Upload
buitram
View
218
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
MARCIA LUZIA KRINSKI
DESONESTAR, PEJAR E IMPOSSIBILITAR
COSTUME E VIVÊNCIA DE JOVENS
CURITIBA (1750-1796)
Monografia de final de Curso apresentada ao Departamento de História, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná. Orientadora: Prof.a Dr.a Maria Luiza Andreazza.
CURITIBA 2000
ii
Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. E você aprende que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. E começa a aceitar suas derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança. E aprende a construir todas as estradas no hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de cair em meio ao vão
William Shakespeare (Sem grifo no original)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .............................................................................................................1 A IGREJA ......................................................................................................................2 O COSTUME ...............................................................................................................10
A LEI ............................................................................................................................14
LEGISLAÇÃO CIVIL ..............................................................................................14
LEGISLAÇÃO ECLESIÁSTICA.............................................................................18
A VILA .........................................................................................................................23
O PROCESSO..............................................................................................................27
OS ESPONSAIS...........................................................................................................35
CONCLUSÃO..............................................................................................................41
FONTES .......................................................................................................................43
FONTES IMPRESSAS.............................................................................................43
FONTES MANUSCRITAS ......................................................................................43
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................44
1
INTRODUÇÃO
A prática dos esponsais consistia numa antiga instituição consuetudinária que
representava a seqüência legitimadora da união matrimonial, selando o acordo entre as
famílias dos jovens prometidos. Desde o século XVI, na Europa, havia se convertido
numa cerimônia tão importante quanto a bênção nupcial. Sua celebração permitia aos
jovens comprometidos a coabitação e a Igreja, no intuito de normatizar as condutas
morais dos fiéis, reduziu consideravelmente a expressão deste costume a partir do
Concílio de Trento.
Mas estudos apontam para a força da consciência e usos dos costumes no
século XVIII e para a grande resistência às pressões reformistas do período, na cultura
plebéia. Na Curitiba setecentista, podemos observar a incidência deste tipo de
compromisso entre jovens, cujo rompimento era analisado e julgado pelas autoridades
eclesiásticas, nos processos de "autos entre partes". Neste momento, o costume
constituía, ainda, uma poderosa forma de regulação social e moral, de princípios nem
sempre idênticos aos proclamados pela Igreja ou pelas autoridades civis.
Portanto entende-se, nesta pesquisa, a prática costumeira dos esponsais como
um campo de negociação de interesses. Elementos diversos concorrem neste campo,
tais como o poder eclesiástico, a intervenção da comunidade e a autoridade paterna e
sua preocupação com o destino do patrimônio e com a honra; assim como o consenso
dos jovens; elementos estes equalizados ante a celebração dos esponsais, união que
levaria ou não ao acordo nupcial.
Foram analisados quinze processos entre 1750 e 1785. Estes, de uma maneira
geral, apresentam os nomes, idades, naturalidades, filiação, ocupação e local de
moradia, do casal e das testemunhas. Contém as alegações das partes, tanto para
requerer o cumprimento das promessas quanto para não fazê-lo, o que esclarece acerca
dos princípios envolvidos na escolha matrimonial. Bem como a utilização dos
dispositivos jurídicos pelas partes e a ação das autoridades eclesiásticas no
desenvolvimento dos processos. Esta pesquisa procura, pela análise dos processos,
desvelar a vivência dos jovens, sua atuação no momento das escolhas matrimoniais,
bem como uma melhor compreensão do significado da prática dos esponsais para os
fiéis da paróquia de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Coritiba.
2
A IGREJA
O casamento, tratado a princípio com hostilidade, e depois como uma
concessão pelos cristãos, tomou sua forma definitiva no direito canônico do século XII.
Caracterizado como monogâmico, indissolúvel e instituído sobre o livre consentimento
dos nubentes, foi tomado como competência exclusiva da Igreja.
Esta, desde seus primeiros tempos, refletiu a respeito do casamento,
elaborando princípios influenciados pelo estoicismo da tradição helenística; pelos
costumes germânicos introduzidos desde o século V; e por seu interesse acerca da
questão do patrimônio familiar.1 Os cristãos primitivos reproduziam os princípios do
estoicismo no sentido em que valorizavam a castidade, a virgindade e a continência,
condição para a espiritualização do corpo e consequente ascese da alma. Mas a ênfase
em privilegiar a virgindade enquanto estado ideal foi, gradativamente, dando espaço
para a defesa do matrimônio. E, no século V, doutores da Igreja, como Santo
Agostinho, impregnavam o casamento com a simbologia da união entre Cristo e a
Igreja. Nas Capitulares Parisienses, em 829, o casamento foi colocado como uma
instituição divina cujo objetivo era a descendência, e apregoou-se ainda a virgindade
até as núpcias, a fidelidade, a gravidade do incesto e do repúdio da esposa, admitido
somente em caso de adultério.2
Com a maior organização do clero e de sua normatização a partir do século XI,
fortaleceu-se o controle eclesiástico sobre as uniões matrimoniais, incluídas entre os
sacramentos por Pedro Lombardo em 1150.3 Cabe ressaltar, contudo, que esta nova
1 VAINFAS, Ronaldo. Casamento, amor e desejo no Ocidente cristão. São Paulo : Ática,
1992. p. 8-30.
2 As Capitulares eram uma forma de legislação complementária da legislação canônica e eclesiástica, determinadas em assembléias gerais. Foram difundidas por Carlos Magno, sendo muito utilizadas pelos carolíngios durante os séculos VIII e IX. Nelas os bispos e o monarca emanavam leis acerca de todos os negócios civis e eclesiásticos, incluindo tributos, moral e liturgia, instrução pública, expedições militares e justiça. VILLOSLADA, R. G. Historia de la Iglesia Católica. Madrid : Editorial Católica, 1953. p. 108-110.
3 Este movimento de reorganização do clero é designado como Reforma Gregoriana e promoveu ampla reforma moral, disciplinar e administrativa, que atingiu toda a sociedade e não apenas o papado e o clero. Parte do renascimento dos séculos XI e XII, constituiu em uma reação à absorção do clero pela sociedade leiga, como a dependência do clero aos senhores de terra, ligados a compromissos feudais, assim como ao concubinato de padres, o que causava a pulverização da propriedade eclesiástica, por doações ou por disposições testamentárias. TÜCHLE, G.; BOUMAN, C. A. Nova história da Igreja : Reforma e Contra-Reforma. Petrópolis : Vozes, 1971. p. 179-199.
3
tendência, segundo diversos estudos, seria apenas uma "concessão" destinada a evitar a
"impudícia", em função da constante preocupação em disciplinar a carne − causadora
de angústias e inquietações, fonte de mentira e escravidão e, muitas vezes, considerada
como causa direta de violências e associada à morte. Embora Tomás de Aquino, no
século XIII, tenha estabelecido que as relações carnais tornavam o casamento
indissolúvel, o desejo sexual ainda passou por inúmeras reflexões e por séria
normatização na Idade Média. Construiu-se, então, um modelo de cópula conjugal, o
qual causou restrição aos casais em relação ao tempo, ao local e à posição do ato
sexual. A cópula permitida era somente a realizada no leito conjugal, e era proibida nos
"dias santos", nos períodos de menstruação, resguardo após o parto e aleitamento,
estando limitada à posição do homem deitado sobre o ventre da mulher, esta sempre
passiva, como na tradição helenística.4
Portanto, não se pode falar que a Igreja seguiu uma moral judaico-cristã.
Fugindo de muitos preceitos bíblicos e, sexualizando o pecado original, criou um
mundo de aflição da carne, de imagens diabolizadas da mulher e de valores como a
virgindade e a monogamia. Segundo Vainfas, a Igreja separou amor e casamento e
amor e sexo, sendo sua principal preocupação, através de normas de comportamento,
moralizar a vida sexual, limitando-a ao universo conjugal.5
Isto posto, ao clero medieval o "estado de casado" mantinha-se inferior ao
"estado de virgindade". Prova disso foi o estabelecimento definitivo do celibato
eclesiástico no século XIII que, justificando o poder do corpo eclesiástico sobre o
mundo cristão, configurou-se como fator essencial na construção do poder da Igreja no
Ocidente.6
E, muito em função de suas aspirações temporais, no século XII, a Igreja
sentiu-se autorizada a elaborar uma legislação específica para regulamentar as uniões
matrimoniais, cuja forma definitiva se deu no pontificiado de Alexandre III (1159-
1181). O Direito Canônico qualificou o casamento como sacramento indissolúvel e,
enquanto tal, passou a deter uma matéria − configurada no ato sensível do
consentimento mútuo feito entre os noivos − e uma forma − configurada na formulação
recitada pelo sacerdote, que daria sentido à matéria. Por esta mesma legislação a
validade do casamento está diretamente vinculada à aceitação mútua dos nubentes que
4 VAINFAS, op. cit., p. 44-47.
5 BURGUIÈRE, André; KLAPISCH-ZUBER, Christiane; SEGALEN, Martine et al. Historia de la familia : el impacto de la modernidad. Madrid : Alianza, 1988, p. 110-168.
6 Foi após o IV Concílio de Latrão que o direito de constituir matrimônio foi completamente suprimido para os membros do clero, o que forjou um binômio clero/leigo que justificava o poder do primeiro sobre o segundo. VAINFAS, op. cit., p. 34.
4
pode ser formalizada em verba de presenti (ou seja, no próprio ato do casamento) ou
precedidas por verba de futuro (esponsais ou noivado).7
Mas o consentimento mútuo, intrínseco ao modelo eclesiástico de casamento
medieval, era contrário ao modelo civil e à sociedade laica, que considerava essencial
o consentimento dos pais. Note-se que durante muito tempo a concepção de autoridade
paterna permaneceu similar à do antigo direito romano, o que implica em contradição,
pois desde o século XII reconhecia-se o casamento de filhos menores sem o
consentimento dos pais. Assim, enquanto a Igreja pregava o consentimento mútuo
como requisito básico para a união, considerava pecado mortal a desobediência aos
pais.
Essa idéia de liberdade na escolha do cônjuge e a ampla lista de impedimentos
ao casamento (o impedimento consanguíneo estava estabelecido até o 7o grau, havendo
ainda o parentesco espiritual) contrariavam a moral dos cavaleiros e seus interesses.
Assim, no IV Concílio de Latrão de 1215, os impedimentos consanguíneos foram
reduzidos até o 4o grau.8
DUBY explica a defesa empreendida pela Igreja das uniões consensuais, em
lugar dos casamentos de conveniência e a liberdade do testador, em lugar da herança
entre parentes: "...essas características [...] são sem dúvida algo intrínseco ao processo
do qual a Igreja consolidou a sua posição como poder territorial, um poder certamente
espiritual, mas ao mesmo tempo temporal na sua qualidade de maior proprietária de
terras, posição que alcançou mediante o controlo dos sistemas de matrimônio, doação e
herança."9
O casamento consensual era uma característica do cristianismo, que enfatizava
o individualismo. De forma que o "amor", idéia-valor central no mundo moderno-
individualista, possui em sociedades camponesas de caráter tradicional-hierárquico, um
significado diferente, que remete a um ordenamento social estreitamente relacionado
ao valor-família. Nessas sociedades camponesas, o amor não é legitimado em si
mesmo, ou seja, quando não corresponde aos interesses da aliança ou da descendência.
O casamento era, então, arranjado pelas famílias nele interessadas e, apesar de
7 LEBRUN, François. A vida conjugal no Antigo Regime. Lisboa : Edições Rolim, s/d. p.
19-60.
8 O IV Concílio de Latrão, com exceção do Concílio de Trento, foi o concílio ecumênico de mais amplas perspectivas. Decretou medidas canônicas e sanções que tornaram-se definitivas, relativas à administração da Igreja. Entre seus objetivos estava o reforço e racionalização da legislação relativa ao matrimônio. KNOWLES, D.; OBOLENSKI, D. Nova história da Igreja : a Idade Média. Petrópolis : Vozes, 1974. p. 236-239.
9 Apud GOODY, Jack. Família e casamento na Europa. Oeiras : Alta Editora, 1995. p. 140.
5
condenada a paixão (enquanto inimiga da razão), esses arranjos se davam, muitas
vezes, sobre sentimentos já existentes entre os futuros cônjuges, que, no dizer dos
autores, escolhiam-se nos limites do "amor viável". Portanto, os sentimentos e atitudes
formados pela Igreja, como já foi dito antes, chocavam-se com os padrões camponeses,
que criaram forte resistência, alguns, conseguiram sobreviver até a atualidade, muito
pelo apego à tradição.10
É nesse sentido que a historiografia aponta para a existência de um costume
popular de uniões entre casais desde a Baixa Idade Média – a prática dos esponsais –
que consistia na troca de promessas de casamento. Geralmente, consolidava-se com a
troca de presentes (que eram dos mais diversos, desde um fruta, uma taça de vinho, até
o próprio corpo em sinal de compromisso). Não era necessária a presença de um padre,
nem de familiares. Embora sua celebração permitisse relações sexuais e até a
coabitação do casal.11
Já os juristas localizam esta prática ainda nas sociedades grega e romana dos
períodos clássicos. A palavra esponsais veio, portanto, do direito romano (sponsalia
dicta sunt a spondendo) e significa a troca de promessas de casamento entre duas
pessoas de sexo diferente. Segundo BEVILAQUA, este pacto deve ser considerado
como a "transformação da compra das mulheres para o casamento":
Na Germânia, os prometidos em casamento eram, sob muitas relações, equiparados aos cônjuges [...] eram os esponsais um contrato pelo qual o mundialdo, o Gewalthaber, se obrigava a transmitir, ao marido de sua filha [...] o poder que sobre ela tinha, mediante uma soma de dinheiro...12
Como vimos, este costume foi reconhecido na legislação eclesiástica do século
XII. Deve-se considerar que neste momento, a Igreja ainda não detinha um rigoroso
controle das práticas matrimoniais numa sociedade basicamente camponesa, que se
organizavam a partir de princípios tradicionais comunitários. Estudos de costumes
populares apontam para a importância das organizações de rapazes que, além de atuar
na preparação de festas, desfiles e carnavais, tinham jurisdição sobre o "mercado
matrimonial".
Os charivaris, farsas, desfiles, danças, fogueiras, jogos e competições de
atletismo, eram montados por grupos informais de amigos e familiares, confrarias de
artesãos ou por "Abadias do Desgoverno". Estas eram organizações de rapazes
10 WOORTMANN, Klass; WOORTMANN, Ellen F. Amor e celibato no universo
camponês. Campinas : NEPO, Unicamp, 1990. p. 1-9.
11 BURGUIÈRE, op. cit., p. 97-160.
12 BEVILAQUA, Clóvis. Direito de família. 7. ed. corr. e aum. Rio de Janeiro : Rio, 1976. p. 23-24.
6
solteiros, presentes em toda a França desde o século XII. As abadias tinham jurisdição
sobre os aldeões de sua própria idade, inclusive sobre as jovens casadoiras.13 Segundo
SCHINDLER, nessas sociedades, as alternativas às normas eram bem escassas, e os
jovens, através de suas "brincadeiras", tinham um crescimento gradual no interior das
relações sociais, num modelo quase familiar. Haviam mecanismos coletivos de
aprendizagem que obedeciam à dialética entre observância das regras e sua infração
regulamentada. Nesse sentido, não era nenhuma contradição entregar o controle da
moral das moças nas mãos desses jovens, aliás, pois a juventude estava aprendendo o
"mundo dos adultos", e ainda não possuíam o caráter de "revolucionários", o que só
veio a acontecer no século XX.
Estabelecer contato com o sexo oposto constituía o ponto nodal da cultura de
tais grupos, de forma que tanto no Norte quanto no Sul da Europa, praticavam-se
visitas noturnas em grupo feitas à amada, num processo ritual que consistia também
num controle do "mercado matrimonial"; com atos de reprovação pública e punição
contra uniões irregulares. O autor defende que os charivaris tiveram origem na prática
dos jovens solteiros com função de guardiões da moças casadouras da própria
comunidade. Assim, eles eram os tutores da moral e honra das moças núbeis, como já
foi dito, era no desempenho desta função que prestavam um importante serviço à
comunidade, o de ajudar a manter a ordem adequada ao casamento e a continuidade
biológica da aldeia.14
Para SHORTER, "o modo como as pessoas se dão sexualmente antes do
casamento é fundamental para a história da família."15 O autor ainda observa que, na
Europa e América do Norte, entre 1750 e 1850 houve um vultuoso aumento na
ilegitimidade e na gravidez pré-conjugal, maior ainda que o registrado entre 1550 e
1650. Este período, do final do século XVIII, é constatado em seus estudos como a
"primeira revolução sexual", quando os jovens se voltam mais aos sentimentos
interiores que à questões como propriedade e desejo dos pais na escolha dos parceiros
conjugais.16
13 DAVIS, Natalie Z. As culturas do povo : sociedade e cultura no início da França
Moderna. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1990. p. 87-106.
14 LEVI, G.; SCHMITT, J. (Orgs.) História dos jovens : da Antiguidade à era Moderna. São Paulo : Cia. das Letras, 1996.
15 SHORTER, Edward. A formação da família moderna. Lisboa : Terramar, s/d. p. 89.
16 A segunda revolução sexual ocorreu, segundo o autor, entre 1950 e 1960, momento em que os jovens começam "a arrancar as camadas sentimentais a experiência romântica para atingir o seu cerne sexual". Competindo, então, para a valorização do erotismo. Ibid., p. 89-95.
7
Neste sentido, parece haver consenso entre os historiadores da família de que
na Europa do final da Idade Média e em boa parte da Era Moderna havia ampla
liberdade sexual e de escolha dos cônjuges. Como o poder de controlar os matrimônios
se encontrava disperso em diferentes instâncias (Igreja, pai, parentes, amigos e
vizinhos), os jovens que desejavam se casar dispunham de grande autonomia. Neste
contexto, a prática dos esponsais seria um indicador do clima de liberdade que então
reinava nas relações pré-conjugais e nos compromissos matrimoniais. De forma que os
nubentes apresentavam um papel ativo no ritual, enquanto que os padres apenas
constatavam e consentiam na união.
...El acceso de los jóvenes al matrimonio se ve facilitado no solamente por un "état d'esprit" favorable al vínculo conyugal [...] sino también por un "clima" general de permisividad sexual. Permissividad respecto a las relaciones sexuales preconyugales atestiguada por el elevado numero de expedientes sobre esponsales clandestinos o en litigio [...]; pero también respecto a las relaciones extraconyugales: la bastardía [...] se encuentra difundida y bastante bien admitida [...] La prostitución, autorizada y, en ocasiones, regentada por las autoridades urbanas...17
Mas estas liberdades foram sendo gradativamente suprimidas pela agregação
de uma série de fatores dentre os quais tiveram papel decisivo a ação paralela da Igreja
e do Estado. Estes, com princípios autoritários, passaram a normatizar condutas
visando valorizar o matrimônio e reprimir as atividades extraconjugais.18
Observe-se que até o Século XVI, a autoridade eclesiástica acompanhava a
liturgia do casamento – verba de presenti – respeitando as disposições
consuetudinárias. Foi no Concílio de Trento (1547-1563)19, que a Igreja reorganizou a
legislação matrimonial. Esta, reafirmou o casamento como um sacramento, como
indissolúvel, monogâmico e de competência da Igreja. Assim sendo, acabou por
desvalorizar as verba de futuro, ao impor à cerimônia a presença do padre enquanto
celebrante, tornando-o figura central na união.
As medidas tomadas no concílio tridentino colaboraram para submeter os
matrimônios a mais estreito controle do sacerdote e do cabeça da família, padronizando
inclusive o ritual, em detrimento dos costumes regionais, ao final do Século XVII.
17 BURGUIÈRE, op. cit., p. 124.
18 Ibid., p. 97-160.
19 O Concílio de Trento, apesar de uma certa ambigüidade, acaba por distinguir entre os matrimônios de filhos menores sem consentimento de seus pais e os matrimônios clandestinos propriamente ditos. Ele se limita a proibir os primeiros, mas recusa considera-los nulos. Isso depois de intensas discussões entre os bispos franceses, que se preocupavam com a autoridade paterna e com os interesses materiais envolvidos no casamento; e os jesuítas, defensores de que o consentimento dos noivos era a matéria mesma do sacramento e, portanto, suficiente para sua validez. Enfim, declara nulos os casamentos celebrados sem a presença do pároco e de testemunhas, e impõe a publicação prévia e o registro do matrimônio. Ibid., p. 99-101.
8
Nesse período, a Igreja empreendeu também uma luta contra os cortejos ruidosos,
contra os rituais populares que acompanham a cerimônia religiosa. Os objetivos eram
impor uma devoção austera e interiorizada e desempossar as solidariedades locais. O
Estado felicitou-se de ver desaparecer, junto com esta autoridade rival − as
solidariedades locais − uma situação de dispersão propícia às uniões clandestinas.20
Essas medidas da Igreja fazem parte de um longo período de inculcação de
uma moral conjugal austera e de vigilância da vida familiar, como instrumento de
moralização do corpo social. Concomitantemente, a centralização monárquica traz um
novo equilíbrio psicológico que valoriza o racional, a disciplina dos gestos e o pudor,
enquanto que a repressão contra os rituais populares acabou por enfraquecer as
solidariedades locais, contribuindo para o surgimento de uma esfera privada, de
intimidade, na qual o casal passou de simples unidade de reprodução à um polo de
afeto e de solidariedade.21
A expressão do costume dos esponsais foi diminuída, portanto, no Concílio de
Trento, que especificou claramente a diferença entre esponsais e casamento, numa
tentativa de quebrar a indissociação que aquela sociedade insistia em estabelecer entre
eles. Mas, segundo CASEY, não foi Trento que resolveu as dúvidas quanto a força dos
esponsais, ou dos esponsais clandestinos. Na Espanha, este costume apresentava
ambigüidade acerca do termo “desposório”, um acordo semi-privado entre as partes,
que tanto podia ser casamento quanto esponsais. Depois de Trento, o desposório
secreto passou a ser considerado nulo, mas continuava a ocupar na consciência laica,
quando seguido de relações sexuais, um lugar muito próximo do casamento verdadeiro,
permanecendo sua prática até meados do Século XX.22
Observe-se que em Portugal, nos primeiros séculos da monarquia, subsistiram
três formas de casamento. Havia o casamento celebrado segundo as solenidades todas
do ritual, o que o elevava à categoria de sacramento. Havia o realizado sem essas
solenidades, mas com a aprovação da família e, finalmente, o casamento sem a sanção
do direito canônico e sem a aprovação dos parentes, constituído somente pelo
consentimento das partes, acompanhado da intenção de viverem os consortes como
casados.23 A própria Legislação metropolitana, até o Concílio de Trento, reconhecia
dois tipos de casamento: o realizado "às portas da Igreja", satisfazendo, então o
20 Ibid., p. 85.
21 Ibid., p. 117-128.
22 CASEY, James. História da família. Lisboa : Teorema, 1989. p. 123-130.
23 BEVILAQUA, op. cit., p. 54-55.
9
sacramento cristão e o "presumido por juras", no qual vivia-se legalmente, mesmo sem
a bênção de Deus.24
Na tradição portuguesa, portanto, o costume que organizava a prática dos
esponsais permitia a cópula e a coabitação, o que foi combatido tanto pela Igreja
quanto pelo Estado, este preocupado com os interesses das famílias prejudicadas pela
liberdade de escolha dos cônjuges no ato do esponsal. Tais autoridades, apesar de seus
esforços, não puderam deter a difusão deste costume para o Brasil, onde os esponsais
acabaram por adquirir significados como o de substituição do casamento e até como
pretexto para a prática de relações carnais sem futuro casamento.25
Vemos, assim, que contrair esponsais significava no Brasil, tal como na metrópole, seguir um rito, um cerimonial, com data marcada como um casamento, assistido também por testemunhas. E que nesse rito as palavras e os juramentos eram consolidados por meio de uma troca de presentes entre os esposos.26
Dessa forma, em várias ocasiões as pessoas solteiras amancebavam-se,
prometendo regulamentar a situação. Entretanto, esse compromisso falseava-se no
intuito de ludibriar tanto a Justiça, quanto o respectivo concubino.27
24 SILVA, Maria B. Nizza da. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo :
Editora da USP, 1976. p. 37.
25 SILVA, Maria B. N. da (Org.) Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa : Editorial Verbo, 1994. p. 311-312.
26 SILVA, Sistema de casamento..., p. 85.
27 LOPES, Eliane Cristina. Tratar-se como casados e procriar : concubinato, campo fértil da bastardia. São Paulo : Cedhal, 1996. p. 17.
10
O COSTUME
Considerando os esponsais como uma prática consuetudinária que, apesar de
combatida, continuou a existir durante todo o século XVIII, como vimos no caso
espanhol, português e brasileiro, é importante observar o conceito de "costume" de
THOMPSON. Para este autor, as pressões reformistas encontraram grande resistência,
de forma que no século XVIII, a consciência do costume e seus usos eram
especialmente fortes, devido à grande distância existente entre a cultura dos patrícios e
dos plebeus. Entre as camadas populares, ritos e crenças permanecem vivos por obra
da tradição, de forma que o costume se revela uma poderosa força atuante na regulação
social e moral das comunidades e constitui normas não idênticas às proclamadas pela
Igreja ou pela autoridade civil, mas definindo-se muitas vezes defensivamente, em
oposição aos controles externos.
O “costume” pode ser entendido, além de um "sistema de significados, atitudes
e valores", como um fundo de recursos diversos, onde a negociação tem lugar entre o
escrito e o oral, o superior e o subordinado, e não deve ser vista como consensual,
antes, deve ver-se as contradições sociais e culturais, as oposições dentro do conjunto.
Nesse sentido, os esponsais podem ser entendidos como um campo de troca e de
contenda, onde intervém interesses opostos, havendo negociação entre o escrito e o
oral, entre a legislação oficial e a tradição.1
É possível, ainda, fazer um paralelo com a problematização do conceito de
"moral" de FOUCAULT na história da sexualidade. Dessa forma, por moral entende-
se, além de um “conjunto de valores e regras de ação propostas aos indivíduos e
grupos” por instituições, a própria conduta do sujeito, como se conduz frente aos
valores difundidos, ou seja, seu comportamento real. Há, portanto, uma margem de
liberdade na submissão as regras, pois estas podem ser transmitidas de maneira difusa,
não formando um conjunto sistemático. Assim, elas podem constituir “um jogo
complexo de elementos que se compensam, se corrigem, se anulam em certos pontos,
permitindo, assim, compromissos ou escapatórias”.2
Nesse sentido, é importante dar-se conta da existência de uma tensão
permanente entre os impositores de uma ordem pré-definida e aqueles que a ela
1 THOMPSON, Edward P. Costumbres en común. Barcelona : Crítica, 1995. p. 13-28.
2 FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. 3v. Rio de Janeiro : Graal, 1994. p. 26-31.
11
resistem cotidianamente; da persistência desta tensão e da coexistência de várias
formas de organização familiar.3 Em seus estudos sobre o concubinato, LONDOÑO
percebe seu objeto como um jogo entre os arranjos permitidos pelas particularidades da
sociedade colonial brasileira e as tensões resultantes do não cumprimento de normas e
princípios vigentes, ou seja, um embate entre normas que deveriam ser acatadas por
todos e as diversas respostas de mulheres e homens na procura da sobrevivência física
e social.4
Dessa forma, embora no Século XVIII a Colônia portuguesa na América já
dispusesse de uma estrutura eclesiástica para controlar a moral dos habitantes, a
historiografia revela uma realidade muito distante da pensada pela legislação
eclesiástica e por moralistas portugueses dos Séculos XVII e XVIII. A coabitação pré-
conjugal (muitas vezes originadas em promessas de casamento nunca cumpridas), o
nascimento de filhos ilegítimos, a bigamia e sobretudo o concubinato, inclusive de
padres, estarão sempre presentes nos processos de crimes julgados pela Igreja durante
todo este período.
Trataremos aqui do concubinato, pela ligação que tinha com a prática dos
esponsais. Ora, promessas de casamento não cumpridas estavam, por vezes, na raiz dos
concubinatos. Assim, os processos eclesiásticos de quebra de promessas de casamento
permitem fazer uma idéia das relações de sociabilidade e das ocasiões propícias à
prática do concubinato simples.5
A preferência ao concubinato geralmente dava-se pelas muitas dificuldades
para a formalização do casamento. O grande número de certidões, justificações e
dispensas consideradas obrigatórias aos que desejavam se casar, dificilmente era
conseguido na prática. A falta de recursos, para as mulheres, consistia em obstáculo,
pois nem sempre possuíam condições de serem dotadas para garantir um bom
matrimônio. Já para as altas camadas sociais, havia o problema de escassez de pessoas
do mesmo nível e aptas ao casamento. O nomadismo da população, os problemas com
a subsistência e o recrutamento e serviços militares também contribuíam para o grande
número de concubinatos.6
3 CORRÊA, Marisa. Repensando a família patriarcal brasileira : notas para o estudo das
formas de organização familiar no Brasil. in: ALMEIDA, Maria S. K. de et al. Colcha de retalhos : estudos sobre a família no Brasil. São Paulo : Brasiliense, 1982. p. 37.
4 LONDOÑO, Fernando T. A outra família : concubinato, Igreja e escândalo na colônia. São Paulo : Loyola, 1999. p. 16 e 102.
5 SILVA, Maria B. N. da. Vida privada e quotidiano no Brasil : na época de D. Maria e D. João VI. Lisboa : Editorial Estampa, 1993. p. 174-176.
6 LOPES, Eliane Cristina. Tratar-se como casados e procriar : concubinato, campo fértil da bastardia. São Paulo : Cedhal, 1996. p. 3-4.
12
Por exemplo, LONDOÑO aponta altas taxas de ilegitimidade em espaços
caracterizados por população fluída, pela mobilidade intensa, como as áreas de
mineração e de trânsito a caminho de Minas Gerais. Eram espaços onde pobres, forros
e índios, à procura de sua sobrevivência, aceitavam formas mais simples de
relacionamento que o casamento.7
Entretanto, o casamento sobreviveu como ideal de grande parte da população,
sendo buscado intensamente, como pode ser observado no grande número de
Dispensas e Justificações nos arquivos dos Tribunais Eclesiásticos.8
Torna-se interessante, portanto, observar os estudos de PRIORE sobre a
condição feminina no Brasil colônia. Segundo a autora, no século XVIII, o casamento
já estava presente no imaginário feminino. Essa valorização do matrimônio devia-se
muito pelos contratempos causados, às mulheres e suas famílias, pela gravidez fora
dele. O conjunto de normas oferecidos pela Igreja; preocupada com a prole irregular e
as adversidades da sobrevivência material intensificados pela ausência do
companheiro; era aproveitado pelas mulheres que recorriam aos Tribunais
Eclesiásticos quando vítimas de "violências ou promessas".
Nesse contexto, a criação da figura da "santa mãezinha", foi parte de um
projeto normatizador da Igreja contra a polimorfia de práticas, resultado de um intenso
sincretismo sexual, social e religioso. Numa tentativa de impor um padrão, mesmo que
lentamente, a Igreja incentivou as mulheres a perseguir a aliança sacramentada, mesmo
aquelas que haviam praticado "infrações", como as mancebas e concubinas.9
Observamos, então, a coexistência de diversas formas de organização familiar.
O casamento religiosamente legalizado, mancebia e concubinato, além de relações pré-
matrimoniais ou, ainda, paralelas ao matrimônio, que, segundo LONDOÑO, permitiam
dar vazão a sentimentos individuais nem sempre contemplados nas estratégias de
alianças.10
O tipo de compromisso gerado na celebração dos esponsais também se
constitui na tensão entre as normas e a tradição popular, de forma que legitimava – na
consciência dos noivos e seus familiares – a união dos casais mesmo não preenchendo
os requisitos exigidos pela autoridade eclesiástica, contornados pelos noivos devido,
muitas vezes, à morosidade e custos que representavam. Mas isso não o tornava
7 LONDOÑO, op. cit., p. 104.
8 LOPES, op. cit., p. 26.
9 PRIORE, Mary Del. Ao sul do corpo : condição feminina, maternidades e mentalidades no Brasil colônia. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1995. p. 68-110.
10 LONDOÑO, op. cit., p. 104.
13
consensual, pois haviam muitos interesses em jogo, que ficam transparentes nos
processos eclesiásticos de quebra de promessas. Como o compromisso era firmado
"informalmente", muitas vezes representava apenas o desejo imediato e individual dos
jovens, batendo de frente com regras sociais de escolha do cônjuge, tais como a
igualdade social e racial. Nesses casos, bem como quando o arrependimento ou uma
oportunidade de casamento melhor, ou ainda, quando a espera pelo cumprimento das
promessas se estendia demais, a parte ofendida reagia utilizando-se dos instrumentos
legais disponíveis para exigir o seu direito – ou seja, a realização do casamento.
14
A LEI
Ao entendermos os esponsais como um campo de conflito entre a norma
escrita e o costume, no qual os jovens atuavam num importante momento de sua vida,
o das escolhas matrimoniais, faz-se imprescindível conhecer os dispositivos que
regulamentavam essa prática legalmente, bem como os que poderiam ser acessados por
eles para fazer valer os seus direitos jurídicos.
Embora nessa pesquisa se negligencie o funcionamento do aparato judicial
civil − tanto por não constar nas fontes aqui utilizadas; quanto pela extensão deste
trabalho − será apenas apresentado o código civil referente aos esponsais, e uma
análise mais profunda será relegada para um estudo posterior. Como já foi explicado,
pelo fato do casamento ser um sacramento, as autoridades seculares restringiram-se aos
assuntos criminais e patrimoniais, "competindo à Igreja as questões que antecediam,
realizavam, protegiam e dissolviam o matrimônio".1 Portanto, por serem as questões
matrimoniais de exclusiva competência da Igreja, será trabalhado não somente o
código religioso, mas também alguns pontos da organização e estrutura clerical,
sobretudo da sua justiça, tal como estava constituída na segunda metade do século
XVIII.
LEGISLAÇÃO CIVIL
Como foi dito anteriormente, os esponsais haviam sido tratados já no antigo
direito romano. Consistiam num contrato verbal concretizado através da sponsio, ou
seja, a promessa do pater familias de dar a filha em casamento ao futuro genro.
Cerimônia mais religiosa que civil, obrigatoriamente deveria ser seguida da execução
do casamento.2
Contratavam-se os esponsais, na época do direito clássico, entre pessoas
maiores de 7 anos, mas os fatos apontam para a permissão em trocar promessas de
futuros casamentos mais cedo ainda. A confirmação do compromisso materializava-se
1 GOLDSCHMIDT, Eliana M. R. Redes de solidariedade e questões matrimoniais na São
Paulo colonial. São Paulo : Cedhal, 1996. p. 1.
2 LEITE, Eduardo D. Tratado de direito de família : origem e evolução do casamento. Curitiba : Juruá, 1991. p. 64.
15
pela doação de arras ou pela simples troca de anéis. Mas, desenvolvendo-se o princípio
de que às relações matrimoniais deve presidir a máxima liberdade, o direito romano
lançou preceitos que retiravam qualquer valor jurídico dos esponsais, que poderiam ser
rescindidos, ainda que sem justa causa, por uma das partes, que apenas ficava obrigada
às indenizações estipuladas.3
Portanto, esse tipo de ação deixa de gerar qualquer obrigação jurídica no
direito clássico. Mas, no Baixo Império, sob a influência dos costumes orientais e do
Cristianismo, a actio de sponsu retomou sua importância anterior. A partir do século
III, os esponsais produzem efeitos jurídicos certos, confirmando a quase certeza de um
futuro casamento.4
Sabe-se da influência do direito romano na legislação portuguesa, mas, no caso
dos esponsais, a própria prática regulamentada seguiu a mesma trajetória histórica da
experiência romana, como aponta BEVILAQUA:
O pacto é munido de uma sanção enérgica: a coação ao casamento ou a vindita da família, que, com o passar dos tempos, tolerou a substituição de qualquer pena criminal, a privação da liberdade ou da vida do infrator, por uma composição econômica. Mais tarde, essa coação ao casamento desaparece, porém, a retratação de um dos desposados cria, para o outro, o direito a uma indenização. Finalmente, extingue-se a eficácia jurídica dos esponsais.5
Este trabalho enfoca o período em que os esponsais, ou pelo menos a sua força
jurídica, está soltando os últimos suspiros. Como afirma SILVA, no decorrer do século
XVIII houve uma mutação em relação à prática dos esponsais, "acabando estes por ser
encarados apenas como um simples contrato, revogável a qualquer momento, desde
que não houvesse prejuízo para nenhuma das partes."6
Embora o código civil, as Ordenações Filipinas, aplique penas severas aos
homens que "com falsas promessas" levasse da honra e virgindade de mulheres, a
prática estava bem longe dessa realidade. As punições só eram aplicadas
eventualmente e com caráter "exemplar", isso nos casos de concubinato, pois não
encontramos menção à aplicação das penas previstas a culpados nos casos de esponsais
em nenhum outro estudo. Mas, deixemos para um estudo posterior a questão da prática
da legislação civil. Por hora, vejamos alguns aspectos da legislação em si.
3 BEVILAQUA, Clóvis. Direito de família. 7. ed. corr. e aum. Rio de Janeiro : Rio, 1976.
p. 25-27.
4 LEITE, op. cit., p. 64.
5 BEVILAQUA, op. cit., p. 25.
6 SILVA, Maria B. Nizza da. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo : Editora da USP, 1976. p. 89-97.
16
Ao final do século XVIII, embora a Coroa Portuguesa, influenciada pelo
Iluminismo, busque a "...promoção do legalismo e limitação do arbítrio doutrinal e
judiciário", a argumentação do discurso punitivo ainda se baseava em valores
religiosos, e o crime não era distinguido do pecado e do vício.7
Mas, ao analisar o regime penal dos crimes contra a ordem moral nos códigos
portugueses, HESPANHA percebe que estava em causa muito mais a defesa dos
interesses da família enquanto grupo político, do que a defesa de uma ordem moral.
Este é o caso, por exemplo, do item das Ordenações Filipinas que trata da autoridade
dos pais referente à escolha matrimonial da filha. Os filhos deviam obediência a seus
progenitores, e sua maioridade era atingida ao completar 25 anos, por casamento ou
por carta régia, e:
...se alguma filha, antes de ter vinte e cinco anos, dormir com algum homem, ou se casar sem mandado de seu pai, ou de sua mãe, não tendo pai por esse mesmo feito, será deserdada e excluída de todos os bens e fazenda do pai, ou mãe, posto que não seja por elles deserdada expressamente.8
Porém, se a filha casasse "...com um homem, que notoriamente seja conhecido,
que casou melhor, e mais honradamente do que seu pai ou mãe a podiam casar", ela,
neste caso, não seria deserdada e excluída da partilha dos bens de seus pais. Como
podemos observar, a própria obediência aos pais era relegada a um segundo plano
frente à questão do patrimônio familiar, do poder da família enquanto um grupo
econômico e político.
As Ordenações Filipinas, seguiam, neste sentido, os fundamentos do Direito
Romano. O adultério e o concubinato só eram punidos no caso de haver escândalo
público e, sobretudo, a dissipação, a favor da concubina, do patrimônio familiar. Não
eram, portanto, proibidos, o "coito vago" e o meretrício.9
Observe-se que a regra geral do direito civil impôs, como limitação à liberdade
sexual a defesa da ordem familiar, antes que da virgindade. Assim, o homem que
tirasse alguma mulher virgem, solteira, por dádivas, afagos ou prometimentos da casa
de seu pai, mãe, tutor, curador ou outra pessoa que a tivesse sob sua guarda, poderia
levar até pena de morte. E se o homem dormisse com uma mulher por sua vontade,
"seria preso e deveria casar-se, se ela assim o quisesse", caso contrário, "...pondo
caução de ouro, ou prata, ou dinheiro em Juízo, que razoavelmente possa bastar,
7 HESPANHA, António. Justiça e litigiosidade : História e Prospectiva. Lisboa : Fundação
Calouste Gulbenkian, 1993. p. 321-328.
8 ALMEIDA, Cândido Mendes de. Codigo Philippino ou ordenações e leis do Reino de Portugal : recopiladas por mandado d'El-Rey D. Phillippe I. 14. ed. Rio de Janeiro : Typographia do Instituto Philomathico, 1870. liv. 4, tít. 88, p. 927.
9 HESPANHA, op. cit., p. 338-340.
17
segundo a qualidade das pessoas, á virgindade e satisfação de seu casamento, seja
solto..."10
Mas, caso ele a deflorasse com seu consentimento e ela não estivesse sob o
poder dos pais, ou de algum consangüíneo afim, a nada este homem estaria obrigado
para com esta mulher.11 Conclui-se daí, primeiramente que a preocupação maior era o
grupo familiar. A honra ofendida pelo ato do defloramento não podia ser individual,
ela era estendida a toda a comunidade doméstica e se refletia no patrimônio moral dos
outros familiares. Segundo HESPANHA, "A Coroa deixava subsistir o sistema de
indenização privada, canalizando todos os seus esforços no sentido de evitar meios
violentos de reparação."12
E mais, a indenização refletiria a possibilidade de casamento com outro
homem, o aumento do volume do dote certamente revitalizaria a posição da mulher,
por mais que desonrada, no mercado matrimonial. A questão da moralidade, sem
dúvida, ficava em segundo plano, frente à necessária ordem familiar.
Quanto à prática dos esponsais, se resultava em defloramento e a promessa não
era cumprida consistia em crime, porque, mesmo a mulher não estando sob o pátrio
poder, portanto, emancipada, o seu consentimento foi conseguido através de fraude
(falsas promessas de casamento). As penas previstas eram, desde prisão e degredo, até
a morte.13
Dada a constância, na América Portuguesa, dos esponsais não originarem
futuros casamentos, surgiu a preocupação das famílias em registrar tais rituais em
forma de documentos, na presença de testemunhas. Um documento poderia facilitar,
mais tarde, a resolução de problemas ligados a perda da virgindade e gravidez pré-
conjugal, nas instâncias judiciárias.
Ocorrida no período pombalino, a polêmica em torno do modo de celebração
dos esponsais veio a traduzir-se na lei de 6 de outubro de 1784, que estabelecia, entre
outras coisas:
...que nenhuma pessoa, de qualquer qualidade e condição que seja, possa contrahir esponsais, sem ser por escritura pública, lavrada por tabelião, e assinada pelos contraentes, e pelos pais de cada um deles, e na falta dos pais, pelos seus respectivos tutores, ou curadores, e por duas testemunhas ao menos, e que não produzam efeito algum quaisquer promessas, pactos, ou convenções esponsalícias, que não forem contraídos por essa forma.14
10 ALMEIDA, op. cit., liv. 5, tít. 18-23, p. 1168-1173.
11 HESPANHA, op. cit., p. 341.
12 Ibid., p. 350.
13 Ibid., p. 341-342.
14 SILVA, op. cit., p. 88.
18
Era facultado, nesse contrato, a troca de arras esponsalícias e também a
estipulação de indenização pelo não cumprimento da promessa, quando não o
motivava uma causa justa.15 Consideravam-se justas causas para esse efeito o
aparecimento de moléstias contagiosas, ou vício repugnante em um dos prometidos, a
ausência prolongada, a infidelidade e os "desregramentos".16 Porém, a maior parte dos
esponsais no Brasil Colonial manteve-se como um contrato puramente verbal, não
tomando a forma de uma escritura pública.17
Um último ponto a ser tratado: tanto a Legislação civil quanto a eclesiástica
dispensou um tratamento muito minuncioso à questão do concubinato e das ligações
transitórias. Assim, "dividindo-se entre sexo, estado conjugal e posição social dos
envolvidos, os códigos de Leis [aplicaram] determinações e penas que se
diferenciavam para homens, para casados, solteiros e viúvos, para leitos e clérigos e
para denunciados pela primeira vez e reincidentes."18 Nesse sentido, o crime de
concubinato entre solteiros, considerado aqui pela possível relação com promessas não
cumpridas, levava multas pecuniárias que iam desde 5 cruzados até 2 mil réis, para
homens e mulheres. Mas estas eram perdoadas no caso de ocorrer futuro matrimônio.19
É possível observar, portanto, a coerência dessa legislação, volto a afirmar, no sentido
de proteger a instituição do casamento, ou seja, da família, em detrimento de questões
de cunho moral.
LEGISLAÇÃO ECLESIÁSTICA
Quanto ao aparelho disciplinador da Igreja, este desenvolvia uma política
sexual mais repressiva, seguindo o princípio do caráter ilícito e pecaminoso do coito,
principalmente do praticado fora do matrimônio.
Na América Portuguesa, o campo de atuação da Igreja foi o da normatização, o
que só foi possível devido a sua vinculação com o Estado luso. Além da Igreja ser
subordinada à Mesa de Consciência e Ordens, um órgão da administração civil, o Rei,
15 Do direito romano decorre a idéia, ainda atualmente aceita, de que o promitente que
recusa casar perde os presentes e doações feitas à outra parte, sendo obrigado a devolver o que recebera em igual caráter. LEITE, op. cit., p. 64.
16 BEVILAQUA, op. cit., p. 28-29.
17 SILVA, op. cit., p. 88-89.
18 LOPES, op. cit., p. 5.
19 ALMEIDA, op. cit., liv. 5, tít. 23, p. 1172.
19
como grão-mestre da Ordem de Cristo, atuava como chefe da Igreja em Portugal,
através de uma instituição de origem medieval, o Padroado.20
Num primeiro momento, do descobrimento até a primeira metade do século
XVIII, a presença da Igreja na América Portuguesa foi marcado pela atuação de ordens
religiosas, sobretudo a Companhia de Jesus. Já nessa época, em suas cartas, os jesuítas
deixavam, transparecer, em relação à prática do casamento, queixas sobre "uma
situação complexa que incluía a reforma da vasta maioria do clero português fiel às
tradições medievais do casamento por juras."21: Ser casado, era "...ser marido e mulher
era viver como marido e mulher, partilhando da mesma casa, da mesma mesa e do
mesmo leito".22
Para VENÂNCIO, boa parte do clero não considerava o casamento costumeiro
como uma falta grave, sendo sempre contraposto aos condenados adultério e
promiscuidade. Ao que parece, essa situação não mudou muito, mesmo depois da
maior implantação institucional da Igreja. Em 1707, foram publicadas as Constituições
Primeiras do Arcebispado da Bahia, um código padronizador das obrigações do clero e
dos fiéis, baseadas no Concílio Tridentino, Juntamente com o Regimento do Auditório
Eclesiástico, elaborado em razão de haver "...muitas dúvidas, e dificuldades sobre os
estilos da Justiça, Auditório, ordem do Juízo, e Regimento dos ditos Oficiais, e
Ministros de Justiça, porque de alguns não havia notícia alguma, e a que havia de
outros não era bastante, nem estavam em forma conveniente, e acomodada a este
tempo."23
Sobre o casamento costumeiro (os desposórios de futuro, ou esponsais), este
documento estipulou, além da idade mínima para contrair esponsais de 7 anos
completos, tanto para o homem quanto para a mulher, que:
...ainda que entre os desposados se siga copula depois dos desposorios, não ficão por isso casados de presente, segundo a disposição do Sagrado Concilio Tridentino o qual nesta parte emendou o direito antigo.24
Como veremos no decorrer deste trabalho, ainda que a norma canônica
condenasse a coabitação após a celebração de esponsais, houve grande relutância em
se tratá-la como concubinato, o que resultou num tratamento diferenciado da prática
20 SALGADO, Graça (Org.) Fiscais e Meirinhos: a administração no Brasil Colonial. 2.
ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1996. p. 113-115.
21 VENÂNCIO, Renato P. Nos limites da sagrada família. p. 108.
22 SILVA, op. cit., p. 111.
23 Apud GOLDSCHMIDT, op. cit., p. 1.
24 Constituições Primeiras, liv. 1, tít. 53, 262.
20
nos tribunais eclesiásticos. Por hora, vejamos as mais disposições das Constituições
Primeiras a respeito dos esponsais.
Num esforço para desfazer a confusão com o casamento existente entre a
população, foi proibida a presença e participação dos párocos na cerimônia dos
esponsais, justamente para não dar caráter oficial a tal ligação:
E porque para se celebrarem desposorios de futuro se não requer presença do Parocho, mas antes se podem seguir muitos inconvenientes de se achar presente, mandamos aos Parochos de nosso Arcebispado, sob pena de dous mil réis pagos do aljube, e seis mezes de suspensão de suas Ordens, não sejão presentes aos taes desposorios de seus Parochianos.25
Foram postas sanções também aos pais e contraentes do esponsal que
permitissem ou agissem segundo as antigas práticas:
Exhortamos, e mandamos aos esposos de futuro que antes de serem recebidos em face da Igreja não cohabitem com suas esposas vivendo, ou conversando sós em uma casa, nem tenhão copula entre si: e fazendo o contrário pagará cada um sendo nobre pela primeira vez dez mil réis, e sendo de menos qualidade cinco mil réis, para o Meirinho, e accusador: e sendo parentes haverão as mais penas de incesto, segundo a prova, e escândalo, que houver. E encarregamos a seus pais e mãis os não consintão estar de portas a dentro sob pena de um marco de parta.26
Note-se que, apesar de constar no edital e interrogatórios da visitação: "...se
alguns estão promettidos de casar, e cohabitão como se forão recebidos em face de
Igreja"27, raras eram as denúncias realizadas por terceiros. Em Curitiba, por exemplo,
todos os processos de esponsais decorrem de requerimento de um dos contraentes. Ao
que parece, as relações advindas dos esponsais não constituíam escândalo, pois não
implicavam "concubinato" aos olhos da sociedade. Ao que parece, a Igreja curvou-se à
força da tradição popular e, mesmo considerando pecado a cópula entre os noivos,
esteve a julgar mais casos de "promessas não cumpridas do que acusações de
concubinato dirigidas a esponsais."28
Um outro aspecto do trato dado aos esponsais pelas Constituições: os
esponsais constituíam impedimento ao casamento. Ou seja, alguém que tenha trocado
promessas de casamento não podia vir a contrair matrimônio com uma terceira pessoa,
sem estar devidamente desquitado das ditas promessas. Podia também ser impedimento
dirimente do primeiro grau, de forma que
25 Constituições Primeiras, liv. 1, tít. 53, 264.
26 Constituições Primeiras, liv. 1, tít. 58, 265.
27 Regimento do Auditório Eclesiástico, tít. 7, 89.
28 VAINFAS, R. Trópicos dos pecados : Moral, sexualidade e Inquisição no Brasil colonial. Rio de Janeiro : Campus, 1989. p. 89.
21
...se algum dos contrahentes tinha celebrado validos desposorios de futuro com o irmão, irmã, filho, ou filha daquella pessoa, com quem quer casar, ainda que sejão fallecidos, ou lhe remittissem a obrigação, não podem casar com seu pai, ou mãi, irmão, ou irmã.29
Eram estes, portanto, os principais princípios defendidos no direito
eclesiástico, implantado no Brasil Colônia, segundo as Constituições Primeiras do
Arcebispado da Bahia. A distinção entre esponsais e casamento, e a proibição da
coabitação entre noivos, coagida por multas pecuniárias aos envolvidos. Vejamos
agora alguns aspectos da estrutura eclesiástica colonial.
Na hierarquia eclesiástica no Brasil, o rei português ocupava o lugar de chefe
da Igreja, como vimos, devido à instituição do Padroado. A Mesa de Consciência e
Ordens era a última instância do juízo eclesiástico; o tribunal metropolitano de todos
os assuntos de cunho religioso.30
A seguir, vinham os arcebispados, províncias eclesiásticas sob a jurisdição do
pontífice. Estes eram subdivididos em bispados e prelazias. A região hoje conhecida
como Estado do Paraná esteve subordinada ao prelado fluminense de 1575 até 1745.
Durante este período foram criadas as duas primeiras paróquias paranaenses, Nossa
Senhora do Rosário de Paranaguá e Nossa Senhora da luz dos Pinhais de Curitiba. Em
1745 foi criado o bispado de São Paulo, quando as terras paranaenses passaram a ser
subordinadas a esta instância.
Os bispados eram subdivididos em paróquias, seções territoriais distintas, com
uma população e uma igreja matriz, sob a autoridade de um pároco que desempenhava
as obrigações com os serviços religiosos. Várias paróquias formavam, ainda, uma
comarca eclesiástica, que era governada pelo vigário da vara.31 Até 1775, Paranaguá
foi sede de comarca eclesiástica, tendo jurisdição sobre toda a região meridional. E é
só a partir dessa data que Curitiba passa a ter o seu vigário da vara.32
Cabia aos vigários da vara a fiscalização administrativa, do cumprimento das
obrigações litúrgicas e das normas de direito eclesiástico. Representavam a instância
inferior do poder de justiça da Igreja. A eles competia tirar devassas, dar sentenças em
causas sumárias e fazer os autos das causas a serem enviadas ao juízo eclesiástico.
Remetiam ao vigário geral autos, inquirimento de testemunhas, apelações, sumários de
sevícias ou de nulidades de matrimônio.33
29 Constituições Primeiras, liv. 1, tít. 57, 285.
30 SALGADO, op. cit., p. 120.
31 Ibid., p. 117-118.
32 PAULA, Allan de. A América portuguesa e o hábito de São Pedro. Relatório apresentado ao CNPQ, 1998.
33 SALGADO, op. cit., p. 118, 326.
22
As questões matrimoniais eram resolvidas nas próprias freguesias, quando não
requeriam libelo, somente propondo o Autor a ação e o Réu contestando, se desejasse.
Nesse sentido o Vigário Geral:
Detinha a exclusividade sobre as questões matrimoniais consideradas "árduas, e de muito prejuízo, e importância", ou seja, aquelas "que se movem sobre os desposórios de futuro e Matrimônio de presente, e sua validade, e invalidade, e divórcios", recomendando-se proceder nelas "muito atentamente, e com grande circunspecção, conformando-se com o direito, e Sagrado Concílio Tridentino".34
Nesta pesquisa, observaremos o tratamento que davam aos autos de esponsais.
A segunda instância era o Auditório Eclesiástico, que julgava as apelações e agravos
das decisões de primeira instância, era presidido pelo arcebispo e em sua ausência pelo
provisor.
Observe-se que a estrutura eclesiástica era altamente centralizadora. E que,
além da fiscalização inerente à própria hierarquia estabelecida, funcionavam ainda as
visitações. Estas, realizadas pelos bispos, objetivavam a unificação do estado das
Igrejas. O Tribunal do Santo Ofício também enviou ao Brasil visitadores, para garantir
a "ortodoxia da tradição cristã-lusa".35
Até o final do século XVIII, o atual território paranaense contava com sete
Paróquias: em Paranaguá, a de Nossa Senhora do Rosário, erigida em 1655; em
Curitiba, a de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, de 1668; em Antonina, a de Nossa
Senhora do Pilar da Graciosa, de 1719; em São José dos Pinhais, a do Senhor Bom
Jesus dos Perdões, de 1757; na Lapa, a de Santo Antônio do Registro, de 1769; em
Castro a de Sant'Anna do Iapó, de 1770; e em Guaratuba, a de Nossa Senhora do Bom
Sucesso, erigida em 1771.
Como vimos, a comarca de Paranaguá foi sede e deteve jurisdição sobre toda a
região até 1775, quando Curitiba passa a ter o seu vigário da vara. Esta, até a
organização da Capitania do Rio Grande de São Pedro, na segunda metade do século
XVIII, abrangia toda a região meridional da colônia, excetuando-se o litoral
paranaense.36
34 GOLDSCHMIDT, op. cit., p. 3.
35 Ibid., p. 21.
36 PAULA, op. cit.
23
A VILA
No período estudado, Curitiba se constituía de uma vasta área geográfica,
abrangendo praticamente todo o primeiro planalto paranaense, mas era pouco povoada.
Segundo o Mapa Geral de 1772, entre homens, mulheres e escravos, haviam 1939
moradores na vila de Curitiba.1 A população era em boa parte miscigenada, de
"caboclos" e "pardos", embora SAINT-HILAIRE, em sua visita a Curitiba em 1820,
observou que haviam muitos homens "genuinamente brancos" na localidade, mais do
que havia encontrado em outras regiões do Brasil.
Em nenhuma outra parte do Brasil encontrei tantos homens genuinamente brancos quanto no Distrito de Curitiba [...] De um modo geral eles são altos e bem constituídos, têm os cabelos castanhos e a pele rosada; suas maneiras são afáveis, sua fisionomia é franca, e eles não mostram o menor sinal daquela bazófia que comumente torna insuportáveis os empregados e comerciantes da capital do Brasil. As mulheres têm as feições mais delicadas do que as de todas as outras regiões do país que visitei; elas são menos arredias e sua conversa é agradável.2
O centro urbano era ainda muito pequeno, e grande parte da população morava
pelos arredores, em sítios e fazendas, frequentando a vila para cumprir suas obrigações
religiosas e para tratar de negócios. As atividades econômicas estavam voltadas à
criação de gado e à agricultura de subsistência, com algum excedente destinado ao
parco comércio existente, de forma que eram proibidos lojas e mascates fora da região
urbana.
PEREIRA retrata, de uma forma geral, essa sociedade:
Nessa região, mesmo a maioria dos mais abastados era analfabeta ou semi-analfabeta. [...] Provavelmente o oligarca, seus camaradas, comerciantes e artesãos urbanos tinham hábitos pouco diferenciados entre si. Não há evidências de que existissem formas de lazer, de higiene ou de gestual específicas de um ou outro setor da população.3
A Câmara Municipal de Curitiba nos deixou uma descrição das condições de
vida da população da vila:
Os moradores da freguesia desta vila, além de não serem as terras muito frutíferas, e porque não tem para que nem para onde dêm consumo ao fruto de suas lavouras, estão já no
1 BALHANA, Altiva; MACHADO, B. P. e WESTPHALEN, C. M. História do Paraná.
Curitiba : Grafipar, 1969. p. 117.
2 SAINT-HILAIRE. Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Belo Horizonte : Ed. Itatiaia, 1978. p. 79.
3 PEREIRA, Magnus R. de M. Semeando iras rumo ao progresso : ordenamento jurídico e econômico da sociedade paranaense, 1829-1889. Curitiba : Editora da UFPR, 1996. p. 136.
24
costume de plantarem tão somente quanto baste para o sustento de suas famílias, porque sempre o que lhe sobra o perdem do bicho, e se o aproveitam é só emprestando aos vizinhos que precisam, para o tornarem quando o tem, por êste motivo já estão em hábito de não fazerem esfôrço em grandes plantações, porque nunca alcançaram disso utilidade. Isto é falando daqueles moradores que têm modo e comunidade de o fazerem, porque uma grande parte dêles, e talvez a maior, porque moram à beira do campo e terras menos aptas para a lavoura, nem para o preciso se empenham nela, porque fazem vida a conduzir congonhas para Paranaguá, onde as permutam pelo sal, algodão e farinha, sem sairem desta miséria desde seus tataravós, e não se lhes pode condenar êste gênero de vida, porque inda assim comem farinha, e têm o sal, e vestem o algodão, e se largassem dela pelo empenho da lavoura, sim, teriam milho e feijão para comer, mas sem o sal, e nus até do pobre algodão, pois não haveria quem lhes desse pelo milho e feijão, e chegariam a ser mais miseráveis do que são.4
Os homens livres tanto eram proprietários, ou compunham a massa de
despossuídos que se ocupavam da agricultura de subsistência e eram ameaçados pelos
sucessivos recrutamentos da época, devido às Guerras espanholas no Sul. Neste
período houve, ainda, uma mobilização no sentido de abastecer a região das minas de
ouro de Minas Gerais, o que trouxe uma nova fase de atividades econômicas aos
habitantes: o tropeirismo.
O gado criado nas fazendas dos Campos Gerais era vendido aos mineiros, e a
estrada da Laguna, que começou a ser usada em 1731, possibilitou a busca do gado
selvagem da região serrana do Rio Grande. Eram conduzidas, então, tropas de mulas,
destinadas a suprir a falta de transporte da região das minas. Esse comércio de tropas
de mulas tornou-se a atividade mais rendosa do sul. Fazendas de criação e invernagem
de gado estenderam-se por todas as regiões de campos naturais do Paraná.5 Todo esse
contexto indica uma intensa mobilização espacial, o que irá interferir no "mercado
matrimonial", bem como as relações de sociabilidade dessa população de Curitiba
entre si e com os moradores do litoral e dos Campos Gerais.
Outros contingentes populacionais são os compostos pelos grupos de
aventureiros que residiam nos arraiais nas regiões auríferas, pessoas essas originárias
dos primórdios da mineração no século XVII, e que persistem na atividade em virtude
de um ou outro achado, havendo "gaúchos nômades, índios e seus mestiços".6
Durante o Século XVIII, fortaleceu-se a presença do estado português,
principalmente pelos provimentos do ouvidor Pardinho e, quanto à autoridade da
Igreja, estava bem representada no Tribunal Eclesiástico da Vila de Nossa Senhora da
Luz de Curitiba, o qual, presidido pelo vigário da vara, velava pela moralidade de seus
4 Essa descrição da mediocridade da vida da comunidade, foi realizada para prevenir as
recrutas e as requisições militares. Citado por BALHANA, op. cit., p. 74-75.
5 Ibid., p. 39-95.
6 MARTINS, Romário. História do Paraná. 3. ed. Curitiba : Guaíra, s/d. p. 209.
25
fiéis. Quanto à nupcialidade, Curitiba se caracterizava pelo casamento entre iguais, de
forma que predominavam a endogamia e a homogamia. Embora as taxas de casamento
fossem altas, haviam "uniões livres", gerando um número significativo de filhos
ilegítimos.7
O recrutamento para as guerras do Sul (1761-1777), levou a flutuações
populacionais na vila, com saídas e entradas de tropas. Outros homens se evadiam para
o interior na tentativa de escapar a tais recrutamentos. Estes influenciaram, inclusive, a
idade dos homens ao casar, sendo que alguns passaram a antecipar o momento do
casamento, no intuito de escapar das atividades militares, pois havia preferência ao
recrutamento de homens solteiros.8 BURMESTER, sobre a idade ao casar, constatou
na vila de Curitiba, entre 1710 e 1779, uma média de 19, 68 anos para o sexo feminino.
Portanto, desmente a crença da acentuada precocidade no casamento das mulheres
neste período. Já a idade no primeiro casamento, relativa ao sexo masculino, se
apresenta mais elevada, sendo de 25, 93 anos, verificada no mesmo período.9
A média de concepções pré-conjugais em Curitiba, no mesmo período, não
chega a 5%, enquanto que a frequência da ilegitimidade se apresenta relativamente
grande:
Tabela 1: Frequência de nascimentos ilegítimos em Curitiba.10
Decênio Nascimentos ilegítimos
1750 − 1759 7,7 %
1760 − 1769 8,3 %
1770 − 1779 12,6 %
1780 − 1789 17,6 %
1790 − 1798 21,6 %
A autora levanta a hipótese da "aceitação da ilegitimidade" pela sociedade da
época; até porque sua frequência está em crescimento. Argumenta que a falta de
atitudes mais enérgicas da Igreja e do Estado para reprimir este comportamento reforça
sua hipótese. E, ainda, lembra a vontade do Estado de aumentar a população, no intuito
7 Entre 1731 e 1798, 21% das crianças nascidas em Curitiba eram ilegítimas ou abandonadas
ao nascer. BURMESTER, Ana Maria de Oliveira. A nupcialidade em Curitiba no século XVIII. História: Questões e Debates, Curitiba, a. 2, n. 2, p. 63-68, jun. 1981.
8 BURMESTER, Ana Maria de Oliveira. Population de Curitiba au XVIIIe siècle. Montreal, 1981. Tese (Ph. D.) – Faculté des Arts et des Sciences, Université de Montreal. p. 140-144.
9 Ibid., p. 136-144.
10 Ibid., p. 259.
26
de incorporar e manter uma parte da região Sul do Brasil. Finalmente, constata a maior
frequência da ilegitimidade entre as classes mais desfavorecidas, sendo comum, nos
registros de batismo, a descrição das mães como bastardas, forras e negras.
É nesse cenário que se desenrola, portanto, o conflituoso processo de escolha
de cônjuges, perceptível nos casos de compromissos rompidos que configuram os
processos de esponsais a serem analisados no trabalho proposto.
27
O PROCESSO
Como vimos, até 1775, a comarca de Paranaguá era responsável pela
jurisdição eclesiástica de toda a região meridional da colônia. Portanto, ela abarcava a
vila de Curitiba e suas freguesias.
Nesse sentido, os oito primeiros processos de esponsais da segunda metade do
século XVIII, que envolvem moradores de Curitiba, são decididos, de uma maneira ou
de outra, no Auditório Eclesiástico da Comarca de Paranaguá. Excetuando-se o
processo de 1750 – inteiramente passado na cidade de São Paulo, sob a autoridade do
Reverendíssimo Senhor Doutor Governador do Bispado Matheus Lorenço de Carvalho
– e os processos de 1765 e 1773, ocorridos durante as Vizitas Ordinárias do Muito
Reverendo Senhor Doutor Vizitador Manoel Francisco Vilella, e do Reverendo Senhor
Doutor Vizitador Ordinário Firmiano Dias Xavier, respectivamente.
Já os processos de "autos entre partes" de 1753. 1767 e 1769, foram resolvidos
pelo Muito reverendo Senhor vigário da vara de Paranaguá, Francisco de Meyra
Callassa; estando o padre na vila de Curitiba. Os demais processos foram todos
autuados em Paranaguá, mas o vigário da vara mandou para que fosse regido pelo
pároco do local de moradia dos envolvidos, através de mandados de comissoins. O
mandado do vigário da vara consistia da apresentação do caso, a autuação, e de
instruções dos passos a serem seguidos pelo pároco, como a inquirição das
testemunhas, do casal, sobre os documentos a serem produzidos, etc. Geralmente este
mandado chegava ao vigário local "asignado e sellado com o sello de que uza este
Juizo".1
O único processo remetido ao Juízo Eclesiástico de Curitiba foi em 1759,
quando o vigário da vara, Callassa, delegou ao vigário Juiz Comissário Manoel
Domingues Leytam, a satisfação da petição da autora, Paula Fernandes Lisboa.2 Os
outros processos analisados nesta pesquisa (1765, 1772, 1773, e 1773), foram
remetidos à freguesia do Patrocino de Sam Joze, termo da vila de Coritiba, aos
Reverendos vigários João da Silva Reis e Joze de Freitas Costa.
1 Processo de autos de justificação de 1773, entre Francisca da Costa e Antonio Cardoso.
2 Processo de Autos entre partes de 1759, entre Paula Fernandes Lisboa e Paulo Fernandes da Silva.
28
Os processos de esponsais abertos a partir de 1775, foram observados na
Vigararia da vara da Villa de Coritiba; pelos vigários da vara: Domingos Rodrigues
Costa (1778, 1780 e 1781); e Francisco das Chagas (1785).
Fazem parte da estrutura dos processos de autos entre partes, de uma maneira
geral, a autuação; o termo de asentada, de depósito, de juramento; o auto de perguntas
a testemunhas; o auto de perguntas entre partes; o termo de encerramento, de
conclusão, seguido do despacho e da publicação; e por último ficam as contas, ou
custas. Nos casos de mandado de comissão, acrescenta-se a estes itens o termo de
remessa e o termo de torna, os dois devidamente assinados, lacrados e selados. Nesses
casos, o despacho era colocado pelo vigário da vara de Paranaguá. Vejamos agora os
principais aspectos dos processos, começando pela autuação.
Dos quinze processos analisados neste trabalho, nove tiveram início por uma
petição da mulher enganada por promessas de casamento que não foram cumpridas.
Todas as nove se apresentaram como honestas, vivendo "recolhidamente em casa de
seus pais", até que "por juras e falsas promessas", a levaram de "sua honra e
virgindade". São mulheres defloradas, prenhas, pejadas, algumas com filho do
compromisso a justificar; todas se dizem, portanto, impossibilitadas de conseguir outro
casamento.3
Há, entretanto, três processos nos quais é o pai da mulher comprometida que
procura a justiça eclesiástica. Em 1764, Domingos de Freyttas, pai de Maria de
Freyttas, apresenta uma petição para ser autuada pelo escrivão. O motivo é o seguinte:
no mês anterior, sua filha foi ao mato com duas crianças, quando Manoel Alvarez da
Luz "violentamente contra Sua vontade a [rasurado] amedrontando-a com armas a
Levou para as partes de Mandyrityba..." Trata-se de um rapto, no qual o raptor alega
promessas de casamento. O pai procura a justiça porque "de Semelhante
Acontecimento não Sô infamia da Suplicante, como damno da mesma honra e perdição
de muitas vidas por algum excesso dos mesmos parentes..."4
Faz-se necessário discutir, portanto, algumas implicações do conceito de
honra. Definida como guia da consciência, regra de conduta ou medida de status social,
a honra é concebida segundo critérios que dependem da identidade e do ponto de vista
coletivo. Assim, a honra comporta grandes variedades, entre nações e até mesmo entre
comunidades diferentes.
3 Estes casos consistem dos processos de 1750, 1759, 1765, 1769, os três processos de 1773,
1778 e 1785.
4 Processo de Auto entre partes de 1764, entre Maria de Freyttas e Manoel da Lus.
29
Mas podemos nos basear nos princípios europeus para procurar compreender a
noção de honra nas sociedades brasileiras do século XVIII. Pode-se dizer, de uma
maneira geral, que a honra é coletiva; e que a vergonha da desonra se lida à totalidade
do grupo concernente. Dessa maneira, a ofensa à honra de um homem não se refere,
necessariamente, à sua própria conduta, mas também à de sua mãe, irmã, filha ou
mulher.5 Ou melhor, a honra dos homens está ordinariamente ligada à pureza das
mulheres e à defesa de um conjunto composto de parentes, amigos, aliados e vizinhos.6
Portanto, ao raptá-la, Manoel da Lus acabou por ofender, pela desonra sexual,
todo o grupo familiar de Maria de Freyttas. Não é de se estranhar, portanto, as ameaças
dos parentes, que sentiram-se ofendidos e envergonhados pelo raptor.
Os outros dois casos em que o pai da moça é o autor do processo, referem-se a
um divórcio de esponsais e a um caso complicado que envolve perdas materiais. Em
1780, o sargento mor João Baptista Diniz quer justificar a dissolução do compromisso
entre sua filha e o alferes Francisco da Costa Pinto, de Paranaguá. Pois este rompeu
com Anna Gertrudes através de uma carta, após terem, inclusive, mandado correr os
banhos nas duas vilas. Ofendido, o sargento mor procurou deixar às claras o divórcio,
até para que sua filha não tivesse impedimentos num casamento posterior. O motivo do
rompimento refere-se à obediência aos pais, e será tratado mais adiante.7
Já Manoel Dias Colaço, morador de Curitiba, havia tratado de casar sua filha
Joanna com Manoel Francisco de Siqueira, da freguesia de Santo Antônio da Lapa.
Observe-se que, tanto a família Colaço, quanto a Siqueira, estão entre as mais ricas da
região. Sabemos que eram comuns os casamentos arranjados entre as famílias mais
abastadas, mas, neste caso, por um motivo ainda desconhecido nesta pesquisa, o noivo
se arrependeu do contrato. Entretanto, Manoel Dias Colaço já havia começado com os
preparativos para o casamento, o que importa a realização de consideráveis despesas.
Enfim, todo o processo diz respeito à cobrança de reembolso pelas despesas
empreendidas num casamento que não mais aconteceria.
Os últimos dois processos descritos envolvem famílias mais abastadas, e é
interessante observar que em nenhum dos casos se faz menção à desonra sexual.
5 GOLDSCHMIDT, Eliana M. R. Convivendo com o pecado na sociedade colonial
paulista (1719-1822). São Paulo : Annablume, 1998. p. 49.
6 Neste trabalho não trataremos da honra masculina, o que está relegado a uma pesquisa posterior mais ampla. Sobre honra ver CZECHOWSKY, Nicole (Org.). A honra : imagem de si ou dom de si – um ideal equívoco. Porto Alegre : L & PM. 1992.
7 Processo de Autos de desquite, de 1780, entre Anna Gertrudes e o Alferes Francisco da Costa Pinto.
30
Outros estudos já apontaram para a diferença da linguagem dos processos conforme a
situação social dos envolvidos.8
Continuando a descrição das autuações, há dois casos nos quais é o homem
que inicia o processo de esponsais. Em 1753, Agostinho da Costa Peixoto, natural da
freguesia de Santa Luzia, de Angra, entra com uma petição no Juízo Eclesiástico de
Curitiba, para estar a perguntas matrimoniais com Anna Maria de Anunciação, natural
de São Paulo. O seu desejo é regularizar a união, visto que "elle autor lhe prometera de
cazar com ella Re cujas promesas foram aseittas de hum para outro e haviao contrahido
verdadeiras esponsais". Ao ponto que "elle Autor esta atualmente em caza da Re e esta
tratando delle Autor"; nas palavras de Anna Maria, "com serteza estavam vivendo
juntos".9 Dentre todos os processos analisados, este é o único que apresenta um caso
claro de coabitação e de desejo de trocar essa relação pelo casamento devidamente
registrado e abençoado pela Igreja.
O outro caso é muito distinto deste. Em 1765, Antonio de Maya entrou com
um processo de autos entre partes contra Antonia Rodrigues, moradora no "Bayrro de
Tinguiquera". Esta lhe colocara impedimento ao casamento, quando já se "fizeram seos
pregoens". Assim, o intuito de Antonio, na sua petição, era provar que não prometera
casamento à Antonia, embora houvesse tido tratos ilícitos com ela a nove ou dez anos
atrás. Além disso, queria provar que Antonia teve "má fama" antes de seu
envolvimento com ela, e que no momento ainda vive "desonestamente". Alega, por
conseguinte, que jamais poderia ter prometido esponsais a Antonia, visto ser ela parda,
reconhecidamente filha de um mulato.10
Um único processo, dentre os quinze analisados, teve início por um documento
de ambas as partes: Jozê da Cunha Bueno e Maria de Jesus. Apesar de breve, este
documento apresenta muitos elementos complexos, na medida em que envolve um
casal interessado na união, mas impedidos pelos parentes da moça, "altivos de
prezumpção soberba". O envolvimento da família nas escolhas matrimoniais será
tratado mais adiante, e este caso mais detidamente.
A maioria dos processos iniciaram-se, portanto, pela vontade da mulher, no
intuito de ver cumpridas as promessas que levaram à sua desonra. Esse fato aponta
para a discussão apresentada anteriormente, reiterando que, apesar de uma certa
aceitação da ilegitimidade, o casamento era procurado porque representava
8 SILVA, M. B. Nizza da. História da família no Brasil colonial. Rio de Janeiro : Nova
Fronteira, 1998. p. 92-96.
9 Processo de auto de perguntas entre partes de 1753, entre Anna Maria da Anunciação e Agostinho da Costa Peixoto.
10 Processo de Auto entre partes de 1765, entre Antonio da Maya e Antonia Rodrigues.
31
respeitabilidade e, acima de tudo, uma maior garantia de sobrevivência material.11 Um
outro ponto a ser levantado: nenhum dos processos foi originado em denúncias da
comunidade, ou seja, as relações advindas de esponsais não consistiam em escândalo.
Mesmo quando a vizinhança estava consciente da prática de relações sexuais entre os
comprometidos em esponsais, e sabia da existência de filhos dessas relações, e até
mesmo de concubinato oriundo delas, esta só se manifestava quando convocada pela
justiça. E ainda assim na maioria dos casos, como veremos adiante, sua participação se
dava no sentido de justificar todo o ocorrido, que, enquanto fruto de promessas de
casamento, não deve ser entendido como "imoral".
Quando a mulher se sentisse prejudicada por ter sido seduzida e não se
cumpria a promessa de matrimônio, e recorresse ao tribunal episcopal, ela procurava a
sua "justificação". Para tanto, era preciso comprovar a retirada feminina da casa da
família, a celebração dos esponsais, a perda da honra em consequência da promessa
matrimonial e o modo de viver honesto e recolhido em casa paterna até o momento da
sedução.12 Como veremos adiante, os depoimentos das testemunhas vão de encontro a
essas proposições.
Após autuadas as petições pelo escrivão do auditório eclesiástico, o vigário da
vara emitia o seu despacho. Este geralmente ia de encontro ao pedido do Autor do
processo, seja com permissão para a justificação por testemunhas, seja chamando o
Réu para estar a perguntas, ou, em alguns casos, decretando sua prisão.
A prisão acontecia quando o réu tencionava fugir do compromisso, como no
caso em que a Autora alegou que "Corra not.a serta q' se quer auzentar p.a as partes do
Sul a fim de não comprir o q' asim prometeo ficando a Sup.te com o Seu Credito
defamado...".13
Assim como Maria de Ramoz, que requereu a "prizão p.a o Supp.te vir Siguro
a preguntas perante V.a S.a pois de outra sorte se auzentara".14 Já no caso de Paula
Fernandes Lisboa, o vigário da vara ordenou "que o dito Paulo Fernandes fose prezo
para a cadea desta villa [Curitiba] e dahy para a de Parnagua se as partes o Requeresem
pella pouca Seguranca que tem a Desta villa".15
11 FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento : fortuna e família no cotidiano
colonial. Rio de Janeiro, 1994. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense. p. 30-31.
12 GOLDSCHMIDT, op. cit., p. 110- 114.
13 Processo de Autos entre partes de 1785, entre Anna Maria Buena da Lus e João Guilherme da Sunção.
14 Processo de 1750, entre Maria de Ramoz e Antonio de Lima.
15 Processo de 1759, entre Paula Fernandes Lisboa e Paulo Fernandes da Silva.
32
O poder eclesiástico local utilizava todos os seus instrumentos para garantir a
"justificação"; sendo mais comum a ameaça de excomunhão: aos homens chamados
para as perguntas, caso não quisessem comparecer; e aos familiares das moças, caso a
maltratassem no seu regresso à casa.
Quando as mulheres estavam sob o poder do noivo, de familiares ou
conhecidos dele, eram, logo após a autuação, depozitadas "numa casa onde não a
possam constranger". Geralmente era a casa de uma família bem conhecida pelo
pároco, de forma que o responsável deveria jurar sobre os Santos Evangelhos, requerer
e defender "tudo que for a bem de sua justica e honestidade da Suplicante".16 Ao final
do processo, quando os esponsais não eram justificados, ou as partes não entravam em
consenso sobre o casamento, a mulher era devolvida aos pais, num processo muito
cuidadoso.
Ao escrivão ficava incumbida esta tarefa, à qual cumpria, notificando "a Seus
Pais e Irmaons com pena de excomunham mayor ipso facto incumenda tomem conta
della e a tenham em Sua companhia como sua filha que he e que debaxo da Sobredita
pena [...] maltratando a com castigos a dita Maria de Freytas os [rasurado] por
excomungados".17
Tanto os autos de perguntas a testemunhas, quanto as perguntas entre partes,
serão trabalhados separadamente, mais adiante. Após essas etapas, encerrava-se o
processo, quando o escrivão produzia os "autos concluzos", abaixo do qual o vigário
da vara colocava o seu despacho final. Este nem sempre está numa linguagem clara e,
pior, legível. As condições físicas dos documentos (material manuscrito e
microfilmado) dificultam a leitura e, por vezes, impossibilitam a recuperação de todo o
conteúdo dos processos. Assim, são poucos os despachos recuperados, ou seja, a
decisão final do vigário da vara de nosso conhecimento.
Estudos indicam que a justiça eclesiástica considerava a inviabilidade de
matrimônios nascidos de conflitos, de forma que não obrigava os noivos a formalizar
uma relação indesejada. Geralmente quando a promessa era negada por uma das partes,
segundo os termos canônicos, a união não deveria ser forçada. Porém, na região de
Curitiba, observa-se uma tendência também encontrada em São Paulo: a prisão do
suposto sedutor era determinada antes da promulgação da sentença. Esse fator
constituía, sem dúvida, um fator de pressão significativo em favor das seduzidas.18
16 Processo de 1753, op. cit.
17 Processo de 1764, op. cit.
18 GOLDSCHMIDT, op. cit., p. 15.
33
Este é o caso de Maria Buena da Lus, em 1785. Ela se encontrava "pejada", e
com o "seu Credito defamado", mas João negou que lhe tenha feito promessas, de
forma que lhe "Repugna cazar" com a autora. O vigário da vara, então,
mandou que foce prezo o suplicado athe se justificar e decedir o que na sua petição alega a Suplicante Maria Buena da Lus e que antes de outro procidimento algum se justificasse neste Juizo em termo breve Seus esponçais para que conforme a prova que dece a Justificante cer a demetida [sic] a obrigalo pelos meyos ordinarios...19
Logo após o depoimento das testemunhas, e seis dias depois, João Guilherme
da Sunção, que ainda se encontrava preso, declara que "por de algua Sorte Repugnar
Satisfazer lhe a promessa de cazamento q' lhe fez e por desemcargo de Sua conciencia
o quer cumprir e por termo judicial asim o quer confiar a Ser Serto tudo o que a Sup.te
alegou em Sua p.am [petição] e esta pronto a Recebe lla por Sua Mulher na forma q'
manda o Sagrado Concilio Tridentino".20
Este é o caso, também, da finalização do processo de 1765. O Vizitador
Manoel Francisco Vilella, "em atenção ao Requerimento da requerente e negação do
requerido Mandou [...] fosse o requerido conduzido prezo o requerido a Cadea de
Corytiba e que a requerente obrigasse por via ordinaria perante o Reverendo vigario da
vara da Comarca no termo de trinta dias".21
No dia seguinte, o pai do preso, em documento ao vigário da vara, garante que
seu filho perante "a d.a [dita] prizão não tem duvida de se cazar". Com efeito, sua
fiança se converteu na garantia do casamento, assim, o réu Balthazar Fernandes
assinou "termo de fianssa de fiel cariSareyro [sic] ao cazamento para o qual o obriga a
dita Rita Garcia e que para mayor Seguranssa dava por fiadores Seus e ffieis
casareyros a Seu Pay Zacarias Fernandes e a Seu Irmão Joze Fernandes".22
Também Paulo Fernandes foi prezo para que Paula Lisboa o pudesse
"obrigar". Assim, no mandado de Comissão ao Padre Leytam de Curitiba, o vigario da
vara Callassa passa as seguintes instruções: "tendo a Sup.te justificado quanto baste os
seus esponsais o dito Paulo fez negar no auto de preguntas o mandará prezo p.a a
cadeya da villa donde não sahirá sem primeyro dar cumprim.to a promesa de que he
devedor". Mas, após a inquirição das testemunhas e de dois autos de perguntas, o Réu
continuou negando as promessas. Em verdade, ainda desconhecemos se o casamento se
efetivou ou não, entretanto, é importante observar o último despacho do Padre
19 Processo de Auto de preguntas de esponçais entre partes de 1785, entre Maria Buena da
Lus e João Guilherme da Sunção.
20 Ibid.
21 Processo de 1765, op. cit.
22 Ibid.
34
Callassa: "hey por justificado os esponsais, mas como no auto de preguntas a
[rasurado] se nega [2 palavras rasuradas] Paulo Frz' todo o deduzido do Requerimento
seja esse conservado na Cadea e justificante parecendo lhe [2 palavras rasuradas] dos
meyos competentes".23
Portanto, a negativa da promessa durante o processo, em alguns casos não
isentava o homem da efetivação do casamento, ao contrário do que mandava o direito
canônico, sobre o mútuo consentimento. Pelo visto, havia uma tendência do clero em
proteger a instituição do casamento, no sentido de garantir o maior número possível de
uniões sacramentadas. Isso levava à coerção dos envolvidos em esponsais a cumprir as
promessas.
Entretanto, na maioria dos processos de esponsais originados em reclamação
da mulher, a negativa do homem prevalece, e, mesmo com o depoimento das
testemunhas, os esponsais são tidos como não justificados, concluindo-se que entre
eles não há nenhum compromisso, ficando a mulher incumbida de pagar as contas do
processo.
23 Processo de 1759, op. cit.
35
OS ESPONSAIS
Os testemunhos encontrados nos processos possibilitam a reconstrução do
cenário desta relação esponsalícia, o ritual praticado pelos jovens ao celebrar o
compromisso e os signos do código de sedução, carinhos, afagos e dádivas amorosas.
Nesse sentido, os termos "solicitou de amores", "requestou com caricias e promessas",
estão presentes em quase todos os depoimentos femininos.
A historiografia aponta para o costume de se trocar dádivas no momento de
celebração de esponsais, porém, no caso curitibano, encontramos poucas menções a
este respeito. Uma delas, por sua peculiaridade, merece ser destacada. Segundo uma
das testemunhas do processo, "o dito Paulo Fernandes em huma ocaziam mandara a
dita Justificante hum queijo".1 Ainda, no mesmo caso, outra testemunha alega ter
presenciado o momento de celebração dos esponsais, do qual deixou o seguinte relato:
...dise elle Testemunha que andando no Mato junto do caminho de sua rosa fazendo [ilegível] vio pasar Paula Fernamdes Lisboa, entrando ambos para o Mato ahy comesaram abrasarce e nam querendo ella consentir o dito Paulo Fernamdes lhe dise que achava capaz de ser seu marido e tambem vio que o dito lhe deu duas Larangas e nam sabe de que tempo andavam com semelhantes amores e Razam de Seu dito he porque elle Testemunha sabia e prezencio tudo o que tem deposto...2
Na Curitiba da segunda metade do Século XVIII, os processos eclesiásticos de
autos entre partes oferecem uma demonstração da frequência em se praticar a cópula
logo após a celebração dos esponsais.3 Segundo FARIA, matas, campos e grutas
poderiam ser lugares de encontro, bem como o interior das casas, mas em todos esses
lugares os envolvidos estariam, sempre, passíveis de serem observados.4 Curiosamente,
todas as testemunhas do caso acima descrito viram o casal entrando no mato. Para
justificar-se frente à justiça eclesiástica, Paula Fernandes alegou que após a troca de
promessas, teve "copula com elle Reo a Autora huma so ves no mato [...] e [ele] nam
lhe dera prenda alguma e nem huma fruta".
1 Processo de 1759, entre Paula Fernandes Lisboa e Paulo Fernandes da Silva.
2 Ibid.
3 Por exemplo, Paula F. Lisboa estava grávida ao abrir um processo contra seu noivo, em 1759; e Isabel Góes do Rosário tinha um filho já com 2 anos de idade, em 1765, ao requerer o processo de esponsais.
4 FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento : fortuna e família no cotidiano colonial. Rio de Janeiro, 1994. Tese (Doutorado) – Universidade Federal Fluminense. p. 33.
36
Uma testemunha de outro processo disse saber, por ser público e notório, que,
"tendo o justificado Antonio de Lima noticia que o Pay da justificante a pertendia cazar
com outro mosso, debaixo das ditas promessas de cazamento a induzira e tirara hua
noite da caza dos ditos Pays e a deflorara ao depois a mandara em companhia de hum
Primo do Justificado para a villa de Sorocaba para ahi se cazar com ella..."
Como vimos anteriormente, o amor não existiu nas sociedades do passado
como elemento ordenador das relações sociais, dessa maneira, a questão material, ou
seja, a igualdade social entre os noivos era um fator fundamental na construção de
alianças.5
Mas, segundo LONDOÑO, muitas vezes as relações pré-matrimoniais
permitiam dar vazão a sentimentos individuais nem sempre contemplados nas
estratégias familiares de alianças. Entendemos, portanto, que, pelo seu caráter
puramente consensual e pela possibilidade de serem contratados sem testemunhas, num
processo informal, os esponsais, muitas vezes, podem ser entendidos como a procura
por satisfações de necessidades e desejos individuais e imediatos, de afetos e paixões.
Nesse sentido, no momento de sua celebração, as necessidades individuais acabavam
por pesar mais do que a preservação de interesses patrimoniais e a estratégias
matrimoniais coletivas.6
Esse é o caso, podemos dizer, de alguns dos processos de esponsais da vila de
Curitiba da segunda metade do século XVIII, nos quais a interferência de familiares,
ou tão somente o arrependimento de uma das partes, que alega diferenças sociais,
acaba por resultar no rompimento do compromisso esponsalício. Como o “Auto de
desquite”, de 1780. Nele, o alferes Francisco da Costa Pinto desfaz seu compromisso
com Anna Gertrudes porque não era a vontade do seu pai, que inclusive, ameaçou de
expulsá-lo do sítio. O rompimento do contrato, nesse caso, deu-se por meio de uma
carta do rapaz:
[corroído] parido hu [corroído] o meu particular com Vmce pois assim que a este porto cheguei [corroído] logo atraz veyo o menino Jose por mandado de meu Pay dizendo me não lhe apareçeçe nessa va nem em sua casa de que fiquey basta sentido ao fazer desta chega o mulato por qm ordena meu pay ou diga já me espulce deste sitio pa fora e que me não quer em sitio nem em casa sua hu sô instante e que sertamtes escreve ao mayor [3 palavras corroídas] fazendo toda queyxa possivel pa a sim. [2 palavras corroídas] meter em hua corrente pa S. Paulo [3 palavras corroídas] cujo atras loco e variado e melhor [2 palavras corroídas] por acabado tudo i eu ficarey pior q‘ hu negro por que vendo me de todas as partes percorrido [corroído] tal asesso comseguir e com [2 palavras corroídas] não há papel
5 WOORTMANN, Klaass; WOORTMANN, Ellen F. Amor e celibato no universo
camponês. Campinas : NEPO, Unicamp, 1990. p. 1-10.
6 LONDOÑO, Fernando T. A outra família : concubinato, Igreja e escândalo na colônia. São Paulo : Loyola, 1999. p. 61-111.
37
em qe possa esplicar o cuanto meu pay tem dito e sendo tudo q’ a sima digo realide inda tenho os banhos em meu poder e me consta Ter nessa va já corrido o que ignoro por ter dito ao Sr Capam Anto Jose os não mandasse correr [2 palavras corroídas] irem promtos não cauzando o que [2 palavras corroídas] e a sua [corroído] cauza algua desonra que [corroído] oprimida [corroído] fique tudo metido ao silencio pa [corroído] poys confesso a Vmce não ser couza minha poys os deszatinos de meu pay sao mto grdes.7
Uma das testemunhas, em seu depoimento, nos esclarece melhor a situação:
...no Porto dos Morretes da Villa de Paranaguá Ouvio dizer ao alferes Francisco da Costa Pinto que estando justo e tratado a cazarce com a justificante dava por desfeito o dito trato porque não era gosto dos seus pais com quem queria condencender e porque para que fizessem nessa serteza escrivia ou avia escrito p.a aos pais da justificante a qual expressava e dava por acabado o tracto que entre eles pretendião fazer...8
Ao final das contas, o pai de Anna Gertrudes entrou com um processo para
formalizar o divórcio. A intervenção de familiares, no sentido de buscar reparar a
situação de um compromisso indesejável a seus interesses, também pode ser notada em
outras situações. Em uma delas, ela se dá de maneira muito efetiva. Trata-se do
processo de 1771, que foi aberto por um documento supostamente oriundo das duas
partes, de Jozê da Cunha Bueno e Maria de Jesus. Nesse documento afirmavam que
"estão contratados particularm.te" para se casarem, no que são impedidos por parentes
da moça, "altivos de prezumpção e soberba".
Mas, no decorrer do processo, enquanto que Jozê afirmava ter recebido um
escrito "da mão de um Rapaz que morava na mesma fazenda Referida Requerida em
nome da mesma depohente", Maria passou a negar que fosse seu o dito escrito e,
inclusive, negar que havia prometido casamento a Jozê. A isto o rapaz reagiu,
argumentando que "se tornara a comfirmacao no mesmo proprio ajuste e contrato tanto
asim que desde tal trato tem dado elle depohente a Referida Requerida por prenda hum
anel de prata hum xapeo de Braque duas varas de linho, e que tudo mais miudezas".
Subentende-se, nesse caso, a ação da família da moça através de algum tipo de pressão,
que levou-a a negar o compromisso. De qualquer maneira, não ficaram provados, na
justiça eclesiástica, os esponsais alegados por Jozê, não resultando desse processo a
efetivação do casamento.9
Outro caso em que aparece a intervenção de familiares, mesmo que não de
forma muito efetiva, é o processo de 1778. Nele, Gertrudes de Souza declara que
Francisco da Cunha "a Requestou com caricias e promessas de Cazamento e teve com
7 Processo de 1780, op. cit.
8 Ibid.
9 Processo de 1772, entre Jozê da Cunha Bueno e Maria de Jesus.
38
a Sup.e copula carnal de que Rezultou estar pejada como o Pay do Sup.do e alguns
parentes o desvião que não cumpra a tal promessa, mas antes lhe darão fuga..."10
Ao que parece, os jovens utilizavam-se dos esponsais para dar vazão aos seus
desejos individuais, talvez realizassem suas escolhas matrimoniais apoiados neste
costume. Porém, como vimos, nem sempre essas escolhas se concretizavam, muito
pela ação das estratégias familiares de formação de alianças. Mas nem sempre o
compromisso era rompido pela obediência aos pais contrariados na escolha realizada
individualmente.
Os esponsais poderiam ser contraídos, e essa é uma das principais hipóteses
levantada na revisão da historiografia realizada neste trabalho, apenas para possibilitar
a prática de relações sexuais sem futuro compromisso. A este respeito, a testemunha de
um dos processos depôs que, indo ao sítio do dito Paulo Fernandes, "lhe perguntou
como estava com as couzas do cazamento de Paula Fernamdes Lisboa, e elle me
respondeo tinha dormido com ella e que para a poder alcanhar [sic] lhe prometera de
cazar com ella..."11
Ainda nesses casos a preocupação com a questão da igualdade social pode ser
percebida, como aparece na alegação de Isabel Góes do Rosário, em 1769, de que
apesar de já ter um filho de Caetano Vieira da Silva, este negava-se a “...cumprir o
prometido por ser a Suplicante hua pobre...”12
Nesse sentido, os rapazes enganavam as moças com falsas promessas, sem
nunca terem realmente intenção de casamento. A grande maioria dos processos
analisados vai de encontro a essa hipótese, de forma que apresentam queixas de
defloramento e recusa, da parte masculina, de admitir a existência de promessas.
Nesses casos pode-se perceber a participação de familiares, também efetiva,
mas provinda da parte ofendida. No único caso de rapto verificado dentre os processos,
por exemplo, os familiares de Maria de Freyttas reagiram procurando a justiça, como
vimos anteriormente, para evitar a "perdição de muitas vidas por algum excesso dos
mesmos parentes".13
10 Processo de Autos de Exponcais entre partes de 1778, entre Gertrudes Maria e Manoel da
Costa Leme.
11 Processo de 1759, op. cit.
12 Note-se que a hierarquização no casamento era conseguida por mecanismos sociais, e não institucionais. Como a Igreja detinha o controle absoluto do casamento, e a livre escolha dos esposos era um de seus atributos fundamentais, o Estado não poderia impedir uniões desiguais. Este limitava-se a moderar os excessos daqueles que transformavam o pátrio poder em despotismo. GOLDSCHMIDT, Eliana M. R. Convivendo com o pecado na sociedade colonial paulista (1719-1822). São Paulo : Annablume, 1998. p. 135.
13 Processo de Autos entre partes, de 1767, entre Maria de Freitas e Manoel da Lus.
39
No processo de Maria Buena, em 1785, seu tutor, o tio, em depoimento como
testemunha ficou ao lado da sobrinha, atestando sua honestidade:
...haviao contrahido ocultamente pois sendo sempre Recolhida e estando na sua caza, como a sentice pejada preguntando lhe como tinha cido aquele aconticimento ella lhe dicera que por ter promeças de casamento se entregara ao dito João Bicudo de cujo ajuntamento comcebera o que elle julgava cer verdade porque ella lhe dissera digo que lhe preguntou sem constrangimento ou violencia algua [...] athe agora vivera Recolhida sem nota algua no seu credito e que elle dito João Bicudo a solicitara por muitas e Repetidas vezes athe conceguir o seu depravado Intento...14
Uma situação interessante aparece, ainda, no processo de 1765. O autor acaba
preso durante o processo, e ao sabê-lo, seu pai, Zacarias Fernandes intervém através de
documento ao vigário da vara, assumindo a responsabilidade de casar o filho com Rita
Garcia, em troca da liberdade do mesmo.15
Portanto, a atuação do grupo familiar esteve sempre presente no desenrolar de
conflitos originados na prática do costume dos esponsais, através de coações, de apoio
e de ameaças de violência. Assim, embora reconheçamos que haviam mecanismos à
disposição dos jovens, que garantiam uma certa liberdade de escolha em alguns
momentos, no caso, o costume dos esponsais, estes nem sempre estavam livres da
influência do grupo familiar e de suas preocupações com a moral e com o patrimônio
familiar.
Um último ponto a ser discutido consiste na participação da comunidade nos
processos de esponsais, que se dava através de seus depoimentos enquanto
testemunhas. PRIORE coloca que a vizinhança e o compadrio interpretavam e
avaliavam as relações segundo o que se "via ou ouvia", e sua participação revelava a
rede de solidariedade que se estabelecia entre as mulheres e sua vizinhança.16
A justiça eclesiástica considerava: "Toda a pessoa poderá geralmente ser
testemunha, e em todo o caso que for nomeada será perguntada, ainda que antes de ser
perguntada lhe seja posta contradita..."17 Portanto, ao contrário da Justiça secular, os
ditos femininos nas inquirições não eram desconsiderados pela Justiça eclesiástica
matrimonial.
Entretanto, apenas em um dos quinze processos analisados aparecem
testemunhas mulheres. Estas, do costume, ou seja, de sua relação com a parte
conflitante, disseram ser "vizinha mui chegada ao Sitio em que vive a justificante com
14 Processo de Autos entre partes de 1785, entre Anna Maria Buena da Lus e João
Guilherme da Sunção.
15 Processo de Auto entre partes de 1765, entre Antonio da Maya e Antonia Rodrigues.
16 PRIORE, op. cit., p.73-79.
17 Regimento do Auditório Eclesiástico, tít. 20, p. 207.
40
seos Pais", e a outra, saber do acontecido por ter ido visitar "hua criança que a
justificante tinha parido", a pedido do réu do processo, "em razão de Ser Seo filho". Já
a terceira testemunha desse processo era um rapaz de quinze anos de idade, "vizinho ao
Sitio da mesma justificante" e tinha "commonicado o mesmo Balthazar Fernandes em
razão da mizade que llhe tinha".18
Homens, mulheres, vizinhos, tios, primos, todos pessoas próximas que
conheciam a vida dos envolvidos, tanto por ver quanto por ouvir dizer, ou ainda, por
ser público e notório. Seus depoimentos sempre apresentam a defesa da parte ofendida,
pois não há um só caso de difamação da honra de uma moça pelas testemunhas nos
processos. A única situação em que as testemunhas apontam para a má fama da mulher
se dá no processo aberto por Antonio da Maya contra Antonia Rodrigues. Esta havia
causado impedimento ao casamento de Antonio ao alegar promessas de casamento.
Nesse sentido uma das testemunhas disse não saber
...que o dito justificante lhe prometeo cazamento, e que sabe por ouvir dizer que o dito justificante tivera com ella dita Antonia Rodrigues tratos ilicitos havera nove, ou des annos e que tambem ouvira dizer que a dita Antonia Rodrigues antes que tivesse fama com o dito Justificante tinha tido fama com Francisco do Prado morador da villa de Curitiba e disse mais Ser certo o Ser a dita Antonia Rodrigues Parda, filha de hum Mulato conhecido por tal, o que tambem sabe por indicios certos ter a dita Antonia Rodrigues vivido dezonestamente depois da fama que teve com o dito Justificante com varios homens, como fora Manoel Teyxeira Roza e Sebastiam Luiz, e outros...19
Todos os depoimentos das testemunhas apóiam a parte ofendida, neste caso, o
homem. Ao depor no processo aberto por Francisca da Costa, por exemplo, Antonio da
Costa diz saber que ela "parira hum filho que dizem ser do dito Antonio Cardoso e ter
as mesmas feicoes e aparencia delle".20 Segundo FARIA, o conhecimento da vida do
outro dava-se, normalmente, pelas próprias condições de moradia, mesmo nas áreas
rurais, de forma que desde a proximidade das casas, os materiais empregados nas
construções e a circulação de escravos e agregados contribuíam para o maior
conhecimento e socialização da vida alheia.21
18 Processo de 1765, op. cit.
19 Ibid.
20 Processo de Autos de justificação, de 1773, entre Francisca da Costa e Antonio Cardoso.
21 FARIA, op. cit., p. 32.
41
CONCLUSÃO
Considerando os esponsais como um costume e, portanto, um campo de
conflito onde agem fatores e interesses diversos, a análise dos processos da segunda
metade do século XVIII da vila de Curitiba, possibilitou a identificação de alguns
destes fatores presentes no processo de escolha do cônjuge.
Pelo costume, no período estudado, permitia-se a prática de relações sexuais e
coabitação após a troca de promessas de casamento. Em Curitiba, houve apenas um
caso claro de coabitação, mas muitos de defloramento. Na maioria dos processos, a
moça requer o cumprimento do prometido, negado pelo rapaz. Isso denota a utilização
fraudulenta dos esponsais, de forma que esse dispositivo consuetudinário servia,
muitas vezes, apenas para possibilitar a prática de relações sexuais fora do matrimônio.
Mas a justiça eclesiástica tanto proibia a vivência sexual pré-matrimonial,
quanto julgava os casos de rompimento de "verdadeiros esponsais". Preocupada com a
moralidade da vida dos fiéis, e com as condições de vida dos filhos ilegítimos, a Igreja
defendia a instituição do casamento. Nesse sentido, pudemos observar sua ação em
alguns casos, em que o vigário da vara setenciou a prizão do acusado ainda durante o
desenvolvimento do processo. De forma a coagí-lo ao cumprimento das promessas
matrimoniais.
Observa-se, portanto, a prática dos esponsais como um costume que
encontrava apoio na comunidade e na justiça eclesiástica, pois não constituía
escândalo, não sendo vista como concubinato, no sentido de que tudo era passível de
ser "justificado". As mulheres provavam que eram honradas e que viviam
recolhidamente, sendo seu "deslize" justificável, visto que ocorreu após de um
compromisso tido por todos como muito sério e legitimador de práticas sexuais. Essa
celebração consistia na troca de promessas de casamento, na doação de alguma dádiva
− sendo uma fruta um presente significativo − e na relação sexual.
Pelo seu caráter informal, os esponsais podiam ser celebrados ocultamente.
Como vimos, em alguns casos o compromisso era selado clandestinamente e não
contemplava os interesses dos grupos familiares dos jovens. Mas como a igualdade
social era um fator fundamental − o casamento tinha por função construir alianças e
concorrer para a manutenção do patrimônio familiar − competia ao pai organizá-lo,
pois era demais importante para ser deixado ao sabor das preferências individuais.
Nesse sentido, quando os esponsais revelavam esse desejo individual na escolha do
42
cônjuge e que prejudicava os interesses do grupo familiar, este reagia através de
ameaças, coações e violências.
Já a comunidade, que tudo via ou ouvia, em suas participações nos processos
deixavam transparecer as redes de solidariedade de parentesco e vizinhança, bem como
o consenso acerca da validade dos esponsais enquanto verdadeira união do casal.
Este trabalho constiue um esforço incial de compreensão do significado dos
esponsais na Curitiba setecentista. Restam, ainda, muitas lacunas no conhecimento
sobre esta prática. Assim, discutir a relação entre honra feminina e virgindade e a
honra masculina; reconstituir o mercado matrimonial, as famílias dos envolvidos e as
relações de sociabilidade destes com as testemunhas; bem como a atuação da justiça
civil, torna-se necessário para desvelar a vivência dos jovens e o significado dos
esponsais. Nesse sentido, o cruzamento de diferentes fontes documentais, tais como
listas nominativas e registros paroquiais de casamentos e batizados, torna-se
imprescindível para uma análise mais profunda do comportamento dos jovens no
momento das escolhas matrimoniais realizadas no interior deste costume.
43
FONTES
FONTES IMPRESSAS
ALMEIDA, Cândido Mendes de. Codigo Philippino ou ordenações e leis do Reino de Portugal : recopiladas por mandado d'El-Rey D. Phillippe I. 14. ed. Rio de
Janeiro : Typographia do Instituto Philomathico, 1870.
SAINT-HILAIRE. Viagem a Curitiba e Santa Catarina. Belo Horizonte : Ed.
Itatiaia, 1978.
SALVADOR (diocese). Arcebispos, 1702-1722. Regimento do Auditório Eclesiástico do arcebispado da Bahia... Lisboa : Oficina de Pascoal da Silva,
1718.
SALVADOR (diocese). Arcebispos, 1702-1722. Constituições primeiras do arcebispado da Bahia, propostas e aceitas em o sínodo diocesano que se celebrou
em 12 de junho de 1707. Coimbra : Real Colégio das Artes da Companhia de
Jesus, 1720.
FONTES MANUSCRITAS
PROCESSOS de Esponsais. Curitiba, s/d. Centro de Documentação e Pesquisa –
Paraná Séc. XVIII – Universidade Federal do Paraná. 1 bobina de microfilme; 35
mm.
44
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARIÈS, Philippe. Por uma história da vida privada. In: CHARTIER, R. (Org.) História da vida privada : da Renascença ao século das luzes. 3v. São Paulo : Cia. das
Letras, 1991.
BALHANA, Altiva; MACHADO, B. P. e WESTPHALEN, C. M. História do Paraná. Curitiba : Grafipar, 1969.
BEVILAQUA, Clóvis. Direito de família. 7. ed. corr. e aum. Rio de Janeiro : Rio,
1976.
BURGUIÈRE, André; KLAPISCH-ZUBER, Christiane; SEGALEN, Martine et al.
Historia de la familia : el impacto de la modernidad. Madrid : Alianza, 1988.
BURMESTER, Ana Maria de Oliveira. A nupcialidade em Curitiba no Século XVIII.
História: Questões e Debates, Curitiba, a. 2, n. 2, p. 63-68, jun. 1981.
_____. Population de Curitiba au XVIIIe siècle. Montreal, 1981. Tese (Ph. D.) –
Faculté des Arts et des Sciences, Université de Montreal.
CASEY, James. História da família. Lisboa : Teorema, 1989.
CORRÊA, Marisa. Repensando a família patriarcal brasileira : notas para o estudo das
formas de organização familiar no Brasil. In: ALMEIDA, Maria S. K. de et al.
Colcha de retalhos : estudos sobre a família no Brasil. São Paulo : Brasiliense,
1982.
CZECHOWSKY, Nicole (Org.). A honra : imagem de si ou dom de si – um ideal
equívoco. Porto Alegre : L & PM, 1992.
DAVIS, Natalie Z. As culturas do povo : sociedade e cultura no início da França
Moderna. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1990.
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento : fortuna e família no cotidiano
colonial. Rio de Janeiro, 1994. Tese (Doutorado) – Universidade Federal
Fluminense.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade. 3 v. Rio de Janeiro : Graal, 1994.
GOLDSCHMIDT, Eliana M. R. Redes de solidariedade e questões matrimoniais na São Paulo colonial. São Paulo : Cedhal, 1996.
45
_____. Convivendo com o pecado na sociedade colonial paulista (1719-1822). São
Paulo : Annablume, 1998.
GOODY, Jack. Família e casamento na Europa. Oeiras : Alta Editora, 1995.
HESPANHA, António. Justiça e litigiosidade : História e Prospectiva. Lisboa :
Fundação Calouste Gulbenkian, 1993.
KNOWLES, D; OBOLENSKI, D. Nova história da Igreja : a Idade Média. Petrópolis
: Vozes, 1974.
LEBRUN, François. A vida conjugal no Antigo Regime. Lisboa : Edições Rolim, s/d.
LEITE, Eduardo D. Tratado de direito de família : origem e evolução do casamento.
Curitiba : Juruá, 1991.
LEVI, G.; SCHMITT, J. (Orgs.) História dos jovens : da Antiguidade à era Moderna.
São Paulo : Cia. das Letras, 1996.
LONDOÑO, Fernando T. A outra família : concubinato, Igreja e escândalo na
colônia. São Paulo : Loyola, 1999.
LOPES, Eliane Cristina. Tratar-se como casados e procriar : concubinato, campo
fértil da bastardia. São Paulo : Cedhal, 1996.
MARTINS, Romário. História do Paraná, 3. ed. Curitiba : Guaíra, s/d.
PAULA, Allan de. A América portuguesa e o hábito de São Pedro. Relatório
apresentado ao CNPQ, 1998.
PEREIRA, Magnus R. de M. Semeando iras rumo ao progresso : ordenamento
jurídico e econômico da sociedade paranaense, 1829-1889. Curitiba : Editora da
UFPR, 1996.
PRIORE, Mary Del. Ao sul do corpo : condição feminina, maternidades e
mentalidades no Brasil colônia. Rio de Janeiro : J. Olympio, 1995.
SALGADO, Graça (Org.) Fiscais e Meirinhos: a administração no Brasil Colonial. 2. ed. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1996.
SHORTER, Edward. A formação da família moderna. Lisboa : Terramar, s/d.
SILVA, Maria B. Nizza da. Sistema de casamento no Brasil colonial. São Paulo :
Editora da USP, 1976.
_____. Vida privada e quotidiano no Brasil : na época de D. Maria e D. João VI.
Lisboa : Editorial Estampa, 1993.
46
_____. (Org.) Dicionário da história da colonização portuguesa no Brasil. Lisboa :
Editorial Verbo, 1994.
_____. História da família no Brasil colonial. Rio de Janeiro : Nova Fronteira, 1998.
THOMPSON, Edward P. Costumbres en común. Barcelona : Crítica, 1995.
TÜCHLE, G.; BOUMAN, C. A. Nova história da Igreja : Reforma e Contra-
Reforma. Petrópolis : Vozes, 1971.
VAINFAS, R. Trópicos dos pecados : Moral, sexualidade e Inquisição no Brasil
colonial. Rio de Janeiro : Campus, 1989.
_____. Casamento, amor e desejo no Ocidente cristão. São Paulo : Ática, 1992.
VENÂNCIO, Renato P. Nos limites da sagrada família.
VILLOSLADA, R. G. Historia de la Iglesia Católica. Madrid : Editorial Católica,
1953.
WOORTMANN, Klass; WOORTMANN, Ellen F. Amor e celibato no universo camponês. Campinas : NEPO, Unicamp, 1990.