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DEYON, Pierre.O Mercantilismo

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  • Contracapa: Existe sobre o mercantilismo uma certa confuso entre a histria

    dos fatos e a das teorias econmicas. O volume de Pierre Deyon,

    da coleo Khronos, pretende resumir, mas tambm clarificar os

    debates. Antes de falar do mercantilismo esfor-se por identific-

    lo, descrevendo-o a partir dos antecedentes medievais s origens

    do liberalismo. Obra especializada quanto ao cuidado no

    levantamento de dados, possui carter ensastico de interesse

    amplo em que se acham implicadas perguntas sobre as

    possibilidades e limitaes do estudo histrico.

  • O Mercantilismo

    http://groups-beta.google.com/group/digitalsource

  • Coleo Khronos

    Dirigida por J. Guinsburg

    Equipe de realizao - Traduo: Teresa Cristina Silveira da Mota;

    Reviso: Paulo de Salles Oliveira; Produo: Ricardo W. Neves e

    Heda Maria Lopes.

  • Pierre Deyon O Mercantilismo

    EDITORA PERSPECTIVA

  • Ttulo do Original:

    Le Mercantilisme

    Flammarion, 1969

    4 edio

    Direitos reservados em lngua portuguesa

    EDITORA PERSPECTIVA S.A.

    Av. Brigadeiro Lus Antnio, 3025

    01401-000 - So Paulo - SP - Brasil

    Telefax: (0-11) 3885-8388

    www.editoraperspectiva.com.br

    2001

  • SUMRIO CRONOLOGIA

    INTRODUO procura de um mito

    PRIMEIRA PARTE: OS FATOS

    1. Polticas e prticas do mercantilismo

    2. As teorias mercantilistas

    SEGUNDA PARTE: ESTADO DA QUESTO E ELEMENTOS

    DO PROCESSO

    1. Problemas e interpretaes

    DOCUMENTOS E TESTEMUNHOS

    BIBLIOGRAFIA

  • CRONOLOGIA

    Alguns fatos essenciais ou significativos

    1492 Cristvo Colombo descobre as Antilhas. 1502 Cristvo Colombo desembarca em Honduras. 1503 Organizao do comrcio hispano-americano (Casa de

    Contratacin em Sevilha).

    1505 Os portugueses em Moambique. 1511 Os portugueses em Mlaca e nas Molucas. 1519 Corts no Mxico. Partida de Magalhes. N. Coprnico:

    Discurso sobre a cunhagem das moedas.

    1529 Pizarro no Peru. 1533 Tomada de Cuzco. 1536 Almagro no Chile. 1545 Abertura das minas do Potos. 1549 Redao do Compendious or brief examinations of certain

    ordinary complaints...

    1554 Inveno do amlgama para extrair a prata do minrio. 1557 Bancarrotas e crise financeira internacional. 1558 Ortiz dirige ao rei da Espanha sua dissertao: Para que as

    moedas no saiam do reino.

    1568 Response de Jean Bodin ao Paradoxe de M. de Malestroit sur le fait des monnaies.

    1572 Revolta dos mendigos nos Pases Baixos. Drake ataca a Carrera das ndias.

    1581 Edito real na Frana para generalizar o sistema das jurandas.

    1587 Drake bloqueia Cdiz.

  • 1588 Davanzati: Lezione delle Monete. Botero: Cause della grandezza e magnificenza della citt. Derrota e disperso

    da armada espanhola na Mancha e no Mar do Norte.

    1600 Criao da Companhia inglesa das ndias Orientais. Olivier de Serres: Thtre d'agriculture.

    1600 a 1610 Redao e edio dos principais tratados e memoriais de B. de Laffemas.

    1602 Companhia neerlandesa das ndias Orientais. 1609 Criao do Banco de Amsterd, e trgua de 12 anos entre

    a Espanha e as Provncias Unidas.

    1613 Serra: Breve trattato delle cause que fan abondare i regni d'oro e d'argento.

    1615 A. de Montchrtien: Trait de l'Economie politique. 1618 Incio da Guerra dos Trinta Anos. 1619 Fundao da Batvia. 1620 Os peregrinos do Mayflower na Amrica. 1621 Companhia neerlandesa das ndias Ocidentais e reinicio

    da guerra hispano-holandesa. Th. Mun: A discourse of

    trade to the East Indies.

    1622 Misselden: Free trade. 1624 Os holandeses expulsam os ingleses de Amboine. 1629 Edito de Lus XIII permitindo aos nobres o comrcio do

    mar e o armamento martimo sem risco de perda da

    nobreza.

    1634 La Gomberdire: Nouveau rglement gnral sur toutes sortes de marchandises.

    1635 Fundao de uma Companhia francesa das ilhas da Amrica.

    1637 Criao do Colgio das Minas na Sucia. 1638 Fechamento do Japo aos estrangeiros.

  • 1640 Incio da Revoluo da Inglaterra. 1644 Tarifa protetora francesa concernente aos txteis. 1646 Eon (em religio o padre Mathias de Saint Jean): Le

    Commerce honorable.

    1648 A Fronda. Os tratados de Westfalia. 1651 Primeiro Ato de Navegao na Inglaterra. Criao do

    Colgio do Comrcio na Sucia.

    1652 a 1654 Primeira guerra anglo-holandesa. Os neerlandeses arrebatam o Cabo aos portugueses. Derrocada do Imprio

    holands no Brasil.

    1653 Fim da Fronda. 1654 Os ingleses na Jamaica. 1659 Tratado dos Pireneus. Taxa francesa de 50 soldos por

    tonelada sobre os navios estrangeiros.

    1660 Segundo Ato de Navegao ingls. Tratado de Oliva e de Copenhague.

    1661 Criao do Board of trade and plantations. O Banco de Palmstruch emite na Sucia e pela primeira vez na Europa

    um papel-moeda.

    1662 Reforma monetria inglesa. Pierre de La Court: Van Interest van Holland.

    1664 Nova tarifa francesa. Criao das Companhias francesas das ndias Ocidentais e Orientais. Os ingleses tomam a

    Nova Amsterd. Th. Mun: England's treasure by foreign

    trade.

    1665 a 1667 Segunda guerra anglo-holandesa. 1665 Os franceses em So Domingos. 1667 a 1668 Guerra de Devoluo. 1667 Nova tarifa francesa. 1668 J. Child: Brief observations concerning trade and interest

  • of money. J. Becher: Discours des causes des progrs ou

    de l dcadence des empires, des villes, des rpubliques.

    1669 Regulamento de Colbert concernente tecelagem. 1670 Companhia francesa do Levante. 1672 a 1674 Terceira guerra anglo-holandesa; 1672 a 1678

    guerra da Holanda.

    1673 Edito para o comrcio dos negociantes por atacado e por varejo. Edito renovando as decises de 1581 e 1587 sobre

    a generalizao das jurandas.

    1675 J. Savary: Le parfait ngociant. 1681 Abertura do canal do Midi. 1682 Pedro, o Grande, proclamado czar. Cavelier de La Salle

    desce o Mississipi.

    1685 Revogao do Edito de Nantes. 1688 Segunda revoluo da Inglaterra. Incio da guerra da

    Liga de Augsburgo.

    1690 J. Child: A Discourse about trade. W. Petty: A aritmtica poltica.

    1691 D. North: Discourse upon trade. 1694 Criao do Banco da Inglaterra. 1695 Boisguilbert: Le Dtail de Ia France. 1695 a 1704 Publicaes de vrios ensaios de C. Davenant. 1699 Tratado comercial franco-holands. 1700 Lus XIV aceita o testamento de Carlos II. 1702 a 1714 Guerra de Sucesso da Espanha. 1703 Tratado comercial anglo-portugus de Methuen. 1707 Vauban: La Dme royale. Boisguilbert: Le Factum de Ia

    France.

    1710 Companhia inglesa do mar do Sul. 1712 Boisguilbert: Trait des grains et Dissertation sur Ia

  • nature des richesses.

    1713 Tratados de Utrecht. A Espanha concede Inglaterra o navio de permisso e o privilgio do asiento concernente

    importao de escravos negros nas colnias espanholas.

    1716 Criao do Banco de Law. So Petersburgo, capital de Pedro, o Grande.

    1717 Criao da Companhia francesa do Ocidente. 1720 Falncia e fuga de Law. 1722 Fundao da Companhia de Ostende nos Pases Baixos. 1724 A Bolsa de Paris. 1725 Possochkov: Le Livre sur Ia pauvret et Ia richesse. 1729 Colnias inglesas das Carolinas. 1732 Fundao da Gergia. 1736 Criao do Banco de Copenhague. 1742 Dupleix governador-geral da ndia francesa. 1744 Incio da guerra franco-inglesa. 1748 Tratado de Aix-la-Chapelle. 1752 D. Hume: Discours politiques. 1754 Chamada de Dupleix e tratado de Godeheu, recuo francs

    na ndia.

    1755 Nova guerra franco-inglesa. R. Cantillon: Essai sur Ia nature du commerce en gnral.

    1758 Quesnay: Tableau conomique. Vron de Forbonnais: Recherches et considrations sur les finances de Ia France.

    1763 Tratado de Paris. Liberdade de exportao dos cereais franceses.

    1765 Frederico II cria o Banco de Berlim. 1774 a 1776 Tentativas reformadoras de Turgot. 1776 Declarao de independncia dos Estados Unidos da

    Amrica do Norte. A. Smith: A Riqueza das Naes.

  • INTRODUO

    procura de um mito

    O mercantilismo foi definido e batizado por seus adversrios.

    Como se espantar de que eles no o tenham definido

    corretamente? Para melhor desacredit-lo, simularam reter

    apenas seu aspecto comercial, e conseguiram atribuir ao adjetivo

    mercantil um matiz pejorativo e odioso. Denunciando no

    mercantilismo o triunfo dos interesses egostas dos mercadores,

    ignoraram que era tambm um sistema manufatureiro, agrcola, e

    toda uma concepo do poder estatal. Sua escolha parece tanto

    mais discutvel, quanto os mercadores quase sempre

    desconfiaram da interveno do Estado no negcio, e muitos

    mercantilistas denunciaram seu egosmo ou sua limitao de

    esprito. A. Smith e o Marqus de Mirabeau, na verdade, somente

    falavam de sistema mercantil. Os historiadores economistas

    alemes da segunda metade do sculo XIX acreditaram dar a este

    sistema uma maior dignidade filosfica substantivando e

    idealizando o adjetivo. Celebraram o Merkantilismus, prestando-

    lhe assim um pssimo servio. Das grandes palavras em ismo,

    espera-se com efeito uma certa coerncia, um certo nvel de

  • abstrao filosfica; ora, o mercantilismo no constitui, nem

    jamais constituiu, uma doutrina social organizada com sua Bblia,

    sua Igreja e seus profetas. Do sculo XVI ao XVIII, ningum se

    declarou mercantilista, e no existe nenhuma profisso de f que

    permita classificar por comparao os escritos e as prticas

    econmicas do tempo. Esta situao introduziu certa confuso na

    histria das teorias econmicas. No existe definio comum do

    mercantilismo e de seus caracteres fundamentais. Uns falam do

    nacionalismo autrquico, outros, do intervencionismo do Estado,

    outros ainda atribuem uma importncia primordial ao bulionismo,

    isto , crena de que a acumulao dos metais preciosos a

    nica forma de riqueza. Segundo os autores, tais economistas da

    poca clssica, Child ou Cantillon, por exemplo, so classificados

    ora entre os mercantilistas, ora entre os precursores do

    liberalismo. Segundo os critrios que cada um escolheu, a escola

    se enriquece de novos recrutas, ou v desertar suas fileiras. Onde

    alguns celebram sua fecunda diversidade, outros assinalam

    complacentemente as oposies e as reservas suscitadas por seu

    fetichismo do ouro. O grande livro de E. F. Heckscher, O

    Mercantilismo, publicado em 1931 em sueco, traduzido em 1932

    para o alemo, e em 1935 para o ingls, no dissipou todas as

    incertezas, ao contrrio. Heckscher considera o mercantilismo um

    sistema de idias, o programa de uma poltica, mas lhe nega

    qualquer aptido para compreender mecanismos econmicos do

    tempo, e negligencia inteiramente a influncia dos fatos

    econmicos sobre a evoluo desta poltica. A despeito de sua

    imensa erudio histrica e de sua cincia da economia poltica, o

    livro de Heckscher no chegou a estabelecer uma sntese

    satisfatria entre a histria, as teorias e as polticas econmicas.

    Alguns de seus crticos concluram da que o mercantilismo era

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  • um sistema imaginrio e uma noo intil ou perigosa e que era

    desnecessrio procurar a unidade de pensamentos muito diversos

    ou de polticas dspares e circunstanciais.

    A prpria publicao de nosso livro prova que no cedemos

    tentao da hipercrtica. Acolheremos pois, a ttulo de hiptese,

    uma noo sancionada por um longo uso. Consideraremos

    provisoriamente o mercantilismo como o conjunto das teorias e

    das prticas de interveno econmica que se desenvolveram na

    Europa moderna desde a metade do sculo XV. Procurando uma

    eventual unidade de inspirao e de mtodos, estudaremos, com o

    empirismo que caracteriza freqentemente o historiador, as

    doutrinas e as polticas dos Estados europeus do Renascimento

    at o comeo da Revoluo Industrial. Sobre as runas dos

    particularismos urbanos e feudais, pesquisaremos se as

    monarquias nacionais souberam promover novas formas de

    atividade econmica. Sobre as runas dos ideais medievais de

    universalidade e de pobreza evanglica, pesquisaremos se os

    homens encontraram no servio do Prncipe, e esperando o triunfo

    do individualismo liberal, novas justificaes para a sua sede de

    riqueza. Se a histria confirma a legitimidade da hiptese

    mercantilista, restar-nos-o dois problemas a resolver, o das

    relaes do sistema com os fatos, a conjuntura econmica, as

    realidades sociais, e o de sua influncia sobre o advento do

    capitalismo moderno.

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  • PRIMEIRA PARTE: OS FATOS

  • Captulo I

    Polticas e prticas do Mercantilismo

    I. Os Antecedentes Medievais

    A comuna medieval legou ao Estado moderno uma slida

    tradio de interveno na vida econmica e social. Ela no era

    indiferente a nenhuma das atividades profissionais e comerciais

    de seus burgueses, e exercia sobre os estrangeiros uma vigilncia

    sem indulgncia.

    Os Estados monrquicos dos sculos XV e XVI encontraram,

    pois, neste tesouro de experincias e de regulamentos, os

    primeiros elementos de sua poltica econmica; numa certa

    medida, o mercantilismo que comea a se afirmar na Frana e na

    Inglaterra na segunda metade do sculo XV estendeu aos limites

    das jovens monarquias nacionais as preocupaes e as prticas

    das cidades da Idade Mdia.1

    A regulamentao destas economias urbanas obedecia a

    certos imperativos que vamos reencontrar na poltica econmica

    das monarquias europias. Os escabinos e os magistrados

    municipais velavam pelo reabastecimento da cidade em produtos

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  • alimentcios e em matrias-primas, base de toda a sua atividade

    econmica. Procuravam reservar-lhe certo nmero de fabricaes

    e de negcios combatendo as concorrncias dos pases de plancie

    e de outras cidades. Enfim, obrigavam os estrangeiros que

    chegavam cidade a passar pelos intermedirios nativos. Vamos

    encontrar no quadro de uma poltica concernente, desta vez, ao

    conjunto de um Estado, os mesmos cuidados e as mesmas

    atitudes.

    A semelhana particularmente clara no caso dos

    principados italianos, surgidos nos sculos XIV e XV em torno de

    uma cidade. Os Sforza em Milo, os Mdicis em Florena, os

    Bentivoglio em Bolonha protegem as comunidades profissionais

    urbanas, encorajam e subvencionam os inventores, os

    empreendedores de vanguarda, citadinos ou estrangeiros.

    Interessam-se com a mesma solicitude pelos armeiros, pelos

    bronzistas, pelos vidraceiros, pelos negociantes de tecidos e pelos

    artistas. O amor da arte, o gosto do prestgio, os cuidados

    militares ou financeiros, explicam da mesma forma este

    intervencionismo estatal. Os prncipes de origens burguesas, por

    vezes mesmo obscuras, conhecem bem a solidariedade do poder e

    da riqueza, cuidam da prosperidade dos cidados que escravizam.

    Mas os limites de uma cidade e de seu condado, mesmo os de um

    principado, so bem estreitos, e os principados, freqentemente

    muito efmeros. As grandes monarquias ocidentais beneficiam-se

    de outras vantagens e outras possibilidades. Desde a metade do

    sculo XIII, o Parlamento e a Coroa da Inglaterra tomam medidas

    favorveis indstria lanfera britnica. Em 1258, o Parlamento

    de Oxford probe temporariamente as exportaes de l bruta. No

    sculo seguinte, as exportaes so autorizadas, mas os direitos

    de sada para a l so consideravelmente aumentados. Sem

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  • dvida, preocupaes diplomticas e fiscais tambm justificam

    estas disposies; entretanto, o cuidado protecionista

    determinante nas decises de 1455, 1463 e 1464, que probem os

    lanifcios e as fbricas de seda estrangeiros.

    Outra antecipao mercantilista: o cuidado de evitar as

    sadas de numerrio e as exportaes de ouro e de prata. J em

    1381, o Parlamento solicita a opinio dos peritos neste assunto e,

    sob sua recomendao, os mercadores estrangeiros so obrigados

    a reinvestir em compras. No mercado ingls a metade e depois, a

    totalidade de suas vendas. Em 1419, para evitar a fuga das

    espcies preciosas, o Parlamento decide que os fornecimentos e o

    reabastecimento do exrcito na Frana proviriam da Inglaterra e

    que o soldo dos soldados seria pago com o produto das

    exportaes de l para a Normandia. Medidas temporrias, sem

    dvida, mas muito significativas. Os mercadores estrangeiros so

    as vtimas deste nacionalismo econmico em gestao e, em 1439,

    depois em 1455, os londrinos pilham as casas e os escritrios dos

    italianos.

    A monarquia Tudor retomou, sistematizou todas estas

    iniciativas, substituiu as veleidades desordenadas por uma

    verdadeira poltica nacional. Com o mesmo arrojo, definiu o

    programa do absolutismo monrquico e o do mercantilismo. Mas,

    enquanto o primeiro suscitava dificuldades entre o Parlamento e a

    Coroa, o programa econmico, de seu lado, beneficiava-se em

    larga medida das sugestes e do apoio das Comunas, no seio das

    quais chegavam a exprimir-se os interesses das grandes cidades e

    dos mercadores. Tambm, na Frana, os progressos do poder

    central aps a Guerra dos Cem Anos, e as necessidades

    financeiras incitam o soberano a intervir com mais regularidade

    na vida econmica. Por diversas vezes, Lus XI exprimiu sua

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  • inquietude a propsito das sadas de ouro e de prata, donde pode

    resultar a total runa e destruio do reino. Para evitar esta

    hemorragia, concede novos privilgios s feiras de Lyon, tenta

    controlar as transferncias destinadas corte de Roma. Para

    diminuir o preo das importaes do Levante, concede sua ajuda

    Companhia das Gals de Frana, dando-lhe temporariamente um

    monoplio de importao das drogas e especiarias do Levante.

    Encoraja a produo mineira na Frana, e favorece as

    manufaturas de tecidos finos ou de sarjas de seda. Introduzindo o

    trabalho e a tecelagem da seda, procura diminuir as compras de

    produtos de luxo no estrangeiro, e estabelecer uma balana

    comercial mais favorvel. Este intervencionismo responde ao

    mesmo tempo aos interesses de alguns grandes mercadores e s

    necessidades financeiras do soberano, consciente da estreita

    solidariedade entre o poder monrquico e a prosperidade nacional.

    Poltico hbil, Lus XI tomou o cuidado de garantir os conselhos e

    a aprovao de vrias assemblias de notveis. Criou assim uma

    tradio, e ao longo de todo o sculo seguinte, dos Estados Gerais

    de 1484 aos de 1614, passando pelas assemblias de Blois, de

    Orleans etc, a monarquia poder encontrar, nos cadernos do

    Terceiro e freqentemente nos cadernos comuns das trs Ordens,

    as mesmas proposies concernentes ao comrcio, s

    manufaturas, ao movimento das espcies, os encorajamentos

    necessrios marinha, isto , todas as justificaes e os

    principais artigos de uma grande poltica mercantilista.

    II. Na fascinao dos tesouros americanos, esboo de um primeiro mercantilismo no Sculo XVI.

    A conscincia de uma comunidade de interesse, o projeto de

    uma poltica econmica supunham naturalmente um progresso do

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  • sentimento nacional e um reforo do Estado. Todas as grandes

    monarquias europias do sculo XVI, com maior ou menor

    felicidade, maior ou menor continuidade, enveredaram por esta

    via do intervencionismo econmico. Entre os seus conselheiros,

    seus oficiais de finana, as preocupaes relativas balana

    comercial, ao desenvolvimento das manufaturas e aos movimentos

    internacionais das espcies, se tornavam cada vez mais

    obsedantes. Assim pouco a pouco se constitua, atravs de

    apalpadelas e contradies, uma primeira cincia das riquezas

    que exprime sua maneira o voluntarismo humanista do

    Renascimento. O autor ingls dos dilogos, redigidos em meados

    do sculo, e publicados em 1581, sob o ttulo A Compendious or

    brief examination of certain ordinary complaints2, coloca na boca de

    um de seus personagens recomendaes bem significativas:

    Acabando com a importao das mercadorias fabricadas no

    estrangeiro, e que poderiam s-lo entre ns, restringindo a

    exportao de nossas ls, peles e outros produtos no estado bruto,

    chamando artesos de fora sob o controle das cidades, fabricando

    mercadorias suscetveis de serem exportadas pelo exame destas

    mercadorias, e pela aposio sobre elas, antes que possam ser

    vendidas, do selo da cidade, penso que nossas cidades poderiam

    brevemente reencontrar sua antiga riqueza.

    Em La grande monarchie de France, Claude de Seyssel

    declara, em 1515, que o poder do pas reside nas suas reservas de

    ouro e de prata. No seu modo de pensar, o reino deve proibir todas

    as sadas de espcies, sem medo de represlias, porque, nico na

    Europa graas s suas riquezas naturais, pode abster-se de seus

    vizinhos. Alguns meses mais tarde, diante do Parlamento de Paris,

    o chanceler Duprat apresenta as mesmas proposies. Na

    Espanha, Luis Ortiz, no seu memorial Para que a moeda no saia

  • do reino, quer recolocar seu pas no trabalho, multiplicar as

    manufaturas, interditar a exportao das matrias-primas txteis.

    Estudaremos adiante o nascimento da teoria econmica, que

    inspirou e sustentou os esforos dos monarcas, preocupados com

    o estado de suas finanas e as necessidades dos exrcitos e dos

    diplomatas. Poder-se-iam citar mltiplos testemunhos desta

    convergncia de pensamentos e dos planos dos estadistas, mas

    no nossa inteno estudar em detalhes a poltica econmica de

    cada soberano do sculo XVI europeu; vamos tentar sobretudo

    destacar os caracteres comuns.

    aos movimentos monetrios que os governos dedicaram,

    talvez, maior ateno. Em toda parte quer-se acabar com as

    sadas de numerrio. Na Frana, declaraes reais renovam esta

    proibio em 1506, 1540, 1548 e 1574. Na Inglaterra vai-se mais

    longe e, para eliminar os fraudadores e todos os trficos

    clandestinos sobre as letras de cmbio, tenta-se por duas vezes,

    em 1546 e em 1576, submeter todo o negcio dos cmbios ao

    controle de agentes do governo, um fracasso. Fracasso tambm

    de todas as disposies concernentes ao transporte do numerrio

    ao estrangeiro. Como vigiar as fronteiras, os portos, quando o

    governo dispunha de to poucos agentes e de meios to lentos de

    transmisso; como no admitir, enfim, os argumentos dos

    mercadores, que invocam a necessidade de certas importaes

    indispensveis aos fabricantes franceses ou anteriores a certas

    reexportaes. O carter elementar da teoria da balana comercial

    condenava as veleidades governamentais impotncia. Para se

    convencer da ineficcia total de todos estes regulamentos, basta

    evocar o caso da Espanha de onde teoricamente no podiam sair,

    o ouro e a prata, entretanto, suas pistolas de ouro e seus reais de

    prata circulavam em toda a Europa Ocidental.3

  • Era mais fcil suscitar novas produes e conceder-lhes

    privilgios contra os concorrentes estrangeiros. Assim, na

    Inglaterra, na Frana, a Coroa concede subvenes aos

    manufatureiros que inauguram fabricaes. A Rainha Elizabeth

    distribui generosamente monoplios temporrios a todos aqueles

    que introduzem novas atividades na ilha: as indstrias de alume,

    de salitre, de sabo, de espelhos e de faiana, a fabricao de

    canhes ou a refinao do acar de cana. Foi talvez na Frana

    que esta interveno direta do poder monrquico se fez mais

    multiforme e mais sistemtica, anunciando j a prtica das

    manufaturas reais da poca de Henrique IV ou de Lus XIV.

    Francisco I criou, em Fontainebleau, uma manufatura real de

    tapearia. Henrique II confia a um bolonhs, com um monoplio

    de 10 anos, a fabricao de espelhos veneziana, e Catarina de

    Mdicis continua a proteger as fbricas de seda de Orlans e de

    Tours. So, claro, criaes frgeis, muitas vezes efmeras,

    porque dependem demais do apoio de um tesouro real quase

    sempre vazio. Mas, ao lado das subvenes em numerrio, os

    soberanos dispem agora de todo um arsenal de medidas

    proibicionistas e de taxaes para colocar as fabricaes nacionais

    ao abrigo da competio estrangeira. Carlos V defende

    severamente a exportao do linho, do cnhamo e submete os

    lanifcios estrangeiros a regulamentos e controles minuciosos.

    Cosme de Mdicis interdita a entrada dos tecidos estrangeiros em

    Florena e a exportao das sedas brutas. Na Frana, as

    restries impostas livre importao compreendiam

    primeiramente os produtos de luxo, tecidos de ouro e de prata,

    cetins e damascos. Depois, em 1538, a pedido dos Estados de

    Languedoc, Francisco I proibiu a entrada de tecidos da Catalunha

    e de Castela. Nos Estados Gerais de 1576, o Terceiro pede a

  • excluso de todos os manufaturados estrangeiros. Em 1581, pela

    primeira vez uma tarifa geral de entrada imposta a todas as

    fronteiras, e a assemblia dos Notveis de 1583 reiterou os

    pedidos da assemblia de 1576. H uma ltima caracterstica da

    interveno estatal na economia do sculo XVI que merece

    ateno. No seu livro clssico, E. Heckscher insistiu sobre este

    carter unificador do mercantidismo (ein einheitsbildendes

    System). vlido para a Espanha de Filipe II, para a Frana de

    Henrique III, onde o edito de 1581 tenta impor uma organizao

    uniforme das comunidades de ofcio. vlido para a Inglaterra,

    onde o estatuto dos artesos regulamenta, em 1563, a

    aprendizagem e o processo de fixao dos salrios, enquanto que

    as Poor Laws estabelecem um sistema uniforme de assistncia.

    Em toda a Europa Ocidental, os prncipes se esforam, com um

    sucesso desigual, por facilitar as relaes no interior de seus

    Estados, por reduzir as portagens e os tonlieux*, por organizar correios.

    Entretanto, no ser preciso pecar por anacronismo e

    exagerar o carter moderno da administrao real no sculo XVI.

    Os entraves livre circulao dos homens e das mercadorias

    continuam inumerveis em cada Estado. As taxas recolhidas nas

    fronteiras sobre as mercadorias estrangeiras conservam ainda

    muitas vezes o carter de simples direitos fiscais e nem sempre

    fcil saber se a fixao das tarifas corresponde a consideraes

    financeiras ou protecionistas. Para numerosas mercadorias,

    inclusive os manufaturados, a tatifa francesa, no comeo do

    sculo XVII permanece mais elevada na sada do que na entrada,

    o medo da fome, da interrupo do aprovisionamento, ou da

    carestia, justificam sem dvida este paradoxo. Pelos mesmos

    motivos, o rei da Espanha interdita, de 1552 a 1559, a exportao

  • dos tecidos espanhis, esperando assim frear a alta dos preos

    castelhanos!

    Em nenhuma parte as idias e as receitas constituem uma

    doutrina coerente. Os maiores espritos do sculo hesitam entre a

    teoria quantitativista da moeda e a da balana comercial. No

    perodo da alta europia dos preos, o protecionismo

    manufatureiro e o bulionismo no se arriscam a acelerar a

    inflao, ningum capaz de perceber claramente o problema e de

    resolver a aparente contradio. A irregularidade das colheitas,

    a insegurana, a lentido das relaes martimas e terrestres

    mantm a obsesso medieval da penria. Os tericos do interesse

    nacional, os apologistas do aproveitamento colonial e martimo

    permanecem embaraados pelos argumentos dos telogos sobre a

    usura, o justo preo e o direito das gentes, e por toda parte as

    querelas religiosas obscurecem o sentido da Real Politik. Em

    nenhum lugar, o Estado bastante poderoso, o aparelho do

    governo bastante bem organizado na base como cimo, as finanas

    bastante ss para dar interveno principesca a indispensvel

    continuidade. No passam ainda de medidas circunstanciais,

    empresas temporrias, mas sua convergncia, sua inspirao

    dominante cria pouco a pouco uma tradio, destaca

    progressivamente os elementos de um plano de conjunto e

    anuncia os grandes projetos econmicos da Europa clssica.

    III. O mercantilismo no Sculo XVII. O exemplo Francs

    Na verdade, nicos entre todos os Estados europeus, a

    Frana e a Inglaterra foram capazes de conduzir no sculo XVII

    uma poltica econmica coerente e de relativa eficcia, sem

  • dvida, a Espanha era muito fraca politicamente, demasiado

    embaraada por seu imprio e suas possesses europias, a Itlia

    e o Santo Imprio muito divididos e muito devastados pela guerra,

    a Sucia muito ligada economia das Provncias Unidas, que no

    mesmo momento seguiam com felicidade um caminho original.

    Vrias circunstncias contriburam para o florescimento do

    mercantilismo na Frana dos Bourbons e na Inglaterra de

    Elizabeth a Guilherme III.

    A aspereza das competies internacionais em que se viram

    envolvidos os dois pases excitou seu jovem nacionalismo

    econmico. O prmio era, primeiramente, a explorao das

    riquezas do Imprio espanhol, que o dbil poder do soberano de

    Madri e a apatia de seus sditos no mais conseguiam animar;

    era ainda o monoplio das reexportaes das drogas e das

    especiarias orientais, o mercado dos manufaturados txteis, o

    benefcio da navegao do Bltico ao Mediterrneo. A Inglaterra,

    com mtodo, aps a ter assestado seus golpes contra a Carrera

    das ndias e suas feitorias americanas, voltou-se sucessivamente

    contra a Repblica neerlandesa, na qual se lhe opuseram trs

    guerras martimas, depois contra a Frana de Lus XIV. A Frana

    tambm se inquietava com o trfico e a prosperidade dos

    holandeses. O papel que os mercadores das Provncias Unidas

    representavam em nossos portos e em nossas regies atlnticas,

    parecia escandaloso a Colbert, e a guerra de 1672 no foi, a seu

    ver, mais que o Coroamento de toda uma perseverante contra-

    ofensiva industrial e comercial. O episdio decisivo destas

    rivalidades se desenvolveu de 1701 a 1713, quando as duas

    potncias martimas aliavam-se para insurgir-se contra as

    pretenses francesas de acolher, de um golpe e por sucesso

    dinstica, a herana de Carlos II da Espanha. Todas estas lutas

  • apresentaram, ao lado de seus aspectos militares, aspectos

    tarifrios e comerciais. Os esforos financeiros impostos aos dois

    Estados, francs e ingls justificaram ainda mais a interveno do

    governo no domnio das atividades econmicas, e o servio do

    egosmo nacional.

    A modernizao do aparelho de Estado contribuiu

    igualmente para os progressos da prtica mercantilista. Na

    Inglaterra, o desenvolvimento do servio das aduanas permitiu

    estabelecer uma contabilidade mais exata das trocas

    internacionais, enquanto que o controle parlamentar fornecia aos

    interesses do negcio os meios de se fazer entender mais

    claramente. Da mesma maneira na Frana, a reforma tarifria de

    1664, nas fronteiras do territrio das cinco grandes herdades,

    autoriza uma viso mais clara da balana comercial, e os

    escritrios que se constituem pouco a pouco sob a autoridade do

    Controlador-geral, podem seguir melhor as flutuaes das trocas.

    Tambm os progressos da reflexo terica guiam mais

    seguramente os administradores e os ministros. As obras de Mun,

    Child, Davenant e Petty assinalam os primeiros passos da

    economia poltica; na Frana, Laffemas, Montchrtien, o prprio

    Richelieu, inspiram Colbert diretamente. Uma certa laicizao do

    pensamento poltico sob a influncia do maquiavelismo e dos

    princpios da razo de Estado justifica a cincia e a prtica das

    riquezas. Aos olhos de Colbert, os monges so quase suspeitos

    ociosos, e os escrpulos dos telogos no que concerne ao

    emprstimo a juros entravam inutilmente o comrcio.

    As circunstncias conjunturais constituem um ltimo

    elemento favorvel, trazem uma justificao suplementar s teses

    mercantilistas. A baixa prolongada dos preos ouro e prata,

    sobretudo depois de 1630, mantm uma espcie de angstia

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  • monetria. Em toda parte, na Europa Ocidental, faltam as

    espcies de ouro e de prata. Suas trocas so embaraadas, as

    crises peridicas se tornam mais temveis, e os tesouros pblicos

    sofrem com isto, no mesmo momento em que as necessidades dos

    exrcitos e das frotas exigem quantidades crescentes de ouro e de

    prata, nervos da guerra. O enfraquecimento da produo das

    minas americanas, o entesouramento universal sob a forma de

    jias e de baixelas, o desequilbrio das balanas com o Levante e o

    Extremo Oriente, explicam, sem dvida, esta penria. Mas a

    Inglaterra e a Frana no podem acomodar-se a isto. Suspeitam

    que as Provncias Unidas aambarcam uma parte crescente do

    estoque europeu. Os financistas e os ministros so constrangidos

    a se interessar pelo equilbrio das trocas comerciais, que

    condiciona a prosperidade e a circulao das espcies,

    intermedirio indispensvel do imposto antecipado. Tampouco

    no podem ignorar o longo recesso que afeta muitos negcios e

    manufaturas em meados do sculo. O desemprego e a misria

    mantm e multiplicam os riscos de sedies populares. Ontem

    como hoje, a crise econmica por razes polticas e sociais provoca

    a interveno do Estado, e o esforo de Colbert um plano de

    reconstruo, de restabelecimento nacional, tanto quanto um

    servio do Rei.

    Colbert colocou na exposio de suas idias uma clareza,

    uma fora de convico e na realizao de seus projetos uma

    energia que teriam merecido um melhor sucesso. Mas pouco

    inovou. Foi Barthlemy de Laffemas quem primeiro, logo em

    seguida ao desastre nacional que foram as guerras de religio, se

    fez apologista do trabalho criador e adversrio desta letargia

    econmica que ameaa a Frana. Em uma dzia de panfletos,

    expe as idias adotadas em parte pela Comisso do Comrcio,

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  • criada em 1601 por Henrique IV. Inspirou igualmente as medidas

    tomadas pelo soberano e seu Conselho em favor das manufaturas

    de tapearias, de tecidos de seda, e a tentativa abortada de criar,

    em 1604, uma grande Companhia Francesa das ndias Orientais.

    Por intermdio de seu filho Isaac, autor de uma Historie du

    commerce de France, e pelos escritos de Montchrtien, La

    Gomberdire e outros, suas idias acabaram por chegar ao

    domnio pblico onde a assemblia dos Notveis de 1627, o

    prprio Richelieu, depois Colbert, no tiveram seno que apanh-

    las.

    Encontra-se muitas vezes nos escritos de Richelieu a idia

    banal de que a prata o nervo da guerra; obsidiado pelo poderio

    da Espanha, ele ambiciona os metais preciosos que as frotas da

    Amrica trazem todo ano a Sevilha. Para desviar em direo ao

    reino uma parte deste pactolo, imagina com os seus Conselheiros

    o plano de vasta empresa comercial e colonial. Gro-mestre do

    almirantado, governador da Bretagne, consagra perseverantes

    esforos ao renascimento da marinha e dos portos, encoraja as

    tentativas de constituir na Frana grandes companhias de

    navegao: Companhia do Morbihan, Companhia da Nova Frana,

    Companhia do Escaler de Saint-Pierre Flor-de-lis, etc.4 A

    diplomacia, a guerra, as revoltas interiores, a doena e a morte

    impediram-no de prosseguir na execuo de seus projetos, mas a

    importncia que concede a estas questes econmicas no seu

    Testamento poltico, e os diversos papis que constituem suas

    Memrias traduzem bem suas intenes e o sentido da misso que

    deixava a seus sucessores. Colbert no teve pois o mrito da

    inveno, mas ningum lhe contesta o da continuidade e

    perseverana na execuo, ao longo dos 22 anos de seu

    ministrio; fatigado, no era senhor nem da conjuntura, nem da

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  • bolsa de seu rei. Por muitas vezes, Colbert formulou na sua

    correspondncia os princpios do mais estrito mercantilismo.

    Concordar-se- facilmente escreveu em 1664, em que somente a

    abundncia da prata num Estado que faz a diferena de sua

    grandeza e de seu poderio; alguns anos mais tarde, precisa: H

    somente uma mesma quantidade de prata que circula em toda a

    Europa... no se pode aumentar a prata no reino, sem que ao

    mesmo tempo se retire a mesma quantidade nos Estados

    vizinhos. Pode-se ler ainda no seu memorial de 1670 sobre as

    finanas: preciso aumentar a prata no comrcio pblico

    atraindo-a dos pases de onde provm, conservando-a dentro do

    reino, impedindo que ela saia e dando aos homens meios para

    aproveit-la... somente o comrcio e tudo o que dele depende pode

    produzir este grande efeito5. Assim, a prosperidade de um Estado

    no poderia ser edificada seno a expensas de seus vizinhos; a

    esta guerra de prata Colbert concitava a Frana e incitava seu

    soberano. talvez o aspecto mais curioso do colbertismo este

    pessimismo econmico, que se recusa a crer na possibilidade de

    um progresso de conjunto, e esta concepo esttica do comrcio

    mundial6. Vamos encontrar este mesmo pessimismo na

    desconfiana meticulosa de muitos textos regulamentares e nos

    ditos do ministro que atribuem fraude e m qualidade de

    fabricaes e decepes comerciais francesas no estrangeiro. Para

    melhor conduzir esta guerra de prata, Colbert procedeu a uma

    nova disposio das tarifas aduaneiras: preciso, diz ele, isentar

    as entradas das mercadorias, que servem s manufaturas do

    reino, taxar aquelas que permanecem manufaturadas, isentar

    inteiramente as mercadorias de fora que, tendo pago a entrada,

    saem, e aliviar os direitos de sada das mercadorias

    manufaturadas dentro do reino. Mas a arma essencial desta

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  • competio internacional o desenvolvimento da marinha, a

    multiplicao das manufaturas e das companhias de comrcio, s

    quais Colbert devota cuidados atentos. A este respeito ele segue a

    obra esboada por Laffemas, Richelieu e Fouquet. Exerce

    vigilncia sobre a cobrana da taxa de 50 soldos por tonelada,

    sobre os navios estrangeiros que freqentam os portos franceses.

    J em 1664, concede subvenes construo martima e as

    rplicas francesas dos Atos de Navegao britnicos lhe permitem

    elevar, no fim da vida, as marinhas de guerra e de comrcio a um

    nvel at ento inigualado. No h um nico setor da produo

    manufatureira, um nico negcio remoto que escape sua

    interveno. Arsenais, fundies de canhes, manufaturas de

    renda, de malharia, de meias de l e de seda, tecidos de luxo ou

    tecidos finos, Companhia das ndias Orientais, Companhia das

    ndias Ocidentais, Companhia do Norte Companhia do Levante

    gozam alternadamente de sua exigente proteo. Solicita ou exige

    os concursos, organiza, subvenciona, vigia e se inquieta. Mais de

    150 regulamentos de fbrica procuram fazer da produo francesa

    uma produo de qualidade sem igual na Europa. Especificam a

    proporo das tintas, a largura dos tecidos, o nmero de fios na

    malha, os utenslios e os trabalhos de todos os corpos de ofcio.

    Sob o controle dos intendentes, um novo corpo de inspetores das

    manufaturas encarregado de controlar as fabricaes e de

    constatar as contravenes.

    falta de informaes estatsticas, muitas vezes difcil

    apreciar a eficcia destas empresas e a incerteza mantm ainda os

    debates entre os historiadores. Muitas manufaturas, muitas

    companhias desapareceram mesmo antes da morte do ministro, e

    a distncia entre as ambies e os resultados grande. A

    amargura marca freqentemente a correspondncia de Colbert

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  • nos ltimos anos de sua vida. Muitos obstculos se opuseram s

    suas empresas: a relutncia dos mercadores em participar de

    companhias semipblicas, seu gosto excessivo pelos investimentos

    nos negcios da finana, os ofcios ou a terra, a insuficincia do

    sistema de crdito na Frana, a indigncia do campesinato e a

    ausncia de um amplo mercado interno, a deflao internacional

    das atividades e dos preos. O trgico na existncia de Colbert

    nasce tanto dos caprichos caros de Lus XIV, como de uma

    conjuntura desfavorvel e da absteno parcial da burguesia

    francesa. Entretanto, decerto o balano no totalmente negativo.

    Subsistem, sua morte, uma marinha reconstituda, uma

    legislao comercial menos arcaica, uma tecelagem novamente

    prspera, e uma manufatura de telas de linho e de cnhamo que

    se tornou a primeira da Europa. As companhias coloniais

    decaram, mas as Antilhas e o Canad receberam novos colonos, e

    todos os portos do Atlntico entraram em nova atividade.

    A personalidade e a obra de Colbert suscitaram, durante sua

    vida, e aps a sua morte, violentas oposies e speras polmicas.

    Alvo de muitos panfletos clandestinos, foi, logo em seguida sua

    morte, publicamente criticado, depois denunciado pelos fisiocratas

    e pelos economistas liberais. Precisou esperar quase dois sculos

    a sua reabilitao. List, em seu Systme d'conomie nationale,

    celebra-o como um precursor. E. Lavisse exalta seu esprito

    filosfico e v na sua obra a primeira manifestao do despotismo

    esclarecido; P. Boissonnade identifica o colbertismo e o socialismo

    de Estado; e R. Gonnard, em sua Histoire des doctrines

    conomiques, proclama o gnio de Colbert. Rejeitando a lenda

    dourada tanto quanto a lenda negra, os historiadores atuais

    procuram, sobretudo, explicar as caractersticas e os limites da

    sua obra, em funo das instituies e das idias de seu tempo,

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  • Boisguilbert e os economistas franceses do sculo XVIII

    censuraram a Colbert o fato de ter negligenciado a agricultura,

    fonte de toda riqueza, at mesmo de t-la sacrificado em proveito

    das manufaturas. Colbert teria sustentado uma poltica de po

    barato para baixar preos de custo na Frana. Nada mais

    inexato; a baixa excepcional dos preos agrcolas na Frana, de

    1662 a 1687, corresponde a um movimento internacional, sensvel

    em todos os mercados da Europa Ocidental. A verdade que

    Colbert no soube ou no pde desembaraar-se das tradies

    regulamentares em matria de circulao e de negcio dos cereais,

    enquanto que mesma poca, na Inglaterra, as corn laws

    permitiam, alternadamente, prover o mercado nacional, e depois

    vender com vantagem os excessos da produo. Colbert pensou

    que o desenvolvimento das manufaturas rurais remediaria o

    pauperismo dos campos. Salvo algumas medidas circunstanciais

    em favor dos camponeses, abaixamento temporrio das talhas,

    proteo ao gado, a Frana de Lus XIV no tem poltica agrcola.

    No menos fundamentadas que as crticas formuladas pelos

    representantes dos interesses agrrios, parecem-nos as reticncias

    de alguns negociantes com relao ao colbertismo. Ao lado dos

    mercadores xenfobos que reclamam e aprovam o protecionismo

    aduaneiro, existem incontestavelmente, na Frana do sculo XVII,

    homens de negcio que conhecem a solidariedade complexa das

    trocas internacionais e temem as represlias estrangeiras. Os Seis

    grandes corpos dos mercadores de Paris j haviam pleiteado a

    liberdade do comrcio e o abaixamento das tarifas institudas em

    1654. Mais fortemente ainda um panfleto annimo de 1688

    declara: O Senhor Colbert no se apercebe de que, pretendendo

    colocar os franceses em condies de se absterem de outros povos,

    os conduz a fazer a mesma coisa de seu lado. O mesmo apego

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  • liberdade de comrcio suscita a desconfiana em relao s

    companhias de navegao e de colonizao de carter semi-

    pblico, ou em relao regulamentao minuciosa das

    fabricaes. Censurou-se a Colbert esta mania de

    regulamentao. til onde ela presidia a introduo de uma

    tcnica nova, atrapalhou muitas vezes a adaptao das

    manufaturas txteis francesas s flutuaes da moda e da

    demanda estrangeira. Ele no compreendeu bem o carter

    multilateral das trocas, no acreditou tampouco nas leis do

    mercado, seu pensamento continua o de um administrador

    minucioso, e no de um economista. Seu apego aos sistemas das

    jurandas, cuja instituio tenta generalizar em 1673, revela bem o

    carter tradicionalista de seu pensamento. Multiplica os controles

    de fabricao, refora a pequena oficina rotineira, no momento em

    que a Inglaterra ps-revolucionria se liberta, no essencial, dos

    vestgios do sistema medieval de organizao de trabalho. Para ele,

    como para os juristas que o cercam e assistem, a organizao

    corporativa parece algo de instituio natural ou divina. As

    manufaturas privilegiadas no passam, em seu esprito, de

    expedientes temporrios. O regime normal de organizao do

    trabalho deve ser o das jurandas e o edito de maro de 1673 tenta

    generalizar a instituio em todo o reino.

    Em matria de poltica monetria, o mesmo tradicionalismo

    lhe inspira, a 7 de dezembro de 1665, uma reavaliao mais feliz

    da livre circulao, que constitui uma verdadeira deflao em

    plena crise econmica, e que teve de revogar no ano seguinte,

    diante dos protestos dos mercadores e dos banqueiros. Mais grave

    sua incompreenso, e deve-se diz-lo, de muitos de seus

    compatriotas, diante das reformas monetrias inglesas de 1662,

    que introduzem, como nas Provncias Unidas, maior liberdade da

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  • circulao das espcies e dos lingotes. luz destas comparaes,

    os limites do colbertismo refletem com evidncia o atraso do

    pensamento econmico e das instituies sociais na Frana em

    relao ao seu vizinho anglo-saxo. Colbert, um gnio ou um

    medocre nocivo? Nem um, nem outro, mas um homem de seu

    tempo e de seu pas, um ministro desta poderosa monarquia

    administrativa, cuja grandeza no podia conformar-se com a

    decadncia comercial e industrial. Num momento e num pas onde

    tudo conspirava para desviar os filhos da burguesia das atividades

    econmicas os preconceitos nobilirios ou paranobilirios, o

    esnobismo da ociosidade, a suspeita da Reforma catlica em

    relao s modernas formas do crdito e das tcnicas comerciais,

    o prestgio da carreira dos ofcios, enfim, a conjuntura

    desfavorvel, contra uma tal coalizo de interesses, de hbitos e

    de dificuldades econmicas ele tentou dar ao pas o sentido do

    labor, da eficcia e da empresa. No foi culpa sua, se algumas de

    suas proposies no foram retidas, se a oposio da Faculdade

    de Teologia e da Sorbonne impediram o estabelecimento nas

    principais cidades do reino destes negociantes de emprstimo

    que distribuiriam o crdito comercial, No foi culpa sua, se o

    rei, finalmente, sacrificou a vocao martima do reino, e escolheu

    a glria, a guerra continental e a intransigncia romana.

    IV. O Sistema Mercantil na Inglaterra

    Na Inglaterra, mais ainda que na Frana, o mercantilismo

    uma criao contnua, emprica e nacional. J evocamos certas

    decises do sculo XIII, concernentes proteo da indstria

    lanfera. Do mesmo modo, nos sculos XIV e XV, j esboando o

    sistema dos Atos de Navegao, a Coroa ops obstculos livre

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  • circulao e ao livre trfico dos navios estrangeiros nos portos

    britnicos. Como na Frana, foi entre 1580 e o fim do sculo XVII

    que o mercantilismo se imps com maior fora e coerncia. As

    ameaas exteriores contriburam para o seu sucesso, e por duas

    vezes apareceu como um elemento essencial da defesa nacional.

    As lutas que os marinheiros e os corsrios de Elizabeth

    mantinham contra as frotas e as colnias de Filipe II eram ao

    mesmo tempo uma empresa religiosa, nacional e mercantil e um

    sculo mais tarde, a ofensiva comercial contra a Frana de Lus

    XIV se inscrevia, igualmente, num plano mais geral de defesa

    protestante. Esta coincidncia deu ao programa mercantilista o

    apoio de grande parte da opinio britnica. O carter sistemtico

    da interveno estatal no sculo XVII se explica tambm pela

    necessidade de fazer face grande depresso econmica, cujos

    primeiros sinais se manifestam na Inglaterra em 1620. Apreensivo

    com a gravidade desta crise, o conselho privado se associa em

    1622 a uma comisso de peritos, de mercadores e de banqueiros,

    para discutir as causas dos prejuzos das vendas txteis. Suas

    concluses e suas proposies constituem um resumo de todas as

    prticas mercantilistas7. As grandes companhias comerciais, de

    seu lado, prepararam e favoreceram a adoo dos Atos de

    Navegao8. , talvez, a caracterstica mais original da poltica

    econmica inglesa, graas existncia do Parlamento, ela

    freqentemente ajustada e ratificada. No mais sob os Stuarts que

    sob o Protetorado, o Estado no est s ordens dos mercadores,

    mas consulta, inspira-se antes de decidir ou de arbitrar. Em

    matria econmica, como em matria poltica, a situao da

    Inglaterra parece intermediria entre a das Provncias Unidas e a

    da Frana: as Provncias Unidas onde a impotncia do poder

    federal freqentemente deixa livre curso aos interesses

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  • particulares, at mesmo antinacionais, e a Frana onde o zelo de

    um ministro, suprindo mal o enfraquecimento dos corpos

    intermedirios, a interveno do Estado assume um carter

    autoritrio ou repressivo. O mercantilismo ingls se beneficia da

    precocidade das instituies polticas e sociais, da qualidade da

    informao e da reflexo terica no pas, evolui, se adapta, se

    aperfeioa, e ajuda a Inglaterra a assumir, na Europa, uma

    verdadeira supremacia martima e comercial e, talvez, j a

    supremacia industrial.

    Como em todos os outros pases da Europa, o mercantilismo

    adquiriu na Inglaterra trs formas essenciais: proteo, da moeda

    e dos estoques de metais preciosos, proteo da produo,

    encorajamentos e favores marinha e ao comrcio nacional.

    Na Idade Mdia, a exportao das espcies fora, na

    Inglaterra, como alis em quase toda parte, regularmente

    proibida. Por diversas vezes o governo de Elizabeth, depois o de

    Jaime I, tentaram restabelecer estas antigas disposies, mas

    estes projetos logo foram abandonados, e um sistema de licenas

    permitiu eludir as estipulaes muito rigorosas de certos textos.

    Mercadores, economistas e polticos progressivamente tomaram

    conscincia, ao longo do sculo, do carter ilusrio ou nefasto

    destas regulamentaes. Sabiam que a pretenso do comrcio no

    Bltico e nas ndias Orientais exigia sadas de prata, e que o saldo

    global dos movimentos de metais preciosos dependia da atividade

    econmica geral do reino e do equilbrio de seu comrcio. O

    fracasso das tentativas para controlar e estabilizar arbitrariamente

    o mercado das trocas acabou por provar que os movimentos

    comerciais determinavam, ao mesmo tempo, as flutuaes das

    circulaes e o movimento das espcies. Th. Mun fez o balano

    destas experincias no livro England's Treasure by foreign Trade,

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  • publicado em 1664, onde dava uma formulao clssica da teoria

    da balana comercial e levava em conta as exportaes e as

    importaes invisveis: O meio ordinrio de aumentar nossa

    riqueza e nossas espcies o comrcio exterior, para o qual

    preciso sempre observar esta regra, vender mais aos estrangeiros

    do que lhes compramos para nosso consumo. Nesta data, alis, a

    Inglaterra j se havia desembaraado do essencial das velhas

    regulamentaes bulionistas. Inspirando-se nos exemplos de

    Veneza e Holanda, um ato de 1663 autorizou a exportao de

    moedas estrangeiras e de material de ouro e de prata. Reforma

    importante, que contribuiria para a estabilidade da libra esterlina,

    permitiria certas adaptaes automticas dos preos e das trocas,

    j testemunhava a prosperidade do comrcio britnico e preparava

    seus progressos ulteriores. A tarefa do governo no era mais

    regulamentar o movimento das espcies, mas orientar e dirigir as

    correntes do comrcio para garantir um saldo positivo.

    Esta teoria da balana comercial ditava os outros aspectos

    da poltica mercantilista. Para assegurar, na medida do possvel,

    sua prpria subsistncia, o reino devia desenvolver certas

    produes, reservar sua marinha e a seus mercadores o controle

    de suas trocas exteriores, encorajar certos trficos pela diminuio

    das taxas aduaneiras, desencorajar outros com tarifas proibitivas.

    O protecionismo ingls no sculo XVII ao mesmo tempo

    industrial e agrcola. Os dois primeiros Stuarts tm uma idia

    muito alta das responsabilidades econmicas e sociais da

    monarquia, distribuem os privilgios e os monoplios, multiplicam

    os regulamentos e confiam a um enxame de oficiais o controle das

    fabricaes. A indstria txtil, a mais importante das atividades

    exportadoras do pas, goza da ateno particular da Coroa e do

    Parlamento. No fim do reinado de Jaime I, as exportaes de l

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  • so definitivamente interditadas, o que, reserva feita ao

    contrabando, d aos teceles ingleses o monoplio de uma

    matria-prima excelente e barata. Isto no basta para fazer frente

    s dificuldades nascidas da crise de meados do sculo; elevam-se

    as taxas aduaneiras no tocante aos tecidos franceses e

    holandeses, esforam-se mesmo para impor o porte dos tecidos de

    l de fabricao nacional. Para as roupas de luto, para as

    mortalhas, os atos do Parlamento estipulam o uso obrigatrio dos

    tecidos de l. Depois, como os tecidos de algodo das ndias

    concorressem com os tecidos finos, o governo interditou em 1700

    as sedas e os tecidos de algodo orientais; vai mesmo mais longe

    em 1721 e proscreve o uso dos tecidos orientais importados crus e

    tingidos na Inglaterra. Um pouco antes, o governo francs havia

    tomado medidas idnticas, prolongando tambm por um sculo a

    atividade das pequenas manufaturas de tecidos e sedas.

    Idntica no domnio industrial, a poltica dos dois reinos

    difere radicalmente no setor agrcola. Sua situao martima

    ajudou a Inglaterra a se libertar, um sculo antes da Frana, do

    medo obsessivo da penria e da fome. Ousando favorecer a

    exportao dos cereais e limitando as importaes, soube

    encorajar sua agricultura e manter seus progressos. J nos

    sculos XV e XVI fora estabelecido o princpio da liberdade de

    exportao quando os preos internos do trigo no excedessem

    um certo nvel. Aps a Restaurao, um ato de 1670 suprimiu

    todas as condies e todas as restries. Melhor ainda, em 1674,

    foram concedidas subvenes aos exportadores para evitar em

    perodo de abundncia a derrocada dos cursos. Na mesma poca,

    o Parlamento instituiu, em 1663 e 1670, uma escala mvel dos

    direitos importao: taxas aduaneiras elevadas quando os

    preos do trigo permaneciam baixos, e tarifas menos severas

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  • quando estes preos se elevavam. Graas a este sistema, os

    produtores ingleses gozaram durante quase um sculo de uma

    proteo quase completa. Menos oprimidos pelo sistema fiscal que

    os camponeses franceses, foram ainda melhor protegidos contra a

    grande depresso dos preos dos cereais. Conservaram um nvel

    de vida mais decente, e a capacidade de absoro do mercado

    interior, fonte de todo desenvolvimento ulterior, foi assim

    salvaguardada.

    O terceiro elemento essencial do sistema mercantilista ingls

    no sculo XVII constitudo pelos Atos de Navegao. Como a

    agricultura e as manufaturas, a marinha nacional goza de um

    regime altamente protecionista. Neste setor tambm o Estado

    mercantilista tenta sozinho assegurar sua subsistncia e seus

    servios. A marinha e o comrcio holands, concorrentes temidos,

    que so visados pelos Atos de Navegao. As decises de 1651 e

    1660 codificam e sistematizam uma poltica martima, j esboada

    por medidas parciais tomadas nos reinados de Elizabeth e dos

    dois primeiros Stuarts. Segundo o texto de 1651, as mercadorias

    europias no podiam ser transportadas para a Inglaterra, a no

    ser em navios ingleses ou em navios do pas de origem; do mesmo

    modo os produtos da sia, da Amrica ou da frica no podiam

    ser importados seno pela marinha britnica ou colonial. Em

    1660, para evitar certas fraudes especificou-se que a equipagem

    de um navio britnico deveria ser comandada por um capito

    ingls, e composta por trs quartos de sditos britnicos. Durante

    os primeiros anos da Restaurao, outras disposies

    completaram a constituio do sistema, reservando metrpole o

    essencial do comrcio colonial. O regime da exclusividade

    contribuiu tambm para a prosperidade da marinha britnica.

    Este protecionismo rigoroso suscitou, naturalmente, a

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  • hostilidade dos pases vizinhos. Os Atos de Navegao

    contriburam para o desencadeamento das trs guerras martimas

    anglo-holandesas, e o conflito tarifrio com a Frana resultou

    progressivamente num regime de quase-proibio. No decurso das

    negociaes, que resultaram na paz de Utrecht, foi feita uma

    tentativa para pr fim a esta situao, e foi negociado um tratado

    comercial entre os dois pases.

    Este projeto provocou na Inglaterra uma polmica

    interessante; com efeito, neste pas, como na Frana, comeava-se

    a se interrogar sobre a legitimidade das tarifas proibicionistas.

    Economistas como Coke, Child, Davenant se esforaram por

    apontar-lhes os perigos: riscos de represlias e de guerra,

    desaparecimento da competio estimulante, ruptura dos

    equilbrios multilaterais do comrcio internacional. Seus

    argumentos retomados em 1713 pelos tris e De Foe no foram,

    entretanto, entendidos. O pensamento terico se antecipava aos

    costumes, at mesmo aos fatos, e o tratado no foi ratificado pelas

    Comunas. Provavelmente, os benefcios que a Inglaterra soubera

    tirar da organizao egosta da sua economia nacional eram

    demasiado evidentes para autorizar, j no incio do sculo XVIII,

    uma modificao qualquer do sistema mercantil. Liberta, no

    essencial, das antigas regulamentaes corporativas, da proibio

    do emprstimo a juros e dos particularismos urbanos e regionais,

    a economia inglesa afirmava, numa conjuntura europia, embora

    bem difcil, seu dinamismo. Manufaturas bem protegidas, mas

    livres de toda regulamentao autoritria das fabricaes e das

    tcnicas, uma marinha poderosa, uma agricultura prspera e

    lucrativa, instituies parlamentares e polticas favorecendo a

    consulta e o confronto dos interesses, a Inglaterra estava pronta

    para a grande aventura industrial. As duas revolues polticas

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  • que ela atravessara no sculo XVII tinham liquidado as confrarias,

    as guildas, os privilgios, muitos vestgios, obstculos e

    preconceitos herdados do passado, e contriburam para fazer do

    mercantilismo um meio muito eficaz de poder e de progresso

    nacional.

    O exemplo da Sucia, como o da Frana e da Inglaterra,

    poderia ilustrar as histrias paralelas do mercantilismo e do

    absolutismo. Monarquia nacional e por um momento grande

    potncia europia, a Sucia da rainha Cristina e de Carlos XI

    procurou desenvolver suas exportaes e sua marinha. Tentou

    mesmo, s margens do Delaware, a empresa colonial. Seus

    soberanos concederam privilgios s manufaturas lanferas de

    Estocolmo e Norrkping, s companhias de alcatro e de sal. Para

    intensificar a produo e as trocas, criaram em 1637 o Colgio das

    Minas e em 1651 o do Comrcio. Estabeleceram nas fronteiras

    direitos de aduana, protetores enquanto a frota sueca

    desempenhava importante papel comercial no Bltico e contava

    em 1690 com mais de 750 navios. O excedente da balana

    comercial, que os ministros festejavam, escondia entretanto uma

    fraqueza. Muitas exportaes eram destinadas a reembolsar os

    capitais holandeses que controlavam em parte a metalurgia do

    ferro e do cobre, as fabricaes de armas, e queriam redistribuir

    seus produtos no mercado de Amsterd. Para garantir a

    autonomia do seu desenvolvimento, a Sucia teve de retirar s

    sociedades de participao holandesa os monoplios que elas

    haviam conseguido em certos setores da produo e do comrcio,

    teve sobretudo de renunciar definitivamente, aps as empresas

    quimricas de Carlos XI, s ambies europias e guerra. No

    momento em que este pas comea a explorar a Escnia,

    restabelece seu equilbrio agrrio limitando as propriedades dos

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  • nobres pela grande Reduo, repele a ajuda interessada dos

    financiadores de Amsterd, abandona suas pretenses imperiais

    no mar Bltico; o esforo mercantilista ilustra sua maneira uma

    tomada de conscincia nacional e o nascimento da Sucia

    moderna.

    V. Os outros estados europeus

    Em nenhuma parte da Europa, encontra-se no sculo XVII

    intervencionismo to coerente, to sistemtico como na Frana, na

    Inglaterra ou, em menor escala, na Sucia. Todavia, os projetos

    mercantilistas so universais, e em toda parte, nas deliberaes

    dos Conselhos de governo, encontram-se as mesmas decises, as

    mesmas proposies e todos os argumentos que a literatura

    econmica da poca popularizava. A Dinamarca como a Baviera,

    os Estados dos Habsburgos como os principados italianos ou

    germnicos conhecem as companhias monopolizadoras, as

    manufaturas privilegiadas, as tarifas protecionistas e a instituio

    dos Conselhos ou Colgios de comrcio. certo que muitas vezes

    no passam de veleidades, projetos sem seqncia, medidas

    temporrias ou decises vs. Somente h poltica mercantilista

    eficaz nos sculos XVII e XVIII, onde um poder central capaz de

    dominar os particularismos e os egosmos, de impor uma

    arbitragem aos interesses opostos, de conciliar as reivindicaes

    dos negociantes e dos produtores. Somente h poltica

    mercantilista eficaz onde os empreendedores so capazes de

    responder s proposies do governo, onde existe um embrio de

    burguesia nacional, o esboo, ao menos para certos produtos, de

    um mercado nacional, e as bases geogrficas de uma relativa

    autarquia. isto que demonstra um rpido exame da poltica

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  • econmica de alguns Estados europeus.

    conveniente evocar em primeiro lugar, porque sua situao

    muito especial, o caso das Provncias Unidas, e sobretudo da

    Holanda. No h neste pas na idade clssica nem escola nem

    terico mercantilista; isto j revelador. Mas a Repblica se

    singulariza ainda pela liberdade que concede, quase desde sua

    constituio, aos movimentos internacionais das espcies e das

    moedas. Nunca a Holanda, ao tempo do seu apogeu comercial

    hesitou em exportar numerrio. Cunhava mesmo moedas de

    negcio para manter seus trficos, moedas de grande reputao,

    que tinham curso nos pases estrangeiros: os rixdales* no Bltico, os escudos de leo no Levante, os ducados de prata nas ndias e

    na China. O papel de intermedirios martimos que os holandeses

    exerciam, a funo de entreposto internacional de Amsterd,

    tambm, supunham uma grande liberdade comercial. As

    Provncias Unidas eram contrrias s proibies, e contra os

    ingleses defenderam o princpio da liberdade dos mares. Em plena

    guerra, a Holanda manteve muitas vezes para seus sditos a

    liberdade de comerciar com os pases inimigos. Durante a guerra

    da Independncia, negociantes de Amsterd no hesitam em

    fornecer aos espanhis navios e munies. A prtica a mesma

    durante as guerras contra a Frana. Em 1674, as hostilidades no

    impedem a retomada do negcio franco-holands sob bandeiras

    fictcias. Durante toda a guerra de Sucesso da Espanha, salvo de

    1 de junho de 1703 a 1 de junho de 1704, a liberdade do trfico

    permanece, e o mercado de Amsterd, por intermdio de Samuel

    Bernard e de seus correspondentes, continua aberto s operaes

    do Tesouro francs. Os banqueiros holandeses fornecem a crdito

    o soldo dos exrcitos de Lus XIV! Estes mercadores, estes

    banqueiros, estes diretores da Companhia das ndias Orientais,

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  • freqentemente se interessavam mais pelos trficos

    internacionais, pelos trnsitos e pelas reexportaes, do que pela

    produo nacional. Nos conflitos que os opuseram aos agricultores

    zelandeses e aos manufatureiros de Leyde ou Harlem, partidrios

    de elevadas tarifas, venceram muitas vezes, porque por intermdio

    dos regentes das cidades dominavam a Holanda e influenciavam

    os Estados Gerais. Entretanto, no recusavam todos os meios e

    todos os princpios do mercantilismo. s tarifas inglesas e

    francesas, a Holanda respondeu com proibies e direitos

    aduaneiros igualmente rigorosos. A produo no era livre, as

    manufaturas rurais se chocavam com a hostilidade das cidades, e

    as fabricaes urbanas eram submetidas a regulamentos e

    controles. Todos os artesos da tecelagem de Leyde estavam

    agrupados nos neringen. Cada nering correspondia a um tipo de

    tecido, mas era dirigido de fato pelos mercadores exportadores

    destes tecidos. Os capitalistas holandeses participavam tambm

    das empresas das Companhias das ndias Orientais e Ocidentais,

    companhias de privilgios e verdadeiras potncias pblicas. Para

    melhor controlar os mercados e efetuar sem muitos riscos suas

    especulaes, realizavam continuamente aambarcamentos e

    monoplios. Este mercantilismo evoludo, moderado e incompleto

    se exprime na obra de Pierre de La Court, mercador de Leyde, O

    Interesse da Holanda. Neste livro excepcional, traduzido para o

    francs sob o ttulo enganoso de Mmoires de Jean de Witte, j se

    descobrem certos temas da escola liberal. O autor defende a

    liberdade de fabricao e de comrcio. Prope uma tarifa

    aduaneira de inspirao mercantilista, mas cuja moderao

    deveria regular os interesses do negcio: Poder-se-ia ainda taxar

    um pouco mais que as nossas, as mercadorias estrangeiras que se

    podem fazer e ter no pas... do mesmo modo quando estas

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  • mercadorias saem do pas para serem conduzidas por nossos rios,

    mas no de maneira que elas possam ser levadas mais barato por

    uma outra rota... As manufaturas feitas no pas no devem ser

    taxadas de modo nenhum, na sada, mas as estrangeiras, na

    entrada e na sada, tanto quanto puderem suportar, sem correr o

    risco de perder o comrcio9. Esta moderao das tarifas

    holandesas, que as fraudes sobre o trnsito permitiam muitas

    vezes evitar, tanto quanto os emprstimos e os investimentos no

    estrangeiro certamente prejudicaram, com o tempo, as

    manufaturas das Provncias Unidas, mas esta poltica se explica

    muito bem pela preponderncia dos interesses comerciais e

    financeiros. Se as Provncias Unidas constituem, numa certa

    medida, uma exceo na Europa do sculo XVII, tambm porque

    exercem a, durante muito tempo, uma espcie de hegemonia

    martima e comercial. Seu poderio financeiro, seu sistema de

    crdito e o dbil interesse da prata, a competitividade de sua

    marinha lhes permitiam controlar muitos mercados, desafiar

    muitos concorrentes. O liberalismo bastante conveniente s

    economias dominantes, e suas alegaes em favor da liberdade

    das trocas e da liberdade dos mares no causam muita surpresa.

    A riqueza da Repblica lhe dava fora poltica e militar. O

    mercantilismo perdia pois, em parte, sua necessidade; no existia,

    alm disso, um acordo natural entre as instituies republicanas

    burguesas e o regime liberal das trocas?

    O carter confederal das instituies centrais se acomodaria

    mal a um intervencionismo autoritrio e burocrtico. Os Estados

    Gerais, dominados em parte pelas burguesias urbanas e de

    negcio, limitados nos seus poderes pela autonomia das

    provncias, no estavam em condies de impor uma arbitragem

    em nome do interesse geral. Era uma situao sem perigo,

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  • enquanto durou a superioridade da marinha e do comrcio

    holandeses, mas se tornava cada vez mais perigosa desde que a

    Frana e a Inglaterra constituram uma marinha, colnias,

    ampliaram seus negcios estrangeiros sem sacrificar suas

    produes nacionais.

    Toda a histria da Europa nos sculos XVII e XVIII ilustra

    esta incapacidade de um Estado frgil, dependente ou muito

    pequeno para conduzir uma poltica eficaz de interveno e de

    desenvolvimento econmico. O imprio germnico permaneceu um

    conglomerado dspar de soberanias e de economias justapostas.

    Em 1685, um carregamento de madeira, conduzido pelo Elba, de

    Dresde a Hamburgo, pagava em taxas e peagens os nove dcimos

    de seu valor de compra, enquanto que a durao da viagem

    quadruplicada pelas formalidades aduaneiras. A criao, pelo

    imperador Leopoldo, de um Colgio ou Conselho do comrcio e a

    concesso de diversos privilgios de manufaturas na ustria, no

    tiveram grande significao e eficcia numa tal situao de

    fragmentao poltica.

    O outro imprio cristo, o Imprio Espanhol, manifesta a

    mesma debilidade econmica. Face s empresas dos Estados

    nacionais, melhor unificados, os grandes imprios herdados da

    Idade Mdia ou da descoberta do sculo XVI resistem mal. Para a

    Espanha, a poltica mercantilista de auto-subsistncia parece

    despida de significao. A Espanha, onde abundam os

    preconceitos aristocrticos, onde as profisses comerciais e

    manufatureiras gozam de uma considerao mesquinha, necessita

    de seus vizinhos para atender s necessidades de seu imprio. O

    regime oficial do exclusivo, o monoplio de Sevilha e Cdiz so

    examinados de mil maneiras; os tecidos, as telas da Inglaterra, da

    Holanda e da Frana, abarrotam os navios da Carrera das

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  • ndias. Reduzido aos extremos pelo mau estado de suas finanas,

    o governo no hesita em sobrecarregar de taxas o comrcio

    interno, e onera pesadamente suas prprias exportaes. Aps a

    desgraa de Olivares, o poder real est muito fraco para responder

    s solicitaes dos escritores que o convidam a imitar a Frana e a

    Inglaterra10. Cada uma das grandes negociaes do sculo XVII

    uma ocasio de novas capitulaes econmicas para Madri diante

    de seus concorrentes da Europa do Norte e do Oeste. O tratado

    dos Pireneus concede ao comrcio francs importantes vantagens

    na pennsula, os tratados de Utrecht entregam parcialmente aos

    ingleses a explorao do imprio. Desgraa nestes tratados para

    as provncias perifricas ainda mais vivamente sacrificadas. Milo

    e Npoles entram em decadncia econmica. A fragmentao

    territorial vota impotncia os esforos que os prncipes italianos

    e os vice-reis espanhis tentam atravs do pas, para proteger as

    manufaturas. As Itlias do segundo Renascimento, numa certa

    medida, anteciparam-se obra colbertista, mas dentro de limites

    to estreitos que o fracasso final era inevitvel. J no fim do

    sculo XVI, os preos de custo muito elevados e a golilha

    corporativista desqualificam a indstria italiana. A desordem fiscal

    e monetria que caracteriza a administrao espanhola acaba por

    arruinar as manufaturas. A inflao, a m distribuio dos

    impostos desencorajam a empresa, e as taxas alfandegrias

    internas paralisam ao sul todo o comrcio. Para lutar contra a alta

    dos preos, provocada pelas desvalorizaes e cunhagens de

    moeda de cobre, o vice-rei de Npoles probe as exportaes; para

    esta regio da Itlia realmente a hora do recolhimento e o

    comeo da estagnao!

    O exemplo belga mais eloqente ainda. Nos Pases Baixos

    Meridionais, que permaneceram espanhis, a tradio

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  • manufatureira era particularmente antiga e prestigiosa. Logo aps

    a reconquista espanhola, e a despeito do fechamento de Escalda,

    estas provncias reconstituram sua prosperidade material.

    Bruges, Gand, Anturpia e Bruxelas, muitas vezes graas

    solicitude de seus escabinos, dos arquiduques, e at mesmo dos

    governadores espanhis, constituram novas manufaturas,

    retomaram suas vendas no estrangeiro. Seus progressos se

    afirmaram at a metade do sculo. Mas, quando depois de 1650, a

    deflao dos preos, a crise europia, a rudeza da concorrncia

    txtil suscitaram, um pouco em toda parte e particularmente na

    Frana e na Inglaterra, medidas protecionistas, a economia da

    Flandres e do Brabante se viu ameaada. As provncias belgas se

    voltaram para Madri, solicitaram o seu apoio e nada obtiveram. O

    governo espanhol estava muito debilitado, demasiado embaraado

    nas intrigas diplomticas para complicar ainda mais seus

    processos. De 1660 a 1711, as exportaes de rendas dos Pases

    Baixos destinadas s Ilhas Britnicas cessaram progressivamente,

    as de tela passaram de 30000 a 2000 peas, enquanto que,

    segundo a tarifa de 1680, os tecidos ingleses no deviam mais de

    4 a 6% de seu valor, sua entrada nos Pases Baixos. De nada

    adiantaram nem as advertncias dos Estados da Flandres, nem os

    protestos dos mercadores; as provncias tomaram conscincia de

    ter abandonado, com sua independncia, uma parte de suas

    possibilidades econmicas. Por duas vezes, sob o governo de

    Maximiliano Emanuel da Baviera, em 1698, 1699, e depois sob a

    ocupao francesa, o pas tentou salvaguardar suas

    possibilidades. O Conde de Bergeyck fez adotar novas tarifas,

    proibir mesmo em 1699 a importao dos tecidos estrangeiros. Os

    protestos ingleses e holandeses, os particularismos locais, os

    cimes entre brabantinos e flamengos, o egosmo de Anturpia o

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  • constrangeram a se demitir e fizeram abandonar todas as suas

    reformas. Em 1713 e l714, os tratados de Utrecht e de Rastadt

    confiaram a Blgica ao Imperador, no sem lhe haver interditado

    qualquer liberdade tarifria e, portanto, qualquer grande vocao

    comercial e manufatureira. No mundo difcil dos anos 1650-1750,

    enquanto a estagnao da demanda e dos preos exaspera a

    concorrncia, a prosperidade das manufaturas supe um rigoroso

    protecionismo aduaneiro, e portanto um poder poltico capaz de

    resistir s presses dos diplomatas e dos mercadores estrangeiros.

    VI. A atualidade do Mercantilismo para os Dspotas esclarecidos do Sculo XVIII.

    Desta estreita ligao entre poltica e economia, a histria do

    despotismo esclarecido nos fornece uma ltima ilustrao.

    Quando, no sculo XVIII, os Estados socialmente atrasados em

    relao Europa Norte-Ocidental tentaram preencher uma parte

    de seu handicap, todos foram buscar no mercantilismo suas

    receitas de poderio econmico. Em toda a parte, da Europa

    Mediterrnica Europa Central e Oriental, de alguma maneira se

    v renovar-se a empresa colbertista e se multiplicarem no mesmo

    ritmo as reformas administrativas e as iniciativas mercantilistas.

    Ao esforo empreendido para modernizar a administrao,

    suprimir os particularismos, os costumes locais, corresponderam

    as empresas de arroteamento, de colonizao interna, de

    desenvolvimento manufatureiro e de unificao aduaneira.

    A histria da Rssia, de Pedro, o Grande, a Catarina II,

    ilustra muito bem, para alm das diversidades geogrficas e

    conjunturais, esta relao entre a poltica, a economia e a nao.

    Os primeiros tericos mercantilistas russos aparecem na segunda

    metade do sculo XVII, quando se consolida a dinastia dos

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  • Romanoff e se delineiam suas ambies. O chanceler Ordin

    Natchokin prope a criao de grandes companhias privilegiadas,

    para controlar o comrcio internacional e as manufaturas. Para

    combater a empresa dos grandes negociantes estrangeiros,

    Krijanitch preconiza tambm a industrializao do pas. O czar

    Aleixo tentou multiplicar as fbricas em seu domnio e em

    Moscou, mas Pedro, o Grande, quem verdadeiramente tira a

    Rssia do seu torpor. Tinha sua volta conselheiros e alguns

    homens de negcio imbudos dos princpios mercantilistas,

    Saltykov, o Cavaleiro de Luberas, Possochkov e o prprio

    Menchikov; porm, muito mais que as concepes ideolgicas, as

    circunstncias exigiam esta poltica de desenvolvimento

    econmico11. A constituio de um exrcito poderoso, o equilbrio

    da balana comercial pressupunham o nascimento de um setor

    comercial e manufatureiro moderno. Para suprir a falta de capitais

    e de quadros, o Estado teve de engajar tcnicos estrangeiros, criar,

    ele prprio, usinas, subvencionar as manufaturas txteis e as

    fundies de canhes, proteger esta produo pela tarifa

    aduaneira de 1724, abrir os canais que ligam o Volga e o Neva, o

    centro do Imprio e o Bltico. O mercantilismo russo surge como

    um elemento da formao de um Estado centralizado e unificado,

    uma etapa da histria da economia nacional.

    Pedro, o Grande, j , sua maneira brbara, um dspota

    esclarecido; Frederico II o modelo perfeito. De todos os

    soberanos da Europa Central e Oriental da segunda metade do

    sculo XVIII, ele provavelmente aquele cuja administrao

    econmica mais lembra o ministrio de Colbert. Escreve no seu

    Ensaio sobre as Formas de Governo que, para prosperar, um pas

    deve possuir, antes de tudo, uma balana comercial favorvel, e

    acrescenta que preciso utilizar suas prprias matrias-primas

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  • nas manufaturas nacionais, fundar outras indstrias

    especializadas para trabalhar as matrias-primas no estrangeiro e

    produzir barato para controlar os mercados internacionais. Probe

    pois a exportao das ls e a importao de objetos de luxo,

    favorece com subvenes e monoplios a instalao, nos seus

    Estados, de novas manufaturas de Veludos, de porcelana, de

    tecidos, manda secar pntanos, abrir canais, e dirige a economia

    da Silsia conquistada: seu novo Peru.

    Assim, enquanto a Frana e a Inglaterra, em novas

    condies econmicas, comeam a se interrogar sobre a

    oportunidade de prolongar ou de interromper as prticas

    mercantis, e consideram uma nova legislao do comrcio e de

    novos mtodos para estimular a produo e as trocas, a Europa

    ao sul das montanhas alpinas e a leste do Elba retoma por sua

    conta o mercantilismo. O despotismo esclarecido toma da Europa

    Ocidental as idias e os mtodos que haviam triunfado ali um

    sculo antes; esta inspirao antiga, este prolongamento

    absolutista ou mercantilista nos conselhos dos prncipes filsofos,

    contribuem para a ambigidade de seus personagens e de sua

    obra12.

    Ao termo deste rpido sobrevo da histria econmica dos

    Estados europeus, possvel destacar certos caracteres comuns

    das polticas mercantilistas que evocamos? Retomando uma

    clebre formulao de E. F. Heckscher, constatamos

    primeiramente, no corao do sistema, uma vontade de unificao

    e de poderio: unificao territorial e administrativa que os

    soberanos dos sculos XVII e XVIII somente puderam esboar, e

    que foi completada pela revoluo burguesa e pelo liberalismo;

    mas tambm, empresa de poderio monrquico e

    conseqentemente nacional. O mercantilismo , antes de tudo,

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  • um servio da poltica, uma administrao do tesouro real, um

    instrumento de grandeza poltica e militar. O dirigismo econmico

    do Estado clssico corresponde a motivaes financeiras, um

    sistema de produo, de riqueza e no de distribuio. Inspiram-

    no preocupaes profanas, uma filosofia laica do Estado. O

    maquiavelismo expulsou, em grande parte, todo escrpulo

    paternalista, religioso ou moral, e a poltica social somente

    aparece, pelo menos no sculo XVII, sob a forma de uma poltica

    interna, de uma segurana contra a insurreio. A monarquia sela

    sua aliana temporria e interessada com as classes possuidoras.

    Este servio exclusivo e abstrato do Estado explica certas

    conseqncias internacionais do mercantilismo. Se ele , na

    origem, muitas vezes resposta a um desafio do estrangeiro ou da

    conjuntura, contribui muito rapidamente para exasperar os

    conflitos polticos, suscita as guerras comerciais e coloniais, as

    anexaes arbitrrias. Mas o desenrolar das rivalidades

    econmicas prova que, com sua independncia poltica, as jovens

    naes jogam sua prosperidade material e seu futuro.

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  • NOTAS

    (*) MARSHALL, T. H. Economic journal. 1935; JUDGES, A. V.

    Transations of the royal historical Society. 1939; e COLEMAN, D. C.

    Scandinavian economic history Review. 1957.

    (1) PIRENNE, H. Histoire conomique de l'Occident mdival.

    Bruges, 1951, p. 356.

    (2) LE BRANCHU, J. Y. crits notables sur la monnaie, Paris,

    1934. t. II, p. 188.

    (3) J no incio do sculo XVI, os Reis Catlicos

    estabeleceram, entretanto, todo um sistema de proibies e de

    monoplios: interdio de exportar o ouro e a prata sob pena de

    morte, obrigao aos mercadores estrangeiros de fazer seus

    retornos em mercadorias espanholas, controle das importaes de

    metais preciosos e direito de quinto para o rei, monoplio de

    pavilho entre Sevilha e a Amrica, etc.

    (*) o tonlieu compreende toda espcie de taxas; um imposto

    que reverte a favor do rei. O carter do tonlieu nitidamente fiscal,

    e no econmico. Cf. H. PIRENNE, Maom e Carlos Magno, p. 91. (N.

    da T.)

    (4) HAUSER, H. La pense et l'action conomiques du Cardinal

    de Richelieu. Paris, 1944.

    (5) CLMENT, P. Lettres et Mmoires de Colbert. Paris, 1861-

    1862, t. VII, pp. 239 e ss.

    (6) Mesma argumentao numa carta de 1669 (P. CLMENT.

    Lettres. Introduction et Mmoires de Colbert, VI, pp. 260 e ss.). 0

    comrcio mundial assegurado por 20 000 barcos e este nmero

    no pode ser aumentado, porque a populao em cada Estado

    permanece estvel e o consumo tambm!

  • (7) O texto est em G. D. RAMSAY, The wiltshire woollen

    industry, Londres, 1964.

    (8) ASHLEY, M. P. Finances and commercial policy under the

    Protectorate. Londres, 1934.

    (9) Mmoires de Jean de Witte, Ratisbona, 1709, p. 58.

    (10) Os mais lcidos dentre eles medem os efeitos nefastos

    do monoplio de Sevilha e da importao desordenada dos

    tesouros americanos. A escola de Salamanca lhes ensinara, j no

    fim do sculo XVI, a teoria quantitativa da moeda e dos preos.

    M. GRICE HUTCHINSON. The school of Salamanca, Oxford, 1952.

    (11) O artigo de H. CHAMBRE (Possochkov et le mercantilisme,

    Cahiers du monde russe et sovietique, 1963) evoca a possvel

    influncia dos economistas poloneses do sculo XVI, N. Coprnico

    e Frycz-Modrzewsky e assinala a existncia na Rssia de

    tradues de obras ocidentais. Mas insiste sobre a originalidade

    de Possochkov.

    (12) No mais na Rssia de Pedro, o Grande, do que na

    Prssia de Frederico II, cmodo conciliar a existncia da servido

    nos campos e as necessidades da mo-de-obra das manufaturas.

  • Captulo II

    As teorias mercantilistas

    Encontramos desde logo os problemas que evocamos na