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Deu no Blogão

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De Aguinaldo Silva

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2 AGUINALDO SILVA

DEU NO BLOGÃO Crônicas

AGUINALDO SILVA

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Copyright @ 2010, Aguinaldo Silva, Blogbooks Editora

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei nº 9.610 de 19.02.1988

Equipe ResponsávelNewton Neto, Arthur Doria e Danuza Barreira

Projeto GráficoArthur Doria e Danuza Barreira

CapaArthur Doria e Danuza Barreira

RevisãoAped - Apoio e Produção Ltda.

DiagramaçãoArthur Doria e Danuza Barreira

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte.

S 586d Silva, Aguinaldo

Deu no blogão / Aguinaldo Silva. – Rio de Janeiro: Blogbooks, 2009.

Livro baseado no blog: Deu no Blogão

ISBN 9788562962127

1. Crônicas jornalísticas. I. Literatura brasileira II. Título.

CDD 869.9409

Todos os direitos reservados à

BLOGBOOKS EDITORA LTDA.

Rua Nova Jerusalém, 345 - CEP 21042-235 - Bonsucesso - Rio de Janeiro

Tel.: (21) 3882-8200 fax: (21) 3882-8212

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SUMÁRIO

6 Apresentação9 Agradecimentos10 Prefácio12 Eu já fui “Rainha da primavera!”20 Tapa na cara em Paris23 Conversas com Juvenal Antena28 Lara Romero pergunta31 Carne assada ao molho ferrugem33 A morte do pavão albino36 Entrevista com Boquirroto54 Simplesmente Maysa57 Perdas e danos59 Questões de audiência62 So long, darlings!65 Voltei, queeeeredos!68 Quem quer ser nigeriano?70 Cala-te boca!73 Beijo gay? Mais não na boca...77 El Mambo79 Vale tudo84 Gran finale87 Vender o peixe90 Como viver sem Cole Porter?93 A galinha e seus pintinhos

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96 Flying up to London100 E a França aprende a tomar banho105 Mãe Bina109 Nos tempos de Harvey Milk113 Ataque especulativo116 Eu, abespinhado?118 Uma lição de (bom) jornalismo121 Muquirana.doc125 Cuidado com a saúde, benzinho!129 O amigo final137 Ato final da “Master Class”141 O que os comentaristas disseram

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APRESENTAÇÃO

Seleção de textos de AGUINALDO SILVA publicados originalmente no Blogão do Aguinaldão: http://bloglog.globo.com/aguinaldosilva/ com a luxuosa colaboração dos comentaristas:

Ana Bárbara Albuquerque, Alexandre Ganso, Bruno Fracchia, Bruno Pires, Davi Vallerio, Josephine Guidon, Kátia Moraes, Lara Romero, Lucas Nobre, Marco Bitten-court, Meg Santos, Meire Siqueira, Moacir Jardim, Mourão Lima, Nando Damázio, Pedro Vieira, Rodrigo Lima, Rodrigo Ribeiro e Rogério Sabath...

e sem esquecer a valiosa assessoria de

Francisco Patrício, o Moderador

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QUE VENHAM MUITOS SETEMBROS

Em setembro de 2007, a convite do BlogLog, inaugurei um espaço virtual que ficou conhecido como o “Blogão do Aguinaldão”. À época eu escrevia a novela “Duas Caras” para a Rede Globo de Televisão, e as discussões em torno deste meu trabalho fizeram o blog bater recordes de acessos. Criou-se, em função disso, uma espécie de irmandade, uma confra-ria que passou a se comunicar dentro deste espaço.

É o que eu chamo de our band of brothers, nossa quadrilha de irmãos.

Em maio de 2008, terminada a novela, com a perspectiva de umas longas férias e por conta do cansaço, resolvi encerrar o blog. Isso provocou reações de revolta e frustração entre os seus fre-quentadores, que, de todas as formas possíveis, passaram a me cobrar um retorno.

Em setembro daquele mesmo ano decidi atender aos apelos e voltar, certo de que, sem ter uma novela no ar, a quantidade de acessos ao Blogão do Aguinaldão já não seria a mesma... Mas me enganei redondamente: em poucas semanas o blog tornou-se mais acessado que da vez anterior. E estes acessos aumentaram ainda mais quando decidi criar o “Chat dos In-sones”, um período noturno durante o qual seus frequentado-res poderiam dialogar livremente.

Na sua segunda fase o “Blogão do Aguinaldão” completa um ano neste mês de setembro em que escrevo este texto. Para festejar, resolvi lançar um livro, “Deu no Blogão!”, uma reunião de alguns dos melhores posts que publiquei neste período, e mais alguns textos de comentaristas sorteados en-

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tre os mais assíduos.Nestes doze meses o Blogão pouquíssimas vezes chegou a

ser moderado, e quando isso ocorreu foi apenas por algumas horas. Dessa forma, ele tornou-se um espaço no qual os que o acessam podem exercer absoluta liberdade... Desde que seja com responsabilidade, sem esquecer que o responsável pelo espaço terá sempre o direito de resposta... O que às vezes faz de forma rigorosa e até cruel.

No começo deste setembro de 2009, o “Blogão do Aguinaldão” mereceu, num concurso realizado em nível na-cional, o primeiro lugar de uma lista de cem, como “o melhor blog do Brasil no gênero celebridades”. Embora o autor destas mal traçadas linhas preferisse concorrer em outro gênero – o de jornalismo -, não se fez de rogado: aceitou a premiação e se sentiu muito honrado por ela.

Portanto, este é o livro do “Blogão do Aguinaldão”. Aos que o têm nas mãos, informo que o percurso de leitura é muito simples. Depois deste texto de abertura vem um outro, no qual um dos seus comentaristas, Adriano Rafael, explica as razões pelas quais o frequenta assiduamente. A seguir está a seleção dos melhores posts – ou pelo menos os meus preferi-dos. E, por último, fechando o livro, textos de alguns comen-taristas assíduos, escolhidos por eles próprios.

Se vocês gostarem, quem sabe não faremos uma nova edição, revista e ampliada, no próximo mês de setembro? E melhor ainda: por que, setembro após setembro, não trans-formarmos esta celebração num hábito?

Aguinaldo Silva

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AGRADECIMENTOS

À Jackeline Barroso e Eduardo Pires, da Barroso Pires Produções Artísticas, que não sossegaram enquanto não viram este livro pronto.

Ao Francisco Patrício, o Moderador, sem cuja dedicação o Blogão do Agui-naldão não teria chegado aonde chegou.

À Rede Globo, a qual demonstrou mais uma vez seu alto es-pírito democrático ao permitir que assuntos relacionados com suas produções televisivas fos-sem aqui abordados sem maiores traumas.

Ao advogado Sylvio Guerra, “master” em direitos autorais, que nos dá asses-soria diária sobre o assunto do qual é especialista.

Ao pessoal que cuida dos meus quatro computadores e dois laptops, e não hesitou em quebrar meus galhos mesmo nas horas mais impróprias.

Ao patrocinador misterioso, que adquiriu boa parte da edição deste livro para dá-lo de brinde aos seus clientes, e nem ao menos quer que seu nome seja divulgado.

Aos comentaristas, selecionados para aparecer no livro ou não, e que, no es-paço de doze meses, manifestaram-se nada menos que 150 mil vezes na coluna de comentários do Blogão, o que é sem dúvida um recorde.

Aos que não se manifestam, mas acessam o Blogão do Aguinaldão várias vezes por dia, o que nos dá uma média diária de 130 mil acessos, segundo as estatísticas do pessoal do BlogLog.

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PREFÁCIO

UMA FAMÍLIA VIRTUAL

Por que sou frequentador assíduo do blogão?!Porque sou fã de Aguinaldo. Essa seria talvez a resposta

mais óbvia e esperada para uma pergunta tão direta. A questão não é somente essa, vai muito além disso! Muito mais do que ser fã do trabalho e do ser humano chamado Aguinaldo Silva, encontrei no blogão uma outra forma de comunicação com o mundo. Não no sentido literal da palavra, mas sim na forma de abrir o meu mundo para “visitação”, na maneira de expres-sar e interagir as emoções, no novo jeito de fazer amigos, de expressar sentimentos, de ser vilão ou mocinho, de acreditar ou não no que se lê.

Talvez essa seja a melhor definição: aprendi a acreditar e a gostar do que não vejo e no que não posso tocar. Pronto, é isso! Sim, o que explica o fato de termos afeição pelas pessoas - sem ao menos tê-las tocado, sentido, beijado - senão essa energia que emana constantemente? Energia que sai de mim e que vem de outros, uma verdadeira troca, uma explosão, uma entrega sem pudor.

Que poder interessante tem a internet! Já parou para pensar nisso? Que arma poderosa de encontros e de aproxi-mação das pessoas. Que maneira segmentada de expor e im-

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por ideias. Hoje, o blogão é a primeira página que abro pela manhã e a última que fecho no fim do dia. Sou frequentador assíduo desse espaço, porque gosto dos textos de Aguinaldo Silva - ora ácidos, bem ou mal-humorados, protestantes ou sarcásticos -, e também porque aqui fiz amigos com os quais tenho afinidade maior do que com aqueles que convivo no mundo real.

O blogão, hoje, além de ser a válvula de escape dos nossos problemas, amarguras, tristezas ou até mesmo alegria, é algo imprescindível, inseparável, insubstituível nesse momento da minha vida!

Obrigado, Aguinaldo Silva, por nos brindar e fazer parte do nosso dia a dia, como mostram os seus textos que vêm a seguir.

O comentário acima, de ADRIANO RAFAEL, nos serviu de prefácio. Agora vamos à vaca fria, ou seja, aos textos de minha autoria extraídos do blog.

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EU JÁ FUI “RAINHA DA PRIMAVERA”!

Em 1957 o Colégio Americano Batista do Recife elegeu, com a mesma expectativa de sempre, sua Rainha da Primavera, como acontecia todos os anos: na semana que antecedia sua festa de aniversário, o educandário sempre escolhia e coroava, pelo voto direto dos alunos, sua aluna mais popular e bela. Durante décadas funcionara desse modo, mas naquela vez ocorreu um fato inédito: concorrendo à sua própria revelia com todas as belas candidatas, um garoto de treze anos é que acabou fragorosamente eleito. Sim, fui eu mesmo.

Não, por favor, esperem! Não se rejubilem ainda, pois a história é amarga, violenta e triste. E, antes de ir adiante, me deixem relembrar alguns antecedentes que me levaram a vivê-la.

Eu tinha treze anos. O Colégio Americano Batista, ain-da Baptista naquela época, era – não sei se ainda é – um dos mais tradicionais de Recife. Por isso meu pai, um ex-frentista e balconista do único posto de gasolina da cidade de Carpina – a “Bomba do seu Firmino”, fez questão de me matricular nele quando nos mudamos pra lá.

Pois “seu” Joaquim Ferreira da Silva era assim: meu pai achava que só uma educação de excelência podia mudar o mundo. E o meu mundo não estava destinado a ser dos melhores.

Nós éramos pobres de Job; mal tínhamos como sobreviver. Mas “seu” Joaquim não descuidava do meu futuro. Antes de

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me colocar no C.A.B. (era assim que os alunos se referiam ao colégio), ele me fizera estudar o último ano do curso primário no Agnes Erskyne, um colégio de ricos. E antes disso, ainda em Carpina, me mantivera a duras penas na respeitada escola particular de Dona Isaura, uma lendária professora local, por cujos bancos passaram todos os meus contemporâneos filhos de privilegiados.

Eu tinha apenas uma vaga ideia dos sacrifícios que ele fazia pra me dar essa educação de alto nível. Mesmo assim, tratava de não decepcioná-lo e sempre lhe apresentava ótimos resultados.

Na escola de dona Isaura, e até no Agnes Erskyne, eu era criança demais e passara em brancas nuvens. Mas no C.A.B., já adolescente, logo fui notado. Eu era pobre, feio, esquisito... E a pior coisa de todas: era efeminado. Por tudo isso, acabei eleito como vítima preferencial de todas as brincadeiras malvadas...

E foi assim que nós chegamos ao tal concurso.O colégio era misto, mas separado por sexos. Havia a ala

das meninas e a dos meninos, e todos os dias eles só se reu-niam no mesmo lugar na hora do culto.

Num desses cultos, por votação direta, seria eleita a tal rainha.E foi então que um dos meninos mais velhos, ao me ver

passar com meu andar de cisne envergonhado durante o recreio, teve a ideia: “vamos votar no Aguinaldo!”

Para meu desespero, sua sugestão se propagou. E vingou de tal forma que, no dia da eleição, o assunto da minha “candi-datura” era o mais comentado.

O Pastor Albérico, encarregado da apuração diante do au-ditório lotado de alunos, professores e funcionários, em nenhum momento citou meu nome. Mas lá no púlpito, cada vez que

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abria um voto do qual ele constava, tratava de colocá-lo acin-tosamente de lado. Até que, no final da apuração, pelo tamanho da pilha era mais do que evidente: fora eu o mais votado.

Várias vezes, durante aquela hora de humilhação e es-cárnio, eu desejei estar morto. Mas - que esperança - continu-aria vivo... E sem saber que aquilo fora apenas o começo.

Logo depois da eleição – da qual foi declarada vencedora a menina que teve mais votos depois de mim – era o recreio. E mal a campainha tocou, já prevendo a onda de escárnio que se abateria sobre o meu lombo, saí correndo para o único lo-cal que considerava seguro: os banheiros.

Mas não cheguei a me trancar num deles, pois os meni-nos, excitados por conta da brincadeira, sentindo o gosto de sangue na boca, me perseguiram e me acuaram. Enquanto eu gritava de pavor, não houve nada que eles não me jogassem: pedras, paus, sapatos, terra, cadernos, canetas, livros, a meia porta de um dos banheiros que acabou sendo arrancada... Tudo isso numa gritaria infernal, que só foi interrompida a muito custo quando o Pastor Albérico, temendo o pior – um linchamento, chegou lá e gritou mais alto.

Enquanto ele tentava enquadrar aquele bando de adoles-centes histéricos, eu escapei sem ser notado. Em prantos, saí do colégio e fui sentar num banco da Praça do Entroncamento, onde fiquei a soluçar, em estado de choque.

Lembrem-se: eu tinha treze anos.Enquanto eu estava lá, sentado no banco da praça, num

pranto convulso e descontrolado, um homem se aproximou de mim e perguntou:

– Por que choras, linda criança?

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Em vez de lhe responder eu chorei ainda mais alto.E então ele me tomou pela mão e me levou para o seu quar-

to, numa pensão ali mesmo na praça. Mas lá, o que ele me deu não foi propriamente consolo.

Quando saí do quarto do homem não chorava mais, porém estava ainda mais arrasado. Um drama sem precedentes acabara de acontecer na minha vida. Eu passara por uma sucessão de sérios, pesados, irreversíveis agravos; mas não tinha ninguém com quem pudesse conversar sobre o fato.

Pior ainda, eu tinha de esconder tudo aquilo da minha família. Não podia chegar em casa e dizer: fui humilhado, es-pezinhado, quase linchado, violentado... Pois, quando eles me perguntassem: “por quê?!” Eu teria que responder: “porque sou pobre, feio, esquisito e efeminado!”.

Não podia nem mesmo dizer ao meu pai que não ia mais voltar ao colégio pelo qual ele pagava tão caro e; portanto, no dia seguinte teria de retornar ao C.A.B. e lá continuar nos próxi-mos meses a enfrentar todas as provocações dos meus algozes.

Vaguei durante horas, desnorteado, arrasado, me per-guntando o que fazer. Até que uma luz se fez e eu descobri que podia fingir, e que talvez isso até me permitisse ficar menos po-bre, feio, esquisito e efeminado, e mais parecido com os outros.

Foi assim que, embora tivesse só treze anos, dei meu pri-meiro passo em direção à dissimulação e ao cinismo, os dois pilares sobre os quais se apoia o nosso mundo.

Segui pela Avenida Conselheiro Rosa e Silva e fui pra casa, à Rua do Cupim, 144, no bairro dos Aflitos. Lá encon-trei Givaldo, um vizinho, adepto das teses de Lombroso (não sabem quem é? Procurem na Wikipédia), que certa vez, com

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a maior cara de pau, dissera a minha mãe que eu era um típico representante da sub-raça dos mulatos e explicara por quê:

– O cabelo dele é ruim!Sabendo que não era mais o mesmo eu entrei em casa. Mas

minha mãe, dona Maria do Carmo Ferreira da Silva, que me recebeu à porta, não notou nada. Apenas perguntou:

– Por que demorou tanto?Ao que eu lhe respondi – e pela primeira vez eu fui cínico:– Por causa do concurso da Rainha da Primavera no colé-

gio... A turma saiu atrasada.Sentei à mesa. Comi, com a naturalidade de todos os dias,

o meio peito de frango com rodelas de cará que minha mãe me serviu de almoço. E depois fui pro quarto cumprir minhas duas horas diárias de estudos caseiros... Aos quais, como se nada tivesse acontecido, tratei de me dedicar com afinco.

Isso mesmo, eu tinha treze anos...E no dia seguinte, à hora de sempre, atendendo ao clamor

da campainha, entrei na sala de aula do C.A.B. e ocupei o meu lugar de novo.

Ninguém no colégio falou comigo sobre o acontecido. Não houve qualquer comentário desairoso. O Pastor Albérico sequer olhou pra mim na hora do culto. E apenas o professor de in-glês, chamado Fernando da Veiga, como sempre fora do seu feitio, quando me chamou ao quadro-negro ousou ser irônico comigo (eu escrevi “Y” em vez de “I”, querendo dizer: “eu”. E ele rosnou: – sendo como é você só podia ser burro!)

Aos poucos eu soube: o caso provocara verdadeira con-vulsão na direção do colégio. Pensaram até em me expulsar como medida profilática. Afinal de contas, era eu o pobre,

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o feio, o esquisito e o efeminado, e por isso fora culpado de tudo. Mas como fazer isso e deixar sem punição os que quase me lincharam?

Assim, a história foi pura e simplesmente abafada. Isolado de todos, eu cumpri no C.A.B. mais um ano de estudos e concluí o ginásio.

Completei, afinal, quatorze anos. Nesse dia meu pai me chamou e disse:

– A partir de agora você vai trabalhar durante o dia, es-tudar à noite e pagar seus próprios estudos.

Aceitei de bom grado. Saí logo à procura de emprego, e em poucos dias já estava trabalhando na zona do cais, não num puteiro, mas numa agência de navegação, que alugava os serviços do rebocador “Mestre Antônio”. E então me matriculei para o curso Clássico em outro colégio caríssimo, o Salesiano.

A essa altura, mais só e introspectivo que nunca, eu já tinha - pasmem! – escrito dois livros. Um deles, “Redenção para Job”, reescrito dois anos depois, seria publicado em 1961, e então minha vida mudaria. E eu não precisaria que meu pai me dissesse isso pra concluir que, no que diz respeito à minha educação ele sempre estivera certo.

Pobre, feio, esquisito e efeminado: eu me considerava único... Até o dia em que, enquanto tomava um sundae na Confeitaria Confiança – pago com o produto do meu trabalho - eu conheci um garoto como eu, que se apresentou como “Fernando Maysa” (todos achavam que ele se parecia com a cantora por causa dos enormes olhos verdes, mas pra mim era mais bonito).

Em poucos instantes nos tornamos amigos inseparáveis,

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eu lhe contei o que tinha acontecido comigo lá no C.A.B., e então ele me levou ao Quem-me-Quer, um jardim à beira-rio no centro de Recife, apresentou-me à sua turma de garotos feios, esquisitos e efeminados como eu e disse:

– Aponta um de nós que não tenha passado por algo parecido.Eu tinha treze anos quando isso aconteceu. Vou fazer 65

agora. Durante 52 anos guardei essa história comigo. Por isso nunca fiz análise – pra não ter que deitar num sofá e contá-la a um estranho. Na verdade, a essa altura da minha vida eu até já a tinha até esquecido.

Mas, da varanda de minha suíte no transatlântico “Splen-dour of the Seas”, enquanto ele atracava em Recife, eu vi a zona do cais à minha frente e então me lembrei de tudo.

Mal desci do navio, peguei um táxi, pedi ao motorista: –me leve ao Colégio Americano Batista. E ele fez isso. Lá, por trás do portão fechado, eu fiquei alguns minutos a olhar a mesma alameda de palmeiras pela qual eu passei em prantos naquele dia fatídico... E quase consegui me ver a seguir aquela via sacra de novo.

Pedi então ao motorista que me levasse à Rua do Cupim 144, e lá fiz questão de tirar fotos. A casa ainda é a mesma, só as grades mudaram, mas hoje ela funciona como escritório.

A seguir fui me encontrar com três jornalistas que estão escrevendo uma tese sobre a minha infância em Pernambuco e queriam que lhes desse uma entrevista. Foi então que, pela primeira vez nesses anos todos, tive vontade de contar essa história, mas me contive e pensei:

– Se o fizer será no blog. Quero que a turma de lá seja a primeira a tomar conhecimento disso.

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O prometido é agora cumprido. Estou aqui, nu diante de vocês todos.

Antes de voltar para o navio eu vivi o grande evento do dia: a reunião e o almoço com minha família (irmão, cunhada, sobrinhos, sobrinhos-netos) a quem não via há alguns anos. Foi com eles a voejar ao meu redor num restaurante, no auge da satisfação e da felicidade, que afinal concluí: não sou mais feio, nem pobre e muito menos esquisito.

Agora, efeminado... Bom, a verdade é que de vez em quando ainda desmunheco.

Mas acho que isso é destino!No final do almoço, quase à hora de regressar para o navio,

alguém me mostrou uma senhora numa mesa próxima: era dona Alba, uma antiga vizinha nossa da Rua do Cupim!

Eu não a reconheci, mas percebi desde que entrei no res-taurante que ela ficou me olhando. Minha cunhada me levou até ela; a velha senhora me cumprimentou efusivamente, e disse duas frases que considerei lapidares.

A primeira foi – Guina, como tu ficou grande!“Guina” era o meu apelido de menino.E a segunda, enquanto olhava extasiada para a minha ca-

beça, foi: – teu cabelo ficou bom!Essa última, se algum dia eu morrer – o que acho muito

difícil -, quero que a escrevam, com uma pequena adaptação, no meu túmulo:

“O cabelo dele não apenas ficou bom, mas continuou melhorando”.

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TAPA NA CARA EM PARIS

Sempre que estou em Paris dou um jeito de sentar na es-planada do Le Deux Magots, um café do Boulevard Saint Germain, e lá fico, a tomar um “Portô”, e a fingir que estou esperando Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir pra termos juntos uma discussão filosófica.

Coisas de escritor solitário e maluco.Dia desses estava eu lá sentado numa mesa, quando uma

mulher loura e grandalhona, que ia passando pela calçada, me viu e veio falar comigo.

–Você é o Aguinaldo Silva, tchê? – ela me perguntou em português e com forte sotaque gaúcho.

– Sim, sou o próprio – eu respondi já todo pimpão, pensando ter sido reconhecido por uma fã. E logo em Paris, imaginem!

Porém, mal respondi, a mulher me deu um tremendo tapa na cara, gritou: – safado, veado fascista, reacionário filho da puta!

E saiu cavalgando feito uma autêntica centaura dos pam-pas até desaparecer na esquina da Rue Bonaparte.

Atônito, olhei em torno e vi que, nas mesas lotadas, todos me observavam no mais absoluto e crítico silêncio.

“Que vexame” – eu pensei, enquanto me fingia de estátua.Foi o garçon quem se aproximou e quebrou o gelo:– O que foi isso? – ele me perguntou muito sério.E eu, já com as engrenagens da minha imaginação de fic-

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cionista desvairado funcionando, respondi em francês, e bastante alto pra que todo mundo ouvisse:

– Minha ex-esposa!Ao que o garçon deduziu:– Já sei. O senhor a traiu, ou pior ainda, deixou-a por outra.– Por outra não – eu não resisti e repliquei: por outro.E acrescentei: – Se é que você me entende.Ao que o garçon, sem perder o rebolado, disse que não en-

tendia e que, se eu estava falando de “monsieur avec mon-sieur”, homem com homem, era melhor ficar logo sabendo:

– Isso é uma coisa que aqui na França não existe.Após o que me deu as costas e foi embora.Nos cinco minutos seguintes eu pensei numa fileira enorme

de “pedês” notórios, lésbicas, bibas e sub-bibas que nasceram ou buscaram refúgio na terra do General De Gaulle, incluin-do Oscar Wilde e aquele seu garoto muito do safado. Lem-brei do atual prefeito de Paris, Bernard de La Noel, que é homossexual declarado... E aí tive um ataque de riso:

– Esse garçon deve ser de outro planeta! – eu disse pra mim mesmo.

E acertei em cheio, pois no minuto seguinte ele me trouxe a conta.

– Mas eu não pedi isso! – reagi.– Mesmo assim resolvi trazê-la. – ele respondeu. E encer-

rou: agora trate de pagá-la.E eu assim o fiz. Antes que ele me expulsasse a pontapés,

paguei dignamente a “dolorosa” – um Porto, um expresso e uma água mineral com gás por 20 euros! – botei o meu rabo

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de raposa loura e felpuda entre as pernas e fui embora.Claro, quando estou em Paris ainda sento na esplanada

do Le Deux Magots e fico a esperar Sartre e Simone, embora eles não venham nunca, pois - em todos os sentidos - já estão mortos e enterrados.

Mas antes de sentar passo duas ou três vezes no local até me certificar de que o tal garçon homófobo está de folga.

E quando saio do café, entro na Igreja de Saint Germain des Prés ali em frente, e lá me ajoelho e rezo fervorosamente pra que ele cometa alguma bobagem e seja logo demitido por jus-ta causa para que eu possa voltar a sentar no Le Deux Magots quantas vezes queira, e lá dar toda pinta que me der na telha, como faz um verdadeiro “safado, veado fascista, reacionário filha da puta”, porém cheio de euros no bolso e vitorioso.

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Este livro foi impresso na Gráfica Singular,

Rio de Janeiro, 2009, para a Editora BlogBooks.

O miolo foi diagramado utilizando a fonte Minion,

corpo 10,5 impresso em Pólen soft 75g. e capa em cartão 250g.

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