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DESIGN ESPACIALIDA RFORMANC RFORMANC DESFILE DE MOD Design e Espacialidades Desfiles de Moda Como Performance MARIA LUCINETI SIFUENTES

DESIGN DESFILES Design DE MODA ESPACIALIDADE · 1 o desfile de moda e suas narrativas 43 1.1 o design do espaÇo do desfile de moda 45 1.2 o desfile como espaÇo de mÚltiplas percepÇÕes

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DESIGNESPACIALIDADE

PERFORMANCEPERFORMANCE

DESFILESDE MODADesign

e EspacialidadesDesfiles de Moda Como Performance

MARIA LUCINETI SIFUENTES

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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

Maria Lucineti Sifuentes

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

MESTRADO EM DESIGNPROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

São Paulo - Setembro/2012

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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

Maria Lucineti Sifuentes

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design.

Orientadora: Profa. Dra. Agda Carvalho.

São Paulo - Setembro/2012

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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

Maria Lucineti Sifuentes

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Design – Mestrado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Design.

Prof. Dra. Agda Carvalho (Orientadora)Universidade Anhembi Morumbi

Prof. Dra. Marcia Melo (Interna)Universidade Anhembi Morumbi

Prof. Dra. Luiza Paraguai (Interna)Universidade Anhembi Morumbi

Prof. Dra. Kathia Castilho (externa)

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Todos os direitos reservados. proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização do autor.

MARIA LUCINETI SIFUENTES

Bacharelado em Moda pelo Centro Universitário de Maringá, CESUMAR, Maringá/PR em 2002. Especialização em Educação Brasileira: História, Política e Cultura pela Universidade Estadual de Maringá, UEM, Maringá, Brasil em 2006. Especialização em Design-Produção e Tecnologia Gráfica pela Universidade Anhembi Morumbi, UAM, São Paulo, Brasil em 2007. Atua como produtora e consultora de Moda e Docente Universitária nas áreas de Design de Moda e Design Gráfico.

S574d Sifuentes, Maria Lucineti Design e espacialidades: desfiles de moda como

performance / Maria Lucineti Sifuentes. – 2012. 143 f. : il.; 30 cm. Orientador: Profª Drª Agda Carvalho. Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, 2012. Bibliografia: f. 143.

1. Design. 2. Espacialidade. 3. Performance. 4. Desfiles de moda. I. Título.

CDD 741.6

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Dedicatória

Dedico este trabalho ao meu pai José Sifuentes (in memoriam) e a minha mãe Rosa R. M. Sifuentes, pelo incentivo e apoio.

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AgradecimentosA minha orientadora Dra. Agda Carvalho, pela atenção e incentivo em todos os momentos de dificuldades, mudanças e conquistas; aos queridos professores, Profa. Dra. Gisela Belluzo, Profa. Dra. Cristiane Mesquita, Profa. Dra. Kathia Castilho, Profa. Dra. Márcia Merlo e Profa Dra. Luiza Paraguai, pelo profissionalismo e amizade.

E ao meu grande Deus, pela força, coragem e sabedoria que tanto implorei nos momentos mais difíceis e fui prontamente atendida.

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Resumo

Esta dissertação tem como objetivo entender a articulação do design nas espacialidades dos desfiles de moda de Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela nas décadas de 2000. Aborda as características performáticas destes desfiles e suas dimensões comunicativas a partir de uma linguagem artística. Apresenta questões relativas sobre as narrativas e suas formas de percepção, do design, do corpo ou do objeto em articulação com o espaço. Destaca uma infinidade de significados que renovam-se e transformam-se continuamente em articulação com as práticas estéticas contemporâneas e suas experimentações por meio da performance. O estudo observa o desfile de moda e as transposições, justaposições e experimentações com a performance dos desfiles estudados. Conclui-se que estes discursos, a partir desta construção estética, manifestam nestes espaços um processo e uma visualidade com a produção de sentidos. O receptor recebe informações e estímulos que se renovam continuamente. Um discurso em que a interação acontece com diferentes estruturas, que propiciam múltiplas interpretações, culminando a uma situação em que os desfiles de moda expressem um design que instiga, sugere, questiona e provoca com a realização performática nas espacialidades.

Palavras-chave: Design. Espacialidade. Performance. Desfiles de moda.

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Abstract

This dissertation intends to understand the joint of design in the spatiality of the fashion show of Viktor & Rolf, Alexander McQueen and Martin Margiela in the two-thousands (2000s). It approaches the performance characteristics of these shows and its communicative dimensions from an artistic language. It presents relative questions about the narratives and its forms of perception, design, the body or the object in joint with the space. It detaches an infinity of meanings which renew and transform into joint with practical the aesthetic contemporaries and its experimentations by means of the performance. The study observes the fashion show and the transpositions, juxtapositions and experimentations with the performance of the studied parades. It's concluded that these speeches, from this aesthetic construction, reveal in these spaces a process and a visuality with the production of directions. The receiver receives information and stimulations that if they renew continuously. A speech in which the interaction takes place with different structures, which allow multiple interpretations, leading to a situation where the fashion show express a design that instigates, suggests, questions provokes with the performatic accomplishment in the spatialitys.

Key-words: Design. Spatiality. Performance. Fashion Show.

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Sumário

INTRODUÇÃO 13

1 O DESFILE DE MODA E SUAS NARRATIVAS 431.1 O DESIGN DO ESPAÇO DO DESFILE DE MODA 451.2 O DESFILE COMO ESPAÇO DE MÚLTIPLAS PERCEPÇÕES 52

2 A NARRATIVA NAS ESPACIALIDADES 762.1 A NARRATIVA COMO LINGUAGEM ARTICULADA NOS ESPAÇOS PERFORMÁTICOS 772.2 A CONSTRUÇÃO DAS NARRATIVAS DE VIKTOR & ROLF, ALEXANDER MCQUEEN E MARTIN MARGIELA 882.2.1 VIKTOR & ROLF 892.2.2 ALEXANDER MCQUEEN 932.2.3 MARTIN MARGIELA 102

3 PERFORMANCES NOS DESFILES DE MODA 1113.1 DESFILE DE MODA E A PERFORMANCE NA ARTE 1123.1.1 FRONTEIRAS E ESPACIALIDADES 117 3.2 A PERFORMANCE, O TEATRO E OS DESFILES DE MODA 123

CONSIDERAÇÕES FINAIS 136

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 143

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Lista deFiguras

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Figura 1: Desfile de Lucile nos jardins da Maison.................48Figura 2: Palco elevado nos desfiles da Maison Lucile.........49Figura 3: Palco elevado para os desfiles da Maison Lucile e suas clientes..........................................................................50Figura 4: Desfiles da Maison Lucile entre as clientes............51 Figura 5: Modelo após ser vestida com mais de 35 looks – Viktor & Rolf – “Glamour Factory”..........................................63Figura 6: Viktor & Rolf em performance no desfile “Glamour Factory”..................................................................................64Figura 7: Cubo com modelos – Alexander McQueen – “Voss”.....................................................................................65Figura 8: Modelo com águias empalhadas suspensas sobre a cabeça da modelo.................................................................66Figura 9: Desfile Martin Margiela – 2009...............................67Figura 10: Desfile Martin Margiela – 2009.............................68Figura 11: Modelos em performance no desfile de McQueen – “Voss”.....................................................................................69Figura 12: Desfile de McQueen – performance das modelos na caixa espelhada................................................................78Figura 13: Modelo de corset vestida pelos designers...........81Figura 14: Modelo Kristen McMenamy vestida pelos designers...............................................................................82Figura 15: Modelo empurrada em um carrinho manual........83Figura 16: Viktor & Rolf e a modelo Kristen McMenamy em destaque na passarela..........................................................84Figura 17: Performance de Viktor & Rolf vestindo a modelo Kristen McMenamy................................................................85Figura 18: Modelo em performance no box espelhado.........86Figura 19: Sequencia de modelos em performance – Martin Margiela.................................................................................87Figura 20: Passarela do desfile “Glamour Factory”...............89Figura 21: O vestir e desvestir das modelos na performance de Viktor & Rolf......................................................................90Figura 22: Plataforma giratória..............................................91

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Lista deFiguras

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Figura 23: Modelo McMenamy no desfile “Glamour Factory”, após ser vestida pelos designers Viktor & Rolf.....................92Figura 24: Convite do desfile “Glamour Factory”...................93Figura 25: As modelos encerradas em Box de vidro durante a performance do desfile de McQueen primavera/verão 2001.......................................................................................94Figura 26: A modelo Michelle Olley, quando o cubo se quebra no final do desfile...................................................................95Figura 27: Modelos em gestos desesperados de aprisionamento, na performance de McQueen...................96Figura 28: Modelo Michelle Olley, em pose semelhante a arte de Joel Peter.........................................................................97Figura 29: Joel-Peter-Witkin/1983-Sanitarium......................98Figura 30: Modelo com elementos (adornos) que lembram o filme de Hitchcock – Os pássaros.................................99Figura 31: Dan Graham – “Talk tonight” – Museu Guggenheim........................................................................100Figura 32: Dan Grahan, “Static 1” (1995) – Museum of American Art........................................................................101Figura 33: Desfile Martin Margiela, Paris Fashion Week, Spring/Summer 2009 em 29 setembro, 2008 em Paris, França..................................................................................102Figura 34: Gran finale do Desfile Martin Margiela...............103Figura 35: Desfile Martin Margiela, Paris Fashion Week, Spring/Summer 2009 em 29 setembro, 2008 em Paris, França..................................................................................104Figura 36:Performance Margiela, Modelo sugere uma inversão do tronco em relação a cabeça...........................105Figura 37: Bolo vestível – Maison Martin Margiela – encerramento do desfile de comemoração.........................106Figura 38: Camisa da Maison Martin Margiela com pespontos aparente...............................................................................107Figura 39: Etiqueta Maison Martin Margiela, somente com indicação de números – significa o número da coleção – para

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Lista deFiguras

coleção/masculinaFigura 40: Modelos com elementos que ocultam sua identidade............................................................................109Figura 41: Efeitos de iluminação no desfile de Margiela.....110Figura 42: Iluminação 2.......................................................110Figura 43: Performance de McQueen – “Voss”...................112Figura 44: Modelos em performance com os rostos cobertos...............................................................................113Figura 45: Viktor & Rolf em performance no desfile “Glamour Factory”................................................................................114Figura 46: Cenário do desfile “Glamour Factory” Viktor & Rolf......................................................................................131Figura 47: Modelo no Box....................................................132 Figura 48: Adereço recobrindo a cabeça das modelos no desfile de Margiela...............................................................133

..............................................................108

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Introdução

O design trata um corpo e ou um objeto em articulação

com o espaço, produzindo uma infinidade de significados que

se renovam e se transformam continuamente desde a

modernidade.

O design dentro dos conceitos modernistas para

Cardoso (1998), era resultado de uma produção industrial, com

valores estéticos pautados sobre o good design ou estilo 1internacional . Mas hoje segundo Cardoso (2004), diante das

mudanças tecnológicas e dos meios de produção, o design

envolve uma multiplicidade de significações e de fazeres que

abarca não só a sua construção material, mas se estende como

propostas comunicativas que resultam em um maior

envolvimento do receptor e seu processo de percepção.

A concepção de uma ideia e o seu projeto, envolve uma 2ação de design mais preocupada com o domínio da interface ,

como nos esclarece Bonsiepe (1997, apud PINHEIRO, 2009),

esta interação se dá por meio de conceitos, mensagens e

transmissão de idéias, no qual os simples suportes onde se

inscrevem a cor, a textura, as linhas, a luz, o som, a imagem ou a

ação, se expandem em meios ou ambientes mais complexos de

experiências e de processos de comunicação e relação cultural.

1 O Good design, ou estilo internacional na visão de Mauro Pinheiro em seu artigo – Autoria e comunicação no design – esta pautado sobre o aspecto visual externo, onde o foco estava na forma e a função do produto de forma isolada sem se levar em consideração o seu contexto de uso. Havia uma tendência a buscar o racionalismo dos produtos e uma adoção de uma

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Esta interface deve ser entendida como o espaço no qual se estrutura a interação entre um sujeito, um objeto (que pode ser um artefato, como uma 'cadeira', ou um conjunto de signos), visando à realização de uma ação efetiva (que pode ser uma ação física concreta como 'sentar', ou uma ação mais abs t ra ta , comun ica t i va , sensor ia l )

3(BONSIEPE, 1997 apud PINHEIRO, 2009) .

Para Cardoso (1998, p. 17), a natureza do design não se

pauta somente em produtos ou em seus processos, “mas em

uma conjunção muito particular de ambos: mais precisamente,

na maneira em que os processos do design incidem sobre os

seus produtos, investindo-os de significados alheios à sua

natureza intrínseca”. Neste sentido uma ambiguidade se

estabelece em querer definir sua natureza, pois, moldar ou

conceber um produto atualmente sob as regras obrigatórias

estéticas pré-concebidas, assinala uma dinâmica mais

complexa.

O que será estabelecido nesta discussão com relação ao

design de moda como performance pauta-se no conceito em

que o design é um campo do conhecimento que se define por

estética rígida e universal que minava os fatores culturais na construção de sentido dos produtos. 2 A interface se dá pela forma de interação entre o objeto (meio ou contexto) e o sujeito leitor/receptor. Pressupõe visualmente uma interação entre os dois, ao transmitir mensagens, conceitos e ideias. Um termo que se popularizou a

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partir dos computadores pessoais (PC), de como proporcionar uma maior facilidade de uso e uma metodologia centrada no usuário e sua experiência de uso.3 Disponível em: <http://www.feiramoderna.net/2009/04/27/autoria-e-comu nicacao-no-design/>.

seus objetos, pelo seu processo e principalmente pela sua

ação, pois, pressupõem não só a transmissão de uma ideia ou

de um conceito que lhe conferem visualidade, mas de

mensagens significativas (CARDOSO,1998).

Ao se referir a natureza do design, Denis (2004, p. 206)

afirma que, desde 1980, o design se desgarrou da rigidez das

ideias modernistas e trabalha com conceitos pertinentes a pós-

modernidade, com “a abertura para posturas novas e a

tolerância para posições divergentes”. Para o autor, novas

formas se estabelecem, não existe mais uma narrativa que dê

conta de todos os discursos, pois, vivencia-se uma serie de

questionamentos e contradições, um objeto de design tanto

pode ser um produto, como algo voltado a transmissão de

informação visual ou digital.

De acordo com as afirmações de Denis (2004, p. 209), o

objeto não pode mais ser visto “como uma unidade integral,

nem do ponto de vista técnico e muito menos estético, mas,

antes, deve ser entendido como uma compilação de códigos

especializados superpostos de maneira mais ou menos livre”. A

noção que se atribui ao produto, tende a ser hoje, uma noção

fluida e hibrida de processo e interação, onde a desordem e o

15Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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ruído podem prevalecer como paradigmas estilísticos.

A pós-modernidade ou a era da informação para Denis

(2004), se compõe de fragmentos e de visões que só será

recomposta em um todo de forma passageira, em função da

super disponibilidade e dinâmica das informações. Esta

pesquisa observa o design dentro das concepções

contemporâneas pois seleciona produções de estilistas que

tratam, entre tantas outras abordagens de ideias abstratas e

subjetivas observadas especificamente na discussão do design

de moda como performance.

A discussão do desfile de moda nesta abordagem

envolve a produção de designers que absorvem as mudanças

no contexto sócio cultural a partir da década de 90, pois,

observou-se que em algumas produções os processos

interferem, bem como constroem ações e diferentes narrativas

ao ocupar as várias espacialidades.

O conceito de espaço será abordado sob a visão de

espaços comunicantes baseado nas definições de Ferrara

(2007), no qual o espaço tem uma dimensão comunicativa que

se dá por meio de espacialidades enquanto linguagens, e não

são meros suportes, mas, ambientes complexos que geram

processos comunicativos sociocultural pela forma como os

elementos nele representados são organizados.

Neste instante as diluições de fronteiras, que iniciaram

com as vanguardas artísticas no início do século XX,

16Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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apresentam uma aproximação com o espetáculo e se

manifestam de maneira peculiar com os designers do período.

Os designers selecionados para esta pesquisa, Viktor & Rolf

(1969), Alexander McQuenn (1969-2010) e Martin Margiela

(1959), representam algumas das possibilidades de articulação

do desfile de moda como performance, no que se refere ao

espetáculo e a ocupação e significação da espacialidade para

apresentar um design, uma ideia, um projeto mostrado na

década de 2000.

Os desfiles discutidos nesta pesquisa foram escolhidos

por apresentarem uma linguagem bastante divergente dos

eventos que se relacionam ao universo da indústria moda. São

espetáculos mais conceituais, que se aproximam da arte

performática, trabalham com significações e interfere nas

percepções com narrativas que apreendem uma totalidade que

abrange público e obra, num discurso que assinala a adesão do

receptor como parte desse discurso.

Transladando estas concepções para a construção do

desfile de moda enquanto espetáculo e texto artístico, leva-nos

a refletir que o design para dar conta desta complexa 4“elaboração signíca” , pode estimular as ações criativas dos

designers e uma forma de ver e expressar suas ideias por meio

de um aparato técnico associado a uma linguagem artística. Um

projeto que vai alem de um simples esboço, que segundo

Ferrara (2007 apud RAMOS, 2007, p. 171), seria “o momento

17Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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de invenção que dá ao produto a visibilidade que vai alem da

visualidade, superando a simples atração sensível que estimula 5os olhos” . A percepção destes espetáculos é provocada não só

pela aparência dos elementos em cena, mas pela relação

sonora e a articulação das modelos com os elementos

cenográficos e o público.

Diante do exposto, percebe-se que o mundo se

manifesta por meio de uma existência visual, que segundo

Coelho (2008), para o senso comum, é uma atividade prática

que só é reconhecida pela superfície das coisas, mas que,

entretanto, também pode extrapolar por meio de uma

linguagem formadora de poesia destinada a despertar os

sentidos.

O desfile de moda observado nessa pesquisa é visto

como um campo que opera com a qualidade do visível,

enquanto espaço produtor de sentidos, e analisado sob os

conceitos do pós-modernismo, dado pelas oposições, ou

ambiguidades, superposições, montagens, estranhamentos, e

também por meio das linguagens artísticas como o teatro, a

18

4 Ramos (2007, p. 171), se refere a esta expressão, quando explica que o figurino cênico, ou a elaboração de um produto, “comunica para alem da mera visualidade e não se resume apenas ao figurino”.5 Com relação a visualidade dos produtos segundo Coelho (2008, p. 49), está ligado no campo do design à “qualidade visível, embora a atividade projetual não se manifeste apenas pelos meios visíveis”. Desta forma, a natureza funcional do objeto, pode extrapolar uma existência visual, permitindo se manifestar também por outros sentidos.

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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collage e a performance, ampliam nos desfiles espetáculos os

significados destas linguagens, quando expostos em outra

situação contextual e espacial.

Manifestam-se nestes espaços uma marca reconhecida

de visualidade e produção de sentidos em uma mediação que

não se confere de maneira neutra, pois, o receptor não as

recebe de forma passiva, uma vez que sua construção se dá

através de estruturas abertas que propiciam múltiplas

interpretações, culminando para que a linguagem destes

desfiles de moda se expresse como forma de sugerir, não de

definir. São maneiras de organização e construção abertas de

novas espacialidades para serem interpretadas, descobertas

longe de um juízo concreto e fechado.

De acordo com Duggan(2002), a história dos desfiles de

moda, foi amplamente relacionada ao teatro, por se tratar de

uma linguagem que trabalha diretamente com o espaço, o

corpo das modelos, os adereços, a música, a iluminação, entre

outros, a fim de produzir um espetáculo visual. A teatralidade

está na representação do espaço cênico e performance

desenvolvida, e pode-se entender por teatralidade aquilo

[...] que se refere a todos os mecanismos que compõem a representação e devem ser entendidos como elementos visuais que deixam explicita sua artificialidade, ou seja, o espetáculo não mimetiza a vida ou as pessoas , mas c r ia , apenas , uma

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representação (RAMOS, 2007, p. 168).

Diante da afirmação acima, a teatralidade se caracteriza

pela representação cênica e por todos os elementos visuais que

mostram a artificialidade do espetáculo, o desfile neste sentido,

se aproxima da linguagem do teatro de uma forma mais

complexa. De acordo com Ramos (2007, p. 183), existem

formas mais complexas de teatralidade no qual a aparência, ou 6

conforme o autor define, “design de aparência” , se dá por

novas maneiras que “experimentam a possibilidade de se

distanciar ou se aproximar do real para com ela, significar”.

Desta forma, os desfiles analisados dos três designers objeto

desta pesquisa, se aproximam desta reflexão, ao trabalharem

com uma não linearidade das características formais

tradicionais do desfile, causando um estranhamento, que

definido por Ramos (2007, p. 183), se dá como um

procedimento estético antimimético, onde são ressaltados

objetos ou adornos que aparentemente não pertencem ao

contexto e “com aparências que não configuram uma

linearidade espacial ou temporal”.

Os designers, ao trabalharem com diversas linguagens e

6 Design de aparência, segundo Ramos (2007, p. 169), “é uma forma peculiar de conceber a construção da aparência dos atores e personagens que difere da mera função de referência usualmente apresentada pela concepção do figuro de uma obra que, em geral, é tomada como uma parte acessória da representação”.

20Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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a quebra desse discurso linear, dificultam o entendimento por

parte do receptor e prolongam a percepção, tornando-a mais

crítica, como afirma Crane (2011) o que leva o receptor a um

nível mais profundo de leitura. Portanto, os projetos de design

que apreendem a aparência geral destes espetáculos

analisados, resultam em uma complexidade visual perceptiva.

Situação em que todos os elementos e componentes são partes

significativas da imagem cênica que criam a espacialidade do

espetáculo, dilatando a percepção do receptor, indicando uma

percepção particular do objeto (desfile) de um modo único de ler

e perceber.

Para Crane (2011), a moda é um fenômeno complexo e

que pode ser analisada sob diversas perspectivas e sob o ponto

de vista sociológico e cultural, moda e arte podem ter aspectos

semelhantes quanto a sua forma de analise. Para a autora:

A moda e a arte são formas de cultura material que expressam uma ampla gama de significados, cuja decodificação em geral constitui um desafio. Tanto a moda como a arte são criadas em mundos de cultura, isto é, comunidades urbanas compostas de criadores culturais vendedores, compradores e públicos, que contribuem de diversos modos para a criação, a avaliação, a disseminação e a recepção desses tipos de cultura (CRANE, 2011, p. 13).

Neste sentido, a abordagem recairá sobre alguns

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designers de moda, que se apropriam e redefinem nos desfiles

contemporâneos, conceitos e posturas que iniciaram com as

vanguardas artísticas do inicio do século XX, e que

posteriormente com a pós-modernidade fizeram uma fusão

com diferentes linguagens, entre elas o design de moda e

consequentemente o design dos desfiles e a concepção de

espaço que adquire outros formatos a partir das performances.

No fim do século XX, predominam novas formas de

disseminação, comunicação e recepção na industria da moda.

Museus de arte começam a expor produtos e coleções inteiras

de designers de moda, havendo um interesse recíproco entre

moda e arte.

Novas formas de comunicação e percepção permeiam o

espaço dos desfiles atualmente, situação que resulta das

mudanças sociais, culturais e políticas próprias do pós-7moderno . Há na perspectiva pós-moderna, uma mistura de

vários estilos de diversos períodos que podem ser observadas

tanto no design, na arte e na moda.

Para Crane (2011), nas obras dos artistas pós-

modernos, as diluições de fronteiras são desdobramentos das

discussões iniciadas com as vanguardas, que pautavam-se

7 Williams (1977 apud CRANE, 2011, p. 55), fala da pós-modernidade “como tendência emergente dentro de uma modernidade ainda dominante, que também é assombrada por diversas formas de cultura residuais, tradicionais”. Convivem neste momento, estilos que proliferaram pelas vanguardas modernistas, com estilísticos com a intenção de serem

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mais na ambiguidade e em temas antagônicos, como forma de

resistência aos discursos da modernidade, “um léxico de

subversão cultural e desconstrução parcialmente herdado da

cultura moderna e suas teorias de vanguarda” (CONNOR,1989

apud CRANE, 2011, p. 55).

Kaplan (1993) sustenta que o pós-moderno é algo que

está pautado na ruptura cultural de certos paradigmas iniciados

pelo modernismo (um período transacional entre o século XIX e

o panorama cultural depois da segunda Guerra Mundial), e que

elege uma realidade diferente.

A definição ampla sobre estes termos, se dá, pelo fato de

não ser o intuito desta discussão, mas sim, o que eles implicam

nas práticas estéticas contemporâneas, como o desfile de

moda. Portanto, entender o contexto onde estes desfiles

acontecem, são produzidos e exibidos, tornam-se necessário.

Este esmaecimento entre as distinções ou polos

antagônicos (características do contemporâneo) das fronteiras

institucionais, aproximam as instituições culturais das

comerciais com relação a moda, com museus exibindo

coleções a partir de uma referencia artística.

Esta característica pós-moderna dos discursos, segundo

perturbadores, provocativos e transgressores de uma ordem social. Definir o pós-moderno, segundo Crane (2011, p. 60), se torna difícil, pois “O pós-modernismo oblitera categorias e classificações. Por isso, por isso, parece ser mais caracterizado pelas qualidades que não tem do que pelas que tem”.

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Kaplan (1993), está concentrada em textos em que o discurso

não assume uma hierarquia ordenada, e que em praticas

estéticas atuais, são rotuladas de transgressoras, termo este

também direcionado aos discursos das vanguardas

modernistas, mas, estes discursos modernistas pautavam-se

ou estabeleciam-se sobre paradigmas que dependiam de

oposições, principalmente com relação a cultura.

A mudança do estilo moderno para o pós-moderno é vista como consequência das mudanças sociais, políticas e culturais que alteraram a relação entre diversos grupos sociais e a cultura dominante, bem como a maneira como esses grupos sociais podem ser representados de modo plausível pelas categorias culturais (CRANE, 2011, p. 53).

Atualmente, as distinções entre formas de cultura,

misturam-se, apagam-se e muitos artistas mostram suas obras

a partir de estratégias vanguardistas modernistas de

experimentação. Para Willians (1977 apud CRANE, 2011, p.

55), “pode-se falar da pós-modernidade como tendência

emergente dentro de uma modernidade ainda dominante, que

também é assombrada por diversas formas de culturas

residuais, tradicionais”.

Na ótica de Kaplan (1993), existem elos entre o

modernismo e o pós-modernismo nas narrativas

contemporâneas ao assinalar os textos como transgressores,

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mas estas transgressões ao abandonar e subverter as

costumeiras oposições binárias em uma mistura de recursos

que abrangem várias combinações possíveis de estratégia

narrativa, adentram às características pós-moderna. Kaplan

(1993) discute esta questão ao se referir e analisar a exibição

dos vídeo-clipes de rock na MTV, em que muitos deles fazem

lembrar o estilo transgressor modernista das vanguardas, mas

que logo é quebrado por uma estética pós-moderna.

Com relação a moda e aos desfiles, a perspectiva pós-

moderna, da fusão das categorias binárias e moderna de

oposição transgressora dos estilistas, se articulam em suas

exibições, ao se associarem as linguagens artísticas das

performances, criticam as estratégias estéticas dominantes,

mas ao mesmo tempo mesclam outras possibilidades ao

fundirem, ou a levarem a uma ambiguidade difusa sobre os

significados atribuídos à roupa e a indústria da moda.

Ao subverterem as convenções sociais, não só das

roupas, mas como vestir, ocultando ou mostrando o corpo, no

realce da feminilidade ou na exclusão da sensualidade, nos

estereótipos extremados da imagem feminina, na reconstrução

corporal, no repudio ao culto do original ou no próprio contexto

espacial de apresentação, Viktor & Rolf, Alexander McQueen e

Martin Margiela, transgridem as convenções estéticas e

também embaçam estes limites, justapondo novas atmosferas,

novas espacialidades.

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Percebe-se que estes designers, rompem valores

tradicionais com um discurso pós-moderno, pois redefinem

convenções estéticas com discursos que “redelimitam a

natureza do objeto estético”, como afirma Crane (2011, p. 202),

ao “apresentarem espetáculos organizados para além das

paredes, cada vez mais elaborados e dispendiosos,

comparáveis a performances artísticas” (CRANE, 2011, p. 203).

Com relação aos desfiles analisados, percebe-se que as

práticas vanguardistas de oposição prescreveram, trazendo um

conteúdo em que as convenções estéticas assumem novos

formatos indicativos de uma perspectiva pós-moderna, como

observa Crane (2011, p. 58) de uma “fusão indistinta das

categorias, binárias, bem como a manipulação e a transgressão

dos códigos culturais”.

É importante ressaltar que o uso do termo vanguarda,

sugerido por Crane (2011), traz implicações em campos como o

conteúdo estético da arte, o conteúdo social e as regras de sua

produção e distribuição. Com as vanguardas do início do século

XX, são redefinidas as convenções por meio de obras que

transgridem padrões estabelecidos e muitas vezes de forma

chocantes e ofensivas, ao envolverem novas técnicas, valores

sociais, políticos, ou atacando instituições estabelecidas. Para

a autora, o termo, “pode abranger uma vasta gama de práticas

estéticas e sociais” (CRANE, 2011, p. 60).

Para esta reflexão, destacaram-se alguns desfiles

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especialmente a partir de 2000, Viktor & Rolf (outono/inverno

2010), Alexander McQueen (primavera/verão 2001) e Martin

Margiela (primavera/verão 2009), por apresentarem uma

linguagem que rompe com a linguagem tradicional

normalmente usada nos desfiles comerciais de moda como

informação, ou dos modelos clássicos como argumenta

Vilaseca (2010), onde o produto moda é exibido por meio de 8uma ferramenta de comunicação efêmera, o desfile . Nesta

abordagem, os três designers serão foco desta discussão, por

trazerem uma linguagem que lida com a artificialidade, o

espetáculo, a exibição e a poética, mesmo ao conferirem uma 9proposta aparentemente punk .

Os desfiles foram tomados como exemplo, por exibirem

suas coleções com outra postura para o design e as

espacialidades com uma linguagem que associada a arte, traz

uma abordagem com significados múltiplos, instáveis, e muitas

vezes desconectados com os propósitos da industria da moda.

Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela, por

exemplo, trazem em seus desfiles elementos que ocultam os

atributos de sensualidade e erotismo da figura feminina, ao

cobrir exageradamente a modelo (Viktor e Rolf), ou

8 O desfile tradicional ou clássico é um meio através do qual o designer pode difundir suas ideias, gerar informações do produto e da marca, a partir da colaboração da mídia e dos meios de comunicação (VILASECA, 2010).9 A tradução literal se refere a algo podre. Mas para Cohen (2011, p. 153), quando se refere a este movimento, é “um movimento semelhante ao do mar

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que devolve à terra todas as impurezas que nele foram jogadas”.

transfigurando o rosto e corpo (McQueen e Margiela), criando

novas imagens e redefinindo os contextos onde seus trabalhos

são exibidos.

Nas ideias destes designers, estão embutidos conceitos

vanguardistas de subversão ao produzirem desfiles que

desafiam propositalmente a estética visual, mas esta subversão

não adquire aspecto dicotômico, mas híbrido e de superposição

de diferentes linguagens. Crane (2011, p. 72), classifica estes

designers de “os pós-modernos”, por criarem “efeitos que

podem ser interpretados de diversas formas ou que são difíceis

de interpretar, porque não visam expressar uma mensagem

clara”, eles alteram os significados usuais atribuídos aos

objetos ou elementos que constituem a espacialidade do

discurso visual do desfile, tornando difusas as linhas que

separam os extremos.

Desta forma, foram destacados alguns desfiles que

estão articulados com o espetáculo, cada um em uma proposta

estética e narrativa. Viktor & Rolf (outono/inverno 2010) se

apropriam da teatralidade, e da ação do corpo no espaço com

uma abordagem dos excessos, que se caracteriza por

abusarem das proporções em suas construções com um design

exagerado, que se expressa por meio de artifícios que

ressaltam os volumes e a tridimensionalidade da roupa.

Com uma postura meticulosa do corpo, Martin Margiela

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(primavera/verão 2009) revela e esconde o espetáculo do corpo

em um discurso inacabado e redundante, pela repetição e o

excesso de elementos iguais. Em seus desfiles mostra certa

opacidade por implicar a ocultação de elementos visuais como

o corpo. Alexander McQueen (primavera/verão 2001) usa de

recursos tecnológicos para a exibição e alteração do espaço,

intervindo, recriando para acolher este corpo. McQueen

incorpora a roupa ao espaço formando um todo, evidenciando o

movimento e a visualidade de um contexto reproduzido, onde,

sobretudo a luz, tem efeito dramático ao revelar ou esconder a

encenação.

Para Crane (2011), estes estilistas se identificam tanto

com as características pós-modernas como com as

vanguardistas, e esse traço pode ser observado adiante nos

desfiles analisados, ao se apropriarem de linguagens como a

collage, vista por Cohen (2011) através do processo da livre

associação de elementos, adentra-se na linha das ideias

surrealistas, da improvisação, da sobreposição de camadas,

que Connor (1989 apud CRANE, 2011, p. 74), chama de

camada de ideias ou surmontage, “uma espécie de surmontage

de desigualdades (culturais e técnicas), da qual resulta uma

nova forma e da qual emerge uma nova ideia, a respeito de

sexualidade, vestuário, corte, história, pintura, música, dança,

desempenho na passarela, filosofia, idade, juventude, tempo”.

O desfile de moda abordado neste trabalho é uma

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maneira de apresentar o produto do design de moda – trajes,

indumentária, acessórios e ornamentos – que compõe um

discurso articulado com o corpo, responsável por dar

significados que denunciam o comportamento e atitudes do

individuo. Assim como a roupa nos oferece possíveis

construções discursivas, o desfile também pode – a partir de

sua configuração (mediante a combinação de diferentes

elementos, como modelo, espaço, cenografia, música, entre

outros) – produzir um discurso conectado com o contexto social,

econômico, cultural com a ação performática.

Para Pinto (2011) todo discurso possui uma

heterogeneidade de interpretações e cada “objeto” (aqui

discriminado – cenografia e performance – um enunciado

lingüístico) é um conjunto de vários elementos que podem ser

interpretados conforme o contexto e os códigos do receptor.

Os designers Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin

Margiela, possuem um modelo discursivo que vai muito além do

design das roupas, usam uma linguagem simbólica e conceitual

que associada à arte, ao espetáculo e aos artifícios cênicos,

levam ao questionamento do sentido funcional e comercial da

moda enquanto informação, pois, observamos que estas

apresentações são modelos de significações que mais

propiciam a forma do sentir do que o vestir propriamente. Os

trabalhos destes designers marcam um diferencial por meio das

complexas aparências que o espaço enquanto linguagem

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comunica.

Diante das produções desses designers, uma reflexão

se impõe: não é possível somente compreender a

complexidade que caracterizam seus designs, mas sim,

apreender a construção destas espacialidades, por meio dos

elementos ou unidades discursivas que compõe sua narrativa.

Neste sentido Ramos (2007), nos esclarece que:

Um espetáculo artístico é uma obra sistêmica onde inúmeras linguagens atuam para a construção de um produto final. Não é possível isolar apenas uma das linguagens constitutivas de uma obra, pois, para compreende-la, é necessário fazer uma leitura relacional (RAMOS, 2007, p. 170).

Desta forma, serão definidas algumas categorias de

estudo que facilitarão a compreensão desta análise. A estrutura

do desfile se organiza por meio de um conjunto de elementos

que articulados entre si, resultam num complexo discurso

transformador, neste sentido serão introduzidas algumas

noções de como entender esta narrativa, apropriadas de teorias

que fundamentam a compreensão da mensagem narrativa, do

discurso e suas funções.

Os elementos cênicos do desfile de moda, assim como o

discurso do corpo em performance, compõe a situação do

evento, e ao analisar este texto visual, observa-se dois

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aspectos: 1- Espaço (cenografia) e 2- Corpo (performance),

compostos por unidades ou elementos que constituem o

discurso informacional e poético dos desfiles analisados.

Os elementos (o espaço cênico, a passarela, a modelo, o

som, a iluminação, entre outros) articulados e relacionados

entre si resultam em uma linguagem conceitual que culmina

num espetáculo de exibição, em um discurso poético onde

todos estes elementos cristalizam em uma recepção sensorial,

que alteram os significados com a informação visual e sonora.

Partindo-se do pressuposto que o desfile de moda

estabelece narrativas ao manifestar nos espaços questões que

tratam da ordem social e cultural e que interferem na percepção

do receptor ao despertar sentidos e significados, algumas

reflexões nortearam esta leitura e foram identificadas nas

propostas. A exposição e concepção de um design que está

relacionado com os processos e sua visualidade. O design e o

desfile de moda e a abordagem dos espaços e as percepções.

Pode-se refletir que estes eventos (desfiles) ao serem 10projetados , levam em consideração não só o produto

(coleção), mas a relação com os demais elementos que atuam

como um todo no espaço desenhado, e que portanto, o que se

10 A noção de projeto, segundo Coelho (2008, p. 272) implica um reconhecimento como processo e como resultado. O projete precede a sua realização e muitas vezes se confunde com o próprio objeto. Ali estão explicitas um conjunto de relações formais, funcionais e estilísticas. No projeto de design, segundo o autor, há “um procedimento e uma postura

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cria nestes espetáculos, não é somente a informação de um

novo produto, mas uma nova informação, um discurso dotado

de sentidos que conduz a percepções mais profundas do

design, como foi observado no capítulo 1.

Os desfiles propiciaram observar um elemento

informativo com sobreposição de uma carga poética, e sendo o

desfile um discurso, há um diálogo e neste confronto pessoal

entre o receptor e o discurso, as sensações percebidas podem

superar a ordem da simples informação.

O fato de base, que constitui em poética essa comunicação, é lembro-o, sua tendência ou sua aptidão para gerar mais prazer do que informação: alcance geral que acentua o elemento hedônico sem que a informação seja necessariamente negada, tanto faz; a maior parte dos textos literários são também, em certa medida informativos, mas sua função informativa passa para segundo plano (ZUMTHOR, 2007, p. 64).

O que se percebe, a partir de sua construção,

espacialidade e de seus processos, são informações de moda a

partir de um texto poético. Trata-se de veículo de comunicação,

transdiciplinar que implica apropriação compreensiva do problema a ser enfrentado” e tendo múltiplas derivações “quanto a seu significado, quanto a aspectos de produção, quanto a múltiplos aspectos de uso e funcionamento, quanto ao impacto no meio ambiente, quanto às ferramentas projetivas, entre outras tantas, inclusive os aspectos subjetivos de quem projeta”. Mas

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no qual as informações são processadas em seu interior para

posteriormente serem devolvidas, mas nesta situação, este

retorno do discurso ou sua percepção, não se processa como

simples veículo reprodutor de informação. Aqui, estas

informações se relacionam com a organização dada pelo

espaço e pelo espetáculo por apresentarem espacialidades

onde novas formas de leitura vão emergir neste ambiente.

Para Zumthor (2007), o desfile enquanto discurso

emitido, nunca é passivo ou estático, e sim em constante troca,

um fluxo constante de reconstruções, de abertura para novas

percepções, o que os torna únicos em suas apresentações.

Estes desfiles observados podem ser hegemônicos por serem

transmissores de informação que será difundido pela mídia,

mas também se apresentam como um espaço gerador de

sentido.

A partir destas considerações, nos apropriamos da fala

de Lotman (1978) para analisar os desfiles de moda e seu

discurso aliado a linguagem da performance como um texto

artístico, como um sistema de comunicação, no qual permite

perceber traços comuns com a visão de Bourriaud (2009) a

partir de sua investigação da forma e conteúdo dentro da

além desta concepção de Coelho (2008), entende-se aqui nesta abordagem por projeto de design, o que Ferrara (2002 apud RAMOS, 2007, p. 171) nos coloca como um design que vai alem de um desenho, de um esboço, da visualidade plástica. Para a autora supera a visibilidade dando novos significados.

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11 Villaça (2010) em Mixologias, a autora faz uma análise da cidade do Rio de Janeiro, com relação ao espaço e produção de sentido e as complexidades que reforçam o momento atual.

estética das práticas artísticas contemporâneas.

A noção de espaço segundo Villaça (2010, p. 175), passa

a ser vista na contemporaneidade como algo que não é mais

exterior, mas parte constitutiva do sujeito, ou seja, “Pensar a

crise que atinge o homem contemporâneo é pensar seu

imaginário, os processos de subjetivação, suas representações

do tempo e do espaço”. Nestes espaços desenham-se,

designam-se possibilidades significativas que não podem estar

desconectados dos modos de percepção do sujeito, da noção

de tempo ou distância. Estes espaços contemporâneos se

constroem sob o design da extensão humana, “como alteridade

provocadora de novas inserções”, e exigem novas linguagens

como maneiras de decifrar este cenário (VILLAÇA, 2010, p.

176).

Diante do exposto, interpretar esta multiplicidade das

experiências espaciais, requer contemplar diferentes versões,

como a propagada pela mídia, da informação da moda, numa

espécie de “curadoria” expressão usada por Villaça (2010) para 11descrever o discurso midiático da cidade , no qual os espaços

da moda, turísticos ou point visitados são expostos e

valorizados. Essa produção midiática espetacular traz

informações daquilo que é glamourizado ou excluído e

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desqualificado.

Pensando o espaço do desfile como um espaço narrativo

de comunicação e informação, observa-se esta manifestação

por meio das horas de TV que este evento aciona ou das

milhares de páginas de jornais e revistas, sites e blogs, como

visibilidade da indústria da moda. São espaços produtores de

sentido e informação, pois se estruturam em termos de

processos comunicacionais, mas que vão alem da estrutura

visível e funcional. Para Villaça (2010, p. 196), “são máquinas

de sentido, de sensação, que podem tanto trabalhar em direção

de um esmagamento uniformizador quanto no sentido da

retomada de uma singularidade liberadora da subjetividade

individual e coletiva”.

Percebe-se também que nestes espaços, aqui

denominados como desfiles, os designers ao lançarem mão de

outras linguagens estéticas, como a performance, ampliam

seus conceitos informativos e ganham outros estímulos

perceptivos. Para Zumthor (2007, p. 34), “a performance é o

único modo vivo de comunicação poética”.

O texto poético para ser reconhecido como tal, é na visão

de Zumthor (2007), um texto que tem como fundamental, a

necessidade da presença de um corpo que produza efeitos de

sentido em seu receptor, assim, “de um sujeito em sua plenitude

psicofisiológica particular, sua maneira própria de existir no

espaço e no tempo e que ouve, vê, respira, abre-se aos

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perfumes, ao tato das coisas” (ZUMTHOR, 2007, p. 35). Este é

um processo de troca de informações, de um diálogo que se dá

pelos apelos sensíveis dado no discurso poético e na

organização espacial.

Na ótica de Zumthor (2007), o texto poético está no fato

da ritualização da linguagem deste texto, e na medida em que a

performance aspira a qualidade de rito, há uma forte

convergência entre performance e poesia. Neste caso, o ritual o

qual o autor se refere, é uma experiência despojada dos

significados sagrados, mas um ritual que está no domínio

cultural e no contexto em que tal ação é empreendida, presente

nos desfiles desde sua origem à contemporaneidade. Tentar

discutir a ideia de texto informativo e texto poético é classificar,

enquadrar, formatar, porque os desfiles enquanto espaços

comunicacionais se situam ao longo de uma escala do

comercial ao conceitual, onde estes extremos, podem se

mesclar como texto informativo e como conceito dentro de um

discurso poético que se organiza dentro de uma espacialidade

comunicante.

O espaço cênico é, sobretudo nestes três designers

pesquisados, um espaço no qual a representação se torna

espetáculo. O espaço aqui definido, não é somente como um

suporte, como observado por Ferrara (2007) uma forma que

abriga um conteúdo.

Construir espacialidades exige descobrir, no

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suporte espaço, suas condições de mediação que o levam a transmitir, através do modo como se constrói e se renova ou como, na genuína e original característica do modo como se organiza, aparece e evidencia sua p r ó p r i a c a p a c i d a d e c o m u n i c a t i v a (FERRARA, 2007, p. 31)

Para Ferrara (2010), o espaço se transforma de suporte,

de mera tridimensionalidade em espacialidades, ou criações

que por meio de uma organização de seus materiais ou

elementos, se revela em meio de linguagem, ao transformar

estes elementos em outros elementos comunicativos, ao dar

outros significados. A autora classifica esta organização

espacial como montagem, que através de associações entre

elementos diversos e heterogêneos, constroem-se

espacialidades comunicantes. Esta organização, ao se

apresentar em justaposições, sobreposições, de sons,

imagens, fragmentos, ou no desfile por meio do cenário e da

performance, oferecem a percepção, associações e cognições.

Ao organizar estes fragmentos não lineares, que isoladamente,

muitas vezes não significam nada, cria espacialidades, ao

valorizar o marginal, o imperceptível e transformá-lo em

espetáculo. De acordo com a autora:

Ler espacialidades exige surpreender/ descobrir aqueles processos de organização que fazem apelo à inteligência do receptor,

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pois mais transmitem cognições, do que comunicam mensagens. Desse modo, ler espacialidades enquanto mediações exige perceber o modo como se relacionam ortogonalidades, frases, imagens, sons, texturas, volumes superando a mensagem que reduz a comunicação à simples linearidade entre emissor e receptor. A espacialidade supõe, portanto, aquele volume que, em montagem, organiza elementos dispares e heterogêneos que habitam o espaço suporte e os evidencia como elementos est imuladores de associações e cognições (FERRARA, 2007, p. 35).

12Portanto, essa montagem como se refere Ferrara

(2007), transladando para o espaço do desfile, se revela como

recurso, como linguagem que abrange não somente a

visualidade superficial dos elementos cênicos, mas a

discriminação destes elementos como possibilidade de fazer

ver, de atingir uma comunicação que vai da função, “ao

ambiente que se comunica como espaço social [...] do figurino

que faz da personagem uma decoração da cena ao design da

aparência” (Ibid, 2007, p. 36).

O conceito de montagem na visão de Ferrara (2007), se

12 O conceito de montagem a que a autora se refere, é o modo como Sergei Eisenstein o concebeu. Segundo Ramos (2007, p. 182), essa forma de montar os espetáculos, que inicialmente se deu no teatro e depois para o cinema, é inserir cenas conflitantes na linearidade da obra, como forma de gerar sentido. Para o autor, “as imagens dos espetáculos desta forma

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enquadra ao conceito de collage utilizado por Cohen (2011) no

qual fazemos uso para a análise destes desfiles. A collage aqui

é usada como uma linguagem de justaposição de imagens,

obtidas aleatoriamente, ou que na realidade cotidiana, nunca

apareciam juntas para a montagem de uma obra ou um

espetáculo.

O intuito, no decorrer do capítulo 1, é discutir o desfile de

moda e suas narrativas por meio de uma análise do espaço e

dos elementos nele envolvidos, como um modo de

comunicação e uma atividade cuja intenção é comunicar algo,

por meio de um processo que afeta e surte efeito em seus

observadores. Além disso, busca-se refletir também sobre a

construção de significados e as mudanças de comportamento

geradas pelo desfile em função da leitura e recepção destes

eventos.

No capítulo 2, são abordadas as narrativas e sua

articulação pelas performances e pelas espacialidades nos

desfiles dos designers Viktor & Rolf na coleção de outono-

inverno de 2010/2011 com o desfile “Glamour Factory”,

Alexander McQueen em seu desfile de 2001, coleção

primavera/verão, intitulada “Voss”, Martin Margiela em seu

montada são imagens complexas que falam algo alem do que exibem, contem um sentido a ser construído pelo imaginário. A montagem eisensteiniana permite ao receptor ultrapassar o nível da legibilidade, da constatação passiva para atingir o nível da leiturabilidade de um espetáculo, ou seja, proporciona ao receptor um papel ativo ao fazer com que seu

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desfile na Paris Fashion Week, Spring/Summer, 2009 em 29 de

setembro em Paris, uma retrospectiva dos seus 20 anos de

carreira. Neste capitulo, analisa-se essa integração de

linguagens que se apresentam de maneira complexa, em

justaposições de elementos contínuos e descontínuos,

resultando em novas formações.

O capitulo 3, dá continuidade à questão das

performances como experimentações e arte de fronteira, ao

romperem convenções e por sua afinidade em diversos campos

como a moda. Neste capítulo observa-se as novas formas que a

arte contemporânea vem adquirindo como um discurso que

assume de maneira complexa novos sentidos a partir das

relações entre os elementos em um determinado ambiente

(contexto) ou novas “formações” como afirma Bourriaud (2009),

como também na visão de Lotman (1978), como texto artístico.

Ainda neste capítulo, são abordadas as aproximações entre

performance, o teatro e a moda, apontando estas relações e

distanciamentos ou o atravessar de fronteiras, que nos desfiles

ocupa o espaço como expressão que amplia a linguagem

estética e a aproximação do desfile com a arte.

O processo de integração das linguagens, de

aproximação e de não fronteiras, é uma característica de nossa

realidade contemporânea, e esta simbiose de varias formas,

que seu repertorio cultural seja invocado para o desvendamento e reconhecimento da nova informação”.

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ideias e linguagens adotadas nos desfiles, são definidas pela

justaposição e não por pólos antagônicos. Neste universo,

assim como na realidade, os pólos se aproximam, e lidar com os

opostos, ou tentar classifica-los é produzir um pensamento

fechado. Portanto, busca-se refletir sobre a construção dos

significados geradas nas espacialidades do desfile de moda,

que no decorrer desta pesquisa, passa a ser um instrumento

para se entender e compreender aspectos sociais e culturais de

um dado momento, assim como levantar questões que

permeiam a indústria da moda e que a partir dos desfiles de

moda é absorvida pela indústria cultural e propagada pela

mídia, pasteurizando qualquer tentativa de classificação

estética.

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Capítulo 1

O Desfile de Moda e suas Narrativas

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As narrativas e o design apresentados nos desfiles de

Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Margiela são

desdobramentos das articulações com as espacialidades e com

os diferentes momentos históricos. A leitura das ações

elaboradas para essas performances leva a compreensão das

soluções e dos processos e ao entendimento dos significados e

transformações no decorrer dos tempos que estão relacionadas

com as propostas analisadas neste trabalho.

Os desfiles em lojas de departamentos precedem em

sua formatação os desfiles contemporâneos, pois, foram os

primeiros a apresentar uma plataforma (passarela) elevada,na

qual as manequins desfilavam, e assentos ao redor dessa

estrutura com um espaço definido.

Trata-se de eventos muito comuns, voltados à classe

média, em que, evidentemente, reconstituíam-se as formas de

socialização e comportamento de uma classe ávida por copiar

as ideias da Alta Costura. Nas palavras de Evans (2002, p. 44),

“ao longo da primeira metade do século XX, grandes lojas de

departamentos, em muitas cidades, promoveriam desfiles de

moda, muitas vezes em restaurantes, onde tais eventos, nos

horários de almoço e chá, foram onipresentes até a década de

1960”.

A diversificação, a formatação e as várias possibilidades

de apresentação dos desfiles nos diferentes espaços,

visivelmente construída desde seu início, com Worth ou Lucile,

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adentra a contemporaneidade, abre espaço às diferenças ao

mesmo tempo em que determina um poder decretado pelas

“tendências”, mas um poder aberto e flexível, dado pelas

escolhas. Sempre paradoxal e ambígua, a moda, assim como o

desfile, com seus mecanismos de controle, ao diversificar,

segrega. O desfile ao se apropriar de linguagens artísticas,

associar-se ao teatro e ao espetáculo, estabelece um laço

pessoal dado por elementos como a música, o cenário, o

espaço, o narrador, ou seja, a forma na qual se apresenta a

narrativa dada.

1.1 O DESIGN DO ESPAÇO DO DESFILE DE MODA

Desde sua origem no início do século XX, o desfile teve

como referência as performances teatrais e musicais, como

afirma Evans (2002), em seu artigo “O espetáculo encantado”.

Os primeiros desfiles eram exibições enfadonhas que duravam

horas, mas que incorporavam elementos do teatro como,

roteiros, música orquestrada, cenários elaborados,

dramatização e até chá com bolinhos, realizados nas grandes

Maisons. Com o surgimento das lojas de departamentos, esses

eventos deixaram de ser exclusividade da aristocracia e

passaram a ser refletidos como acontecimentos sociais, aos

quais a massa tem acesso, como será visto adiante.

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Os desfiles não eram organizados como hoje, e só

aparecem, segundo Lipovetsky (1989, p. 98), a partir de “1908

e 1910, para se tornarem verdadeiros espetáculos

apresentados com hora determinada à tarde, nos salões das

grandes casas”.

Os desfiles de forma mais organizada, com horários

pré-fixados, têm início a partir do século XX e, como afirma

Garcia (2007), estão ligados a dois modistas ingleses 13importantes do período, Charles Fréderic Worth (1825-1895)

e a figurinista Lucy Sutherland (1863-1935), mais conhecida

como Lady Duff Gordon, ou Lucile (EVANS, 2002). Para Garcia

(2007, p. 36), “ambos tinham de garantir, aos seus diferentes

públicos – notadamente membros da realeza e celebridades

do meio artístico –, que suas criações serviriam perfeitamente

aos corpos que pretendiam vestir”.

É importante destacar algumas ações que antecedem o

desfile, e como o mesmo está relacionado com os

acontecimentos culturais e sociais em sua convenção.

Manequins vivas já eram usadas no século XIX, Worth

contratava moças para desfilarem em seu ateliê com o intuito

46

13 Worth, considerado o pai da Alta Costura, aos 20 anos de idade, inicia sua carreira como vendedor em uma loja de tecidos em Paris, de propriedade do comerciante parisiense, Gagelin, que atendia condessas e duquesas. É nesse momento, segundo Evans (2002, p. 33), que o comerciante “contratava manequins de ateliês para desfilar por seu estabelecimento, envergando xales”, e Worth era o encarregado de “enaltecer o produto”,

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de exibi-las às clientes, que segundo a autora, engendrava “o

efeito de sentido de adequação entre vestimenta e corpo” e era

usada por muitos costureiros e modistas (GARCIA, 2007, p. 36).

Essa prática precedera os desfiles tradicionais, nos quais as

modelos – descritas por Evans (2002, p. 34-37) em suas

gestualidades ou ações performáticas – eram “verdadeiras

deusas”, ou “treinadas para executarem poses dramáticas”,

“moças treinadas para caminhar de modo letárgico”, ou ainda,

comparadas a anêmonas que, por meio do gestual, expandiam-

se nos salões.

Mas estas são as origens dos desfiles e, portanto, ao

considerá-lo como performático, na situação na qual uma

modelo ou manequim apresenta um determinado produto,

percebemos que se caracterizam como um discurso, de formas

estéticas, no qual permite analisá-los sob o enfoque teatral, e,

portanto, questões complexas de representação permeiam sua

origem.

Lucile, como se chamava seu ateliê, ou Lady Duff

Gordon, com o uso de táticas promocionais, os seus desfiles

eram verdadeiras exibições teatrais, pois suas apresentações,

47

por juntamente com a vendedora Marie Vernet que, posteriormente, seria sua esposa. Worth, como afirma a autora, pôde perceber e estudar o efeito do tecido em movimento sobre as manequins e “aprimorar a lábia de vendedor”. Anos depois, em 1858, funda sua Maison, na Rue de la Paix (SEELING, 2000), com o sueco Boberg, seu sócio, mas, a partir 1871, dirige

meio das manequins que desfilavam pela loja. Esse trabalho era feito

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“deveram mais ao teatro do que às tradições do salão de

costura” (EVANS, 2002, p. 34). Seus desfiles duravam horas, e 14suas modelos ou sósias (nome dado às futuras manequins)

exibiram trajes com nomes sugestivos, como “O desejo dos

olhos”, ou “Uma hora de frenesi”.

Em suas performances, Lucile trazia também, a

apresentação do produto, anunciando o traje com descrições e

nomes sugestivos que expressavam o valor simbólico da peça,

seja por seu valor de uso (ao ressaltar o tipo de tecido, cor ou

acabamento), de prestígio (símbolo da diferenciação de

classes), ou ainda por seus significados sociais, como afirma

Evans (2002, p. 33), “do compromisso das mulheres com moda

e beleza”. Esses significados estão totalmente atrelados, na

modernidade, ao modo de produção e à distinção de classes

(Figura 1).Neste sentido, observa-se que tradicionalmente

estes espaços de exibição, tinham uma função de distinção,

48

a casa sozinho e importa a tática promocional da loja de Gagelin para sua Maison. Evans (2002) afirma que Marie Vernet, além de esposa e vendedora, foi também chefe das manequins, durante os primeiros treze anos da casa Worth. É importante destacar que, no período, essa foi uma grande inovação, pois Worth sempre dispunha de profissionais treinadas para esse fim; a tática, contudo, já era exercida em outras oficinas, e Worth meramente aumentou o número de manequins em seu ateliê.

14 Conforme Garcia (2007, p. 36), Lucile, “começou a usar a palavra 'modelo' em desfiles, apresentações públicas de criações vestimentares, das quais foi precursora, para descrever tanto o traje em si, quanto a manequim que o exibia, equalizando assim a importância entre corpo, roupa e acessórios na organização da aparência pessoal”.

Figura 1: Desfiles de Lucile nos jardins da MaisonFonte: <http://www.memoryprints.com/image/414511/a-garden-fashion-show-in-the-garden-of-lucile-ltd-featuring-luciles-spring-collection>.

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como aponta Villaça (2010, p. 199), “pois acompanhavam a

ordenação de classes, das profissões, dos gêneros, das faixas

etárias”, no qual as fronteiras eram bem mais identificáveis. A

importância destes lugares, em sua dimensão simbólica,

segundo a autora, “organiza a vida social por meio das

aparências” determinando atitudes e comportamentos.

Lucile contava também com a ajuda da irmã, Elinor Glyn,

roteirista que elaborava os roteiros (textos) e cenários, e já

contava, em seu ateliê, com plataforma elevada, “pequeno

palco elevado com recesso e cortinas de chiffon”, que, como

podemos observar na Figura 2 e 3, era um precedente das

passarelas atuais, com vestígios teatrais.

As performances teatrais, baseadas em enredos e

tramas, ocorriam em ambientes elegantes e refletiam a

sociedade burguesa em ascensão. Conforme Gordon (apud

EVANS, 2002, p. 34), “moças lindas, verdadeiras deusas,

andariam para lá e para cá exibindo meus modelos, mostrando

toda a beleza deles a uma platéia de mulheres admiráveis”. Tal

afirmação era da estilista inglesa Lady Duff Gordon, e reflete a

imagem da mulher erotizada e frágil da época, bem como o jogo

de insinuar e recuar, apresentado na performance por meio de

gestos suavizados e contidos (Figura 3 e 4). Olhar, observar e

julgar, já era um ato significativo que estava na reminiscência

dos desfiles.

Como estes desfiles observados no início do século XX

49

Figura 2: Palco elevado nos desfiles da Maison LucileFonte: <http://www.memoryprints.com/image/414511/a-garden-fashion-show-in-the-garden-of-lucile-ltd-featuring-luciles-spring-collection>.

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na Europa, elaboram narrativas que respondiam ao tempo com

as soluções apresentadas com o design e o entendimento dos

espaços. Estes primeiros desfiles materializavam a

modernidade e toda sua concepção de tempo, movimento e

sequencialidade. Atrás deste conjunto ordenado, dada pela

ação performática do andar da modelo em sucessão em linha

reta, Vilaseca (2010), enfatiza que os primeiros desfiles

estavam relacionados com o teatro e o cinema. Esta

similaridade visual está no efeito do caminhar lento, uma detrás

da outra, numa fileira que compartilha as lâminas ilustradas da

película. Um acontecimento que capta a essência da vida

moderna, (Figura 1 e 2).

Nesta imagem de 1914, as clientes contemplam as

criações de Lucile por meio da apresentação das modelos que

caminham ordenadas e mostram as últimas novidades da moda

(Figura 4).

Os desfiles, portanto, desde seu início, não deixam de

ser um discurso, que a partir do espaço, narram informações

que consolidam a comercialização dos modelos criados e criam

também por meio destes ambientes, espaços de visualidade

que conecta o comportamento da vida cotidiana daquele

momento. Há nestes espaços um reconhecimento pela

exibição da qualidade material, ou os elementos cenográficos

que refletem um cenário de grande opulência. Elementos que

narram ou são indícios de riqueza e poder e que respondem aos

50

Figura 3: Palco elevado para os desfiles da Maison Lucile e suas clientesFonte: <http://www.memoryprints.com/image/414511/a-garden-fashion-show-in-the-garden-of-lucile-ltd-featuring-luciles-spring-collection>.

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requisitos considerados definidores de uma ordem social dada

pela modernidade e o desenvolvimento industrial do século XIX

na Europa. Como nos afirma Lipovetsky (1989, p. 129),

«assente na teatralização da mercadoria, na pluralidade

feérica, na solicitação do desejo com os seus manequins de

sonho, réplicas vivas e luxuosas das vitrinas atrativas».

Vale destacar, com relação à origem dos desfiles, as

apresentações nas lojas de departamentos no início do século

XX. Diferentemente dos desfiles dirigidos à aristocracia e à

burguesia da época, estes se caracterizaram por serem

apresentados a uma clientela mais comum, com uma

visualidade que migrava para a grande massa, visto que as

modelos ou manequins misturavam-se às clientes como afirma

Evans (2002, p. 43), “os passeios ociosos, os conhecidos

flâneuses, do povo, nas lojas no século XIX”, nos diversos

ambientes das lojas, dando a ideia de um acontecimento social,

mas como uma narrativa que adentra no século XX e XXI, “na

qual os indivíduos trocam e consomem imagens, experiências,

decifrações, juízos” como nos afirma Araújo (2007, p. 190),

determinando gostos e diferenças.

A relação entre seus primórdios e os desfiles dos

designers Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela,

são a eficácia textual enquanto textos poéticos que reproduzem

situações, contextos que levam a um reconhecimento, marcam

uma conduta, um comportamento e abre possibilidades para

51

Figura 4: Desfiles na Maison Lucile entre as clientesFonte: <http://www.memoryprints.com/image/414511/a-garden-fashion-show-in-the-garden-of-lucile-ltd-featuring-luciles-spring-collection>.

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novas percepções e ações. Portanto estes desfiles apresentam

em suas narrativas, um conjunto de ações que afetam seu

receptor e estão presente em sua formatação, na constituição

de uma espacialidade, no ambiente, na posição do corpo do

receptor dentro deste espaço, no ato da leitura deste discurso, e

na própria ansiedade da espera do que o discurso promete. Do

movimento das modelos de Worth ou no chá com bolinhos ao

som da orquestra dos desfiles de Lucile, há uma implicação da

construção e visualidade do espaço como ambiente percebido

como experiência.

Nos espaços de apresentação mencionados, percebe-

se uma reprodução de um modo de vida, justificando o contexto

no qual se apresentam, eles são planejados e representados,

segundo as vertentes do momento, que orientam as

concepções de espaço e tempo. Estes espaços atuam no modo

como se processam as relações humanas de comunicação, se

apropriam das linguagens do design do espaço, do teatro e da

performance, supondo uma representação de mundo com um

discurso da opulência, da riqueza e da oferta, evidenciadas em

seus cenários que acenam aos receptores sob múltiplas

percepções.

1.2 O DESFILE COMO ESPAÇO DE MÚLTIPLAS

PERCEPÇÕES

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Entender um texto, um discurso, segundo Zumthor

(2007), é colocar o leitor/receptor como parte constitutiva deste,

pois, nessa relação se estabelecem e desdobram várias

estratégias de leitura que tendem a se modificar em função do

contexto, do texto, do autor e de próprio receptor. Um texto só

existe a partir dos leitores e na medida de sua iniciativa

interpretativa.

Ao se referir aos estágios de percepção e decodificação

de uma informação, Garcia (2007, p. 84) nos afirma que “as

pessoas tem percepções diferentes porque cada qual recebe,

organiza e interpreta a informação sensorial de maneira

individual”. A percepção se dá a partir do contexto e repertório

pessoal, de um modo muito particular e subjetivo.

Para Zumthor (2007), o ato da leitura ou da recepção tem

como pressuposto a coleta de uma informação, mas que em

certos casos esta leitura deixa de ser unicamente informação e

assume a poeticidade, no sentido de propiciar mais prazer que

informação. Esta poeticidade é percebida e recebida em função

do próprio discurso como tal e ou do grupo social no qual ele é

percebido.

Pensando no desfile como um reflexo da sociedade

contemporânea, que dramatiza e espetaculariza o discurso do

corpo e da roupa de formas criativas, sedutoras, convocando

todos a uma participação no evento. Pode-se apropriar das

afirmações de Frey (1998 apud MIRANDA, 2008, p. 79), ao

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abordar os desfiles a partir de sua estrutura ou formatação, que

incluem local, assentos, a primeira fila (sinal de importância),

passarela, trilha sonora, modelos, público, dentre outros, criam

“um virtual tão estocado e familiar quanto qualquer regra oficial

– são deliberadamente teatro invertido: uma performance

artística de objetivo comercial onde as entradas são de graça,

mas quase tudo mais na passarela está à venda”. Esta

afirmação remete a uma reflexão: como estes desfiles

analisados suplantam a informação como uma ferramenta de

comunicação do produto e da marca, e criam um dinamismo

formalizado pelo design ao projetar uma espacialidade

geradora de informações, construtora de sentido, onde

“confluem a comunicação e o conhecimento para compreender

o espaço cultural que nos envolve” (FERRARA, 2007, p. 37).

Nestes espaços organizados por meio destes

elementos, como a cenografia e a performance artística (uma

ação totalmente ligada ao corpo) é que se constroem o discurso

dinâmico dado por uma forma não fixa, mas a todo instante

recriada. Para Zumthor (2007, p. 29), “de fato (no nível em que o

discurso é vivido) ele nega a existência da forma”, e a partir da

performance cria ritmos e novas aberturas para a percepção.

É importante destacar que o momento da recepção é

uma experiência individual, como observado no desfile, com

seus ritmos, movimentos, luzes, que implicará em pulsações

corporais produzidas e estimuladas pelo próprio contexto. As

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condições da espacialidade expressa cria significados por meio

da visualidade e a comunicação que se manifestam no gesto,

no som, na performance e recursos técnicos apresentados

nestes desfiles. Este espaço de teatralidade para efeito da

recepção é um espaço reconhecido como espaço ficcional,

planejado, projetado e intencional para exercer uma

encenação. Com relação ao espaço, Amorim (2007) destaca:

Ferrara (2010) nos afirma, que estes espaços

ultrapassam a inércia do espaço como suporte, vão alem,

superam a sua materialidade física e se desdobram em

associações múltiplas de choques perceptivos, de se ver alem

do espaço físico, ou seja, é um espaço de manifestação do

autor/emissor que é identificado e percebido pelo

receptor/espectador como um espaço que se manifesta como

Seja lá qual for o espaço físico escolhido para o

desfile – um salão convencional, o canteiro de

obras de um túnel ou uma movimentada

avenida urbana – ele sempre será formado

pelos mesmos elementos básicos da ação

ênica: a passarela, que é o local onde acontece

a cena, o local onde se acomodam os

espectadores e uma intensa comunicação entre

os dois espaços (AMORIM, 2007, p. 39).

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estímulo, um experiência sensível, passível de conhecimento.

Esta espacialidade construída pela cenografia e pelas

performances artísticas no desfile contemporâneo, ao

refletirem o universo narrado com característica da cultura e da

época de uma determinada sociedade desde sua origem, como

vimos, são ambientes que envolvem o receptor no desfile de

moda contemporâneo. Segundo as reflexões de Zumthor

(2007), a performance por se caracterizar como uma prática

vivida que rege

simultaneamente o tempo, o lugar, a

finalidade da transmissão, a ação do locutor

e, em ampla medida, a resposta do público –

importam para a comunicação tanto ou

ainda mais do que as regras textuais postas

na obra na sequencia das frases: destas,

e las engendram o con tex to rea l e

d e t e r m i n a m f i n a l m e n t e o a l c a n c e

(ZUMTHOR, 2007, p. 30)

Essa noção de performance e de espacialidades nos

levam a observar a forma global do discurso e como isso se dá

no âmbito de sua leitura. Ler na visão Zumthor (2007, 33),

requer hábitos receptivos que envolvem fisicamente e

psiquicamente o receptor, assim como está ligado ao ambiente,

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ao espaço, e ler não importa o que ou que posição, “os ritmos

sanguíneos são afetados”.

Observamos nestes desfiles de Viktor & Rolf, McQueen e

Margiela que o design resultante da cenografia e da

performance, são apreensíveis pelos receptores como espaços

de visualidade e comunicação, como nos propõe Ferrara

(2007). Estes espaços são, portanto, discursos que procuram

propiciar novas possibilidades interativas, que desestruturam

padrões anteriormente consolidados, como espaços de

representação linear, próprio da cultura moderna e ordenada. A

percepção “varia de individuo para individuo e compreende o

processo pelo qual as pessoas selecionam, organizam e

interpretam informações para formar imagem significativa do

mundo” (MIRANDA, 2007, p. 68).

O desfile de moda enquanto espaço gerador de

visualidade amplia as possibilidades, pois proporções e

centralidade são agora substituídos por irregularidades onde os

elementos como a luz, a modelo, o som, o movimento podem

criar. Não existe mais um ponto de vista do observador, mas

outros planos se confrontam, gerando irregularidades que é

dado pela linguagem da collagem, das justaposições que

desmontam o conceito de espaço racional e ordenado dado na

modernidade.

Sendo a performance uma linguagem de interação, ação

e relação, o desfile ao articular com essa linguagem artística e

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toda a materialidade que integra o espetáculo, produz uma

leitura de complexidade significativa, pois, muitas vezes estes

objetos não aludem a uma representação mimética, e podem

ter outras significações. Nessa reconstrução, ou montagem dos

designers, geralmente vão se justapor imagens diversas da

realidade cotidiana, criando novas funções e utilizações para o

objeto, além daquela inicialmente definida nos desfiles

tradicionais. Ao investir a roupa de conceitos, sua função

primordial do vestir adquire outros sentidos.

O desfile passa a ser um evento de significação

simbólica, onde a performance e a cenografia (unidades

construtivas), comunicam e compartilham emoções e

sentimentos.

Cenas que emolduram uma experiência que é

humana por excelência e, lá dentro,

participando da estrutura ou do desfecho

narrativo, os bens de consumo absorvem – com

maior ou menor grau de fragmentação ou

diversidade – partes destes significados

(ROCHA; BARROS, 2008, p. 200).

Estes desfiles enquanto experiências performáticas se

constroem por meio de uma dinâmica em que espaço e tempo

superam a seqüência lógica e cronométrica que determinam

58Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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valores de funcionalidade e localização dada pela

modernidade. Ao dialogar com os elementos, som, luz, modelos

e performance, expandem-se em uma visualidade que supera o

ordenamento dos desfiles tradicionais e constituem-se como

uma nova formação (Bourriaud, 2009), de organização móvel,

onde cada elemento tem seu ritmo e significado.

Desta maneira, compreende-se que o desfile de moda

pode por meio de um discurso que envolve cenários

apropriados, uma linguagem poética, um ritual performático,

que assumi múltiplas combinações de percepções. 15Podemos pensar que o design do desfile, assim como

um objeto qualquer (pensado, criado e projetado) propicia um

discurso que leva o receptor a percepção de sensações e

emoções que se tecem na visualidade dada pela espacialidade

que promove experiências que envolvem o expectador, o

performer e o criador. Estes se materializam por meio de uma

estrutura que envolve iluminação, passarelas, música,

59

15 Design segundo Coelho (2008, p. 187-188), deriva do inglês design e em latim de designo. “Possui os sentidos de designar, indicar, representar, marcar, ordenar, dispor, regular; pode significar invento, PLANEJAMENTO, PROJETO, CONFIGURAÇÃO.” Tem um caráter abrangente e interdisciplinar e é essencialmente uma práxis com uma finalidade específica. Leva em consideração o desenvolvimento de um projeto, a produtividade, questões de uso, função, produção, mercado, utilidade, qualidade e estética, equacionando “fatores sociais, culturais, antropológicos, ecológicos, ergonômicos, tecnológicos e econômicos”. É um campo de “caráter técnico cientifico, criativo e artístico, que se ocupam em organizar, classificar, planejar, conceber, projetar, configurar, sistemas de INFORMAÇÃO, objetos bidimensionais (gráficos), tridimensionais (volumétricos), virtuais, ambientes ou espaços”.

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16modelos, cenografia, stylists , maquiadores, produtores,

diretores, entre outros, criando um ambiente que inaugura uma

nova modalidade para a apreciação e a sensação de conforto

emocional. Os desfiles mobilizam as conotações afetivas e 17fetichistas , por meio de promessas sedutoras e de sensações

novas. O princípio fetichista da mercadoria se dá no espetáculo

que engendra o desfile como instrumento, como espaço de

comunicação, despertando sensações e emoções.

Os desfiles dos designers Viktor & Rolf, Alexander

McQueen e Martin Margiela, observados na pesquisa

permitem, por meio de uma linguagem carregada de

significações, falar com seu espectador/observador em

interlocuções que se dão por meio de uma ação performática.

Trazem um discurso que acoplado à linguagem da arte e do

espetáculo teatral (pois valem-se dos artifícios cênicos), levam

ao questionamento do sentido funcional e comercial da moda.

60

16O termo stylist é uma apropriação da língua inglesa e segundo Roncoleta (2008) é usado no “meio profissional de moda para designar o profissional responsável pela construção e conceito da imagem”. Ainda segundo Sabino (2007 apud RONCOLETA, 2008, p. 92), “interfere na atitude das modelos, opina sobre cenário, trilha sonora e edita looks”.17O fetiche no mundo das mercadorias se dá por uma relação obsessiva das pessoas com as mercadorias. Neste sentido, Denis (1998, p. 24) afirma que “o fetiche funciona ao mesmo tempo como atribuição de valores subjetivos ao objeto e como apropriação de valores subjetivos representados pelo objeto (ou nele embutidos)”. E na sua acepção mais antiga, fetiche refere-se a adoração de objetos, pois acreditava-se que estes tinham poderes sobrenaturais, mágicos, ou seja, objetos que “enfeitiçavam” seus adoradores, pois estavam imbuído de poderes espirituais. Para Marx (1988), este caráter místico das mercadorias, se dá em função das relações sociais

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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Por meio de um campo simbólico, de significações, embutidos

na narrativa de seus desfiles, aparentemente propiciam mais

uma forma de sentir do que propriamente o de vestir. O que os

reúne para esse estudo, é justamente esta aproximação entre

vida e arte, dada pela linguagem da performance, “cada vez

mais elaborados e dispendiosos, comparáveis a performances

artísticas”. Crane (2011,p. 203),

Esta aproximação da arte com a vida já era uma

experiência de Duchamp, no qual englobava tudo que não era

instituído e dava valor de objetos de arte à produtos industriais e

cotidianos. Assim é a arte da performance que trata do estimulo

ao espontâneo e ao natural por meio de ritualizações dos atos

comuns, aleatórios, mas vivos.

Nos desfiles observados, esta aproximação com o real,

com o vivo, se dá por meio de um discurso que reelabora o real

por meio do design do corpo e do espaço. As ações

performáticas e suas unidades construtivas (cenográficas)

respectivamente, resultando em ações reflexivas, que

assumem vida própria, com a quebra dos formalismos ligados a

indústria da moda, que amarram os desfiles tradicionais e

61Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

de produção resultante do sistema capitalista, na qual o trabalho humano ou a “força de trabalho” é transformada em mercadoria e as relações advindas deste processo se dão em forma de troca de valores mercadológicos dos objetos. Como afirma Denis (1998), a acepção original da palavra fetiche, sai do plano sobrenatural, seu sentido original e passa na visão de Marx (1988) para o plano mundano das mercadorias, no qual atribuímos significados que não lhe são inerentes.

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funcionais da moda.

A oscilação entre o material (cenografia) e o imaterial (o

conceito performático) é o que aproxima o desfile entre a vida e

a arte. São esses fragmentos (cenário – gestual) escolhidos

para dar ideia de realidade e aproximação com a vida cotidiana.

Essa narrativa, por meio de uma sequencia de 18significações daquilo que poderia vir a ser , é o que aproxima o

espectador/observador, ao associar e relacionar estes

acontecimentos a sua realidade. Os artifícios cênicos usados

nestes desfiles constituem-se por meio de um visual (as

unidades narrativas) que ao mesmo tempo, podem levar a um

estranhamento, podem levar o observador/espectador a

identificações e associações com a realidade com os estímulos

despertados e significações. Ao incorporarem atos do cotidiano,

comportamentos culturais, estes designers experienciam,

articulam e revelam uma existência e uma prática da sociedade

contemporânea, como os atos comuns do vestir, do andar,

atividades simples de comportamentos comum.

Os designers nos desfiles observados, nesta pesquisa,

62Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

18 Conforme Garcia (2007, p. 91), “ao entrar no espaço do desfile, podemos afirmar que o observador participa de um ritual da moda, pois nele a coleção inteira é apresentada por uma seqüência de programas narrativos que determinam seu começo, ápice e fim. Após enfrentar uma fila diante da entrada, deixa-se conduzir pelas recepcionistas ao seu lugar marcado e, nesse espaço imobilizado, aguça a audição para ouvir as conversas a meia voz, quase sussurros que caracterizam a tensividade da espera, enquanto acostuma os olhos à escuridão de uma sala lotada”.

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apresentam diferenças entre si na sua construção ou

formatação, mas permitem apontar traços comuns nas

experimentações e nos processos e espacialidades que os

legitimam e condição necessária à apreensão sensível e

poética de seus textos.

Viktor & Rolf, são conhecidos por suas experimentações

com diversos elementos cenográficos, onde uma cena inteira

pode ser desenvolvida em relação a um objeto, como a

iluminação ou a construção da roupa (over-sized, drapeados,

excesso de camadas) ou também o próprio espaço cenográfico.

Em seu desfile, de outono-inverno de 2010/2011, 'Glamour

factory', o cenário é marcado por ícones que lembram uma

fábrica no qual os designers expõem o seu avesso, as suas

engrenagens mostram uma cena inteira que se passa com

vestir e desvestir de uma modelo, em um processo de repetição

constante, deixando o público a observar mais a ação do que o

porque desta da ação. Trabalham com a sobreposição, onde a

modelo é envolta por camadas de roupas como se fosse um

casulo. Esta ação do vestir nesta proposta dos designers

sobrepõe qualquer evidência em relação ao produto, apesar

dos designers mostrarem com certa ironia e até humor, as

várias possibilidades de utilização da roupa (Figura 5 e 6).

63

Figura 5: Modelo após ser vestida com mais de 35 looks – Viktor & Rolf – “Glamour Factory”Fonte: <http://www.i-d-j.com/2011/01/viktor-rolf-are-they-worth-it/#.

19 «Acreditamos que a costura deve ser um campo de experimentação. É um laboratório em nossa dedicação absoluta à moda” (tradução nossa). D i s p o n í v e l e m : < h t t p : / / w w w . i n d e x m a g a z i n e . c o m / interviews/viktor_and_rolf.shtml>.

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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Em entrevista a Index Magazine (2005), Viktor disse, “we

believe that couture should be a field for experimentation. It is a 19laboratory in our absolute dedication to fashion” . Os designers

já expressavam esse desprezo pelo mundo glamouroso da

indústria da moda dando ênfase as experimentações.

Alexander McQueen com o desfile “Voss”, primavera de

2001, criou um espetáculo a partir dos elementos cenográficos,

ao colocar uma caixa de espelho no palco (Figura 7), e criar um

visual entre o que é velado e o que é revelado, particularizando

cada ato da narrativa que está sendo criado naquele momento

pela performance das modelos e dos próprios participantes,

tudo interligado por meio das ações, tempo e espaço. Esse

conjunto de relações entre a realidade percebida e as ações

construídas pela performance, é que dá verossimilhança a

descrição do espetáculo.

O desfile se caracterizou como uma mostra, uma

exposição de algo a ser visto, e colocar uma caixa fechada, no

qual as modelos só eram vistas a partir de uma iluminação

adequada, o designer desconstruiu o conceito de dar

visibilidade ao produto e deixa vestígios que permitem

reconstruir as significações por meio da totalidade. Alterou a

ideia de passarela e de padrão, principalmente de beleza, ao ter

como centro um corpo que estava distante da estética

contemporânea das modelos. Este desfile foi construído com

vários fragmentos que dialogavam, e mesmo não havendo uma

aparente unidade visual desses elementos, o desfile resultou de

64

Figura 6: Viktor & Rolf em performance no desfile “Glamour Factory”Fonte: <http://fashion.telegraph.co.uk/article/TMG7391481/Viktor-and-Rolf-autumnwinter -201011-collection.html>.

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uma conjugação das diversas linguagens. Como observa

Cohen (2011), esta performance ao somar elementos como a

música, a dança, a poesia, a iluminação, o cenário, e o público,

compõe um espetáculo que vai além da linguagem teatral e se

alia a uma exploração de processos estéticos, como a fusão de

linguagens que mostra-se na ação.

A modelo no desfile de McQueen, usando águias

empalhadas sobre a cabeça (Figura 8) e a modelo no centro

(Figura 11), criou um visual que não se conforma com a

realidade. É uma justaposição de imagens que originalmente

não se aproximam, há uma alteração das propriedades

originais dos objetos e o observador passa por múltiplas

percepções, pois é uma costura de situações, onde o discurso

se constrói e se revela por múltiplas oposições, de posturas e

gestos reservados ou afetados, pelo direito e pelo avesso, pelo

grotesco e pelo disforme.

Margiela no desfile primavera verão 2009 (Figura 9 e 10)

em comemoração aos 20 anos da marca, na Paris Fashion

Week, evidencia uma imagem emblemática ao colocar suas

modelos na passarela com enormes cabeleiras como um

padrão de representação corporal ao mesmo tempo em que

transforma ou mascara este corpo de forma a ocultá-lo

enquanto finito, enquanto sujeito. Neste sentido, Villaça (2010),

observa que:

A compreensão do sujeito como da

65

Figura 7: Cubo com modelos – Alexander McQueen – “Voss”Fonte: <http://macheriedior.blogspot.com.br/2011/06/voss-alexander-mcqueen-spring- 2001.html>.

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representação, senhor da matéria corporal, objeto da medicina e da biologia, entrou em crise na virada do século XIX para o XX, quando a visão do corpo se abriu às ciências humanas que o revelaram trabalhado pelo inconsciente, pela sexualidade, pela linguagem, atravessado pelo imaginário, pelo fantasmático e também construído pelo social, como produto de valores e crenças culturais (VILLAÇA, 2010, p. 163)

Ao esconder o rosto da modelo com enormes cabeleiras,

a figura feminina é distorcida ao encobrir seu rosto, remetendo

ao aspecto de coisa, pois, ao perderem suas expressões

faciais, perdem sua identidade, deixam de expressar sua

individualidade, como se formassem uma massa homogênea e

uniforme. Há uma dificuldade em separar, o que é sujeito, o que

é o objeto, ao serem exibidos na passarela uma serie de

modelos sem identidade.

Percebe-se também uma justaposição, onde o designer

a partir destes arranjos, busca uma nova ordem para a

harmonização do seu discurso, cria-se nova utilização dos

objetos, como as meias e os cabelos que recobrem o rosto da

modelo. Associa objetos que não podem ocorrer

simultaneamente, há uma livre associação, solta, um

deslocamento sem preocupação estilística.

A passarela passa a exibir modelos em serie, com

interferências que quebram a sequencia natural do desfile,

66

Figura 8: Modelo com águias empalhadas suspensas sobre a cabeça da modeloFonte: <http://macheriedior.blogspot.com.br/2011/06/voss-alexander-mcqueen-spring- 2001.html>.

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buscando uma nova ordem para a harmonização do seu

discurso, cria-se nova utilização dos objetos, como as meias e

os cabelos que recobrem o rosto da modelo, e a entrada de

manequins empurradas sobre um carrinho (Figura 9 e 10).

A partir desta ação, o designer expõe a confusão de

limites entre o corpo e o objeto e revela segundo Fiorin (2008, p.

146), “um caráter lutador e ativo, que participa dos

entrechoques da arena da realidade, para transformá-la”. Este

apelo ao grotesco também pode ser observado no desfile de

Alexander McQueen, primavera verão 2001, no qual a não

conformidade é representada pela sobreposição de objetos

estranhos fora do contexto como os lenços e os objetos que

recobrem a cabeça da modelo (Figura 11). Também

observamos esta não conformidade, na modelo central,

reclinada com mascara e tubos, uma imagem de um corpo

contaminado que exacerba a ideia de coisa (objeto).

A partir dos três exemplos de desfiles, dos designers

Victor & Rolf, McQueen e Margiela, observamos traços que

permitem caracterizar estes espetáculos como performance.

pode-se considerar a performance como uma forma de teatro por esta ser, antes de tudo, uma expressão cênica e dramática – por mais plástico ou não-intencional ou seja o modo pelo qual a performance é constituída, sempre algo estará sendo apresentado, ao vivo, para um determinado público, com alguma 'coisa' significando (no sentido de

67

Figura 9: Desfile Martin Margiela – 2009Fonte: <http://perseverancadoproposito.blogspot.com.br/2008_09_01_ archive.html>.

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signos); mesmo que essa 'coisa' seja um objeto ou animal (COHEN, 2011, p. 56)

São desfiles que colocam em evidência noções de

identificação, rupturas de fronteiras entre o que é real e irreal e

noções de espaço enquanto espacialidades comunicantes, nas

quais existe a construção de imaginários, onde tudo significa e

desperta novas maneiras de percepção. Os atos criativos,

mesmo em sua abstração, ou livre associação, há também a

incorporação dos atos comuns, do vestir, do caminhar e

rodopiar, mas estes desfiles tiram, rompem com a estética

tradicional e glamourosa da moda reforçando a ideia de

aproximação com a arte e a vida.

Nestes desfiles analisados, os designers, mesmo com

propostas que retratam cenas irreais, como Margiela e

McQueen ou mais elaboradas formalmente como Viktor & Rolf,

produzem emoções e sensações, ao narrarem por justaposição

uma releitura do mundo de não hierarquias, de rupturas onde o

discurso visual é feito pelos efeitos que se realizam em cena.

Portanto um processo que mexe com a forma de recepção por

parte do espectador/receptor, levando a uma forma de cognição

menos racional e mais complexa. Comunicar na visão de

Zumthor (2007, p. 52) “não consiste somente em fazer passar

uma informação; é tentar mudar aquele a quem se dirige;

receber uma comunicação é necessariamente sofrer uma

transformação”.

68

Figura 10: Desfile Martin Margiela – 2009Fonte: <http://perseverancadoproposito.blogspot.com.br/2008_09_01_archive.html>.

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Para Cohen (2011, p. 51) “o processo de composição das

linguagens se dá por justaposição, colagem”, onde cada

elemento na cenografia tem um valor isolado e que na obra total

assumem outro valor, produzindo uma leitura de maior

complexidade. Para Cohen (2011), Collage, aqui seria uma

linguagem, e não simplesmente colagem, que inclui picagem,

seleção em uma criação. Esta linguagem é por si só lúdica e

possibilita ao criador, neste caso o designer, sua releitura de

mundo.

Estes desfiles, ao construírem seus discursos a partir de

reconstruções da realidade, onde se justapõe imagens que na

realidade cotidiana nunca estariam juntas, vão ao encontro dos

conceitos de montagem observado por Ferrara (2007) e de

collage abordada por Cohen (2011) – como no desfile de

Margiela primavera/verão 2009. Neste desfile as cabeças são

recobertas de cabelos e máscaras, dando sentido inverso ao

tronco, como se este estivesse ao contrário, contribuindo para o

abafamento ou a sufocação da silhueta. Ou no desfile

observado de Viktor & Rolf, ao criarem excessivas camadas de

roupas que recobrem a modelo, e encobrem a forma corporal.

O mesmo pode-se observar no desfile de McQueen, com

suas cabeças pássaros e a mulher reclinada com máscaras.

Estes designers recriam novas utilizações para os objetos e os

resignificam ao alterarem suas propriedades originais,

organizando encontros fortuitos como os referenciados por

Bourriaud (2009).

69

Figura 11: Modelos em performance no desfile de McQueen – “Voss”Fonte: <http://edfadiel.blogspot.com.br/2011/04/tribute-to-late-alexander-mcqueen.html>.

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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Bourriaud (2009), quando faz esta discussão dos

encontros fortuitos se refere a nova maneira de ver e perceber

as práticas artísticas contemporâneas. Desta forma, ele retoma

conceitos como forma e conteúdo, para efeitos de analise de

uma obra de arte, pois segundo ele, uma obra é julgada

segundo sua forma plástica, um conceito das práticas e valores

artísticos modernistas que não cabe mais as práticas

contemporâneas.

Portanto, Bourriaud (2009, p. 30) assume o termo

“formação” para as novas maneiras de se avaliar uma obra, pois

novas dinâmicas se estabelecem e “a arte atual mostra que só

existe forma no encontro fortuito, na relação dinâmica de uma

proposição artística com outras formações, artísticas ou não” e

essa consistência só é produzida quando temos interações

humanas, por meio do dialogo que se estabelece entre a obra e

o receptor dado pelas escolhas plásticas. Para Daney (1992

apud BOURRIAUD, 2009, p. 32) “produzir uma forma é criar as

condições de uma troca”.

Segundo Bourriaud (2009), o mostrar, ver, que

representava a essência do advento do mundo imagético,

extinguiu-se na obra artística contemporânea. Na concepção

de Daney (1992 apud BOURRIAUD, 2009, p. 33), “toda forma é

um rosto que me olha”, pois a obra chama para um diálogo, é

neste diálogo entre duas realidades, a da concepção artística e

a troca do observador, nasce o encontro fortuito. Para o autor, a

singularidade ou “a homogeneidade não produz imagens, e sim

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o visual”, ou seja, algo fechado e formatado.

Estas concepções de Bourriaud (2009) vão ao encontro

das reflexões de Ramos (2007), sobre visibilidade e

visualidades dos espaços, ao extrapolar uma existência visual,

permitindo se manifestar também por outros sentidos.

Apropriando destas concepções do mundo da arte e trazendo

para o campo do design, percebemos que a construção destas

“formas” se traduzem no contemporâneo como “formações”,

espaços construídos que funcionam como mediação, diálogo e

promotores de comportamentos individual ou social.

Seguindo este raciocínio observa-se que o uso das

diferentes linguagens artísticas como a “collage” Cohen (2011)

ou a “montagem” Ferrara (2007), ou a “formação” de Bourriaud

(2009), são linguagens concernentes ao conjunto de

sensorialidade do receptor, portanto na ordem da percepção

sensorial.

Ao observamos estes designers transpondo os limites do

território inerente ao mundo da moda, e dando novos sentidos a

este universo a partir de uma exibição performática,

percebemos que o que se produz é um discurso crítico dotado

de uma carga poética em relação a própria percepção de

mundo do designer. Nesse processo alquímico, chegam a

outras realidades que muitas vezes não pertencem ao

cotidiano, criando um distanciamento e uma reconstrução da

realidade. Segundo Cohen (2011, p. 63) este distanciamento

“não vai provocar uma separação entre vida (no que diz respeito

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aos acontecimentos cotidianos) e arte, mas, pelo contrario, vai

possibilitar a estimulação do aparelho sensório para outras

leituras dos acontecimentos da vida” por parte do receptor.

Dessa forma, o desfile de moda se insere em um terreno

fronteiriço entre a arte e a vida. O que podemos observar nestes

desfiles é que a performance criada não apenas é uma ação

teatral de interpretação de um papel em um palco, estas criam

realidades sociais e mantém um limite marcado entre o conceito

do artista e a realidade cotidiana.

Estes desfiles trazem em comum a ruptura do universo

espetacular construído pela moda com seu discurso ensaiado,

construído, roteirizado como forma de sustentação da crença e

atratividade dada pelo consumo, ao recriarem novas situações

de percepção. São formas expressivas, significativas de

representar a vida, que recriam uma realidade, mesmo que pela

anormalidade aparente de suas apresentações, ao retratarem

novas espacialidades provocadoras e com possibilidade de

novas inserções, ou justaposições, abrem-se novas

articulações na forma de perceber a realidade e a encenação.

A performance no desfile destes designers traz também

um desvelamento ou um indício, mesmo no aparente caos, ou

das máscaras que recobrem a realidade cotidiana, observada

no processo performático de Viktor e Rolf por um excesso de

vestimenta, em Margiela pelas máscaras e perucas que

recobrem a modelo, e em McQueen pela caixa de vidro, como

se fossem enigmas a serem desvelados, num texto mesmo que

72Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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indiscernível, ressoam fragmentos que o receptor procura

encontrar sentidos, evocando novas possibilidades de reler o

mundo, outra maneira de olhar para o mundo, como uma forma

de investigação, questionamento e levantamento do véu que

encobre o mundo da moda.

O texto no desfile é uma linguagem que trabalha com

fragmentos, levando o observador a um processo de cognição

que segundo Maingueneau (apud Fiorin 2008, p. 149), “acede a

uma maneira de ser por intermédio de uma maneira de dizer”.

Esta construção privilegia a forma e a estrutura em detrimento

do conteúdo. Trabalha a ideia de obra aberta, acessível a varias

leituras, e antes de tudo uma leitura emocional, levando o

espectador muitas vezes a não entender a mensagem, mas

sentir o que se passa, portanto fazendo parte da obra.

São desfiles que trabalham com a dialética discursiva, ao

mesmo tempo que, possuem uma narrativa com estruturas

construídas que darão conta da informação, também reforçam

o rompimento com a representação ao trabalhar com o

imprevisto, trazendo mais realidade e mais vida a

apresentação.

Para Cohen (2011), quando a linguagem da collage é

usada na performance, reforça a busca da utilização de uma linguagem gerativa ao invés de uma linguagem normativa: a linguagem normativa esta associada à gramática discursiva, à fala encadeada e hierarquizada (sujeito, verbo,

73Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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objeto, orações coordenadas, orações subordinadas, etc.). Isso tanto ao nível do verbal quanto do imagético. Na medida em que ocorre a ruptura desse discurso, através da collage, que trabalha com o fragmento, entra-se num outro discurso, que tende a ser gerativo (no sentido da livre-associação) (COHEN, 2011, p. 64).

Assim, estas novas combinações por meio da linguagem

da collage com os elementos estruturais, objetos no espaço

cênico, apresentam-se como novos modos de comunicação

constituindo-se como discursos visuais que interagem

design/espaço/ação e o público/espectador. Ao mesmo tempo

em que amplia as possibilidades de criação de modelos de

comportamento, permitem ao observador/receptor fazer

diversas interpretações.

O que se observa na composição formal/espacial do

designer Martin Margiela, é a utilização de poucos elementos,

que propicia um maior envolvimento do receptor, pois “os vazios

presentes na composição abrem uma série de 'buracos' a

serem completados pela recepção”, como nos reforça

Nakagawa (2007, p. 46), e também visto nos designers Viktor &

Rolf e Alexander McQueen, ao exporem vários elementos

estruturais e tecnologias, incitam “o desenvolvimento de

diferentes capacidades relacionais, pois o estranhamento

gerado pelo uso inusitado do dispositivo rompe com uma série

de hábitos perceptivos já consolidados” (NAKAGAWA, 2007, p.

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46).

Nestes espaços estão presente uma pluralidade de

sentidos, contrárias à linguagem cotidiana, pois exigem “a

intervenção de uma vontade externa, de uma sensibilidade

particular, investimento de um dinamismo pessoal para serem,

provisoriamente, fixadas ou preenchidas” como nos afirma

Zumthor (2007, p. 53) com relação ao texto poético. A

combinação destes elementos traz uma mensagem estética

que rompe e contradiz os paradigmas estabelecidos, levando o

observador/receptor a uma descoberta de vários significados

possível.

Neste sentido, as unidades ou elementos construtivos

desses desfiles pesquisados, assumem um papel importante. A

realização de um evento ação, com uma linguagem artística,

onde não só o processo está acima do produto final, mas a

própria noção de forma ou ordem informativa do discurso

propiciam novas formas de leitura, e para compreendermos

estes pólos antagônicos e ao mesmo tempo híbridos, é

necessário percorrermos os conceitos que fundamentam a

linguagem da performance e que na contemporaneidade

muitos designers se aliam, como textos visuais significativos,

que serão discutidas no capítulo 3.

75Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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Capítulo 2

A Narrativa nasEspacialidades

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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2.1 A NARRATIVA COMO LINGUAGEM ARTICULADA

NOS ESPAÇOS PERFORMÁTICOS

Toda narrativa deve conter uma gramática comum, dada

por um código, ou estrutura formal que transmita algo e que está

presente em contextos de diferentes tempos, lugares ou

sociedades.

A narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem, fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mis tura ordenada de todas es tas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopéia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura (recorde-se a Santa Úrsula de Carpaccio), no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no fait divers, na conversação (BARTHES, 2011, p. 19).

A narrativa segundo Barthes (2011), pode ser abordada

sob uma multiplicidade de olhares, histórica, psicológica,

sociológica, estética, entre outros. Observamos que o conjunto

dos elementos cênicos em articulação com a performance, se

apresenta como um discurso de relações sensíveis que se

converte em espacialidade, viva, onde indícios aparentemente

sem sentido, revelam e acrescentam soluções visuais em

relação ao contexto. Esta situação elimina a rígida construção

77Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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de um texto – de forma combinatória – ao criar uma pluralidade

comunicacional. Com as livres associações é possível

“promover o encontro das imagens e fazer-nos esquecer que

elas se encontram” (COHEN, 2011, p. 64), ou seja, um discurso

visual que tende para os efeitos produzidos dado na

encenação, como um gerador de novas percepções.

A encenação não obedece as hierarquizações, podendo

se desenvolver livremente, como observado no desfile de

McQueen (Figura 12). O tempo de espera para o inicio do

desfile, desperta nos espectadores, ao se verem refletidos na

caixa de espelhos, comportamento e situações inesperadas. A

caixa espelhada, neste momento passa a ser o centro das

atenções e num outro momento inverter a proposta ao apagar

das luzes e apresentar as modelos que estão presas dentro

dela.

Nos elementos (a música, o figurino, a maquiagem, os

ornamentos, a passarela, as modelos, a iluminação, a

performance, entre outros) é possível apreender a interação

entre o discurso visual, o espaço e o público que é dado por

meio de um encadeamento ou acontecimento como se refere

Barthes (2011), onde cada ponto, ou unidade/elemento irradia-

se em várias direções, mantendo um sequencia aberta e

perturbadora que levam a várias interpretações. “A noção de

estrutura se denomina um conjunto: um todo constituído por

partes articuladas” (PINTO, 2011, p. 7).

Figura 12: Desfile de McQueen – performance das modelos na caixa espelhadaFonte: <http://vossehf.wordpress.com/2012/01/24/hello-world/>.

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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A combinação dos elementos em uma narrativa é

descrita por Barthes (2011), a partir da acumulação de

acontecimentos, e pode ser vista nos desfiles de moda, como

uma sucessão de ações que resultará em um discurso. Este se

dá por meio da ação criadora e artística do narrador

(autor/designer), que privilegia a forma, não havendo uma

hierarquização dos elementos como (o conceito, o local, o

cenário, a música, a iluminação, a modelo). Ao colocar estes

elementos em cena, o designer promove um encontro, ou

integração de formas variadas, ou elementos (objetos)

desconexos nos distintos espaços.

a distinção entre o conceito de espaço e sua dimensão comunicativa que se faz representar através de espacialidades e constroem signos e linguagens que se fazem presentes, sobretudo, em sistemas não v e r b a i s . E c l o d e m e m s u p o r t e s bidimensionais impressos, elétricos, eletrônicos, digitais ou tridimensionais volumétricos, estáticos, dinâmicos ou sociais constituindo o ambiente comunicativo da modernidade e da pós-modernidade (FERRARA, 2007, p. 6).

Deve-se entender o suporte como ambientes mais

complexos, como processos comunicativos sócio-culturais e

não mero suporte que comporta uma inscrição, um espaço a ser

preenchido.

79Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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A integração na narrativa “não se apresenta de maneira

serenamente regular, como uma bela arquitetura que

conduziria por chicanas simétricas, de uma infinidade de

elementos simples, a algumas massas complexas” (BARTHES,

2011, p. 60), como afirma o autor, mas essa integração se dá por

estes “elementos descontínuos, contínuos e heterogêneos”.

Estes elementos passam a ter significados em relação ao

contexto narrado. Um discurso se constrói a partir de uma

forma, uma materialização, por meio das justaposições. É a

união de pontos antagônicos ou como nos afirma Barthes

(2011, p. 57), “toda sequencia tem dois pólos”.

A escolha das categorias que integram o desfile (espaço

e performance) para compor esta reflexão, se estabeleceu por

sua relevância em relação ao discurso emitido pela articulação

destes elementos. Outros aspectos podem ser considerados e

incorporados, mas estes elementos aqui definidos produzem

uma estrutura combinatória suficiente para formar a mensagem

a qual se propõem.

Para Barthes (2011), a narrativa é a maneira de

engendrar um discurso (um conjunto de frases) em uma

mensagem oferecida por meio de códigos ou unidades

(estrutura, por exemplo o alfabeto), que é regido por uma

gramática e regras que os determinam em suas associações.

Os desfiles têm na narrativa, um instrumento para

exprimir a ideia, a paixão e a beleza de seus textos visuais, por

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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meio da espacialidade e da performance onde se encontram os

sons, imagens, texturas, cores, formas e volumes que se

apresentam em superposições e superam a linearidade,

evocando novos sentidos, mediante a interpretação por parte

dos observadores/receptores. O discurso no desfile se dá pela

formatação, distribuição e articulação dos elementos neste

espaço, e ao considerarmos este discurso como um texto

artístico, outras formas vão surgir.

Transmitir mensagens em linguagens artísticas pode

produzir certo estranhamento em sua forma de recepção,

justamente por não haver sentido em muitos dos

encadeamentos aleatórios dado pela performance. Para

Ferrara (2007, p. 36), “a operação de estranhamento que leva a

superar a visualidade imediata da simples contemplação”,

revela o interesse cognitivo e se processa como um instrumento

eficiente de fazer ver. O espaço ultrapassa a inércia de simples

suporte ou espaço físico e revela a capacidade de transmitir

mensagem através de associações imprevistas se processa no

espaço vivido. Este é o caso dos designers de moda Vicktor &

Rolf, Alexander McQueenn e Martin Margiela aqui estudados,

quando empregam em sua forma de exibição linguagens

artísticas ou um texto poético. Essa linguagem de exibição

apresenta-se não só nos elementos cênicos, mas também na

própria coleção de uma moda conceitual.

Para Rodrigues e Vandresen, (2011, p. 21), a moda

Figura 13: Modelo de corset vestida pelos designersFonte: <http://models.com/mdx/?p=2700>.

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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conceitual é “uma moda que vai além da pretensão comercial

obvia e imediatista, apresentando o objeto real (roupa) distante

do seu propósito (vestir)”. Este conceito está na estrutura dada

do desfile, construindo sentido a partir da soma dos elementos

que entram nesta narrativa, e portanto, o design da roupa só

terá significação quando integrada à espacialidade que

compõem o desfile. Neste sentido, a análise seguirá a partir do

conjunto, e da forma como estes elementos se correlacionam

na ação.

Esta estrutura nos desfiles se dá pela forma como a ação

se desenvolve. Como observado no desfile de Viktor & Rolf, a

entrada da modelo principal Kristen McMenamy vestindo

somente um corset (Figura 13 e 14) e se posicionando na

passarela de forma estática, a espera de sua construção por

meio das sobreposições das peças das outras modelos, mostra

um rompimento na sequencia funcional do encadeamento do

andar das outras modelos, que param, para serem despidas

pela ação dos designers.

A partir das considerações, cabe, portanto afirmar, que

os designers destacados nesta pesquisa, Viktor & Rolf,

Alexander McQueen e Martin Margiela, nos desfiles

selecionados, apropriam-se da linguagem da performance e da

espacialidade, para produzir uma narrativa onde cada elemento

e cada designer dá possibilidade de integração e significação

na obra, por mais absurdo ou por mais tênue que seja sua

Figura 14: Modelo Kristen McMenamy, vestida pelos designersFonte: <http://glamourboysincbeauty.blogspot.com.br/2010/09/viktor-and-rolf.html>.

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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ligação, como observado no desfile de Martin Margiela, em sua

sequencia de apresentação, que é rompida quando a modelo

passa a ser empurrada por um carrinho aludindo a ideia de um

objeto a ser transportado (Figura 15). Ao mesmo tempo em que

interrompe, se articula com as modelos de passarela ao mostrar

um corpo vestido com ornamentos que cobrem as modelos com

perucas e meias. Esses corpos na passarela, passam a ter

uma aparência que define a visualidade que o designer deseja

exibir. Segundo Oliveira (2008, p. 83), “a roupa não veste um

suporte vazio, o corpo”, mas um corpo que mostra e visualiza o

próprio sujeito. O corpo vem carregado de sentido e interage

com a roupa e a roupa ganha sentidos diferentes ao vestir um

corpo. O corpo vestido possibilita a aparência do sujeito e a

aparência anuncia direcionamentos da visibilidade social do

sujeito.

A partir destas considerações, discutimos as unidades

ou elementos que constituem a narrativa do desfile de moda.

Mesmo apresentando-se como parte do discurso, os elementos

não remetem a um ato fechado, mas como complemento,

relativos à atmosfera da ação, mesmo que sua ordem de

aparição no discurso não seja necessariamente pertinente, são

elementos integrativos que podem indicar ou não o

encadeamento da ação.

Como observamos o desfile de Viktor & Rolf, a modelo

Kristen McMenamy, era parte integrante da narrativa, um Figura 15: Modelo empurrada em um carrinho manualFonte: <http://www.vogue.it/en/shows/show/ss-2009-ready-to-wear/maison-martin-margiela /collection/203895>.

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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84

elemento implícito e necessário, pois tinha a função de

identificar e situar-se no espaço para que a ação dos designers

pudesse se processar. Esta cena passou a ter uma valorização

maior dentro do espetáculo, deixando as modelos que

adentraram a passarela como secundárias, e as vezes a

iluminação ou a música de fundo podiam passar de simples

coadjuvantes e fazer parte do centro das atenções, como

percebemos nas (Figura 16 e 17.)

No desfile de McQueen “Voss”, a composição do cenário

e dos vários elementos indicava um clima pesado, angustiante

pela própria ação das modelos presas em um box, onde não se

conhecia a ação das mesmas. A modelo tinha uma função

catalisadora de poder alterar o discurso, mesmo com seu

gestual repetitivo em função de sua performance, e ao mesmo

tempo todo espaço visual era tomado pela caixa de vidro como

elemento central que simulava um hospício (Figura 18).

No desfile de Martin Margiela, as modelos eram

elementos informativos, que remetia a uma atmosfera de

deciframento. Seus rostos cobertos por peruca distorciam sua

fisicalidade e se tornavam objetos centrais da cena a partir da

repetição destes elementos dispostos sobre a modelo,

colocando design da roupa inserido na situação (Figura 19).

Para Cohen (2011) a eliminação de uma cena mais

concreta na performance, como por exemplo um início, meio e

fim, ou com elementos não organizados ou que aparentemente

Figura 16: Viktor & Rolf e a modelo Kristen McMenamy em destaque na passarela.Fonte: <http://glamourboysincbeauty.blogspot.com.br/2010/09/viktor-and-rolf.html>.

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Figura 17: Performance de Viktor & Rolf vestindo a modelo Kristen McMenamyFonte: http://neutradesign.wordpress.com/2010/03/17/glamour-factory-by-

não produzem sentido, não impede sua carga dramática.

A eliminação de um discurso mais racional e a utilização mais elaborada de signos fazem com que o espetáculo de performance tenha uma leitura que é antes de tudo uma leitura emocional. Muitas vezes o espectador não “entende” (porque a missão é cifrada) mas “sente” o que está acontecendo (COHEN 2011, p. 66).

Nos três desfiles percebemos (o corpo) a modelo, como

parte de uma ação discursiva, servindo para dar autenticidade

àquela realidade. A presença do corpo da modelo, nestes

desfiles, é um fragmento da ação que tomou significações

diferentes, ao identificar, remeter a situações diversas,

elemento necessário dentro daquele encadeamento específico,

que fogem dos padrões e significações normais. O corpo no

desfile e sua aparência produzem relações que se abrem a

significações, onde o produzido surpreende e desconcerta por

inovar, criando novos sentidos e significações. A modelo é quem

desenvolve a narrativa que compreende toda uma série lógica

de ações, mas toda sequencia comporta, segundo Barthes

(2011), momentos de riscos, pois em cada ação destas modelos

como o caminhar, o girar, e o cambalear apresentam uma

aparente liberdade. O desfile ao articular elementos como os

que recobrem o corpo em sua narrativa, e se apropriar da

linguagem artística da performance, rompe com padrões

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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estabelecidos e fechados ao colocar o corpo vestido como

instrumento do improviso.

A performance atua como uma ação transformadora,

uma metamorfose das mudanças estruturais da relação do

corpo com a roupa. A utilização do corpo do artista, como centro

das experiências performáticas e como meio da expressão

artística, é evidentemente diferente do que ocorre na

performance de um desfile, como ressalta Agra (2011), com a

ação corporal da modelo, que segundo o autor, estaria mais

próxima do ator e não de um performer e portanto, seria mais 20um suporte e não meio de expressão . Mas nos desfiles

ressaltados, a modelo assume uma questão poética e uma

conjugação com o objeto de design que é a roupa. Com sua

materialidade e forma a roupa no corpo tem amplitude,

propriedade e dialoga com a espacialidade.

Desta forma, podemos dizer que o desfile de moda

86

Figura 18: Modelo em performance no box espelhadoFonte: <http://www.flickr.com/photos/65722032@N08/6030589515/sizes/m/in/ photostream/>.

20 É importante ressaltar esta classificação entre ator, aquele que representa, na dramaturgia convencional do teatro (representação) e performer (apresentação) aquele que assume-se enquanto transformador em uma ação, pois o desfile de moda ao associar-se da linguagem da performance, aproxima-se mais da dramaturgia teatral, mas que não descarta sua aproximação com a linguagem artística da performance. Pois é nas diversas possibilidades de ação e articulação que vão constituir a narrativa do desfile, que se configura a transformação estrutural e refundadora, de uma nova linguagem, um novo discurso, com novas significações, ou melhor, como nos afirma “a mudança estrutural da metamorfose” (AGRA, 2011, p. 134).

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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87

Figura 19: Sequencia de modelos em performance – Martin MargielaFonte: <http://www.vogue.co.uk/news/2008/10/30/martin-margiela-launches-pre-collection>.

constrói uma narrativa com a apresentação performática

realizada por modelos, em que roupas e acessórios são

mostrados a um público, com local, data e hora pré-fixados

(duração média de trinta minutos), e que estas fazem parte de

sua estrutura formal, assim como o local, assentos, passarela,

modelos, iluminação e, geralmente, é animado por uma trilha

sonora gravada, ou ao vivo, como afirma Garcia (2007).

O Desfile apresenta uma coleção de roupas criadas por

um designer para compradores, espectadores e jornalistas;

caracteriza-se por uma mostra única, que jamais poderá ser

repetida em sua forma exclusiva, pois, para a autora, “ao entrar

no espaço de um desfile, pode-se afirmar que o observador

participa de um ritual da moda, pois nele a coleção é

apresentada por uma sequência de programas narrativos que

determinam seu começo, ápice e fim” (GARCIA, 2007, p. 91).

De acordo com esta afirmação da autora podemos observa que

os discursos gerados por cada elemento destes programas

narrativos terão uma significação conforme sua participação e

integração no espetáculo de exibição. Portanto para

entendermos estes programas narrativos a que Garcia (2007)

nos descreve, devemos observar como os elementos se

comportam em ralação ao discurso nos três desfiles analisados.

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2.2 A CONSTRUÇÃO DAS NARRATIVAS DE VIKTOR &

ROLF, ALEXANDER MCQUEEN E MARTIN MARGIELA

A ascensão e a proeminência de designers que surgiram

na década 1990, como Viktor & Rolf, Alexander McQueen e

Martin Margiela, desafiaram os limites da moda e encorajaram

uma abordagem experimental para o design de moda.

A análise destes desfiles se caracteriza por conferirem

visibilidade à realidade por meio de uma linguagem artística, a

performance. Nos processos de construção discursiva,

reconhecemos o modo como são construídas as relações entre

sujeitos e objetos e como por meio da percepção,

transformações são construídas. O desfile é um instrumento do

qual favorece o desenvolvimento do olhar, e de acordo com

Buoro (2003), na medida em que é capaz de analisar uma

imagem, opera transformação e reconstrói sentidos. Para isto, o 21desfile, se apresenta como um texto significante , onde o leitor

deve perceber as articulações que resultam dos elementos

dispostos no espaço de modo que sua significação seja

construída.

88

21 Para Buoro (2003, p. 131), o texto “é um universo organizado, coerente, demarcado, constituído de elementos que se relacionam entre si”. Ele tem uma estrutura que lhe dá sentido em sua globalidade, onde as partes tecem uma totalidade.

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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2.2.1 Viktor & Rolf

A coleção de outono-inverno de 2010/2011 da dupla

holandesa Viktor Horsting & Rolf Snoeren, mostrada em 6 de

março, em Paris, 'Glamour factory', trouxe um cenário que

lembrava uma fábrica nos moldes do início da Revolução

Industrial (Figura 20). Com símbolos que remetiam as

engrenagens de uma grande máquina, os designers eram a

peça chave desta grande fábrica e seu processo produtivo, que

iam construindo, montando a modelo.

A modelo Kristen McMenamy entrou somente com um

corset e sustentou cerca de 30 looks que eram sobrepostos

pelos designers, ficando estática por 20 minutos sobre a

passarela, causando um efeito de construção e desconstrução,

pois logo após a sobreposição das camadas, os designers

desconstruíam estas camadas superpostas sobre a modelo e

vestiam outras modelos que entravam novamente na passarela

(Figura 21).

O cenário foi desenvolvido pelo design holandês-belga

Nynke , composto por uma série de objetos de

marchetaria que tinha como título “indústria”, envolvia um

Tynagel

89

22 Fabrica do glamour, tradução nossa.

Figura 20: Passarela do desfile “Glamour Factory”Fonte: <http://aguarras.com.br/tag/moda/>.

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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Figura 21: O vestir e desvestir das modelos na performance de Viktor & RolfFonte: <http://fashion.telegraph.co.uk/article/TMG7391481/Viktor-and-Rolf-autumnwinter-201011-collection.html>.

espaço de 1.000m2, recoberto por adesivos com imitação em

preto e branco de chaves, martelos, engrenagens, rodas,

porcas e parafusos, como indicação de uma fábrica (Figura 22).

No centro da passarela uma plataforma giratória, onde a

modelo Kristen era vestida e “desvestida”. A dupla de designers

trabalhava habilmente em tempo sincronizado, para vestir e

desvestir as modelos, em uma rotina cronometrada lembrando

a produção seriada e a grande teoria de Taylor dos tempos e

movimentos. Neste desfile os designers fizeram uma crítica a

produção de massa e de maneira indireta da sociedade do

consumo (Figura 23).

O modelo gráfico do convite desenvolvido pelo Jo Studio

com um selo de Viktor & Rolf, trouxe elementos que se

relacionaram com a temática. Uma engrenagem, ou uma

imagem que recriou a realidade representada pelo espetáculo

através de outro ponto de vista, por meio de imagens gráficas

(Figura 24).

ViKtor & Rolf vestindo e tirando a peça sobre as modelos,

atuaram como atores e agentes transformadores da realidade.

Ao sobrepor, justapor camadas de roupas criaram paradoxos

visuais que não se enquadram com o cotidiano do vestir. Ao

mesmo tempo em que criticaram a indústria da produção em

massa, criaram uma presença visual que transformava a

silhueta com a repetida ação do vestir e desvestir. Um discurso

que rompe com a representação e reforçam as características

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Figura 22: Plataforma giratóriaFonte: <http://www.designboom.com/weblog/cat/8/view/9428/studio-job-scenography- for-viktor-rolfs-glamour-factory.html>.

da performance, do aqui e agora, do tempo real, daquilo que

está acontecendo no momento.

Este tipo de ação é o que Cohen (2011, p. 66), chama 23“what para how” ou pela terminologia de “real time”, ou o tempo

de palco, sem a preocupação com a representação (COHEN,

2011, p. 67). Estas repetições em um determinado momento

irão fazer com que o espectador/receptor, observe e preste

mais atenção àquilo que está sendo feito e não o porquê de uma

ação. De acordo com Cohen (2011), isto reforça a ação e não a

representação, porque eles (designers) estão atuando em

tempo real, o que traz mais realidade para cena e se trabalha

com o imprevisto. Estas ações os colocam também no limiar

fronteiriço entre a arte e a moda.

O corpo no desfile (modelos) como na performance

(performer) é um instrumento de comunicação, mas no desfile é

um elemento (suporte) mediador, que está mais ligado ao ator

do que ao performer de uma ação artística. As performances de

passarela em geral, devem mais ao teatro que a “arte

performática”, apesar de alguns designers, como os citados,

trabalharem com uma linguagem mais estética. A arte da

performance, propõe uma dimensão reflexiva a partir de suas

23 Para Cohen (2011, p. 66), “do que para o como”, essa interrupção do discurso narrativo é dado quando o interesse do receptor, está na naquilo que está sendo feito e a história passa a não interessar mais. Para o autor, esta ação reforça “o instante e rompe com a representação”.

Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

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Figura 23: Modelo McMenamy no desfile “Glamour Factory”, após ser vestida pelos designers Viktor e RolfFonte: <http://aguarras.com.br/tag/moda/>.

desconstruções do convencional, está implícito em muitos

designers, como observado nos desfiles McQueen e Margiela,

ao utilizarem elementos desconcertantes e reflexivos estão

transmitindo uma informação, uma releitura de uma série de

informações sob outra ótica de observação.

O confronto do designer experimental, assim como do

performer com seu público quando experienciam algo não

usual, pode resultar em uma não intelecção por parte do público

não habituado e preparado para tal ação, mas por outro lado,

provoca emissão de mensagens subliminares e ocasiona uma

nova maneira de interpretação. Cohen (2011, p. 74) afirma que

este tipo de discurso, “reforça a idéia de obra aberta, com o texto

funcionando como matriz de um conjunto de possibilidades”.

Para Buoro (2003), a leitura de uma obra está no percurso que o

leitor faz desta obra, e é por meio destes caminhos que

emergem e surgem as significações.

O espetáculo vai sendo montado passo a passo, uma

forma de construção que privilegia a sua forma em detrimento

do conteúdo, dando-lhe o sentido de um discurso menos

racional e uma leitura mais emocional, onde o

receptor/espectador, pode até não entender, mas sentir. Essa

dimensão do aqui e agora, presente na performance, é dado

pelos designers que reforçam a tarefa da repetição no palco ao

vestirem inúmeras vezes a modelo. Esta é uma habilidade dos

designers, e não uma representação. Eles trabalharam em cima

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Figura 24: Convite do desfile “Glamour Factory”Fonte: <http://republicofchic.blogspot.com/2011/01/really-creative-fashion-week.html>.

do que Cohen (2011) denomina de “real time”. São atos

simbólicos, mas uma atuação em tempo real no qual o designer

e a própria modelo, trazem mais realidade a apresentação na

medida em que trabalham com o imprevisto.

Com relação ao espaço e tempo real, percebeu-se no

desfile como um momento que rompe com a representação e

reforça o instante. Nesta estreita passagem, neste limite tênue

entre a representação e o instante, está o improviso, a

espontaneidade. Para Cohen (2011, p. 97) “à medida que se

quebra com a representação, com a ficção, abre-se espaço

para o imprevisto, e portanto para o vivo, pois a vida é sinônimo

de imprevisto, de risco”.

A performance artística está muito mais na acentuação

do instante, do momento da ação. O desfile ao se aproximar do

teatro, está na representação, mas muitos destes espetáculos,

como os desfiles aqui analisados, estão no limite entre a

representação e a ação, pois ao valorizarem o instante estão

convivendo nesta ambivalência entre tempo/espaço real e

tempo/espaço ficcional (COHEN, 2011).

2.2.2 Alexander McQueen

O designer Alexander McQueen, foi educado no colégio

Central Saint Martin de Arte e Design e conhecido como o jovem

designer rebelde de 1990. Suas exibições geralmente têm início

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e fim e estão fortemente vinculadas ao drama teatral, com

temáticas extravagantes. Suas apresentações se caracterizam

por transformar o cotidiano em performances mais radicais ao

exibir mulheres com conotações agressivas e as vezes até

decadentes, apresentando uma estética surreal (Figura 25).

O discurso da performance, segundo Cohen (2011) é um

discurso radical, pois é um discurso de embate que se insurge

contra um momento, contra uma sociedade, e estes desfiles,

estabelecem uma linguagem de resistência aos padrões

estipulados e convencionados, ao divergir e quebrar o instituído

em suas experimentações.

Em seu desfile de 2001, coleção primavera/verão,

intitulada “Voss”, Alexander McQueen, apresentou um cubo de

vidro, exibindo uma modelo (Michelle Olley) nua reclinada em

um sofá, respirando através de um tubo. O show demorou a

começar de maneira proposital, forçando o público a olhar para

si mesmos, por meio de seus reflexos propiciados pelo cubo

espelhado. Uma situação de constrangimento e estranhamento

se perpetuou no espaço de exibição. Quando a luz era acesa

por fora da caixa espelhada a plateia não conseguia ver seu

conteúdo, e quando ao contrário, a luz acesa no interior da

caixa, os convidados viam claramente. No final a caixa se abriu,

estilhaçando o vidro e centenas de mariposas foram liberadas

(Figura 26 e 27).

O cenário foi elaborado pela produtora Gainsbury and

Figura 25: As modelos encerradas em Box de vidro durante a performance do desfile de McQueen primavera/verão 2001Fonte: <http://ffw.com.br/noticias/tag/sam-gainsbury/>.

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Figura 26: A modelo Michelle Olley, quando o cubo se quebra no final do desfileFonte: <http://www.flickr.com/photos/65722032@N08/6030596113/sizes/m/in/ photostream/>.

Whiting, reconhecida por produzir desfiles, eventos, entre

outros no mundo da moda, e confere um visual de

aprisionamento causado pelas paredes de vidro da caixa na

qual as modelos estavam encerradas, fechadas (Figura 28).

Estes espaços de exibição performáticos remetem as

performances artísticas dos anos 1980. Para Santaella (2003),

os anos 1980 se caracterizam como um período histórico da

body art, pois o corpo não é só mais um instrumento ou espaço,

pano de fundo para as ações, como também agora intensifica-

se o eu como auto-imagem, apropriando-se de fotografias, do

vídeo, do teatro, da dança e da música em espetáculos de

grande escala, apropriando-se de linguagens culturais do

passado e dos novos ícones da cultura de massa.

É um período no qual o discurso visual da arte sofre as

influências do pós-moderno e conforme Jones (2000 apud

SANTAELLA, 2003, p. 264) com referência ao corpo do artista,

“a mercantilização dos corpos e dos egos própria do

pancapitalismo, a estratégia de muitos artistas foi a de exagerar,

de maneira parodística e potencialmente crítica, os simulacros

do eu e do corpo em um mundo artístico reificado”. Ou seja, é

um momento no qual o artista torna visível tudo aquilo que a

sociedade tenta esconder. Um corpo que adoece, envelhece,

sofre e que se deforma como observados nos elementos em

cena, enfatizada pela modelo nua, onde não só ela representa

como veicula a própria imagem física, ela se mostra como é, e

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Figura 27: Modelos em gestos desesperados de aprisionamento na performance de McQueenFonte: <http://bohemenoir.blogspot.com/2011/08/insane-beauty-detailed-complete. html>.

reforça a quebra da representação.

Esta referencia da modelo Michelle Olley com uma

presença corpulenta ao centro (Figura 28) remete aos trabalhos

de Joel Peter Witkin (Figura 29), ao colocar de forma explicita

um corpo que difere dos padrões e da harmonia formal da

beleza contemporânea. Característica do trabalho de Peter, no

qual o artista usa em suas composições diferentes tipos de

pessoas, retratando pessoas com deficiências sob um ponto de

vista no qual a dor, a morte e os prazeres da vida fazem parte da

cena.

A forma como estes espetáculos se constroem, são

apoiados no mise em scène como nos afirma Cohen (2011),

onde o discurso é dado por todos os elementos que dão forma a

cena. Onde os atores (no caso aqui as modelos), palavras,

sons, cenário, iluminação são partes de um todo. E neste

sentido, a modelo ao fundo, é um quadro vivo que “transita” pela

cena, onde ao mesmo tempo em que representa a figura

degenerada, ela atua aqui e agora.

A forma de construção do espetáculo, apoiada na mise em scène e no imagético, faz com que o processo de construção seja gestáltico. Gestalt é forma, configuração. A performance remonta ao teatro formalista. O processo de criação geralmente se inicia pela forma e não pelo conteúdo, pelo significante para se chegar ao significado (COHEN, 2011, p. 106).

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Outro aspecto deste desfile que podemos enfatizar e que

Svendesen (2010, p. 123) acrescenta, é que Alexander

McQueen, “encenou uma reflexão interessante sobre a

objetivação na moda”. O desfile demorou bastante a começar

de forma intencional para que as pessoas sentadas ao redor de

uma caixa de espelhos passassem mais tempo observando

seus reflexos nos espelhos. Era uma plateia composta por

jornalistas de moda, editoras de grandes revistas e que

trabalham ou escrevem sobre a maneira ou aparência que os

outros devem ter. Para o autor, “os observadores tiveram de se

auto-objetivar” (SVENDESEN, 2010, p. 123).

Esta ação revelada no desfile pela espera do espetáculo,

afetando o espectador ao ver sua imagem refletida, também

remete ou é um anuncio do que está por vir. Ao mesmo tempo

em que causa certo incômodo, causa uma expectativa que

consolida um vínculo entre o espectador/receptor do que será

apresentado.

Este processo apreensivo da espera mobiliza o público

emocionalmente criando uma relação de proximidade como

afirma Glusberg (2009), pois todo discurso produz efeitos no

espectador/receptor. Ao termos o corpo dotado e constituído

por signos (expressões, movimentos, comportamentos) estes

se manifestam como verdadeiras linguagens que informam,

estimulam e afetam o receptor em qualquer processo

comunicacional, pois:

97

Figura 28: Modelo Michelle Olley, em pose semelhante a arte de Joel PeterFonte: <http://hapsical.blogspot.com/2010/02/towering-genius-of-alexander-mcqueen. html>.

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Figura 29: Joel-Peter-Witkin/1983-SanitariumFonte: <http://www.fullhaus.com.br/as-fotografias-sombrias-e-polemicas-de-joel-peter-witkin/1983-sanitarium/>.

todo processo comunicacional à nível corporal inclui pressupostos – os códigos culturais compartilhados”, o que irá afetá-lo emocionalmente, pois mobiliza significados e “conteúdos inconscientes do espectador, alterando a forma normal ou convencional de apreensão deste tipo de expressão (GLUSBERG, 2009, p. 98).

Mesmo recorrendo a manifestações naturais, o corpo

emite discursos que podem provocar distintas provocações,

pois “o corpo humano é em si mesmo a base fundamental de

todo ato de significação e comunicação” (GLUSBERG, 2009, p.

102).

A referência de McQueen no suspense “The birds”

(1963) de Hitchcock, seus personagens tinham uma aparência

na qual mesclava-se um certo realismo, glamour e suspense.

Elementos que aqui aparecem justapostos, na cabeça da

modelo, expressando vivacidade e suspense. Os pássaros é

um tema recorrente no trabalho do designer, e sua construção

ordenada no alto da cabeça recoberta da modelo, diverge dos

elementos usados pelo designer, como a aparência

desconstruída das modelos que perambulam pelo espaço e

toda a atmosfera proposta de justaposição de imagens de

universos distintos como o cinema, arte e a moda.

Esta espacialidade que se organiza neste desfile

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oferecida por meio destes deslocamentos dos conceitos

tradicionais, no qual aproxima diferentes elementos que vão se

justapor para construir significados como os pássaros na

cabeça da modelo, é na visão de Eva (2007, p. 62), quando

discute o design gráfico e as suas aproximações com a arte, que

o designer ao colocar objetos fora de seu contexto, pode estar

fazendo uma referencia das “relações existentes entre arte e

design que se estabeleceram após a 'era da reprodutibilidade

técnica', e trouxeram outros aspectos e exigências estéticas

para o que veio a se estabelecer, permanecer ou se reconhecer

enquanto arte” (Figura 30).

O designer rompe a previsibilidade ao construir esta

imagem, ele desloca o horror que é causado no filme pelo

elemento pássaro, para a modelo em sua clausura. Um design

que conduz a uma nova percepção de justaposição de

elementos, no qual a modelo se vê aprisionada, e o elemento

pássaro é somente um adorno. Essa manifestação visual vem

repleta de intencionalidade e reflexão. O uso deste elemento,

assim como de outros usados no desfile, pode sugerir o horror, a

fobia do enclausuramento. A partir disso o designer gera uma

ambiguidade, ao revelar outras possibilidades de

entendimento. O ataque dos pássaros, ou o medo do

confinamento? Essa ambiguidade se dá também em trazer algo

(a coleção) e aquilo já visto (o filme de Hitchcock) entre a beleza

da roupa e o medo, a loucura. Figura 30: Modelo com elementos (adornos) que lembram o filme de Hitchcock – Os pássarosFonte: <http://idreamofaworldofcouture.tumblr.com/post/11901977855>.

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100

Há uma justaposição de ideias para valorizar o

significado, ao evidenciar estas diferenças, o elemento pássaro

do filme e a modelo vestida fragilmente, cria-se um conflito e

que segundo Eva (2007, p. 65) “observa-se em ação um

principio de montagem que, pelo confronto, gera

espacialidade”.

Esta disposição dos elementos cenográfico, o box, no

desfile de McQueen, lembram o trabalho de Dan Graham –

década 1970 – que faz uma reflexão sobre as relações

público/performer ao construir cubos de vidro, impunha um

estado de espírito desconfortável e constrangedor ao

espectador da obra (Figura 31 e 32). Para Goldberg (2006, p.

152), era “uma tentativa de reduzir o fosso entre os dois” e “a

arte da performance reflete a sensibilidade célere da indústria

de comunicação, mas é também um antídoto essencial aos

efeitos do distanciamento provocado pela tecnologia”

(GOLDBERG, 2006, p. 216).

Frente ao exposto, observamos que a realidade se

transforma ao experimentar novas sensações, o sentir e o

experimentar correspondem causam satisfação. Quando a

realidade transforma-se em imagens, o produto desta

sociedade é um comportamento hipnótico, onde o ver, sentido

primordial da sociedade do consumo, alcança o seu mais alto

grau em forma de espetáculo, e este passa a ser “o âmago do

irrealismo da sociedade real” (DEBORD, 1997, p. 14).

Figura 31: Dan Graham - Talk tonight – museu GuggenheimFonte: <http://tribblemancenido.blogspot.com/2011/09/confronting-comfort-with-dan-graham.html>.

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Figura 32: Dan Grahan, Static 1 (1995) – Museum of American ArtFonte: <http://copenhagen.unlike.net/event_occurrences/102563-Dan-Graham>.

Desta forma, o desfile de moda e todas suas unidades ou

elementos construtivos que dão forma ao discurso, corporifica a

lógica do comportamento contemporâneo ao proporcionar um

modelo de representação de sensações tão predominantes na

sociedade atual, onde a satisfação deve ser instantânea e

imediata. O desfile de moda, dada sua totalidade espetacular de

exibição, constitui-se tanto em sua forma como em seu

conteúdo, numa linguagem de sinais e significados que buscam

expressar de forma subjetiva, as emoções primárias de força,

erotismo e do assombro, como nos explica Villaça (2010). Em

outro sentido, Avelar (2009), nos coloca que o impacto de

desfiles como os de Alexander McQueen, é visceral e de um alto

grau de complexidade.

Ao mesmo tempo em que traz estas representações

advindas do teatro, ficam explícitos alguns pontos dialéticos no

processo de construção discursiva do mis em scène, ao

rediscutir e rever os conceitos estruturais de cena (objetos,

atuação, representação, relação com o espectador, uso dos

recursos e relação espaço/tempo).

Neste sentido, o desfile ao se apropriar da linguagem da

performance, faz um mix entre teatro e performance,

valorizando o que está acontecendo ao vivo, no instante

presente, da quebra de padrões, de transposições,

justaposições e experimentações. Uma linguagem que transita

entre diversos limites e amplia o que pode ser classificado como

somente expressão cênica, um tipo de construção que privilegia

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a forma em detrimento do conteúdo e é o que vai criar a ideia de

obra aberta acessível às várias leituras como nos afirma Cohen

(2011), quando analisa o espetáculo da performance.

A partir destas considerações, podemos observar que o

desfile como produto da sociedade do espetáculo, vem

carregado de significados mágicos e feéricos, significados que

podem estar atrelados ao seu sentido mais básico e original.

Mas traz embutido também, uma aparência racional ao

verbalizar por meio das performances, formas mais subjetivas

de questionamentos de valores.

Tanto o design de moda quanto os desfiles, são fazeres

ou maneiras que expressam idéias de identidade pessoal,

social e cultural. No entanto, estas práticas nos desfiles de

moda, a partir de 1990, foram além da idéia de simplesmente

mostrar valor, status e pertencimento, para expressar questões

mais complexas e provocativas que cercam as noções de

identidade.

2.2.3 Martin Margiela

Martin Margiela se formou na academia Real de Belas

Artes de Antuérpia e fazia parte do grupo dos seis, “Antwerp

Six”. Fez vários freelances antes de trabalhar como assistente

de Jean Paul Gaultier. Apresentou sua primeira coleção em

102

Figura 33: Desfile Martin Margiela, Paris Fashion Week,Spring/Summer 2009 em 29 setembro, 2008 em Paris, FrançaFonte: <http://blog.gettyimages.com/tag/fashion-week/page/3/>.

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103

1989.

Neste desfile de Martin Margiela, Spring/Summer 2009,

o designer fez uma retrospectiva de seus 20 anos de carreira,

serviu como uma mostra da importância do designer enquanto

criador. Apresentou em sua coleção um jogo de ilusão com

mulheres de rostos cobertos de meias e longas perucas que

distorcem a figura humana. O designer sugeriu por meio destes

elementos certa escravidão e fetichização da feminilidade,

apagando a identidade ao encobrir o rosto com o cabelo. O final

do show incluiu instrumentos de sopro e confetes com um bolo

(vestido) carregado por duas modelos, uma espécie de

liberação, alegre e brilhante depois de muito mistério e

escuridão na passarela. Seu trabalho tem uma abordagem

rigorosa e emblemática Sua visão é abrangente no sentido de

expressar conceitos que vão além de uma simples

indumentária ou decoração corporal com um fazer artístico que

propõe repensar o corpo e a gestualidade cotidiana (Figura 33,

34, 35 e 36).

Sua coleção apresentou um tema geométrico e uma

paleta de cores dramáticas, com cores escuras em sua maior

parte o preto, assim o revestimento do local. Também faziam

parte desta cartela o branco e o vermelho. No final do desfile,

duas modelos vestindo um bolo gigante como símbolo da

comemoração de seus vinte anos. O final de seus desfiles foge

ao padrão do grand finale, sempre com performances irônicas

como o bolo vestível (Figura 37).

.

Figura 34: Gran finale do Desfile Martin MargielaFonte: <http://blog.gettyimages.com/2008/10/01/maison-martin-margiela-house-of-the-macabre/>.

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Figura 35: Desfile Martin Margiela, Paris Fashion Week, Spring/Summer 2009 em 29 setembro, 2008 em Paris, FrançaFonte: http://blog.gettyimages.com/2008/10/01/maison-martin-margiela-house-of-the-macabre/>.

Desafiando o entendimento popular, suas coleções

discursam intelectualidade e maturidade criadora. Sua estética

conceitual está presente não só nas roupas, mas na formatação

do desfile. Muitas vezes suas encenações se passam em

ambientes fora do contexto tradicional, em estacionamentos

abandonados, linhas de metrô, ou em salas fechadas para

pouquíssimos espectadores. O designer tem uma natureza reclusa, de pouca

comunicação com a imprensa, recusando a dar entrevistas em pessoa, apenas por fax. Estas convicções do designer são contrárias ao designer celebridade. Margiela traz em sua coleção uma abordagem conceitual, que foge as formas convencionais e do luxo da indústria da moda ao incorporar materiais reciclados, ou fugindo dos padrões de medidas. Suas coleções geralmente apresentam um visual desconstruído e uma linguagem inovadora e desconcertante em suas performances.

Neste sentido, de desconstruir esta ideia do centro na ordem geral das coisas, Teixeira (1998) nos informa que o filosofo Derrida propõe um enfoque que aborde a estrutura por outro ângulo secundário à ordem das coisas, quebrando assim, a ideia de centro como origem ou essência unificadora de uma estrutura. Tudo decorre de relações e não de essências isoladas. Parte do principio de que os significados decorrem de relações, o que possibilita o pressuposto de que a ideia de pares, como por exemplo, na moda, direito/avesso, como observado na construção da roupa, passa a ter o principio de complementaridade, ou seja, os opostos se complementam mutuamente. Conceitos de oposições binárias como alto/baixo, plano/obliquo, passam a ter uma dimensão inclusiva de complementação, passa a depender necessariamente de seu oposto para se explicar. Um contamina o outro.

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Figura 36: Performance Margiela, modelo sugere uma inversão do tronco em relação a cabeçaFonte: <http://thestrangeattractor.net/?p=962>.

Para o filósofo, centro é tudo o que preside a ordenação dos elementos de um sistema, mas que não participa da mobilidade das unidades que coordena. Nesse sentido, o centro encontra-se ao mesmo tempo dentro e fora da estrutura. Enquanto elemento interno, explica-se por sua condição coordenadora; enquanto elemento externo, explica-se por não participar do jogo e dos riscos do movimento inerente à idéia de estrutura (TEIXEIRA, 1998, p. 12).

Essa ideia na moda se dá a partir de novas relações,

principalmente na construção das roupas. O direito/avesso tem

outros significados não mais de oposição, mas significados

múltiplos e ilimitados, onde há contínua aproximação entre os

pólos ou extremos.

Também podemos observar essa desconstrução no uso

de seus rótulos ou etiquetas, totalmente discretas, em branco,

costurada na peça de roupa com quatro pontos que também

são visíveis na parte da frente da peça, que são a assinatura do

designer, uma construção visível de algo que normalmente se

torna invisível. É uma forma de design de moda que desenha a

partir dos princípios de desconstrução estabelecido na crítica

literária de Derrida e é reconhecido na obra de muitos belgas e

estilistas japoneses. Ao fazer-nos pensar sobre a produção da

peça de vestuário através das costuras aparentes, Margiela

revela aquilo que normalmente consideramos parte dissonante

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da natureza da roupa, convertendo-o em um elemento

perturbador, com novos significados (Figura 38 e 39).

A partir destas considerações, observamos que estas

propostas de Margiela, se incorporam em seus desfiles

também, ao quebrar o rigor estrutural de uma ordem

estabelecida, independente da contingência do todo. Por meio

de suas performances, o designer escolhe outros enfoques da

ordem natural das coisas.

Se pensarmos que a performance artística incorpora o

que é natural (os movimentos, gestos, comportamentos) e o

resignifica por meio da mídia corporal, neste desfile,

percebemos que o designer ao apresentar sua proposta

artística, questiona o natural apresentando modelos que andam

para trás, com cabelos sobre a face, simbolizando um

afogamento identitário que a moda estabelece em sua relação

com o individuo. Os bodysuits, em cores nude e preto eram

complementados ora por uma capa, ora por cabeleira, como um

escudo, ou uma proteção. Todo processo artístico criativo, deve

propor, questionar e refletir e até denunciar questões que se

apresentam na sociedade. E a moda no discurso de Margiela,

adquire novas interpretações, novos ângulos de valores

vinculados como verdadeiros ao fugir da apresentação

convencional (Figura 40).

O show de aniversário era mais um ataque visual sobre

os valores do mundo da moda e sua forma espetacular de

106

Figura 37: Bolo vestível – Maison Martin Margiela – encerramento do desfile de comemoraçãoFonte: <http://www.style.com/fashionshows/complete/slideshow/S2009RTW-MMARGIEL?iphoto=6#slide=39>.

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107

Figura 38: Camisa da Maison Martin Margiela com pespontos aparenteFonte: <http://www.design-for-the-real-world.com/post/616392996/the-viral-label>.

exibição. Sua apresentação discursava sobre os limites

artísticos e estéticos da moda e a indústria. As modelos sem

rosto faziam uma paródia sobre qual é o rosto da moda ou qual é

a imagem da moda. Seu discurso em quadro apocalíptico se

expressa na sátira decadente e negra que a moda apresenta.

Sem brilho ou glamour, os elementos, como cenário e

iluminação, carregam uma saturação exagerada e irreverente

que representa esta decadência.

Quando Glusberg (2009, p. 57) ao falar da performance

no terreno artístico afirma que todo ato, ou ação corporal que

vem carregado de significados, se refere que “tudo deve ter

sentido, significação, sob o risco de não constituir um objeto

estético”. Ao transladar esta linguagem da performance para os

desfiles, os designers podem propor uma rejeição dos

esteriótipos corporais estabelecidos ou ainda uma forma de

padronização de uma estética ou um pertencimento.

Para Glusberg (2009), estas ações, trazem códigos

complexos de representação como afirma o autor,

A mudança de valoração resultante de uma alteração corporal transcende o espectro de sua representação isolada: se um sistema “careta” de comportamento é transgredido através de um gesto, as representações estereotipadas ligadas ao mundo das convenções socialmente aprovadas vão estar sendo simultaneamente transgredidas (GLUSBERG, 2009, p. 90).

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Ao cobrir suas modelos com cabelos ou capas, o artista

designer passa a propagar ou questionar o modelo estético

social da indústria da moda, demolindo pressupostos

convencionais e criando novas realidades de manifestações

oníricas e delirantes. O designer evidencia outros meios de

expressão, como o conceito e a idéia.

Estas transgressões de atitudes convencionadas

assumem um discurso complexo no desfile de moda, ao mesmo

tempo em que problematiza o corpo, denuncia, ou desestrutura

padrões de conduta para novas concepções de corpo e de

moda, mas também coloca em evidência o lado comercial da

indústria da moda, ao comunicar o conceito da marca.

Nesse sentido, alguns de seus desfiles (normalmente

usa modelos comuns, como anões, pessoas normais e não

modelos, com padrões corporais que não se encaixam àquele

preconizado pela mídia) promovem um enfrentamento com

ações imprevistas nos códigos sociais com posturas,

movimentos e gestos distintos dos padrões corporais no qual

estamos acostumados. Por mais que o designer e os próprios

desfiles se equiparam ao modelo estético, estas

experimentações do designer também o coloca nas fronteiras

do modelo mítico, ao provocar rupturas na chamada convenção

teatral, ao não se preocupar em colocar atores (modelos,

manequins) para a representação e abrindo espaços para todo

tipo de experimentação.

108

Figura 39: Etiqueta Maison Martin Margiela, somente com indicação de números – significa o número da coleção – para uma coleção masculinaFonte: <http://butchblum.blogspot.com.br/2011/11/designer-bio-martin-margiela. html>.

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Figura 40: Modelos com elementos que ocultam sua identidadeFonte: <http://thesmartstylist.com/designers/maison-martin-margiela/>.

Mesmo sendo o corpo resultado das práticas culturais

em cada época ou lugar, “as performances permitem, graças a

um trabalho de liberação dos esteriótipos, aumentar as

possibilidades de ação num percurso desalienante e

progressivamente abrangente” (GLUSBERG, 2009, p. 93).24Essas experimentações estão atreladas ao conceito

relacionado à coleção e se dão por meio de formas, materiais e

nos modos de exibição, de forma a causar impacto, emoção, ou

desconforto, pois lida com o novo, e o novo é amedrontador,

pois rompe barreiras e condicionamentos. Para Avelar (2009, p.

110) a experimentação:

A experimentação na moda pode advir do material, das formas e das cores, através da exacerbação do conceito que provoca e aguça a percepção. A passarela pode, assim, recuperar a idéia de palco artístico, associando-se ao teatro como forma artística de expressão. E a mesma associação pode ocorrer em relação às galerias de arte e aos museus – notem-se os exemplos de Issey Miyake em exposição no Museu de Arte Moderna de San Francisco (1983), yoji

24 Conceito ou idéia, plano, se estabelece segundo Coelho (2008, p. 165), “a partir da compreensão e extensão de um objeto, englobando seus atributos, qualidades e elementos constitutivos. Conceito contrasta com definição, sendo esta um ato de apresentar, em termos precisos, uma idéia por meio de sua essência ou natureza. A definição está ligada a uma técnica de produção de significados precisos”.

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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance110

Yamamoto com 'juste des vêtements' no Musée de La Mode et du Textile (13.4 a 28.8.2005), Vivienne Westwood no Victoria and Albert Museum, de Londres (abril a julho de 2004), e as exposições 'Extreme beauty: the body transformed', no Metropolitan Museum (2001) e 'Radical Fashion', realizada pelo Victoria and Albert Museum (2001). É nesses tipos de criação que se destacam os sentidos e as emoções, mais do que o raciocínio lógico (AVELAR, 2009, p. 110).

Muitas destas experimentações causam estranhamento

e o público não se identifica (Figura 41 e 42). Neste desfile de

Margiela, observamos a peruca que recobre o rosto da modelo,

dificultando sua visão do ambiente e o jogo com a iluminação

focada somente sobre ela, uma linguagem expressiva no qual o

destaque é a modelo que caminha em um ambiente negro e

cheio de incógnita, assim como sua própria identidade.

Figura 41: Efeitos de iluminação no desfile de MargielaFonte: <http://showstudio.com/project/spring_summer_2009>.

Figura 42: Iluminação 2Fonte: <http://www.ikram.com/Whatsnew/SpringSummer2009Review/Favorite Photos/tabid/181/Default.aspx>.

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Capítulo 3

Performances nosDesfiles de Moda

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3 PERFORMANCES NOS DESFILES DE MODA

3.1 DESFILE DE MODA E A PERFORMANCE

A performance na arte tem seu início nos movimentos

artísticos que marcaram o começo do século XX. Neste

momento, a performance era mais um exercício de

improvisação espontânea que buscava técnicas advindas do

teatro, da dança, do cinema e da fotografia. Estas performances

precederam as performances artísticas da década de 60 e

demoliram pressupostos dramáticos convencionais criando um

clima onírico e de muito delírio acabando com a tradição realista

do teatro.

Assim como na arte, percebemos nos desfiles da

contemporaneidade, uma execução ou um fazer espontâneo

com uma nova estética onde os parâmetros se tornam

complexos e híbridos, ao revelar ou desvelar por meio da

performance a construção de um discurso atual das relações do

homem com o mundo e com os objetos.

Desfiles como os de McQueen, anunciam estas

interferências conscientemente organizadas ao questionar

roupa e corpo, roupa e sociabilidade, roupa e auto-imagem.

Seus desfiles são apresentados em espaços teatrais com

arquitetura arrojada, computadorizada, sonoridade, ambiente e

Figura 43: Performance de McQueen – “Voss”Fonte: <http://missnash.com/tag/rip-alexander-mcqueen/>.

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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

cenários extravagantes, e abordam a performance ao vivo,

como convergência entre o mundo da moda e o mundo da arte.

Nesta perspectiva, McQueen em seu desfile “Voss”,

apresentado em 2001, coleção primavera/verão, parece

questionar a roupa e sua relação com o corpo e os aspectos de

socialidade, com performances que parecem questionar qual é

o lugar do sujeito e do objeto. Em uma configuração organizada,

ao redor de espelhos, público e modelos, quebram o conceito

de ordem na passarela, desobedecendo e desorganizando todo

o rigor formal do caminhar das modelos na passarela. Uma

imagem que produz significações no qual podemos associar ao

controle das relações sociais e dos espaços de convívio a que

Bourriaud (2009) enfatiza (Figura 43).

Nos desfiles de Martin Margiela, geralmente ocorrem em

lugares diferenciados, com performances, apresentações e

instalações, no qual o designer discute o culto ao corpo e a

ditadura da beleza anunciado pela mídia.São discursos que soam como uma forma de manifesto,

ou crítica à indústria da moda. Margiela em seu desfile de comemoração Spring/Summer 2009 em 29 setembro, 2008 em Paris, ao colocar modelos com rostos encobertos, sem identidade, fez uma metáfora, que, segundo Villaça (2007) destrói a normalidade humana, no qual a figura humana é reduzida ao estado de coisa (Figura 44).

Desta forma, observa-se também, no desfile de Viktor &

Rolf em sua coleção de Outono-Inverno de 2010/2011,

intitulada de “Glamour factory”, traços comuns em sua

Figura 44: Modelos Margiela em performance com os rostos cobertosFonte:<http://www.demiurgenewyork.com/blog_monthly.php?mnth=9&yr=2008

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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

formatação com a linguagem da arte, ao apresentar seu

processo de criação ao vivo, em um contato direto com o

público, criando uma dinâmica de cumplicidade e desvelamento

da ação do vestir e desvestir. Linguagem, que na realidade gera

uma provocação de como sentir e pensar o corpo e a indústria

do consumo (Figura 45).

Como observado por Motta (2011), a partir da narrativa, o

desfile, dada pela sua espacialidade, também vem enriquecido

de valores e conceitos que se acoplam e suplantam este objeto,

ficando sua materialidade em segundo plano. Porque o que se

adquire por meio destas performances são os valores abstratos

do discurso que se conecta ao objeto e aos elementos deste

discurso.

Partindo desta mesma concepção, Villaça (2010),

aponta os desfiles como espaço onde os saberes e referências

estão misturadas:

Não contemplamos obras, desfiles, somos tomados por sua ambiência, o que me parece ser a última tendência da moda na sua relação com o corpo e a subjetivação. Ela não quer ser observada, copiada, imitada. Ela prefere um disparo da imaginação (VILLAÇA, 2010, p. 198).

Ao se utilizarem da linguagem da performance artística,

estes designers externam suas ideias, com total liberdade de

Figura 45: Viktor & Rolf em performance no desfile “Glamour Factory”Fonte: <http://dianepernet.typepad.com/diane/2010/03/viktor-rolf-glamour-factory.html>.

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ação e manipulação dos elementos ao transformar suas

apresentações ao vivo em expressões de resistência. Mas ao

mesmo tempo a mídia ou os meios de comunicação, se

encarregam de propagar e transformar todo este discurso

estético em mera propaganda. Ao pasteurizar as informações,

transforma-os em produtos. Tudo é absorvido e transformado

pelo sistema. É difícil manter-se a margem do sistema, e

quando o desfile enquanto comunicação envereda por esses

caminhos, a capacidade de criação de novos referenciais,

cumpre somente a função de entretenimento e consumo de

informação.

Na performance artística, existe a manifestação de um

discurso não só marcado pelas convenções sociais e

comportamentos culturais, mas capaz de produzir significados.

A ação na performance artística propõe, entre tantas outras

coisas, a ruptura, onde o corpo é reconstruído por novos

significados, e ao mesmo tempo produzindo efeitos de sentido

em seu receptor, e ao criar, manifestar-se, representar ou imitar,

está interagindo e instaurando uma forma de comunicação com

o outro e um diálogo com o entorno. (AGRA, 2011) Diante disso,

é possível se apropriar da fala de Cohen (2011) e apontar que a

modelo, e todas as unidades construtivas no desfile e sua

relação com a encenação, produz significação.

Como a figura do performer geralmente coincide com a do encenador, este trabalho

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de construção está integrado com a mídias utilizadas no espetáculo, que são as mais diversas possíveis: dança, vídeo, esculturas, instalações, slide, retropojeção, holografia, néon, manequins etc. (COHEN, 2011, p. 106)

Diante da afirmação do autor, ao apontarmos os desfiles

de moda em sua exibição performática – artifício geralmente

pertencente à indústria da comunicação ou de uma instituição

comercial – não o torna necessariamente defensor destas

estruturas econômicas dominantes e de poder, pois estes

desfiles podem trazer em seu interior também uma forte

reflexão dos conflitos e dilemas que as novas tecnologias e a

indústria do consumo e da moda afloram. Uma prática que dá

forma às idéias estéticas como nos afirma Villaça (2010).

Assim como o artista, o designer sintonizado com todas

estas transformações de seu tempo se posiciona em relação a

isso e discute seu papel neste contexto. O designer deixa de

cumprir o papel que lhe foi imposto pela indústria da moda, e

passa a ter uma atitude crítica diante do meio no qual ele atua

através de um novo discurso estético ao compartilhar das

linguagens da arte. Neste sentido, designers como Viktor &

Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela investigam,

criticam e respondem às mudanças que se acentuam cada vez

mais no ambiente circundante.

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3.1.1 FRONTEIRAS E ESPACIALIDADES

Para Cohen (2011), muito do que se tem atribuído à arte

da performance, geralmente é sua associação com

acontecimentos improvisados, exibidos em locais alternativos e

com poucas apresentações. Estas experimentações podem se

caracterizar como arte que acontece na fronteira, por romperem

convenções, formas e estéticas. O campo da performance é

abrangente e sem fronteiras claras, como afirma Goldberg

(2006),

A expressão “arte da performance” tornou-se uma palavra-ônibus que designa todo tipo de apresentações ao vivo – de instalações interativas em museus a desfiles de moda cheios de criatividade e apresentações de DJs em casas noturnas –, obrigando tanto o público quanto os críticos a elucidar as respectivas estratégias conceituais, verificando-se se ajustam mais aos estudos da performance ou a uma análise mais convenc iona l da cu l t u ra popu la r. (GOLDBERG, 2006, p. 216),

A partir de 1990, percebemos que os desfiles de moda

estendem-se numa parceria mais intensiva de associação com

a arte ao se comunicarem por meio da arte performática. Como

afirma Duggan (2002, p. 4), “o resultado é uma nova arte

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performática híbrida quase totalmente desvinculada dos

aspectos tradicionalmente comerciais da indústria da

confecção”.

Hoje, muitos designers se valem destas afinidades, e

como afirma Muller (2000, p. 15), “a aproximação das formas de

expressão pós-moderna se intensifica em interferências

conscientemente organizadas. Existe uma moda que faz 'arte' e

uma arte que faz 'moda'”. Nesta acepção, tanto a arte como a

moda, buscam referências em sua forma de proposição. Assim

como a moda se apropria da linguagem da arte como forma de

denúncia ou protesto, a arte também se apropria da linguagem

da moda para seu discurso.

A arte contemporânea tem maiores rejeições, quando

enfatiza não mais o objeto, (comum da arte clássica e da arte

moderna, no qual a materialidade da obra era objeto de

percepção e avaliação), mas sim o valor dos atos, do discurso,

da narrativa, causando um estranhamento. Agora o valor da

obra, não está mais contido em sua forma tradicional, mas em

uma linguagem e mensagem muito particular e dentro de uma

estrutura dada (BOURRIAUD, 2009).

Deste modo, toda obra é modelo de um mundo viável,

pois resulta de um encontro fortuito de elementos separados

que dependem do contexto histórico. Assim, a forma da obra de

arte contemporânea vai alem de sua forma material na visão de

Bourriaud (2009), pois é um elemento de ligação, um princípio

de aglutinação dinâmico.

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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

Neste mesmo sentido, podemos nos apropriar das

afirmações de Lotman (1978) acerca da forma nos textos 25

artísticos . Para o autor, o texto artístico é uma mensagem

artística que assume novas estruturas na sua forma de

comunicar, no qual todos os elementos dão sentido e novas

articulações acontecem. Podemos dizer que ela é uma

linguagem que traz uma mensagem particular dentro de uma

estrutura dada, não mais dentro da visão moderna e racional, no

qual prevalecia a idéia da forma ser um elemento de

configuração de um determinado objeto ou coisa. O texto

artístico para Lotman (1978, p. 15) usado para definir os

discursos e narrativas dadas na estética artística, “é um sentido

construído complexamente. Todos os seus elementos são

elementos de sentido”.

Se a linguagem, segundo Lotman (1978, p. 8), é “todo

sistema que serve à finalidade da comunicação entre dois ou

mais indivíduos”, então a arte é um meio de comunicação e,

portanto uma linguagem que realiza uma ligação entre um

emissor e um receptor. Mas quando se fala de arte e mais

especificamente em performances vemos que ambas possuem

uma linguagem particular, no qual os signos são ordenados de

maneira única, diferente da linguagem comum. Todo conteúdo

25 Lotman (1978), em seu texto “A estrutura do texto artístico”, ele se refere a complexidade dos textos artísticos não só na literatura, mas na música, na dança, no teatro entre outros, apesar de se aprofundar em textos literários.

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(informação) segundo Lotman (1978), necessita de uma forma

e não pode ser transmitido fora de uma estrutura dada. No texto

artístico esta estrutura difere das regras e conexões

convencionais normais da linguagem natural. Segundo Lotman

(1978, p. 11), “a língua natural não é apenas um dos mais

antigos, mas também o mais poderoso sistema de

comunicação da atividade humana”.

Tanto na arte, quanto nas apresentações performáticas

dos desfiles de moda, o conteúdo é a idéia artística, o conceito,

no qual se realiza e é dada por uma estrutura adequada e que

não existe fora dela. Sob esta ótica de discussão, podemos

afirmar que o conteúdo apresentado no desfile seria o conceito,

que se traduz em tema, no qual toda a estrutura (cenário,

música, modelo, local, iluminação) deve ser coerente e ser um

fio condutor da apresentação. Esse sentido de continuidade

como nos afirma Eva (2007, p. 65) é uma característica do

design, por estar fundamentado em seu caráter relacional.

“Fazer design, é, em última instancia estabelecer, criar

relações.”

Mas é também, como afirma Eva (2007, p. 65) no ato de

evidenciar as diferenças, que o design “pode vislumbrar a

possibilidade de mudança em seus parâmetros de avaliação ao

se caracterizar enquanto linguagem”, e o que percebemos nos

desfiles de Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela,

é que eles buscam atitudes marginais nessa homogeneização.

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Ambientes onde convivem experimentos, linguagens como a

performance, a montagem ou a justaposição, dando

consistência a uma visualidade espacial significativa, como

forma de expressão, de um design que pretende comunicar e se

comunicar.

No espaço destes desfiles, são estabelecidas relações

que ultrapassam as oposições binárias, obedecendo uma

lógica mais complexa, de uma linguagem que atravessa

fronteiras. Ao ocupar espaços pertencentes à arte, os designers

querem dar forma para outras percepções.

Quando nos referimos às apresentações performáticas

nestes desfiles, por meio de uma linguagem artística, são

manifestações aqui entendidas, como possibilidades de

formação de um espaço, que colocam o espectador ou

observador/receptor diante da obra, como participador

presente em tempo real, do qual decorre uma ação. Como

afirma Costa (2004), obrigando uma atitude menos

contemplativa do receptor, ou seja, não mais um

comportamento formal e introspectivo, mas dando lugar para

uma fruição mais coletiva e informal, onde outras formas de

percepção emergem.

Com disposição para senti-la e entendê-la, entrando em contato, através dela, com o artista. Parece simples, mas não é. Para que isso aconteça, é preciso que haja um momento de apresentação ao público, na

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qual evidencia seu caráter artístico, poético ou ficcional (COSTA, 2004, p. 128).

Portanto, entender estas espacialidades nos desfiles

destes designers, é perceber não somente sua materialidade,

mas enquanto espaço de visibilidade e socialidade como

abordado por Bourriaud (2009). Celebra-se não mais o

processo em detrimento do objeto, agora pelo contrário, os

objetos são partes integrantes da linguagem. A materialização

da obra se dá pela exploração do objeto e do sentido por meio

de um acontecimento que levam o espectador a tomar

consciência do contexto (espaço) em que se encontra.

Assim podemos pensar o desfile destes designers, que

enfatizam por meio de suas apresentações não só mais o

processo em detrimento do produto, mas assim como na

estética relacional citada por Bourriaud (2209), traz

significações complexas que alia objetos, corpo/roupa,

espaços, processos, conceitos e a participação/interação do

espectador/receptor e que afetam as relações humanas. Como

afirma Bourriaud (2009, p. 119), “a prática artística é sempre a

relação com o Outro, ao mesmo tempo em que constitui uma

relação com o mundo”. Portanto espaços que configuram-se

como formadores de sentidos e significados.

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3.2 A PERFORMANCE, O TEATRO E OS DESFILES DE

MODA

Os espaços dos desfiles contemporâneo observados

nesse estudo trazem em sua visualidade uma aproximação

com a produção artística, justamente por conter em seu

discurso, elementos de experimentação e percepção, como nos

afirma Avelar (2009):

A experimentação na moda pode advir do material, das formas e das cores, através da exacerbação do conceito que provoca e aguça a percepção. A passarela pode, assim, recuperar a ideia de palco artístico, associando-se ao teatro como forma artística de expressão. E a mesma associação pode ocorrer em relação às galerias de arte e aos museus – notem-se os exemplos de Issey Miyake em exposição no Museu de Arte Moderna de San Francisco (1983) yohji Yamamato com “Juste des vêtements” no Musée de La Mode et du Textile (13.4 a 28.8.2005) Vivienne Westwood no Victoria and Albert Museum, de Londres (abril a julho de 2004), e as exposiçoes “Extreme beauty: the body transformed”, no Metropolitan Museum of Art de Nova York (2001) e “Radical Fashion”, realizada pelo Victoria and Albert Museum (2001). É nesses tipos de criação que se destacam os sentimentos e as emoções, mais do que o raciocínio lógico.

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(AVELAR, 2009, p. 110).

Ao se utilizarem de aspectos da performance como

elemento de experimentação nestes espaços, os designers em

questão, alcançam outros sentidos que relacionam com uma

complexidade teatral. Nos espaços dos desfi les

contemporâneos, “a performance é antes de tudo uma

expressão cênica”, Cohen (2011, p. 28), e nos desfiles a

ocupação acontece com a transgressão das convenções, ao

exibirem elementos desconexos e mecanismos de construção

identitária a partir da exploração inusitada da relação

corpo/roupa e exploração do espaço como ambiente de

comunicação.

Ao nos apropriarmos desta discussão da encenação,

observaremos alguns conceitos a partir das considerações de

Guinsburg ( apud COHEN, 2011, p. 28) “a expressão cênica é

caracterizada por uma tríade básica (atuante-texto-público)

sem a qual ela não tem existência”. O texto aqui é visto como a

intermediação entre o atuante e o público, no qual se dará todas

“as transposições características da arte (passagem da vida

para a representação, do real para o imaginário e o simbólico,

do inconsciente para o consciente)” (COHEN, 2011, p. 116).

Para o autor, o atuante na performance pode ser um boneco, um

objeto e não necessariamente um ser humano, e o público seria

o espectador/receptor, pois, é necessário que este exista para a

recepção e a leitura aconteça como produção de sentidos nos

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desfiles de Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela.

Se os desfiles se apropriam da performance e desta

linguagem cênica, atentemo-nos para as afirmações de Cohen

(2011), quando diz que a arte da performance, passa por uma

linguagem híbrida, entre uma linguagem teatral e uma

linguagem antiteatral, considera que esta se estrutura a partir

de duas definições. A performance como teatro, uma expressão

cênica e dramática com apresentação ao vivo, em que

produzem diversos significados, por meio de um atuante, um

animal ou um objeto, com uma dinâmica (gesto, ação,

movimento). Por outro lado, o autor considera também como

antiteatral, onde a idéia está acima da execução e a

performance acontece com espontaneidade e prepondera na

interpretação.

Nesta mesma concepção, Glusberg (2009) nos afirma

que a performance, envolvendo uma cenografia ou não, tem

liberdade de expressão e pode não envolver nenhum suporte

predeterminado ou objetos físicos, pois o corpo é objeto de ação

espontânea e significação, ele é a afirmação da criatividade

humana.

Na análise de Glusberg (2009), bem como a análise

Cohen (2011) quanto a performance, também apresenta traços

ritualísticos, uma herança deixada pelo happening, apesar de

terem uma grande proximidade. Tanto performance quanto o 26happening , segundo Cohen (2011) são considerados arte de

fronteira, pois suas delimitações se embaçam ao incorporarem

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elementos de várias artes, como o teatro.

Esta linguagem cênica dos desfiles performáticos, está

no fato deste usar alguns conceitos que se assimilam a algumas

performances e espetáculos que não se classificam como

teatro, apesar de sua proximidade, esta linguagem é mais

abrangente, por não se apoiar totalmente nas convenções

usadas pelo teatro comercial. Para Cohen (2011, p. 140), “a

performance cria um topos de experimentação onde são

'testadas' formas que não têm ainda lugar no teatro comercial”.

Uma das características da arte cênica e teatral é a

preponderância da representação. Cada elemento, se houver,

possui uma significação e vai contar alguma coisa, o que lhe

confere ser chamada também de arte da experimentação e da

tridimensionalidade. Essa representação e experimentação

dada por uma tridimensionalidade e por recursos cênicos é o

que aproxima o desfile da vida, do teatro, e permite chamá-lo de

expressão poética.

Se a performance tem um sentido de cena, se aproxima

do teatro enquanto espetáculo e até mesmo atuação, tem ao

mesmo tempo também, uma aproximação com o processo do

26 Happening, segundo Cohen (2011), seria um acontecimento, um evento. Para o autor é um novo conceito que a partir de 1959 vai se propagar encetando uma nova forma de encenação e a produção de experimentações que buscam conceituar novas tendências que incluem várias mídias, como as artes plásticas, o teatro, música, dança, etc.

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imprevisto e do rompimento do tradicional, que se caracterizam

nestes desfiles por provocarem inquietação, desconcerto e

emoções.

Tanto a performance na arte quanto os desfiles

observados, rompem com as convenções, aproximam-se da

vida, são expressões de contestação, são acontecimentos, uso

livre de espaços, objetos, e como classifica Cohen (2011, p.

135) ao falar da performance na arte, é um evento.

Ao falar da expressão cênica, Cohen (2011), chama de

topos ou localização, a relação entre o emissor e o receptor. O

primeiro topo seria o (emissor) e o segundo topo o (receptor).

Essas variações podem ser múltiplas, pois este esquema é uma

adaptação da cena teatral, o que muitas vezes, não é regra e

pode haver alternância entre esses topos. Esta conceituação

com relação à cena pode ser classificada entre dois modelos, o

modelo estético e o modelo mítico.

No modelo estético, o receptor ou observador, não entra

na obra, há um distanciamento crítico, no qual é mero

assistente, como nos desfiles de Viktor & Rolf, Alexander

McQueen e Martin Margiela, está mais ligado ao teatro, ás

convenções do teatro Aristotélico (divisão entre palco e platéia).

Neste modelo, cria-se a empatia com o espectador/receptor,

por meio da representação e que muitas vezes, nesta

linguagem estética se utiliza convenções dadas no teatro. E

também é o que a aproxima do teatro realista ou de um instante

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de vida, para Cohen (2011, p. 127), “o teatro enquanto arte do

simbólico se alicerça na convenção”, podendo aparecer de

forma difusa ou fortemente nas encenações.

No modelo mítico, esse distanciamento entre emissor e

receptor, é menor, podendo este participar ou não da ação. A

separação entre estes dois topos é mais flexível e dinâmica.

Geralmente estes eventos acontecem também em ambientes

(locais) fora dos modelos propostos (teatros tradicionais).

Muitas vezes são espaços vazios, sem assentos, museus ou

galerias. São experimentações, onde o espectador é

participante fazendo parte da cena, pois há uma condução do

público para novos espaços, desde espetáculos de rua até

espetáculos underground.

Ao nos apropriarmos destas teorias de Cohen (2011)

acerca do teatro e a expressão cênica e fazermos esta distinção

entre modelo mítico e modelo estético, objetivamos localizar o

desfile de moda em um destes topos criados pelo autor, mais

precisamente os desfiles destacados neste estudo.27O desfile ao envolver uma forma (estrutura) cênica com

uma organização sistematizada de sua ação, como ações

27 Para Leite e Guerra(2002, p. 51), “a encenação é a manifestação que, por meio de um conjunto de atitudes, escolhas, seleções, expressa uma proposta humana, bem demarcada e definida. Ela só acontece quando existe o espectador, uma platéia ou alguém a quem se comunica algo; em linguagem semiótica, um receptor. Cena diz respeito a uma relação, em princípio, espaço-temporal, na qual algum acontecimento se registra, em

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espontâneas, sem uma linearidade que justifique o

encadeamento das ações, se aproxima da linguagem da

performance artística, mas neste estudo, podemos dizer que

estes desfiles possuem uma relação com o modelo estético

muito maior que o modelo ritual, observa-se mais uma

representação do real, do que uma vivencia do real. O

observador mesmo tendo um contato participativo, tem um

distanciamento psicológico do objeto, pois ele não entra na

obra, por isso sua relação e associação com o teatro. Não há

uma ligação física. É um teatro que usa de artifícios onde os 28atores criam uma idéia de quarta parede .

Esta relação é muito explicita nos desfiles dos designers

apresentados. É uma cena fechada, onde o público acredita na

realidade artificial que está sendo mostrada. É o que manifesta

certo momento e lugar delimitado. Pode apresentar somente uma modificação espacial quanto ao movimento, ou apenas uma mudança concernente a uma passagem do tempo, sem movimentar aparentemente nenhum objeto ou sujeito.” Desta forma, o espaço cênico para a autora, em termos de plasticidade, se dá por meio de um conjunto de elementos (cenário, texto, luz, música e a própria ação ou atuação do ator) que agem e interagem com o espectador/receptor. 28 Para Cohen (2011, p. 124), “o ator deve dar a impressão de não estar sendo visto e ouvido senão pelas personagens que com ele se encontram no universo representado e com as quais e para as quais fala. E todo esse universo representado e tudo o que nele acontece deve ser de tal modo figurado como se não houvesse ninguém para observá-lo de fora (isto é, de um lugar que fica fora do universo representado); esse mundo deve ser tão natural quanto possível”.

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Cohen (2011,) ao chamar de “ilusão cômica” este artifício. Isto

se dá na medida em que o espectador/receptor participa da

cena ao acreditar nesta ilusão temporária. O receptor acredita

que o que se passa na encenação é real, pois esta tem o poder

de evocar uma fantasia, um ficcional que reina em um momento

imaginário. Os aparatos técnicos e conceituais nos remetem a

um imaginário na cena despertando sensações, associações e

acreditando neste estado ilusório. Como Cohen (2011, p. 126)

afirma, “existe também, em paralelo, um nível concreto que

chamamos de função transporte dos signos (atores, objetos

cênicos, spots, caixas de som etc.)”.

A cenografia, a iluminação e o som, aparatos utilizados

no desfile, são convenções que vão conduzir o

espectador/receptor a um estado de relaxamento, ou estados

hipnóticos que o levam a um mergulho na fantasia.

Mesmo performance e desfile apresentando traços

próximos, o desfile tem aproximação também com o teatro,

tanto no modelo estético, quanto no modelo mítico. Estas

aproximações do desfile com a performance e o teatro, são um

tanto polêmicas, mas, vale apontar estas relações e

distanciamentos, destas linguagens que permeiam e se cruzam

no desfile destes designers.

Com Viktor & Rolf, por exemplo, em sua performance de

vestir e desvestir a modelo na passarela, como observado,

mesmo em um ato simbólico de repetição, com alusão a

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reprodução seriada da indústria da moda, os designers fazem

uma representação explícita das convenções ao se

caracterizarem como atores em cena, assumindo-se como

atores e não como designers, além disso toda a alusão de uma

fábrica cenográfica que revestia a passarela e o local, uma

relação bastante clara do uso das convenções teatrais e

aproximação da realidade(Figura 46).

Com Alexander McQueen, há uma aproximação tanto

com o ficcional dado pela convenção (a caixa espelhada

simulando um hospício) quanto com o real, onde a cena

acontece naquele instante, e os espectadores ou receptores

mesmo em um espaço distante da encenação (palco/platéia),

fazem parte, ao verem-se espelhados na caixa que recobre as

modelos, se caracterizam como personagens em cena e parte

do cenário. Outra características deste desfile com referencia

ao teatro estético, é o sentido da quarta parede citado por

Cohen (2011), que nesta exibição, acontece por meio de um

artifício criado pela iluminação e os espelhos que recobrem as

paredes do cubo no qual as modelo não viam o público e agiam

como se não houvesse ninguém para observá-las. Neste

exemplo podemos observar que há uma aproximação tanto

com o modelo estético, quanto com o modelo mítico(Figura 47).

Por outro lado, no desfile de Margiela, parte-se para uma

cena mais abstrata, com uso de materiais simbólicos, (as

perucas invertidas, as meias e as modelos empurradas por um

Figura 46: Cenário do desfile “Glamour Factory” – Viktor & RolfFonte: <http://graemekennedy.blogspot.com.br/2010/07/glamour-factory.html>.

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carrinho como se fossem manequins em uma vitrina)

elementos de uma narrativa, que não guardam uma relação

direta com o desfile representado ao desviar-se das relações

habituais de uma sequencia hierarquizada. Uma cena abstrata,

onde o que se busca é abrir caminho para novas relações e

novas significações ao romper com as convenções teatrais e se

aproximar da performance artística e até do modelo ritual citado

acima(Figura 48).

Na medida em que estes desfiles se colocam como

críticos de um momento, estão propondo um choque, ou uma

forma de resistência à estética pragmática da indústria da

moda. 29Este enviroment criado nos desfiles externa a difícil

associação entre o que é real e o que é artificial. Estes

ambientes são espaços de manipulação e reconstrução, dado 30pela representação de outras realidades. Para Cohen (2011,

p. 120), “a encenação mise en scène é a localização mise en

Figura 47: Modelo no Box espelhado Fonte: <http://vossehf.wordpress.com/about/voss/>.

29 Enviroment é o envoltório onde estas relações se desenvolvem, o ambiente. Segundo Cohen (2011, p. 144), “diz respeito ao clima, ao envolvimento, ao meio ambiente. Seria uma espécie de cor de fundo, não no sentido de uma mera referencia estética e sim como uma 'energia' que está no ar”. 30 Para Cohen (2011, p. 97), “o que dá a característica de representação a uma espetáculo é o caráter ficcional: o espaço e o tempo são ilusórios (se reportam a um outro instante), da mesma forma que os elementos cênicos (incluindo os atores) se reportam a uma 'outra coisa'. Eles representam algo”.

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place por meio de diversas materializações, de um discurso de

ordem visual e sonora, a partir de um texto, de um esboço (ou

não) cujas tomadas de posição com relação ao seu conteúdo

são múltiplas”. Neste sentido, Avelar (2009, p. 118), também

nos afirma que o que acontece nos desfiles é um jogo de

realidades e fantasia que apela para os sentidos. “O desfile na

passarela é um evento que espetaculariza o ir e vir nas ruas da

cidade, mediante recursos teatrais como o palco e a fantasia”.

Para entendermos o elemento reflexivo que a

performance produz em sua ação, tanto na arte quanto nos

desfiles de moda, uma das situações, é necessário que o

público se identifique psicologicamente com esta ação,

podendo haver comunicação, mas não participação, pois esta,

só se completa quando há uma maior compreensão e

proximidade entre espectador/receptor e performer/atores

(modelos), não necessariamente física, mas emocionalmente.

E esta proximidade só é possível a partir dos interesses

pessoais do espectador. Mas, segundo Avelar (2009),

[...] por mais que o 'conceito' esteja presente na concepção de inúmeras coleções, sua exacerbação, quando bem pensada, arrebata-nos completamente, transformando aquelas formas e volumes inesperados em pura sensação – seja de deleite, seja de estranhamento (AVELAR, 2009, p. 118).

Figura 48: Adereço recobrindo a cabeça das modelos no desfile de MargielaFonte: <http://petrole.tumblr.com/post/15033177550/maison-martin-margiela-spring-summer-2009>.

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Outra característica de sua complexidade, é que a

performance é primariamente uma comunicação corporal, não

verbal, o que explica as dificuldades de sua interpretação.

Embora estas barreiras dificultem o seu entendimento, para

Glusberg (2009, p. 117), “os movimentos e expressões, mesmo

quando amorfos, significam mais que mil frases”.

Muitas das performances nos desfiles de moda

constituem uma sátira de nossa sociedade e traz como discurso

para a passarela os conflitos do mundo real, como observado

nos desfiles de Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin

Margiela, como a cópia na indústria da moda, a produção

seriada, ou a própria crítica dos paradigmas estéticos atuais.

As performances envolvem o comportamento humano,

portanto ações significativas, mas por outro lado, envolve

também atos ritualísticos e estéticos, comportamentos

desconhecidos ou com propósito inteligível. As performances

flutuam entre várias linguagens, inclusive como expressão

cênica, por esta multiplicidade, desvendar seus significados,

torna-se complexo, mas por outro lado, ao atravessar fronteiras,

ocupa espaços nos desfiles como expressões que ampliam a

linguagem estética e sua aproximação com a arte. Um discurso

em que a interação acontece entre essas diversas linguagens e

por meio de diferentes estruturas, que propiciam múltiplas

interpretações, culminando com uma situação em que estes

desfiles de moda expressem um design que instiga, sugere,

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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

questiona e provoca com a realização performática nas

espacialidades.

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ConsideraçõesFinais

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A apresentação de um design no espaço, acontece com

a apropriação de elementos da performance. O uso de

tecnologias variadas nos convoca a repensar os conceitos de

representação em relação ao espaço e tempo nos desfiles de

moda, visto que, o tempo não é mais o momento e o espaço.

Os desfiles dos designers observados em nosso estudo,

Viktor & Rolf, Alexander McQueen e Martin Margiela, têm

elementos de experimentação e percepção. Essas

experimentações podem advir da forma material, do design do

espaço, e da espetacularidade de exibição que associada às

linguagens artísticas, as performances, provocam e aguçam a

percepção.

Os desfiles acontecem com fusão de linguagens, uma

conjugação de elementos e conceitos que estão sobrepostos

de modos distintos. A exibição de um desfile, de um processo no

espaço que designa a estrutura ou o design (espaço, roupa,

passarela, modelos, som, iluminação e performance) acolhe a

poética.

Muitas referenciais baseadas nos conceitos da

modernidade, estão de certa forma, superados. Os polos se

excluem e se tornam difusos. Convivem, confrontam-se e se

superpõem em linguagens diversas num processo dialético,

associando-se ou contrariando-se. É nesse sentido que os

espetáculos dos desfiles de moda contemporâneos criam

ambientes que superam a forma rígida do pensamento

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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

moderno.

Com Viktor & Rolf o principio de ordem e encadeamento

sofrem adaptações e recombinações. Estes espaços se

apresentam como um desafio e uma maneira de repensar as

formas de comunicação entre emissor e o receptor, onde novas

relações são identificadas ao valorizar neste ambiente,

elementos diferentes não mais estático ou inerte.

Essa organização dos elementos e linguagens nos

desfiles, coloca em evidencia o espaço, mas como um meio de

comunicação, que transforma o espaço em espacialidade. Este

mero suporte supera sua simples forma plástica, material em

um ambiente gerador de sentidos e múltiplas percepções.

Como observado, estes desfiles, ao se apropriarem de

uma linguagem artística como o teatro, a performance, a

montagem ou a collage, criam um modo de organizar

informações e levar a apreensão (muitas vezes de informações

esparsas e sem sentidos) por meio de associações que só é

possível nestas espacialidades. Espaços onde colidem os

sons, as imagens, os gestos, e fragmentos que exigem

perceptivamente uma sincronia do receptor, pois, este assinala

uma complexidade ao organizar elementos que podem nada

significar, e que estão alem da simples linearidade estabelecida

entre emissor e receptor. Nestes espaços percebemos que por

meio das performances, estes elementos dispares se

reorganizam.

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Alexander McQueen ao usar estas linguagens,

transforma o espaço espetáculo em espacialidade, valorizando

aquilo que parecia imperceptível ou sem sentido, dando

significados. Revelando assim, nesse processo de

estranhamentos, a superação da visualidade contemplativa

para uma visualidade de interesse cognitivo.

Ao construírem os discursos com o uso de linguagens

que superam a estabilidade do espaço físico e material, estes

desfiles ultrapassam a inércia dos espaços dos desfiles

tradicionais como suporte. Atingem outros desdobramentos em

um ambiente comunicante, da simples noticia ou fato, ao

acontecimento, da decoração ou da coleção de roupa ao design

de aparência. Nestas espacialidades confluem a comunicação

e conhecimento.

Há, portanto, no envolvimento, uma natureza poética do

ficcional, mesmo quando o discurso poético do designer se

constitui muitas vezes no absurdo.

A apreensão de um discurso implica em um corpo

comprometido com a atualidade que se apropria das

possibilidades técnicas disponíveis, na maneira de ver e

perceber a questão social e/ou cultural, portanto, toda nossa

percepção se dá pelas lentes que nossa cultura oferece.

Com Martin Margiela no plano do discurso poético, a

percepção da totalidade fechada obscurece a compreensão e o

conhecimento. Neste discurso reivindica-se uma visão global

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da energia conflitual e movente de relações causais, da

aproximação com a montagem, a collage, a performance de

linguagens pertinentes à experimentação.

Nesse sentido, podemos observar que mesmo quando

estes desfiles estabelecem uma conexão com a linguagem do

teatro, e com a representação e dramatização, trazem

embutidos uma flutuação entre essas várias linguagens. Estes

desfiles abrangem uma espacialidade que atravessam

fronteiras e não cumprem apenas a função de entretenimento e

consumo, mas enveredam por caminhos que são essenciais

para a existência da arte, da liberdade e da radicalidade.

Esta relação dos desfiles entre a arte e a vida, se dá na

interferência dada pela forma/design de exibição, que ao se

apropriarem das espacialidades, experimentações e

linguagens transgressoras, trazem para o plano estético à

indústria da moda.

Quando o designer supera o espaço como suporte e o

transforma em espacialidades, ele rompe limites, impede que

estes espaços sejam mais importantes do que a mensagem

artística comunicada, e esse novo espaço, essa forma de

discurso, constitui-se como elemento essencial para interpretar

os acontecimentos contemporâneos.

A presente pesquisa não objetivou constatar se os

desfiles são arte, mas demonstrar como estes se apropriam de

linguagens estéticas que estão entre os dois campos de

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Design e Espacialidades:Desfiles de Moda Como Performance

investigação, arte e moda. No momento em que estes desfiles

incorporam estas linguagens, existe uma produção

(comunicação simultânea de informação e poética), e muito

contribuem para esta aproximação com a arte.

Historicamente a moda tinha nos espaços de

sociabilidade, a função de distinção, no qual as fronteiras eram

mais identificáveis, seja por classe, faixa etária, grupos, etc., e

que eram determinantes nas atitudes e comportamentos. Os

desfiles são verdadeiros cenários, com músicas, luzes,

espaços criadores de sentido. E nessa linha de reflexão é que

percebemos hibridações entre informação e poética. São

instancias que se superpõem, envolvendo a visualidade e a

poeticidade desses espaços de exibição, onde várias

disciplinas como o design, a moda, a comunicação e a arte se

encontram.

Pensar estes espaços é pensar a produção de sentidos

e, portanto, são espaços que não se encerram em lugares

fechados e formatados, mas com uma pluralidade de

comunicação. São espaços reinventados que buscam atitudes

marginais nos ambientes no qual convivem, experimentos,

linguagens híbridas e poéticas, com discursos que transbordam

significados com performances, mídias eletrônicas de

sonorização e comunicação.

O que se observa nestes espaços não é uma

coexistência dessa homogeneização e a diferença, uma

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visualidade midiática, que se dá não por uma totalidade, um

conjunto fechado, mas uma globalidade de aberturas, de

relações casuais e de polinizações de fronteiras. Portanto de

difícil definição, pois seu sentido procede destas diversas

manifestações que o compõe.

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Referências Bibliográficas

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