitalist social formations, which are organically formed into a global, hierarchical and combined system which tends to reproduce itself. The main focus is towards Latin-American social formations, their nature and global insertion. The motivation of choosing this theme arose when the World Bank presented, in 2011, an interpretation of the evolution of the Subprime Crisis. The defended idea pointed to a significant change in worldwide economy structure when several developing economies assumed leadership roles in determining the overall dynamics. Our argument is a different one, recovering main elements of Marxs interpretation concerning to capitalism nature as well other authors on Marxist Dependence Theory, who developed and deepened these propositions in their concrete treatment of Periphery. Thus, the aim of this study is to discuss the nature of Latin American dependent development as an offshoot of the unequal structure of the world capitalist system. In the context of contemporary capitalism, there is no modification in the international condition of Latin American economies, because they are countries that fuel the capitalism of the central system at the same time that they are conditioned to it. In the current phase, no longer exclusively providers of raw materials because their diversified industry, but remained essentially a reproduction pattern guided in exports of primary goods complementing them with more sophisticated ones. These elements keep a limited internal dynamic, as a form of compensation for such transfer remains by overexploitation, saving the difficulties of realization of production value. Given this situation, we indicate that remains the organist capitalism system as well a social and economic inequality intrinsic to peripheral economies. This is the nature of Latin-American dependent economies. So that, from the open trail proposed by theoreticians of Marxist Theory of Dependency, this thesis contests the approach from dominant field of Economy that highlights the advances of capitalism and conceal their mishaps, such achievements opened to all.
Keywords: Dependence. Development. Inequality. Organicity.
LISTA DE FIGURAS
GRFICO 1 Variao do PIB (%) .......................................................................................................... 27
GRFICO 2 Investimento (% do PIB) ................................................................................................... 29
GRFICO 3 Variao do Volume das Exportaes (%) ....................................................................... 30
QUADRO 1 - Classificao Tecnolgica das Exportaes segundo Lall (2000) ...................................... 52
GRFICO 4 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Pases Imperialistas .... 57
GRFICO 5 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Pases Imperialistas..................... 58
GRFICO 6 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Semiperiferia
Imperialista ............................................................................................................................................ 59
GRFICO 7 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Semiperiferia Imperialista .......... 60
GRFICO 8 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Economias de
Capitalismo Tardio ................................................................................................................................ 60
GRFICO 9 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Economias de Capitalismo Tardio61
GRFICO 10 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Economia Chinesa .... 62
GRFICO 11 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) - Economia Chinesa ..................... 62
GRFICO 12 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Pas Subimperialista
Dependente ........................................................................................................................................... 65
GRFICO 13 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Pas Subimperialista Dependente
............................................................................................................................................................... 66
GRFICO 14 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Economias
Dependentes ......................................................................................................................................... 69
GRFICO 15 Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Economias Dependentes ......... 70
GRFICO 16 - Participao das categorias tecnolgicas nas exportaes (%) Economias Perifricas71
GRFICO 17 - Exportaes por categorias tecnolgicas (% do PIB) Economias Perifricas ............... 72
GRFICO 18 - Mdia do IDH por Grupo de Pases Pases Desenvolvidos e Pases em
Desenvolvimento .................................................................................................................................. 76
QUADRO 2 - Ondas longas na Histria do Capitalismo ....................................................................... 185
QUADRO 3 - Poltica Econmica Campo de aplicao, instrumento e nfase da ao ................... 191
QUADRO 4 - Caracterizao da insero internacional, formas de manifestao da dependncia e
padro de reproduo dominante no Brasil ....................................................................................... 218
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Indicadores Selecionados 2011 ....................................................................................... 48
TABELA 2 Produto Nacional Bruto per capita US$ (valores constantes a preos de 2005) ............ 49
TABELA 3 - Exportaes por categoria tecnolgica em 2011 (US$ bilhes) ......................................... 56
TABELA 4 Participao das exportaes da China para a Amrica Latina em relao s exportaes
totais da China por categoria tecnolgica (%) ...................................................................................... 63
TABELA 5 Participao das exportaes da China para a Amrica Latina em relao s importaes
totais da Amrica Latina por categoria tecnolgica .............................................................................. 64
TABELA 6 Participao das categorias tecnolgicas nas importaes da China e importaes por
categoria tecnolgica em porcentagem do PIB .................................................................................... 65
TABELA 7 Participao das exportaes do Brasil para a Amrica Latina em relao s exportaes
totais do Brasil por categoria tecnolgica ............................................................................................. 67
TABELA 8 Participao das exportaes do Brasil para a Amrica Latina em relao s importaes
totais da Amrica Latina por categoria tecnolgica .............................................................................. 68
TABELA 9 Participao das categorias tecnolgicas nas importaes do Brasil e importaes por
categoria tecnolgica em porcentagem do PIB .................................................................................... 69
TABELA 10 Estrutura do Emprego ...................................................................................................... 73
TABELA 11 Menor salrio pago U$ 2005 (por ano) ......................................................................... 74
TABELA 12 IDH de pases selecionados .............................................................................................. 77
TABELA 13 Dados selecionados Educao....................................................................................... 78
TABELA 14 Dados selecionados Sade ............................................................................................ 79
TABELA 15 Dados selecionados Distribuio de Renda .................................................................. 80
SUMRIO
INTRODUO ............................................................................................................................. 15
CAPTULO 1 - DESIGUALDADE DA ESTRUTURAO DO SISTEMA CAPITALISTA MUNDIAL .............. 21
1.1 Disparidades do crescimento global ................................................................................... 23
1.2 A organicidade do sistema global: a inviabilidade do switchover sem alteraes estruturais 32
1.3 Uma proposta de anlise da desigualdade da estrutura do sistema capitalista .................... 45
1.4 Insero no comrcio internacional ................................................................................... 50
1.4.1 Classificao dos produtos exportados conforme conhecimento tecnolgico ..................... 51
1.4.2 Evoluo das exportaes por categoria tecnolgica .......................................................... 55
1.5 O Desemprego e as condies de trabalho da classe trabalhadora ...................................... 72
1.6 As condies de vida da populao .................................................................................... 75
1.7 A inviabilidade da dissociao dos indicadores econmicos e sociais .................................. 81
CAPTULO 2 - A CONFIGURAO DO CAPITALISMO DEPENDENTE ................................................ 84
2.1 As limitaes das teorias do desenvolvimento e o surgimento da Teoria da Dependncia ... 86
2.2 A contribuio da Teoria do Imperialismo para o entendimento das formaes sociais
dependentes........................................................................................................................... 99
2.2.1 O descobrimento do imperialismo por John Atkinson Hobson ........................................... 101
2.2.2 Hilferding e a interpretao do Imperialismo como uma nova fase .................................. 102
2.2.3 O Imperialismo em Rosa Luxemburgo e a necessidades dos mercados externos .............. 106
2.2.4 A interpretao do imperialismo e do ultraimperialismo de Karl Kautsky ......................... 109
2.2.5 O entendimento de Bukharin das transformaes da economia mundial e o imperialismo
..................................................................................................................................................... 113
2.2.6 Capitalismo monopolista: o imperialismo de Lnin ........................................................... 116
2.3 A Teoria da Dependncia e o seu contexto histrico ......................................................... 122
2.4 A configurao do desenvolvimento capitalista dependente ............................................ 126
2.4.1 A configurao da dependncia ......................................................................................... 126
2.4.2 A superexplorao como elemento distintivo do capitalismo dependente ....................... 134
2.4.3 A formao do mercado perifrico e sua funo de garantir a escala da acumulao do
centro: transferncia de valor ..................................................................................................... 135
2.4.4 A superexplorao como um contguo de modalidades que provoca o pagamento da fora
de trabalho abaixo de seu valor .................................................................................................. 138
2.4.5 Ciso entre as fases do ciclo do capital: as particularidades do ciclo do capital nas
economias dependentes .............................................................................................................. 142
2.5 O Subimperialismo: elo da corrente imperialista .............................................................. 146
CAPTULO 3 - O PADRO DE REPRODUO DAS ECONOMIAS DEPENDENTES ............................. 151
3.1 Padro de reproduo: ciclos do capital, valores de uso e valorizao do capital ............... 152
3.1.2 Os caminhos necessrios para o entendimento do padro de reproduo ....................... 154
3.1.3 Ciclo do capital dinheiro ..................................................................................................... 158
3.1.4 A produo de valores de uso como determinante do padro de reproduo .................. 164
3.1.5 A valorizao do capital e suas implicaes no processo de superexplorao da fora de
trabalho ....................................................................................................................................... 169
3.1.6 Reproduo das contradies: as crises cclicas e o ciclo longo ......................................... 175
3.2 O padro de reproduo como elemento condicionador da poltica econmica ................ 189
3.2.1 O Estado e o padro de reproduo do capital .................................................................. 194
3.3 A nova fase do imperialismo e as implicaes nas economias dependentes ...................... 203
3.3.1 A instaurao de uma nova forma econmica do capitalismo .......................................... 206
3.3.2 O novo imperialismo........................................................................................................... 213
3.4 A noo do padro de reproduo e a dependncia contempornea ................................ 216
3.5 possvel mudar o curso do desenvolvimento dependente? ............................................ 232
CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................................... 234
REFERNCIAS ............................................................................................................................ 240
APENDICE A - CLASSIFICAO TECNOLGICA DAS EXPORTAES .............................................. 252
APENDICE B - PARTICIPAO DAS CATEGORIAS TECNOLGICAS NAS EXPORTAES .................. 260
15
INTRODUO
Esta tese sustenta, essencialmente, a existncia de desigualdade constitutiva e de
determinaes histricas das formaes sociais capitalistas, organicamente conformadas
num sistema global, hierarquizado e combinado, que tende a reproduzir-se. O foco mais
preciso sobre as formaes sociais latino-americanas, sua natureza e insero global.
A motivao para a escolha do tema surgiu quando o Banco Mundial apresentou, em
2011, uma interpretao da evoluo da Crise do Subprime que apontava uma mudana
significativa na estrutura da economia mundial, com algumas economias em
desenvolvimento assumindo funes de liderana na determinao da dinmica global, na
condio de novas locomotivas. A proposio foi respaldada pelo FMI e por diversos
outros trabalhos, dos quais merecem destaque Anderson (2009), Brahmbhatt e Da Silva
(2009), El-Erian (2009), Rodrik (2009) e Moreno-Dodson e Bayraktar (2011).
Em resumo, a ideia era que parte significativa das economias em desenvolvimento
continuava a manter, e, s vezes, at a ampliar, o nvel de crescimento de antes da crise, num
contexto em que as economias desenvolvidas diminuam seus ritmos de crescimento. A
projeo desta situao permitia desenhar um quadro global de distribuio da riqueza mundial
crescentemente menos desigual.
A proposio reiterava, de algum modo, e em um contexto totalmente diverso, de crise
econmica global, a tese histrica de que o desenvolvimento capitalista avanado nvel
econmico e social de pases da OCDE, por exemplo est aberto a qualquer sociedade que
venha a realizar a poltica econmica adequada. Em outras palavras, o desenvolvimento est
aberto a toda sociedade que venha a implementar um conjunto de aes diversificado,
apropriado a cada caso, porm com a caracterstica comum de primazia do mercado na
regulao social.
A proposio originria dos anos 1950, perodo em que a economia sovitica crescia
fortemente, constituindo-se em paradigma alternativo ao desenvolvimento capitalista. O temor,
sobretudo dos americanos, era que as economias subdesenvolvidas de ento se desviassem
para novos rumos. Isto as retiraria da influncia direta, econmica e poltica, da economia
americana. Naquele momento, foram propostas polticas de industrializao como forma de
superar o subdesenvolvimento, tendo em perspectiva o nvel social mdio americano.
16
Na vertente histrica, Rostow (1978) formulou as etapas do desenvolvimento econmico
para explicar a desigualdade da poca entre os nveis de desenvolvimento observados nas
economias nacionais. Essas etapas seriam trajetrias necessrias e abertas ao conjunto das
economias. Na vertente terica, a partir do modelo de Solow (1956), houve a derivao da
convergncia das rendas per capita pelas fases do crescimento econmico em que ocorreriam
rendimentos crescentes e decrescentes de escala.
O contedo ideolgico das proposies recentes do Banco Mundial apresentava-se, na
projeo para o crescimento das economias subordinadas, dependentes, da Amrica Latina e de
outras partes do mundo, de forma independente das economias avanadas, como se as
economias pudessem se autonomizar umas das outras. Alm disso, as proposies legitimavam
as polticas neoliberais implementadas agudamente nos anos 1990, que teriam criado as
condies atuais favorveis a essas economias.
Nossa argumentao ser diversa, recuperando elementos centrais da interpretao de
Marx a respeito da natureza do capitalismo e de autores que desenvolveram e aprofundaram
essas suas proposies no tratamento concreto da Periferia.
A Teoria da Dependncia, na sua ptica marxista, formulada especialmente por Ruy
Mauro Marini, Theotonio dos Santos e Vnia Bambirra, ainda nos anos 1970, apreendeu a
condio de dependncia como estrutural. Ela mostrava a impossibilidade do desenvolvimento
capitalista na periferia na forma como este se evidenciava, sobretudo, na Europa e na Amrica
do Norte. Naquelas condies, esses autores percebiam as condies histricas como impondo a
alternativa do socialismo ou da barbrie social, pela disseminao de ditaduras militares na
regio.
Conforme Almeida Filho (2013a), a questo que deve ser analisada que o
desenvolvimento dos pases da periferia est condicionado pelo desenvolvimento dos pases
centrais. Mais ainda, que a riqueza gerada nos pases perifricos serve de base para a
acelerao do desenvolvimento dos pases centrais. Este um ponto intensamente trabalhado
por Marini, mediante o uso do conceito de superexplorao da fora de trabalho, muito embora
o argumento seja mais diretamente utilizado para interpretar as condies concretas dos pases
da Amrica Latina e no da periferia em seu todo.
O trabalho de Marini (2000), Dialtica da Dependncia, faz longo percurso histrico,
desde o perodo colonial, passando pela etapa de exportao capitalista, at os anos 1960, para
17
mostrar que a dependncia fruto de um processo histrico de insero das economias
perifricas no capitalismo global.
O argumento pode ser sintetizado, nos termos atuais, da seguinte forma. Desde os
primrdios da diviso internacional do trabalho no mundo capitalista, os pases da Amrica
Latina inseriram-se como fornecedores de bens-salrio e matrias-primas. O processo de
industrializao tornou esta insero mais diversificada, mas no a alterou na essncia: a
diversificao ocorreu na margem, conservando as antigas exportaes e complementando-as
com bens mais sofisticados. A insero no permite uma dinmica de acumulao a essas
economias que seja baseada no progresso tcnico, exigindo depreciao dos salrios, o que, por
sua vez, determina um mercado interno limitado.
A passagem mais-valia relativa apreende a nfase concorrencial no progresso tcnico,
com aumento de produtividade do trabalho pela incorporao de novas tcnicas produtivas. Isto
propicia o aumento da explorao do trabalho sem necessariamente aumentar o dispndio de
energia fsica do trabalhador, possibilitando, ainda, a acelerao da produo. A condio
histrica precedente sustentava o aumento da explorao pela extenso e intensificao da
jornada.
Segundo ele, para que isso ocorra, essencial que as novas tcnicas produtivas venham
a diminuir o custo de reproduo da fora de trabalho, determinando o piso para a sua
reproduo. Assim, se pudssemos imaginar uma economia isolada, haveria uma dinmica
especializada com parte dos setores produzindo bens-salrio e parte produzindo bens de
produo e bens de consumo capitalista. Os limites desta dinmica seriam dados pela
capacidade de consumo total de bens finais.
Porm a ideia de partir de uma diviso internacional do trabalho est precisamente
justificada pelas mudanas que ela venha a produzir em cada uma das economias. O movimento
de superao dos limites apontados acima de incorporao de novos espaos de
produo/consumo, o que foi efetivado pelo movimento imperialista. A diviso internacional do
trabalho pode ser tomada como resultado desse processo.
De todo modo, segundo Marini, a diviso internacional do trabalho que resultou do
primeiro movimento de internacionalizao, com incorporao de novos mercados, reservou
Amrica Latina a funo de fornecedora de alimentos e matrias-primas.
As consequncias desse papel para o desenvolvimento (capitalista) so claras. Em
primeiro lugar, ocorrem trocas desiguais no comrcio internacional. Os produtos industrializados
18
submetem-se ao processo concorrencial, cuja natureza de obteno de ganhos extraordinrios
pela via da incorporao do progresso tcnico. H queda de preos compensada pelo aumento
de produtividade e aumento da produo. No que diz respeito ao comrcio, esses produtos tm
preos relativos mais altos que os produtos primrios.
Explica Marini que essa condio dos pases da Amrica Latina traz consequncias
dramticas para o desenvolvimento de suas economias. Isto porque, no trabalhador, aparecem
duas caractersticas contraditrias: ele produtor e consumidor de mercadorias. Essas
caractersticas expressam-se em fases diferentes, sendo a de produtor de riqueza prpria fase
da produo e a de consumidor prpria fase de circulao. O desenvolvimento do capitalismo
e a sua expanso acelerada da produo exigem que essa condio de consumidor seja exercida.
De maneira que o padro de consumo dos trabalhadores vai incorporando, mesmo que
defasado, produtos prprios ao consumo capitalista, redefinindo, assim, o prprio custo de
reproduo da fora de trabalho.
Numa economia em que h superexplorao, essa condio no exercida da mesma
maneira que em uma economia desenvolvida. Desta forma, a natureza da acumulao vai sendo
redefinida. Segundo ele, o processo histrico de industrializao dessas economias no foi
suficiente para alterar essa determinao estrutural. A diversificao que a industrializao
produziu encontrou seus limites na expanso do mercado interno dessas economias,
engendrando um novo ciclo de exportaes de bens-salrio e matrias-primas, uma espcie de
reiterao da insero histrica.
Marini (2000) assume que a diviso internacional do trabalho que se estabeleceu no
sculo XIX sofre mudanas com o desenvolvimento da economia global. Assim, aps o processo
de industrializao das economias latino-americanas, que ocorreu na primeira metade do sculo
XX, h mudanas qualitativas nessa diviso do trabalho, mas no se altera o aspecto que poderia
ser tomado como fulcral. Persiste a caracterstica da superexplorao. Isto permite o autor
denominar a ordem social da regio como capitalismo dependente.
Marini (2000), na tentativa de alcanar as condies e peculiaridades do
desenvolvimento dos pases latino-americanos, com o objetivo de transformar a condio
desses pases, entende que essa apenas ser modificada por uma ao poltica que reordene as
economias nacionais, embora limitadas ao desenvolvimento capitalista.
Cabe indagar se essa formulao tem sentido geral de traduzir uma condio intrnseca
das economias da regio. Para isto, importante assumir o recorte apresentado por Marini
19
(2000) de que essas determinaes estruturais, que tendem a se reproduzir, esto postas em
nvel da economia. Entenda-se, com isto, que as determinaes esto postas em nvel das foras
produtivas e das relaes sociais de produo. H pelo menos dois outros nveis tericos
referidos pelo autor e que so importantes: o poltico e o sociolgico.
Entendemos que esse o ponto final do ensaio de Marini que deve ser tomado como
referncia para uma atualizao dos seus termos, j que a tese mais ampla a de que no h
alterao da condio internacional brasileira nos anos que se seguem falncia do socialismo
real. A atualizao justifica-se pela natureza mesma do desenvolvimento capitalista, que, na
concepo marxista tem contedo de aumento da complexidade da sociedade, ampliando,
gradualmente o campo direto da regulao feita pelo mercado.
Desde os anos 2000, essa interpretao vem sendo renovada por autores como Osrio
(2012), Carcanholo (2013), Amaral (2012), Almeida Filho (2013b) e Luce (2013), dentre
outros, desvendando as recentes articulaes da economia mundial, por meio de temas
como dependncia, imperialismo, superexplorao da fora de trabalho, diviso
internacional do trabalho e padro de reproduo.
A partir desse referencial, esta tese tem por objetivo central discutir a natureza do
desenvolvimento dependente latino-americano, como um desdobramento prprio da
estrutura desigual do sistema capitalista mundial, a partir das categorias de anlise da teoria
marxista da dependncia.
A tese est estruturada em trs captulos, alm desta introduo e uma concluso ao
final. O Captulo 1 trata da desigualdade do sistema capitalista mundial. Nele, discutimos a
organicidade da estruturao do sistema capitalista global em que os pases dependentes
possuem importncias e alcances distintos. Esse ser o primeiro passo para reconhecer
mediante dados empricos algumas tendncias gerais do desenvolvimento capitalista, ou
seja, as operaes das suas leis em escala global no capitalismo maduro. O objetivo indicar
que as participaes relativas na produo e no comrcio dos pases seriam conjunturais, no
tendo potencial de aproximar, em um nvel comum, as condies econmicas e sociais dos
diferentes pases.
O captulo 2 discute as ideias originais dos autores da Teoria Marxista da
Dependncia na busca de compreender as condies concretas em que se d o
desenvolvimento capitalista latino-americano. Neste captulo tambm apresentamos o
contexto econmico, social, poltico e terico da formulao da TMD, nascido ao mesmo
20
tempo como uma resposta crtica s teorias do desenvolvimento e perspectiva Cepalina
desenvolvida na Amrica Latina, a partir dos anos 1950, e como uma complementao
terica s teses do imperialismo formuladas por seus autores clssicos.
J o captulo 3 procura mostrar como se configura a dependncia no capitalismo
contemporneo a partir do emprego da proposta analtica em torno do padro de
reproduo. A anlise ir considerar a existncia de uma nova dinmica no capitalismo, que
faz com que o imperialismo se apresente de novas formas levando a um aguamento da
condio dependente das economias perifricas.
As consideraes finais detalham a tese antecipada nesta introduo, isto , a
persistncia histrica tanto da desigualdade e hierarquia do sistema mundial quanto as
caractersticas constitutivas das economias latino-americanas.
21
CAPTULO 1
DESIGUALDADE DA ESTRUTURAO DO SISTEMA CAPITALISTA MUNDIAL
No campo crtico da Economia, o sistema global visto como hierarquizado, em que
existem vnculos orgnicos entre o conjunto de Estados Nacionais. Esta totalidade fruto do
desenvolvimento histrico do capitalismo, construdo a partir de sociedades diversas, que
experimentaram transies em momentos distintos, desenhado com base em uma dinmica
liderada por um ncleo central que compele todas as demais naes.
Os chamados pases desenvolvidos e em desenvolvimento1 possuem importncias e
influncias distintas quanto s dimenses econmica, territorial e de populao, sendo que os
primeiros so os definidores da dinmica econmica global, dos padres de consumo, alm dos
investimentos globais, e os pases em desenvolvimento so caracterizados por serem mercados
de consumo e fornecedores, na maior parte das vezes, de produtos primrios e bens de
produo.
Neste captulo, vamos discutir a organicidade da estruturao do sistema capitalista
global em que os pases dependentes possuem importncias e alcances distintos. Esse ser o
primeiro passo para reconhecer, por meio de dados empricos, algumas tendncias gerais do
desenvolvimento capitalista, ou seja, as operaes das suas leis em escala global no capitalismo
maduro.
Acreditamos que essas tendncias produzem um capitalismo desigual e manifestam-se
de forma particular em diferentes condies histricas, mantendo, em ltima instncia, a lgica
do desenvolvimento capitalista. Entre tais tendncias gerais, temos a da concentrao e
centralizao do capital. Partimos da viso de Marx (2008) sobre o capital individual,
entendendo-o como uma concentrao dos meios de produo, ou seja, crescimento do capital
social realizado, que possui o comando sobre o exrcito industrial de reserva, sendo que quanto
maior for a concentrao, maior ser seu poder de comando. A tendncia de concentrao
acompanhada pela centralizao do capital, que pressupe a acumulao do capital nas mos de
poucos capitalistas. E ela se d em todos os nveis, regional, nacional e global. Mas como esses
capitais operam em determinadas jurisdies, levam a fornecer ao poder poltico, da jurisdio
na qual atuam, posies de riqueza superiores, permitindo criar um ambiente de infraestrutura
econmica mais favorvel, inclusive mediante a atividade inovadora e explorando os efeitos da
1Conforme nomenclatura dada pelas agncias Multilaterais.
22
diviso social do trabalho do ponto de vista internacional. Isto evidencia que, no sistema
capitalista global, os pases possuem importncias e influncias distintas e o resultado disso a
formao de uma hierarquizao da organizao dessas jurisdies arroladas tanto de acordo
com a parcela de apropriao da diviso internacional do trabalho, quanto de capacidades
relacionadas a se apropriarem dos benefcios da diviso internacional do trabalho.
Porm no parece ser essa a base de muitas proposies em pauta nos dias atuais,
omitindo elementos fundamentais de determinao e estrutura do sistema capitalista global,
particularmente, aqueles associados diviso internacional do trabalho. Proposies que sero
apresentadas na primeira seo deste captulo. Iremos nos voltar, particularmente, para os
trabalhos de autores do Banco Mundial, o que reiterado pelo Fundo Monetrio Internacional.
Boa parte dos argumentos apresentados por esses trabalhos justificam um melhor desempenho
das economias em desenvolvimento comparado aos pases desenvolvidos, e correspondem
ampliao recente da classe mdia nessas economias, da adoo de polticas macroeconmicas
consideradas melhores e mais favorveis ao crescimento dos pases, alm da lacuna
tecnolgica existente nas economias em desenvolvimento, uma vez que entendem que as
tecnologias no exploradas formam um bom espao para a melhoria da produtividade. Para
esses autores, as melhoras sociais viriam como uma consequncia do quadro favorvel da
macroeconomia. Parece que essas proposies pretendem justificar o enorme sacrifcio
realizado pelos pases em desenvolvimento em cumprir recomendaes de poltica
econmica restritiva.
Como nossa argumentao diversa, discutiremos, na segunda seo, argumentos a
partir de trabalhos de Marini, Theotonio dos Santos e Arrighi, que apoiam a ideia da
hierarquizao da dinmica capitalista, ou melhor, da organicidade do sistema global. Na
terceira seo, para avanar na defesa do carter particular do desenvolvimento dos pases
desenvolvidos e em desenvolvimento e, por consequncia, da organicidade do sistema
capitalista, traremos uma proposta de anlise emprica de uma amostra de pases que sero
divididos conforme as particularidades de suas inseres na dinmica capitalista. Entendemos
que na desigualdade estrutural, na importncia distinta e no poder de influncia na dinmica
capitalista desses diferentes grupos de pases, que as contradies do desenvolvimento
capitalista so edificadas e encontram sentido.
23
Na quarta, quinta e sexta seo, discorreremos, respectivamente, sobre as participaes
desses grupos de pases no mercado externo, as condies de trabalho da classe trabalhadora e
as condies gerais de vida da populao.
O objetivo nessas sees indicar que as participaes relativas na produo e no
comrcio dos pases seriam conjunturais, no tendo potencial de aproximar as condies
econmicas e sociais dos diferentes pases, em um nvel comum. A partir desses elementos,
argumentamos que o desenho do capitalismo global no evidencia, em geral, alteraes
estruturais significativas e, portanto, mantm a organicidade e a desigualdade intrnseca
dinmica capitalista.
Por fim, na ltima seo, seguiremos na defesa de que as diferenas estruturais na
dinmica global do modo de produo capitalista no so apenas econmicas, mas tambm
sociais. Assim, uma relativa melhoria nos indicadores econmicos no tem o poder de aproxim-
los das condies sociais dos pases caracterizados pela dependncia a um padro comum ao
grupo das Economias Imperialistas centrais. Isso ocorre pela prpria dinmica intrnseca ao
desenvolvimento capitalista. De tal modo, possvel identificar que a desigualdade do
desenvolvimento capitalista, a partir da anlise dos diferentes grupos de pases, especialmente
entre aqueles considerados imperialistas e os constitudos por um capitalismo dependente,
antes de tudo, so estruturais.
1.1 Disparidades do crescimento global
A Crise do Subprime (mercado de financiamento imobilirio de maior risco) em
2007/2008 e os seus desdobramentos, desde ento, para as economias nacionais e o mercado
internacional tem levado ao desenvolvimento de estudos que buscam entender as disparidades
do crescimento global que reflitam possveis transformaes na estrutura do sistema capitalista.
O tema consiste em discutir a crescente participao dos pases em desenvolvimento na
produo da riqueza e no comrcio internacional.
Essa abordagem tratada por vrios estudos entre eles Anderson (2009), Brahmbhatt e
Da Silva (2009), El-Erian (2009), Rodrik (2009) e Moreno-Dodson e Bayraktar (2011).
Destacamos, ainda, um livro publicado pelo Banco Mundial, The day after tomorrow, e
organizado por Canuto e Gilgale (2010). Nele, os autores descrevem os impactos da recente crise
24
no desenvolvimento econmico mundial, em particular, nas economias em desenvolvimento2 e
no direcionamento das polticas pblicas, a partir de dados sobre o desempenho econmico
relativo dos pases em desenvolvimento e dos pases desenvolvidos, para fins de anlise de
um possvel descolamento estrutural do dinamismo dos dois grupos3. Otaviano Canuto
(2010b) em um dos artigos da publicao, Recoupling or Switchover: Developing countries in
the global economy, argumenta que h razes para sustentar que o sistema global
apresenta uma nova estrutura e hierarquia, com alguns pases em desenvolvimento,
assumindo posies de liderana, condio, at ento, pouco imaginada. Em grande medida,
os componentes empricos e tericos esto norteados pelo trabalho de Brahmbhatt e Da
Silva (2009), que fazem uma comparao entre a crise do Subprime e a crise dos anos 19304.
As proposies de Canuto (2010b) consistem em discutir se a liderana do crescimento
mundial pelos pases em desenvolvimento representa um descolamento ou uma troca de
posio decoupling or switchover dessas economias. Assim, apoiam-se no
entendimento de que o desenvolvimento capitalista um processo aberto ao conjunto dos
pases do mundo.
Essa discusso somou-se a outra anterior, que se relaciona com a caracterizao dos
BRICS (Brasil, Rssia, ndia e China e frica do Sul). Projees realizadas, no ano de 2001,
pela Goldman Sachs5, apontavam uma tendncia de aumento do peso econmico desses
cinco pases no contexto global, no que diz respeito populao e produo de riqueza. Da
mesma forma que o debate do descolamento, o relatrio da formula tendncias e
resultados, neste caso, para os prximos quarenta anos, at 2050. A diferena que o
argumento assumido pela Goldman Sachs (O'NEILL, 2001) sustentado na participao
2Podemos categorizar esse termo da concepo convencional, que concebe a situao de pases em
desenvolvimento como sendo semelhante ausncia de desenvolvimento, isto , como uma atraso em relao s experincias histricas de desenvolvimento (CARCANHOLO, 2008). Assim, como ser visto mais adiante, claramente, nessa perspectiva, seria possvel extrair modelos de desenvolvimento das experincias das economias avanadas (economias desenvolvidas), com a definio de estgios que pudessem superar o atraso e atingir a modernidade. Aqui a nomenclatura para essa situao varia conforme as circunstncias/conjunturas poltico-econmicas de cada momento, mas tambm da concepo dos autores que as utilizam. As economias nessa situao so chamadas de subdesenvolvidas, perifricas, mercados emergentes, dependentes e outros neologismos (CARCANHOLO, 2008). 3A base de dados utilizada o WDI (World Development Indicators) do Banco Mundial para um perodo que vai
de 1961 a 2010, com anlise de tendncia at 2012. 4Aparentemente, a avaliao da efetividade da ao dos Estados, ao longo dos anos 1930, persiste como um
tema polmico. A referncia feita por Canuto a esses autores centrada na discusso da crise do Subprime apenas, tomando os seus dados para realizar uma anlise mais abrangente. 5Relatrio "Building Better Global Economic Brics" de 2001 (O'NEILL, 2001).
25
significativa e crescente de um grupo mais restrito de pases. O ponto em comum o de
firmar a posio de que o sistema global no estruturalmente hierarquizado, admitindo
mudanas a partir de circunstncias de mercado, em uma provvel direo de convergncia
de nveis de riqueza. Claramente, como ser visto mais adiante, em funo da perspectiva da
Instituio, esse caminho dependeria de boas prticas na poltica econmica.
Inicialmente, a constatao desses trabalhos de que o crescimento dos pases em
desenvolvimento vem superando o crescimento das economias avanadas, ou pases
desenvolvidos, desde antes dos anos 2000, porm, s na ltima dcada, houve uma
flagrante disparidade entre os ritmos deste crescimento6. Os estudos so anteriores a 2011
e, de l para c, algumas revises dos coeficientes de crescimento da economia global foram
feitas, principalmente em funo da subestimao dos impactos da crise nos pases
desenvolvidos e os seus consequentes choques nos pases em desenvolvimento. Assim, nos
trabalhos recentes das agncias Multilaterais, como o Banco Mundial e do Fundo Monetrio
Internacional, constata-se que a queda no crescimento das economias avanadas provocou
uma desacelerao importante no desempenho do PIB das economias em desenvolvimento
(CANUTO; LEIPZIGER; PINTO, 2012, WORLD ECONOMIC OUTLOOK, 2013).
Ao mesmo tempo, conforme indicam as passagens abaixo, mesmo aps essas
revises, mantm-se o entendimento de que os mercados emergentes e as economias em
desenvolvimento, na sua maioria, seguem na trajetria de liderana do crescimento
mundial.
Se no fosse pelo desempenho econmico da China, do Brasil e de outros mercados emergentes, a crise econmica mundial que se seguiu ao colapso financeiro de 2008 teria sido pior [...]. A emergncia de novos mecanismos de crescimento e sua convergncia de renda para os pases mais avanados tm sido definitivamente saudveis para a economia global (CANUTO, 2012, p. 01, traduo nossa).
[...] Com poucas excees, as economias emergentes e em desenvolvimento permanecem como fontes de crescimento. Na
6Em Decoupling, Reverse Couplingand All That Jazz Canuto (2010) sustenta que os elementos de manuteno
de crescimento dos mercados emergentes e das economias em desenvolvimento vo alm da China e da ndia. Mesmo quando esses pases so retirados das estimativas de crescimento, os pases emergentes em seu todo ainda apresentam bom crescimento, pois, em 2009, a frequncia de distribuio das taxas de crescimento individuais dos pases em desenvolvimento mostrava uma mdia bem superior dos desenvolvidos (2,7% em comparao a -3,6%).
26
maioria, a recuperao ultrapassou a reposio dos estoques e atingiu um aumento na produo industrial, com utilizao da capacidade ociosa. Os fluxos de capital diminuram e a concesso de crdito aumentou, exceto em alguns pases da Europa Central e Ocidental, que foram o epicentro da crise emergente de mercado (CANUTO; LEIPZIGER; PINTO, 2012, p. 04, traduo nossa).
Assim, segundo Canuto (2012), sem o desempenho econmico dos pases em
desenvolvimento, em especial, da China e do Brasil, a crise econmica global de 2008 teria
impactos piores. No por acaso, as perspectivas para a economia mundial tornaram-se mais
sombrias passados alguns anos aps a Crise, quando essas economias mostraram sinais de
diminuir a resistncia contra a trao para baixo dos pases avanados. No entanto, para o
autor, o surgimento dos chamados novos motores do crescimento e sua convergncia de
renda para os pases mais avanados foram definitivamente saudveis para a economia
global. Como indicado na passagem anterior, Canuto, Leipziger e Pinto (2012), seguem esta
mesma linha, argumentando que os pases em desenvolvimento permanecem robustos e
so fontes de crescimento. Para os autores, a recuperao mudou-se para alm da reposio
de estoques e para consumo e investimento, na maior parte dos pases, implicando
importantes aumentos na produo industrial, em funo do excesso de capacidade, soma-
se a isso, o retorno dos fluxos de capital e o crescimento do crdito, com exceo de alguns
pases da Europa Central e Oriental, (CANUTO; LEIPZIGER; PINTO, 2012)
O grfico 1 faz uma comparao entre a variao do PIB das economias avanadas,
ou pases desenvolvidos7, e dos pases em desenvolvimento8 a partir dos dados do Fundo
Monetrio Internacional, e indica essa mesma trajetria.
7Austrlia, ustria, Blgica, Canad, Chipre, Repblica Tcheca Dinamarca, Estnia, Finlndia, Frana, Alemanha,
Grcia, Hong Kong SAR, Islndia, Irlanda, Israel, Itlia, Japo, Coria, Luxemburgo, Malta, Pases Baixos, Nova Zelndia, Noruega, Portugal, San Marino, Singapura, Eslovquia, Eslovnia, Espanha, Sucia, Sua, Taiwan, Provncia da China, Reino Unido e Estados Unidos (IMF, 2013). 8Afeganisto, Albnia, Arglia, Angola, Antgua e Barbuda, Argentina, Armnia, Azerbaijo, Bahamas, Bahrain,
Bangladesh, Barbados, Belarus, Belize, Benin, Buto, Bolvia, Bsnia e Herzegovina, Botswana, Brasil, Brunei, Bulgria, Burkina Faso , Burundi, Camboja, Camares, Cabo Verde, Repblica da frica Central , Chade, Chile, China, Colmbia, Comores, Repblica Democrtica do Congo, Costa Rica, Costa do Marfim, Crocia, Djibuti, Dominica, Repblica Dominicana, Equador, Egito, El Salvador, Guin Equatorial, Eritreia, Etipia, Fiji, Gabo, Gmbia, Gergia, Gana, Granada, Guatemala, Guin, Guin-Bissau, Guiana, Haiti, Honduras, Hungria, ndia, Indonsia, Ir , Iraque, Jamaica, Jordnia, Cazaquisto, Qunia, Kiribati, Kosovo, Kuwait, Repblica Quirguiz, Laos, Letnia, Lbano, Lesoto, Libria, Lbia, Litunia, Macednia, Madagascar, Malawi, Malsia, Maldivas, Mali, Mauritnia, Maurcio, Mxico, Moldvia, Monglia, Montenegro, Marrocos, Moambique, Mianmar, Nambia, Nepal, Nicargua, Nger, Nigria, Om, Paquisto, Panam, Papua Nova Guin, Paraguai, Peru, Filipinas, Polnia, Qatar, Romnia, Rssia, Ruanda, Samoa, So Tom, e Prncipe, Arbia Saudita, Senegal, Srvia, Seychelles, Serra Leoa, Ilhas Solomo, frica do Sul, Sudo do Sul, Sri Lanka, So Cristvo e Nevis, Santa Lucia,
27
Para o FMI, conforme o relatrio econmico, World Economic Outlook (2013), as
estimativas do crescimento dos pases em desenvolvimento, apesar de no serem
projetadas para repetir o desempenho de 2010 e 2011, esto no caminho certo para a
construo de um crescimento no PIB em torno dos 5,5%, ante o crescimento bastante lento
dos pases desenvolvidos.
GRFICO 1 Variao do PIB (%)
Fonte: World Economic Outlook Database (IMF, 2012). Nota: Dados estimados a partir de 2010.
Diante disso, Canuto (2010a, 2010b) identifica alguns elementos tericos e empricos
que justificam uma possvel transformao no crescimento global, dada disparidade do
crescimento dos dois grupos de pases qual nos referimos anteriormente. Um dos motivos
dessa disparidade, segundo o autor, a existncia, no bojo da Crise do Subprime, de uma
forte ampliao da classe mdia dos pases em desenvolvimento, que implicam o aumento
do consumo interno e o investimento. Caractersticas que, na viso do autor,
aparentemente, reforam a condio, anterior crise, de liderana no crescimento mundial
dos pases em desenvolvimento, j que vm se recuperando muito mais rpido do que os
pases desenvolvidos.
Os estudos da UBS (ANDERSON, 2009), uma influente empresa de consultoria
financeira, seguem nessa mesma linha de argumentao, pois, apesar de considerarem que
todos os pases so afetados por uma desacelerao da economia mundial, uma vez que
So Vicente Granadinas, Sudo, Suriname, Suazilndia, Syria2, Tajiquisto, Tanznia, Tailndia, Timor-Leste, Togo, Tonga, Trinidad e Tobago, Tunsia, Turquia, Turcomenisto, Tuvalu, Uganda, Ucrnia, Emirados rabes Unidos, Uruguai, Uzbequisto, Vanuatu, Venezuela, Vietn, Imen, Zmbia e Zimbabwe (IMF, 2013).
-6,0
-4,0
-2,0
0,0
2,0
4,0
6,0
8,0
10,0
Var
ia
o A
nu
al (
%)
Mundo Economias Avaadas Mercados emergentes e Econonomias em desenvolvimentoPases desenvolvidos Pases em desenvolvimento
28
entendem que a economia global extremamente correlacionada, acreditam que o mundo
emergente continuar a crescer muito mais rapidamente do que os pases desenvolvidos.
Sobre uma possvel dissociao dos pases em desenvolvimento, no sentido de completa
independncia dos choques globais, a UBS entende que a dissociao real reside no fato de
esses pases ainda estarem crescendo muito mais rpido do que os pases considerados
desenvolvidos, e esse quadro tende a no ser alterado (ANDERSON, 2009).
Uma segunda razo apontada para esse desempenho muito melhor dos pases em
desenvolvimento no perodo de crise, o benefcio de terem adotado polticas
macroeconmicas melhores9, alm de outras polticas estruturais10, que permitiram o
uso dos instrumentos anticclicos das polticas monetrias, financeiras e fiscais. Segundo
Canuto (2010b), deve ser acrescida, nesse quadro favorvel manuteno do crescimento
dos pases em desenvolvimento, uma vasta gama de oportunidades de investimento em
seus mercados, especialmente em infraestrutura, que podem se beneficiar de uma
alavancagem financeira, tanto no setor pblico quanto no setor privado, o que possibilita,
portanto, a manuteno dessa trajetria ascendente. No entanto o autor chama ateno
que, para garantir o crescimento nessas economias, precisam ser mantidos o mecanismo e a
capacidade de gesto do setor pblico.
Por fim, a lacuna tecnolgica em relao fronteira de conhecimento dos pases
desenvolvidos, que poderia ser considerada como um obstculo sustentao desse
crescimento, segundo Canuto (2010b), deve ser vista como uma vantagem. O autor acredita
que tecnologias no exploradas formam um bom espao para a melhoria da produtividade,
mediante a transferncia de tecnologia e adaptao. Para Canuto (2010b), isso seria possvel
graas esperada desacelerao no avano da tecnologia nos pases desenvolvidos. Em
estudos mais recentes, o Banco Mundial, tambm, reafirma a importncia da inovao nos
pases desenvolvidos para o retorno do crescimento econmico global (GUERRIERI;
PADOAN, 2012).
A trajetria de disparidade do crescimento do PIB acompanhada pelas taxas de
investimento relativo, o que, aparentemente, corroboraria os argumentos apresentados
pelos autores citados anteriormente. O grfico 2 exibe uma comparao da taxa de
9Essas polticas macroeconmicas melhores esto relacionadas a polticas restritivas e de estabilidade
monetria. 10
As polticas estruturais esto relacionadas, sobretudo, a polticas de reduo dos gastos pblicos.
29
investimento relativo (em porcentagem do PIB) entre os pases desenvolvidos e em
desenvolvimento. Mesmo com uma brusca queda aps 2008, essas taxas de investimento
permanecem maiores nas economias em desenvolvimento, em comparao s outras. Os
dados indicam que, em 2000, os pases desenvolvidos mantinham uma taxa de investimento
em torno de 22,2% do PIB, ante a taxa de 23,1 % do PIB dos pases em desenvolvimento. Em
2010, aps os efeitos imediatos da crise, as taxas foram de 18,4% e 31% do PIB,
respectivamente, e as projees do Fundo Monetrio Internacional para os demais anos,
mantiveram essa disparidade.
GRFICO 2 Investimento (% do PIB)
Fonte: World Economic Outlook Database (IMF, 2012). Nota: Dados estimados a partir de 2010.
Canuto (2010b) tambm destaca o melhor desempenho no volume de exportaes a
favor dos pases em desenvolvimento. Assim, no que diz respeito participao relativa dos
pases em desenvolvimento, verifica-se, pelo grfico 3, um aumento da participao dessas
economias no volume das exportaes. Mesmo com as recentes revises sobre as
tendncias de crescimento dos pases desenvolvidos e do comrcio internacional, as
projees so de manuteno da elevao do volume exportado pelos pases em
desenvolvimento. Conforme o relatrio do FMI (WORLD ECONOMIC OUTLOOK, 2013), a
lenta recuperao dos pases desenvolvidos vem pesando sobre as exportaes dos pases
em desenvolvimento, sobretudo sobre as commodities, que, alm disso, mantm uma
tendncia de queda do preo para o ano. Mas, ainda assim, as estimativas do Fundo so de
30
que o crescimento do volume das exportaes dos pases em desenvolvimento se
mantenham superiores aos pases desenvolvidos ou avanados.
GRFICO 3 Variao do Volume das Exportaes (%)
Fonte: World Economic Outlook Database (IMF, 2012). Nota: Dados estimados a partir de 2010.
No que concerne s lacunas sociais, os trabalhos do Banco Mundial indicam que essas
sero contempladas a partir das repercusses do desempenho produtivo das economias. Em
Revenga e Chanduvi (2010), h uma sntese dos indicadores sociais nacionais de diversos pases
que revela a evoluo dos indicadores sociais dos pases desenvolvidos e dos em
desenvolvimento, e conclui que a manuteno das polticas econmicas adequadas11
viabilizar o crescimento nas economias em desenvolvimento, ampliando o espao fiscal
necessrio para a melhoria de oportunidades aos indivduos. A partir disso, espera-se uma
melhoria em relao aos indicadores de desigualdade. Segundo os autores,
A reduo da pobreza, a erradicao da fome e a igualdade de oportunidades so essenciais para o desenvolvimento. O crescimento essencial para que se atinjam os objetivos de progresso. A agenda ps-crise exige que se criem condies para sustentar o crescimento em direo a uma integrao mais profunda nos mercados globais e a uma reduo das ineficcias do fator mercado. Mas exige, de igual forma, fazer com que as condies para esse crescimento sejam traduzidas em empregos para os pobres e que aumentem nveis de produtividade para ajudar as pessoas a se mover da pobreza de forma
11
Polticas monetrias, financeiras e fiscais que mantenham a estabilidade macroeconmica e abertura dos mercados.
31
sustentvel. Um crescimento que, ao mesmo tempo, fornecer o espao fiscal necessrio para melhorar a igualdade de oportunidades para todos. Para que o crescimento possa traduzir-se em oportunidades para todos, crtico que se estabelea um processo redistributivo que possa atrelar um contrato social percebido pela maioria como suficientemente justo e com o qual vale a pena comprometer-se tanto financeira como politicamente. A equidade um ingrediente essencial do desenvolvimento, juntamente com o crescimento. E para progredir na agenda de equidade, provvel que a dependncia do Estado para fomentar e orientar esse processo tenha que ser maior (REVENGA; CHANDUVI, 2010, p. 21, traduo nossa).
Assim, Revenga e Chanduvi (2010) entendem que a reduo da pobreza, a eliminao
da fome e a igualdade de oportunidades so elementos essenciais do desenvolvimento,
sendo que a agenda da maior parte dos pases, aps a crise de 2008, vem definindo as
condies para o crescimento sustentado, por meio de uma integrao mais profunda em
mercados globais, e reduzindo a ineficincias dos mercados. Esse crescimento, segundo os
autores, ao mesmo tempo, ir fornecer o espao fiscal necessrio para melhorar a igualdade
de oportunidades e dar uma chance a todas as pessoas. Portanto, para Revenga e Chanduvi
(2010), o crescimento potencial das economias em desenvolvimento pode tornar-se uma
poderosa ferramenta para fixar a velocidade de reduo da pobreza e da desigualdade. Com
isso, a perspectiva do Banco Mundial de que a melhoria das condies sociais viria como
consequncia das melhorias econmicas.
A abordagem at aqui levantada, sobre as possveis transformaes no sistema
mundial, circunscreve-se a uma concepo mais restrita do objeto da economia, limitando-
se a analisar dados de desempenho da produo econmica, implicitamente considerando
que da h repercusses mais amplas no interior das economias nacionais. Aparentemente,
pretende-se justificar o enorme sacrifcio realizado pelos pases em desenvolvimento em
cumprir recomendaes de poltica econmica restritivas.
De tal modo, entendemos que, mesmo com as ltimas ressalvas do Banco Mundial
em relao manuteno das taxas de crescimento elevadas das economias em
desenvolvimento no crescimento mundial, as proposies apresentadas pelos estudos
expostos caminharam no sentido da defesa do desenvolvimento capitalista, no sentido de
evoluo, como um processo possvel ao conjunto dos pases do mundo.
Desde os anos 1950, as proposies de polticas de desenvolvimento, orientadas
pelas naes hegemnicas capitalistas e agncias de fomento como o Banco Mundial e o
Fundo Monetrio Internacional, cujas promessas originrias, no bojo das discusses de
32
superao do subdesenvolvimento, eram de alcance da condio econmica e social dos
Estados Unidos, refletem o mito do desenvolvimento econmico. Furtado (1980) mostrou
muito bem os resultados dessas promessas: persistncia da desigualdade intra e inter
Estados Nacionais. A histria, certamente, mostrar que este futuro no em nada mais
promissor do que j foi para investigadores dos anos 1950.
Vejamos, nas prximas sees, se as variaes dos ltimos anos no crescimento dos
pases desenvolvidos e em desenvolvimento, vistos nesta primeira seo, podem refletir
mudanas estruturais na economia global e no desenvolvimento dos pases em
desenvolvimento, ou seja, mudanas na hierarquia dos pases do sistema capitalista. Antes
disso, analisaremos autores que defendem a existncia de uma certa organicidade no
sistema mundial que impede que qualquer variao do crescimento global possa ser
interpretado como aproximao em um mesmo nvel das condies econmicas e sociais das
diferentes economias.
1.2 A organicidade do sistema global: a inviabilidade do switchover sem alteraes
estruturais
Sobre a organicidade do sistema mundial, entendemos que importante destacar que a
lgica de acumulao do sistema capitalista e sua evoluo trazem consigo uma diferenciao
do modo de desenvolvimento dos diferentes pases, em termos polticos, sociais, econmicos e
culturais. Esse sistema reflete uma hierarquizao entre os pases em que estes possuem
importncias e influncias distintas. Esta totalidade fruto do desenvolvimento histrico do
capitalismo, erigido a partir de sociedades diversas, de origem feudal ou colnias, que passaram
por transies em diferentes momentos. O sistema assim arquitetado sustenta-se em um ncleo
central a partir do qual a dinmica do desenvolvimento emulada.
Essa concepo do capitalismo global formulada por diversos estudiosos do
desenvolvimento capitalista: Prado Junior (1966), Dos Santos (1970), Wallerstein (1974), Frank
(1977), Furtado (1980), Oliveira (1981), Cardoso de Mello (1982), Harvey (1982), Baran (1996),
Marini (2000), dentre outros. Para esses autores, existe, ao mesmo tempo, uma relao histrica
e orgnica entre pases desenvolvidos e subdesenvolvidos, que tende a se manter, a menos que
aconteam modificaes estruturais substanciais no comrcio e na insero internacional de
todas as economias do globo.
33
Esse um ponto importante a ser considerado no debate descrito na primeira seo,
sobre a possvel transformao no sistema capitalista, dada a disparidade, nos ltimos anos, do
crescimento entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento. A compreenso dos autores
supracitados de que as eventuais mudanas nas participaes relativas dos pases no
comrcio, produo ou fluxos financeiros globais, na ausncia dessas alteraes estruturais,
seriam circunstanciais, ou seja, sem potencial de aproximar as condies econmicas e sociais
das diversas economias em um nvel comum.
Aqui iremos destacar a perspectiva terica em torno da Teoria Marxista da Dependncia,
por meio dos trabalhos de Theotonio dos Santos (1970; 2000, 2011) e Ruy Mauro Marini (2000),
e da anlise do Sistema Mundo, basicamente, por meio dos trabalhos de Giovanni Arrighi (1996,
1997). Apesar de perspectivas tericas diferentes, esses autores, que se debruaram sobre as
formaes sociais perifricas, a partir do debate sobre Desenvolvimento Econmico, que
ocorreu, notadamente, nos anos 1950 e 1960, levam em conta as teses do Imperialismo12 e
alcanam as particularidades da estruturao do desenvolvimento capitalista global. Isto ,
partem do pressuposto de que, nesse sistema global, alguns pases lideram o processo de
desenvolvimento, enquanto outros so subordinados.
Assim, em que pesem as diferenas dessas perspectivas tericas, iremos voltar nossos
estudos, para fins deste captulo, s proposies que esses autores fazem no que diz respeito
estruturao hierarquizada da economia global13. Com base nessas perspectivas, ser possvel
afirmar que uma possvel liderana contingente de alguns pases, no que diz respeito ao
dinamismo de suas economias no contexto global, teria um flego limitado precisamente na
proporo da capacidade de autonomia relativa dos mercados internos. Alm disso, no
refletiriam transformaes estruturais nessas economias, pois no so acompanhadas de
mudanas estruturais no campo social, incluindo a distribuio interna de renda e riqueza,
conforme ser identificado nas prximas sees. No obstante, como vimos, as suposies,
em especial, do Banco Mundial e Fundo Monetrio Internacional, omitem elementos basilares
de determinao da estrutura do sistema capitalista global, particularmente, aqueles
relacionados diviso internacional do trabalho.
12
Sobre os principais expoentes da Teoria do Imperialismo, ver Captulo 2. 13
No captulo 2, iremos aprofundar as proposies de Ruy Mauro Marini e Theotonio dos Santos, que compem a Teoria Marxista da Dependncia, pois entendemos que nela esto os elementos apropriados para se entender o papel particular das economias dependentes, mais especificamente da Amrica Latina, na dinmica capitalista global.
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Para Dos Santos (1970, 2000, 2011) e Marini (2000)14, o desenvolvimento dos dois
grupos de pases, intitulados pela corrente convencional de desenvolvidos e em
desenvolvimento, marcado, sobretudo, pelas determinaes estruturais de dependncia,
produto do processo histrico de sua insero no capitalismo global. Para se referirem aos
chamados pases desenvolvidos, os autores utilizam o termo de pases centrais, j para se
referirem aos pases em desenvolvimento, os autores recorrem ao termo periferia,
subdesenvolvidos, dependentes ou periferia dependente.
Os pases, nessa ltima situao, so marcados pela restrio no crescimento,
fragilidade financeira, vulnerabilidade externa e perfil concentrado de renda e riqueza,
porm essas caractersticas so estruturais, determinadas pela condio de dependncia,
no sendo passvel de superao pelo mero manejo adequado de um instrumental de
poltica econmica (CARCANHOLO, 2009). O conceito de dependncia, aqui utilizado,
entendido como uma situao em que uma economia possui menores graus de influncia na
dinmica capitalista mundial, fazendo com que sua dinmica fique, fundamentalmente,
condicionada pelo desenvolvimento e expanso de outra, isto , levada a ficar
estreitamente conectada expanso dos pases centrais e, ao mesmo tempo, serve de base
para a sua acelerao, logo, representando uma subordinao externa, porm, com
manifestaes internas no arranjo social, poltico e ideolgico (CARCANHOLO, 2008).
Assim, no se trata, necessariamente, de um pas ser dependente de outro, trata-se
das relaes sociais em um determinado espao ou pas dependerem ou estarem sujeitas,
em maior grau, lgica do capital. Nesse sentido, os pases que evidenciam maior grau de
independncia, os pases centrais, conseguem influenciar mais nessa lgica, j aqueles
pases que so mais dependentes, possuem menor grau de influncia e, portanto, esto mais
sujeitos s determinaes dessa lgica.
Essas determinaes fazem com que as relaes de produo da periferia
dependente sejam transformadas ou recriadas para garantir a manuteno do seu papel no
desenvolvimento capitalista. Ou seja, existe uma relao histrica orgnica entre pases
centrais e dependentes, que tende a se reproduzir. Marini (2000) trabalha este tema
mediante o uso do conceito de superexplorao da fora de trabalho. Embora o argumento
seja mais diretamente empregado para interpretar as condies concretas dos pases da
14
Os autores estudam precisamente os pases da Amrica Latina, no entanto so determinaes que, no seu mbito mais geral, podem ser estendidas para as demais economias perifricas.
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Amrica Latina, podemos nos valer, nesta seo, das ideias gerais dessa teorizao para
entender parte das particularidades do desenvolvimento da periferia, indicando que seu
desenvolvimento se d de modo diferente dos pases centrais, que d forma a uma estrutura do
sistema capitalista global desigual15.
Segundo Marini (2000), a Amrica Latina, com base na sua capacidade produtiva do
trabalho e mediante uma acumulao fundada na superexplorao da fora de trabalho, inseriu-
se no mercado internacional e tornou-se auxiliadora do processo de acumulao de capital nos
pases centrais. Esta caracterstica, da superexplorao, pode ser estendida aos demais pases
perifricos, assim, a superexplorao passa a determinar e delimitar os laos que ligam essas
economias economia capitalista mundial, sobretudo aqueles laos de interesses que unem as
foras sociais dominantes entre os pases subdesenvolvidos e os pases centrais.
Para os objetivos desta seo, basta-nos entender que a superexplorao da fora de
trabalho, para Marini (2000), o aumento da taxa de explorao da fora de trabalho, que
resulta no aumento da taxa de mais-valia, quando o valor produzido pelo trabalhador em um
determinado perodo apropriado pelo capitalista, sob a forma de lucro16. Conforme
Carcanholo (2013b), neste caso, a superexplorao pode ser considerada como categoria, pois
traduz elementos de limitao de escala dinmica de acumulao, em funo da recorrente
concentrao extraordinria da renda e da riqueza nos pases centrais.
Marini (2000) ressalta que, desde os primrdios da diviso internacional do trabalho no
mundo capitalista, os pases da Amrica Latina inseriram-se como fornecedores de bens-salrio
e matrias-primas. A industrializao dos anos dourados tornou essa insero mais diversificada,
mas no a alterou na essncia: a diversificao ocorreu na margem, conservando as antigas
exportaes e complementando-as com bens mais sofisticados. Assim, a insero no permitiu
uma dinmica de acumulao, a essas economias, que fosse baseada no progresso tcnico,
exigindo depreciao dos salrios, o que, por sua vez, determinou um mercado interno limitado.
Essa condio trouxe decorrncias singulares para o desenvolvimento desses pases, j
que o trabalhador produtor e consumidor de mercadorias. O autor salienta que o
desenvolvimento do capitalismo e a sua expanso acelerada da produo vo exigir que essa
condio de consumidor seja exercida o mais amplamente possvel, de modo que um nvel geral
15
Um tratamento mais amplo dessa abordagem ser feito nos prximos captulos, nos quais a inteno entender de forma mais ampla a configurao do capitalismo dependente. 16
No prximo captulo, ser dado um tratamento um pouco mais amplo ao termo.
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de salrios relativamente mais baixo funciona como limitador potencial, em contraste, o
aumento de salrios permite a aproximao do padro de consumo dos trabalhadores do
padro de consumo capitalista, deslocando, favoravelmente, as demandas por produtos mais
sofisticados, que so os principais aceleradores da dinmica da acumulao17.
Em uma economia em que h superexplorao, essa condio no exercida da mesma
maneira que em uma economia desenvolvida. Desta forma, a natureza da acumulao vai sendo
redefinida. Nesse sentido, segundo nosso autor, o processo histrico de industrializao dessas
economias no foi suficiente para alterar a determinao estrutural. Ou seja, a diversificao da
industrializao encontrou seus limites na expanso do mercado interno dessas economias,
engendrando um novo ciclo de exportaes de bens-salrio18 e matrias-primas, uma espcie de
reiterao da insero histrica.
Para Marini (2000), aps o processo de industrializao das economias perifricas, que
ocorreu na primeira metade do sculo XX, h mudanas qualitativas nessa diviso internacional
do trabalho. No entanto no modificado o ponto que poderia ser tomado como fulcral - a
propriedade da superexplorao conservada, e isto faz com que batize a ordem social da
regio (Amrica Latina) como um capitalismo dependente.
Conforme Almeida Filho (2010), Marini, coerente com a sua motivao de apreender as
condies de desenvolvimento da periferia para instrumentalizar uma ao poltica de
transformao, aponta que essa determinao estrutural s ser alterada por uma ao que
reordene as economias nacionais, embora estas determinaes estejam, segundo o autor,
limitadas s leis do desenvolvimento capitalista.
Isso denota que, no sistema capitalista global, os pases possuem estruturas de
acumulao distintas e influncias particulares quanto s dimenses econmica, territorial e de
populao. Alm disso, ao mesmo tempo em que so causa e consequncia de uma relao
histrica orgnica entre pases em desenvolvimento e desenvolvidos, que tende a se reproduzir
(ALMEIDA FILHO, 2010), dadas as leis gerais do desenvolvimento capitalista. Conforme foi
indicado anteriormente, da decorre a existncia de uma diviso internacional do trabalho entre
17
Particularmente, a China no se enquadra em parte dessas determinaes, pois, como ser visto nas prximas sees, vem desempenhando forte progresso no desenvolvimento de produtos com elevado contedo tecnolgico, que desempenham um papel importante nas exportaes, porm mantm uma estrutura de superexplorao e uma estrutura social precria. 18
Conjunto de bens que em cada pas constitui a cesta de consumo bsico do trabalhador, segundo seu padro de vida. So formados pelos artigos de primeira necessidade para o trabalhador e sua famlia, como os alimentos, o vesturio e o transporte.
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os pases que fazem parte deste sistema global. A razo mais evidente para isto que as
economias que compem esse sistema dispem de diferentes recursos produtivos, porm h
ainda outros elementos que do sustentao a um debate histrico a respeito da possvel
estabilidade e reproduo dessa diviso internacional do trabalho. Para o entendimento desses
outros elementos, necessrio recorrer a uma qualificao relevante ao conceito da
dependncia que desenvolvido pela formulao do Sistema Mundo, que d, em certo sentido,
uma dimenso atualizada da TMD nos termos colocados por Marini (2000).
A anlise do Sistema Mundo trabalha esse tema por meio do conceito da integrao do
sistema mundial. Sua formulao surgiu com os trabalhos de Immanuel Wallernstein, nos anos
1970, tendo como foco a formao histrica do sistema capitalista a partir da expanso do
capitalismo europeu no sculo XVI, que decorreu da integrao de novos territrios como parte
de seu sistema. Seu reconhecimento resultou no desenvolvimento de uma nova apreciao
sobre a histria do capitalismo, dando corpo a uma formulao que se denomina de anlise do
Sistema Mundo19. A contribuio desse modelo, no nosso estudo, sua unidade de apreciao
do funcionamento do sistema capitalista mundial e ir fornecer mais subsdios para o
entendimento das transformaes que ocorrem no sistema mundial.
O avano da anlise do Sistema Mundo foi buscar o entendimento dessa dinmica,
identificando que existe uma interdependncia de fatores internos e externos no
desenvolvimento dos pases, assim, no faz sentido examinar pases centrais e perifricos de
forma independente20. Arienti e Filomeno (2007) definem bem a perspectiva:
Um sistema mundo, como qualquer sistema social, definido como uma unidade de espao-temporal, cujo horizonte espacial co-extensivo a uma diviso de trabalho que possibilita a reproduo material desse mundo. Sua dinmica movida por foras internas, e sua expanso absorve reas externas e integra-as ao organismo em expanso. Sua abrangncia espacial, determinada pela sua base econmica-material, engloba uma ou mais entidades polticas e comporta mltiplos sistemas culturais. [...] o sistema-mundo capitalista rene sua economia-mundo capitalista e um conjunto de Estados nacionais em um sistema interestatal com mltiplas culturas (ARIENTI; FILOMENO, 2007, p.103).
19
Apesar de a Teoria Marxista da Dependncia tambm possuir uma anlise integrada da economia capitalista mundial, muitos dos seus trabalhos ficam voltados anlise mais particular dos pases latino-americanos. 20
Segundo Luce (2011), a anlise do Sistema Mundo, por no utilizar o conceito de mais-valia como categoria central, ao contrrio do que ocorre com a Teoria Marxista da Dependncia, apresenta limitaes no alcance de sua crtica s relaes sociais de dominao a nvel sistmico, fazendo com que seu horizonte no v alm da defesa de uma ordem multipolar. Por isso, nosso trabalho ir aprofundar-se, nos prximos captulos, a anlise da Teoria Marxista da Dependncia.
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Portanto, na anlise do Sistema Mundo, so estudados os sistemas sociais em mltiplas
escalas, consideradas interligadas pelos processos econmicos, polticos e culturais, porm,
possuem uma dinmica prpria, diferenciaes e interdependncia, tudo ao mesmo tempo
(ARIENTI & FILOMENO, 2007). Essa unidade de anlise nas estruturas e nos processos formada
pela diviso social do trabalho. Isso traz um indicativo de que a unidade de anlise do Sistema
Mundo envolve toda a diviso social do trabalho configurada pela expanso do capitalismo. Tal
diviso organizada conforme os interesses capitalistas e ultrapassa barreiras locais e nacionais
dadas, respectivamente, pelas estruturas culturais e polticas21.
Conforme Martins (2003), uma contribuio importante desse enfoque foi associar a
economia-mundo sua superestrutura poltica e avali-la como um sistema. A superestrutura
da economia mundo o sistema interestatal que estabelece uma assimetria estrutural entre a
poltica e a economia, que permite situar o lucro como objetivo fundamental do sistema
(MARTINS, 2003).
Essa discusso toma corpo mediante a construo do conceito de Ncleo Orgnico22
do capitalismo, formado pelos pases que, nos cinquenta anos de 1938 a 1988, ocuparam as
posies mais altas na hierarquia da riqueza global e, em virtude desta posio,
estabeleceram (individual ou coletivamente) os padres de riqueza a que todos os outros
Estados aspiram. Esse conceito foi desenvolvido por Arrighi (1997) em A iluso do
desenvolvimento. O autor, ao analisar as relaes centro-periferia, explora os efeitos da
diviso social do trabalho do ponto de vista internacional, dividindo o mundo em trs
jurisdies. A primeira a jurisdio do Ncleo Orgnico, que tende a se tornar o lugar
privilegiado, onde se realizam atividades relacionadas a fluxos de inovao que a
concorrncia intercapitalista enseja que incluam a introduo de novos mtodos de
produo, novas fontes de suprimento, novas formas de organizao, proporcionando
21
Logo, conforme indicam Arienti e Filomeno (2007), um caminho apropriado para a compreenso das transformaes do mundo moderno passa pela anlise do Sistema Mundo, pois considera a complexidade do sistema, com suas mltiplas estruturas, porm com uma unidade orgnica determinada pela diviso de trabalho, que foi organizada historicamente por interesses capitalistas, a partir da modernidade do longo sculo XVI. A interligao dessas economias, dada pela diviso social do trabalho, descarta a necessidade de uma unidade poltica central. 22
O Ncleo Orgnico formado por pases de trs regies geograficamente distintas, incluindo a Gr-Bretanha, os pases da Escandinvia e do Benelux, a Alemanha, a ustria, a Sua e a Frana; Amrica do Norte (EUA e Canad); e Austrlia e Nova Zelndia. (Arrighi, 1997).
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ganhos extraordinrios, muito acima do lucro mdio proporcionado pelas atividades
rotineiras.
Arrighi (1997) esclarece que, quando um grupo de empresas de determinada
localidade comea a inovar, elas fornecem, indiretamente, o poder poltico da jurisdio na
qual operam (normalmente a jurisdio superior), conferindo maior liberdade para criar um
ambiente de infraestrutura econmica mais favorvel, seja por meio da atividade inovadora,
seja ocupando posies de riqueza superiores. Estabelece, assim, os padres de riqueza que
todos os demais Estados ambicionam. Portanto, os pases considerados como perifricos
subordinam-se aos rumos determinados pelo primeiro grupo, exatamente nos termos
colocados pelos dependentistas.
Arrighi (1997) afirma que a hierarquia da riqueza dessas jurisdies organizada de
acordo com a parcela de apropriao da diviso internacional do trabalho. Os que se
posicionam no agrupamento superior se apropriam de uma parcela extremamente superior
dos benefcios da diviso internacional do trabalho, consistindo, assim, no ncleo orgnico
do capitalismo. J os que esto posicionados no agrupamento inferior, a periferia do
sistema, colhem os benefcios que, no mximo, cobrem seus custos a longo prazo da
participao na diviso internacional do trabalho. Existe, ainda, o terceiro grupo, os
semiperifricos23, que se apropriam dos benefcios que excedem os custos a longo prazo da
participao na diviso internacional do trabalho, no entanto no suficiente para que
possam manter um padro de riqueza estabelecido pelos Estados do Ncleo Orgnico.
Conforme Arrighi (1997), essas trs posies so definidas no apenas em termos
quantitativos de apropriao de riqueza, mas qualitativamente tambm, no sentido de
capacidades relacionadas a se apropriarem dos benefcios da diviso internacional do
trabalho. Os dois processos so complementares, porm no so distintos. Os processos de
explorao fornecem aos Estados do Ncleo Orgnico e a seus agentes os meios para iniciar
os processos de excluso, que geram a pobreza necessria para induzir os dirigentes e
cidados dos Estados perifricos e semiperifricos a buscar, continuamente, a reentrada na
diviso mundial do trabalho em condies favorveis aos Estados do Ncleo Orgnico.
23
Conforme Luce (2011), alguns autores, ao indicarem uma fuso entre a Teoria Marxista da Dependncia e a perspectiva do Sistem