Dez Anos Da Convencao Do Patrimonio Cultural Imaterial Ressonancias Apropriacoes Vigilancias

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Ótimo texto.

Citation preview

  • e-cadernos ces21 (2014)Dez anos da Conveno do Patrimnio Imaterial: ressonncias Norte e Sul

    ................................................................................................................................................................................................................................................................................................

    Regina Abreu

    Dez anos da Conveno do PatrimnioCultural Imaterial: Ressonncias,apropriaes, vigilncias................................................................................................................................................................................................................................................................................................

    AvisoO contedo deste website est sujeito legislao francesa sobre a propriedade intelectual e propriedade exclusivado editor.Os trabalhos disponibilizados neste website podem ser consultados e reproduzidos em papel ou suporte digitaldesde que a sua utilizao seja estritamente pessoal ou para fins cientficos ou pedaggicos, excluindo-se qualquerexplorao comercial. A reproduo dever mencionar obrigatoriamente o editor, o nome da revista, o autor e areferncia do documento.Qualquer outra forma de reproduo interdita salvo se autorizada previamente pelo editor, excepto nos casosprevistos pela legislao em vigor em Frana.

    Revues.org um portal de revistas das cincias sociais e humanas desenvolvido pelo CLO, Centro para a edioeletrnica aberta (CNRS, EHESS, UP, UAPV - Frana)

    ................................................................................................................................................................................................................................................................................................

    Referncia eletrnicaRegina Abreu, Dez anos da Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial: Ressonncias, apropriaes, vigilncias,e-cadernos ces [Online], 21|2014, posto online no dia 01 Junho 2014, consultado o 11 Maro 2015. URL: http://eces.revues.org/1742; DOI: 10.4000/eces.1742

    Editor: Centro de Estudos Sociaishttp://eces.revues.orghttp://www.revues.org

    Documento acessvel online em: http://eces.revues.org/1742Este documento o fac-smile da edio em papel. CES

  • e-cadernos CES, 21, 2014: 14-32

    14

    DEZ ANOS DA CONVENO DO PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL: RESSONNCIAS,

    APROPRIAES, VIGILNCIAS

    REGINA ABREU

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO UNIRIO, BRASIL

    Resumo: No momento em que a Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial promulgada pela UNESCO completa dez anos, torna-se oportuna uma reflexo no sentido de avaliar os alcances e os sentidos das polticas pblicas e dos processos de patrimonializao do chamado imaterial ou intangvel. O presente artigo busca enunciar alguns aspectos sublinhados por pesquisadores e agentes do campo patrimonial com relao adeso ao Programa do Patrimnio Cultural Imaterial em diferentes contextos nacionais: diferentes ressonncias e apropriaes somadas a uma permanente vigilncia. No final, traz algumas notas sobre o tema no contexto de quatro pases da Europa do Sul Itlia, Frana, Portugal e Espanha a partir das observaes da autora durante o Colquio Internacional Polticas Pblicas para o Patrimnio Imaterial na Europa do Sul Percursos, concretizaes, perspectivas, realizado em Lisboa, em setembro de 2012.

    Palavras-chave: patrimnio cultural imaterial, UNESCO, polticas pblicas.

    A DECADE AFTER THE INTANGIBLE CULTURAL HERITAGE CONVENTION:

    RESONANCES, APPROPRIATIONS, SURVEILLANCES

    Abstract: As the UNESCO Intangible Cultural Heritage Convention completes ten years, we have an opportunity to assess the scope and direction of both public policies and patrimonialization processes pertaining to so-called immaterial or intangible heritage. This article aims to establish some aspects highlighted by researchers and heritage agents regarding adherence to the Intangible Cultural Heritage Program in different national contexts: different resonances and appropriations in addition to permanent surveillance. It ultimately provides some notes on the subject in the context of Southern European countries Italy, France, Portugal, and Spain grounded on observations by the author during the International Conference Public Policies for Intangible Heritage in Southern Europe Routes, achievements and perspectives, held in Lisbon in September 2012.

    Keywords: intangible cultural heritage, UNESCO, public policies.

  • Regina Abreu

    15

    1. INTRODUO

    A Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial, promulgada em 2013, deu continuidade

    aos clamores por inovao e popularizao no campo das agncias de

    patrimonializao iniciados com o documento lanado pela UNESCO em 1989,

    intitulado Recomendao para a Salvaguarda da Cultura Tradicional e Popular e que

    gerou uma nova ordem discursiva e o fenmeno de mbito global da

    patrimonializao das diferenas. Na ocasio, alguns representantes de Estados-

    membros argumentaram sobre uma certa elitizao das polticas pblicas

    patrimoniais at ento. Segundo estes representantes, estas polticas privilegiavam a

    preservao de vestgios e legados das elites em seus pases de origem. O que

    aparecia como inovador era a vontade poltica de redimensionar as polticas pblicas

    de patrimnio para esferas de circulao das chamadas culturas populares e

    tradicionais. Na esteira do processo de descolonizao, representantes de pases

    africanos e latino-americanos veicularam a ideia de que a maior parte dos patrimnios

    destes pases estavam em seus rituais, festas, saberes ainda no registrados, lnguas,

    enfim, expresses artsticas e culturais muitas vezes efmeras, com poucos registros

    e sistematizaes e que ficavam pouco visveis ou mesmo ocultas diante de polticas

    patrimoniais que privilegiavam as realizaes das elites ou o registro da passagem do

    colonizador, como igrejas catlicas, palcios, monumentos. Formulou-se assim o

    conceito de patrimnio cultural intangvel ou imaterial, com a meta de abrir o campo

    do patrimnio cultural para manifestaes e expresses da cultura popular ou

    tradicional. incontestvel o sucesso desta nova formulao que deu origem a

    diversas polticas pblicas e vem fomentando novos mercados e novas indstrias

    relacionadas ao turismo e ao entretenimento.

    As repercusses desta nova perspectiva patrimonial logo se fez sentir nos

    diversos Estados-membros da UNESCO, desde pases da Europa e do Atlntico Norte

    at aos pases do chamado Bloco do Sul, que incluem quase todos os pases

    tropicais da Amrica Latina e do Sudeste Asitico, alm da China e de vrios pases

    africanos. fundamental termos no horizonte que as polticas preservacionistas,

    outrora restritas a iniciativas isoladas de alguns intelectuais visionrios, foram

    gradativamente se capilarizando para os mais longnquos rinces do planeta e se

    transformando em aes organizadas em esfera global. Trata-se efetivamente de uma

    dinmica globalizada, onde o campo do patrimnio apropriado com fora

    surpreendente, sobretudo a partir dos anos oitenta do sculo XX, nos lugares mais

    remotos, imiscuindo-se em diversas atividades, das construes mais sbrias aos

    nfimos detalhes da vida cotidiana. Como assinalou Nathalie Heinich (2009), a

    categoria patrimnio se difundiu e adquiriu novos sentidos de forma crescente nas

  • Dez anos da Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial: Ressonncias, apropriaes, vigilncias

    16

    ltimas dcadas. Aes de preservao das manifestaes abarcadas por esta

    categoria foram colocadas em marcha, abarcando das catedrais s pequenas

    colheres de ch, ou ainda das manifestaes arquiteturais em pedra e cal aos ritos

    mais efmeros como as pinturas corporais, as festas, os cnticos de trabalho.

    Todo este movimento pode estar ligado a um certo excesso, como se referiu

    Andreas Huyssen em Seduzidos pela Memria (Huyssen, 2000), mencionando uma

    virada nostlgica, onde indivduos marcados pelo mal-estar da instabilidade e da

    velocidade do contemporneo, buscariam olhar para trs e recuperar um mundo que

    j se foi. Outros, como a prpria Nathalie Heinich, parecem detectar uma inflao

    patrimonial, onde expresses culturais, coisas e at pessoas no escapariam da

    voracidade das polticas patrimoniais vidas em experimentar novos sistemas

    classificatrios e prticas de patrimonializao. Por outro lado, a categoria patrimnio

    em seu sentido expandido parece trazer novo conforto s culturas e civilizaes, como

    antdoto lgica homogeneizadora da hegemonia neoliberal que iguala continentes

    inteiros em seus mais variados regimes polticos e ideolgicos mesma sede de

    desenvolvimento e consumo.

    Teramos muitos motivos para olhar com desconfiana para a paradoxal corrida

    patrimonial que vimos se configurar nas ltimas dcadas, trazendo este tema

    inquietante para fruns diversos que envolvem governos, centros de pesquisa,

    universidades, empresas, movimentos sociais, organizaes sociais e no

    governamentais. Entretanto, se por um lado, a desconfiana e a crtica configuram-se

    como salutares em contextos de necessria reflexo, por outro lado, h que imiscuir-

    se e deixar-se contaminar por aquilo que faz girar e motiva efetivamente tantas

    pessoas, instituies e movimentos sociais. Parafraseando Marcel Mauss (1974), o

    campo patrimonial parece conter um mana especial com fundamentos afetivos e

    mgicos que o mobilizam para alm das racionalidades das polticas e dos programas.

    Patrimnios constituem, pois, tambm valores sagrados num circuito cultural cada vez

    mais globalizado, onde diferentes sentidos e significados se difundem e se

    miscigenam numa intensidade jamais vista.

    assim, deste ponto de vista, que queremos indagar sobre o mana do Programa

    de Patrimnio Cultural Imaterial nestes dez anos. Quais os fundamentos afetivos e

    mgicos que vm sendo mobilizados? Quais as foras sociais que aderiram e se

    mobilizaram a partir de ento? Quais as novidades e as questes colocadas em

    marcha em contextos nacionais e locais? Quais as ressonncias e as apropriaes de

    uma Conveno promulgada por uma agncia multilateral da magnitude da UNESCO

    por representantes de Estados nacionais, movimentos sociais, associaes no

    governamentais?

  • Regina Abreu

    17

    2. A CONVENO DE SALVAGUARDA DO PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL DE 2003

    COMO DISCURSO FUNDADOR

    A Conveno de Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial de 2003 consistiu na

    consolidao e no desdobramento de um discurso completamente inovador acerca do

    que se privilegiava at ento com relao a processos de patrimonializao, voltados

    prioritariamente para uma viso histrica e artstica marcadamente civilizatria. A

    entrada em cena do paradigma da diversidade cultural, especialmente da valorizao

    das culturas populares e das tradies intangveis, comeou a ganhar fora em 1989,

    com a Recomendao da UNESCO aos Estados-membros sobre a Salvaguarda da

    Cultura Popular e Tradicional promulgada na 31. Conferncia Geral. Esta

    Recomendao constitui o embrio da noo de patrimnio imaterial. Nela

    sublinhada a natureza especfica e a importncia da cultura tradicional e popular

    como parte integrante do patrimnio cultural da cultura vivente, bem como

    reconhecida a extrema fragilidade de certas formas da cultura tradicional e popular e,

    particularmente, dos aspectos correspondentes das tradies orais. Uma frase fica

    ento clebre neste contexto: Numa cultura tradicional, muitas vezes quando um

    ancio morre, toda uma biblioteca que se queima. Urge que sejam tomadas medidas

    de proteo a estas culturas de tradio oral. A Recomendao de 1989 muito

    importante por constituir a primeira ao de arregimentao de uma poltica

    transnacional para as culturas tradicionais e populares, incitando os Estados-membros

    a protegerem os testemunhos vivos ou passados destas culturas. J se fala em

    proteo a culturas tradicionais e populares como uma forma especfica de proteo a

    patrimnios coletivos e no materiais. E ainda especificam de um lado a necessidade

    de encontrar vias jurdicas de proteo propriedade intelectual coletiva dos saberes

    e, de outro lado, de criar arquivos e centros de documentao dedicados s culturas

    tradicionais e populares. Ou seja, estimulam-se dois dispositivos-chave para as

    dcadas que se seguiriam: o dispositivo jurdico e o banco de dados. A

    Recomendao de 1989 chamava ainda a ateno de que a meta de proteo deveria

    no apenas focalizar os produtos culturais, mas tambm os produtores e detentores

    da tradio. fundamental assinalar que esta Recomendao, bem como todo o

    movimento de valorizao da diversidade cultural e particularmente das expresses

    intangveis das culturas, foi o resultado do posicionamento de movimentos sociais,

    organizaes no governamentais, militantes e de representantes de pases do

    chamado Bloco Sul, ou seja, dos pases considerados emergentes ou em vias de

    desenvolvimento, incluindo a Amrica do Sul, a frica, pases do Oriente.

    sintomtico tambm que tenha sido em 2002 que a UNESCO tenha lanado pela

    primeira vez um documento voltado para o tema da diversidade cultural, a Declarao

  • Dez anos da Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial: Ressonncias, apropriaes, vigilncias

    18

    Universal sobre a Diversidade Cultural, que passou a considerar o respeito

    diversidade cultural no apenas um direito dos povos, mas uma condio

    indispensvel das polticas nacionais e internacionais, para promover o dilogo entre

    os povos. Outro elemento importante nesta nova configurao foi a criao pela ONU,

    em 2002, do Grupo de Trabalho sobre Populaes Indgenas, que se tornou rgo

    assessor do Conselho Econmico e Social, com reunies anuais.

    A Promulgao da Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Imaterial

    (UNESCO), assinada pelos Estados-membros da UNESCO em 2003, abriu tambm

    uma outra frente de expanso ao privilegiar o tema dos conhecimentos tradicionais.

    Estes deveriam ser identificados, documentados, inventariados com o fim ltimo da

    preservao deste legado para as geraes futuras. Em suma, a Conveno do

    Patrimnio Imaterial de 2003 foi o resultado de muitos debates e aes no sentido de

    abranger outras formas de patrimonializao e, portanto, de preservao de

    manifestaes e expresses culturais consideradas vivas, dinmicas e pouco

    palpveis como festas, rituais, lugares e saberes.

    A Conveno de 2003 define Patrimnio Cultural Imaterial como:

    as prticas, representaes, expresses, conhecimentos e tcnicas junto com

    os instrumentos, objetos, artefactos e lugares culturais que lhes so associados

    que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivduos

    reconhecem como parte integrante de seu patrimnio cultural. Este patrimnio

    cultural imaterial, que se transmite de gerao em gerao, constantemente

    recriado pelas comunidades e grupos em funo de seu ambiente, de sua

    interao com a natureza e de sua histria, gerando um sentimento de

    identidade e continuidade e contribuindo assim para promover o respeito

    diversidade cultural e criatividade humana.1

    Segundo esta mesma Conveno, este patrimnio cultural imaterial se manifesta

    nos campos das tradies e expresses orais, incluindo o idioma como veculo do

    patrimnio cultural imaterial; expresses artsticas; prticas sociais, rituais e atos

    festivos; conhecimentos e prticas relacionados natureza e ao universo; tcnicas

    artesanais tradicionais.

    Aps a definio do objeto da Conveno, o documento estipula como atribuio

    para os Estados-membros adotar as medidas necessrias para garantir a

    salvaguarda do patrimnio cultural imaterial presente em seu territrio. Por fim,

    1 Cf. http://www.unesco.org/culture/ich/doc/src/00009-PT-Portugal-PDF.pdf (consultado a 13.02.2015).

  • Regina Abreu

    19

    especial destaque conferido participao das comunidades, grupos e

    organizaes no-governamentais pertinentes na identificao e definio dos

    diversos elementos do patrimnio cultural imaterial presentes em territrios nacionais.

    Este novo agenciamento dos processos de patrimonializao a um conjunto de

    agentes sociais marca uma distncia com relao a antigos procedimentos quando os

    processos de patrimonializao eram atribuio de agentes estatais e especialistas.

    Esta uma mudana a meu ver altamente significativa, pois vai alterar os

    mecanismos, os ritos e fundamentalmente as correlaes de poder. O campo do

    patrimnio a partir de ento dever integrar organismos do Estado e da sociedade

    civil.

    A Conveno entrou em vigor a 20 de abril de 2006 para os Estados que haviam

    depositado seus respectivos instrumentos de ratificao, aceitao, aprovao ou

    adeso a 20 de janeiro de 2006 ou anteriormente. Para os demais Estados, ficou

    estipulado que a Conveno entraria em vigor trs meses depois de efetuado o

    depsito de seu instrumento de ratificao, aceitao, aprovao ou adeso. Eram

    ento considerados Estados-partes da Conveno aqueles Estados que ratificaram a

    Conveno. Estes esto divididos em cinco grupos: frica; Estados rabes; sia e

    Pacfico; Europa e Amrica do Norte; Amrica Latina e Caribe. At o incio de 2012,

    142 Estados j haviam ratificado a Conveno. O primeiro deles foi a Arglia,

    enquanto o ltimo foi o Cazaquisto (abril de 2012). O Brasil ocupa a 37. posio,

    tendo ratificado a Conveno em 01.03.2006 (UNESCO, 2012).

    Entretanto, alguns dados revelam diferentes ressonncias com relao

    participao dos Estados no projeto da UNESCO. Analisando a Lista de Patrimnio

    Imaterial, verificamos que, no momento, cerca de 90 pases participam de processos

    de patrimonializao, o que significa que, embora signatrios, cerca de 50 pases

    ainda no se mobilizaram efetivamente para participar do projeto. Os motivos so

    diversos. O pesquisador Ismail Ali El-Fihail, do Departamento de Patrimnio Intangvel

    da Unio dos Emirados rabes Abu Dhabi, United Arab Emirates (UAE), em

    comunicao durante o Colquio Local Vocabularies of Heritage. Variabilities,

    Negotiations, Transformations, ocorrido em 8 a 10 de fevereiro de 2012, na

    Universidade de vora, comentou, por exemplo, que a reao por parte dos pases

    que formam o mundo rabe Conveno foram muito desiguais. Enquanto a Arglia

    foi o primeiro pas do mundo a ratificar a Conveno, trs importantes pases rabes

    levaram seis anos para dar o mesmo passo. Quatro outros pases rabes ainda no

    so signatrios da Conveno, entre eles o Barein e o Kuwait. Ironicamente, a Lbia

    estava prestes a ratificar a conveno antes da queda do regime de Gaddafi; no

    entanto atualmente o assunto precisa ser ainda mais trabalhado. A Somlia tambm

  • Dez anos da Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial: Ressonncias, apropriaes, vigilncias

    20

    no ratificou a Conveno e pode continuar a no se posicionar com relao a este

    tema devido guerra civil em curso. Estes exemplos podero constituir indcios de

    que em pases com governos pouco democrticos ou em situao de instabilidade

    social e poltica, a ressonncia para a Conveno da Proteo ao Patrimnio Imaterial

    pequena ou mesmo inexistente.

    No portal da Conveno, so sugestivas as notcias de fomento a comunidades

    tradicionais como forma de estimular um aumento da participao no projeto. Na

    frica, por exemplo, foi criada uma Escola do Patrimnio Africano, onde a UNESCO

    tem procurado realizar aes com apoio de um Fundo Internacional para a

    Salvaguarda do Patrimnio Cultural. O objetivo trabalhar numa ao conjunta de

    sensibilizao dos Estados nacionais e de fortalecimento do papel das comunidades

    nos assuntos de patrimonializao. Segundo o texto publicado no portal da

    Conveno, o objetivo da sensibilizao atravs de oficinas, de destacar o papel dos

    Estados na adoo das medidas necessrias para garantir a salvaguarda do

    patrimnio cultural imaterial em seus territrios, tais como a adoo de uma poltica

    geral, a designao de organismos competentes, o fomento de estudos cientficos e a

    adoo de medidas legais, tcnicas e administrativas apropriadas. O papel das

    comunidades na identificao e transmisso do patrimnio cultural imaterial ocupa

    tambm um lugar destacado, assim como a importncia para salvaguardar o

    patrimnio cultural imaterial para o desenvolvimento sustentvel e a coeso social

    (UNESCO, 2012).

    Em 27 de janeiro de 2012, o Portal da Conveno noticiou que mais de um milho

    de dlares americanos haviam sido colocados disposio para assegurar esforos

    de salvaguarda do patrimnio imaterial em oito pases da regio da sia e do Pacfico

    (Buto, Camboja, Monglia, Nepal, Papua-Nova Guin, Samoa, Sri Lanka e Timor

    Oriental). Como justificativa para esta ao, a UNESCO reiterava que a enorme

    riqueza das prticas culturais, os sistemas de conhecimento e os rituais existentes na

    regio se encontram ameaados, que a salvaguarda do patrimnio vivo se faz cada

    vez mais necessria para o desenvolvimento sustentvel dos pases implicados, e que

    o patrimnio imaterial influi no bem-estar das pessoas, nas suas relaes com as

    demais e com seu entorno natural, alm de dotar as comunidades de um sentido de

    pertencimento e favorecer a coeso social. Com recursos da Noruega para o Fundo,

    outro projeto em andamento centra-se no desenvolvimento dos conhecimentos e da

    capacidade institucional em pases da sia Central e pases africanos de lngua oficial

    portuguesa e do Caribe. Para fomentar o projeto no Cazaquisto, representantes de

    organizaes governamentais e no governamentais, instituies acadmicas e

    educativas e as comunidades recebero uma formao sobre a aplicao da

  • Regina Abreu

    21

    Conveno para a Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial de 2003 em nvel

    nacional, com recursos provenientes de vrios pases, entre eles Bulgria, Chipre,

    Flandres (Blgica), Hungria, Japo, Noruega, Repblica da Coreia, Espanha,

    Emirados rabes e Unio Europeia.

    3. O COLQUIO INTERNACIONAL POLTICAS PBLICAS PARA O PATRIMNIO IMATERIAL

    NA EUROPA DO SUL PERCURSOS, CONCRETIZAES, PERSPECTIVAS 2

    Entre 27 e 28 de novembro de 2012 ocorreu em Lisboa, no Auditrio do Institut

    Franais du Portugal, um dos primeiros eventos destinados justamente a fazer um

    balano dos dez anos da Conveno do Patrimnio Imaterial da UNESCO. Intitulado

    Colquio Internacional Polticas Pblicas para o Patrimnio Imaterial na Europa do

    Sul Percursos, concretizaes, perspectivas e promovido pelo Departamento Geral

    do Patrimnio Cultural do Governo de Portugal com apoio do Programa Ibermuseus, o

    evento convidava os participantes a um duplo movimento, de pensar e de agir, no

    campo patrimonial, relacionando numa mesma confluncia atores e agentes sociais

    com mltiplas inseres acadmicas, institucionais, militantes e afetivas. O convite

    ao Colquio, pela natureza mesma de organizao e planejamento das mesas, incitou

    a um debate caloroso e estimulante. A escolha dos palestrantes conjugou pontos de

    vista e prticas profissionais diferenciadas: agentes institucionais, pesquisadores

    ligados a Universidades e Centros de Pesquisa, representantes de autarquias e de

    organizaes sociais.

    De seguida irei introduzir algumas observaes sobre as perspectivas

    apresentadas durante o Colquio de forma etnogrfica, levando em conta que as

    palestras no foram publicadas. Tive acesso a algumas delas em textos digitalizados.

    A Conferncia de abertura de Chrif Khaznadar coube ao presidente da Maison

    des Cultures du Monde. Khaznadar (2013) assumiu em seu texto o tom militante,

    oferecendo um testemunho de algum que participou do processo que culminou com

    a implementao da Conveno de Salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial de

    2003. A narrativa de Khaznadar, ao enfatizar a longa trajetria de surgimento de um

    discurso fundador, situou o Colquio num processo mais amplo e histrico. Sua

    apresentao trouxe alguns elementos para a compreenso de motivos que levaram a

    que este discurso, e particularmente o conceito de imaterial, tivessem se firmado no

    mbito da UNESCO. Esta contextualizao nos fez refletir sobre o aspecto quente ou

    forte de um conceito que foi gestado no calor de embates entre pontos de vista

    2 Os textos citados foram publicados pela Direo-Geral do Patrimnio Cultural nas Atas do Colquio

    Internacional Polticas Pblicas para o Patrimnio Imaterial na Europa do Sul. Percursos, Concretizaes, Perspectivas. Cf. DGCP, 2013.

  • Dez anos da Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial: Ressonncias, apropriaes, vigilncias

    22

    diferenciados, ou seja, que no foi inventado por administradores e burocratas de

    agncias multilaterais. O depoimento de Khaznadar nos trouxe a percepo de que na

    base da gestao do conceito estava a viso, nova na poca, de que manifestaes

    culturais de povos no ocidentais ou das culturas populares em contextos ocidentais

    no podiam permanecer no lugar do exotismo, mas que deveriam ser apropriadas

    como expresses de uma diversidade cultural mais ampla. Segundo o palestrante, a

    Conveno do Patrimnio Imaterial de 2003 representava a afirmao de uma nova

    vertente para o pensamento ocidental, to cioso de suas conquistas de progresso e

    civilizao, consolidando a perspectiva de expresses culturais tradicionais como elos

    de uma espiral de mudanas e permanncias, e no como elementos de um passado

    que se almejava superar e transpor.

    Desse modo, o palestrante situou logo na abertura um aspecto de fundamental

    relevncia ao enunciar os diversos agenciamentos que levaram afirmao e

    disseminao do conceito antropolgico de cultura no campo do patrimnio. Hoje, o

    estudo da diversidade cultural deixou de ser o apangio de um crculo de iniciados

    antroplogos, etnlogos, etnomusiclogos e curiosos de outras culturas , para se

    tornar uma misso cada vez mais abrangente de cidados numa esfera globalizada.

    Khaznadar procurou reconstituir a longa trajetria, marcada por disputas e

    negociaes, que afirmou o discurso do patrimnio cultural e, especificamente, do

    patrimnio cultural imaterial, como um discurso fundador. Situou ainda o avano

    dotexto da Conveno do Programa do Patrimnio Cultural Imaterial, de 2003, com

    relao ao documento da Recomendao para a Salvaguarda da Cultura Tradicional

    e Popular, de 1989. Segundo ele, enquanto o primeiro estava marcado

    hegemonicamente por uma concepo de folclore, o segundo trazia j a categoria

    tradio ressemantizada e com novos sentidos.

    Estes enunciados corroboram a suposio de uma mudana radical de paradigma

    com a entrada em cena de medidas para identificar, valorizar e proteger o patrimnio

    cultural imaterial. Talvez por estes motivos, a apresentao de abertura de Khaznadar

    conclamou a todos para o sentido da vigilncia, criando meios para resguardar

    conquistas importantes deste marco fundador, vinculadas ideia de salvaguarda e de

    revitalizao como processo permanente dentro de um uma configurao sociocultural

    e protagonizada pelos agentes sociais em seus contextos particulares. No seu

    entendimento, um dos perigos que enfrenta o conceito de patrimnio cultural

    imaterial relaciona-se com algumas de suas apropriaes, nomeadamente no

    contexto mercantil e no contexto de um nacionalismo de Estado sem participao

    social e popular. Outro dos perigos que rondam o conceito consiste na fossilizao de

    manifestaes culturais que, por sua natureza, so vivas e dinmicas, o que geraria a

  • Regina Abreu

    23

    despotencializao de um conceito que surgiu pela vontade poltica de representantes

    de pases do Sul e de intelectuais preocupados com a ameaa da homogeneizao do

    capitalismo neoliberal diversidade das culturas. Centrando sua anlise nos conceitos

    de combatividade, lucidez e vigilncia, Khazanadar concluiu sua apresentao

    enfatizando o fato de que o futuro do patrimnio imaterial est em nossas mos e

    conclamando que todos ns, agentes do Estado, intelectuais e representantes de

    movimentos sociais, transformemos nossa prtica patrimonial num lugar do bom

    combate, defendendo os princpios que fizeram nascer o discurso fundador da

    Conveno de 2003.

    Uma das grandes qualidades do Colquio foi, a meu ver, ter possibilitado uma

    viso ampla das ressonncias da Conveno de 2003 em diferentes contextos na

    Europa do Sul. Foi possvel ter uma viso das diferenas e similitudes das aes e

    dos processos de patrimonializao do imaterial em Portugal, Espanha, Frana, Itlia,

    incluindo diferentes pontos de vista, ou seja, a viso de agentes do Estado, dedicados

    a processos de constituio de inventrios e patrimonializao propriamente dita, e

    tambm uma viso reflexiva, de intelectuais devotados a sistematizar e analisar o

    conhecimento j produzido neste campo.

    A noo de ressonncia importante neste caso, uma vez que a Conveno do

    Patrimnio Imaterial de 2003 implicou em diretrizes comuns para os Estados-membros

    que compem a UNESCO, ficando a responsabilidade pela aplicao destas mesmas

    diretrizes a cargo dos Estados-naes particulares. Esta diversidade de polticas

    pblicas voltadas para o fim comum do inventrio e proteo do patrimnio por si s

    um tema que desperta o interesse. Se, aparentemente as experincias apresentadas

    no Colquio partiram de um contexto com certa homogeneidade a Europa do Sul ,

    o que se verificou nos dois dias foi uma enorme heterogeneidade de prticas e aes

    institucionais englobando Espanha, Frana, Itlia e Portugal.

    Sylvie Grenet, membro da Direction Gnrale des Patrimoines du Ministre de la

    Culture et Communication apresentou a maneira pela qual esto sendo realizados os

    inventrios do Patrimnio Cultural Imaterial na Frana. Grenet (2013) exps sua

    gnese, a metodologia que presidiu sua elaborao, sua difuso pela internet e as

    novas orientaes que esto sob o encargo do Ministrio Francs da Cultura em

    relao com as comunidades envolvidas.

    Chiara Bortolotto (2013), antroploga, pesquisadora do Laboratoire

    d'Anthropologie des Mondes Contemporains, Universit Libre de Bruxelles apresentou

    o panorama das iniciativas italianas no domnio de inventrio dos elementos do

    patrimnio cultural imaterial, tecendo uma comparao entre trs Inventrios, o

    primeiro elaborado pelo Ministrio da Cultura por intermdio do Instituto Centrale per il

  • Dez anos da Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial: Ressonncias, apropriaes, vigilncias

    24

    Catalogo e la Documentazione, o segundo realizado num contexto regional especfico,

    a Lombardia, e o terceiro colocado em marcha por uma associao no

    governamental, Unione Nazionale pro loco d'Italia, evidenciando um processo que,

    diversamente de outros contextos, ocorre de forma descentralizada e diversificada,

    envolvendo diferentes agentes.

    O caso espanhol foi apresentado sob duas perspectivas diferentes. Mara Pa

    Timn Tiemblo, Coordinadora del Plan Nacional de Salvaguarda del Patrimonio

    Cultural Inmaterial do Instituto del Patrimonio Cultural de Espaa, vinculado ao

    Ministerio de Educacin, Cultura y Deporte, discorreu sobre o Plano de Salvaguarda

    do Patrimnio Cultural Imaterial elaborado e executado atualmente pelo Governo de

    Espanha. Sua apresentao (Tiemblo, 2013) centrou-se nos programas e linhas de

    atuao do Plano: o programa de investigao e documentao com seus

    instrumentos de salvaguarda e critrios; programas de conservao dos suportes

    materiais e, finalmente, o programa de formao, transmisso, promoo e difuso.

    Maria Pia chamou a ateno para a importncia do dilogo e do entendimento entre

    os agentes institucionais, sobretudo estatais, responsveis pelos processos de

    patrimonializao, e as comunidades, portadoras ou detentoras das expresses

    culturais que so objeto de patrimonializao. A questo central, segundo ela, estaria

    no consenso entre estas partes sobre quais seriam os elementos das expresses

    culturais dotados de maior valor e que se manifestam como mais frgeis frente s

    aceleradas mudanas no mundo contemporneo. Para Maria Pia, o cuidado com a

    identificao precisa destes elementos e, sobretudo, o trabalho de preciso com

    relao ao conceito de patrimnio imaterial seriam fundamentais para a

    implementao das polticas pblicas neste campo.

    Jos Luis Mingote Caldern, Conservador de la Coleccin de Europa do Museo

    Nacional de Antropologa, falou do ponto de vista de sua longa experincia no campo

    da cultura popular e tradicional na Espanha. Caldern (2013) enfatizou a necessidade

    de confrontar as diferentes apropriaes em contextos locais dos conceitos colocados

    em marcha pela Conveno de 2003. Particularmente, ele se referiu aos desencontros

    entre os entendimentos destes conceitos e suas consequentes aplicaes polticas por

    parte, de um lado, dos agentes institucionais e dos acadmicos e, de outro lado, dos

    grupos sociais implicados em aes relativas valorizao e preservao de suas

    expresses culturais.

    Com relao ao caso portugus, o antroplogo Paulo Ferreira da Costa, Chefe da

    Diviso do Patrimnio Imvel, Mvel e Imaterial, da Direo-Geral do Patrimnio

    Cultural(DGPC), apresentou uma comunicao do ponto de vista de um trabalho

    consistente e de grande flego que vem sendo realizado na DGPC, ou seja do mbito

  • Regina Abreu

    25

    do aparelho de Estado portugus. Paulo Costa (2013) centrou-se na plataforma criada

    para inventariar o Patrimnio Cultural Portugus - Matriz PCI (cf.

    http://www.matrizpci.imc-ip.pt/matrizpci.web/Apresentacao.aspx). O ponto central e

    inovador desta plataforma, no seu entender, consiste em sua interatividade com as

    comunidades detentoras de manifestaes culturais variadas no contexto nacional no

    sentido de fomentar e potencializar o dilogo com este universo social e cultural, bem

    como difundir a diversidade cultural em Portugal. Paulo Costa chamou a ateno para

    o significado de uma poltica de Estado na rea do Patrimnio Cultural Imaterial, o que

    implica necessariamente num regime jurdico prprio de salvaguarda e na

    implementao de um Inventrio Nacional do Patrimnio Cultural Imaterial (INPCI), ou

    seja, que abarque todo o territrio nacional. Desse modo, o INPCI constitui-se a nvel

    nacional, a medida central para a salvaguarda do PCI, sendo igualmente o registro

    neste inventrio condio indispensvel para a apresentao das candidaturas de PCI

    para as Listas Representativas da UNESCO.

    Ao longo do Colquio, tivemos tambm a oportunidade de escutar alguns estudos

    de caso e experincias singulares de valorizao das culturas tradicionais e populares,

    bem como de processos de patrimonializao. Uma destas experincias relaciona-se

    ao Inventrio Regional do Patrimnio Cultural Imaterial dos Aores e nos foi relatada

    por Jorge Augusto Paulus Bruno (2013), Diretor Regional da Cultura, do Governo

    Regional dos Aores. Neste caso, foi apresentada uma iniciativa governamental e

    institucional local associada a uma comunidade muito ativa. O grande destaque

    consistiu na perspectiva da Antropologia Visual como ferramenta para a identificao e

    valorizao das expresses culturais locais. Um documentrio muito preciso e com

    forte nfase etnogrfica foi exibido com a presena da diretora, chamando a ateno

    para a necessria dimenso do audiovisual para expressar a cultura imaterial. Por

    meio de documentrios como este, possvel registrar detalhes de manifestaes

    culturais que se caracterizam pela volatilidade e pela versatilidade de gestos, cores,

    msicas, cantos e performances diversas que seus manifestantes experimentam. O

    uso das novas tecnologias para a documentao destas expresses culturais tem se

    mostrado praticamente obrigatrio em vrios contextos locais e nacionais.

    A participao do antroplogo Joo Leal (2013) do CRIA Centro em Rede de

    Investigao em Antropologia (Portugal), pautou-se pela anlise do conceito de cultura

    no contexto da Antropologia e sua difuso no mbito das agncias multilaterais, como

    a UNESCO. O antroplogo procurou clarificar o que a Antropologia entende como

    cultura e quais os problemas e questionamentos que vm sendo feitos no prprio

    mbito acadmico sobre o excessivo alargamento deste conceito. Utilizado como

    principal eixo terico e metodolgico dos estudos antropolgicos, a banalizao do

  • Dez anos da Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial: Ressonncias, apropriaes, vigilncias

    26

    conceito e sua apropriao por parte de diferentes segmentos sociais apresenta uma

    instabilidade problemtica e complexa, sobre a qual os antroplogos vm investindo

    grande parte de suas reflexes. Entretanto, a viso cuidadosa de Joo Leal com

    relao explicitao das inmeras consequncias e desdobramentos da utilizao

    desta ferramenta conceitual, no aplacou seu otimismo com relao s novas polticas

    pblicas desencadeadas a partir da Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial da

    UNESCO em 2003. Ele mesmo lastimou que tivesse sido extinta em Portugal uma

    Comisso de Antroplogos que assessorava o corpo de agentes institucionais

    envolvidos com a execuo dos Programas Oficiais do Patrimnio Cultural Imaterial

    em Portugal. Mostrou-se disponvel a continuar colaborando com a DGPC e os

    Programas de PCI em Portugal. Trouxe tambm uma reflexo interessante sobre o

    papel dos antroplogos e especialistas da cultura nos processos de

    patrimonializao, chamando a ateno para o fato de que h muita experincia

    acumulada neste campo no que tange aos estudos antropolgicos ou estudos da

    cultura. Mas, tambm chamou a ateno para a arbitrariedade dos sistemas de

    classificao e do quanto os intelectuais da cultura devem ficar atentos e vigilantes

    para no permitirem que as instituies e agncias, sobretudo governamentais,

    terminem reificando critrios utilizados para distinguir entre as expresses culturais

    que podem ser consideradas como patrimnio cultural imaterial de um pas ou de uma

    localidade e aquelas que por certas caractersticas deveriam ficar de fora deste

    campo. Muitas vezes, segundo o antroplogo, pela inrcia ou pela dificuldade de se

    fazer face ao peso e burocracia institucional, todo este movimento de valorizao

    cultural poderia servir a um congelamento de algumas expresses culturais e a uma

    discriminao de tantas outras que a inventividade humana capaz de criar. Joo

    Leal sublinhou que muitas vezes a tendncia no corpo dos agentes institucionais tem

    sido uma postura conservadora e que esta postura representa a anttese da proposta

    enunciada pela Conveno de 2003, onde o objetivo consiste justamente em estar

    aberto para perceber aspectos das culturas humanas pouco visveis, quase

    imperceptveis, mas que so de grande relevncia para os grupos sociais que as

    praticam em seus cotidianos. O antroplogo se reportou por exemplo a uma certa

    tendncia impregnada nas mentalidades daqueles que lidam com o campo patrimonial

    de excluir quase sempre o novo, o hbrido, o pouco conhecido, o inusitado. Conclamou

    a todos que exercitassem aquilo que tem sido uma das principais posturas da prtica

    antropolgica: escutar o outro, colocar-se no lugar do outro, aprender a ver com os

    olhos do outro, e deste modo, relativizarmos um pouco nossas certezas e nossos

    pressupostos concebidos a priori. Alm disso, lembrou que, embora as polticas

    pblicas relativas ao PCI sejam benvindas no sentido de trazer luz manifestaes

  • Regina Abreu

    27

    culturais pouco conhecidas e valorizadas, h muita vida para alm do Patrimnio

    Cultural Imaterial! Ou seja, estas polticas pblicas tm e tero sempre suas

    limitaes e nem tudo ser contemplado ou includo. Esta assertiva chama a ateno

    tambm para o facto de que continuaro a existir muitas outras formas de estudar e

    valorizar as culturas em suas dinmicas tangveis ou intangveis.

    Um outro antroplogo a tecer reflexes sobre as prticas do Patrimnio Cultural

    Imaterial a partir da Conveno de 2003 foi Cyril Isnart, Investigador Auxiliar

    convidado do CIDEHUS Universidade de vora. Isnart (2013) apresentou trs

    aspectos centrais que caracterizariam, na sua viso, a novidade advinda com a

    Conveno de 2003 sobre a salvaguarda do Patrimnio Cultural Imaterial pela

    UNESCO: em primeiro lugar, o fato de ter colocado no centro da ao patrimonial

    objetos bem diferentes dos monumentos arquitetnicos ou do chamado patrimnio

    material; em segundo lugar, o fato de atribuir um lugar central para os indivduos

    detentores de patrimnios e no mais apenas aos profissionais da rea; em terceiro

    lugar, porque esta Conveno e seus princpios foram pensados principalmente pelos

    pases do Sul. Mas, segundo Cyril Isnart, se a conveno da UNESCO constituiu-se

    como um instrumento administrativo para o reconhecimento de aspectos culturais

    relevantes relativos aos pases no ocidentais, os pases europeus tambm dele se

    apropriaram, inscrevendo a ao cultural relativa ao patrimnio cultural imaterial numa

    genealogia que parte do folclore do sculo XIX para responder s reinvindicaes

    culturais contemporneas. Cyril Isnart apresentou alguns exemplos de usos sociais do

    Patrimnio Cultural Imaterial na Europa do Sul, mostrando como este conceito foi

    apropriado por diferentes grupos sociais, ultrapassando o enquadramento original da

    ao institucional e impulsionando uma reformulao das reivindicaes culturais para

    contextos mais simples de prticas da vida cotidiana na Europa do Sul. Os debates

    foram concorridos e muitas questes foram levantadas. Foi possvel perceber ao final

    do Encontro algumas convergncias entre as apresentaes, como por exemplo, o

    papel central para as polticas pblicas nos quatro pases focalizados com relao aos

    Inventrios. De algum modo, a criao de um mecanismo capaz de identificar,

    documentar, valorizar e proteger os Patrimnios Culturais Imateriais tem sido uma

    preocupao recorrente nestes contextos. Contudo, os procedimentos, as

    metodologias, os agentes envolvidos bem como o nvel de participao das

    comunidades parece variar de um contexto a outro. Enquanto em alguns pases, as

    polticas pblicas so mais centralizadas na esfera de uma pasta estatal para a

    cultura, como o caso da Frana, em outros pases, como o caso da Itlia, parece

    predominar a descentralizao, sendo que mesmo no mbito governamental, o tema

    do patrimnio cultural imaterial gerenciado em esfera interministerial, enquanto

  • Dez anos da Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial: Ressonncias, apropriaes, vigilncias

    28

    outras instncias locais e no governamentais tambm vm atuando neste campo.

    Outro ponto que mereceu destaque foi a reflexo sobre o impacto da poltica da

    austeridade corrente no circuito europeu com relao ao avano das polticas pblicas

    do Patrimnio Cultural Imaterial. Os palestrantes referiram-se a dificuldades desta

    ordem. De um lado, relativa aos recursos cada vez mais escassos para construir o

    aparato tcnico e as competncias necessrias para alavancar os trabalhos no

    campo. De outro lado, pelas mobilizaes muito heterogneas da sociedade civil. Se,

    em alguns contextos, esta mobilizao se verifica com especial intensidade, em outros

    contextos, ela quase nula, o que torna invivel o que seria a maior aspirao do

    campo patrimonial: o inventrio participativo, quando agentes institucionais e

    movimentos sociais se encontram no objetivo comum de identificao, mapeamento e

    sistematizao de manifestaes culturais em processo de patrimonializao. Desse

    modo, verificamos que apesar das boas intenes de alguns agentes institucionais, as

    condies de trabalho so muitas vezes problemticas. Outro ponto que mereceu

    destaque no Colquio diz respeito participao diferencial dos antroplogos e

    especialistas da cultura nos programas de patrimnio imaterial nos diferentes pases.

    Como decorrncia dos estudos sobre a cultura em seu carter diverso e plural, os

    antroplogos vm acumulando ao longo dos anos uma expertise e um conhecimento

    que se faz necessrio ao campo do patrimnio imaterial. Muitas vezes, tornam-se

    articuladores e mediadores entre saberes locais e as instituies voltadas para os

    processos de patrimonializao. Alm disso, h muito trabalho de pesquisa de teses,

    dissertaes e monografias sobre manifestaes culturais que podem subsidiar o

    empreendimento patrimonial. A experincia com a pesquisa campo e sua

    sistematizao pela via da documentao etnogrfica tem sido tambm uma

    contribuio importante dos antroplogos e estudiosos da cultura nesta nova fase dos

    processos de patrimonializao.3

    Mas, certamente o saldo mais positivo deste Colquio tenha sido a possibilidade

    de as pessoas se encontrarem e a partir deste encontro melhor estruturarem o dilogo

    em rede e a troca de experincias. Afinal, no contexto do patrimnio cultural imaterial

    o maior Patrimnio tem sido mesmo as pessoas que com seu empenho e dedicao

    vm contribuindo para o alargamento dos horizontes e a difuso de expresses

    culturais antes completamente invisibilizadas.

    3 Ver Abreu (2013).

  • Regina Abreu

    29

    4. RESSONNCIAS, APROPRIAES, VIGILNCIAS DAS POLTICAS PBLICAS DO

    PATRIMNIO CULTURAL IMATERIAL

    Diferentes ressonncias e apropriaes somadas a uma permanente vigilncia

    destacam-se entre os temas e as colocaes daqueles que circulam no universo do

    campo patrimonial, em especial do Programa do Patrimnio Imaterial. Nos dez anos

    que se seguiram promulgao da Conveno do Patrimnio Imaterial pela UNESCO,

    os representantes de Estados-membros tiveram compreenses e envolvimentos muito

    diversificados com relao ao estabelecimento de polticas pblicas voltadas para esta

    finalidade. Alguns concentraram-se na realizao de grandes inventrios, outros

    partiram para uma ao direta de revitalizao de manifestaes tradicionais, outros

    concentraram-se em esforos de difuso por meio de filmes etnogrficos, portais,

    livros. Os antroplogos parecem ter estado presentes com muita nfase nos trabalhos

    de campo e no corpo a corpo das pesquisas nestes dez anos.4 Por outro lado, as

    camadas populares e particularmente as populaes tradicionais, como as

    comunidades indgenas, vm se apropriando por vezes de formas extremamente

    criativas das polticas pblicas, o que muitas vezes vm surpreendendo os agentes

    governamentais e os intelectuais envolvidos com os programas. Mas, um ponto que

    tem merecido destaque a preocupao de grande parte dos envolvidos com o perigo

    da desvirtuao do projeto inicial, o que se caracterizaria pelo congelamento ou o

    enrijecimento das manifestaes culturais a serem valorizadas e protegidas. A noo

    de vigilncia enunciada por Chrif Khaznadar expressa este temor que ronda os

    ideais do discurso fundador da Conveno de 2003. Seguindo a formulao de

    Khaznadar, assumir a vigilncia neste caso implicaria zelar pelo esprito da

    Conveno a partir de alguns cuidados essenciais, tais como: levar em conta nos

    processos de salvaguarda e de revitalizao que o patrimnio cultural imaterial est

    em permanente transformao; salvaguardar o contexto sociocultural ao qual o

    patrimnio est integrado; estar atento para no impor a outras culturas certas noes

    ocidentais disciplinares (como a noo de msica para contextos africanos, onde o

    mais adequado consistiria em aplicar o conceito de culturas sonoras); levar em conta

    as especificidades de cada cultura nas aes patrimoniais; respeitar prioritariamente

    as opinies dos agentes sociais engajados nas manifestaes culturais que so

    objetos de patrimonializao; estar atento a obstculos que podem se opor

    sobrevivncia de certos patrimnios imateriais, entre eles as manipulaes de ordem

    4 Ver Abreu (2003).

  • Dez anos da Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial: Ressonncias, apropriaes, vigilncias

    30

    religiosa, poltica, comercial ou econmica; relacionar estreitamente as aes de

    patrimonializao as de revitalizao e de difuso.5

    REGINA ABREU

    professora do Programa de Ps-Graduao em Memria Social da Universidade

    Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO, Brasil; Pesquisadora do CNPq;

    Coordena o Grupo de Trabalho Memria, Cultura e Patrimnio/CNPq; Ps-Doutora

    do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Portugal; autora de

    livros e ensaios sobre o tema do patrimnio cultural no Brasil e atualmente realiza uma

    pesquisa comparada sobre polticas pblicas e processos de patrimonializao do

    imaterial no Brasil e em Portugal.

    Contato: [email protected]

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    Abreu, Regina (2003), A emergncia do patrimnio gentico e a nova configurao do campo

    do patrimnio, in Regina Abreu; Mario Chagas (orgs.), Memria e Patrimnio: ensaios

    contemporneos. Rio de Janeiro: Ed. Lamparina, 33-59.

    Abreu, Regina (2013), Patrimonializao das diferenas e os novos sujeitos de direito coletivo

    no Brasil, in Ccile Tardy; Vera Dodebei (orgs.), Memrias e novos patrimnios.

    Braslia/Paris. Capes/Programa Saint Hilaire (no prelo).

    Bortolotto, Chiara (2013), Les inventaires du patrimoine immatriel en Italie: tat, rgions,

    associations, in Direo Geral do Patrimnio Cultural (DGCP), Secretaria de Estado da

    Cultura, Governo de Portugal (org.), Atas do Colquio InternacionalPolticas Pblicas

    para o Patrimnio Imaterial na Europa do Sul. Percursos, Concretizaes, Perspectivas.

    Lisboa: DGCP, 27-43.

    Bruno, Jorge Augusto Paulus (2013), Inventrio Regional do Patrimnio Cultural Imaterial dos

    Aores: uma poltica para a defesa da espontaneidade, in Direo Geral do Patrimnio

    Cultural (DGCP), Secretaria de Estado da Cultura, Governo de Portugal (org.), Atas do

    5Traduo livre do texto digitalizado da palestra de Chrif Khaznadar (2013). Cito o trecho na ntegra: 1)

    tenir compte dans le processus de sauvegarde et de revitalisation du caractre essentiel du patrimoine immatriel qui est dtre en volution perptuelle, contrairement au patrimoine matriel ; 2) ne pas extraire les cultures-produits de leur contexte dorigine, comme dans le cas du phnomne de folklorisation, mais au contraire veiller sauvegarder lensemble socio-culturel auquel le patrimoine appartient certains spcialistes considrent quil ne faut pas chercher tout prix revitaliser quelques lments des donnes culturelles dont la fonction a cess dexister ; 3) tre attentif ne pas imposer la notion occidentale de discipline, telle la musique lorsque lon tudie les cultures dautres civilisations, comme par exemple les cultures sonores en Afrique; 4) tenir compte dans toute action de la spcificit de chaque culture ; 5) respecter en priorit les avis des porteurs et des amateurs des patrimoines immatriels des pays concerns lorsque des actions de revitalisation sont engages; 6) tre attentif aux obstacles qui peuvent sopposer la survie de certains patrimoines immatriels, telle la manipulation des fins politiques, religieuses, commerciales, etc.; 7) lier troitement les actions de collecte des patrimoines immatriels celles de revitalisation et de diffusion.

  • Regina Abreu

    31

    Colquio Internacional Polticas Pblicas para o Patrimnio Imaterial na Europa do Sul.

    Percursos, Concretizaes, Perspectivas. Lisboa: DGCP, 87-93.

    Caldern, Jos Luis Mingote (2013), Continuidades y descontinuidades en torno a la identidad

    y la sociedad preindustrial: Patrimonio Cultural Inmaterial, Patrimonio Etnologicos y

    Folklore, in Direo Geral do Patrimnio Cultural (DGCP), Secretaria de Estado da

    Cultura, Governo de Portugal (org.), Atas do Colquio Internacional Polticas Pblicas

    para o Patrimnio Imaterial na Europa do Sul. Percursos, Concretizaes, Perspectivas.

    Lisboa: DGCP, 43-71.

    Costa, Paulo Ferreira da (2013), O Inventrio Nacional do Patrimnio Cultural Imaterial: da

    prtica etnogrfica voz das comunidades, in Direo Geral do Patrimnio Cultural

    (DGCP), Secretaria de Estado da Cultura, Governo de Portugal (org.),Atas do Colquio

    Internacional Polticas Pblicas para o Patrimnio Imaterial na Europa do Sul.

    Percursos, Concretizaes, Perspectivas. Lisboa: DGCP: 93-117.

    DGCP - Direo Geral do Patrimnio Cultural, Secretaria de Estado da Cultura, Governo de

    Portugal (2013), Polticas Pblicas para o Patrimnio Imaterial na Europa do Sul.

    Percursos, Concretizaes, Perspectivas. Atas do Colquio Internacional. Lisboa: DGCP.

    Grenet, Sylvie (2013), Les inventaires du PCI em France, in Direo Geral do Patrimnio

    Cultural (DGCP), Secretaria de Estado da Cultura, Governo de Portugal (org.),Atas do

    Colquio Internacional Polticas Pblicas para o Patrimnio Imaterial na Europa do Sul.

    Percursos, Concretizaes, Perspectivas. Lisboa: DGCP:17-27.

    Heinich, Nathalie (2009), La fabrique du patrimoine. Paris: ditions de La Maison des Sciences

    de lHomme, EHESS.

    Huyssen, Andreas (2000), Seduzidos pela memria. Rio de Janeiro: Aeroplano [2. ed.].

    Isnart, Cyril (2013), Le Patrimoine Immatriel em Europe du Sud: du folklore laction

    culturelle ordinaire, in Direo Geral do Patrimnio Cultural (DGCP), Secretaria de

    Estado da Cultura, Governo de Portugal (org.),Atas do Colquio Internacional Polticas

    Pblicas para o Patrimnio Imaterial na Europa do Sul. Percursos, Concretizaes,

    Perspectivas. Lisboa: DGCP: 117-131.

    Khaznadar, Chrif (2013), Des arts traditionnels au patrimoine immatriel, in Direo Geral do

    Patrimnio Cultural (DGCP), Secretaria de Estado da Cultura, Governo de Portugal

    (org.), Atas do Colquio Internacional Polticas Pblicas para o Patrimnio Imaterial na

    Europa do Sul. Percursos, Concretizaes, Perspectivas, Lisboa: DGCP: 9-17.

    Leal, Joo (2013), Cultura, Patrimnio Imaterial, Antropologia, in Direo Geral do Patrimnio

    Cultural (DGCP), Secretaria de Estado da Cultura, Governo de Portugal (org.), Atas do

    Colquio Internacional Polticas Pblicas para o Patrimnio Imaterial na Europa do Sul.

    Percursos, Concretizaes, Perspectivas. Lisboa: DGCP, 131-145.

    Mauss, Marcel (1974), Ensaio sobre a ddiva. Forma e razo da troca nas sociedades

    arcaicas, in Marcel Mauss, Sociologia e Antropologia. v. II. So Paulo: Edusp [ed. orig.:

    1923-24].

  • Dez anos da Conveno do Patrimnio Cultural Imaterial: Ressonncias, apropriaes, vigilncias

    32

    Tiemblo, Mara Pa Timn (2013), Plan Nacional de Salvaguarda del Patrimonio Cultural

    Inmaterial, in Direo Geral do Patrimnio Cultural, Secretaria de Estado da Cultura,

    Governo de Portugal (org.), Atas do Colquio Internacional Polticas Pblicas para o

    Patrimnio Imaterial na Europa do Sul. Percursos, Concretizaes, Perspectivas, 71-87.

    UNESCO (2012), Portal da Conveno para Salvaguarda do patrimnio. Consultado a

    20.04.2012, em http://www.unesco.org/culture/ich/index.php?lg=es&pg=00475.