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O presente estudo foi desenvolvido para mapear e registrar o atual panorama do artesanato e do design: as intersecções e influências entre estas duas atividades. Neste objetivo, o estudo apresenta uma pesquisa sobre uma identidade brasileira do design baseado no artesanato, e também as possibilidades do trabalho do design nos produtos artesanais. As informações foram coletadas em registros bibliográficos e em entrevistas com diversos profissionais com experiências diferentes.
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ALYNE SALERA DE ALMEIDA EMANUELLE SCHNEIDER
DESIGN E ARTESANATO
DEFINIÇÕES, LIMITES E INFLUÊNCIAS
Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado à FACULDADE DE COMUNIAÇÃO E ARTES DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE, como requisito parcial para a obtenção do Título de BACHAREL em DESENHO INDUSTRIAL – HABILITAÇÃO EM PROJETO DE PRODUTO.
Orientador: Ivo Pons e Afonso
São Paulo
2005
ALYNE SALERA DE ALMEIDA EMANUELLE SCHNEIDER
DESIGN E ARTESANATO
DEFINIÇÕES, LIMITES E INFLUÊNCIAS
Trabalho de Graduação Interdisciplinar apresentado à FACULDADE DE COMUNIAÇÃO E ARTES DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE, como requisito parcial para a obtenção do Título de BACHAREL em DESENHO INDUSTRIAL – HABILITAÇÃO EM PROJETO DE PRODUTO.
Aprovada em Julho de 2005
BANCA EXAMINATÓRIA
Profº Drº_______________________________ Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profº Drº_______________________________ Universidade Presbiteriana Mackenzie
Profº Drº_______________________________ Universidade Presbiteriana Mackenzie
Em especial a minha Avó Maria Locatelli Schneider e minha Mãe Lauri Salete Schneider, pela crença e confiança em meu sucesso, pelo apoio e dedicação ao longo desses anos e pelo amor incondicional, gerador da energia e garra que me conduziram. A Flavia Liyeh Shimizu, pela paciência, apoio, ajuda e carinho.
(Emanuelle Schneider Atania) Aos meus pais, Antonio Carlos de Almeida e Marilene Salera de Almeida, pela grande oportunidade, pelo apoio e confiança. Ao Marcos Paulo Machado Leme, pela ajuda, compreensão e incentivo.
(Alyne Salera de Almeida)
AGRADECIMENTOS
Agradecemos em especial ao nosso amigo e orientador Ivo Pons, pela ajuda, confiança,
horas de dedicação e incentivo, sem o qual nada seria possível.
Aos demais professores e mestres envolvidos no projeto.
Aos amigos e colegas entrevistados: Christian Ullmann, Tania de Paula, Juliana Bertolini,
Eugênio Ruiz, Marcos D’Assunpção e Roberto Santos, pela generosidade em compartilhar
suas experiências e conhecimento, abrindo nossos olhos para novas realidades.
Não partilhe sempre o mesmo caminho, passando somente onde outros já passaram. Abandone ocasionalmente o caminho trilhado e embrenhe-se na mata. Certamente descobrirá coisas nunca vistas, insignificantes, mas não as ignore. Prossiga explorando tudo sobre elas; cada descoberta levará a outra. Antes do esperado, haverá algo que mereça reflexão.
(Alexandre Graham Bell)
RESUMO
O presente estudo foi desenvolvido para mapear e registrar o atual panorama do
artesanato e do design: as intersecções e influências entre estas duas atividades. Neste
objetivo, o estudo apresenta uma pesquisa sobre uma identidade brasileira do design
baseado no artesanato, e também as possibilidades do trabalho do design nos produtos
artesanais. As informações foram coletadas em registros bibliográficos e em entrevistas
com diversos profissionais com experiências diferentes.
Palavras-Chave: design, desenho industrial, artesanato, identidade Brasileira.
ABSTRACT
This study was developed to map and registry the current panorama of handcraft and
design: the intersections and influences between these two activities. In this objective, the
study presents a research about a Brazilian design identity based on the Brazilian handicraft
and also the possibilities of design work in the handicraft products. The information was
collected and takes reference in bibliographical registry and interviews with professionals
with different experiences.
Key words: design, industrial design, handcraft and Brazilian identity.
LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Revolução industrial – Têxtil - Indústria têxtil na Inglaterra (séc. XVIII)........... 13
Figura 2 – Hair Design – Home Page de um Salão de cabeleireiro no Rio de Janeiro .... 15
Figura 3 – Chaleira Allegro – T-Fal ................................................................................... 20
Figura 4 – Chaleira da coleção Smart. Design: Deckel & Stovchen Tea .………………… 20
Figura 5 – Chaleira Pito – Alessi. Design: Frank Gehry ....…………………………………. 21
Figura 6 – Chaleira Chantal 3718WT. Enamel Classic Tea Kettle ..…..…….…………….. 21
Figura 7 – Chaleira Chantal ProDesign Tea Kettle ...…………………….………………… 22
Figura 8 – Tea Kettle – Le Creuset 1.8 quart Wishing Tea Kettle …………………………. 22
Figura 9 – Panela Preta da região de Registro – Técnica originalmente indígena ........... 25
Figura 10 – Nossa Senhora da Alvorada. Obra de Aleijadinho ……................................. 28
Figura 11 – Artesã de Irará (BA) confeccionando pote em cerâmica ............................... 29
Figura 12 – Moldes para produção em série de peças cerâmicas ................................... 29
Figura 13 – Peneira de trançado. Tribo Baniwa – Amazonas .......................................... 30
Figura 14 – Cesto Cargueiro. Tribo Yanomami – Roraima .............................................. 31
Figura 15 – Cesta para pães. Grupo Banarte – Miracatu – SP ....................................... 31
Figura 16 – Cocar para ritual festivo. Tribo Bororó – Mato Grosso/MT ........................... 32
Figura 17 – Jarreteira – enfeite para a perna. Tribo Wai Wai – Pará .............................. 32
Figura 18 – Espada Samurai ........................................................................................... 32
Figura 19 – Espada Samurai ........................................................................................... 33
Figura 20 – Piso Loft do Show Room do SEBRAE ......................................................... 44
Figura 21 – Detalhe em acabamento em crochê para pano de prato ............................. 45
Figura 22 – Almofadas produzidas em amarradinho pela ONG Aldeia do Futuro .......... 56
Figura 23 – Artesanato em trançado estrela - São José do Rio Preto – SP ................... 67
Figura 24 – Artesanato em capim amargoso – Cajobi – SP ........................................... 67
Figura 25 – Produtos em trançado de Taboa – Cananéia – SP ..................................... 68
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO............................................................................................................ 11
2. DEFINIÇÕES................................................................................................................ 13
2.1. Design ......................................................................................................... 13
2.1.1. A origem do Design .................................................................................. 13
2.1.2. O que é Design? ....................................................................................... 15
2.1.3. Como se manifesta o Design? .................................................................. 23
2.2. Artesanato .................................................................................................... 25
2.2.1. O que é artesanato? ................................................................................. 25
2.2.2. Como se manifesta o Artesanato? ........................................................... 28
2.2.3. Produtos artesanais ................................................................................. 30
2.2.4. Problemáticas do Artesanato ................................................................... 33
3. INTERFACES .............................................................................................................. 35
4. AGENTES SOCIAIS .................................................................................................... 40
4.1. Designers .................................................................................................... 42
4.2. Organizações Não Governamentais (ONG’s) ............................................. 52
4.3. Visão Acadêmica ......................................................................................... 57
4.4. Visão do Sebrae .......................................................................................... 60
CONCLUSÃO.................................................................................................................. 69
ANEXOS .......................................................................................................................... 73
REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 107
11
1. INTRODUÇÃO
No mundo atualmente globalizado, onde a individualidade humana nem sempre está
ligada às raízes locais do homem e onde, em razão da informação, o espírito tem maior
força que o meio na definição da sua personalidade, de modo que surgem diversas
questões inquietantes, tais como:
(i) O que se pode entender por Design?
(ii) O que é o artesanato?
(iii) Estes conceitos são opostos?
(iv) Quais os limites de cada um?
Antes de trazerem um alento às questões que perseguem o designer, as respostas aos
questionamentos acima são apenas o começo de um longo labirinto a ser percorrido no
caminho das discussões envolvendo design e artesanato, sob a perspectiva do século
XXI.
E qual a relevância desta discussão?
A primeira e principal importância desta discussão está em identificar aspectos de
interseção entre estas duas manifestações culturais, de modo a enriquecê-las
mutuamente. Para utilizar uma expressão muito em voga em todas as áreas: “agregar
valor” a cada uma destas atividades.
Em segundo lugar, trata-se de uma questão de preservação e identidade. Ao buscar
limites o homem enriquece sua própria visão sobre os seus produtos, sobre quais itens
refletem sua “voz”, sua forma de expressão, seu estilo de vida.
Diante deste panorama, a presente pesquisa tem como objetivo mapear e registrar o
cenário atual em que estes conceitos estão inseridos. Com pesquisas bibliográficas e
entrevistas com profissionais que desenvolvem trabalhos tanto no ramo do design
industrial quanto no artesanato, busca-se questionar os pontos limítrofes e interseções de
cada uma destas áreas.
12
Nos pontos a serem desenvolvidos, esta pesquisa não tem qualquer pretensão de ser
exaustiva, muito pelo contrário, o escopo é em apontar questionamentos, ponderar
opiniões e aspectos a fim de conduzir a reflexão e maior sensibilização sobre estes
temas.
13
2. DEFINIÇÕES
2.1. Design
2.1.1. A Origem do DESIGN
O termo “design” deriva do termo inglês “design”, que tem como base o latim designare e
de signum (marca, sinal) e significa em termos gerais: o modo ou o processo pelo qual
será decidido como alguma coisa deverá aparentar ou funcionar.
A expressão design surgiu no século XVIII, na Inglaterra, como tradução do termo italiano
disegno, mas somente com o progresso da produção industrial e com a criação das
Schools of Design é que esta expressão passou a caracterizar uma atividade específica
no processo de desenvolvimento de produtos.
Historicamente, o design, propriamente dito, ganhou relevo com o advento da Revolução
Industrial, na Inglaterra em 1760. O avanço tecnológico representado pela máquina a
vapor possibilitou a produção em massa, ou seja, a produção em série de produtos de
uso em geral para a população.
Figura 1: Revolução industrial – Têxtil
Indústria têxtil na Inglaterra (séc. XVIII) - Trabalho infantil e feminino
Neste panorama, o design surge como um meio de obter uma vantagem competitiva
sobre os demais produtos oriundos de outros países, conforme esclarece a professora
14
Eluiza Bortolotto Ghizzi1 da Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul –
Centro de Ciências Humanas e Sociais Departamento de Arte e Comunicação –
Encarregada do projeto de Especialização “Artesanato Empreendedor”:
“Esse sentimento nacionalista foi extremamente importante para as ações em
direção da união entre arte e indústria. Essas ações resultaram da percepção
de que era preciso melhorar a qualidade da produção industrial. Surgiram na
Europa e, até mesmo, no Brasil, organizações preocupadas com as questões
industriais e, também, com as questões artesanais nesse processo. De acordo
com Denis, “com a consolidação dos estados nacionais e do imperialismo
europeu nas últimas décadas do século 19, a economia mundial começou a
adquirir suas feições modernas, demonstrando uma globalização
incipiente”(Denis, 2000:110)2”
Atualmente, industrial design vale tanto como conceito industrial ou de produto.
Industrielle Formgebung (alemão), estetique industrielle (francês), diseño industrial
(espanhol), technitscheskaya Estetika (russo), etc.
Como uma solução possível, a classe dos profissionais adotou design, em inglês, e foi
assim que a mais recente proposta para o reconhecimento da profissão foi submetida ao
Congresso Nacional (1993). Tal decisão foi referendada pelos profissionais e estudantes
da área durante o ENDI (Encontro Nacional de Desenhistas Industriais), realizado em
1998 em Londrina, no Paraná.
Os argumentos a favor do uso do termo design são os seguintes: (i) existe uma
separação entre técnicos (desenhistas) e projetistas criadores (designers); (ii) o termo é
utilizado e reconhecido internacionalmente.
A adoção desta nomenclatura supõe que design signifique o planejamento de produtos
para diferentes indústrias, sendo cada tipo de planejamento identificado pela indústria fim:
design industrial para o projeto de produtos; design gráfico para o projeto de produtos
gráficos; design têxtil para o projeto de tecido e assim por diante.
1 BORLOTTO GHIZZI, Eluiza, disponível em <http.//www.ufms.br/nucdesign/IMG/fundmetproj.doc>
2 DENIS, Rafael Cardoso. Uma introdução à História do Design. São Paulo: Edgard Blücher,2000. p. 109
15
As primeiras escolas de Design, estabelecidas na década de sessenta, responsáveis pelo
batismo da profissão emergente, optaram pelo termo Comunicação Visual, sendo o
profissional da área de design gráfico o comunicador visual.
Quando da projetada adoção de Design para denominar os cursos, algumas escolas
adotaram design industrial para projeto de produto e conservaram comunicação visual
para design gráfico. O currículo mínimo dos cursos, aprovados pelo Ministério da
Educação, nomeia o genérico de desenho industrial, sendo a programação visual a área
relativa ao projeto de artefatos gráficos. Neste caso o profissional é desenhista industrial
com habilitação em programação visual ou programador visual.
O ICOGRADA (Internacional Council of Graphic Design), em seu comitê para a Educação
em Design Gráfico para a América Latina, considerou design gráfico e comunicação
visual como sinônimos.
2.1.2 O que é DESIGN
Atualmente se for questionado a qualquer cidadão comum, que não atue no meio
específico do design ele lhe responderá que design é forma. É uma coisa “moderna”,
“estilo”. É o termo sendo utilizado em salões de beleza (que já se chamam “hair design”),
em padarias (design de pães). Existe uma banalização generalizada do termo.
Figura 2: Hair Design
Página da Internet de um Salão de cabeleireiro no Rio de Janeiro
16
Esta banalização deriva do próprio do nascimento do uso da palavra design, conforme
apresentado por George H. Marcus3, em sua obra intitulada “What is design”, abaixo
transcrito:
“A razão pela qual ainda levantamos estas questões é porque nós ainda
estamos nos debatendo com o legado do “Bom Design”, um movimento
populista de meados do século 20 que tentou trazer aos utensílios domésticos
economia, sem sentido e estética moderna. O Bom Design foi baseado em
idéias que se originaram em meados do século dezenove na Inglaterra, quando
reformadores advogaram uma aproximação simples e utilitária para as criações
dos produtos do dia a dia como uma alternativa para as massas dos produtos
manufaturados industrializados que a Revolução industrial tornou possível. Ao
invés de aceitar as mobílias em sua variedade de estilos históricos e
decorativos que eram tipicamente usados em seu tempo, Bertram e outros
profetas da estética do Bom Design de ambos os lados do Atlântico buscaram
impor suas própria preferência por formas modernas caracterizadas pela
simplicidade austera, materiais naturais e a abstenção do ornamento.
(...)
Agora, meio século após a publicação do O que é Design Moderno?, Nós
precisamos revisitar as premissas que lá foram listadas tão dogmaticamente e
considerar como estas idéias se relacionam com a definição de design que
temos hoje. Agora não podemos ser tão confiantes, desde que nós não temos
doze simples preceitos que cobrem toda a matéria4. Muitos “devem” foram
removidos de nosso vocabulário, e os princípios e objetivos do design, que
antes eram tão claros e firmemente focados na lista Kaufmann, foram
amplamente expandidos. Considerando o Bom Design regido por uma visão de
estética simples, hoje as linhas não são tão distintas e nós não temos escolhas
senão considerarmos todos os estilos possíveis.(...). E considerando que o
Bom Design julgava objetos separadamente em termos de forma, funções, e
economia, nós precisamos agora julgá-los em um contexto amplo que envolve
3 MARCUS, Georg H. – What is design today – HarryN. Abrams, Inc. – 2002, p. 8 e 13
4 A publicação What is Modern Design elencava 12 “dogmas” que definiam o que seria o design moderno, entre eles, citamos: 1.
modern deign should fulfill the preactical needs of modern life, 2. modern design should express the spirit of our times...
17
as circunstâncias de sua de criação, produção, e marketing, bem como
examinara seus aspectos sociais, ambientais, e tecnológicos. Somente neste
sentido nós poderemos encontrar satisfatoriamente uma resposta para a
questão sobre o qual versa este livro: “O que é o Design hoje?” 5
Assim, o termo design, que é um termo relativamente novo no Brasil, desde o início de
sua utilização sempre foi acompanhado de muitas confusões e mal entendidos. Seria o
design uma ferramenta? Uma atividade? Um processo? Arte?
Neste sentido, entende-se bastante elucidativa a definição de Jay Doblin, citado por
Charles Bezerra6, na qual Design é uma atividade que toca quatro dimensões:
“I. A dimensão do ser humano –
Uma intervenção de design está localizada entre o sujeito e o objeto, na
interface, entre o ser humano e o mundo artificial. Por isso, é fundamental
conhecer os aspectos deste ser humano, tanto os passíveis de serem medidos,
como os intangíveis, cognitivos e difíceis de serem medidos.
É nesta dimensão que o design toca as áreas da antropologia, ergonomia,
psicologia cognitiva, sociologia e filosofia, entre outras. Todo este
5 livre tradução do trecho: “The reason we even ask these questions is that we are still wrestling with the legacy of Good Design, a mid-
twentieth-century populist movement that attempted to bring products with an economical, non-sense, modernist aesthetic to ordinary
households. Good Design was based on ideas that had originated in mid-nineteenth-century England, when reformers advocated a
simple, utilitarian approach to the creation in everyday products as an alternative to the mass of manufacted goods that the Industrial
Revolution had made possible. Instead of accepting the furnishings in a variety of historic and decorative styles that were typically used
in their time, Bertram and other proselytizers of the Good Design aesthetic on both sides of the Atlhantic sought to impose their own
preference for modern forms characterized by austere simplicity, natural materials, and the absence of ornament.
(…)
Now, half a century after the publication of What is Modern Design?, we might revisit the propositions that were listed there so
dogmatically and consider how these ideas relate to a definition of design for our own day. This time we cannot be so confident, since
we do not have twelve easy precepts that will cover it all. Many “shoulds” have been removed from our vocabulary, and the principles
and goals of design, which had been so clearly and tightly focused upon in Kaufmann’s list, have expanded widely. Whereas Good
Design adhered to a single aesthetic viewpoint, today the lines are not so distinct and we have no choice but to consider all stylistic
possibilities. (…). And whereas Good Design judged objects separetely in terms of form, function, and economics, we must now judge
them in a larger context that involves into the circunstances of their creation, production, and marketing and examine as well their
social, environmental , and technologicl issues. Only in this way can we find satisfactory answer to the question that this book sets out
to ask, “What is Design today?”5
6 BEZZERRA. Chaves, disponível em <http://webinsider.uol.com.br/vernoticia.php/id/1547>
18
conhecimento sobre o comportamento dos consumidores tem se tornado cada
vez mais importante para direcionar estratégias de desenvolvimento e
marketing.
II. A dimensão da Arte –
Design toca a arte quando a forma, cor, textura, tipologia, e movimento, entre
outros, são usados no processo de criação do artificial. Este processo é
chamado de Styling.
É preciso sensibilidade e conhecimento sobre a composição e equilíbrio dos
elementos, porém, design não é arte. Creio que esta é uma grande fonte de
confusão. A mídia tem uma tendência de reduzir o design a um simples
embelezamento superficial, uma atividade não muito séria.
A influência européia no design brasileiro, principalmente nas escolas de
design, nos aproximou muito dos assuntos do styling, que são bastante
importantes, mas nos afastou dos assuntos do método, das técnicas, do
mercado, da economia, da estratégia. Perdeu-se o equilíbrio.
Todos conhecem a autopropaganda do Philippe Starck, mas poucos sabem
que não se pode andar a mais de 60km/h na bela motocicleta que ele projetou
porque ela vibra devido aos graves problemas aerodinâmicos.
III. A dimensão da Tecnologia –
Esta é a dimensão dos processos de fabricação, materiais, e mecanismos.
Designers precisam saber como o mundo material funciona.
Mas design também não é engenharia. Designers estão mais próximos da
exploração criativa da pergunta, O que fazer? Do que dos detalhes do como
fazer. Como se o Design estivesse mais próximo do planejamento e a
engenharia mais próxima da implementação.
19
IV. A dimensão da Ciência
Esta é a dimensão menos conhecida pelos designers. Ciência é a análise do
objetivo, a busca do entendimento do fenômeno físico, é olhar o mundo com
lentes.
É nesta dimensão onde se encontram profundas investigações em design.
Onde se buscam teorias para entender, simular ou otimizar o processo de
design. É para esta dimensão que deverão estar orientados os mestrados e
doutorados em design. Mas design também não é uma ciência.
Assim, por mais inclinados que estivermos para uma ou outra dimensão do
design, não podemos reduzir o conceito e a própria definição do design.
Estamos redefinindo design de acordo com as nossas limitações.”
No mesmo sentido de aproximar a atividade do design da dimensão da ciência e da
dimensão do ser humano, mas não se restringindo a estas, apresente-se a definição de
Gustavo Amarante Bomfin7:
“Entende-se por design a melhoria dos aspectos funcionais, ergonômicos e
visuais dos produtos, de modo a atender às necessidades do consumidor,
melhorando o conforto, a segurança e a satisfação dos usuários. O design é
uma ferramenta que permite adicionar valor aos produtos industrializados,
levando a conquistas de novos mercados.
As empresas têm usado o design como poderoso instrumento para introduzir
diferenciações nos produtos e destacar-se no mercado, perante os seus
concorrentes. Hoje ele é um dos principais instrumentos para as empresas
competirem nos mercados nacional e internacional.”
Assim, na posição deste autor, o design trata de um processo, um instrumento para
adicionar valor a produtos e conseqüentemente conquistar mercados. Como exemplo,
objetos que sofreram alterações ao longo dos tempos através da intervenção do Design:
7 - BOMFIM, Gustavo Amarante. “Idéias e formas na história do Design”. UFPB, João Pessoa, 1998.
20
Figura 3: Chaleira Allegro – Da marca T-FAL
Figura 4: Chaleira da coleção Smart Design: Deckel & Stovchen Tea
21
Figura 5: Chaleira Pito – Alessi
Design: Frank Gehry
Figura 6: Chaleira Chantal 3718SWT Enamel Classic Tea Kettle
22
Figura 7: Chaleira Chantal ProDesign Tea Kettle
Figura 8: Tea Kettle - Le Creuset 1.8 quart Whistling Tea Kettle
Por fim, de forma mais abrangente, mas de certa forma até mais voltada para o lado
artísitici, a ICSID (“The international Counsel of Societies of Industrial Design) também
apresenta a sua definição, saber:
“Design é uma atividade criativa cuja finalidade é estabelecer a qualidades
multifacetadas de objetos, processos, serviços e seus sistemas,
compreendendo todo o seu ciclo de vida. Portanto, design é o fator central da
humanização inovadora de tecnologias e o fator crucial para o intercâmbio
econômico e cultural.”8
8 Definição disponível em <http://www.armandofontes.com.br>
23
2.1.3 Como se manifesta o design
O design permeia o produto industrial (PRODUTO) de uma forma geral, na verdade um
ciclo, que como tal figura não tem um início ou um fim determinado.
Na visão de Bernd Löbach9, o produto industrial pode ser definido como:
“Os produtos industriais são objetos destinados a cobrir determinadas
necessidades e são produzidos de forma idêntica para um grande número de
pessoas. A lógica dos produtos industriais consiste em que, quando
produzidos, devam proporcionar – pela sua venda – um lucro. Além disso, a
natureza do produto deve garantir que seu uso possa efetivamente satisfazer
as necessidades do usuário, já que este é o único motivo que o induz a
despender algum dinheiro na sua compra.”
Nas diversas fases da elaboração do PRODUTO, desde o “pensar” até o seu controle de
qualidade. O design surge com o estudo dos materiais, passa pelo desenho técnico, e
conclui-se com produção e a apresentação do PRODUTO em grande escala.
Em outro ponto, para “pensar” o PRODUTO, o profissional tem como foco o seu
consumo, ou seja, ele tem que “pensar” o próprio consumidor, e na percepção de suas
necessidades em sentido amplo, ou seja, necessidades funcionais, necessidades
econômicas, e também necessidades estéticas.
Por sua vez, a necessidade do consumidor é influenciada pelos PRODUTOS já
existentes, que por sua vez foram fruto de um design que refletiu ou reflete a necessidade
de um período, ou seja, a, a própria realidade cria novas necessidades para o homem.
Assim, é um ciclo evolutivo em que um aspecto influi no outro. E neste sentido o design
manifesta-se de uma forma rica, que harmoniza com o homem.
O ciclo de manifestação do design pode ser aplicado a todas as áreas que envolvem a
produção latu sensu: produção industrial para projetos de produto, design gráfico para o
projeto de produtos gráficos; design têxtil para projetos de tecidos e assim por diante.
9 LÖBACH, Bernard. Design Industrial – Bases para a configuração dos produtos industriais – Ed. Edgard Blücher Ltda. 1° Ed. 2000. p.
38/39
24
Podemos chamar de formas de design, as áreas em que se manifestam estes ciclos.
No que compete ao desenho industrial, podemos entender toda atividade que tende a
transformar em PRODUTO passível de fabricação, as idéias para a satisfação de
determinadas necessidades de um indivíduo ou grupo.
A produção industrial destina-se à fabricação em série de centenas de produtos, de modo
que os produtos precisam ser estudados em todos os seus detalhes com a finalidade de
atender às necessidades de centenas de consumidores diferentes entre si. A única
liberdade do usuário de produtos industrializados é a escolha entre os diversos
fabricantes. Daí a importância do design no processo produtivo. A grosso modo: fatura
mais a empresa que produz produtos cujo design é aceito pelo maior número de
consumidores.
25
2.2 Artesanato
2.2.1 O que é Artesanato?
O artesanato encontra definição em várias correntes.
Em uma primeira corrente, há o entendimento do artesanato como qualquer produção
que envolva diretamente e de forma predominante trabalhos manuais, e neste sentido
todo objeto “feito à mão” é considerado como artesanato.
Nesta corrente pode-se destacar o livro de Peter Dormer, “Os significados do design
moderno – A caminho do século XXI”10 que em seu capítulo 6 intitulado “Valorizar a
produção manual – Artesanato de atelier e significado do seu estilo” relata o fenômeno do
artesanato produzido por profissionais ligados ao design pertencentes à “classe média”,
principalmente, americana.
Neste capítulo, Dormer realiza um estudo em que relata a experiência do artesão como o
produtor de objetos “customizados” destinados ao consumo da classe alta com o objetivo
de imprimir “individualidade” ao mobiliário desta classe social.
Por outro lado, uma segunda corrente considera que além da produção manual, o
artesanato compreende uma forma de manifestação cultural, o artesanato como fruto de
uma tradição técnica e conceitual passada de geração em geração até os dias atuais,
talvez ao longo de centenas de anos.
Figura 9: Panela Preta da região de Registro – Técnica originalmente indígena
10
DORMER, Peter in “Os significados do design moderno – A caminho do século XXI, Centro Português de Design, 1995.
26
Neste sentido podemos citar Raul Cordula11:
“Eis o que é artesanato: obra material do artesão, que em sua origem é arte
popular; fruto do trabalho realizado através das mãos na confecção de objetos
destinados ao conforto do homem, carregados de expressões da cultura, onde
a máquina, se utilizada, será apenas ferramenta, nunca fator determinante para
a sua existência. O artesanato é instrumento de melhoria e distribuição justa da
renda de comunidades pobres, como fruto do trabalho autônomo e vivo, pois
seu produto pertence ao artesão que o produziu diferente do trabalho enterrado
nas fábricas pelas mãos dos operários. Contrapõe-se portanto ao sistema de
produção industrial.
(...)
O conceito de “arte popular”, no entanto, não vigora em todo mundo nas
megalópoles como Nova Iorque, São Paulo, São Francisco, Londres, Tóquio e
mesmo em cidades menores, mas cosmopolitas, há o conceito de “artesanato
urbano” onde o artífice alia as técnicas tradicionais aos estilos da época”.
De uma forma majoritária, o artesanato pode ser definido como um campo do folclore12.
Assim, dentre as diversas áreas pertencentes ao folclore (arte popular, literatura popular,
música folclórica, danças, crenças populares, e demais áreas) encontramos o artesanato.
Em outro aspecto, encontramos Lina Bo Bardi, que esclarece sob o título “Discurso sobre
a significação da palavra artesanato”13:
“o artesanato popular corresponde (o artesanato é sempre popular, vamos
excluir de nossa conversa as diversas butiques que se reclamam do
artesanato) a uma forma particular de agremiação social, isto é, às uniões de
trabalhadores especializados reunidos por interesses comuns de trabalho e
11
CORDULA, Raul, disponível em <www.cultpopbrasil.org/artigos/raul_cordula/artesanato.>
12 “O conjunto das criações provenientes de uma comunidade cultural, baseadas nas tradições expressas por um grupo ou por
indivíduos que reconhecidamente correspondem às expectativas da comunidade, enquanto expressão de sua identidade cultural e
social, e, além disso, as normas e os valores que se transmitem oralmente, por imitação ou por outras maneiras.” (Definição da
Unesco – disponível em <www.geranegocio .com.br>
13 BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse – São Paulo – Instituto Lina No e P.M. Bardi, 1994 – (Pontos sobre o
Brasil)
27
mútua defesa, em associações que, no passado, tiveram o nome de
CORPORAÇÕES. A palavra ARTE, que hoje define atividade artística, indicou
no passado à atividade artesanal de qualquer tipo; pintores e escultores foram,
no passado, incluídos também no artesanato, nas assim chamadas ARTES
MENORES. As corporações existiram na Antiguidade clássica, isto é, na Grécia
e Roma, e tiveram o máximo esplendor na Idade Média quando a Europa
inteira se constituiu em Corporações.
A palavra artesanato vem da palavra ARTE equivalente de Corporação.”
No que concerne ao Brasil, e as manifestações de artesanato brasileiro, Lina Bo Bardi vai
extrapolar seus conceitos e afirma que:
“Não existe artesanato brasileiro importante. Não existe um artesanato
brasileiro importante em nenhum país do mundo que esteja no estágio de
civilização industrial, independentemente do grau de desenvolvimento atingido.
A organização social artesanal pertence ao passado, o que temos hoje são
sobrevivências naturais em pequena escala, como herança do ofício, ou (...)
por determinações artificiais, como (...) a crença difundida de que o feio à mão
é mais prezado do que o “feito à máquina”
Cabe a princípio esclarecer que é tênue, e muitas vezes nebuloso, o limite entre
artesanato e arte popular. Nas palavras do professor Iaperí Araújo, in Elementos da Arte
Popular:
“O artesanato tem muito de arte no conceito tradicional, não só pela
continuidade do elemento que representou o molde inicial, mas também porque
sem a mecanização standard e por que constituir um seriação manual, cada
novo objeto é recriado dependendo das condições do material a trabalhar e dos
instrumentos de trabalho. Cada nova forma surge como recriação recebendo o
toque pessoal do artesão.”
A presente pesquisa não tem como objeto a análise específica do fenômeno que
considera todo trabalho manual como artesanato, apesar de sua relevância para o tema
“artesanato” propriamente dito. O foco principal deste trabalho é a análise da corrente, do
“artesanato cultural” e sua intersecção com o design.
28
2.2.2 Como se manifesta o Artesanato
O artesanato pode manifestar-se de diversas formas, das mesmas formas que podem ser
classificados os artesãos como:
(i) Artesão-artista: aquele que produz peças que por conta de seus detalhes e riqueza
artística causam admiração a ponto de extrapolar o limite da utilidade dos objetos. São
exemplos os talhadores, gravadores e rendeiras. Via de regra, suas peças são
“assinadas”, e o próprio nome do artesão lhe agrega valor;
Figura 10: Nossa Senhora da Alvorada- obra de Aleijadinho Fonte: https://www.planalto.gov.br/cd_09/032756ID.htm
(ii) Artesão-artesão: é aquele que trabalha em série, produz dezenas de peças,
centrando-se no aspecto mais utilitário das peças que produz. São exemplos os artesãos
que produzem uma única peça por vez, trabalhando com cerâmica, madeira, e demais
materiais.
29
Figura 11: Artesã de Irará (BA) confeccionando pote em cerâmica Fonte: http://www.acasa.org.br/arquivo2.php?path=/arquivo2.php&secao=Arquivo&id=967
(iii) Artesão semi-industrial: é aquele que trabalhando a partir de moldes ou e de outros
processos semi-industriais reproduz dezenas de peças. Ex: peças utilitárias (tigelas,
jarros) e souvenires.
Figura 12: Moldes para produção em série de peças cerâmicas Fonte: http://www.alfonsoelcinto.com/fabricacion.htm
30
No artesanato, o artesão tem o controle total do processo produtivo, na visão de Bernd
Löbach:
“o artesão fabricava o objeto por completo e mantinha todo o processo sob
controle. Daí resulta a relação personalista em relação ao objeto.”14.
Isto quer dizer que o artesão tem uma relação direta com o produto que cria. Parece
óbvio, mas muitas vezes as conseqüências deste relacionamento não são percebidas
pelo público em geral.
O primeiro ponto é a individualização do produto artesanal. Ele (o produto) torna-se único
no momento de sua finalização, não existirá outro igual a ele em razão do “toque” do
artesão. A elaboração do produto artesanal também contribui para esta unicidade, pois o
artesão tem a possibilidade de atender aos objetivos e valores seu e do “cliente”.
Assim, o usuário do produto artesanal tem uma relação pessoal com o objeto, já que o
artesão tem a possibilidade de atender a todas as necessidades individuais do cliente.
2.2.3 Produtos artesanais
Os produtos artesanais podem ser classificados de duas formas: de um lado, produtos
marcados principalmente por sua função prática (funcionalidade), o qual tem a
denominação de produtos funcionais. A razão de existir destes produtos é a necessidade
de ferramentas de uma população no seu uso cotidiano, tais como: cumbucas, lanças,
jarros, e demais utensílios.
Como exemplo de produtos com valor funcional:
Figura 13: Peneira de Trançado Tribo Baniwa – Amazonas
14
Ob.cit. p. 37
31
Figura 14: Cesto cargueiro Tribo Yanomami – Roraima
Figura 15: Cesta para Pães Grupo Banarte – Miracatu/SP
Por outro lado existem aqueles produtos que tem uma importância além de sua utilidade,
denominados de produtos simbólicos, que tem em si mesmos sua razão de existir. São
produtos artesanais que tem um significado religioso ou são indicativos de determinada
posição social. Destacam-se nesta categoria os artefatos religiosos, e, até mesmo,
produtos utilitários que, devido a sua sofisticação representam mais que sua função
utilitária, por exemplo: a espada de um samurai chefe da guarda pessoal do Imperador do
Japão. Não é uma mera espada, é uma espada feita com uma sofisticação ímpar que por
si só é indicativa de um status social. Um outro exemplo é o cocar do cacique da tribo,
que tem somente a função de representar uma posição social.
Como exemplo de produtos com valor simbólico:
32
Figura 16: Cocar para Ritual festivo Tribo Bororó – Mato Grosso/MT
Figura 17: Jarreteira – enfeite para perna Tribo Wai Wai – Pará
Figura 18: Espada Samurai
33
Figura 19: Espada Samurai
Neste sentido, destaca-se Bernd Löbach:
“Até a metade do século XIX os objetos de uso eram fabricados principalmente
à mão. Neste caso se conhecem duas classes dos produtos artesanais. De um
lado, produtos marcados principalmente por sua função prática, integrando-se o
material e o modo de fabricação. Esses produtos são freqüentemente
chamados de funcionais – ou seja, não têm nenhum outro significado especial.
Por outro lado, existem aqueles produtos artesanais cuja importância é
meramente simbólica. Apesar de estes produtos terem uma função prática,
eram utilizados principalmente como objetos de representação do status
social.”15
Este aspecto não é pacífico, existe uma corrente que entende que o produto artesanal
tem em sua essência uma função utilitária, sem a qual perderia sua principal
característica. Neste sentido, até a “utilidade” dos produtos simbólicos seria a de indicar a
posição social, ou até mesmo aproximar o homem de sua divindade.
Além desta maneira de classificar o artesanato, podemos distinguí-los de também sob
outros critérios: (i) quanto à predominação da matéria prima (couro, madeira, metais,
argila, gesso, madeira, etc); (ii) quanto à origem (indígena, rural, urbano); (iv) quanto à
utilidade (implemento, utensílio, adorno).
2.2.4 Problemáticas do Artesanato
Diante da extensão territorial brasileira, é difícil traçar uma fotografia do que se chama de
“artesanato brasileiro”. A adoção da atividade artesanal ocorre via de regra no interior do
15
Ob.cit.p.36.
34
país, em regiões com pouca produção industrial, mas também podem ser constatadas
experiências de grande sucesso em centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo.
Após pesquisas e entrevistas realizadas, apesar da falta de dados estatísticos oficiais,
pode-se afirmar que a atividade artesanal pode ser considerada como uma fonte de renda
para várias famílias brasileiras.
No entanto, a faceta do artesanato que é mais conhecida do público em geral é aquela
voltada e direcionada para o turismo, o artesanato voltado para fins de ornamento. O que
de certa forma gera uma postura preconceituosa da sociedade brasileira como um todo, a
qual será explicitada no parágrafo abaixo.
Em decorrência da cultura colonizadora predominante no país, nos grandes
conglomerados urbanos, que concentram os principais centros de comercialização e
consumo de produtos, criou-se uma imagem de que o produto artesanal está ligado ao
amadorismo, a produtos arcaicos, não apropriados para o uso cotidiano. Esta visão deriva
da cultura brasileira que valoriza os “estrangeirismos”, e afeta tanto o comprador,
comerciante e consumidor, quanto o artesão que acaba por aceitar todos os rótulos
atribuídos a seus produtos e ao seu processo produtivo.
Os principais concorrentes dos produtos artesanais brasileiros são os produtos
industrializados fabricados com baixo custo e oriundos muitas vezes do sudeste asiático,
diante da globalização da economia e da concorrência internacional, o artesanato
brasileiro encontra-se em um momento de transição em que devido à demanda de
mercado, o artesanato tem que se aprimorar para sobreviver.
Em decorrência direta deste processo de aprimoramento, há uma re-descoberta de
valores que caracterizem a cultura e o artesanato brasileiro a fim de agregar valor ao
produto e diferenciá-lo no mercado.
Assim, o artesanato brasileiro encontra-se em um processo de (re) evolução que conta
com a atuação de diversos segmentos da sociedade (ONG’s, entidades ligadas ao
governo e parceiros privados, artesãos) cada qual buscando vantagens, viabilidades e
alternativas para o desenvolvimento da produção artesanal.
35
3 - INTERFACES
A partir de agora, pretende-se entender a aproximação entre o Design e o Artesanato,
começar a traçar uma analogia entre as duas atividades definidas acima e tentar buscar
através de depoimentos e opiniões uma linha que possibilite vislumbrar uma troca de
interesses entre esses processos distintos.
Pode-se perceber claramente que a opinião de alguns profissionais e estudiosos vai
contra qualquer tipo de interação entre os dois processos. Suas definições acerca de uma
e de outra atividade, são bastante técnicas, fazendo uso de conceitos iniciais para o
entendimento do “desenho industrial” e do “artesanato”.
Neste sentido, destaca-se Gillo Drofles que distingue desenho industrial e artesanato:
“É necessário distinguir claramente entre a produção artesanal e a que se
integra no âmbito do design industrial. Em que consistirá, pois, a diferença
entre uns produtos e outros. Acima de tudo, no princípio que essencialmente
informa ambas as produções: a obra artesanal, pela sua própria natureza, é
uma obra que pode aparecer como “feita à mão”, mesmo nos casos de
intervenção parcial de uma máquina. Por outras palavras, a obra de artesanato,
mesmo quando está submetida a uma repetição, nunca atinge em todas as
suas cópias absoluta identidade. Há sempre um diferencial – e não pode deixar
de existir – que distingue cada objeto dos demais. E é precisamente nesta
diferença, por pequena que seja, nesta mínima imperfeição formal, que reside
esse não sei quê de fascinante e a própria essência da forma artística.”
(...)
“Pelo contrário, no caso do objeto produzido industrialmente, essa
eventualidade nunca se verifica, nem deve verificar-se; sempre que
determinado objeto apresenta “imperfeições”, por razões que aqui não vêm ao
caso e que escapam à vontade do projetista, essas imperfeições deverão ser
consideradas como erros de fabricação e não como complacência para com um
“embelezamento da matéria”. Efetivamente, é lícito afirmar que o objeto
industrial já existe no próprio momento em que foi projetado, desde o momento
em que é ultimato o desenho executivo que dará lugar à realização do modelo
36
protótipo, a partir do qual se iniciará a série perfeitamente igual e idêntica de
todas as peças que se seguirão à primeira. A obra do artista na peça do
artesanato, explica-se “no final” da execução, ao passo que na peça industrial
se explica “no início”.”
Anamaria de Moraes16 resume em seu artigo “Design: arte, artesanato, ciência,
tecnologia? O fetichismo da mercadoria versus o usuário/trabalhador”:
“A estética funcionalista do design presume que a produção industrial satisfaça
sempre melhor as necessidades sempre mais diversificadas. Reduzindo a
forma do objeto ao significado de sua função utilitária e sua eficácia técnica, a
estética industrial reduz os compromissos pessoais e os enfoques simbólicos
aos quais os objetos estéticos estavam ligados. Por outro lado ao fazer das
formas os jogos variados de uma combinação onde se reorganizam sem fim os
signos de uma funcionalidade técnica que se pretende rigorosa e sempre em
progresso, o design faz entrar a renovação das formas no processo econômico
e ideológico da moda. O ideal de um aperfeiçoamento ao mesmo tempo técnico
e formal passa a ser álibi da lei do aumento dos rendimentos e da aceleração
da produção.
Em 1907, Hermann Multhesius criara a Deutscher Werkbund, Escola de Artes e
Ofícios ligada ao Ministério de Comércio da Prússia. De acordo com Huisman &
Patrick (1967), nesta época, travou-se uma extensa polêmica entre Van de
Velde e Multhesius, em torno de saber se os artistas deveriam trabalhar em
equipe de maneira metodizada ou se deveriam continuar trabalhando
individualmente de uma forma completamente artesanal. A resposta de
Multhesius foi pela standardização: “É somente pelo efeito da padronização,
considerada como uma concentração salutar de forças vivas, que se pode
chegar a estabelecer critérios seguros e amplamente aceitos pelo gosto.”
Assim, para a autora, o design não tem a estética como fim, muito pelo contrário, os
novos conceitos estéticos oriundos do design e até mesmo impostos por este são fruto do
processo de maior utilidade de um objeto. Ao contrário do que popularmente se entende,
16
COUTO, Rita Maria de Souza; e Oliveira, Alfredo Jefferson de (org.) – Formas do design: por uma metodologia interdisciplinar – Rio de Janeiro: 2AB: PUC – Rio, 1999
37
não é a estética influencia o design, e sim, o design como processo que influencia a idéia
de estética.
Nas citações acima, ficam claros os diferenciais simbolizados pela definição de produto
oriundo de técnica artesanal e produto oriundo de processo industrial. Estes
posicionamentos refletem uma corrente mais tradicional, dotada de um olhar
eminentemente técnico, desconsiderando conceitos mais contemporâneos acerca dos
dois assuntos.
Esta corrente tradicional talvez reflita sobre o Design somente sob o ângulo de visão de
uma disciplina que enquadra o ato de projetar a forma de um produto e desenvolver os
conceitos de objeto, de civilização e de forma do útil visando aprofundar relações
integrantes da produção industrial como a articulação do belo e do útil, da arte e da
técnica, da reprodutibilidade e da série.
Ao estimular a compreensão do fenômeno da criação de objetos e da sua evolução,
tendo como pano de fundo a evolução dos conceitos de produtos ao longo do século XX,
deve-se levar em conta, que há hoje diversos grupos que definem distintamente o
objetivo do emprego do Design. Há alguns anos atrás, bastaria para definir o Design,
afirmar que o mesmo era o processo que cuidava da melhoria estética e funcional dos
produtos industriais, ao ponto que hoje, novas linhas de pensamento apresentam
possíveis conceitos nunca antes imaginados.
Quando se busca um entendimento acerca dessa possível relação a ser traçada entre
Design e artesanato, se pensa em unir pontos de interesse e ações que vêm sendo
desenvolvidas no campo da produção artesanal e que, ainda que pertinentes,
permanecem restritas a territórios específicos. Seria talvez sair realmente dessa
contextualização tradicional que envolve o design e partir para pontos novos de análise e
compreensão, embasado em acontecimentos radicais, que mudaram as interfaces da
indústria no mundo atual, conforme trecho transcrito de Eduardo Barroso Neto:
“Na última década do século XX assistimos a mudanças profundas no cenário
mundial, que alteraram de modo radical todas as concepções e modos de agir
seja no nível pessoal, coletivo ou empresarial. Uma das principais mudanças foi
o fim da polarização ideológica, que durante cinqüenta anos dividiu o mundo
em dois grandes blocos hegemônicos, dando inicio ao processo de
38
globalização econômica, que teve como regra básica a eliminação das
barreiras protecionistas como forma de impulsionar o mercado mundial.
Este redesenho do tecido geopolítico do planeta foi acompanhado do
incremento exponencial das relações de troca e intensas migrações de capital,
tecnologia e indivíduos gerando um inevitável impacto nas culturas e no
comportamento social dos indivíduos.
Outro grande impacto foi causado pelas novas tecnologias de informação que
propiciou a criação e acelerada expansão de um sistema planetário de
comunicações, que permite hoje a conexão direta entre mais de 50 milhões de
indivíduos, sem nenhum tipo de barreira ou controle das informações, alterando
as percepções de tempo e de espaço, favorecendo ao inicio de uma nova
dimensão de cidadania.
Contudo, ao progresso material alcançado, assistiu-se a um desequilíbrio
global, seja do ponto de vista ecológico, com o rápido esgotamento dos
recursos naturais não renováveis e o comprometimento do meio ambiente, seja
do ponto de vista econômico e da concentração da riqueza, atestado pelo
inaceitável índice de um sexto da população mundial viver abaixo da linha da
pobreza absoluta, ou ainda, pela erosão do sentimento de identidade e de
pertinência dos indivíduos.
Este cenário global determina agora, diante do inicio de um novo milênio, um
gigantesco desafio: criar uma nova via de desenvolvimento retirando do
mercado o protagonismo de todas as decisões e buscando em ações
compartilhadas entre sociedade civil e governo a construção de uma sociedade
mais harmônica e menos desigual.
Estas mudanças começam da base, do desejo individual de mudar, da adoção
de uma nova postura diante da vida e dos valores vigentes. Ao procurar no
interior de nossas vidas, e de nossos países, identificar os sentimentos e
elementos mais sinceros e autênticos que nos ajudem nesta empreitada
provavelmente iremos encontrar e compreender a dimensão e importância das
atividades que emergem do povo e que ao conjugarem arte e trabalho
39
transformam-se em uma nova referência colocando em evidência maneiras
mais simples de viver e de dar respostas as nossas necessidades.” 17
Para o autor, tais mudanças evidenciam a procura do homem por novas alternativas e
novas formas de conceber critérios antigos, não só na área do Design diretamente
abordada nessa pesquisa, mas de uma forma geral estendendo tais questionamentos a
diversos (senão todos) os segmentos de vida.
17
BARROSO, Eduardo trecho extraído do site <http://www.eduardobarroso.com.br/artigos.htm>
40
4 – AGENTES SOCIAIS
Uma vez discutidos os conceitos envolvendo os termos e definições de artesanato e
design, cabe levantar pontos e colher elementos necessários ao registro do atual cenário
existente envolvendo o design e o artesanato. Neste sentido, entende-se necessário, dar
voz a diversas opiniões de profissionais atuantes em campos de intersecção destas duas
áreas, tais como:
(i) Designers envolvidos ou que tiveram envolvimento diretamente com
artesanato,
(ii) De profissionais influentes membros do meio acadêmico;
(iii) De profissionais que encaram essa “interação” sob o ponto de vista de
uma entidade ligada ao empresariado;
(iv) Atividades desenvolvidas em algumas Organizações Não Governamentais
(ONG’s) que atuam nesse segmento.
Esses quatro distintos ângulos de visão acerca do tema são capazes de proporcionar
uma maior abrangência de entendimento, e possivelmente fornecer dados suficientes a
ressaltar aspectos negativos e positivos oriundos da sugerida interação entre as duas
atividades: Design e Artesanato.
A coleta destes dados foi procedida através de entrevistas realizadas entre abril e maio
de 2005 com representantes de cada um destes segmentos. Na escolha dos
representantes, foram consideradas a suas experiências profissionais e a sua
representatividade dentro de cada campo.
Foram ouvidos os seguintes profissionais representantes de cada segmento:
(i) Designers envolvidos ou que tiveram envolvimento diretamente com
artesanato:
Christian Ullman: Designer, especialista em Design Sustentável e
produção comunitária, diretor do escritório IT – Projetos e sócio do
escritório OFICINA NÔMADE.
41
Tânia de Paula: Designer atuando em produção comunitária,
escritório IT – Projetos e OFICINA NÔMADE; NIDA – SEBRAE.
Juliana Bertolini: Designer atuando na área de desenvolvimento de
acessórios, já foi consultora do SEBRAE e desenvolveu trabalhos
junto a ONG’s.
(ii) Profissionais influentes membros do meio acadêmico:
Eugênio Ruiz - coordenador da cadeira de desenho industrial da
Universidade Mackenzie.
(iii) de profissionais que encaram essa “interação” sob o ponto de vista de
uma entidade ligada ao empresariado:
Roberto dos Santos (SEBRAE) – coordenador estadual do
Programa do SEBRAE - São Paulo – Programa ARTE QUE VALE,
voltado para o desenvolvimento e resgate do artesanato paulista.
(iv) e por fim conhecer as atividades desenvolvidas em algumas ONG’s
(Organizações Não Governamentais) que atuam nesse segmento:
Marcos D’Assunpção – coordenador da ONG – Aldeia do Futuro,
que atua na região de Americanópolis desenvolvendo
principalmente artesanato têxtil.
42
4.1 Designers
Nesta pesquisa, são considerados designer’s e consultores os profissionais com
formação acadêmica na área de design e com experiência profissional na área de
artesanato, assim, o seu posicionamento é de extrema importância para o tema, pois
diante do panorama apresentado (artesanato e design) ele é o agente direto do design,
um dos pólos deste relacionamento.
Além disso, a opinião dos profissionais abaixo citados é de suma importância pela atual
realização de suas atividades profissionais e envolvimento direto com discussão do tema.
Foram entrevistados: Christian Ullmann, Tânia de Paula e Juliana Bertolini.
Christian Ullmann e Tânia de Paula são fundadores responsáveis do projeto OFICINA
NÔMADE que se caracteriza com a realização de desenvolvimento de produtos junto a
comunidades artesanais a princípio originárias da Amazônia e demais estados da região
norte do Brasil, subseqüentemente estendendo os projetos para outras regiões.
Atualmente a OFICINA NÔMADE vislumbra o meio urbano, como um foco em potencial
para o desenvolvimento de suas atividades: (...) ”Ainda 80% dos nossos projetos são
desenvolvidos com comunidades da Amazônia e do Norte do país, porém, como
moramos hoje em São Paulo, essa grande cidade, há dois anos começou nossa
curiosidade em entender outras realidades e outros materiais, então a OFICINA
NÔMADE está tentando ganhar novos mercados abrindo essas possibilidades em São
Paulo”.
Segundo os entrevistados, o foco até então, era tomar conhecimento de matérias primas
e recursos naturais a serem explorados e empregados em novos produtos. Quando a
idéia se expande para os grandes centros, a busca se dá para a exploração de resíduos
industriais e urbanos que se encontra em maior abundância nesse meio.
Quando se citou a questão “Diferenças e definições para o design e o artesanato”,
Christian Ullmann apresentou a seguinte posição: (...) “Quando se fala de Design e
Artesanato e de diferenças e similaridades existentes entre os dois processos, é notável
que há alguns anos no Brasil, o Design era uma atividade ligada diretamente a empresas,
enquanto artesanato uma atividade praticada fora dos grandes centros urbanos, no
entanto a realidade brasileira nos levou a enxergar o artesanato também como um
mercado para o Design...”.
43
Nota-se nesse instante que uma nova corrente começa a questionar conceitos antigos e
até mesmo a buscar um entendimento para essas novas definições. Trata-se
possivelmente de uma renovação das percepções, de abrir caminhos a serem explorados
ganhando um maior conhecimento acerca do atual, do contemporâneo, segundo Tânia de
Paula, é importante tomar como ponto de partida para a definição dos processos, a forma
como o profissional encara o conceito de Design: (...) ”a discussão parte para questões
como: O artesanato quando sofre influência do Design, deixa de ser artesanato? O que é
o Design? É o Design Industrial? Tudo aquilo que é produzido industrialmente em
pequena, média ou grande escala? Se parte desse princípio, realmente não há como
fazer um link entre os dois processos, no entanto, atualmente tudo virou DESIGN: Design
de roupa, de cabelo, de móveis... Acho que surge aí uma necessidade de se criar uma
nova designação para essa interação que existe entre o Artesanato e o Design e passa-
se a crer que Design não é mais uma atividade unicamente industrial”.
Nesse ponto, torna-se indispensável citar o texto da Profª Eluiza Bortolotto Ghizzi, já
citada anteriormente: “A idéia de” design de artesanato “contém em si tanto o conceito
de design quanto o de artesanato. Ela não deve ser uma mera soma dos dois conceitos,
mas um novo conceito que se constrói a partir desses já existentes. Como tal, esse novo
conceito deve considerar cada um dos anteriores segundo uma lógica própria.” Essa
citação vem reafirmar a necessidade citada por Tânia de Paula de que o possível vínculo
entre o Design e o Artesanato, deve ganhar uma nomenclatura própria.
Da mesma forma que se aborda o Design com diferentes níveis e concepções, acontece
o mesmo com o artesanato. Quando se fala que o design deve ser reconhecido em seus
diversos empregos distintamente, supõe-se que a terminologia deva ser oferecida para
outros segmentos. No caso de Christian Ullmann, o mesmo concede definições distintas
para a Atividade Artesanal, o Artesanato e a “Manualidade”.
Artesanato: “(...) a princípio não se faz artesanato para vender. É considerado artesanato
aquilo que tem utilidade. O cesto, a cumbuca, o arco são utensílios de uso corrente. (...)
Artesanato é aquilo que podemos chamar de atividade artística. Por que? Porque é um
indivíduo que trabalha sozinho, que detém um conhecimento e uma habilidade que é
transmitida de gerações em gerações e vende. Um pouco melhor um pouco pior, mas
vende por conta dele. (...) O artesão é aquele que não se importa com o mercado, ele se
importa com a sua atividade.”
44
Atividade Artesanal: “(...) O que acontece também, é que de uns tempos para cá,
percebeu-se que o artesanato é uma atividade que tem plenas condições de gerar renda,
em regiões com população carente, com pouco trabalho, onde a lavoura não dá mais, etc,
etc, etc, vê-se então no artesanato uma possibilidade de melhoria para essas
comunidades, daí os projetos do SEBRAE, de incentivo as atividades artesanais em
localidades como essas. (...) E atividade artesanal é essa atividade que foi desenvolvida,
onde existe um objetivo específico que é gerar renda”.
Figura 20: Piso Loft do Show Room do SEBRAE decorado com peças do projeto “Arte que Vale” Fonte: Show Room SEBRAE
“Os artesãos-artistas fazem isso porque gostam, porque tem prazer nisso. Na
atividade artesanal, não há a escolha. Fazem isso para obter renda. O objetivo
do artesão é fazer o melhor possível, o objetivo da atividade artesanal é gerar
renda e está aí uma grande diferença”.
Manualidade: “Manualidade é quando você não transforma a sua matéria prima. Você
compra fio e faz crochê. Isso não é artesanato é manualidade.”
45
Figura 21: Detalhe de acabamento em crochê para pano de prato. Trabalho desenvolvido sob consultoria de Renato Imbroisi, Santa Maria, DF, 2001
As distinções acima citadas são, na opinião de Christian Ullmann, cruciais para o
entendimento do tema. No entanto, seu parecer não é apresentado como verdade
absoluta, o mesmo acredita que existem diversas formas de se definir Artesanato e co-
relacionar essa atividade com o Design e essa variável age de acordo com a vertente
ideológica do questionado e daquilo que o mesmo interpreta como verdadeiro em torno
dos conceitos que tem conhecimento, uma forma de perceber esse fato é verificar a
opinião de Juliana Bertolini acerca das possíveis segmentações que o artesanato pode
ter: “Acredito que o que vem da matéria pronta também pode ser considerado artesanato
sim, porque quando a ”senhorinha “ compra o novelo de fio e transforma em uma toalha,
uma capa de almofada, a maneira como ela faz aquele ponto do bordado, do crochê, do
trançado, carrega de certa forma essas características culturais. Um ponto que ela
aprendeu com a mãe que aprendeu com a avó... Acho difícil e chato se limitar essas
definições, determinar onde começa e onde termina uma e outra atividade.”
Em reposta a questão: Qual o papel do designer nesse processo de intervenção,
Christian se posicionou da seguinte forma:
” (...) percebeu-se que a população de determinada terra, tem que se manter
nesta terra. Pois é ela que sabe como mexer com as matérias primas, com o
que lhe envolve, e se ela (população) não está lá, vêm os madeireiros,
garimpeiros e destroem tudo. Então a idéia é a de que o povo nativo fique em
sua propriedade, não a venda, e tire dela seu sustento, eles precisam viver da
terra, ela precisa ser lucrativa para eles. Ele vai vender madeira, mas desde
que seja trabalhada, vai vender óleo, mas desde que seja elaborado.
46
Neste processo, percebeu-se que sobra muita coisa. O que fazer com o resto
da madeira? O resto de cascas e tal? Bem, percebeu-se que o trabalhador da
terra pode comercializar também este produto a fim de obter uma renda maior.
E o que é isso? Não á artesanato, não é design industrial. O que é isso?
Então é daí que surgem os grupos artesanais com o objetivo de geração de
renda. E porque chama o designer para fazer isso?
Bem, o artesão ensina uma técnica para outras pessoas de determinada
comunidade. O resultado são produtos muito bons, de muito boa qualidade,
mas que não encontra mercado. Não basta ter uma técnica. Daí chama-se o
designer que lhe imprime uma nova ótica àquele produto. Torna o produto mais
comercializável. E daí a imagem do designer.”
Para Juliana Bertolini, o papel do designer segue uma linha parecida com a citada por
Christian Ullmann: “O designer pode sim ajudar o artesão, a colocá-lo num nível mais
comercial porque essa atividade realmente carece de visões desse tipo, até por essa
relação que ele tem com a peça, de achar que é algo único, como um filho (...) a partir do
momento que a atividade for encarada como uma maneira de ganhar dinheiro, tem que
responder ao mercado de uma determinada forma e daí não tem jeito, tem que adotar
outros parâmetros. Alguns grupos têm dificuldade com criação, tem idéias não vendáveis,
do tipo muito carregada mesmo, tem que saber argumentar nesse sentido, explicar que
não vai vender que se for feito de uma forma diferente pode se tornar mais lucrativo.
Nesse instante o Designer está aplicando seus conhecimentos em prol daquela
comunidade, daquele grupo.”
Partindo desse âmbito do “papel do designer” no momento de uma intervenção direta em
uma comunidade, um nicho artesanal, surge a necessidade de questionar quais os limites
que devem ser respeitados quanto à alteração das técnicas e processos utilizados e
praticados pelos artesãos, até aonde se pode influenciar que mudanças radicais ocorram,
a ponto de descaracterizar a referência cultural e até folclórica que determinado grupo
mantém.
“Nas comunidades indígenas, por exemplo, nós (designers) precisamos deles e
não eles (índios) de nós. Que as pessoas entendam que o trabalho indígena é
aquele com sua técnica própria e aprimorada. Não é certo o designer intervir
47
em 5.000 anos de cultura e dizer que as regras de padrão americano são “x”
por “y”, um padrão comercial.
O artesão é aquele que não se importa com o mercado, ele se importa com a
sua atividade
(...)
E quando o foco é o consumidor, entramos em um novo jogo e qual é o novo
jogo? Vender. Aí o designer não atrapalha o designer colabora. O artesão está
morrendo de fome então qualquer coisa ajuda. No vale do Jequitinhonha são
produzidas cumbucas para uso local. São muito frágeis e de difícil aceitação
em São Paulo, são difíceis de transportar e tal. Nesta hora o designer ajuda
para trazer soluções.
Mas isso acaba com a tradição local, mas é o que vende. Então nós
entendemos que se pode fazer isso na região urbana, mas não na comunidade
rural, porque é lá (na comunidade rural) que vai ser preservada a tradição.”
Pode-se perceber, que segundo o ponto de vista de Christian Ullmann, cabe também ao
Designer ter sensibilidade suficiente para manter-se inativo quando o foco de
transformação coloca em risco a perda de caracteres culturais e regionais, ou seja, a
intervenção do designer apresenta grande complexidade levando-se em conta que os
conhecimentos do Designer (sejam eles oferecidos para aplicação nas técnicas, na forma
de embalar e transportar, de finalizar os produtos) podem sim alterar ou dispersar valores
próprios de uma região ou comunidade, seria a chamada “intervenção predatória”.
Este tipo de intervenção “predatória”, ainda que parcial deve ser levada em conta. Os
fatos levam a crer que ela ocorre em sua grande maioria, porque algum órgão ou pessoa
enxerga aquela atividade (atividade artesanal) somente como uma fonte de renda,
exclusivamente, sem questionamentos mais profundos acerca de métodos e perdas
possíveis, como por exemplo, a alteração da técnica utilizada, a perda da identidade
daquela comunidade, etc.
De fato, é inquestionável que muitas vezes esse desenvolvimento para obtenção de
renda é favorável, uma vez que colabora com a qualidade de vida de pessoas carentes
que enfrentam dificuldades reais de sobrevivência, de falta de trabalho, mas vale levantar
48
a discussão de em até que ponto é válido abrir mão da cultura, da preservação de ícones
e simbologias que promovem a história dessa região, dessa comunidade.
Então a idéia de Christian seria a de: “trabalhar com duas áreas de trabalho, uma rural
em que o artesanato é preservado. O cliente acaba chegando neste trabalho porque ele é
muito bom, mas não interfere diretamente nele. E a outra área comercial desenvolvida na
cidade em que se mantém o apelo da tradição. Se pega alguma coisa que tem um apelo
cultural/comercial e faz um processo industrializado, ou semi-industrializado”.
Dessa forma o que se entende, é que o Designer pode trazer para os grandes centros a
“idéia” e reproduzi-la de formas a torná-la comercializável ao invés de alterar o produto lá
onde ele se origina. Visto dessa forma, é possível encarar a “intervenção” como uma
iniciativa pacífica e não nociva. Ao mesmo tempo em que se mantém a pureza dos
processos e dos próprios objetos na fonte, consegue-se promover através do uso dessas
referências em produtos industrializados, a cultura, a tradição praticada e propagada ao
longo das gerações.
(Tânia): “O NIDA tem a proposta de questionar até que ponto o designer pode
interferir, em que tipo de artesão e em qual grupo. Mas saber se está certo ou
errado você só descobre ao final do projeto, quando você reavalia tudo que foi
feito. Depende muito do nível de instrução do grupo também”.
(Christian): “(...) a influência do designer começa logo quando ele chega na
comunidade pelo carro que você está, pela roupa que você usa, etc. Eles têm a
idéia de que o designer é uma pessoa bem sucedida...”
(Tânia): (sobre a influência do designer) “(...) analisar se esta é uma
interferência boa ou ruim pode até depender da ajuda de muitos assistentes
sociais (...)”.
(Christian): “(...) às vezes a boa intenção do designer não vale de nada, só
atrapalha, ele pode estar causando estragos em longo prazo, porque há a
homogeneização do trabalho deles (artesãos), padronização, significa que
daqui a 20, 30 anos todos farão a mesma coisa”.
49
Outros cuidados a serem adotados no momento de uma intervenção, seriam com relação
à forma de abordagem a ser empregada pelo Designer, nas palavras de Christian: “E
neste sentido o trabalho do designer sempre vai ser difícil. Porque não se está indo numa
empresa onde as pessoas vão trabalhar porque querem. Está-se indo trabalhar num
grupo que tem condições mínimas, nem todos estão ali porque querem, então, é
complicado. (...) E o profissional que vai para lá (na comunidade), a instituição que vai
para lá vende para ele (artesão) uma estrutura de que a vida dele vai melhorar. Então o
cara não vai falar não, não obrigado eu não quero. (...) Nesse sentido, a interferência do
designer é muito perigosa, por menor que seja...”.
Para Juliana Bertolini, essa questão de limites também se apresenta de forma bastante
preocupante: “O papel do design no instante da intervenção deve ser o mais respeitoso
possível, sem alterar as técnicas originais e sabendo colocar para o artesão, o porquê
precisa melhorar em algum aspecto. (...) Ao mesmo tempo saber qual é a hora certa e a
necessidade de intervir desse ou daquele jeito (...) Saber como se envolver, como você
vai estimular, como impor limites e respeito, não colocar distâncias no relacionamento,
não pode se colocar como chefe, como alguém que sabe mais do que ele (o artesão), o
designer tem que colocar que sabe tanto quanto ele só que de coisas diferentes, uma
relação de troca realmente, porque as vezes ele como um prático pode solucionar
problemas do projeto que nem o designer mesmo tem noção.
Para resumir, precisa de muito bom senso para não desvirtuar formalmente o produto e a
relação que o artesão tem com material”.
Torna-se inevitável questionar ao longo de toda essa discussão, qual a necessidade
então de que haja essa intervenção, ou essa co-relação entre as duas atividades (Design
e Artesanato). Por que motivos o mercado Brasileiro se abriu de forma tão rápida para as
questões do artesanato?
Deixando-se de lado todos os aspectos já citados, que dizem respeito à geração de renda
para comunidades menos favorecidas e o âmbito mercadológico, pode-se ampliar o tema
para um aspecto de “Identidade para os produtos brasileiros”, conforme afirmação de
Tânia de Paula:
50
“Na minha opinião é porque o produto brasileiro precisa de uma identidade, e
vem buscando essa identidade há muito tempo e não é uma identidade
industrial. E o designer? Bem quando eu saí da Universidade eu tinha uma
idéia de que o produto tinha que sair da máquina prontinho, com uma série de
pacotinhos, uma coisa Philip Stark. Minha formação foi para ser o Philip Stark,
o cara que é empregado de uma grande corporação ou de um escritório que
está em todos os lugares e é pago para desenhar produtos a serem produzidos
em grande escala, que em qualquer revista da área se encontra um produto
dele no mínimo.
(...)
Agora quem será o próximo Philip Stark se a indústria hoje copia os desenhos?
Porque ela (indústria) vai pagar para o designer royalties, se hoje ela pega e
copia um produto. E a realidade hoje. Assim como o Projeto Terra tem uma
realidade. O Brasil, a indústria tem a sua realidade. E o designer quando se
forma e se depara com essa realidade de que não será Philip Stark, sofre um
certo impacto, por sua própria formação.
(...)
O designer vai buscar a sua identidade, eu me lembro que eu estudei em Milão
nos anos 80, aonde eu encontrei Andrea Brandi, que é um arquiteto, um
estudioso no tema, e ele me dizia: “eu não entendo vocês brasileiros que vem
até aqui para fazer o que a gente faz, deviam vir até aqui para fazer o que
vocês fazem, mostrar quem vocês são, que cara vocês tem. Aprendam lá o que
eu quero ensinar para vocês aqui: A identidade das coisas.” Ele tinha um
espírito romântico, e trabalhava em cada aluno a sua própria identidade, que
vinha provavelmente de seu próprio país. Eles entendiam que isso ia diferenciar
um design do outro.”
A questão de proporcionar “brasilidade” aos produtos do design nacional é ponto pacífico
entre os designers entrevistados. Aparentemente existe uma necessidade do design
brasileiro agregar aos seus produtos caracteres que o permitam serem reconhecidos
visualmente em qualquer instante. A busca do diferencial pode se encontrar justamente
no momento em que se volta a questionar as próprias raízes, vide citação de Juliana
Bertolini: “O que é mais relevante pra mim é a questão de enxergar o próprio umbigo,
fazer o design de uma maneira brasileira, pensando em Brasil mesmo, tendo os pés no
51
chão, estabelecendo uma relação com o material mais humana e a maneira de fazer com
alguma alma, que se coloque uma diferenciação que salte os olhos, que não se caia na
mesmice, sem deixar que a necessidade de solucionar um problema domine e não
permita que se faça DESIGN realmente, ou fazer de uma maneira menos relevante.
Descobrir maneiras novas para aplicar mesmo em busca dessa solução de problemas
(...)”.
Os pressupostos de agregar uma identidade cultural a produtos e serviços é uma
estratégia utilizada em vários países (Itália, França, México, entre outros) hoje. O Brasil,
por sua vez, tem uma identidade cultural rica, atestada por estudos intrínsecos à história
do Folclore Brasileiro, no entanto, pouco utilizada, pouco empregada seja para se fazer
negócios, seja na forma de se expor através da sua “arte”. Pode-se acreditar que ao
agregar valor aos produtos a partir de uma cultura local, oferece-se ao mesmo uma
autenticidade valiosa, de possível grande aceitação e admiração no expoente do design
mundial.
Percebe-se que o próprio mercado mundial, aposta no produto singular, único, exclusivo,
étnico através da utilização do design como valor e no Brasil, trata-se de uma ferramenta
ainda pouco utilizada talvez pelas dificuldades citadas pelos entrevistados, dificuldades
ao encontrar caminhos a serem seguidos, dificuldades de discernir as possibilidades ou
até mesmo de identificá-las, dificuldades de chegar a um consenso quanto às formas de
buscar as referências e de empregá-las corretamente.
Como colocar todas essas diretrizes em prática mostra-se ainda difícil.
52
4.2 Organizações Não Governamentais (ONG’s)
Neste panorama da relação existente entre artesanato e design é importante conhecer
também o ponto de vista de entidades que também desenvolvem trabalhos junto às
comunidades de artesão, muitas vezes com a participação de designers e consultores.
Dentre estas entidades, podemos destacar as Organizações Não Governamentais, mais
conhecidas como ONG’s.
Na visão de Marcos D’Assunpção (profissional que atualmente desenvolve projetos junto
à ONG “Aldeia do Futuro” com cerca de 50 (cinqüenta) artesãs que produzem
principalmente artesanato têxtil) o trabalho artesanal desenvolvido pelas ONG’s junto a
comunidades carentes tem duas funções primordiais: a primeira é a função de inclusão
social; a segunda, e indissociável da primeira, é a função de geração de renda.
O artesão/artesã, via de regra, pertence a uma comunidade excluída comercial e
socialmente no ambiente urbano, que luta com dificuldades para viver. No caso de
Marcos D’Assunpção e da ONG “Aldeia do Futuro”, o trabalho é realizado com mulheres
carentes moradoras de centros urbanos, em que a vida muitas vezes se resume a:
pobreza, filhos, marido, violência e fome. É um universo fechado, estreito, feito de
privações em que não existe saída conhecida pela própria artesã. Na sua visão (da
artesã), tudo a sua volta nunca foi diferente e nunca será. Falta-lhe perspectiva de vida,
de mercado de trabalho, de inclusão no meio em que vive.
É nesse contexto que a ONG desenvolve o seu trabalho através do artesanato, o seu
papel tem início com o autodesenvolvimento da(o) artesã(o), há um trabalho de
sensibilização da pessoa que ao ter contato com cores novas, com formas novas,
imediatamente amplia seus horizontes. Em muitas vezes, essa maior sensibilização já é
suficiente para uma melhoria de vida, no entanto, em outros casos, há um outro aspecto,
a autodescoberta e transformação da artesã passam a ser tão profunda que ela passa a
ganhar novas perspectivas de vida, através do trabalho e da renda financeira.
Com este resgate de sua cidadania, a(o) artesão(ã) passa a ter uma nova visão da sua
realidade, desenvolve senso crítico e amplia seus horizontes.
Na visão da ONG não existe um foco exclusivo no produto, o objetivo primordial é o
resgate da dignidade humana, a inclusão social, tão distante daquela comunidade.
53
E é justamente por isso, que no entender de Marcos D’Assunpção, os designers ainda
tem pouca contribuição quantitativa no âmbito de uma ONG posto que, hoje, a grande
massa de profissionais com formação acadêmica em design, possui uma visão mais
imediatista, ou seja, com foco principal no produto, o que lhe impede de ver o ponto de
vista do artesanato. Na opinião de Marcos D’Assunpção:
- Acho que a visão do designer está muito fechada ainda, muito focada no
produto, você desenvolve um produto, aquilo empolga, você dá de cara com os
opinion leaders, depois seu produto sai do mercado e você tem que se reciclar,
com o artesanato já é diferente, tem algo que fica além do produto, que é a
qualidade de vida daquela pessoa que você ajudou, você pode até colocar no
seu currículo, mas com classe, com categoria, mas é uma outra visão, menos
mercantilista, eu diria.
O designer pode intervir no contexto da ONG como alguém que abre portas, no sentido
de que disponibiliza uma nova concepção da realidade para aquelas pessoas pois a
artesã não tem uma realidade do mercado que é imprescindível ao seu desenvolvimento.
Neste papel, o designer pode contribuir de diversas formas:
Uma dos mecanismos de contribuição do designer é colocar um produto artesanal em um
processo de produção sem perder suas características artesanais. O designer é
responsável pelo “Industrianato”, que é justamente este processo de produção do
artesanato com destino comercial, ele (o designer) tem a função de criar um diferencial
competitivo no mercado além de seu aspecto manual, tem como objetivo aprimorar o
produto a fim de que ele seja competitivo perante o produto de massa, desenvolvido em
escala industrial. Nas palavras de Marcos D’Assunpção:
“No ponto de vista da ONG, o designer é visto como alguém que abre portas,
porque você está em contato com as pessoas, além de ser uma pessoa com
uma visão muito boa para a hora que esse artesanato passe a ter uma escala
“industrial”, uma escala um pouco maior que a artesanal. Esse é um grande
cuidado que a gente tem que ter para não perder as características de
artesanato e manualidade. O designer vai enxergar o que ela faz (artesã),
colocar aquilo numa certa forma de produção, mas sem alterar as
características originais.”
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Além disso, o designer tem também uma contribuição social, ao escutar a opinião da(o)
artesã(o), ele (o designer) dá visibilidade para a(o) artesã(o), que por seu turno percebe
que a sua voz também tem valor.
Há também a possibilidade de uma contribuição meramente comercial do designer, onde
não há tanto envolvimento social do profissional, mas que também tem seu valor por
atingir o aspecto de sustentabilidade econômica da ONG e de determinado projeto.
Conforme nos esclarece o professor Marcos D’Assunpção:
“- Tem certas vezes que a intervenção do designer pode ser vista claramente
como comercial, o cara que chega lá e consegue enxergar como o cara do
mercado, mas tem muitos casos de free lancer que a gente recebe, são
pessoas independentes que criam algum produto para produzi-lo, isso é legal,
muito embora exista o distanciamento da relação entre o artesão e o designer.”
A inter relação entre o designer e o(a) artesã(o) é uma via de mão dupla pois enquanto o
designer colabora com o artesão, o artesão colabora com o designer. A troca de
experiências ocorre em vários aspectos: há trocas de vivência e conhecimentos sejam
eles técnicos quanto práticos.
A vivência do artesão contribui para maior sensibilização e humanização do trabalho do
designer, e o trabalho do designer contribui para uma maior comercialização e divulgação
do trabalho do artesão. No final deste relacionamento, tem-se um produto cujo maior
valor é o seu aspecto intangível.
Aspecto Intangível no sentido de não material, isto é, em todo produto comercializado e
produzido com a participação do designer e da ONG, existe todo um processo de
valorização do homem, é o contexto histórico de onde surgiu a idéia e o produto. O que
se vende não é somente um produto, é uma história:
- Intangibilidade: da mesma forma que você tem o trabalho, quando você vai a um banco,
você está sendo atendido por um serviço, aquilo é uma coisa intangível, você recebe o
trabalho, naquele momento você reage ao resultado e fica feliz ou não. No trabalho social
é mais ou menos assim, quando o designer chega e começa a fazer aquele trabalho não
é em si a peça que ele produziu que é o resultado da transformação, e sim o processo
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que aquilo aconteceu, tem que ser encarado como algo intangível e que vai demorar um
tempo para chegar lá, e qual é o resultado?
O designer enriquece e viabiliza este processo, ele é uma ferramenta que auxiliar a ONG
em seu trabalho de resgate da dignidade (cultura, tradição, costumes, respeito, inclusão
social, informação) do homem carente que se torna um artesão.
Hoje, pode-se dizer que foi perdida aquela visão romântica de que uma ONG poderia
obter vantagens no mercado somente em razão de seu aspecto social. A demanda a ser
atingida é exigente e criteriosa de modo que requer da produção artesanal desenvolvida
pela ONG o mesmo padrão de procedimento adotado numa indústria comum: qualidade
no produto e atendimento a prazos de entrega. Neste contexto, o processo de gestão da
produção artesanal também ganhou “ares mais capitalistas” com o desenvolvimento de
conceitos como custos, margem de lucro, cotação de matéria prima.
A primeira vista pode parecer simples, mas não é. Não se trata simplesmente de
industrializar o artesanato. Trata-se de tornar viável a sua comercialização no mercado
consumidor. O “industrianato” não se confunde com uma indústria propriamente dita
justamente porque o artesanato não pode ser encarado como uma produção mecânica,
em escala industrial. Na visão da ONG, o valor do artesanato não está na produção em
escala, e sim, na produção individualizada, na ONG, o maior valor é o homem.
O designer é o elemento que soma a sensibilidade e perspectiva do artesão à sua (do
designer) experiência de mercado para a obtenção de um produto final.
Na visão de Marcos D’Assunpção, o artesanato hoje está globalizado, mas o mais
importante é não se perder o conceito de manualidade. Um exemplo desta globalização é
o caso de um projeto de artesanato desenvolvido na Favela da Rocinha, Rio de Janeiro,
em que um grupo de artesãs se reuniu e organizou uma cooperativa para produção de
peças de vestuário. Hoje este grupo, que pode ser considerado um modelo de
organização, sem perder as características de seus produtos os negocia
internacionalmente, realiza intercâmbio com estudantes de diversos países, é auto-
sustentável.
A auto-sustentabilidade é o aspecto que fecha esse ciclo da ONG em uma comunidade. É
de suma importância de que a comunidade tenha possa auto gerar se, no sentido de
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tornar-se independente das pessoas que inicialmente organizam/estruturam um projeto
como por exemplo, professores, designers, assistentes sociais. É importante que as(os)
próprias(os) artesãs(ões) sejam capazes de desenvolver, produzir e comercializar seus
produtos, e assim continuem a alterar a sua realidade sem a intervenção de qualquer
terceiro.
Segundo Marcos D’Assunpção:
“- Palavras básicas na ONG: transformação social, autonomia e criticidade, elas
tem que ter capacidade para ter criticidade, ela tem que ter um
desenvolvimento social que ela possa melhorar a vida dela e que termina na
autonomia, não pode ficar dependente de mais nada para viver.”
Figura 22: Almofadas produzidas em amarradinho pela ONG Aldeia do Futuro
Fonte: http://www.mundareu.org.br/produtos.php?id=13
57
4.3 Visão Acadêmica
Considera-se que o ponto de vista acadêmico seja de essencial importância para a
discussão do tema, pois é na Universidade que o profissional forma os seus primeiros
conceitos sobre design e toma consciência de sua relevância social.
Na análise sobre o tema “design e artesanato” sob o foco acadêmico foi entrevistado:
- Professor Eugênio Ruiz – coordenador do curso de Desenho Industrial, na área de
Projeto do Produto, da Universidade Presbiteriana Mackenzie; Chefe de departamento.
Na visão deste profissional o conceito de design de produto está intrinsecamente ligado à
idéia de produção industrial, e desta forma, totalmente dissociada da idéia de artesanato.
Também com relação ao artesanato, o conceito formado acerca do termo está ligado à
produção de produtos utilitários com uma carga histórica, ligada às tradições locais, em
específico fora dos centros urbanos.
Nas palavras de Eugênio:
“Eu não considero como atividade artesanal, aquele tipo de trabalho
desenvolvido com garrafas de PET, retalhos de costura, etc. No meu conceito,
artesanato é uma atividade que está mais voltada para tradição, aquilo que é
passado de geração pra geração dentro de uma comunidade que é tradicional.
Pra ficar bem claro, aquele grupo, aquela comunidade que extrai a matéria
prima, que elabora o trançado, monta uma peça utilitária, faz um pote de barro,
esse tipo de atividade a priore está muito mais ligado ao repertório cultural.
Quando se fala de uma atividade de uma ONG urbana, que pega restos de
uma tecelagem e desenvolve uma colcha de retalhos, isso no meu ver não
pode ser considerado artesanato, não tem cultura, não tem referências. Eu
considero isso daí “reciclagem”, ou qualquer outra nome que se possa dar, mas
não artesanato, justamente por não se tratar de uma técnica passada para ela.”
Neste sentido, subentende-se que não existe relação direta entre artesanato brasileiro e
design. Há o entendimento de que estes conceitos são de certa forma, antagônicos por
se tratarem de modelos de produção opostos.
58
No entanto, a influência de um conceito sobre o outro pode, de fato, ocorrer, tanto do lado
do designer para com o artesanato e vice-versa. No entanto, estas influências são
estreitas e limitadas.
Considerando a influência do artesanato sobre o design, o artesanato poderá servir de
inspiração para o desenvolvimento de alguma linha de produto, de forma conceitual, a fim
de agregar valor no sentido de criar um diferencial ao produto, conforme esclarece
Eugênio Ruiz:
“Eu acho que as pessoas buscam hoje um produto que tenha uma
personalidade própria e o artesanato pode transmitir essa linguagem, então
voltando ao tema, ao questionamento inicial, acho sim que a possibilidade
exista, uma vez que o designer, o profissional, busque referências artesanais
para empregar no processo industrial. Isso sim é cabível no Design, essa
sacada do “resgate” já valoriza o produto.”
Por outro lado, o design sobre o artesanato pode contribuir com uma visão comercial do
produto, nas palavras de Eugênio:
“Comercialmente eu considero válida a intervenção do designer numa atividade
artesanal, por tratar-se de um profissional que carrega uma visão de mercado,
que acompanha o ciclo de um comércio, é fácil para ele chegar e definir quais
as melhores formas de desenvolver o produto, de fazer com que esse produto
se torne comercializável. Agora até que ponto esse tipo de intervenção é válido
para a comunidade que preserva e carrega as tradições na confecção dos
produtos.”
Com base nas afirmações, pode-se considerar então que apesar de na opinião de
Eugênio Ruiz ainda não haver uma relação definida entre design e artesanato, a
possibilidade existe e em dois âmbitos, como a busca de um diferencial para os produtos
brasileiros e como o auxílio do designer em meio à produção artesanal.
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No entanto, entende-se nesse instante que uma atividade e outra não devem ultrapassar
seus limites de atuação, um designer para continuar a ser designer, deve manter suas
intenções voltadas para a produção industrial buscando talvez inspiração e diferencial em
produtos artesanais para aplicar em produtos a serem desenvolvidos em massa ou
colaborando com o artesão ao sugerir diferentes noções seja de mercado ou mesmo de
processo para sua atividade.
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4.4 Visão do SEBRAE
O programa SEBRAE de artesanato existe em todos os estados da federação, no entanto
é desenvolvido de forma diversa em cada um deles. A principal experiência abordada
nesta pesquisa é a do Estado de São Paulo, onde o SEBRAE atua em 75 grupos de
artesanato que desenvolvem trabalhos com os mais diversos materiais (cerâmicas,
sementes, fibras e demais matérias – primas).
O Programa de artesanato do SEBRAE - São Paulo – Programa ARTE QUE VALE,
denominado a partir de agora como SEBRAE, tem como objetivo capacitar os grupos de
artesãos para que estes consigam chegar ao mercado de trabalho, e neste sentido,
organizar um grupo de pessoas a fim de que atendam as necessidades de demanda que
o mercado atacadista exige, tais como: volume razoável de produtividade, qualidade
constante e respeito a prazos de entrega.
O pontapé inicial de organização destes grupos pode acontecer de duas formas: (i) a
partir de uma iniciativa da própria comunidade que pode surgir por meio do prefeito, por
meio de algum líder local que entra em contato com o SEBRAE e apresenta sua proposta
(descreve os produtos e técnicas da região); (ii) a partir de uma iniciativa do próprio
SEBRAE, que pesquisa e identifica potencialidades em alguma localidade.
Dado este primeiro passo, é feita uma análise do grupo ou do trabalho daquela
determinada região “(...)identifica-se uma técnica artesanal, importante dizer que se filtra
tudo aquilo que é artesanato , aquilo que é trabalho manual, dado o momento que essa
técnica é identificada com a ajuda da comunidade, porque em momento nenhum o
SEBRAE chega e determinada a técnica que será desenvolvida(...)”, conforme descreve o
Coordenador Estadual do Programa de artesanato do SEBRAE - São Paulo – Programa
ARTE QUE VALE, Roberto Mauro Santos.
Identificada a potencialidade de determinada região, o grupo formado em média por 20
(vinte) pessoas passa por um programa que inclui 3 (três) fases: (i) primeira fase:
informação e formação do grupo; (ii) segunda fase: formação (capacitação
comportamental, técnica, gerencial e de design; (iii) terceira fase: divulgação do produto.
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Na primeira fase é um panorama sobre a atitude empreendedora dentro do mercado,
noções gerais sobre como atuar em mercado, postura empresarial, etc. Tudo adequado à
realidade local.
Na segunda fase existe um aprofundamento do que foi abordado na primeira fase só que
desta vez em quatro frentes que podem ser descritas da seguinte maneira: fase 2.1 –
capacitação comportamental, ou seja, aprender e valorizar o trabalho em grupo; fase 2.2.
– capacitação técnica que tem como objetivo nivelar a produção artesanal de
determinada região, neste ponto, o SEBRAE ressalta que não é ele que ensina, e muito
menos impõe determinada técnica, ele nivela os artesãos para que o grupo torne-se mais
homogêneo, inclusive para fins de produção; fase 2.3 – capacitação gerencial: onde o
objetivo é transmitir o conhecimento de gestão de negócios àquela comunidade. Neste
aspecto vale abrir um precioso parêntese: a grande maioria dos artesãos não tem um
nível de conhecimento técnico que lhes habilite a entender os termos de mercado, muitas
vezes são pessoas analfabetas ou de baixo nível escolar, assim, o SEBRAE transformou
estes cursos em uma linguagem simplificada para que todos os envolvidos nos projetos
tivessem acesso àquelas informações, assim, “(...) Marketing virou – conhecendo melhor
o mercado de artesanato; Formação de preço e fluxo de caixa virou – Como controlar
entrada e saída de dinheiro e como fazer preço e Qualidade total virou – Qualidade para
o artesão(...)”, por fim existe a fase 2.4 – oficina com os Designers que doravante será
melhor explorada.
Na terceira fase há a divulgação dos produtos pelo SEBRAE através da participação em
eventos, exposições, toda e qualquer atuação comercial que o SEBRAE promova.
A intenção final do SEBRAE é dar autonomia ao grupo para que estes sigam por conta
própria, tornem-se auto suficientes. Daí é que surgem as primeiras e cruciais perguntas a
serem trabalhadas, até que ponto o grupo de artesão pode seguir sozinhos? Nas palavras
de Roberto Mauro Santos:
“O que se percebe pela experiência é que ao longo do tempo eles apresentam
muita dificuldade de criar, de inovar e isso para nós ainda é um ponto de
interrogação, até que ponto isso é benéfico de insistir de repente na oficina
de design. Dentro de 6 meses esses produtos tem que ser renovados, senão
não se consegue mais atrair os lojistas se eles não criarem, a gente vai ter que
62
contar mais uma vez com uma oficina de design, só que de outro lado o que
acontece? Quando se propõe a oficina para o grupo, de maneira inconsciente
não verbal, está-se dizendo para ele que eles não tem capacidade de
criação, vocês não conseguem criar sozinho, e esse público é
particularmente fragilizado, imagina que são semi-analfabetos, que não tem
recursos, que trocam produtos por um quilo de arroz e por aí vai. Reforçar isso
neles, mesmo que você não diga, não importa, mas de certa forma eles estão
entendendo isso, e a única coisa que eles achavam que tinham como
diferencial era a suposta capacidade criativa, então se insiste
reiteradamente nas oficinas é como se você estivesse negando a eles a
única coisa que acreditava ter valor que é a capacidade de criar, gera um
instrumento na verdade que vira uma muleta, ele pode começar a achar
que então para criar, se o design não participar com ele não vai
conseguir. Isso é um processo então de experiência mesmo, é para mim
existe um ponto de interrogação, não sei até que limite isso ajuda, até que
limite isso atrapalha, porque não quero que o grupo se torne dependente,
justamente eu quero que ele seja capaz de se virar.”
Trata-se, portanto, de um processo complexo, no sentido de envolver vários fatores. De
um lado, há a postura do próprio artesão que não entende a necessidade de renovação
constante de produtos e de outro temos o aspecto de valorização do próprio artesão.
O ponto é: conceitualmente o Brasil tem um grande potencial de produção (o brasileiro
tem uma carga histórica rica e que lhe é peculiar, o brasileiro tem criatividade, tem
beleza), mas isso é pouco explorado pelo artesão, e por isso deve e pode ser trabalhado
pelo artesanato, e isso não vai causar qualquer demérito para o que já foi feito.
Em um primeiro momento, é importante fazer o artesão entender que em termos de
produtos, não se aplica aquele velho ditado popular: “em time que está ganhando não se
mexe”. Mexe-se sim, é preciso sempre mexer e mudar, coisa que existe num conceito de
produção industrial, senão o seu produto perde valor, pois o mercado consumidor destes
produtos demanda este tipo de mudança.
Então, entendido que o artesão precisa desenvolver sempre novos produtos, é preciso
que ele descubra onde buscar referências para a sua criação, e nesse ponto é preciso
63
valorizar o próprio brasileiro e sua cultura. O povo brasileiro tem desde sua formação a
tendência de adotar conceitos estrangeiros para se auto classificar, ou seja, o brasileiro
médio tem como conceito de cultura o equivalente a instrução acadêmica e de
conhecimentos globais. Tem cultura o homem que estudou que lê, escreve, conhece
outros países, lugares, este homem é o ápice da pirâmide cultural brasileira, é o
intelectual.
E isso é tomado como dogma pelo artesão que se menospreza por não ter escolaridade,
por não sair de seu estado, de sua cidade, e isso reflete em seu trabalho, pois o artesão
tende a tomar como referência de qualidade também o que já foi criado. E qual a
novidade nisso? Nenhuma.
Assim, o bom passa a ser o que está na televisão, pois ele (artesão) tem a idéia de que
como um analfabeto não pode propor nada melhor do que é dito na televisão por pessoas
cheias de “cultura e conhecimento”. Não se trata de dar uma visão romântica do artesão,
na verdade, isso é reflexo de sua própria pobreza, material e formativa. E esse quadro
precisa ser revertido.
É preciso reverter o preconceito de que o trabalho artesanal produzido no interior paulista
não pode ter a mesma sofisticação e valor agregados de um produto japonês ou
americano. Na visão do SEBRAE, o Brasil e o brasileiro têm passado por um processo de
transformação e de “despreconceituação” muito grande, e isso só tem a enriquecer e
agregar valor aos nossos produtos.
Nas palavras de Roberto Santos:
“A Itália hoje é referência no Design não é a toa, é justamente porque ela
aprendeu que o seu processo industrial seria valorizado pela diferenciação do
artesanal. A gente não precisa buscar de fora, uma vez eu fiquei indignado com
um trabalho do SEBRAE, havia a intenção de criar um programa que não
avançou, chamava A CARA BRASILEIRA e que era um amplo debate com
pensadores e formadores de opinião para justamente tentar definir qual era a
“cara brasileira” e uma das pessoas convidadas era um Italiano, o Domenico de
Mazi, eu pensei, puxa, precisa trazer um Italiano pra discutir Brasilidade???
Absurdo isso, está se afirmando mais uma vez que a gente não tem
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antropólogo, a gente não tem sociólogo, a gente não tem pensador aqui e que
precisa trazer de fora??? Então o papel da faculdade é fundamental, não só na
questão do artesanato, mas na questão do resgate da auto-estima da
população Brasileira. “
Neste sentido, ele destaca o papel social das Universidades como centros de formação
de opiniões e como um meio essencial para a abertura de horizontes dentro do Brasil:
“Eu acho que o maior papel da Universidade é justamente o de limpar essa
sujeira toda, esse processo de preconceito histórico, de segregação e de
desvalorização. Isso se torna um problema que é nefasto não só do ponto de
vista da produção artesanal, isso tem um efeito devastador na auto-estima das
pessoas, de toda uma população”.
O primeiro curso que nós aplicamos, que era piloto por ser a primeira vez que
estávamos fazendo aquilo num grupo formado por pessoas simples, até
algumas analfabetas. Então estávamos em um salão no meio do BNH na zona
rural de Iguape, que foi o primeiro grupo que nós atendemos, aí quando
acabaram-se os cursos e todo curso tem uma avaliação dos participantes no
final, pedimos então para aquelas pessoas avaliarem o que tinham aprendido,
sentido com o curso. De umas 30 pessoas, umas 15 apenas sabiam escrever e
escreviam para as outras, diria que uns 90% colocaram como observação na
avaliação, que estavam emocionadas com o respeito com que elas tinham sido
tratadas. Sabe o que isso significa? Que normalmente essas pessoas não são
respeitadas. Quer dizer, é a pessoa, o individuo que não é respeitado, ela é
tratada como um pano de chão, um nada, ela é “pobre” e ponto. Então, a
faculdade tem um papel fundamental para levantar esse debate, de
ensinar a dar valor para a nossas coisas, de ensinar a ajudar a construir
uma identidade própria Brasileira, Paulistana, valores de uma sociedade
tão perdida, tão achacada, tão desvalorizada a ponto das pessoas não
olharem mais para a sua realidade. “
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Neste contexto de mudança de mentalidade e descoberta da cultura brasileira, além do
respeito e valorização do trabalho do artesão, um segundo e importante aspecto é o de
observar e respeitar a evolução da própria técnica artesanal em si:
“Está tramitando no congresso nacional, uma lei de regulamentação da
atividade artesanal, porque ela ainda não é regulamentada. Então, eu fiz duras
críticas, o projeto em si estava razoavelmente bem escrito, mas lá estava mais
uma vez escrito assim: “do artesanato tradicional”, aí eu rasguei o verbo de
novo, disse: Acho que o termo deveria ser retirado porque parte do principio
que o conceito de tradição é muito cristalizado, como algo que não muda e isso
significa o seguinte basicamente, que a mulher faz o trabalho acocorada e
depois fica corcunda, tem que deixar, que a inalação daquele negócio lá da
fibra faz mal, deixa morrer de tuberculose, porque não pode mudar. O Museu
ele tem um papel fundamental que é salva guarda, se você quer ver o
produto como ele era nos primórdios, o papel do museu é esse, guardar
nossa memória. Mas daí você exigir do Mestre Vitalino e dos
descendentes do Mestre Vitalino que a vida inteira eles façam cangaceiros
é absurdo. Onde tem hoje em dia cangaceiro no Brasil??? É uma maldição?
Vocês imaginam a vida de vocês, alguém dizer vocês vão ter que desenhar e
moda a vida inteira um elemento que não faz parte da vida de vocês para o
resto da vida??? É demais não é? Então a cultura não é um elemento
cristalizado, é um elemento em constante evolução, ela muda, ela se
altera, ela evolui e ao museu cabe o papel de guardar isso e às pessoas
cabe o papel de viverem a sua própria cultura, como ela é e não como se
gostaria que fosse, até porque o discurso hoje do intelectual é algo meio
assim: Eu gosto de uma coisa assim bem rústica, bem mal acabada que fica
assim com cara de artesanato. Com cara de artesanato porque quem morre de
fome é o artesão e não ele.”
E o designer atua de duas formas principais neste segmento da cultura brasileira
representado pelo artesanato: (i) através de atuação direta junto aos grupos de
artesanato sugerindo tendências, indicando aspectos comerciais dos produtos a serem
postos no mercado; e (ii) buscando referências no artesanato para a sua própria
produção industrial.
66
“O Designer pode então desempenhar dois papéis distintos no âmbito do
artesanato, são dois ângulos diferentes, um que é a atuação direta com o grupo
no intuito de ampliar aquele linha de saber fazer, de produção sem
descaracterizar, ajudando a comunidade a se tornar sustentável, não
transformando o design numa muleta, mas sim num elemento de inovação que
o grupo aprenda, que sozinho depois inova, dando dicas: Olha vocês podem
usar essas sementes, essas plantinhas, vocês podem usar os azulejos lá da
catedral, etc, etc e depois eles continuem a buscar essas referências na própria
localidade. Dizer que o jogo americano segue um padrão de tamanho
específico que se não seguir isso, o mercado não absorve o produto, a loja não
compra mas tudo isso tem uma lógica, em suma esse papel de mostrar como o
mercado funciona, as referências os padrões, como o processo criativo
funciona, como se pode diferenciar e inovar sem descaracterizar. E tem
também o lado de o designer trabalhar buscando as referências do artesanato
para melhorar os processos industriais que tem muito a prender ainda com o
artesanato e passar a ter produtos que tenham geo-referências. Uma coisa de
olhar para a peça e saber que aquela peça foi feita em algum lugar, e não que
ela pode ter sido produzida na Suécia, na África ou então na Austrália, é
enxergar um diferencial no produto, ampliar as possibilidades da industria.”
No entanto, a intervenção do designer, deve ser feita de uma forma delicada, estudada e
bem planejada, retoma-se a questão das oficinas de design utilizadas no SEBRAE. É
importante que o designer entenda que o saber é do grupo, que é ele, o artesão que
domina a técnica de trabalho. O maior valor a ser agregado ao produto é o artesão, e não
do designer, tanto é assim, que no SEBRAE, a autoria do produto é do grupo, e não do
designer.
Diante do exposto, conclui-se que há dois objetivos a serem atingidos pelo SEBRAE: o
primeiro e imediato que é o de promover a melhoria sócio-econômica de determinada
comunidade carente por meio da prática de um artesanato auto-sustentável; e o segundo,
em longo prazo, porém não menos importante, é o de regate da cultura brasileira e
melhoria da auto-estima do povo brasileiro através de apresentação de novos conceitos e
redefinições de valores.
67
Nestes dois objetivos o designer e o design desempenham papéis fundamentais, seja
como instrumento de auxilio e viabilidade do desenvolvimento de uma comunidade de
artesão, no primeiro objetivo supra, seja como ente formador de opinião e influenciador
social, no segundo objetivo.
Figura 23: Artesanato em trançado estrela da região de São José do Rio Preto - SP Fonte: Catálogo SEBRAE – Arte que Vale
Figura 24: Artesanato em capim amargoso da região de Cajobi – SP
Fonte: Catálogo SEBRAE – Arte que Vale
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Figura 25: Produtos em trançado de Taboa da região de Cananéia – SP
Fonte: Catálogo SEBRAE – Arte que Vale
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5 - CONCLUSÃO
No início da pesquisa não havia uma idéia precisa dos possíveis resultados a serem
encontrados. A princípio, o objetivo era identificar e tomar conhecimento de algumas
restrições e possibilidades do relacionamento entre design e artesanato, com foco na
exploração do artesanato pelo designer como fonte de referência para os seus futuros
trabalhos.
No entanto, diante das pesquisas realizadas, constatou-se que na relação entre design e
artesanato não existe uma via única, ela comporta diversas oportunidades, sendo errônea
a visão de que a ligação entre uma atividade e outra (artesanato e design) só pode
acontecer unilateralmente.
Além da busca de referências do designer no artesanato, a outra mão desta relação, ou
seja, do artesanato utilizar-se da assessoria do designer para se desenvolver, também é
muito rica e viável.
Hoje existem várias visões de abordagem das atividades de design e artesanato, dentre
estas visões destacam-se diversos posicionamentos: dos designers que já desenvolvem
trabalhos relacionados a artesanato, dos profissionais que influenciam o meio acadêmico,
das Organizações não Governamentais (ONG’s), de entidades ligadas ao empresariado
(o SEBRAE).
Neste sentido, no presente trabalho foram entrevistados profissionais que atuam em cada
um desses segmentos. Ressalta-se que por sua vez, as conclusões e opiniões destes
profissionais não representam uma unanimidade, sendo que podem existir outras
correntes em cada um desses setores que não foram ora abordadas.
Os designers entrevistados que já atuam com o artesanato (designer–artesão), quando
questionados sobre definições para artesanato e design, mostraram claramente dúvidas e
um certo receio em restringir suas idéias a um conceito fechado. Para os mesmos, tal
tarefa mostra-se incorreta e até mesmo desleal, uma vez que defendem a idéia de que
tanto o design como o artesanato, são atividades que em momento algum podem sugerir
limites de atuação. Esses profissionais em específico, ainda buscam limiares e respostas
para tais questões, por atuarem diretamente nesse meio, por ousarem experimentar e até
mesmo discutir as possibilidades de uma relação possível entre as atividades, temem
gerar uma fronteira com conceitos ainda pouco fundamentados (uma vez que o tema não
foi debatido o suficiente – segundo suas palavras) e impedir que o processo exploratório
70
cesse ou mesmo seja lidado com premissas falsas por assim dizer. Novas possibilidades
devem ser descobertas e essa é a afirmação mais relevante em nossa opinião.
No que se refere à visão acadêmica, é preciso salientar, que o embasamento do tópico
nesse estudo é dado a partir da postura de uma única instituição (Universidade
Presbiteriana Mackenzie), não se pode de fato assegurar que tantas outras instituições
assumam postura idêntica no que tange o trato com o assunto.
Hoje a universidade busca oferecer a formação de um profissional mais voltado para a
área industrial, talvez dando uma maior importância para quesitos técnicos. Não se afirma
nesse momento que tal conduta apresente um grau de negatividade, muito
contrariamente, mas por acreditar que nesse momento, o mercado de trabalho sugere
uma busca por novidades e diferenciais, quanto mais opções de atuação forem
apresentadas, mais possibilidades de êxito profissional são geradas.
Tal olhar não sugere uma postura crítica, mas sim sugestiva, de fato precisa-se encarar o
design como uma atividade que como tantas outras, sofre influências do meio que por
sua vez, sofre mutações constantes. É preciso acompanhar de forma produtiva esses
processos, e mais, é preciso assumir um papel inquisidor diante de tantas mudanças, são
os questionamentos e as discussões que levam ao entendimento e a evolução.
Na visão da ONG, tanto o artesanato quanto o design são instrumentos que atuam dentro
de um contexto muito maior. A atuação da ONG tem como objetivo principal o resgate da
dignidade humana e neste sentido utiliza-se do artesanato como meio no trabalho com
comunidades carentes, no contexto desta atuação, o designer atua como um elemento
contribuinte que agrega valor aos produtos desenvolvidos e viabiliza a sua
comercialização. Assim, na visão da ONG, design e artesanato andam juntos no sentido
de auxiliarem a melhoria do homem num contexto social.
Outro ponto de vista relevante é o do SEBRAE, entidade ligada ao empresariado e que
atualmente desenvolve projetos junto ao artesanato. Em sua atuação, o SEBRAE observa
o design e o artesanato como elementos complementares. Há o desenvolvimento da
atividade artesanal junto a uma comunidade para fins de resgate da cultura local e
desenvolvimento da região. Neste processo, em determinado momento, há a interferência
do design a fim de melhor explorar uma determinada técnica existente, aprimorar os
produtos a ser produzido, dar-lhes maior aceitabilidade no mercado, enfim, o design, mais
71
do que meramente contribuir, é um elemento essencial que vem para, de fato,
complementar todo um processo em desenvolvimento.
Dos posicionamentos apresentados cada qual dentro de seu próprio entendimento acerca
do tema, a interação entre artesanato e design é possível e viável desde que feita de
forma consciente.
O artesanato é, e sempre será, uma forma de manifestação cultural do homem de raízes
brasileiras, é aí que se encontra a sua maior riqueza, na expressão do homem, na sua
identidade. E nessa forma de manifestação cultural, o artesanato não necessariamente
deve estar ligado ao passado, pois afinal, o homem também se manifesta no presente, ou
seja, o homem pode hoje dar início a uma nova tradição de trabalho artesanal. No papel
de conservação da memória do povo, os museus desempenham seu papel, enquanto que
ao artesão cabe desenvolver seu trabalho e apresentar a sua voz.
Também ligado à produção de produtos de consumo, assim como o artesanato, o design
também é meio de expressão do homem, e por isso precisa de uma identidade.
No produto a ser desenvolvido por determinada pessoa há toda uma carga histórica e
cultural depositada. O projetista de uma linha de louça inspira-se em diversos fatores,
sejam eles: históricos, de formação técnica e pessoal, assim, aquele produto tem a sua
“marca”.
E qual a marca do design brasileiro?
No início deste trabalho, tratou-se da globalização e de seu reflexo nos produtos
desejados pelos consumidores. Na sociedade massificada, existe a incessante busca
pela diferença. O homem quer destacar-se do todo, e essa necessidade reflete quando se
fala em agregar valor a produtos de consumo. O bem deve representar alguma coisa (um
estilo de vida, uma idéia, um conceito).
Um dos diferenciais que podem ser apresentados pelos produtos brasileiros é a sua
identidade, aquilo que só um brasileiro pode ter, e neste sentido, o artesanato tem muito a
contribuir. Como manifestação genuína do povo brasileiro, das raízes brasileiras, o
artesanato deve ser tomado como referencial para o trabalho do designer.
Isso não quer dizer que o design deve restringir-se ao artesanato, o ponto é que o design
pode e deve buscar referências no artesanato como uma das formas de expressar o
72
sentimento do povo brasileiro, e assim também se diferenciar no contexto mundial,
apresentando valor agregado aos produtos.
Os caminhos da identidade do design brasileiro continuam em aberto e em constante
discussão, a influência do artesanato com certeza é um dos elementos a ser considerado
pelos profissionais da área no desenvolvimento de seus produtos.
73
ANEXO A – Questionário para as entrevistas Nome: Idade:
Área de Atuação: Tipo de Mercado:
Empresa: Tempo de atuação no Mercado:
Já realizou trabalho com artesãos: Quando: Quais:
1 – Qual o seu entendimento acerca de artesanato e atividades artesanais? 2 – No atual panorama você consegue identificar alguma relação entre o Design e Artesanato Brasileiro? 2.1 Se sim, é possível exemplificar através de algum produto ou caso? 2.2 Se não, por que? Você entende que há possibilidade dessa relação ser estabelecida algum dia? 3 – Através de que iniciativas e processos o Design pode(rá) estabelecer uma relação (por exemplo, de troca de referências e influências) efetiva com o Artesanato? 4 – Existe uma real relevância ou interesse por parte dos Designers de quê esse tipo de interação ocorra? Por que? 5 – Como você encara a intervenção do design em processos artesanais? 6 – É possível perceber esse tipo de intervenção como um fator positivo ou negativo? Em quê aspectos? 7 – Quais devem ser os limites e responsabilidades de um designer frente a uma demanda de intervenção em um segmento artesanal? 8 – Como criar um diferencial qualitativo ou um diferencial comercial para os produtos artesanais, de formas a valorizá-los no mercado preservando suas características de origem e diferenças regionais? 9 – Você acredita que o estudo desse tema seja relevante? 10 – Gostaria de fazer alguma outra consideração com relação ao assunto?
74
ANEXO B – Entrevista com Christian Ullmann e Tânia de Paula – Oficina Nômade.
(Christian) - A Oficina Nômade é um projeto. Um projeto que começou há 4 anos, que desenvolvemos
juntos, Tânia e eu, os dois somos desenhistas industriais, eu sou formado em Buenos Aires, Argentina,
Tânia se formou na Mackenzie, e é um projeto de desenvolvimento de produtos junto com comunidades
artesanais.
- O Oficina Nômade começou na Amazônia, onde eu conheci a Tânia, e cresceu para o Brasil. 80% do
projeto continua sendo na Amazônia, trabalhando nos nove estados e algumas coisas acontecem fora da
Amazônia, no Brasil. O escritório de desenvolvimento que nós temos é a empresa IT-Projetos que também
começou 4 anos atrás em 2001, e em função desse projeto, “Oficina Nômade”, começa a ter uma
repercussão maior.
- Nossa linha de trabalho está direcionada para a linha artesanal, nós somos profissionais reconhecidos por
trabalhar junto com comunidades e saber muito da Amazônia, algumas pessoas que exageram falam que
somos especialistas na Amazônia.
- Eu comecei com um trabalho de madeira no LPS (Laboratório de Produtos Florestais) do IBAMA, em
1996, e aí que comecei a conhecer de recursos naturais do Brasil, o IBAMA me levou para a Amazônia e
comecei a entender a realidade, daí o prazer de fazer esse trabalho, e de lá para cá desenvolvemos uns
projetos juntos, somos conhecidos por isso e as empresas que nos procuram estão muito relacionadas com
isso. Porém, como nós moramos em São Paulo, no meio dessa grande cidade, há 2 anos começou nossa
curiosidade por entender outros materiais e outra realidade, então, hoje, o projeto Oficina Nômade e a
empresa IT-Projetos estão tentando conquistar novos mercados abrindo essa possibilidade em São Paulo,
e na Amazônia se trabalha com recursos naturais e em São Paulo , em grandes cidades, tentamos
trabalhar com resíduos industriais ou resíduos urbanos, que é matéria prima que as comunidades ou os
grupos de catadores têm mais na mão, e quando há alguma empresa que nos procura tentamos levar todo
esse conhecimento, que é o diferencial que temos na mão, para essas empresas, então hoje estamos
desenvolvendo um sabonete líquido para uma empresa de...
(Tânia) – Sabonetes industriais né?
(Christian) – É uma empresa que desenvolve, que comercializa produtos para limpeza industrial, então eles
fazem a limpeza do Banco Real. O que do Banco Real? Do prédio e das sedes do Banco Real, então eles
equipam o banheiro deles, fazem manutenção do banheiro, limpam os lobs de entrada, todos os
corredores, então eles têm produtos específicos para estas áreas de grande tráfego, e eles também são
contra a utilização de químicos. Então tem uma cera de origem natural que tem uma durabilidade de 2
anos, e aí surgiu a idéia de desenvolver, para os banheiros da diretoria, um sabonete líquido chique, tudo
bem, então vamos trabalhar com a matéria-prima amazônica, quais são as possibilidades? Óleos
essenciais. Muito bem, vamos trabalhar com esses óleos, porém que não seja qualquer óleo, tem que ser
um óleo fornecido por uma comunidade com selo FCC. O cara topou e há seis meses estamos brigando
75
para que isso aconteça, porque não é fácil, escolhemos caminhos quase que impossíveis. A coisa está
caminhando muito devagar, porém está caminhando, e como é um produto que não vai ter grande saída, a
empresa está aceitando essa demora e esse prazo a mais. Isso é o que estamos tentando hoje, trazer para
realidade nossa, do dia-a-dia, estes conhecimentos essas informações amazônicas.
(Tânia) – Esse é um exemplo que serve pro produto também né? Porque isso é um produto, não é um
objeto, é um sabonete, que não é a embalagem do sabonete, é o próprio sabonete, mas isso acontece em
todos os outros relacionamentos, se você quer usar um acessório, ou se você quer usar um componente
que venha da comunidade, isso acontece com todos os produtos, porque o mercado é muito diferente, a
expectativa do mercado urbano, aqui, nosso e das empresas é muito diferente da realidade, do dia-a-dia,
da produção, com é encarada a produção artesanal, então acho que essa é a questão que vocês querem
realmente discutir, e são mundos completamente diferentes, são expectativas, são horários, são hábitos do
trabalhador, não é um trabalhador, ele é artesão, são coisas diferentes.
(Christian) – Quanto mais se distancia das capitais, mais marcada é essa diferença. Uma coisa é você
trabalhar com uma cooperativa de catadores de lixo daqui do Sumaré, outra com alguma de periferia, outra
quando você vai para o interior, outra quando você vai para outro estado, cada vez você vê que a diferença
é mais complicada, que talvez seja uma grande diferença de quando você fala do design e do artesanato,
qual a dificuldade do design e do artesanato, o designer trabalha na empresa, tradicionalmente, em uma
carreira muito jovem, de 50 anos; artesanato, uma atividade praticada fora dos grandes centros urbanos, no
entanto, a realidade brasileira nos levou a enxergar o artesanato, também, como um mercado para o
design, que bom que isso surja porque abre uma nova área de design. Tudo começou quando o artesanato
virou moda, antes disso o público consumidor não se interessava, ninguém procurava profissionais como
nós, hoje você encontra uma série de pequenas lojinhas que comercializam objetos artesanais, isso para
nós é bom, porque acaba fixando mais uma área de atuação que nos reconheça como especialistas.
- Antes de chegar nesse ponto de reconhecimento, que já é uma conseqüência a discussão parte para
questões como o artesanato com a influência do design deixou de ser artesanato? Design é o quê? É
Design Industrial, aquilo que é produzido industrialmente, em escala seja ela grande ou pequena? Se você
parte desse princípio, não há como fazer um link entre o artesanato e o Design. Hoje em dia, no entanto,
tudo virou Design, design da roupa, do cabelo, de móveis, enfim, então acho que surge aí uma necessidade
de se criar uma nova designação para essa interação que existe entre o Artesanato e o Design e passa-se
a crer que Design não é mais uma atividade unicamente industrial. O uso indevido do termo Design também
gera uma discussão, considera-se que há uma banalização do mesmo, a pessoa que produz móveis se
intitula designer de móveis, mesmo sem ter a formação, nesse caso ele deveria ser um fabricante e não um
designer, mas socialmente é um bom cartão de visitas você se dizer designer de alguma coisa, por isso de
repente a necessidade de você começar a dar nomes específicos as atividades para não gerar confusão,
nesse caso em específico talvez uma denominação de Designer de Produtos artesanais (?). Porque não
seria um designer só por trabalhar com esse tipo de atividade artesanal?
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- Uma coisa é o artesão que trabalha individualmente, de forma isolada que é um artista, que faz um a um
que demora pra terminar uma peça, esse é um artesão porque não está no mundo das artes plásticas, ele
poderia ser um artista num outro momento, nesse caso não adianta o designer ir lá e por a mão no produto
dele, mas de repente o designer pode ir lá para ajudá-lo a resolver um problema de queima, de técnica, de
embalagem. Mas o designer não pode chegar e “mudar” o produto do artesão, porque esse produto carrega
características únicas, culturais que não devem ser alteradas, o que ele pode fazer através da bagagem
que traz com a própria formação acadêmica, é ajudar na resolução de problemas específicos, como
técnicas e uso correto de materiais. O que se faz inicialmente é um apanhado geral da situação e em
seguida um estudo de possíveis melhorias que beneficiariam esse artesão.
(Tânia) - O que acontece também, é que de uns tempos para cá, percebeu-se que o artesanato é uma
atividade que tem plenas condições de gerar renda, em regiões com população carente, com pouco
trabalho, onde a lavoura não dá mais, etc, etc, etc, vê-se então no artesanato uma possibilidade de
melhoria para essas comunidades, daí os projetos do sebrae, de incentivo as atividades artesanais em
localidades como essas.
(Christian) - Um exemplo, em uma determinada região descobriu-se que, grande parte das mulheres,
dominava a técnica do fuxico, alguém chegou e disse, bom então vamos organizar uma empresa disso,
uma reunião de mulheres capazes de produzir peças na técnica do fuxico, você percebe que não é uma
atividade que carrega uma carga cultural, não, simplesmente tem o domínio de uma técnica, mas são
desprovidas de um potencial criativo, capaz de inventar novos produtos através da técnica, passariam a
vida produzindo uma capa de almofada, e elas continuam a fazer isso para o resto da vida. O ponto é que
isso vendeu bem o primeiro mês, o segundo, depois não vendeu mais, então se necessita de uma geração
de renda, pois o projeto como um todo precisa ter uma renda, precisa ser objetivo que é a conta de
dinheiro. Por isso é preciso ter uma diferença, as coisas precisam ser nomeadas melhor, o artesão é o
artista isolado, que faz aquele trabalho. Isso é uma coisa. Ele é tão artista quanto o designer, ele tem o
trabalho dele e é daquilo que ele vai viver.
(Tânia) - Os trabalhos são valorizados em todos os casos, a ARTESOL é o projeto que foca mais no
objetivo de descobrir o artesão real, e a influência dos designers na ARTESOL é menos de desenvolver
produtos e mais se envolver nos projetos de logística, de moda, de imagem, até. E como o designer pode
colaborar como artista? Realmente dá “uma cara” ele tem um nome, o produto é bem apresentado, ele
agrega mais valor a um produto que já é bom.
- Precisamos entender que não são os artesãos, o grupo que está no mesmo nível sócio cultural que nós
designer que estudamos trinta anos de nossa vida, eles sempre estão em um nível sócio cultural abaixo de
nós.
- É o que diferencia o artista plástico que tem uma formação doutrinária.
77
- Sim, e porque somos (designers) contratados para trabalharmos como artistas plásticos? Porque temos o
mesmo nível sócio-cultural, tudo o que eles podem fazer, nós podemos fazer também. Não precisa de
nosso trabalho específico, que nós temos esta possibilidade de estudo, formação e temos como opção de
fazermos isso.
- Voltando aos grupos que se uniram para produzir renda, que são chamados de artesãos porque trabalham
de forma artesanal só por isso.
- Mas o que é o artesanato e o que é o artesão?
- O artesão é profissão e o artesanato é a atividade, por que? Porque entrou na moda. Daí você tem várias
classificações de manualidade. Se você for procurar é como o design. O design é tudo [visto como um todo]
e o artesanato é tudo, mas aí você vai ver, tem o (design) tradicional, a manualidade.
- O que é manualidade?
- Manualidade é quando você não transforma a sua matéria-prima. Você compra fio e faz crochê. Isso não é
artesanato é manualidade. Mas a questão é muito discutida. Tem o SEBRAE que pode te dar uma
definição de artesanato melhor.
(Christian) - O SEBRAE desenvolve projetos com artesãos, grupos artesanais que não necessariamente
precisam ter tradição, grupos inventados para gerar renda. Via de regra eles localizam um artesão que tem
uma técnica local, uma tradição local e fazem uma repartição do conhecimento e ensinam isso para mais
20 pessoas que não necessariamente fazem aquilo, gostam daquilo ou optaram por fazer aquilo, mas
precisam fazer aquilo porque precisam ganhar dinheiro. Se isso dá certo ou não, este ponto não está em
foco.
- O SEBRAE é uma empresa que foi contratada para desenvolver um trabalho, um produto e não tem, no
seu âmago, esta concepção de arte, e por conta disso enfrenta os problemas de um processo de produção.
Ele (SEBRAE) trabalha o artesanato como uma forma de renda.
- Trabalho com o GOVERNO e com a ONG1, o projeto do SEBRAE (governo) tem muito mais um aspecto
social do que ambiental. Na ONG a idéia é muito mais de ambiental, ou seja, gerar renda e manter o
homem na terra, auxiliá-lo a manusear de forma adequada sua matéria-prima, seja castanha, seja óleo. Sair
com o produto da terra já trabalhado, para que eles possam vender mais e ganhar mais dinheiro com os
produtos realizados e se manterem lá. Os jovens via de regra saem da terra. O problema é que quem
compra, compra barato para vender caro.
- Mas o foco não é este, a princípio não se faz artesanato para vender. É considerado artesanato aquilo que
tem utilidade. O cesto, a cumbuca, o arco são utensílios de uso corrente. Em uma comunidade, se eu tenho
uma maior habilidade e faço um arco mais bonito, mais trabalhado, as pessoas passam a querer o meu
18
ONG – Organização não Governamental
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arco, pois os meus arcos funcionam e daí o que acontece, começa a haver uma troca entre o produtor de
farinha e o produtor de arco.
- Assim, primeiro para uso próprio e depois para comercializar. O artesanato era assim, depois veio o
artista, e tal.
- Mas voltando a questão ambiental, percebeu-se que a população de determinada terra, tem que se
manter nesta terra. Pois é ela que sabe como mexer com as matérias-primas, com o que lhe envolve, e se
ela (população) não está aí vêm os madeireiros, garimpeiros e destroem tudo. Então a idéia é a de que o
povo nativo fique em sua propriedade, não a venda, e tire dela seu sustento, eles precisam viver da terra,
ela precisa ser lucrativa para eles. Ele vai vender madeira, mas desde que seja trabalhada, vai vender óleo,
mas desde que seja elaborado.
- Neste processo, percebeu-se que sobra muita coisa. O que fazer com o resto da madeira? O resto de
cascas e tal? Bem, percebeu-se que o trabalhador da terra pode comercializar também este produto a fim
de obter uma renda maior. E o que é isso? Não á artesanato, não é design industrial. O que é isso?
- Então é daí que surgem os grupos artesanais com o objetivo de geração de renda. E por que chama o
designer para fazer isso?
- Bem, o artesão ensina uma técnica para outras pessoas de determinada comunidade. O resultado são
produtos muito bons, de muito boa qualidade, mas que não encontra mercado. Não basta ter uma técnica.
Daí chama-se o designer que lhe imprime uma nova ótica àquele produto. Torna o produto mais
comercializável. E daí imagem do designer. O designer é o “cara” fútil. Que muitas vezes é incompreendido
pelo próprio artesão local.
(Tânia) - Um caso concreto é o que ocorreu com a exploração do capim-dourado. Existe a matéria prima, foi
estudada por alguns designers, houve a aceitação do mercado, iniciou-se a produção, mas não foi realizado
um estudo de capacidade produtiva, de forma sustentável de extração. As pessoas queriam o chapéu do
capim dourado, mas na falta dele o artesão pegava um outro capim, que não era aceito. E essa não
aceitação não é entendida pelo artesão local. É difícil para o artesão entender que o bonito é o capim
dourado. Uma boa comunicação é muito difícil. Eles não entendem, pois os valores são outros.
- A grande dificuldade desses projetos é que o designer é o último a chegar, mas a responsabilidade é dele,
se o produto não é aceito, não dá certo, a responsabilidade é o designer.
- Então há que ponderar diversos fatores: desde a obtenção da matéria-prima até a durabilidade do produto
final. O consumidor está acostumado com um produto que é lavável, que se enquadre no seu dia-a-dia. No
caso do capim-dourado. Nada de fibra natural poderá ser lavado, por exemplo, e isso é uma outra
dificuldade.
79
(Christian) - Então voltamos a primeira pergunta. A diferença de artesanato e atividade artesanal.
Artesanato é aquilo que podemos chamar de artistas por que? Porque é um cara que fica sozinho, que
detém um conhecimento e uma habilidade transmitida de gerações em gerações e vende. Um pouco
melhor um pouco pior, mas vende por conta dele. E atividade artesanal é essa atividade que foi
desenvolvida onde existe um objetivo específico que foi gerar renda.
- Os artesãos-artista fazem isso porque gostam, porque tem prazer nisso. Na atividade artesanal, não há a
escolha. Fazem isso para obter renda. O objetivo do artesão é fazer o melhor possível, o objetivo da
atividade artesanal é gerar renda e está aí uma grande diferença.
- Foi criada uma nova área comercial. Uma nova área para a nossa atividade, nós somos bons consultores
e vamos contribuir com a atividade artesanal, e não com o artesanato. O designer vai virar artesão. Nas
comunidades indígenas, por exemplo, nós (designers) precisamos deles e não eles (índios) de nós. Que as
mulheres entendam que o trabalho indígena é aquele com sua técnica própria e aprimorada. Não é certo o
designer intervir em 5.000 anos de cultura e dizer que as regras de padrão americano são “x” por “y”, um
padrão comercial.
- O artesão é aquele que não se importa com o mercado, ele se importa com a sua atividade. A partir do
momento em que o artesão se rende às regras do jogo (e a maioria acaba cedendo), eu já deixo de
considerar um artesão e passo a considerar uma atividade artesanal.
- E quando o foco é o consumidor, entramos em um novo jogo e qual é o novo jogo? Vender. Aí o designer
não atrapalha o designer colabora. O artesão está morrendo de fome então qualquer coisa ajuda. No vale
do Jequitinhonha são produzidas cumbucas para uso local. São muito frágeis e de difícil aceitação em São
Paulo, são difíceis de transportar e tal. Nesta hora o designer ajuda para trazer soluções. Mas isso acaba
com a tradição local, mas é o que vende. Então nós entendemos que você pode fazer isso na região
urbana, mas não na comunidade rural, porque é lá (na comunidade rural) que vai ser preservada a tradição.
- Então a nossa idéia é trabalhar com duas áreas, uma rural, em que o artesanato é preservado. O cliente
acaba chegando neste trabalho porque ele e muito bom, mas não interfere diretamente nele, e outra, a área
comercial, desenvolvida na cidade em que mantém-se o apelo da tradição. Você pega alguma coisa que
tem um apelo cultural/comercial e faz um processo industrializado, ou semi-industrializado. Por exemplo,
compra-se um forno industrializado, que não necessariamente é o da região e produz isso em grande
quantidade, compra-se um barro, que em geral também não é da região para se dar menos problema.
(Tânia) - O problema é que você acha que muitas pessoas acham que isso é arte ou artesão. Mas isso não
é arte coisa nenhuma. Criou-se alguma coisa a partir de algum valor cultural tradicional. Está errado ou está
certo? Não tem como avaliar isso. Não se pode avaliar isso.
80
- Se você for considerar o artesanato como uma coisa pura, você poderá considerar isso tudo um lixo e
ninguém pode mais interferir em nada. Até mesmo a apresentação do trabalho tem que ficar por conta do
artesão.
- Se numa comunidade carente de tudo, crianças produzem um objeto que tem potencial comercial, em
tese estas crianças não podem trabalhar, porque são crianças. Mas se fazer um brinquedo por dia resolve
alguma coisa, quem vai julgar? Não cabe ao designer julgar. Depende do ponto de vista. E neste sentido o
trabalho do designer sempre vai ser difícil. Porque você não está indo numa empresa onde as pessoas vão
trabalhar porque querem. Você está indo trabalhar num grupo que tem condições mínimas, nem todos
estão ali porque querem, então, é complicado. O profissional que vai para lá (na comunidade), a instituição
que vai para lá vende para ele (artesão) uma estrutura de que a vida dele vai melhorar. Então o cara não
vai falar não, não obrigado eu não quero.
(Christian) - A idéia é você levar um cara lá e dizer: Olha, eu vou trazer um cara lindo e maravilhoso aqui
que vai te ensinar a fazer objetos lindos e maravilhosos que vão vender um monte numa loja porque eu já
fui lá e vi que vende. Não tem como o artesão dizer não. E ainda tem o seguinte: se ele participa do projeto,
ele ganha transporte grátis, ganha ajuda de custo, lanche, enfim, não tem como recusar. Nesse sentido, a
interferência do designer é muito perigosa, por menor que seja, mas isso é histórico, desde 1500 com a
chegada dos portugueses no Brasil isso acontece, de uma forma diferente, mas acontece.
- A diferença é de que hoje ninguém está mal intencionado, no sentido dos portugueses de querer comprar
e tirar tudo o que for possível do índio. Hoje, a princípio não tem isso, mas a relação é a mesma porque a
gente chega com uma série de informações, a gente conhece o mundo e você está apresentando para ele
que ele desconhece. Muitas lojas ainda nos procuram atrás de um produto, mas as condições que a loja
necessita para comercializar este produto são, ainda, muito incompatíveis com a realidade do artesão.
- É uma necessidade, eles sabem que vendem um produto que custa X, no Brasil custa X, e o mercado vai
pagar X, os problemas entre a loja e o artesão, são em grande parte intermediados pelo designer. Vai
chegar num caminho, estamos caminhando para um meio termo, mas quem vai julgar? O designer? O
lojista? Bem, se você perguntar para o comerciante ele vai te dar uma visão de um cara que tem uma loja
no shopping caro que tem uma sacola que custa 8 reais.
- É um mercado que se abriu muito rápido. E por que isso? Por que a questão do artesanato vem se
expandindo a cada dia? E por que no Brasil?
(Tânia) - Na minha opinião é porque o produto brasileiro precisa de uma identidade, e vem buscando essa
identidade há muito tempo, e não é uma identidade industrial. E o designer? Bem quando eu saí do
Mackenzie, eu tinha uma idéia de que o produto tinha que sair da máquina prontinho, com uma série de
plastiquinhos, uma coisa Philip Stark. Minha formação foi para ser o Philip Stark, o cara que é empregado
de uma grande corporação ou de um escritório que está em todos os lugares e é pago para desenhar
81
produtos a serem produzidos em grande escala, que em qualquer revista você encontra um produto dele no
mínimo.
- Agora quem será o próximo Philip Stark se a indústria, hoje, copia os desenhos? Porque ela (indústria) vai
pagar para você hoje, pagar royalties, se hoje ela pega e copia um produto. É a realidade hoje. Assim como
o projeto terra tem uma realidade. O Brasil, a indústria, tem a sua realidade. E o designer quando se forma
e se depara com essa realidade de que não serão Philip Stark, sofre um certo impacto, por sua própria
formação.
- No caso de design automobilístico. O desenho de determinada curva pode até ser desenvolvido por um
brasileiro, mas o conceito é de fora. Eu trabalhei um pouco com moda e mudou um pouco minha visão das
coisas. Tem um pouco de preconceito porque o designer era visto como uma coisa inútil e fútil.
- E, na minha época, a moda era vista como o ápice da futilidade. E na verdade a moda, no Brasil, é um
evento muito interessante. É um mercado que cresceu bastante, que se desenvolveu e é uma das
empresas que mais fatura, não sei, enfim, e como na moda tudo é muito rápido, a questão da identidade é
bastante latente, a busca dos estilistas é muito interessante, porque eles tem que se renovar muito, e
sempre, e eles estão sempre procurando uma identidade para eles mesmos.
- Hoje a moda é ter uma customização na roupa. E essa forma de moda, de certo modo, é uma busca de
identidade. Não é a mais perfeita, mas é uma busca de identidade. E isso é muito interessante.
(Christian) - Só que a moda é muito rápida. Corta e costura, no processo de produtos as coisas são mais
longas. Demandam mais tempo.
(Tania) - Mas o processo é muito parecido, você pode sempre analisar o que acontece e como aconteceu,
guardadas as devidas proporções. O designer vai buscar a sua identidade, eu me lembro que eu estudei
em Milão nos anos 80, aonde eu encontrei Andrea Brandi, que é um arquiteto, um estudioso no tema, e ele
me dizia: “eu não entendo vocês brasileiros que vem até aqui para fazer o que a gente faz, vocês deviam vir
até aqui para fazer o que vocês fazem, quem vocês são, que cara vocês tem. Aprendam lá o que eu quero
ensinar para vocês aqui. A identidade das coisas”. Ele tinha um espírito romântico, e trabalhava em cada
aluno a sua própria identidade, que vinha provavelmente de seu próprio país. Eles entendiam que isso ia
diferenciar um design do outro.
(Christian) - Imagina-se que o Brasil é o país da Amazônia e tal, na verdade nós somos mais um país
exótico dentro do cenário europeu. E alguns são melhores e outros piores. E como diferenciá-los. Os
melhores serão aqueles que tem mais estrutura comercial, industrial, de “chegada”. Os asiáticos estão 50
anos antecipados nesta história, na nossa frente, porque eles têm muitos anos de experiência no comércio
na nossa frente com comércio de supérfluos.
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(Christian) - Na verdade não é supérfluo no sentido pejorativo, com as comunidades fazemos qualquer
coisa, o que dá para fazer, tem que ser um produto simples, sem tecnologia, porque não tem, e de rápida
saída e de um custo razoavelmente baixo.
(Tânia) - E por conta disso, nós designers, passamos por uma crise nossa, da intermediação, porque
chegamos em uma comunidade e constatamos que eles (artesãos) não precisam disso tudo. Na verdade
na visão do artesão ele precisa porque eles querem ser iguais às coisas moderninhas que aparecem na
Rede Globo, engraçado, quando mais “no mato” você se enfia, mais parecem as meninas da globo.
(Christian) - Numa cidade de 3 quarteirões todas as pessoas tem celular, num lugar onde gritando nos
comunicamos melhor. Nós, os urbanos, colocamos na cabeça do povo que na vida é essencial um celular.
Então ele precisa vender algo para comprar os supérfluo.
(Tânia) - Sim, porque muitas vezes não é fome. Na Amazônia onde temos mais experiência. Não vi
nenhuma criança desnutrida, não é bem pobreza. Aos nossos olhos parece pobreza, porque moram em
casas de madeira, dormem em redes, enfim, mas parece que a definição de pobreza não é essa. É fome
mesmo, é a falta de coisas básicas. Começamos a ver isso e a nossa relação com o artesão é muito
conflitante. E isso em qualquer lugar, na Amazônia e no interior de São Paulo. Falar de Benedixt, de Gabriel
Monteiro da Silva é um mundo à parte. Barueri, que é o último local onde desenvolvemos um trabalho, o
ponto mais sofisticado é Jaú.
(Christian) - Então quando você fala que através de uma iniciativa se processa uma relação, por exemplo,
uma troca/ transferência, sim, existe, mas somente do artesão para o designer e nunca do designer para o
artesão, porque ele não entende do que você fala. Pois não tem capacidade de entender, tem até o
segundo grau, não tiveram condições.
(Tânia) - Essa é a grande diferença que tem que se conseguir nomear, o que é o artesanato e o que é a
atividade artesanal. E o que aconteceu e porque aconteceu entre o artesanato e a atividade artesanal, e o
que aconteceu para que um fosse modificado até chegar-se no outro. Todas as dificuldades, todos os
problemas que foram enfrentados.
(Tânia) - O artesanato tem que ter origem, tem que ter tradição está sempre, ou na maioria das vezes,
ligado a objetos utilitários, mas não se desconsidera um trabalho artesanal que não seja útil.
(Christian) - Existem três coisas distintas, o artesanato, a atividade artesanal e o design. É o nó (mostra
uma toalha feita de nós) delas (artesãs), com a técnica delas com um material diferente, com uma técnica
aprimorada, para deixar rígido, para fazer uma coisa nova. Nós fazermos um paninho quadrado não é
design, é adaptação para o mercado.
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(Christian) (comentando sobre as rendeiras) - Elas (artesãs) não são artesãs tradicionais, elas são um
grupo que está se transformando numa associação que é o caminho burocraticamente mais curto e qual a
idéia do SEBRAE? É de que elas venham a se tornar pequenas empresas. Então assim, como nós
entendemos que ela irá realizar um bom negócio? Não é vender no interior, um bom negócio é que uma
BENEDIXT encomendasse delas alguns trabalhos, que elas trabalhassem por encomenda. Então é que
uma empresa grande lhes encomende uma toalha grande, bordada. Ainda é bonito, as pessoas gostam
disso, procura-se uma identidade, existem as rendas do ceará, isso é brasileiro. Então quanto mais se
estuda isso, mais se passa a respeitar, as pessoas gostam disso, o que tentamos fazer é transformar,
adaptar o artesanato em um produto comercial.
(Tânia) (sobre o NIDA) - Tem a proposta de questionar até que ponto o designer pode interferir, em que tipo
de artesão e em qual grupo. Mas saber se está certo ou errado você só descobre ao final do projeto,
quando você reavalia tudo que foi feito. Depende muito do nível de instrução do grupo
(Christian) - A influência do designer começa logo quando ele chega na comunidade pelo carro que você
está, pela roupa que você usa, etc., eles têm a idéia de que o designer é uma pessoa bem sucedida...
(Tânia) (sobre a influência do designer) - Analisar se esta é uma interferência boa ou ruim pode até
depender da ajuda de muitos assistentes sociais
(Christian) - Às vezes a boa intenção do designer não vale de nada, só atrapalha, ele pode estar causando
estragos em longo prazo, porque há a homogeneização do trabalho deles (artesãos), padronização,
significa que daqui a 20, 30 anos todos farão a mesma coisa.
(Tânia) (sobre o artesanato de uma determinada indígena) - Uma senhora indígena em Iguape fazia
panelas de barro artesanais, com formato e desenhos indígenas e a nossa intenção era de fazer testes
misturando a cerâmica dela com cipó e fibras da região, então essa senhora desenvolveu uns pratos, que
acabaram quebrando, pois o forno era somente para fazer panelas (pois era do que ela precisava), os que
sobraram estavam trincados. Mesmo assim nós pegamos o trançado de um outro grupo, porque a idéia era
de juntar dois grupos distintos no mesmo trabalho, e colocamos no prato indígena, mas no final do projeto,
quando fomos escolher com quais grupos trabalharíamos, achei melhor não trabalhar com ela, porque o
trabalho dela já era tão bonito, tão cheio de identidade e cultura que era melhor não interferir. Nós fomos
visitar um museu indígena na região e vimos que aquele trabalho era feito a mais de 500 anos daquele
jeito, então não tinha por que querer mudar, se você começa a mexer, alisar, tirar detalhes, dar importância
pro produto de uma outra forma, já não é mais o produto original, com a carga cultural e identidade.
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ANEXO C – Entrevista com Juliana Bertolini
O sebrae defende uma coisa, de que artesanato é quando o artesão faz todo o processo, ele extrai a
matéria prima da natureza ele viabiliza a matéria para ela ser empregada e ele desenvolve o produto final.
Isso já distingue, já determina alguma coisa do que a gente tem como artesanato por aí e de uns tempos
pra cá a gente deleta, passa a não reconhecer mais dessa forma, tipo comprar peças prontas e pintar,
encher de glíter, enfim, isso já se destaca um pouco e de fato tem uma relação com essas técnicas
ancestrais, coisas que foram adquiridas com a colonização e tal. No Brasil as raízes (vertentes) são muitas,
acho que até mesmo por isso é difícil identificar no design brasileiro exatamente como o artesanato
interfere, até por uma falta de familiarização com os ícones, por exemplo, no México ou qualquer outro país
Latino que tem uma raiz indígena muito forte, de certa forma única, é muito mais claro se perceber tanto no
design gráfico como no design de produto, que as questões de origem estão muito mais enraizadas nas
vidas das pessoas do que aqui.
O eu acho que falta para o artesanato brasileiro, é sair desse nível de tapetinho que a tia comprou na feira
tal, o objeto que viu na lojinha da ONG, enfim... Falta sair desse patamar e gerar uma coisa que você vê
numa loja de design cara, mas de uma forma natural, não como uma peça: olha artesanato... Ele já vem
com um adjetivo mais pejorativo, é frágil, é barato... Em tese essa relação é um pouco cultural...
A segmentação dos ramos do artesanato:
Acredito que o que vem da matéria pronta também pode ser considerado artesanato sim, porque quando a
tiazinha compra lá o novelo e transforma em uma toalha, uma capa de almofada, a maneira como ela faz
aquele ponto do bordado, do crochê, carrega de certa forma essas características culturais. Um ponto que
ela aprendeu com a mãe que aprendeu com a avó... Acho difícil e chato a gente limitar essas definições,
determinar onde começa e onde termina uma e outra atividade. O mais legal disso, que é uma coisa
importante para o design nesse âmbito artesanal, é a relação que o artesão tem com o produto que ele
desenvolve e que o designer muitas vezes perde justamente pela questão oposta que é a indústria. O
artesão tem uma relação quase afetiva em transformar a matéria que é uma relação que o designer
esquece um pouco e que tem muito a aprender com essa visão, por isso é legal ter essas discussões sobre
as possíveis relações entre design e artesanato, acho que de certa forma a troca pode ser recíproca.
O designer pode sim ajudar o artesão, a colocá-lo num nível mais comercial porque essa atividade
realmente carece de visões desse tipo, até por essa relação que ele tem com a peça, de achar que algo
único, como um filho, que ele não consegue fazer outra igual, enfim, ele até consegue, mas se colocar isso
como uma meta, se mostra pra ele como uma visão quase louca.
Tem algumas atividades dentro do design, que apresentam sim esse tipo de relação mais emotiva com a
matéria e com a peça, o Mauricio Azevedo, por exemplo, é um designer que trabalha com madeira e ele
estabelece essa coisa de saber esperar a madeira chegar no momento certo, saber o quanto vais inchar,
85
etc. Os móveis dele são verdadeiras obras de arte e isso talvez derive dessa entrega no momento da
confecção do produto, da transformação.
Eu acho que dentro do design existe espaço para estabelecer diferentes formas e níveis de interação,
quando se trata de confecção artesanal artística e industrial. O próprio Mauricio Azevedo consegue
estabelecer a produção de alguns itens seus em escala (50 peças, por exemplo). Você pode ter escalas
menores e escalas maiores, você vai ter produtos especiais em escalas menores com preços mais
elevados e você vai ter produtos baratos, feitos de maneira mais fácil, com material de fácil acesso
produzido em escala industrial. O que eu acho que seria interessante era o designer tentar transpor para
essa escala industrial um pouquinho dessa maneira de pensar da escala artesanal, um toquinho a mais que
se perde muito facilmente no âmbito da produção em série.
O design não pode ficar viciado nele mesmo, isso é um erro. Se você for desenhar uma cadeira, ficar
olhando para todas as cadeiras que existem pra se inspirar é um erro. Você pode sim lançar um olhar para
coisas similares, mas tentar buscar referencias que possam ajudar a alcançar aquilo que você deseja
despertar com seu produto. De repente buscar no artesanato uma forma, um trançado pode ser um
caminho. Artesanato é realmente uma fonte grande tanto metodologicamente, como plasticamente, enfim,
tudo.
Acredito que seja possível, o designer buscar essa referencia, pode ser inspirar em determinadas técnicas
enfim, sem nenhum tipo de intervenção. Não vai ser a mesma coisa que intervir na forma como o artesão
faz, e sim dar um diferencial para o seu produto.
Viver do artesanato no Brasil é complicado. Se bem que cada lugar tem uma realidade. O fazer da industria
brasileira tinha muito a aprender com o artesanato e o artesão, até mesmo por essa falta a falta de
elasticidade de pensamento. Você pede pra uma pessoa que costura calçados, fazer uma coisa um
pouquinho diferente, é uma dificuldade enorme, e isso é muitas vezes falta da habilidade prática que é falta
de informação, de formação específica que é um problema que a indústria brasileira em geral sofre. E
quando o cara é muito bom o cara é artista, então essa habilidade prática para esse tipo de campo que é
tão importante para o design é que faz a diferença, seja para uma empresa grande ou para uma empresa
pequena, mas principalmente nas pequenas.
Quando o próprio designer tem essa habilidade prática, essa coisa de por a mão no material, saber
reconhecer e distinguir isso dá uma luz para o design, consegue através de uma habilidade prática
desenvolver um projeto. Manipular material eu acho muito útil, falando dessa relação que a prática tem com
o material, é um processo de desenvolvimento de projeto muito interessante, o designer no sentido de fazer
design tem muito ainda a aprender. Porque quando você pega num projeto que está rabiscando,
descartando e relevando essa ou aquela idéia, então me deixa começar a trançar que quem sabe daí surge
uma grande idéia, a gente pode ter não só na questão visual, estética e formal, mas mesmo na questão
ergonômica, se consegue definir um projeto colocando a mão.
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Eu pessoalmente sou assim, qualquer coisa que eu faça, se eu não pegar, colar, recortar, colocar a mão,
não sai. As se tem que ter esse tipo de relação, mesmo às vezes tendo de entregar o papel, o projeto, acho
indispensável isso.
Pensando na definição de artesanato também como um processo de manualidade, acho que dentro desse
design mais diferenciado, dentro de uma produção pequena, dentro da moda existe sim, efetivamente essa
relação entre o design e o artesanato, agora, pensando em indústria, eu realmente acredito que a indústria
está muito viciada, que ela tem muito que olhar para trás, por uma questão de identidade, tem que fazer
alguma coisa que chame a atenção dos olhos e ela têm uma dificuldade parece que uma regra no jeito de
realizar. Um lance de fazer as coisas sempre da mesma forma, então eu consigo enxergar isso, projetos
muito diferenciados, que produzem em escalas muito pequenas, não é nada muito considerável e acho que
isso tem muito a ver conforme o mundo está estrutura, essa coisa de globalização, enfim...
O Brasil é atrasado em aspectos tecnológicos, e ao invés dos empresários pensarem as coisas de trás para
frente, acham que a coisa é comprar máquina e tentar se equiparar ao mercado produtivo em aspectos de
produção, até os selos de qualidade hoje se voltam muito pra isso, não que não seja necessário, mas se
fizéssemos o caminho inverso, porque a China ta aí, os caras são muito melhores, produzem em
quantidades bem maiores, com mais rapidez, enfim, não adianta buscar espaço no mercado mundial
tentando competir com isso. Se de repente eles tentassem imaginar um mercado com produtos
diferenciados, quem sabe sim em menor escala, falando de alguns segmentos e alguns meios de produção
é claro... Mas acho que o Brasil tem uns vinte anos de diferença em termos tecnológicos, atrasado vinte
anos, de repente fazer um caminho diferente, o caminho que a Itália faz por exemplo.
Uma coisa no artesanato que também se é válido pensar, é a questão da matéria prima, como o artesanato
é um processo lento, você pode utilizar determinadas matérias primas, num processo que não ser rápido
sem causar danos. Isso também diferencia muito o artesanato de um processo onde a demanda de
confecção é rápida. Pode-se se usar a lã de algodão que num momento bruto pode ser feio, mais que o
emprego de algumas técnicas se tona algo mais bonito esteticamente. Para o Brasil está mais fácil a lã de
algodão, o capim, enfim. Não que não tenhamos também acesso a materiais industriais, mas a gente tem
processo aqui, nossos, que com o uso do pensamento do design, podem resultar em coisas muitos
interessantes, mesmo que não seja dentro de um processo industrial, com o uso de tecnologia mais de
ponta. Nisso a gente têm tênis como a Dakota produz, aquele ventilador do Guto Índio da Costa, que foi
descoberto dentro de uma fábrica de fitas cassete... Dá pra fazer, mas mesmo isso tem um pouco a ver
com o artesanato, que é a coisa de olhar um pouco mais para o próprio umbigo, se eu for desse tamanho
eu vou fazer desse jeito, não adianta eu ficar vislumbrando algo que pode sim acontecer mas muito a longo
prazo, como o alcance de tecnologias distantes.
Acho que através da relação com o material, da metodologia e da maneira de pensar o design é que se
poderá estabelecer uma relação mais efetiva, mais significativa com o artesanato. Eu vejo mais por aí do
que pela estética em si, pela forma, mais pela maneira de como solucionar os problemas da relação que se
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tem com projetos, essa maneira de resolver os projetos, olhando para o umbigo. Uma coisa mais de dentro
para fora. A parte mais relevante é essa.
Acho complicado que o artesanato, culturalmente vire uma coisa como a industria, não vai acontecer, fazer
com que ele se nivele com a industria, em termos de produção e aceitação. Estas barreiras são quase
intransponíveis, por uma questão cultural mesmo. Vamos ficar com o nosso tamanho resolver as coisas que
a gente vai ganhar muito mais.
O pensamento do SEBRAE é geração de renda, tirar o artesanato do hobby, do passatempo e
profissionalizar, um pouco pq eles sentiram que isso era uma maneira de gerar dinheiro, porque ta
chamando a atenção porque está desenvolvendo mercado para isso, só faltava realmente profissionalizar
mesmo.
É super problemático trabalhar com essas comunidades. Você vira meio designer, meio psicólogo,
encontra-se problemas de ordem psicológica; estrutural; familiar, enfim. Se Lida com situações críticas,
porque são pessoas com dificuldades reais, de estar trabalhando com um grupo e a pessoa não vir pq teve
problemas com o marido, pq o filho adoeceu, pq não tinha dinheiro pra vir. Tem que tomar cuidado, pra não
ficar com pena e coisas do tipo, tem que estimular, através do trabalho mesmo. É muita gente carente, as
referências são outras... Você um monta um mostruário, por exemplo, começa a vender de repente chega
na hora do pedido, a pessoa surta, não consegue cumprir prazo, entregar na data... Tem que ter uma
pessoa estruturada lá dentro pra poder orientar.
O papel do design no instante da intervenção deve ser o mais respeitoso possível, sem alterar as técnicas
originais e sabendo colocar para o artesão, o porquê precisa melhorar em algum aspecto. Explicar porque
de repente substituir aquele material por outro, talvez por fragilidade, o outro estava arrebentando, estava
soltando o trançado, tem que provar o porque disso e não daquilo. Ao mesmo saber qual é a hora certa e a
necessidade de intervir desse ou daquele jeito, porque quando se fala de substituição de material é algo
que no projeto final resulta numa diferença gritante na qualidade até mesmo na atração de compra. As
vezes se acha que vai melhorar por um aspecto e não acontece isso. Exemplo: Um cara que fazia um
oratório todo em madeira, inclusive a dobradiça, aí pediram para ele substituir por uma de metal, por de
repente acelerava o processo, acabou descaracterizando absurdamente o trabalho. Isso no meu ver é um
absurdo, uma coisa que para ele fazia parte do processo, que era fácil de fazer foi substituído e acabou
gerando uma perda muito grande de caracteres no final. Tem que ter esse cuidado então.
Saber como se envolver, como você vai estimular, como impor limites e respeito, não colocar distâncias no
relacionamento, não pode se colocar como chefe, como alguém que sabe mais do que ele (o artesão), o
designer tem que colocar que sabe tanto quanto ele só que de coisas diferentes, uma relação de troca
realmente, porque às vezes ele como um prático pode solucionar problemas do projeto que nem o designer
mesmo tem noção.
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Para resumir, precisa de muito bom senso para não desvirtuar formalmente e a relação que o artesão tem
com material. Às vezes, o processo mesmo que demorado, é viável, vale mais manter a relação que o
artesão tem com a peça e alcançar um resultado bom, do que tentar criar uma “linha” de trabalho, no
sentido de um começa aqui na base e outro vai compondo o restante mais à frente e o resultado final não
ser bom. O artesão tem essa coisa de começar e terminar a peça, e às vezes isso é válido, é uma questão
de bom senso mesmo, como as vezes mostrar também o contrário, que isso é uma coisa positiva, que gera
produtividade saber dividir as tarefas... É muito relativo de situação para situação.
Se não houvesse essa necessidade de tornar a coisa vendável, poderia ficar naquele processo antigo, de
feitio individual, mas a partir do momento que a atividade for encarada como uma maneira de ganhar
dinheiro, tem que responder ao mercado de uma determinada forma e daí não tem jeito, tem que adotar
outros parâmetros. Alguns grupos têm dificuldade com criação, tem idéias não vendáveis, do tipo muito
carregada mesmo, (brega), tem que saber argumentar nesse sentido, explicar que não vai vender, que se
for feito de forma de uma forma diferente pode se tornar mais lucrativo. Nesse instante o Designer está
aplicando seus conhecimentos em prol daquela comunidade, daquele grupo.
Quando se fala de um grupo isolado, que apresenta algo bem da terra mesmo, quase indígena, que não
sofreu nenhum outro tipo de intervenção conceitual, uma coisa pura, nesse caso a intervenção deve ser
evitada. Outra coisa é quando se fala de uma técnica mista, que sofreu influencias e alterações ao longo
dos tempos, você pode intervir mais facilmente, dando noções de cor, de tendências... (Caso do crochê, do
amarradinho, fuxico, etc), nesse caso, você depende de uma forma melhor, mais bem vista comercialmente
falando, pq de repente a própria técnica nem é tão interessante assim, então uma injeção de novas
possibilidades pode ajudar, contribuir positivamente.
A relevância desse tipo de estudo é grande, o designer tem a mania de questionar muito, até um pouco
porque o designer é filho não sabe-se bem de quem, uma mistura da arquitetura, com as artes plásticas,
até um pouco do artesanato e fica-se um pouco perdido tentando achar as próprias raízes e uma das
maneiras de inventar o novo é de repente se voltar para as próprias raízes. O que é mais relevante pra mim
é a questão de enxergar o próprio umbigo, fazer o design de uma maneira brasileira, pensando em Brasil
mesmo, tendo os pés no chão, estabelecendo uma relação com o material, mais humana e maneira de
fazer com alguma alma, que se coloque uma diferenciação que salte os olhos, que não se caia na
mesmice, sem deixar que a necessidade de solucionar um problema domine e não permitir que se faça
DESIGN realmente, ou fazer de uma maneira menos relevante. Descobrir maneiras novas para aplicar
mesmo em busca dessa solução de problemas, quando estudado um tema, se pode mesmo descobrir
novos métodos para sugerir, até em termos de metodologia. Olhando por um âmbito acadêmico, acho sim
que falta discussão nesse sentido dentro das universidades e cursos como o Desenho Industrial, mas se
deve olhar pelo lado, que de repente mesmo não levantando esse tipo de questionamento, a universidade
propicia o aluno embasamento para formar opiniões próprias e abordar sozinho essas questões. Saber por
onde começar, como montar um questionário, como buscar informações, como estruturar o pensamento
dessa ou daquela forma, isso é relevante. Essa busca pessoal sempre vai existir e é ela que vai criar um
diferencial para o mercado.
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ANEXO D – Entrevista com Eugênio Ruiz
- O quê você considera Artesanato, como define a Atividade Artesanal:
Eu não considero como atividade artesanal, aquele tipo de trabalho desenvolvido com garrafas de PET,
retalhos de costura, etc. No meu conceito, artesanato é uma atividade que está mais voltada para tradição,
aquilo que é passado de geração pra geração dentro de uma comunidade que é tradicional. Pra ficar bem
claro, aquele grupo, aquela comunidade que extrai a matéria prima, que elabora o trançado, monta uma
peça utilitária, faz um pote de barro, esse tipo de atividade a priore está muito mais ligado ao repertório
cultural. Quando se fala de uma atividade de uma ONG urbana, que pega restos de uma tecelagem e
desenvolve uma colcha de retalhos, isso no meu ver não pode ser considerado artesanato, não tem cultura,
não tem referências. Eu considero isso daí “reciclagem”, ou qualquer outra nome que se possa dar, mas
não artesanato, justamente por não se tratar de uma técnica passada para ela.
Quando se fala de projetos industriais que buscam referências em determinados lugares e culturas, como a
NATURA que tem linhas de produtos com base em plantas da Amazônia, etc, isso é o designe, design
procurando o resgate. Mas isso também não é artesanato, aí já é o mercado, fazendo uso de marcas
regionais, do enfoque da tradição, etc.
A partir do momento que existe a produção em série, aí já deixa de ser artesanato, mesmo que seja uma
série de 10, 1000 ou 100000... O cara que faz 10 vasos com base em um molde, já não pode ser
considerado artesão.
Em alguns casos, quando se denomina uma atividade como artesanal, está-se querendo dizer apenas que
aquela atividade é “manual”.
Comercialmente eu considero válida a intervenção do designer numa atividade artesanal, por tratar-se de
um profissional que carrega uma visão de mercado, que acompanha o ciclo de um comércio, é fácil para ele
chegar e definir quais as melhores formas de desenvolver o produto, de fazer com que esse produto se
torne comercializável. Agora até que ponto esse tipo de intervenção é válido para a comunidade que
preserva e carrega as tradições na confecção dos produtos.
Um exemplo claro para definir meu conceito de artesanato, aquilo que é realizado nas aulas de cerâmica
aqui no laboratório, no meu entender isso não tem nada a ver com artesanato, porque se está projetando
uma peça, que inicialmente é modelada manualmente, mas que depois terá uma produção (tiragem)
limitada, que pode ir para uma exposição ou não, que pode ir para uma loja ou não, enfim...
- Existe ou não a possibilidade de haver uma relação direta entre o artesanato e o Design:
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Acredito que essa possibilidade exista, se for levada para o cunho comercial, no sentido de você criar as
marcas: Marca Brasil, Marca São Paulo, Marca Tribo X... Mas acredito mais ainda, que as visões entre uma
e outra atividade devem ser diferentes. A definição para designe com base nas publicações “x” e “y” é essa,
a definição para artesanato tomada como a base à opinião das pessoas entrevistadas, é “y” e “z”. Para a
realização do trabalho de vocês, acho que vocês devem partir de uma premissa. Alguém na banca pode
chegar e questionar ou dizer o contrário, mas cabe a vocês reafirmarem que estão partindo com base no
que lhes foi revelado através das entrevistas e da opinião das pessoas ouvidas. E depois, é fazer a co-
relação entre um e outro, seja através de explanações acerca da importância que um tem para o outro, seja
em torno de algo mais específico.
Eu acredito que esse tem está sendo discutido e visto há bastante tempo, no entanto, não existem
publicações nessa área, livros e pesquisas que tratem do assunto. O interessante nessa questão de fusão
dos dois temas, design e artesanato, ou mesmo a interseção dos dois, é ver o quanto isso não deixa o
produto duro, a mão do artesanato, a linguagem do artesanato, os materiais utilizados... Acabam dando um
diferencial ao produto final. Eu acho que as pessoas buscam hoje um produto que tenha uma personalidade
própria e o artesanato pode transmitir essa linguagem, então voltando ao tema, ao questionamento inicial,
acho sim que a possibilidade exista, uma vez que o designer, o profissional, busque referências artesanais
para empregar no processo industrial. Isso sim é cabível no Design, essa sacada do “resgate” já valoriza o
produto.
A respeito de nomenclaturas e definições para esse suposto segmento do design, acredito que deveria ser
algo parecido com “Designer artesão”, que seria o profissional se preocupa em criar na região dele, no
trabalho dele, no lugar lá onde ele foi se implantar para desenvolver o artesanato de uma maneira mais
eficiente para criar renda, criar um mercado de trabalho. Afinal, existe Design de cabeleireiro, design de
moda... Então esse também pode ser o Design Artesão.
- No atual panorama é possível identificar alguma relação entre o design e o Artesanato Brasileiro:
Não consigo enxergar, pode ser uma limitação minha em função de eu ser muito técnico, não consigo ver
uma marca de artesanato brasileiro. Eu consigo ver dentro do país algumas vertentes de artesanato, por
exemplo, que eu vou Bahia eu vejo lá um artesanato Bahiano, se eu vou para Embu eu identifico um
artesanato de lá, se eu for à tribo lá na Amazônia é outro. Mas eu acredito que não existe até aí nenhum
tipo de relacionamento com o design, talvez casos isolados que eu não tenha conhecimento, mais uma vez
pode ser uma limitação minha, porque eu não identifico que essa relação exista nitidamente hoje.
- Através de que iniciativas e processos o design pode ou poderá estabelecer uma relação efetiva com o
artesanato?
A Iniciativa sempre vai ser ou de meios acadêmicos, ou de órgãos governamentais como o SEBRAE,
associações ou de instituições, etc... Até mesmo pelas dificuldades burocráticas que existem por trás disso.
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Uma pessoa sozinha, por iniciativa própria não poderia fazer. Se você parte daqui, isso tudo acontece
naturalmente, exemplo, a Universidade pode estabelecer um projeto, enfim, levar um grupo de alunos, um
professor mestre e um doutor para desenvolver uma pesquisa em uma determinada região (EMBÙ) fazer o
levantamento e tentar definir o que é o artesanato do Embu, uma região que criou aquilo, que são craques
em fazer artigos artesanais, então a equipe vai lá, vê, estuda e depois avalia se tem como o Designer
interferir de alguma forma benéfica naquele processo, a fim de melhorar a comercialização e provavelmente
o designer vai mais aprender do que interferir. Primeiro se aprende depois se avalia como se pode melhorar
isso ou aquilo pra, por exemplo, exportar o material EMBU marca Brasil...
- Existe uma real relevância ou interesse por parte dos Designers de quê esse tipo de interação ocorra? Por
que?
Eu vou falar por mim, acho que assim, no meu ver tudo bem, acho que sim, nesse artesanato que tem fins
lucrativos, onde eu vou gerar dinheiro, renda para as pessoas. Com a intenção de prender a pessoa na
região. O designer tem que posicionar como o profissional que vai passar conhecimentos técnicos para o
artesão. Contribuir passando uma visão de mercado. Que outra atividade ou profissão poderia fazer isso
senão o Designer, acho que é o designer mesmo que tem que trabalhar em cima disso.
- É possível perceber esse tipo de intervenção (do Design no meio artesanal) como um fator positivo ou
negativo? Em que aspectos?
Se eu fosse um purista, eu acharia que não deveria interferir. A mesma coisa que fizeram com as tribos
indígenas, que a intervenção da cultura ocidental descaracterizou completamente a cultura dos caras. Em
poucos anos isso acaba desaparecendo por completamente. Acho que o de mais puro que a gente tinha,
desde o próprio produto que ele fazia, isso se perdeu... O homem chegou lá e disse que ele tinha que
mudar isso e aquilo pq os turistas gostavam mais, compravam mais... Portanto se eu fosse um purista
acharia isso o caos, se ela deve acontecer e como acontecer deveria ser de uma forma menos invasiva em
menor escala possível. O que se deve fazer é dar subsídio para o cara para ele ganhar dinheiro, mas não
interferir no sentido faça assim ou faça assado. Pode-se até opinar em melhorias no processo dele, mas
com cuidado. Volto afirmar, mercadologicamente a intervenção é ótima, porque se proporcionam condições
para o artesão, agora naquela definição de artesanato cultural, que carrega referências e raízes, daí eu só
consigo enxergar como algo negativo. Para o designer entrar num lugar desse e desenvolver um trabalho
consciente ele precisa ter muita condição, muita noção de metodologia, ética, antropologia mesmo. Eu por
exemplo, que sou um profissional bem mais técnico, chegaria num lugar desses e em três meses eu
destruiria tudo... A Formação do designer aí é muito importante, uma formação menos técnica, mais
embasada em cultura e história.
Sabendo que nosso país é pobre, que precisa de idéias que colaborem com a melhora do mercado,
aumente as opções de renda e trabalho, acho que a interferência seria muito boa se acontecesse
conscientemente.
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– Como criar um diferencial qualitativo ou um diferencial comercial para os produtos artesanais, de formas a
valorizá-los no mercado preservando suas características de origem e diferenças regionais?
Acho que o diferencial seria de o Designer perceber aquele objeto de artesanato, de formas a captar a
essência de quem está produzindo, trazer isso para a industria a carga referencial que ele tem... Buscar um
diferencial comercial, de repente fazer uso de determinada matéria-prima abundante na região, o caso de
Minas Gerais que tem como referencial para artesanato a produção de peças em pedra sabão.
– Você acredita que o estudo desse tema seja relevante?
No nosso país, grande como é em dimensão, de norte a sul percebe-se diferencias culturais e apesar da
Rede Globo, apesar da Televisão e apesar dos grandes centros esses produtos são muito peculiares,
diferenças incríveis. É possível identificar quando um produto é do Sul, quando um produto é do Norte.
Acho de grande relevância sim o estudo, e mais o estudo que tenda a dar ao Brasil uma cara própria. Eu
como designer, estudado, saído de uma Universidade, como posso interagir da forma correta junto aos
grupos artesanais.
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ANEXO E – Entrevista com Marcos D’Assunpção
Sobre a relevância do estudo do assunto:
- Ele é relevante? Sim, ele é extremamente relevante. Por quê?
- O artesanato tem uma função social, não só de inclusão social, mas de geração de renda, e no meu caso,
como eu trabalho com artesanato têxtil exclusivamente, é uma coisa muito ligada à moda, muito ligada ao
dia a dia das pessoas, isso é uma coisa constante, vai ser sempre assim, então tem continuidade, não só
para geração de mão de obra, mas para formação de pessoas e alternativas para essas pessoas terem
renda complementar à que elas têm, inclusive no sentido familiar, onde você tem uma pessoa que faz
artesanato têxtil e as pessoas da família que trabalham junto, isso dá integração, então é importante.
- E por que também é importante o designer?
- Porque quando você tem, geralmente mulheres, falo mulheres porque é a minha experiência, porque 90%
das pessoas que fazem artesanato são mulheres. São mulheres da periferia ou de áreas de grandes
metrópoles, que buscam outra alternativa de trabalho, outras alternativas de lazer.
- São mulheres muito focadas no dia a dia, em cuidar dos filhos, do marido, é uma coisa tão fechada e tão
constante que eu acho que elas saem do mundo normal e entram no mundinho delas, muito fechado, e
quando ela ta na periferia ela tem uma relação muito próxima com o que a cerca, mas não é uma relação
tão aberta, uma relação de troca de informações, porque a vizinha dela tem as mesmas limitações que ela.
Então quando elas procuram o artesanato têxtil é, também, uma forma de procurar um outro mundo, um
outro olhar, uma outra maneira de ver as coisas.
- E aí você se depara primeiro com sua situação socioeconômica, não há 100% de comprometimento,
porque tem todo um problema familiar, todo um problema dentro de casa, então quando ela chega, num
primeiro momento é isso que ela está tentando resolver, só que quando ela tem contato com o artesanato,
ele deixa de ser um processo profissionalizante e passa a ser um processo de sensibilização, ela recupera
a auto-estima, passa a gostar do que faz, ela vê cores, descobre que ela pode costurar, é uma descoberta
dela através do artesanato, ela vai crescendo nesse processo, consegue uma série de estabilidades na vida
dela, se relaciona.
- Chega um momento que ela tem que trabalhar com isso, eventualmente ela pode ser uma
empreendedora, chega um momento que aquilo que ela aprendeu até agora, o contato, a sensibilização, já
foi bom para ela, talvez lá não precise mais disso, mas algumas querem sim ir para frente e fazer algo mais
empreendedor, começar a trabalhar sozinha, ou montar uma ONG, que é o nosso caso, que fazem um
grupo de produção para que elas possam ganhar dinheiro. Nesse momento, entra, não só a figura do
designer como a do professor também, no sentido de mostrar para elas alternativas, novas formas de ver
aquele produto, formas de fazer aquele trabalho, mais “mercadológico”, não sei se seria bem
“mercadológico” o termo, mais vendável, mais receptível, que esteja mais em consonância com o que as
pessoas têm fora. Isso tem um problema, porque quando você pega a situação dela, ela tem uma visão de
vizinhança, aquela coisa muito próxima, de periferia, então tudo que ela produzir, que ela vender, vai ter
mais aquela realidade, ela não tem a realidade do mercado fora, então, nesse aspecto, o designer pode
ajudar um pouco.
- Como o designer pode ajudar também?
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- No sentido da relação, quando ele começa a fazer um trabalho acompanhado da artesã, é um trabalho
social também que ele está fazendo, deixa um pouco aquela coisa meio dura do design industrial e passa a
ter uma coisa artesanal, do manual, isso traz uma aproximação da sensibilização através desse processo, e
muitas vezes, as artesãs têm uma relação mais íntima com a professora, com o designer, porque é
resultado disso, ela se sente aceita na hora que você fala: “– Olha, faz esse bordado dessa, ou daquela
forma, você vai ver como vai ficar bonito”, então é alguém que falou alguma coisa boa para ela, ela viu,
gostou, introjetou aquilo para ela, você se torna importante para ela.
- No ponto de vista da ONG, o designer é visto como alguém que abre portas, porque você está em contato
com as pessoas, além de ser uma pessoa com uma visão muito boa para a hora que esse artesanato
passe a ter uma escala “industrial”, uma escala um pouco maior que a artesanal. Esse é um grande cuidado
que a gente tem que ter para não perder as características de artesanato e manualidade. O designer vai
enxergar o que ela faz (artesã), colocar aquilo numa certa forma de produção, mas sem alterar as
características originais.
- Tem certas vezes que a intervenção do designer pode ser vista claramente como comercial, o cara que
chega lá e consegue enxergar como o cara do mercado, mas tem muitos casos de free lancer que a gente
recebe, são pessoas independentes que criam algum produto para produzi-lo, isso é legal, muito embora
exista o distanciamento da relação entre o artesão e o designer. Nós já estamos começando a fazer um
trabalho de aproximação, onde o artesão aprende com o designer, mas o designer também aprende muito
com o artesão.
- Às vezes o designer chega na casa de uma artesã e vê algumas coisas julgadas como “fora de moda”,
uma toalhinha de crochê, um tapetinho, um quadrinho bordado e consegue ver aquilo com uma visão de
mercado, mas elas (artesãs) vêem aquilo como algo que faz parte do seu dia a dia apenas, a artesã não vai
mudar essa concepção das coisas, ela vai entender que alguém chegou lá e falou que aquilo poderia ser
rentável, então, essa relação é muito legal, que ela vai vender algo que para ela era normal, vai fazer
sucesso fora e ela vai ficar feliz com isso. Isso é uma coisa muito gratificante para ela, porque a hora que
ela vir esse trabalho exposto ou vendido, ou uma emissora de TV vem fazer uma entrevista com ela, aquilo
consolida uma coisa de capacitação.
- O que também acontece nas grandes ONG’s, nas grandes instituições que trabalham com pessoas
necessitadas, são pessoas que se dedicam, que às vezes dão o tempo de lãs para estarem ali, então o
designer também precisa de dedicação e é uma dedicação um pouco diferente, envolve mais sensibilidade,
de ele enxergar mais o outro, da intangibilidade, da transformação.
- Intangibilidade: da mesma forma que você tem o trabalho, quando você vai a um banco, você está sendo
atendido por um serviço, aquilo é uma coisa intangível, você recebe o trabalho, naquele momento você
reage ao resultado e fica feliz ou não. No trabalho social é mais ou menos assim, quando o designer chega
e começa a fazer aquele trabalho não é em si a peça que ele produziu que é o resultado da transformação,
e sim o processo que aquilo aconteceu, tem que ser encarado como algo intangível e que vai demorar um
tempo para chegar lá, e qual é o resultado?
- É uma pessoa incluída socialmente, mais feliz, com auto-estima, os resultados são mais lentos.
- Industrianato: é o produto sem o conceito de manualidade, de envolvimento, segue uma linha de
produção, o que é o grande problema do artesanato brasileiro, que tem como grande concorrente o
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mercado chinês. O designer, nesse aspecto também é muito importante, porque além dele dar uma nova
audácia, um novo olhar para determinado produto, adequado àquilo que está acontecendo no mercado,
usando a releitura de uma técnica artesanal, produzindo um produto diferenciado, apto a concorrer com o
produto chinês, asiático, porque lá (China), você tem uma mão de obra muito barata e em abundância, aqui
você tem mão de obra também, mas não tão articulada, mas que faz um produto totalmente diferenciado,
porque o diferencial do produto artesanal é o que você vê que é único, mesmo você tendo várias peças,
você vê que o estilo de um ponto para o outro muda, o estilo de compor as cores, etc.
- O processo de intervenção e de influencia tem dois “pés“, um mais objetivo e racional, por que? Porque o
artesanato, por mais simplista que possa ser, hoje ele tem uma visão de qualidade absurdamente levada a
sério, qualquer ONG sabe que qualidade é fundamental, porque a concorrência é muito forte e não existe
diferencial, você não vai ser tratado diferente por ser uma ONG. Os prazos são os mesmos, as formas de
pagamento são as mesmas, então a cobrança de qualidade é enorme. São duas coisas: qualidade e
diferencial de produto, de preferência um diferencial dentro da manualidade.
- Artesanato: é uma coisa única, manualizada, feitas por pessoas uma herança familiar cultural e que seja
uma forma de alternativa de renda, é sempre feito por uma pessoa que tem percepção diferente, uma
cultura própria.
- Artesanato Regional: fica em uma cidadezinha, tem um sujeito que trabalha com bambu.
- Artesanato de Periferia: tem uma herança regional, no caso de São Paulo, principalmente no Nordeste, e
ali fazem e aprendem alguma coisa, ainda não está clara a globalização em função dessas pessoas
envolvidas, como se resgata isso, se é que há algo para se resgatar, ou como trazer esse pessoal para o
mercado de trabalho, como trazê-lo para fazer artesanato, porque essas pessoas vêm mesmo porque
precisam de dinheiro, e é uma alternativa rápida e fácil, aparentemente.
- O ponto em comum entre todas as vertentes de artesanato tem que ser a manualidade, do objeto único.
Sobre o interesse do designer de haver a interação com o artesanato:
- A gente tinha uma designer trabalhando com a gente, parecia ser lindo e maravilhoso, hoje já questiono
um pouco, porque, digo isso baseado apenas nesta minha experiência. Essa pessoa acaba sendo
confundida, no começo, com a pessoa que faz o relacionamento, que faz o comercial.
- Há o interesse também nessas pessoas que já tem uma necessidade de profissional de designer, de que
ela fazer um trabalho, geralmente com arquitetos eles vêm com uma alternativa e pedem para produzir,
interessado no diferencial que é a mão de obra artesanal, ou por uma questão de posicionamento ou
responsabilidade social, ou para valorizar seu produto ou até para uma confecção própria dele.
- O que se está fazendo de novo é aproximar o estudante de designer com este trabalho, um trabalho não
constante, mas específico de tempo em tempo você ter um designer ou trazê-lo para alguma coisa e fazer
daquilo uma forma de trabalho dele, porque tem ali uma mão de obra que pode até ser barata, mas não
pode haver abuso disso. Não tem um conhecimento tão grande por parte dos designers dessa
possibilidade. Outro problema pode ser a visão que o designer tem do artesanato, o designer é muito
imediatista.
- Quando você trabalha numa ONG, você tem que ter comprometimento, não só para ser bom para seu
currículo, mas você vê, até de uma maneira intangível, a gente percebe que aquilo contribui para sua
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formação, sua visão, assim como o designer vai mostrar um outro olhar para a artesã, a artesã com a
realidade dela, mostra qual a realidade que está atrás daquilo, é um processo de auto valorização, que as
pessoas tem que ter capacidade para poder chegar, principalmente profissionais que lidam diretamente
com a sensibilidade (designer, arquitetos, etc), pessoas com um contato mais próximo(moda, psicóloga(o),
assistência social) isso tudo acaba trazendo uma interdisciplinaridade muito forte.
- Acho que a visão do designer está muito fechada ainda, muito focada no produto, você desenvolve um
produto, aquilo empolga, você dá de cara com os opinion leaders, depois seu produto sai do mercado e
você tem que se reciclar, com o artesanato já é diferente, tem algo que fica além do produto, que é a
qualidade de vida daquela pessoa que você ajudou, você pode até colocar no seu currículo, mas com
classe, com categoria, mas é uma outra visão, menos mercantilista, eu diria.
- Na ONG Aldeia do Futuro, nós nos preocupamos com a questão do preço do produto, porque às vezes o
preço é decidido fora, sem a participação da artesã, o que dificulta o processo, porque sem a participação
dela você corre sérios riscos de prazo de entrega e tudo mais. Até na hora de negociar, o cara pede
desconto, se pode ser mais barato, e com a ajuda da artesã isso fica mais fácil, ela sabe quanto seu
trabalho vale.
- A partir de atitudes como essa o espírito empreendedor da artesã pode ser despertado, e se ela um dia
resolver se desligar da ONG para trabalhar sozinha, ótimo, temos mais alguém no mercado, o conceito de
concorrência é muito relativo, já o de ética e exclusividade tem que ser levado a sério, e isso, pela minha
experiência, elas levam, porque não tem sentido eu ter um produto aqui, ela sair e produzir para outro (fair
play).
- Palavras básicas na ONG: transformação social, autonomia e criticidade, elas tem que ter capacidade
para ter criticidade, ela tem que ter um desenvolvimento social que ela possa melhorar a vida dela e que
termina na autonomia, não pode ficar dependente de mais nada para viver.
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ANEXO F – Entrevista com Roberto Mauro dos Santos – SEBRAE
- Como funciona o PROGRAMA SEBRAE-SP DE ARTESANATO
Aquilo que foi visto, lá no show room da outra unidade, os produtos expostos, é resultado de um trabalho
prévio, ali é o ponto final. Antes daquilo houve todo um processo de capacitação com esses grupos. Então
como o SEBRAE trabalha: nós temos um programa que chama ARTE que VALE, e todos os produtos são
etiquetados com um slogan desse programa, cuja proposta é capacitar grupos de artesãos para que eles
consigam chegar ao mercado. Quando eu digo grupo, é um grupo que trabalha com uma mesma técnica,
não se entende por grupo, uma união de 20 ou 30 pessoas onde cada um faz uma coisa diferente uma da
outra. Pra chegar no atacado, é preciso ter algumas pré-condições, precisa-se ter um volume razoável,
qualidade constante e respeito a prazos de entrega, sem isso é impossível entrar no mercado atacadista.
Partindo dessas premissas, identificaram-se justamente as falhas, os motivos pelos quais eles não
conseguiam sair daquela situação, então a partir disso, percebeu-se que a única forma viável de trabalhar
com o artesanato era montando grupos porque daí se ganha volume, tem condições de manter qualidade
constante e consegue cumprir com os prazos de entrega. Então é formado um grupo, a partir da vocação
do próprio município, da própria comunidade, identifica-se uma técnica artesanal, importante dizer que se
filtra tudo aquilo que é artesanato , aquilo que é trabalho manual, dado o momento que essa técnica é
identificada com a ajuda da comunidade, porque em momento nenhum o SEBRAE chega e determinada a
técnica que será desenvolvida, essa identificação é feita com base nas tradições, as vocações, aquilo que
ela dispõe, entra o SEBRAE passando a “atender” esse grupo. Então eles vão passar por 3 fases dentro do
programa de artesanato.
A primeira fase é de informação, de formação do grupo, passa-se para eles uma fita sobre atitude
empreendedora, porque se trabalha com uma dificuldade muito grande que a questão do paternalismo
histórico na área do artesanato. Então eles estão acostumados com a primeira dama, o padre da cidade
passando a mão cabeça, falando que o trabalho é lindinho, isso e aquilo mas essa não é a realidade do
mercado e tenta-se reverter esse quadro.
A segunda fase é a de formação, que compreende capacitação comportamental, técnica, gerencial e de
Design. A capacitação comportamental são cursos dados no intuito de reverter dois quadros, aprender a
trabalhar em grupos, porque por motivos históricos a atitude deles é individualista, eles não sabem trabalhar
em grupo, eles querem fazer sozinhos, ganhar sozinhas e o mercado como é extremamente competitivo,
pois o artesanato concorre diretamente com produtos do R$ 1,99, com os produtos industrializados e com
os importados (China), a concorrência é severa, então tenta-se imbuir a idéia de que em grupo eles terão
mais força, mais capacidade e fôlego para conseguir encarar essa competição. Ainda dentro da
capacitação comportamental, passam ainda por um curso que chama SABER EMPREENDER, que é para
estimular o empreendedorismo nessas pessoas, justamente porque o comportamento delas é acomodado,
de ficar esperando que as coisas aconteçam por si só. Passado isso entra a fase da oficina técnica de
reparo, em 99% dos casos principalmente na região sul e sudeste, o artesanato é inversamente
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proporcional ao desenvolvimento da região, quanto mais desenvolvida a região é, menos artesanato ela
tem, por isso que tem tanto artesanato no nordeste e tão pouco no sul e no sudeste. Isso acontece porque
com o processo industrial, os artesãos começaram a ter dificuldades com relação a competição, com o
tempo e com o desenvolvimento das regiões onde eles estavam localizados, eles começaram a não ganhar
mais dinheiro com aquilo, então se larga a sua atividade original que é fazer cestos, por exemplo, e vai para
a agricultura, para o comércio, para a industria e foi isso exatamente que aconteceu no Estado de São
Paulo. Então esses 99% do que é feito é trabalho manual e não artesanal, e cada um faz uma coisa
diferente da outra raramente se chega numa cidade e se encontra um grupo já formado que trabalhe com a
mesma técnica artesanal, daí contrata-se um mestre artesão por um perídio determinado normalmente em
torno de 60 horas, que saiba trabalhar com uma técnica específica e o objetivo é nivelar a produção, não é
ensinar, não é o papel do SEBRAE e também não se tem tempo para isso, porque ensinar uma técnica leva
muito tempo. O que se propõe é que sejam escolhidas pessoas que já tenham uma certa familiaridade com
aquela atividade, por exemplo: um cara que mexe com biscuit, que mexe com retoque, ele mexe com barro,
porque ele trabalha com modelagem, então é importante que as pessoas escolhidas pra fazer parte dos
grupos tenham essa familiaridade.Feito isso, eles vão passar por capacitação gerencial, especificamente
desenvolvida para público analfabeto ou semi-analfabeto, porque 90% deles são de zona rural, vivem em
condições precárias etc. Adaptamos então os cursos que já existiam no SEBRAE de marketing, de
formação de preço, fluxo de caixa e qualidade total para esse público. Contratamos um desenhista,
pegamos todos esses conceitos e desenhamos, o facilitador que vai aplicar esses cursos, vai para a sala de
aula, com todo esse conteúdo ilustrado, essas informações são desenvolvidas então em cima dessas
ilustrações e nunca em cima de textos corridos. A linguagem também foi adaptada, por exemplo: Marketing
virou – conhecendo melhor o mercado de artesanato; Formação de preço e fluxo de caixa virou – Como
controlar entrada e saída de dinheiro e como fazer preço e Qualidade total virou – Qualidade para o
artesão. É o mesmo curso que qualquer executivo faz aqui, só que adaptado para a linguagem que eles
conseguem entender.
Aí entra-se na última fase da capacitação que é a oficina com os designers, cujo objetivo é ampliar a linha
de produtos do grupo ou mesmo fornecer visão de tendências, porque esses grupos normalmente, não tem
informação, eles estão distantes dos grandes centros e os produtos se mostram inadequados para o
mercado, as vezes a técnica é muito bonita, o trançado é maravilhoso, mas eles fazem chapéus e o
mercado não consome chapéu (um exemplo). O papel do designer dentro da proposta do SEBRAE não é
chegar lá com os desenhos prontos embaixo do braço como acontece com o papel do designer na
indústria, ele vai para lá sem nada e a partir do saber do grupo ele vai construir novos produtos, vai sair do
chapéu e chegar no jogo americano, numa mesa de centro, numa cortina enfim. O papel do designer então
é basicamente transportar aquelas técnicas para produtos comercializáveis no mercado principalmente
metropolitano, porque o objetivo é chegar nos grandes pólos comerciais (São Paulo, Rio de Janeiro, etc).
O que o Designer não está autorizado a fazer em hipótese alguma é alterar a técnica, por exemplo: Trança
estrela, mas está passando a Novela A Lua me Disse então vamos tranças luas. Não isso não pode, a
técnica tem que ser preservada. O que tem valor no artesanato, não é apenas o objeto em si, mas é a
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representação iconográfica, histórica, cultural e social que a envolve, por trás de cada uma dessas técnicas
existe um histórico, características desenvolvidas naquela região e daquela forma, por isso o papel desse
profissional acaba sendo diferente do que ele tem para a indústria.
Assim que eles acabarem esse processo de capacitação, vão desenvolver um mostruário, enviar para a
gente e esse mostruário vai para toda e qualquer ação comercial que o SEBRAE promova, incluindo o
Centro do Empreendedor, ele é uma das formas e a gente participa de feiras para atacadistas
principalmente. Há dois anos atrás a gente participou da Gift Fair, inscrevemos vários grupos nossos no
concurso interno deles de design, e um dos nossos grupos foi premiado, que é a do trançado ESTRELA.
Essa é a proposta desse programa.
Espera-se que depois de toda essa capacitação que é oferecida a ele (o grupo de artesanato) depois de um
certo período ainda não determinado porque tudo é muito experimental ainda, com a intensificação da
atividade comercial esse grupo tenha uma carteira de clientes, quando ele tiver seus próprios canais de
distribuição, a intenção é que o programa de artesanato deixe então de atender esse grupo. Ele sairia então
lá daquele espaço do show room, não participaria mais de feiras e exposições, porque então o nosso papel
estaria cumprido. Basicamente é isso, espera-se que depois de algum tempo eles consigam andar pelas
próprias pernas, acredita-se nisso, porque a oficina com designers que é realizada com eles é justamente
para instrumentá-los, não é para fazer por eles, há uma diferença muito grande quando se chega e
determina o que será feito e quando se chega e ensina a desenvolver, um trabalho em conjunto. Tanto que
a autoria das peças não é dos designers e sim dos grupos. Com o aprendizado da oficina tudo isso é
trabalhado, a necessidade da inovação, de acompanhar as tendências etc e etc. O que se percebe pela
experiência é que ao longo do tempo eles apresentam muita dificuldade de criar, de inovar e isso para nós
ainda é um ponto de interrogação, até que ponto isso é benéfico de insistir de repente na oficina de design.
Dentro de 6 meses esses produtos tem que ser renovados, senão não se consegue mais atrair os lojistas
se eles não criarem, a gente vai ter que contar mais uma vez com uma oficina de design, só que de outro
lado o que acontece? Quando se propõe a oficina para o grupo, de maneira inconsciente não verbal, está-
se dizendo para ele que eles não tem capacidade de criação, vocês não conseguem criar sozinho, e esse
público é particularmente fragilizado, imagina que são semi-analfabetos, que não tem recursos, que trocam
produtos por um quilo de arroz e por aí vai. Reforçar isso neles, mesmo que você não diga, não importa,
mas de certa forma eles estão entendendo isso, e a única coisa que eles achavam que tinham como
diferencial era a suposta capacidade criativa, então se insiste reiteradamente nas oficinas é como se você
estivesse negando a eles a única coisa que acreditava ter valor que é a capacidade de criar, gera um
instrumento na verdade que vira uma muleta, ele pode começar a achar que então para criar, se o design
não participar com ele não vai conseguir. Isso é um processo então de experiência mesmo, é para mim
existe um ponto de interrogação, não sei até que limite isso ajuda, até que limite isso atrapalha, porque não
quero que o grupo se torne dependente, justamente eu quero que ele seja capaz de se virar.
Essa proposta prévia é justamente a de tentar abrira cabeça desse artesão, essa postura acomodada dele
é um problema muito sério. O SEBRAE tem ótimas intenções, mas isso acontece não só com os artesãos,
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isso acontece com os agricultores, com os micro-empresários, com todo mundo, não precisa ser analfabeto
para ter esse tipo de comportamento. Antes eu achava que era um problema dessa área em especial, mas
depois conversando com colegas eu percebi que não, que é comum. Na cabeça de boa parte do micro-
empresariado Brasileiro, eles acham que uma vez inovado não precisa fazer mais nada, uma vez criado o
produto o cliente vai comprar para sempre, pra eles essas coisas não são claras. Se você chegar em
qualquer cidade do interior e perguntar para o artesão qual o seu maior problema, ele vai responder que o
maior problema dele pe que na cidade não tem nenhuma feirinha na cidade e isso não é verdade, porque a
feirinha que ele gostaria que existisse na cidade dele, se a cidade não for turística quem circula nessas
cidades são os munícipes e eu até brinco, perguntando: Quantos liquidificadores você tem na sua casa?
Um só, então quando o munícipe passa na feirinha e compra o produto, quando ele vai comprar de novo?
Quando quebrar. Esse mercado é um mercado viciado, vai vender uma vez e não vender mais, ele não
consegue associar que o produto não tem diferencial algum, que o produto que ele confecciona é pano de
prato que é um produto banalíssimo, etc, etc. É como se a comercialização fosse realmente o problema e
não é, o problema é o próprio objeto, a falta de profissionalismo etc, etc, essa visão é a gente que tem e a
gente tenta passar todas essas coisas para ele, ou melhor, dizendo essas coisas são passadas, mas uma
outra coisa que acontece é que por mais que se bata nessas questões, são coisas passadas antes de deles
chegue no mercado, então o aproveitamento disso é baixo, porque até aí ele estava acostumado a
trabalhar de forma individual, no varejo, com aquele produtinho meia-boca. Então daquilo que foi passado
para ele, efetivamente, quando for ter necessidade de empregar, já passou, ele já fez o curso.
Normalmente a atitude parte do artesão, eles ficam sabendo do programa e procuram uma unidade do
SEBRAE mais próxima (total de 30 unidades no estado de São Paulo). Acontece de partir do prefeito, de
alguém da comunidade, enfim.
Na cabeça das pessoas o ambiente urbano é feio, então eu não vou trabalhar com ambiente urbano, então
o que eu vou fazer, vou copiar o motivo rural ou motivos marítimos, o legal ta lá, o legal não está aqui,
quando se olha uma imagem da janela de um prédio, o que caracteriza São Paulo? O perfil dos prédios, e
quantos trabalhos podem ser vistos que retratem o perfil dos prédios de São Paulo? E esse é o ícone mais
forte que existe para o Estado de São Paulo, não interessa se você esteja no campo ou se você esteja no
litoral, quando se fala do estado de São Paulo um ícone que vem automaticamente é a Avenida Paulista,
ela não significativa do estado inteiro, mas é ela que é pega como referência. Olha para o espaço urbano
dessa forma, só que existem outras formas de interpretar isso, não é bater uma foto, não precisa desenhar
um Treme-Treme, não precisar bordar um Treme-Treme, pode-se interpretar esse tema, e isso não é
utilizado. A questão de trabalhar com resíduos, ainda é pouco explorada, o que se tem é um pouco de
marchetaria, que é chamada de marchetaria compacta, ela é feita com restos de madeira, vão se colando
pedaços de madeira, aquilo vira um bloco e depois aí se fatia os blocos e faz o resto, é diferente da
marchetaria italiana que é uma outra proposta. Tirando isso usa-se um pouco papel marché, porque se tem
uma quantidade de papel monstruosa e é pouquíssimo utilizado. Enfim, não se pensa muito na questão de
aproveitamento do resíduo e quando as vezes ele é reaproveitado, aparecem alguns problemas. O PET
(garrafas PET), por exemplo, porque para reaproveitar às vezes é difícil, se for para utilitário que a pessoa
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use na casa, ela tem nojo porque ele é reciclado aí a pessoa não usa, então precisa ser realmente produto
que não seja para uso com contato, funciona para bolsa, para algumas coisas, mas o desenho é muito
pobre, o desenho normalmente das peças é muito limitado. Então tem muita coisa que pode ser feita,
realizada de maneira original, mas é pouco utilizada até por um outro motivo, porque o que vai acontecer,
com o processo de industrialização, os ícones e referências foram varridos literalmente do mapa, aí
começaram a aparecer as tais “revistinhas” de artesanato (entre aspas) que são revistinhas de reprodução
de trabalho manual, que ensina a pintar morangos, aí o que acontece? Se a Ana Maria Braga diz na teve
que isso é tudo e que você vai ganhar rios de dinheiro pintando morangos em panos de prato, quem mora
lá nos confins da roça, que vê o programa, que acha a Ana Maria Braga TUDO, acredita então que pintar
pano de prato é tudo, se ela (Ana Maria Braga) está dizendo que vai dar dinheiro, a pessoa vai comprar as
tintas e pintar os panos de prato. Essas pessoas não tem a dimensão que muita gente assiste o mesmo
programa, então em vários lugares começa-se a pintar aquele pano de prato com aquele morango pintado.
Nesse instante a referência local começa a ser secundária, ela fica aos gostos da moda, se a moda é
peixinho, então todos vamos pintar peixinho, se a moda é florzinha, vamos todos pintar florzinha. O Olhar
do urbano para o urbano as vezes é difícil, mas no interior isso também acontece, porque não se olha para
a vegetação local, não se olha para a arquitetura, não se olha para nada, ele só vê na verdade o ipisis líteris
e aquilo que é mais fácil, então é flor peixe, vaquinha, moranguinho.
Essa característica de valorizar sempre o distante, é um problema, isso acontece por causa do processo de
formação. Precisa ler “A formação e sentido do Brasil”. Na Europa não é assim, se isso fosse uma
característica “humana”, não se teria uma Suíça, por exemplo, que fala vários tipos de língua dentro de um
espaço que é menor que um bairro da cidade de São Paulo, não se teria o valor da própria cultura que
existe e é intrínseco no continente europeu. Todos os países de lá tem uma identidade muito forte,
arquitetônica, artesanal, gastronômica, falar para um deles que não sei o que lá é melhor que o deles... Eles
voam no pescoço de quem fala isso. Então essa não é uma característica humana não, está ligado ao
processo de formação histórica do país. Tirou-se todas as referências, se disse para o povo o tempo todo
ao longo dos tempos, que tudo o que eles faziam era ruim, então as pessoas perderam essas referências e
passaram a acreditar nisso realmente, então se torna legal o que vem de fora, é o Mickey, é aquilo que a
TV mostra. Então esse processo de desvalorização de todo e qualquer tipo de saber que viesse do povo fez
com que realmente eles acreditassem ao longo do tempo que tudo o que é feito por eles não tem valor.
Uma situação surreal: Fomos fazer uma palestra sobre o nosso programa numa cidade perto de
Araraquara, e quando chegamos na cidade a secretária de Cultura do município tinha reunido os artesãos
num galpão e eu comecei a palestra perguntando: Gente, qual é a cultura de vocês? O que tem a cara de
vocês, da cidade de vocês? Aí a secretária da cultura me interrompeu e falou: - Mas aqui só tem caboclo,
aqui não tem cultura. Isso é o exato reflexo do que pensa a nossa população. Se a secretária da cultura que
foi para a escola, estudou e que é uma referência na cidade diz que aquelas pessoas não têm cultura, elas
vão acreditar que tudo o que elas fazem não é bacana, então bacana passa a ser aquilo que está no livro,
está na escola, está nas pessoas que estudaram, que está na TV. Então se perde as referências
completamente. Então, se eu ficar repetindo pra você a mesma coisa, vai chegar uma hora que você vai
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acreditar e isso aconteceu. A gente tem uma população cordata, que concorda com tudo o que os outros
dizem, que valoriza tudo o que vem de fora, então esse tipo de situação é muito elucidador de tudo o que
se está falando aqui.
A primeira vez que fomos fazer uma exposição com o objetivo de formar opinião sobre o artesanato
Paulista, por várias questões isso nos levou ao casarão do Museu casa das rosas ali na Avenida Paulista,
então a minha área de marketing marcou uma reunião e eu fui conversar com a curadora do Museu, e
quando chegamos lá, nos apresentamos e ela perguntou: E aí o que vocês querem? E eu falei – Bom, eu
coordeno o programa de artesanato no estado de São Paulo e a gente queria fazer uma exposição por esse
e aquele motivo, a primeira reação dela foi: - Ah, essa coisa de hippie aqui no Museu eu não quero. Então,
se essas pessoas ainda estão imbuídas dessa mentalidade imagina o que acontece com a população pobre
e desinformada. Essa é a exata informação que algumas pessoas tem a respeito do artesanato. Aos
pouquinhos, com muita dificuldade isso está mudando, com base em cima de muito trabalho, muita
discussão. Torna-se difícil porque é um processo de formação de opinião e ele é lento, já se evolui muito se
for analisar hoje artesanato já é um pouco mais valorizado, mas não tanto quanto é necessário.
O artesanato Paulista em particular, não é muito conhecido, ele ainda é uma incógnita. Muita gente nunca
ouviu falar do trançado Estrela, da cerâmica preta de Iguape e que a origem dessa cerâmica é de tradição
indígena que isso não é exclusividade do Espírito Santo, que São Paulo já foi um pólo produtor dessas
peças muito importante no Brasil, as pessoas ignoram essas informações. É tudo muito novidade e a gente
está formando opinião, aprendendo e disseminando essas informações.
- O papel da Universidade
Eu acho que o maior papel da Universidade é justamente o de limpar essa sujeira toda, esse processo de
preconceito histórico, de segregação e de desvalorização. Isso se torna um problema que é nefasto não só
do ponto de vista da produção artesanal, isso tem um efeito devastador na auto-estima das pessoas, de
toda uma população.
O primeiro curso que nós aplicamos, que era piloto por ser a primeira vez que estávamos fazendo aquilo
num grupo formado por pessoas simples, até algumas analfabetas. Então estávamos em um salão no meio
do BNH na zona rural de Iguape, que foi o primeiro grupo que nós atendemos, aí quando acabaram-se os
cursos e todo curso tem uma avaliação dos participantes no final, pedimos então para aquelas pessoas
avaliarem o que tinham aprendido, sentido com o curso. De umas 30 pessoas, umas 15 apenas sabiam
escrever e escreviam para as outras, diria que uns 90% colocaram como observação na avaliação, que
estavam emocionadas com o respeito com que elas tinham sido tratadas. Sabe o que isso significa? Que
normalmente essas pessoas não são respeitadas. Quer dizer, é a pessoa, o individuo que não é respeitado,
ela é tratada como um pano de chão, um nada, ela é “pobre” e ponto. Então, a faculdade tem um papel
fundamental para levantar esse debate, de ensinar a dar valor para a nossas coisas, de ensinar a ajudar a
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construir uma identidade própria Brasileira, Paulistana, valores de uma sociedade tão perdida, tão
achacada, tão desvalorizada a ponto das pessoas não olharem mais para a sua realidade.
Com a proposta que a gente tem de agora atender também artesão isolados, onde cada um faz uma
coisinha, umas das coisas que é fundamental no trabalho deles é de retomar as próprias referências, é
resgatar o que o avô fazia, é olhar o azulejo da igreja, é o perfil da igreja da cidade dele, é o tijolo da
calçada, da fruta que tem lá, do doce que tem lá, e por aí vai. Então precisa-se fazer um trabalho de
resgatar esses valores e isso não é fácil, isso não é um trabalho que não só o SEBRAE deveria fazer,
outras instituições deveriam estar junto nessa empreitada de disseminação dessas informações
importantes. A Itália hoje é referência no Design não é à toa, é justamente porque ela aprendeu que o seu
processo industrial seria valorizado pela diferenciação do artesanal. A gente não precisa buscar de fora,
uma vez eu fiquei indignado com um trabalho do SEBRAE, havia a intenção de criar um programa que não
avançou, chamava A CARA BRASILEIRA e que era um amplo debate com pensadores e formadores de
opinião para justamente tentar definir qual era a “cara brasileira” e uma das pessoas convidadas era um
Italiano, o Domenico de Mazi, eu pensei, puxa, precisa trazer um Italiano pra discutir Brasilidade? Absurdo
isso, está se afirmando mais uma vez que a gente não tem antropólogo, a gente não tem sociólogo, a gente
não tem pensador aqui e que precisa trazer de fora? Então o papel da faculdade é fundamental, não só na
questão do artesanato, mas na questão do resgate da auto-estima da população Brasileira.
Eu visitei algo em torno de 200 municípios no estado de São Paulo e a situação é sempre a mesma, a
gente chega perguntando, o que eles tem deles, da cultura deles e partir daquela palestra aonde a
secretária da cultura falou aquele absurdo, eu sempre falo: Cultura não é só aquilo que está nos livros,
aquilo que está na faculdade, cultura é o jeito que a gente reza, é o jeito que a gente come, é o jeito que a
gente se veste, são as plantas que a gente conhece, então tudo isso é cultura. Vimos necessidade de
esclarecer isso em cada nova palestra. Sabe, sushi é cultura, mas arroz com feijão também é... Não existe
melhor não existe pior. Está tramitando no congresso nacional, uma lei de regulamentação da atividade
artesanal, porque ela ainda não é regulamentada. Então, eu fiz duras críticas, o projeto em si estava
razoavelmente bem escrito, mas lá estava mais uma vez escrito assim: “do artesanato tradicional”, aí eu
rasguei o verbo de novo, disse: Acho que o termo deveria ser retirado porque parte do principio que o
conceito de tradição é muito cristalizado, como algo que não muda e isso significa o seguinte basicamente,
que a mulher faz o trabalho acocorada e depois fica corcunda, tem que deixar, que a inalação daquele
negócio lá da fibra faz mal deixa morrer de tuberculose, porque não pode mudar. O Museu ele tem um
papel fundamental que é salva guarda, se você quer ver o produto como ele era nos primórdios, o papel do
museu é esse, guardar nossa memória. Mas daí você exigir do Mestre Vitalino e dos descendentes do
Mestre Vitalino que a vida inteira eles façam cangaceiros é absurdo. Onde tem hoje em dia cangaceiro no
Brasil??? É uma maldição? Vocês imaginam a vida de vocês, alguém dizer vocês vão ter que desenhar e
moda a vida inteira um elemento que não faz parte da vida de vocês para o resto da vida??? É demais não
é? Então a cultura não é um elemento cristalizado, é um elemento em constante evolução, ela muda, ela se
altera, ela evolui e ao museu cabe o papel de guardar isso e às pessoas cabe o papel de viverem a sua
própria cultura, como ela é e não como se gostaria que fosse, até porque o discurso hoje do intelectual é
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algo meio assim: Eu gosto de uma coisa assim bem rústica, bem mal acabada que fica assim com cara de
artesanato. Com cara de artesanato porque quem morre de fome é o artesão e não ele. E olha que
interessante não é? E isso acontece, não papo furado. No debate que realizamos no Museu da Casa
Brasileira, uma mulher estava indignada, aviltada, porque o SEBRAE tinha enviado um convite para a esse
debate, que uma caixinha que tinha uma peça do trançado estrela encaixada como se fosse uma jóia e ela
dizendo que produto tinha vindo muito amarrado, oprimindo a rusticidade original da peça. E sabe quem
está falando ali? A pessoa que usa aquilo na casa dela, porque acha bacana, na moda, alternativo, mas
está pouco ligando se o artesão que fez aquilo vai comer ou não? Então esse tipo de pessoa não quer que
evolua, porque aquilo é um mero elemento decorativo da casa dela. Então mais uma vez se mostra aí o
nosso papel, nós não somos os novos formadores de opinião? Não somos nós amanhã ou depois que
vamos desempenhar esse papel? Quem é o designer que se não conhece o artesanato vai conseguir
projetar o móvel com trançado estrela? Qual o designer que vai usar a Taboa como um diferencial da sua
peça? Se ele nunca ouviu falar de Taboa, não poderá usar, ele não sabe o que é. Acho que esse papel
cabe sim a Universidade, a promoção do debate, a promoção de enxergar o artesanato como um novo
nicho, não só em si próprio, hoje estamos passando por processos muito interessantes. Temos um trabalho
hoje com o Morumbi Fashion, a faculdade Santa Marcelina e os grupos de artesãos, com a orientação do
Walter Rodrigues foram escolhidos os estilistas e estão desenvolvendo peças de moda a partir da
inspiração do artesanato Paulista. Agora como esses alunos iriam buscar essas referências se eles
desconhecessem o artesanato? Como eles saberiam que haveria possibilidade de desenvolver esse
trabalho sem conhecimento? Não tem como desenvolver e poder diferenciar, esses designers continuariam
achando que o bacana é buscar referências na Itália, na França. Estamos fazendo um novo trabalho que
será lançado ainda que é Jóias do Artesanato Paulista, que é a mesma proposta, a indústria de jóias com
os grupos de artesãos e designers de renome que irão lançar coleções de jóias inspiradas no artesanato
Paulista.
O Designe pode então desempenhar dois papéis distintos no âmbito do artesanato são dois ângulos
diferentes, um que é a atuação direta com o grupo no intuito de ampliar aquela linha de saber fazer, de
produção sem descaracterizar, ajudando a comunidade a se tornar sustentável, não transformação o design
numa muleta, mas sim num elemento de inovação que o grupo aprenda, que sozinho depois inova, dando
dicas: Olha vocês podem usar essas sementes, essas plantinhas, vocês podem usar os azulejos lá da
catedral, etc, etc e depois eles continuem a buscar essas referências na própria localidade. Dizer que o jogo
americano segue um padrão de tamanho específico que se não seguir isso, o mercado não absorve o
produto, a loja não compra, mas tudo isso tem uma lógica, em suma esse papel de mostrar como o
mercado funciona, as referências os padrões, como o processo criativo funciona, como se pode diferenciar
e inovar sem descaracterizar. E tem também o lado de o designer trabalhar buscando as referências do
artesanato para melhorar os processos industriais que tem muito a prender ainda com o artesanato e
passar a ter produtos que tenham geo-referências. Uma coisa de olhar para a peça e saber que aquela
peça foi feita em algum lugar, e não que ela pode ter sido produzida na Suécia, na África ou então na
Austrália, é enxergar um diferencial no produto, ampliar as possibilidades da industria.
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- Os limites e responsabilidades do Designer frente a uma demanda de intervenção no segmento artesanal
Primeiro o respeito ao saber fazer do grupo, quem domina a técnica, o saber é o grupo, o artesão, não o
designer, conseqüentemente a autoria dessas peças é do grupo e não do designer, ter ética no trabalho.
Porque já temos situações de designers que desenvolvem trabalhos com alguns grupos, vestem a máscara
de responsável socialmente, fazem uso da mão de obra baratinha e depois vendem as peças com a marca
deles bem mais caro em lojas de renome. Ética no trabalho vale para qualquer um, não só para o designer.
A princípio, o único elemento que não pode ser alterado no momento da intervenção é a técnica, mas isso
depende um pouco da história de uma técnica, se tradicionalmente se faz aquilo com determinado material,
é possível trazer um elemento novo, usar um novo material e dar um novo acabamento, desde que aquilo
não perca sua identidade, que aquilo não se torne um produto que tenha cara de produto industrializado,
então se olha para o produto e não se consegue distinguir se foi feito artesanalmente ou se é
industrializado.
Na unidade do show room, só vende atacado, lá se tira os pedidos e estes pedidos são repassados para o
grupo, não acontece venda, legalmente o SEBRAE não pode vender nada, tira-se o pedido, passa-se para
o grupo e acompanha-se o feitio. Toda a transação de negócio é feita diretamente pelo comprador e pelo
grupo. Os preços também são todos determinados por eles (o grupo) eles recebem orientação através dos
treinamentos para determinar os preços, pra saber que no atacado o preço é menor, que eles não podem
competir com o lojista, então se vende o produto por R$ 30, 00, por exemplo, diretamente para o comprador
e por R$ 20,00 para o lojista não pode vender o mesmo preço senão vai concorrer diretamente com o
distribuidor. Existe também um mito na área que é um exagero, por exemplo, de que o artesão gasta um
real pra fazer o produto e a peça é vendida a R$ 10, 00, existe uma parte de verdade nisso e existe uma
parte de mentira, primeiro existe um atravessador que é de fato predatório, a pessoa vai até a comunidade,
arrocha o máximo possível a margem do grupo e daí vende ao máximo que ele consegue na cidade que
acaba tendo um lucro muito alto, no entanto, isso também gerou um mito na cabeça dos artesãos de achar
que ele é ruim, e isso não acontece. O acontece é o seguinte, quando ele fala que gastou um real, é porque
ele não considerou nesse custo, o tempo que ele gastou, a matéria prima, a complexidade da técnica
empregada, essas coisas, na verdade é que ele não soube calcular os preços, mas depois que ele passou
pelos cursos de capacitação se ele disser para o lojista que ele gastou R$ 5, 00, é porque o produto vale R$
5,00. Se o lojista vai vender essa peça a R$ 25, 00, é porque ele tem uma série de outros custos levados
em conta, porque ele tem custo de aluguel, condomínio, energia, encargo dos funcionários, tudo isso
embutido naquela margem dele. E, além disso, não cabe ao artesão discutir se aquela margem é alta ou
não, porque uma vez que ele tenha calculado a margem dele corretamente, ele está ganhando o que é
justo pelo trabalho e ponto. Não julgar se o preço do lojista é caro ou não é caro, passa a ser um problema
do lojista. Os nossos artesãos não podem se dar ao luxo de dizer que cobrou baratinho, se cobrou
baratinho foi porque quis, porque aprender a calcular o preço certo eles aprenderam.
Hoje são atendidos pelo SEBRAE 75 grupos espalhados no estado inteiro de São Paulo, trabalham com as
mais diversas técnicas, cerâmica, madeira, fibras, semente. Etc, etc. O programa de artesanato existe em
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todos os estados da federação, só que a forma de atuação varia de estado para estado. Aqui em São Paulo
nós só trabalhamos com grupos e para capacitá-los para o atacado, mas tem estados que trabalha com
artesão individuais, enfim, outras formas de atuação. Em média são 15 pessoas por grupo, o ideal para
começar um projeto é de no mínimo 15 a 18 pessoas, mas sempre começamos com mais porque ao longo
do caminho vão ocorrendo desistências.
Na verdade, hoje ainda não é praticada a confecção em série dentro dos grupos e isso se torna um gargalo
ainda. Apesar da vontade que se tem de que os grupos se tornem auto-sustentáveis, eles ainda tem uma
mentalidade de artesão, aquela de começar e terminar a sua própria peça. O atravessador benigno,
infelizmente o atravessador às vezes é um mal necessário. Porque o artesão não dá conta de fazer,
prospectar mercado, negociar, etc, a gente dá os instrumentos na intenção de que eles se tornem
capacitados pra fazer tudo isso, mas é muito difícil precisa uma pouco de vocação, de falar ao telefone, de
negociar diretamente com os lojistas, enfim. Então essa coisa de divisão de tarefas dentro do grupo fica
mais a critério do grupo mesmo, a gente dá palestras para tentar mostrar a importância de ter alguém
responsável pela qualidade, pelos contatos, etc. A prática tem nos mostrado a necessidade ou de ter a
figura do atravessador benigno, que pague um preço justo e que distribua esses produtos, ou a figura de
um gestor local que tenha a visão de mercado e que oriente o trabalho do grupo, há uma necessidade
ainda de ter uma figura externa ao grupo, que os ajude pelo menos durante um período de curto médio
prazo para orientá-los até que eles ganhem experiência suficiente para tocar o negócio na sua plenitude. É
complicado porque se está ensinando essas técnicas para pessoas que não tem um nível considerável de
instrução, então como se colocar um artesão logo de cara pra negociar venda de produtos com um
comprador da TOK & STOK, por exemplo? Assim se entende que é preciso maturidade comercial e isso é
um fator que eles só vão adquirir com a experiência.
A C&C comprou de muitos grupos nossos já, e uma vez o grupo de panelas pretas de Iguape, elas já
forneciam para esse cliente, e você imagina a logística de entrega de uma empresa como essa, então eles
abriram uma série de precedentes de adaptações para receber produtos vindo dos artesãos, os produtos
não vem embalados iguais, as peças não conferem, enfim, uma séria de adaptações mesmo para poder
trabalhar com essas linhas de produtos. Dado um momento a C&C fez um pedido de R$ 6.000,00, imagina
o que é um pedido de r$ 6.000,00 para uma comunidade rural, é dinheiro demais para eles. Aí eles
aprontaram todos o pedido, embalaram tudo direitinho e na hora de despachar essas peças pelo
transportador, elas inverteram as notas fiscais, metade dos produtos era para ser entregue em uma loja e a
outra metade em outra unidade deles. Acontece que chegou na hora da entrega, as notas fiscais não
bateram no sistema do cliente e foi tudo devolvido. Sabe, não era nenhuma novidade para eles, pois eles já
forneciam para esse cliente, pergunta hoje se antes de mandar uma entrega não conferem as notas ficais
500 vezes. Esse erro não acontece mais, garanto, isso se chama aprendizado e experiência. Na prática.
Quando se mexe no bolso (porque teve de pagar o transporte de volta, teve perda de peças no transporte,
etc) obrigatoriamente as pessoas sentem necessidade de aprender.
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REFERÊNCIAS
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Blücher,2000.
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industriais – Ed. Edgard Blücher Ltda. 1° Ed. 2000.
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No e P.M. Bardi, 1994 – (Pontos sobre o Brasil).
COUTO, Rita Maria de Souza; e Oliveira, Alfredo Jefferson de (org.) – Formas do design:
por uma metodologia interdisciplinar – Rio de Janeiro: 2AB: PUC – Rio, 1999.