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23 A DIPLOMÁTICA CONTEMPORÂNEA COMO BASE METODOLÓGICA PARA A ORGANIZAÇÃO DO CONHECIMENTO ARQUIVÍSTICO: PERSPECTIVAS DE RENOVAÇÃO A PARTIR DAS IDÉIAS DE LUCIANA DURANTI Natália Bolfarini Tognoli; José Augusto Chaves Guimarães Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação. Departamento de Ciência da Informação Universidade Estadual Paulista UNESP Marília SP Brasil. [email protected]; [email protected] RESUMO A Diplomática traz, em seu bojo, um aporte metodológico à Ciência da Informação, notadamente para as questões de organização da informação, podendo ser dividida em dois momentos: Diplomática Histórica e Diplomática Contemporânea. Essa última fornece subsídios à análise documental na Arquivística (por meio da identificação documental) e, para a Biblioteconomia, constitui importante referencial no tratamento temático da informação, mais especificamente na identificação de conceitos. No final do século XX, na década de 80, a Diplomática encontra um lócus investigativo privilegiado (e institucionalizado) em Luciana Duranti, com a publicação de Diplomatics: new uses for an old science, identificado como um turning point na literatura arquivística, onde a autora aplica o método e os conceitos diplomáticos aos documentos produzidos nos dias de hoje, inclusive aos eletrônicos. Dessa forma, constata-se que a partir dos estudos de Luciana Duranti sobre a aplicação do método diplomático aos documentos modernos, os arquivistas começam a ver a Diplomática Contemporânea como uma ferramenta si ne qua non para o tratamento dos conjuntos documentais, constituindo o método diplomático, um divisor de águas no conhecimento arquivístico, uma vez que propicia a análise de diferentes documentos, independente de sua natureza. ABSTRACT Diplomatics brings in its midst, a methodological support to Information Science, notably in matters of organization of information and can be divided into two periods: Historical Diplomatics and Contemporary Diplomatics. The latter provides grants to documentary analysis in Archival Science (by documental identification) and to Library Science is an important benchmark to the treatment of thematic information through the identification of concepts. By the end of the twentieth century, at the 80s, Diplomatics finds a privileged investigative locus (and institutionalized) by the studies of the italian Luciana Duranti, with the publication of Diplomatics: new uses for an old science, that has been identified as a turning point in archival science literature, where the author

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diplomática como base do saber arquivístico

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  • 23

    A DIPLOMTICA CONTEMPORNEA COMO BASE

    METODOLGICA PARA A ORGANIZAO DO CONHECIMENTO

    ARQUIVSTICO: PERSPECTIVAS DE RENOVAO A PARTIR DAS

    IDIAS DE LUCIANA DURANTI

    Natlia Bolfarini Tognoli; Jos Augusto Chaves Guimares

    Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao. Departamento de Cincia da Informao

    Universidade Estadual Paulista UNESP Marlia SP Brasil. [email protected]; [email protected]

    RESUMO

    A Diplomtica traz, em seu bojo, um aporte metodolgico Cincia da Informao,

    notadamente para as questes de organizao da informao, podendo ser dividida em

    dois momentos: Diplomtica Histrica e Diplomtica Contempornea. Essa ltima

    fornece subsdios anlise documental na Arquivstica (por meio da identificao

    documental) e, para a Biblioteconomia, constitui importante referencial no tratamento

    temtico da informao, mais especificamente na identificao de conceitos. No final do

    sculo XX, na dcada de 80, a Diplomtica encontra um lcus investigativo privilegiado

    (e institucionalizado) em Luciana Duranti, com a publicao de Diplomatics: new uses

    for an old science, identificado como um turning point na literatura arquivstica, onde a

    autora aplica o mtodo e os conceitos diplomticos aos documentos produzidos nos dias

    de hoje, inclusive aos eletrnicos. Dessa forma, constata-se que a partir dos estudos de

    Luciana Duranti sobre a aplicao do mtodo diplomtico aos documentos modernos, os

    arquivistas comeam a ver a Diplomtica Contempornea como uma ferramenta si ne

    qua non para o tratamento dos conjuntos documentais, constituindo o mtodo

    diplomtico, um divisor de guas no conhecimento arquivstico, uma vez que propicia a

    anlise de diferentes documentos, independente de sua natureza.

    ABSTRACT

    Diplomatics brings in its midst, a methodological support to Information Science,

    notably in matters of organization of information and can be divided into two periods:

    Historical Diplomatics and Contemporary Diplomatics. The latter provides grants to

    documentary analysis in Archival Science (by documental identification) and to Library

    Science is an important benchmark to the treatment of thematic information through the

    identification of concepts. By the end of the twentieth century, at the 80s, Diplomatics

    finds a privileged investigative locus (and institutionalized) by the studies of the italian

    Luciana Duranti, with the publication of Diplomatics: new uses for an old science, that

    has been identified as a turning point in archival science literature, where the author

  • 24

    applies the method and the concepts of Diplomatics to the contemporary documents,

    including the electronic ones. Thus, with the studies of Luciana Duranti about the

    application of the diplomatic method in contemporary records, the archivists are

    beginning to see the Contemporary Diplomatics as a si ne qua non tool for the treatment

    of records, being the diplomatic method a landmark to archival knowledge, since it

    provides the analysis of many kinds of documents, regardless of their nature.

    PALABRAS CLAVES: Diplomtica Contempornea. Luciana Duranti. Arquivstica

  • 25

    INTRODUO

    A Diplomtica traz em seu bojo um aporte metodolgico Cincia da Informao,

    notadamente nas questes de organizao da informao, na medida em que fornece

    subsdios para a anlise documental na Arquivstica atravs da identificao documental - e para o tratamento temtico da informao na Biblioteconomia atravs da identificao de conceitos.

    A partir do final do sculo XX, a Diplomtica pode ser divida em Diplomtica Histrica

    e Diplomtica Arquivstica. Essa ltima, a partir da dcada de 80 comea a auxiliar os

    arquivistas na difcil tarefa de compreender o processo de criao dos documentos

    contemporneos.

    Dessa forma, destaca-se a apropriao do mtodo diplomtico pela Arquivstica, que

    passa a v-lo como uma ferramenta si ne qua non para o tratamento da informao no

    sculo XXI.

    Nesse contexto, os estudos da italiana Luciana Duranti destacam-se no cenrio

    arquivstico mundial, uma vez que a autora a primeira a aplicar o mtodo diplomtico

    aos documentos contemporneos na Amrica do Norte. Ao faz-lo ela observa que os

    mesmos elementos contidos em documentos histricos e medievais esto contidos

    tambm nos documentos contemporneos.

    A partir da a Diplomtica desvincula-se do binmio necessrio que at ento

    desempenhava com a Paleografia, e deixa de ter simples rtulo de cincia auxiliar da histria, para ser uma cincia autnoma, cujo mtodo analtico-comparativo pode ser considerado uma nova forma de compreender os documentos contemporneos.

    Identifica-se, na literatura analisada, que Luciana Duranti pode ser considerada um

    marco terico, tanto para a Diplomtica quanto para a Arquivstica, a partir da

    publicao de sua srie de artigos, intitulada Diplomatics: new uses for an old science considerado um turning point para a rea - onde a autora expe o mtodo e os conceitos

    diplomticos, a fim de definir um novo uso para uma antiga cincia.

    Portanto, pretende-se aqui expor as principais fases pelas quais a Diplomtica passou

    at chegar aos dias de hoje, de cincia auxiliar da histria, cujo objeto era o documento

    histrico, cincia autnoma, que tem o objeto em comum com a Arquivstica - o

    documento de arquivo. Para isso, sero focados os estudos de Duranti e sua contribuio

    para a renovao cientfica da rea.

  • 26

    DIPLOMTICA ARQUIVSTICA CONTEMPORNEA: elementos para uma

    renovao cientfica

    A Diplomtica nasce no sculo XVII com a finalidade de estabelecer regras para

    comprovar a autenticidade de documentos eclesisticos.

    A Igreja Catlica, preferindo dedicar-se a uma teologia mais positivista do que

    especulativa, publica em 1643 os primeiros volumes da Acta Sanctorum,com o objetivo

    de separar o que era fato de lenda na vida dos santos. Essa iniciativa partiu dos

    Bolandistas, que convidam o jesuta Daniel Papenbroek para escrever a introduo do

    segundo volume da Acta.

    Com isso, Papenbroek anuncia princpios para estabelecer a autenticidade de

    documentos antigos, aplicando-os aos documentos preservados no mosteiro de Sant-

    Denis. Ao faz-lo, declara (erroneamente) que alguns documentos eram falsos, caindo em descrdito, assim, todos os documentos preservados no mosteiro (Tognoli, 2008). Esse episdio ficou conhecido como as guerras diplomticas (bella diplomtica) e originou um grande nmero de disciplinas cientficas cujo objetivo era estabelecer a

    autenticidade dos documentos, entre elas a Diplomtica, a Paleografia e a Sigilografia.

    Em resposta aos escritos de Papenbroek, o monge beneditino Jean Mabillon publica em

    1681 um tratado de seis partes intitulado De re diplomatica libri VI, no qual estabelecia

    regras precisas para verificar a autenticidade dos documentos, promulgando assim uma

    nova cincia, que seria conhecida como Diplomtica, conceituada como o estabelecimento de regras e termos certos e precisos pelos quais o instrumentos

    autnticos podem ser distinguidos dos falsos, e instrumentos certos e originais dos

    incertos e suspeitos (Mabillon apud MacNeil, 2000).

    O mtodo preconizado por Mabillon consiste em repartir o documento em suas partes e

    analis-las separadamente em seus elementos internos e externos. Esse mtodo

    analtico-comparativo estendido por toda a Europa e disseminado nas escolas de

    Direito.

    Durante os sculos seguintes a Diplomtica tomada como uma cincia auxiliar da

    historiografia, sob influncia da Filologia e da prpria Histria, pois utilizada para

    verificar a autenticidade documental de documentos medievais enquanto fontes

    histricas. Essa apropriao da Diplomtica pela Histria se d entre os sculos XVIII e

    XIX, com a introduo dos estudos diplomticos em escolas Europias, que iro

    contribuir para o progresso na formulao e definio dos princpios diplomticos,

    introduzindo no campo novas idias acerca do objeto e da crtica diplomtica. Segundo

    Riesco Terrero (2000) a Diplomtica at o sculo XIX e incio do sculo XX no era

    considerada uma cincia, enquanto mtodo e tcnica cientfica, o que ir mudar com a

    insero dos seus estudos nessas escolas.

  • 27

    Entre essas escolas a cole des Chartes, em Paris, e o Institut fr Osterreichsgeschichte,

    em Viena, ofereceram as maiores contribuies para a rea, com os estudos de Tessier e

    Bautier, e Ficker e Sickel, respectivamente. O sculo XIX viu a criao da cole des Chartes em Paris, em 1821, o desenvolvimento conseguinte da Paleografia como

    disciplina autnoma e o progresso decisivo da formulao e definio dos princpios

    diplomticos. No entanto, os maiores avanos tiveram lugar na Alemanha e na ustria (Luciana Duranti, 1995).

    Theodor Von Sickel introduz o estudo da forma documental e o estudo crtico do

    documento, apresentando com rigor cientfico o mtodo de anlise das formas

    documentais, enquanto Ficker estabelece a distino entre actio (momento da ao) e

    conscriptio (momento da documentao).

    Ainda nessa poca registra-se o nascimento de outra disciplina cientfica cujo objeto de

    estudo tambm consistia na informao registrada.

    A Arquivstica enquanto disciplina cientfica nasce no sculo XIX, no contexto da

    Revoluo Francesa, como uma extenso da Diplomtica, sendo rapidamente

    apropriada pelos historiadores, e seus estudos so iniciados atravs dos manuais de

    Diplomtica e das escolas de historiografia e documentao.

    A introduo da Arquivstica nessas escolas e a promulgao do princpio da

    provenincia - princpio norteador da rea - em 1841, na Frana contriburam para a

    formalizao da disciplina enquanto um corpo de conhecimentos especficos para o

    tratamento dos documentos de arquivo.

    Porm, a Arquivstica s elevada ao status de disciplina cientfica com a publicao do

    famoso Manual dos Arquivistas Holandeses (Handleiding vor het ordenen em

    bescheijven van archieven) em 1898, por S. Mller, T. Feith e J. Fruin. Durante toda a

    dcada de 1980, as 100 regras introduzidas no manual, sobre arranjo e descrio de

    arquivos, foram exaustivamente discutidas na Associao.

    No contexto histrico e conceitual de formao da disciplina, o Manual dos Arquivistas

    Holandeses importante, uma vez que, foi traduzido para vrios idiomas facilitando

    assim, a disseminao das idias e princpios ali expostos, alm de libertar a Arquivstica das disciplinas a que se encontrava ligada, representando um grande

    avano na teorizao da disciplina (Barros e Tognoli, 2008).

    Aps a publicao do manual holands, outras obras importantes so publicadas, a fim

    de teorizar e sistematizar a disciplina, entre eles o Manual of Archive Administration

    (1922) do ingls de Hilary Jenkinson e Archivistica (1928) do italiano Eugenio

    Casanova.

    No sculo XX, os arquivistas comeam a enfrentar alguns problemas com a

    documentao gerada na burocracia weberiana e com a exploso documental

  • 28

    ocasionada aps o final da II Guerra Mundial. Com isso, a partir dos anos 30 a viso

    historicista do arquivo comea a perder foras, e identificada uma dimenso

    administrativa dos arquivos nos EUA.

    A partir dos anos 30, o arquivo continua a ser um laboratrio da Histria e seus

    documentos ainda so utilizados como fonte histrica, porm os arquivistas comeam a

    ver os arquivos como facilitadores da administrao, e o conceito de gesto documental

    criado.

    Porm, na dcada de 80, os arquivistas puderam constatar que os princpios enunciados

    no final do sculo XIX e comeo do XX, nos famosos manuais (dos arquivistas

    holandeses, de Jenkinson e Casanova), no estavam mais dando conta da situao

    documental, pois tais princpios so reflexos do pensamento de uma determinada poca

    e de um determinado contexto, e, como ressalta Cook (1997), os princpios arquivsticos no so fixos no tempo, mas, como vises da prpria histria, ou da

    literatura, ou filosofia, refletem o esprito de uma poca e so, ento, interpretados de

    uma nova forma por geraes sucessivas.

    Com a criao de novas funes administrativas, que foram horizontalizadas e

    fragmentadas, os princpios devem ser reinterpretados uma vez que essas mudanas

    refletem na criao dos documentos. As categorias documentais foram aumentadas e

    novos formatos inventados, e as novas tecnologias de informao contriburam

    sobremaneira para uma mudana tida como paradigmtica na Arquivstica Moderna.

    Dessa forma, a Arquivstica encontra na Diplomtica um ponto em comum: o

    documento de arquivo, que acabaria por trazer a soluo para alguns dos problemas

    enfrentados pelos arquivistas do sculo XXI: o estudo da Tipologia Documental.

    A Diplomtica, que no final do sculo XIX e comeo do XX passou por uma crise devido falta de consenso em seu objeto, colocada novamente em contato com a

    Arquivstica atravs de Robert-Henri Bautier, professor da cole des Chartes que

    anuncia o documento de arquivo como o objeto em comum entre as duas disciplinas.

    Segundo Ghignoli (1991) Bautier estabelece uma identidade entre documento diplomtico e documento darchivio, definindo como novo objeto da crtica Diplomtica todas as peas de arquivo. Alm de estabelecer essa identidade entre as duas disciplinas, Bautier prope o estudo de documentos de pocas diferentes, no s os

    medievais.

    Contemporneo a Bautier, Tessier (1952) propunha o objeto da Diplomtica como a descrio e explicao das formas dos atos escritos, e visava no apenas analisar as formas dos documentos, mas tambm a buscar uma explicao racional das

    circunstncias que influenciam os modificadores. Para Bautier e Tessier a essncia do

    documento est em sua condio de prova. O termo forma a palavra chave da Diplomtica, entendendo por ela no s os caracteres externos do documento, mas

  • 29

    tambm sua disposio material e a ordenao interna do texto, o discurso diplomtico (Galende; Garcia, 2003).

    Para Duranti (1995) a forma definida como um complexo de regras de representao

    usado para transmitir uma mensagem. Essa forma constituda das caractersticas do

    documento manifestando-se fsica e intelectualmente. papel do mtodo diplomtico

    repartir e analisar essa forma, atravs de seus elementos internos e externos, com o

    objetivo de analisar a gnese documental, sua evoluo, tradio e autenticidade.

    Para tanto, os elementos externos so o carter material do documento, sua aparncia

    externa. Eles podem ser identificados como o suporte, a escritura, a linguagem, sinais

    especiais, selos, anotaes, etc., e os elementos internos so os componentes que

    articulam intelectualmente o documento, como se apresenta seu contedo.

    possvel dizer que os documentos apresentam uma estrutura tpica, bvia e uma subestrutura analtica ideal. Essa ltima compreende trs sees, cada uma com uma

    finalidade especfica (Duranti, 1995). A primeira seo o protocolo, que contm o contexto administrativo da ao (as pessoas includas na ao, tempo, lugar e assunto. A

    segunda seo o texto, com a ao, consideraes e circunstncias que a originaram; e

    a ltima parte o escatocolo que contm o contexto da documentao ao.

    Entendendo essa essncia documental como prova de uma ao, e uma conseqncia do

    ato, fica bem claro que a Diplomtica e a Arquivstica possuem em comum o mesmo

    objeto de estudo. A partir da, a relao entre as duas disciplinas se torna clara para os

    pesquisadores no final da dcada de 60.

    Porm, apesar dessa relao estabelecida em meados do sculo XX, a Arquivstica s

    comear a absorv-la no final do sculo. Como destacam Guimares e Tognoli (2007)

    foi a partir dos anos 80 do sculo passado que a Diplomtica pde assumir uma nova dimenso, desvinculando-se do binmio necessrio que at ento desempenhava com a Paleografia e sendo encarada, pelos arquivistas, como uma ferramenta cujo mtodo

    analtico-comparativo trouxe especial contribuio para o tratamento da documentao

    gerada na burocracia moderna.

    Dessa forma, como afirma Rondinelli (2005) a possibilidade de integrao dos princpios e conceitos dessa disciplina aos da arquivologia vista, por aqueles

    profissionais, como o caminho seguro para o bom gerenciamento arquivstico dos

    documentos de hoje.

    Esse caminho seguro , sem dvida, o estudo da Tipologia Documental, uma vez que a

    Diplomtica deixa de estudar apenas a espcie e documental e, como ressalta Bellotto

    (2004) ampliada na direo da gnese documental e de sua contextualizao nas atribuies, competncias, funes e atividades da entidade geradora/acumuladora.

  • 30

    Logo, a Tipologia Documental voltar-se-, segundo Bellotto (2004) para a lgica orgnica dos conjuntos documentais: a mesma constituio diplomtica em todos os

    documentos do mesmo tipo, para que se disponha sobra ou cumpra a mesma funo.

    Essa nova Diplomtica ampliada na direo da gnese documental chamada de

    Diplomtica Arquivstica Contempornea, e seus estudos so preconizados na Itlia por

    Paola Carucci.

    A autora a primeira a aplicar a crtica diplomtica aos documentos da administrao

    pblica italiana, redefinindo o conceito de documento diplomtico ao incluir aqueles

    produzidos por uma organizao no curso normal de suas funes (ou seja, o documento

    de arquivo). Em 1987 Carucci publica Il documento contemporaneo: Diplomtica e criteri di edizione que segundo Duranti, pode ser considerado a primeira tentativa da aplicao do mtodo diplomtico aos documentos contemporneos. Em sua obra,

    Carucci (1987) define a Diplomtica como uma disciplina que estuda a unidade arquivstica elementar, o documento, mas tambm o arquivo [...] analisando, sobretudo

    os aspectos formais para definir a natureza jurdica dos atos, tanto na sua formao

    quanto em seus efeitos.

    Logo, a anlise diplomtica, recai sobre a vontade expressa no ato jurdico e o conhecimento da forma na qual o ato se manifesta, isto , das caractersticas prprias do

    documento em cujo ato representado (Carucci, 1987).

    A fuso dos princpios e mtodos arquivsticos e diplomticos dar-se- na Itlia, mas

    no Canad, atravs dos estudos de Luciana Duranti que a disciplina encontrar um lcus

    investigativo privilegiado.

    Porm, vale destacar aqui, o importante papel da Escola Espanhola na aplicao do

    mtodo diplomtico aos documentos contemporneos que, sem dvida, colaborou

    sobremaneira para o engrandecimento da disciplina. (Tamayo, 1996; Romero Tallafigo,

    1997; Heredia Herrera, 1991; e Nuez Contreras, 1981).

    No final da dcada de 80 Luciana Duranti publica sua legendria srie de artigos, que

    mais tarde viria tornar-se um livro, intitulada Diplomatics: new uses for an old science,

    considerada um turning point na rea, no qual aplica o mtodo diplomtico aos

    documentos contemporneos, ressaltando que os mesmos elementos contidos em

    documentos histricos e medievais esto contidos tambm nos contemporneos.

    Para Duranti (s/d) esse esforo foi baseado em duas suposies: primeiro, que a Diplomtica uma cincia viva, e pode ser renovada sem comprometer suas fundaes

    tericas e metodolgicas; e segundo, que os conceitos e princpios diplomticos podem

    ser usados para desenvolver sistemas digitais de produo e preservao de registros.

  • 31

    No mesmo trabalho, Duranti volta a colocar o objeto da Diplomtica em questo,

    assumindo a mesma posio de Bautier, na qual ambas as disciplinas, Arquivstica e

    Diplomtica, possuem o mesmo objeto, enfatizando a diferena entre as duas, onde a

    primeira tem como objeto o estudo dos conjuntos documentais, enquanto a segunda foca

    seus estudos na pea documental, no documento isolado.

    Logo, os estudos realizados Duranti provam que perfeitamente possvel a aplicao da

    crtica diplomtica aos documentos contemporneos e com isso os arquivistas passam a

    ver o mtodo diplomtico, ou estudo da Tipologia Documental como uma ferramenta de

    suma importncia para o conhecimento da documentao gerada no sculo XXI, uma

    vez que como afirma Carucci (1987) a anlise das caractersticas formais e substanciais dos documentos indispensvel para identificar as sries, para reconduzir documentos

    singulares aos arquivos de origem, para entender em quais relaes se encontram os

    documentos referentes a um mesmo procedimento conservados em sries distintas.

    Com a aplicao do mtodo diplomtico, o arquivista capaz de reconstruir todo o

    contexto de produo de um conjunto documental, a partir de um nico documento,

    uma vez que as fontes utilizadas para reconstruir o percurso do documento, como os

    organogramas e regimentos, por exemplo, nem sempre sero suficientes.

    Dessa forma, a anlise do documento contemporneo tem como objetivo tambm

    contribuir para a histria da administrao. Segundo Barros e Tognoli (2008) medida

    que as administraes vo ficando mais flexveis e existe uma horizontalidade nas

    funes e competncias, a estrutura das instituies vai ficando mais fragmentada. A

    anlise dos documentos como peas documentais que de alguma maneira remontam

    essa estrutura esfacelada, um caminho seguro para o desenvolvimento dos mtodos

    arquivsticos.

    Portanto, destaca-se aqui, o importante papel da Tipologia Documental, e

    conseqentemente da Diplomtica para os novos contextos de produo documental,

    inclusive sua aplicao aos documentos eletrnicos, pois com o advento das novas

    tecnologias de informao os arquivistas se vem despreparados para tratar da

    quantidade de documentos gerados pelos novos sistemas. Com isso os profissionais da

    informao tm frente mais um desafio: manter os registros criados em meio

    eletrnico inalterados, de forma a garantir seu acesso e sua autenticidade e

    fidedignidade nos sistemas em que foram gerados.

    A partir dessas novas questes colocadas, ocorre uma mudana de paradigma na

    Arquivstica e os arquivistas se do conta de que a disciplina no mais capaz de

    resolver todos os problemas sozinha. nessa mudana de paradigma que a Diplomtica,

    novamente, ir fornece as bases tericas e metodolgicas para a soluo das questes

    apresentadas, e mais uma vez o papel de Luciana Duranti fundamental.

    Em 1999 Duranti lana, no Canad, o Projeto InterPARES (International research on

    Permanent Authentic Records in Electronic Systems) cujo objetivo era responder s

  • 32

    questes que assombravam os arquivistas: como manter a autenticidade de uma registro

    criado eletronicamente? Como assegurar a conservao e o acesso ao documento sem

    comprometer essa autenticidade?

    O propsito do Projeto, segundo Guimares e Tognoli (2007), era desenvolver um conhecimento terico e metodolgico essencial para a preservao permanente de

    registros digitais autnticos, e formular polticas, estratgias e padres modelos capazes

    de assegurar essa preservao.

    Para tanto, o projeto contou com conceitos e mtodos de vrias disciplinas, entre elas a

    Diplomtica, que forneceu os elementos necessrios para caracterizar o registro

    eletrnico, alm de fornecer o conceito de autenticidade e fidedignidade dos

    documentos.

    O projeto tambm contou com o apoio de um grupo de co-pesquisadores dos setores

    pblico e privado de diversos pases, entre eles o Canad, Estados Unidos, Irlanda,

    Hong Kong, China, Sucia, Frana, Itlia, Portugal, Austrlia, Reino Unido e Holanda.

    Em 2001 a primeira fase do projeto foi concluda e produziu exigncias e mtodos para

    a criao, manuteno, seleo, e preservao dos registros digitais autnticos, a maioria

    gerados no curso de atividades administrativas. Em 2002 teve incio a segunda fase do

    projeto cujo objetivo era garantir as mesmas exigncias para documentos criados no

    curso de atividades artsticas, cientficas e governamentais, tendo apoio de mais pases

    como, por exemplo, o Caribe e alguns pases da Amrica Latina, entre eles o Brasil.

    Em 2007 a terceira fase do projeto comeou e busca, com os resultados obtidos nas

    primeiras duas fases, divulgar e colocar em prtica os mtodos e exigncias encontrados

    e aplic-los aos documentos de arquivos em instituies de pequeno e mdio porte de

    forma a garantir a preservao e uso da informao.

    Contudo, a contribuio do mtodo diplomtico revisado por Duranti, no se limita

    apenas aos documentos arquivsticos e eletrnicos. Seus estudos garantem que qualquer

    documentao, independente do suporte, gnero e natureza, seja passvel de anlise.

    Nesse sentido, a Biblioteconomia e Cincia da Informao tambm se apropriam do

    aporte metodolgico da Diplomtica para o tratamento temtico da informao na

    identificao de conceitos. Partindo da, estudos resgatados por Guimares (1994;1998)

    foram desenvolvidos com intuito de analisar a interao dos elementos da anlise diplomtica na Anlise documentria enquanto instrumento de identificao de

    contedo, auxiliando, possivelmente, em uma fundamentao mais consistente quanto

    compreenso e comunicao dos dados documentais (Guimares; Moraes; Nascimento, 2005).

  • 33

    Com isso, observa-se, igual importncia aplicabilidade do mtodo diplomtico para a

    anlise documental na Biblioteconomia, ao oferecer parmetros mais consistentes de

    produo documental, significando um avano cientfico (terico e aplicado) rea. (Guimares; Moraes; Nascimento, 2005).

    CONCLUSO

    A Diplomtica durante quatro sculos passou por vrias transformaes, mas a maior

    dela com certeza seu objeto. No final do sculo XX o objeto da Diplomtica

    confunde-se com o objeto de outra disciplina, a Arquivstica, nascida a partir da

    primeira, e o documento arquivstico comea a ser visto tambm como objeto da

    Diplomtica.

    A apropriao da Arquivstica pela Diplomtica e o uso da crtica diplomtica para a

    compreenso dos documentos gerados nos dias de hoje dar origem chamada

    Diplomtica Contempornea, que encontra na Amrica do Norte, mais precisamente nos

    estudos de Luciana Duranti, um lcus investigativo privilegiado.

    A autora, a partir de estudos realizados em documentos medievais, prova que qualquer

    documento, inclusive os eletrnicos, pode ser repartido em suas partes e analisado

    separadamente, de forma a identificar os elementos necessrios para a compreenso dos

    conjuntos documentais.

    Com isso, ao publicar Diplomatics: new uses for an old science e idealizar o Projeto

    InterPARES, a autora pode ser considerada um marco terico na rea, pois coloca a

    Diplomtica - ora com vistas para a espcie documental - em contato com vrias

    disciplinas, entre elas com a Arquivstica. Nesse sentido, observa-se que a Diplomtica

    fornece, Arquivstica, uma base terico-metodolgica que lhe permite, em nossos dias,

    fazer frente s demandas decorrentes dos universos de tratamento documental em que

    novos contextos de produo, novos suportes, novos formatos, novas estruturas e novos

    usos caracterizam a realidade informacional do cidado.

    Indo alm, pode-se dizer que ao mtodo diplomtico, ao centrar sua nfase na estrutura

    documental como evidncia de sua funo, mas sem se esquecer dos distintos usos a

    que pode servir, confere parmetros de cientificidade no apenas ao fazer arquivstico

    no que tange identificao documental, mas, de mesma forma, ao fazer bibliotecrio,

    como subsdio anlise documental de contedo.

    Adentrando no universo de organizao de um conhecimento produzido (registrado e

    socializado) para que o mesmo possa transformar-se em informao que, por sua vez,

    subsidie a construo de um novo conhecimento, observa-se que a Diplomtica ocupa,

    ao lado de disciplinas como a Lingstica, a Lgica, a Terminologia e a Psicologia

  • 34

    Cognitiva, um espao interdisciplinar em cujo mbito a organizao do conhecimento

    pode construir suas bases metodolgicas de ao.

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