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T EXTOS CLÁSSICOS ...............

Diálogo Rogers e Buber [Tradução]

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  • Carl Rogers e Martin Buber, 1959 (Carl Rogers Dialogues)

    233 Revista da Abordagem Gestltica XIV(2): 233-243, jul-dez, 2008

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    carL roGerS diaLoGueS1

    Dilogo entre Carl Rogers e Martin Buber2

    (1957)

    introduo: Martin buber3

    Martin Buber nasceu em Viena, em 1878. Desde os trs anos de idade, quando seus pais se divorciaram, morou com seu av, um rico homem de negcios, erudito res-peitado e lder na comunidade judaica. Buber foi forma-do na tradio da racionalidade, crtica lgica e pesquisa histrica da Europa Ocidental. Em contraste, durante os veres na Europa Oriental, foi profundamente tocado pela tradio Hassdica judaica, que enfatiza a relao direta, mstica, espontnea e jubilosa do homem com Deus.

    Depois de estudar filosofia e histria da arte nas Universidades de Viena (PhD, 1904), Berlin, Leipzig e Zurich, lecionou filosofia e religio em vrios institutos e universidades. Entre 1923 e 1933, foi professor de teo-logia Judaica (a nica cadeira do gnero em uma univer-sidade alem), histria da religio e tica na Universidade de Frankfurt. Quando os alunos judeus foram excludos das universidades alems em 1933, tornou-se diretor do Departamento Central para a Educao de Adultos Judeus. Casou-se com Paula Winkler, que depois veio a se tornar uma romancista respeitada.

    No comeo do sculo, Buber se tornou o principal in-trprete do Hassidismo e do misticismo judaico (e.g., Os Contos do Rabino Nachman, 1906, traduzido4 em 1956; A Lenda do Baal-Shem, 1908, traduzido em 1955), explican-do a vitalidade da tradio mstica judaica e escrevendo suas prprias verses de centenas de contos e parbolas

    1 Nossos mais sinceros agradecimentos aos editores Howard Kirs-chenbaum e Valerie Land Henderson, bem como a Natalie Rogers, pela gentileza de autorizar a traduo do presente dilogo (Nota do Editor)

    2 Originalmente publicado em Carl Rogers: Dialogues, Edited by Howard Kirschenbaum & Valerie Land Henderson, Houghton Mif-flin Company, Boston, 1989 (pp. 41-63). Algumas partes do dilogo, que permaneciam obscuras ou necessitavam de complemento, foram completadas a partir de consultas a duas outras verses do mesmo texto, a saber: o Apndice ao livro de Martin Buber, The Knowledge of Man (London: Allen & Unwin), publicado em 1965; e o livro The Martin Buber-Carl Rogers Dialogue. A New Transcript with Com-mentary, editado por Rob Anserson & Kenneth Cissna, e publicado em 1997 pela State University of New York Press (Nota do Editor).

    3 Introduo dos editores na publicao original (Nota de Tradu-o).

    4 Aqui se trata das tradues para o ingls (Nota de Traduo).

    hassdicas. Movendo-se gradualmente para alm do mis-ticismo, mas certamente influenciado pelo Hassidismo, Buber desenvolveu uma filosofia centrada no encontro entre a pessoa, o Eu, e Deus, o Tu. Deus como Tu, no tem fronteiras e inclui tudo. Um verdadeiro encon-tro entre pessoas ou entre uma pessoa e a arte tambm pode ser uma relao Eu-Tu, pois a outra pessoa ou a arte experienciada sem rtulos ou limites e , consequente-mente, conectada a tudo, a Deus. Relaes Eu-Isso, por outro lado, so mais tpicas do viver cotidiano, com a ou-tra pessoa ou meio/agente/veculo transmissor percebido como objeto, como separado.

    A principal tese de Buber era que a vida encontro. Ele descreveu um incidente trgico no qual um jovem per-turbado veio procurar seu conselho. Buber estava preocu-pado e falou com ele, mas no o encontrou realmente. O jovem foi embora e cometeu suicdio. A salvao, para Buber, no poderia ser encontrada na glorificao do in-divduo ou do coletivo, mas na relao. Ele via a nica esperana para o futuro no dilogo aberto, no num desmascarar do adversrio.

    Sua desconcertante produo literria incluiu mais de sessenta volumes em teologia, histria judaica, filosofia, religio comparada, arte e educao, incluindo Daniel (1913), Ich und Du (1923; I and Thou, 1937), The Kingship of God (1932), For the Sake of Heaven (um romance, 1945), e The Prophetic Faith (1950). Em 1925, juntamente com Franz Rosenzweig, iniciou uma nova traduo da Bblia para o alemo, que foi concluda em 1962.

    A partir de 1899, Buber era tambm um sionista de destaque, atuando como editor cultural para o jornal sio-nista Die Welt, e como fundador e editor, por dez anos, do Der Jude, um dos principais peridicos para comunidade judaica de lngua alem, no qual ele procurou clarificar o destino espiritual do povo judeu na Europa e na Palestina. Em 1926, Der Jude foi ampliado para Die Kreatur, que era coeditado por um catlico alemo e um protestante.

    Forado a fugir da Alemanha em 1938, emigrou para Israel, onde se tornou professor de Filosofia Social na Universidade Hebraica de Jerusalm. Alm de seus escri-tos e docncia em religio e filosofia social, Buber dirigiu o Instituto para Educao de Adultos (de 1949 a 1953),

    textoS cLSSicoS

  • Carl Rogers e Martin Buber

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    que lidava com a assimilao cultural da vasta onda de imigrantes judeus nos quatro anos subsequentes inde-pendncia de Israel. Seu sionismo, assim como ele pro-punha h meio sculo, inclua a forte defesa dos direitos civis e religiosos dos palestinos.

    Depois da sua aposentadoria, em 1951, Buber viajou muito, incluindo vrias viagens aos Estados Unidos, onde proferiu palestras em muitas das principais escolas teol-gicas e universidades. Apesar de Israel ter demorado em apreci-lo, nos anos cinquenta, seu trabalho atingiu reco-nhecimento internacional. Na Alemanha, recebeu muitos prmios importantes e homenagens. Reinhold Niebuhr se referiu a ele como o maior filsofo judeu vivo. Outros comentaristas apontaram que ele influenciou profunda-mente o pensamento contemporneo, incluindo a teologia Crist, e que a sua relevncia para o trabalho de quase todos os autores importantes do sculo... indiscutvel. Commonweal5 escreveu que Buber tinha uma imensa in-fluncia em pensadores de todas as crenas, incluindo... Paul Tillich. Hermann Hesse disse que Buber era uma das principais e mais valiosas personalidades da litera-tura mundial contempornea. Yale Review disse que seu pensamento entrou como um ingrediente vital na nova teologia Crist, e tambm em boa parte das mais signifi-cativas filosofias sociais do nosso tempo.

    Descrito como um pequeno homem com uma cabe-a enorme e uma barba branca flutuante, que lembra um profeta de tempos antigos, Buber foi eventualmente re-conhecido como um vidente e um sbio, por seus com-patriotas. Os israelenses prantearam seu falecimento em 13 de junho de 1965, aos oitenta e sete anos. Em home-nagem ao homem que lutou consistentemente por seus direitos, os estudantes rabes da Universidade Hebraica depositaram uma coroa em seu esquife quando das cele-braes fnebres.

    O dilogo de Martin Buber com Carl Rogers aconte-ceu em Ann Arbor, Michigan, em 18 de abril de 1957, em uma conferncia sobre o trabalho de Buber, organizada pela Universidade de Michigan. O dilogo moderado por Maurice Friedman, um proeminente filsofo americano.

    dilogo entre carl rogers e Martin buber6

    REV. DEWITT BALDWIN: Esta ser uma oportunidade fora do comum uma sesso onde poderemos desfrutar de uma hora quando voc pode pensar juntamente com dois homens que querem compreender melhor suas prprias idias. Eu s quero apresentar uma pessoa e deix-lo fa-lar pelos outros. O seu moderador o professor Maurice S. Friedman, professor de filosofia no Sarah Lawrence

    5 Peridico sobre religio, poltica e cultura editado por Catlicos leigos (Nota da Traduo).

    6 Foram retiradas todas as expresses e onomatopias que, apesar de constarem no dilogo transcrito, no correspondem ao texto corrido. Desta feita, procuramos manter o dilogo na forma mais concreta e fluida possvel (Nota do Editor).

    College, em Bronxville, New York. Professor Friedman um dos melhores intrpretes americanos de Martin Buber. Ele fez sua graduao em Harvard, sua ps-graduao na Ohio State e na Universidade de Chicago, onde completou seu doutorado. Ele mais conhecido em relao a Martin Buber por seu livro Martin Buber, the Life of Dialogue7. E, ento, Maurice, eu passo a voc a palavra, e sei que voc ir se divertir.

    MAURICE FRIEDMAN: Obrigado, DeWitt Baldwin. Eu tenho muito prazer em fazer esta moderao porque eu poderia dizer que talvez tenha iniciado o dilogo entre o Professor Buber e o Professor Rogers alguns anos atrs, quando algum apontou para mim as semelhanas entre o pensamento dos dois. Eu escrevi ao professor Rogers, que gentilmente me forneceu alguns de seus trabalhos, e nos correspondemos por algum tempo. Ento, eu mandei esse material ao professor Buber, incluindo alguns artigos do Dr. Rogers, e consequentemente, eu fiquei realmente muito feliz quando surgiu a idia dos dois falarem em di-logo aqui. Acredito que este um encontro da maior sig-nificncia, no somente em termos de psicoterapia, mas pelo fato de que esses dois homens ganharam a nossa ad-mirao como pessoas, com uma abordagem para as rela-es pessoais e para um tornar-se pessoa. Existem tantas similaridades notveis entre o pensamento dos dois que tremendamente fascinante ter o privilgio de ouvi-los falar, um com o outro, e ver quais questes podem surgir. Meu papel como moderador apenas, se a ocasio surgir, estimular estas questes ou interpretar de uma ou de outra forma. No creio que vocs precisem que qualquer apre-sentao do Professor Buber, posto que a conferncia est centrada nele. E estou certo de que vocs no precisam de uma apresentao do Dr. Rogers, tambm. Ele, cla-ro, famoso h muitos anos como fundador do que ficou conhecido como terapia no-diretiva, hoje em dia rebati-zada terapia centrada no cliente; e diretor do Centro de Aconselhamento da Universidade de Chicago, onde tem estabelecido relaes muito frutferas com o corpo docente da teologia e dos cursos de personalidade e religio de l. A forma deste dilogo ser que Dr. Rogers levantar ques-tes para o Dr. Buber, e Dr. Buber responder, talvez com uma pergunta, talvez com uma afirmao. Eu os deixarei tomar a frente a partir daqui, Dr. Rogers.

    CARL ROGERS: Uma coisa que eu gostaria de dizer audincia antes de comear a falar com o Dr. Buber que este , muito certamente, um dilogo no ensaiado. As condies climticas fizeram com que eu levasse o dia inteiro para chegar aqui e, ento, foi somente h uma ou duas horas atrs que me encontrei com Dr. Buber, ape-sar de j t-lo encontrado, muito tempo antes, em seus escritos.

    Penso que a primeira pergunta que eu gostaria de fa-zer, Dr. Buber, pode soar um pouco impertinente, mas eu gostaria de explic-la e, ento, talvez, no parecer im-pertinente. Tenho me perguntado como voc tem vivido

    7 Ainda indito no Brasil (Nota do Editor).

  • Carl Rogers e Martin Buber, 1959 (Carl Rogers Dialogues)

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    to profundamente nas relaes interpessoais e ganhado tal compreenso do indivduo humano sem ser um psi-coterapeuta? [Buber ri]. A razo pela qual eu pergunto que me parece que muitos de ns vimos a sentir e expe-rienciar alguns dos mesmos tipos de aprendizagens que voc expressou em seus escritos, mas, muito frequente-mente, ns chegamos a essas aprendizagens atravs de nossa experincia em psicoterapia. Penso que h algo so-bre a relao teraputica que nos d a permisso, quase a permisso formal, de entrar em um profundo e prxi-mo relacionamento com uma pessoa e, ento, tendemos a aprender muito profundamente dessa forma. Penso em um psiquiatra amigo meu que diz que ele nunca se sente to inteiro ou to pessoa, quanto em suas entrevistas te-raputicas. E eu compartilho desse sentimento. E assim, se no for muito pessoal, eu estaria interessado em ouvir quais foram os canais de conhecimento que possibilita-ram que voc aprendesse to profundamente sobre pes-soas e relacionamentos?

    MARTIN BUBER: Hmmmm. Esta uma questo bas-tante biogrfica. Acho que devo dar, ao invs de uma, duas respostas. Uma que eu no sou um completo estranho em, digamos, psiquiatria, porque quando eu era um estu-dante, muito tempo atrs, eu estudei trs perodos de psi-quiatria e o que eles chamam na Alemanha Psychiatrische-Klinique. Eu estava muito interessado nesse ltimo.

    Veja, eu no estudei psiquiatria para me tornar um psicoterapeuta. Eu estudei trs perodos, primeiro com Flechsig8 em Leipzig, onde estavam os alunos de Wundt9. Mais tarde, em Berlim, com Mendel, e um terceiro per-odo com Bleuler, que foi o mais interessante dos trs. Na poca, eu era muito jovem, inexperiente e um rapaz no muito compreensivo. Mas tinha a sensao que queria sa-ber sobre o homem, e o homem no chamado estado pato-lgico. Mesmo ento, eu duvidava que esse fosse o termo correto. Queria ver e, se possvel, encontrar essas pessoas e, desde que posso me lembrar, estabelecer relaes, uma relao real entre o que chamamos o homem so e o que chamamos o homem patolgico. E isso eu aprendi, em alguma medida, na proporo em que um garoto de seus vinte anos pode aprender coisas como essas [Risadas].

    Sobre o que, principalmente, constituiu o que voc pergunta, foi algo diferente. Foi s uma certa inclinao para encontrar pessoas. E, tanto quanto possvel, sim-plesmente modificar algo no outro, mas tambm, permitir que eu seja modificado por ele. Em qualquer evento, eu

    8 Na verso original, h apenas um trao no lugar do nome de Flechsig, indicando que a palavra estava ininteligvel. Em outras transcries, contudo, h referncia ao nome de Flechsig, indicado em outra trans-crio por Friedman (consoante Rob Anderson & Kenneth Cissna, em The Martin Buber-Carl Rogers Dialogue. A New Transcript with Commentary, New York: State University of New York Press, 1997) (Nota da Traduo).

    9 No fica perfeitamente claro se Buber se refere apenas aos alunos de Wundt ou a Wundt em si mesmo. Em outras transcries h indicati-vos que Buber participou de exerccios de laboratrio com o prprio Wundt (Ver G. Schaeder, The Hebrew Humanism of Martin Buber, Detroit: Wayne State University Press, 1973) (Nota da Traduo).

    no tinha resistncia... no colocava nenhuma resistn-cia. Comecei como um jovem. Sentia que eu no tinha o direito de querer modificar o outro, se eu no estivesse aberto a ser modificado por ele, tanto quanto fosse leg-timo. Algo deve ser mudado, e o seu toque, seu conceito capaz de mud-lo mais ou menos. Eu no posso estar, por assim dizer, acima dele e dizer, No! Eu estou fora do jogo. Voc louco. E assim, a partir do meu deixe-me ver houve duas fases em relao a isso. A primeira fase foi at o ano de 1819 [1918]10, ou seja, at quando eu tinha perto de quarenta anos. E ento, em 1819, senti algo bastante estranho. Senti que tinha sido fortemente influenciado por algo que havia acabado naquele momen-to, ou seja, a Primeira Guerra Mundial.

    ROGERS: Em 1918?BUBER: M-hmmmm. Ela acabou naquele momento

    e, no decorrer da guerra, eu no havia sentido muito da sua influncia. Mas, ao fim eu senti: Oh, fui terrivel-mente influenciado, porque no podia resistir ao que estava acontecendo, e eu estava compelido a, poderia dizer, viv-lo. Voc entende? Coisas que estavam acon-tecendo naquele exato momento. Voc pode chamar isso de imaginar o real. Imaginar o que estava acontecendo. Este imaginar, por quatro anos, me influenciou terrivel-mente. Justamente quando acabou, acabou atravs de um certo episdio, em maio de 1919, quando um amigo meu, um grande amigo, um grande homem, foi morto pe-los soldados antirrevolucionrios, de uma forma muito brbara, e eu agora, mais uma vez e essa foi a ltima vez fui compelido a imaginar esse assassinato, mas, no somente de forma ptica, mas, eu poderia dizer, jus-tamente com o meu corpo. E este foi o momento decisi-vo, depois do qual, depois de alguns dias e noites nesse estado, eu senti: Oh, algo foi feito a mim. E, a partir de ento, esses encontros com as pessoas, particularmente com as pessoas jovens, foram, tornaram-se, um tanto di-ferentes na forma. Eu tive uma experincia decisiva, ex-perincia de quatro anos, muitas experincias concretas e, a partir daquele momento, eu tinha que dar algo alm da minha simples inclinao para trocar pensamentos e sentimentos, e por a afora. Eu tinha que dar o fruto de uma experincia.

    ROGERS: M-hmmmm. Parece que voc est dizendo que o conhecimento, talvez, ou parte dele, veio quando voc tinha seus vinte anos, mas, ento, parte da sabedoria que voc tem sobre as relaes interpessoais veio de que-rer encontrar pessoas abertamente, sem querer dominar. E ento eu vejo esta resposta se desdobrando em trs e, ento, em terceiro lugar, vem de realmente vivenciar a guerra mundial, mas vivenciando-a em seus prprios sentimentos e imaginao.

    BUBER: Exatamente. Porque este ltimo foi realmente, eu no posso express-lo em nenhuma outra linguagem,

    10 Nesse ponto Buber se confunde com as datas. Entre colchetes o ano correspondente sua colocao de que tinha quarenta anos. Em seguida, Rogers o corrige (Nota da Traduo).

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    foi realmente um vivenciar com aquelas pessoas. Pessoas feridas, mortas na guerra.

    ROGERS: Voc sentiu seus ferimentos.BUBER: Sim. Mas sentimento no uma palavra su-

    ficientemente forte a palavra sentimento.ROGERS: Vou fazer uma sugesto, mesmo que nos in-

    terrompa um pouco. Eu no consigo ficar de frente para o microfone e ficar de frente para voc ao mesmo tempo. Voc se incomodaria se eu virasse a mesa s um pouco? (Move a mesa).

    BUBER: Assim est bem?ROGERS: Parece melhor para mim.FRIEDMAN: Enquanto ele est mudando, eu quero

    admitir que a questo do Professor Rogers me lembrou de um aluno de teologia de um seminrio Batista que falou comigo a respeito do pensamento do Professor Buber e, quando ele estava saindo, disse; eu tenho que fazer uma pergunta. Professor Buber to bom. Como que ele no cristo? [Risos].

    BUBER: Agora, eu posso contar-lhe uma histria, no sobre mim, mas uma histria que verdadeira, no so-mente uma anedota. Um oficial cristo teve que explicar a algumas pessoas na guerra, na Segunda Guerra, expli-car a eles soldados sobre os judeus. Ele comeou, claro, com a explicao do que Hitler significava, e assim por diante, e ele explicou a eles que os judeus no so simplesmente uma raa brbara, que eles tinham uma grande cultura e, assim por diante, e ento ele se dirigiu a um soldado judeu que estava ali, que sabia um pouco, e lhe disse: agora, voc v em frente e conte a eles algu-mas coisas. E esse jovem judeu contou-lhes sobre Israel e mesmo sobre Jesus. E, a isso, um dos soldados respon-deu, Voc quer nos dizer que perante o seu Jesus, ns no temos sido um povo cristo? [Risos].

    ROGERS: Bem, eu gostaria de passar a uma questo sobre a qual tenho pensado frequentemente. Eu tenho me perguntado se seu conceito, que voc denominou relao Eu-Tu, similar com o que eu vejo como momentos efe-tivos na relao teraputica? E, eu gostaria, se voc me permitir, tomar um momento ou dois, para colocar o que eu vejo de essencial nisso e, ento, voc poderia tecer al-guns comentrios a partir do seu ponto de vista.

    Eu sinto que quando estou sendo efetivo como tera-peuta, eu entro na relao como uma pessoa subjetiva, no como um escrutinador, no como um cientista. Eu sinto tambm, que quando sou mais efetivo, ento de al-guma forma, estou relativamente inteiro naquela relao, ou a palavra que tem sentido para mim transparente. Certamente, existem muitos aspectos da minha vida que no so trazidos para a relao, mas o que trazido para a relao transparente. No h nada escondido. E eu pen-so, tambm, que em uma relao como essa, sinto uma disposio real para que essa outra pessoa seja o que ela . Chamo a isso de aceitao. No sei se essa uma boa palavra para isso, mas meu sentido aqui que estou dis-ponvel para que ele possua os sentimentos que ele pos-

    sui, que tenha as atitudes que tem, que seja a pessoa que . E, ento, outro aspecto que importante para mim que penso que nesses momentos sou capaz de perceber com bastante clareza como sua experincia lhe parece, realmente visualizando-a a partir de dentro dele e, ainda assim, sem perder contato com minha prpria pessoali-dade ou separao no processo. Ento, se alm daque-las coisas da minha parte, meu cliente ou a pessoa com quem estou trabalhando capaz de perceber um pouco daquelas atitudes em mim, ento, me parece que existe um real e experiencial encontro de pessoas, no qual cada um de ns modificado. Penso que, s vezes, o cliente modificado mais do que eu, mas penso que somos am-bos modificados numa experincia desse tipo. Agora, vejo isso como tendo alguma semelhana com o tipo de coisa sobre o que voc falou na relao Eu-Tu. Contudo, sus-peito que h diferenas. Eu estaria muito interessado em seus comentrios sobre como essa descrio lhe parece em relao ao que pensou em termos de duas pessoas se encontrando em uma relao Eu-Tu.

    BUBER: Agora, eu poderia tentar fazer algumas pergun-tas, tambm, sobre o que voc quis dizer. Primeiramente, eu gostaria de dizer, essa a ao de um terapeuta. Esse um exemplo muito bom de certo momento de existncia dialgica. Quero dizer, duas pessoas tm certa situao em comum. Essa situao , do seu ponto de vista ponto no uma boa palavra, mas vamos ver isso do seu ponto de vista um homem doente vindo v-lo e pedindo um tipo especial de ajuda. Agora (...) o que voc v?

    ROGERS: Posso interromper aqui? BUBER: Sim, por favor. ROGERS: Sinto que se, do meu ponto de vista, esta for

    uma pessoa doente, ento, eu no o ajudarei tanto quan-to eu poderia. Sinto que essa uma pessoa. Sim, outros podem cham-lo de doente, ou se eu olhar para ele de um ponto de vista objetivo, ento eu poderia concordar, tambm, Sim, ele est doente. Mas ao entrar em uma relao, me parece que, se estou olhando para isso como eu sou uma pessoa relativamente bem e esta uma pes-soa doente...

    BUBER: O que eu no quis dizer.ROGERS:... e no servir de nada. BUBER: Eu no quis dizer... Permita-me deixar a pala-

    vra doente de fora disso. Uma pessoa vem at voc para ser ajudada. A diferena, a diferena essencial entre seu papel nessa situao e o dele bvia. Ele vem para ser ajudado por voc. Voc no vem pedir ajuda a ele. E no s isso, mas voc capaz, mais ou menos, de ajud-lo. Ele pode fazer diferentes coisas a voc, mas no ajud-lo. E no s isso. Voc o v, realmente. No quero dizer que voc no possa se enganar, mas voc o v, exatamente como voc disse, como ele . Ele no pode, nem de longe, no pode ver voc. No somente em grau, mas no tipo de olhar. Voc , claro, uma pessoa muito importante para ele. Mas no uma pessoa que ele quer ver e conhecer e seja capaz disso. Voc importante para ele. Voc ... ele

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    est, desde o momento em que vem at voc, ele est, eu poderia dizer, enredado na sua vida, nos seus pensamen-tos, no seu ser, na sua comunicao, e por a afora. Mas ele no est interessado em voc como voc. No pode ser. Voc est interessado nele, voc afirma isso e est correto, nele como essa pessoa. Este tipo de presena destacada ele no pode ter e dar. Esse o primeiro ponto, at onde eu posso ver. E o segundo agora, por favor...

    ROGERS: Uh, sim, eu no estou inteiramente seguro...

    BUBER: Voc pode me interromper a qualquer momento.

    ROGERS: Ok, eu realmente quero entender isso. O fato de que sou capaz de v-lo com menos distoro do que ele pode me ver e que eu tenho o papel de ajud-lo e que ele no est tentando me conhecer neste mesmo sentido isso, o que voc quer dizer por presena destacada?

    BUBER: Sim, h-mmm.ROGERS: Eu apenas gostaria de ter certeza que eu...BUBER: H-hmmm. Hmmm. ROGERS: OK. BUBER: Sim, sim, apenas isso.ROGERS: Uh uhm.BUBER: Agora, o segundo fato, at onde eu posso ver,

    est na situao que voc tem em comum com ele, mas de dois lados. Voc est de um lado da situao, no lado, eu poderia dizer, mais ou menos ativo, e ele no mais ou menos paciente, no inteiramente ativo, nem inteiramen-te passivo, claro, mas relativamente. E essa situao vamos agora olhar para essa situao comum, do seu ponto de vista e do ponto de vista dele. A mesma situa-o. Voc pode v-la, senti-la, experienci-la, a partir dos dois lados. A partir do seu lado, vendo-o, observando-o, conhecendo-o, ajudando-o... e a partir do lado dele. Voc pode experienciar, eu arriscaria dizer, corporalmente, o lado dele da situao. Quando voc faz, por assim dizer, algo a ele, voc se sente tocado pelo que fez a ele. Ele no consegue faz-lo de maneira nenhuma. Voc est do seu lado e do lado dele, ao mesmo tempo. Aqui e l, ou, me-lhor dizermos, l e aqui. Onde ele est e onde voc est. Ele no pode estar a no ser onde ele est. E isso, voc tem a inteno de fazer, no s tem a inteno de fazer, voc quer. Sua necessidade interna pode estar como ela . Eu aceito isso. No tenho objeo alguma. Mas a situ-ao tem uma objeo. Voc tem, necessariamente, ou-tra atitude para com a situao que ele. Voc capaz de fazer algo que ele no . Vocs no so iguais e no po-dem ser. Voc tem a grande tarefa, autoimposta a gran-de tarefa autoimposta de suplementar essa necessidade dele e fazer bem mais do que na situao normal. Mas, claro, existem limites, e eu posso tomar a liberdade de dizer-lhe que certamente na sua experincia como tera-peuta, como um curador ou ajudante da cura voc deve t-los experienciado com frequncia os limites da sim-ples humanidade. Simples humanidade significando: Ser, eu e meu parceiro estarmos, por assim dizer, simila-

    res um ao outro, no mesmo plano. Eu vejo que voc tem a inteno de estar no mesmo plano, mas voc no pode. No h s voc, o seu modo de pensar, o seu modo de fa-zer, h tambm uma certa situao somos isso ou aqui-lo o que pode, s vezes, ser trgico, at mais terrvel do que aquilo que chamamos trgico. Voc no pode mudar isso. Humanidade, vontade humana, compreenso huma-na, no so tudo. H tambm a realidade nos confrontan-do. No podemos esquecer isso por nem um momento...

    ROGERS: Bem o que voc disse certamente provoca muitas reaes em mim. Uma dela, penso, seja essa. Deixe-me comear, primeiro, por um ponto que penso que con-cordaramos... Suspeito que voc concordaria que se esse cliente chega a um ponto onde ele pode experienciar o que ele est expressando, mas tambm pode experienciar minha compreenso e minha reao, e por a afora, ento, realmente a terapia j est praticamente finalizada.

    BUBER: Sim. Isso justamente o que eu quis dizer. ROGERS: OK. Mas outra coisa que sinto o seguinte.

    s vezes, me questionei se isso simplesmente uma idios-sincrasia pessoal minha, mas me parece que quando uma outra pessoa est realmente se expressando e expressando sua experincia, etc., eu no sinto, da forma como voc descreveu, diferente dele. Ou seja, no sei exatamente como colocar isso, mas sinto como se, naquele momen-to, a maneira dele olhar para a sua experincia, por mais distorcida que seja, algo para o qual posso olhar como tendo a mesma autoridade, a mesma validade que a forma como vejo a vida e a experiencio. Parece-me que esta, realmente, a base para a ajuda, em certo sentido.

    BUBER: Sim.ROGERS: E sinto que h um verdadeiro sentido de

    entre ns. BUBER: Sem dvida. Mas no estou falando agora do

    seu sentimento, mas de uma situao real. Quero dizer, vocs dois, como voc acabou de dizer, a experincia dele. Nem voc nem ele olham para a sua experincia. O as-sunto exclusivamente ele e a experincia dele. Ele no pode, no curso de, digamos, uma conversa com voc, ele no pode mudar a posio dele e perguntar a voc, Oh, doutor, onde voc foi ontem? Oh, voc foi ao cinema? Qual foi o filme e como ele impressionou voc? Ele no pode faz-lo. Ento, eu vejo e sinto muito bem o seu sen-timento, sua atitude, sua participao. Mas voc no pode mudar uma situao dada. Existe algo objetivamente real que confronta voc. No somente ele, a pessoa, confronta voc, mas tambm a situao. Voc no pode mud-la.

    ROGERS: Bem agora, agora eu estou me perguntan-do, quem Martin Buber, voc ou eu, porque o que eu sinto...

    BUBER: Heh, heh, heh [Risos da audincia].ROGERS: Porque...BUBER: Eu no, eu no sou, por assim dizer, Martin

    Buber como, como voc diz, com aspas...ROGERS: Nesse sentido, eu tambm no sou Carl

    Rogers (Risos).

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    BUBER: Veja, no sou um homem citado que pensa isso, isso e aquilo.

    ROGERS: Eu sei.BUBER: Estamos apenas falando a respeito de algo que

    nos interessa, talvez, na mesma medida. Voc est em um outro tipo, voc est sempre, eh, eh, em contato com, em contato prtico com...11

    ROGERS: Eu sei. Eu compreendo isso. Brincadeiras a parte, o que eu queria dizer o seguinte. Que eu acho que voc est bastante certo, que existe uma situao ob-jetiva ali, uma situao que pode ser medida, que real, sobre a qual vrias pessoas poderiam concordar se a exa-minassem de perto. Mas, tem sido a minha experincia que essa a realidade quando ela vista a partir de fora, e que ela no tem nada a ver com a relao que produz terapia. Esta algo de imediato, igual, um encontro de duas pessoas em bases iguais apesar de, no mundo do Eu-Isso, poder ser vista como uma relao desigual.

    BUBER: Agora, Dr. Rogers, este o primeiro ponto onde ns devemos dizer um ao outro, ns discordamos.

    ROGERS: Ok [Sorrisos].BUBER: Veja, voc no pode olhar s para voc, para

    sua parte nas coisas, para a sua experincia [Rogers: Uh hum]. Vamos pegar o caso onde eu pudesse falar com ele, com o paciente, tambm. Iria, claro, ouvir dele uma his-tria muito diferente sobre esse mesmo momento [Rogers: Sim]. Agora, veja, no sou um terapeuta. Estou interessado em voc e nele [Rogers: Uh hun]. Tenho que ver a situa-o. Tenho que ver voc e ele nesse dilogo marcado pela tragdia. s vezes, em muitos casos, a tragdia pode ser superada. Somente no seu mtodo. No tenho objeo al-guma ao seu mtodo, compreende? No h necessidade de falar a respeito [Rogers: Uh hun]. Mas, s vezes, o mtodo no suficiente, e no pode ser feito o que digamos necessrio que seja feito. Agora, deixe-me fazer-lhe uma pergunta que aparentemente no tem nada a ver com isso [Rogers: Uh hun], mas o mesmo ponto. Voc certamente deve lidar bastante com esquizofrnicos. Verdade?

    ROGERS: Um pouco. Uhm huh.BUBER: E voc tambm deve lidar, digamos, com

    paranicos?ROGERS: Um pouco.BUBER: Agora, voc diria que a situao a mesma,

    em um caso e em outro? Quero dizer, a situao, na me-dida em que tem a ver com a relao entre voc e o outro homem. Essa relao que voc descreve o mesmo tipo de relao em um caso e em outro? Voc poderia falar, eh esse um caso, heh, uma questo que me interessa mui-to [Rogers: Uh hun], porque eu me interessei muito pela parania na minha juventude. Eu sei muito mais sobre esquizofrenia [Rogers: Uh hun], mas frequentemente me

    11 Neste momento h omisso de partes do dilogo na transcrio (Nota do Editor). Podemos acompanhar esse dado em Rob Anderson & Kenneth Cissna (1997) (Eds.). The Martin Buber-Carl Rogers Dia-logue. A New Transcript with Commentary. Albany: State University of New York Press.

    interesso muito e gostaria de saber, voc isso significa-ria muito voc pode encontrar o paranico exatamente da mesma forma?

    ROGERS: Deixe-me primeiro qualificar minha respos-ta at certo ponto. No trabalhei em um hospital psiqui-trico. Tenho lidado com pessoas que, em sua maioria, so capazes de algum tipo de ajustamento na comunida-de, assim, eu no atendo pessoas realmente cronicamen-te doentes...

    BUBER: Oh, percebo.ROGERS: Por outro lado, ns lidamos com indivdu-

    os que so esquizofrnicos e outros que so certamente paranicos. Uma das coisas que falo muito, com muito cuidado, porque entendo que isso encontra oposio de peso na opinio psiquitrica e psicolgica, eu diria que no h diferena na relao que formo [Buber: Hmm] com uma pessoa normal, um esquizofrnico e um paranico [Buber: Hmm] eu realmente no sinto nenhuma diferena [Buber: Hmm]. Isso no significa, claro, que quando... Bem, novamente essa uma questo de olhar a partir de fora. Olhando a partir de fora, algum pode facilmente discernir vrias diferenas.

    BUBER: No, no, eu no quero dizer...ROGERS: Eu tambm no... Mas me parece que se a

    terapia efetiva, existe o mesmo tipo de encontro de pes-soas, no importa qual seja o rtulo psiquitrico. E, e, um pequeno ponto em relao a algo que voc disse que me tocou. Parece-me que o momento onde as pessoas tm maior probabilidade de mudar, ou at penso neles como momentos em que as pessoas de fato mudam, so os mo-mentos nos quais, talvez, os relacionamentos so expe-rienciados da mesma forma dos dois lados. Quando voc disse que se falasse com meu paciente [Buber: Uh] voc teria um quadro muito diferente, eu concordo isso se-ria verdade em relao grande maioria das coisas que acontecem na entrevista. Mas, eu esperaria que naque-les momentos em que a mudana real ocorreu [Buber: Uh hun], que seria porque houve um encontro real de pessoas, no qual este foi experienciado da mesma forma dos dois lados.

    BUBER: Uh huh, sim. Isso realmente importante, eh...

    FRIEDMAN: Posso inserir uma questo aqui?BUBER: No. Voc poderia esperar um momento?

    [Friedman: Ok]. S quero explicar ao Dr. Rogers porque essa questo particularmente importante [Rogers: Uh hun] para mim e a sua resposta tambm. Um ponto muito importante no meu pensamento o problema dos limi-tes. Quero dizer, eu fao algo, tento alguma coisa, quero alguma coisa e dou todos os meus pensamentos na exis-tncia neste fazer. E ento, num certo momento, chego a um muro [Rogers: Hum], a uma fronteira, a um limite que no posso, no posso ignorar. Eh, isso verdade, tambm, pois o que me interessa mais do que tudo, o dilogo hu-mano efetivo. Dilogo pode ser silncio. Voc pode, ns poderamos, talvez, sem uma platia. Recomendaria faz-

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    lo sem uma platia. Eh, eh, ns poderamos nos sentar ou, de preferncia, caminhar juntos [Rogers: Uh hun] em silncio [Rogers: Uh hun] e isso poderia ser um dilogo. [Rogers: Uh hun] Mas assim, mesmo em dilogo, dilogo completo, h um limite determinado [Rogers: Uh hun]. por isso que estou interessado na parania. Aqui est um limite determinado para o dilogo. s vezes, muito difcil falar com um esquizofrnico. Ele, em alguns mo-mentos na medida da minha experincia com isso, cla-ro, como posso dizer, diletante? [Rogers: Uh hun] posso falar com um esquizofrnico na medida em que ele est disposto a me deixar entrar no mundo particular [Rogers: Uh hun] que s seu, e que, em geral, ele no quer que voc ou outras pessoas entrem. Mas ele permite que al-gumas pessoas entrem. E assim, ele pode me deixar en-trar tambm. Mas, no momento em que ele se fecha, no posso prosseguir. E, da mesma maneira, s que de uma maneira terrvel, terrivelmente forte, o caso de um pa-ranico. Ele no se abre e no se fecha. Ele fechado. H algo mais sendo feito a ele que o fecha. E o terror des-te destino que estou sentindo de forma to forte, porque no mundo do homem normal, h casos anlogos [Rogers: Uh hun], quando um homem so se comporta, no para com todos, mas para com algumas pessoas, exatamente desta forma, sendo fechado. E o problema se ele pode ser aberto, se ele pode abrir-se, e por a afora. E esse um problema para o humano em geral.

    ROGER: Sim, acho que vejo isso como...BUBER: Agora, o Dr. Friedman quer trazer algo...FRIEDMAN: Esse meu papel como moderador. No

    estou muito satisfeito sobre se, nessa troca logo antes do paranico-esquizofrnico, at que ponto uma questo, at que ponto pode ser um diferente uso dos termos, as-sim, deixe-me questionar o Dr. Rogers um pouco alm. Da maneira como eu compreendi, o que Buber disse foi que essa uma relao Eu-Tu, mas no totalmente rec-proca, no sentido de que ao mesmo tempo em que voc tem o encontro, voc o v a partir do ponto de vista dele, e ele no pode ver a partir do seu. E na sua respos-ta a isso, voc apontou repetidas vezes para o encontro que acontece e at para a mudana que pode ocorrer em ambos os lados. Mas, eu no o ouvi sugerir que ele no v a partir do seu ponto de vista, ou que seja completa-mente recproco, no sentido que ele tambm o est aju-dando. E eu me pergunto se essa no pode ser, talvez, exatamente a diferena, se no de palavra, de pontos de vista, onde voc estava pensando em como voc se sen-te em relao a ele, que ele uma pessoa como voc e que voc o respeita.

    BUBER: Permanece uma diferena decisiva. No uma questo de ter objees em ajudar o outro. uma questo de querer ajudar o outro. Ele um homem querendo ajudar o outro [Rogers: Sim]. E ele, toda a sua atitude essa ati-tude ativa, de ajuda. Isso [Rogers: Hhm], o que eu quero dizer que h, por todos os cus, mas eu preferiria dizer por todos os infernos, a diferena da sua atitude [Rogers:

    Uh hun]. Esse um homem no inferno [Rogers: Uh hun]. Um homem no inferno no pode pensar, nem pode ima-ginar ajudar o outro. Como ele poderia?

    ROGERS: Mas , aqui, aqui que algumas diferenas surgem. Porque me parece novamente que nos momen-tos mais reais da terapia no creio que essa inteno de ajudar seja algo mais que um substrato da minha parte, tambm. Em outras palavras, certamente no estaria fa-zendo esse trabalho se essa no fosse parte da minha in-teno. E quando atendo o cliente pela primeira vez, o que desejo ser capaz de fazer, ser capaz de ajud-lo. E, ainda assim, no intercmbio do momento, eu no penso que minha mente seja tomada pelo pensamento do agora eu quero ajudar voc. muito mais um quero compre-ender voc. Que pessoa voc, por trs dessa tela para-nica, ou por trs de toda essa confuso esquizofrnica, ou por trs de todas essas mscaras que voc usa na sua vida real [Buber: Huh, uh huh]. Quem voc?. E, eu no sinto que, que, me parece que um desejo de encon-trar a pessoa, no um agora quero ajudar. Parece-me que isso mais do que um: aprendi atravs da minha expe-rincia que quando ns podemos nos encontrar, ento a ajuda acontece, mas isso um subproduto.

    FRIEDMAN: Dr. Rogers, voc no concordaria, pen-saria, que isso no completamente recproco, no sen-tido que aquele homem no tem a mesma atitude para com voc: Eu quero entender voc. Que tipo de pessoa voc?.

    ROGERS: A nica modificao que fiz disso foi que, talvez, no momento em que a mudana real acontece, ento me pergunto se no recproco, no sentido que eu sou capaz de ver esse indivduo como ele naquele momento [Buber: Huh, huh] e ele realmente sente minha compreenso e minha aceitao. E, isso que penso ser recproco e, talvez, o que produz mudana.

    BUBER: Hmmm, Eu, claro, estou completamente de acordo com voc na medida da sua experincia. Eu no posso estar de acordo com voc, na medida em que te-nho que olhar para toda a situao, a sua experincia e a dele. Veja, voc d a ele algo para faz-lo igual a voc. Voc suplementa a necessidade dele na relao que ele estabelece com voc. Voc o coloca numa certa se posso dizer pessoalmente, a partir de uma certa plenitu-de, voc lhe d o que ele quer para ser capaz de estar, s por esse momento, por assim dizer, no mesmo plano que voc. Mas, mesmo isso muito uma tangente. uma tangente que pode no durar mais do que um momento. No uma situao, na medida em que a vejo, no uma situao de uma hora, uma situao de minutos. E es-ses minutos so tornados possveis por voc. No por ele, de forma alguma.

    ROGERS: Eu concordaria plenamente com esse final mas sinto uma divergncia real aqui, porque me parece que o que eu dou a ele a permisso para ser [Buber: Huh, uh huh]. O que no o que , de alguma forma, um pou-co diferente de dar algo a ele, ou algo semelhante.

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    BUBER: Eu penso que nenhum ser humano pode dar mais do que isso. Tornar a vida possvel para o outro, ain-da que s por um momento. Estou com voc.

    ROGERS: Bem, se no olharmos para fora, vamos con-cordar (Risos.)

    BUBER: Agora, vamos continuar.ROGERS: Eu realmente gostaria de passar para outro

    tpico [Buber: Huh, uh huh], porque da maneira que en-tendo o que voc escreveu, me parece que percebo outro tipo de encontro que tem muito significado para mim, em meu trabalho e, que at onde sei, voc ainda no falou a respeito. Agora, posso estar enganado a respeito disso, no sei; e o que quero dizer que me parece que um dos tipos mais importantes de encontro ou relacionamento [Buber: H-hmmm], o relacionamento da pessoa com ela mesma [Buber: H-hmmm]. Na terapia, - novamente, que tenho que trazer porque a base da minha experincia.

    BUBER: Claro.ROGERS: - Eh, existem alguns momentos muitos v-

    vidos, nos quais o indivduo est encontrando alguns aspectos de si mesmo, um sentimento que ele nunca re-conheceu antes, alguma coisa como um significado nele prprio que ele nunca soube antes, e pode ser qualquer tipo de coisa: pode ser seu sentimento intenso de solido, ou a terrvel mgoa que ele sentiu [Buber: Hmmm], ou algo bastante positivo [Buber: Hmmm] como sua coragem, e por a afora. Mas, de qualquer forma, nesses momentos, me parece que h algo que compartilha da mesma qua-lidade do que compreendo como um real relacionamen-to de encontro. Ele est no seu sentimento, e o seu sen-timento est nele. E isso algo que o inunda. Ele nunca experienciou isso antes. Num sentido muito real, penso que isso poderia ser descrito como um encontro real com um aspecto dele prprio, que ele nunca havia encontrado antes. Agora, no sei se isso lhe parece um exagero, com respeito ao conceito que voc usou. Acho que simples-mente gostaria [Buber: Hum] de saber a sua reao a isso. Se, para voc parece um tipo possvel de relacionamento real ou encontro? Vou levar isso um pouco mais adian-te. Creio que tenho a sensao que, quando a pessoa se encontrou consigo prpria nesse sentido, provavelmente em inmeros aspectos diferentes que, ento e, talvez so-mente ento, ela realmente capaz de encontrar um ou-tro numa relao Eu-Tu.

    BUBER: Agora, aqui nos aproximamos do problema da linguagem [Rogers: Uh hum]. Voc chama de dilogo algo que no posso chamar [Rogers: Uh hun]. Mas posso expli-car por que no posso chamar assim. Porque eu iria querer um outro termo, entre dilogo e monlogo para esse caso. Agora, para o que chamo de dilogo, essencialmente ne-cessrio o momento de surpresa. Quero dizer...

    ROGERS: Voc disse surpresa?BUBER: Sim, ser surpreendido [Rogers: Uh hum]. Um

    dilogo vamos tomar uma imagem bem trivial. O dilo-go como um jogo de xadrez. Todo o charme do xadrez que no sei e no posso saber o que meu parceiro vai fazer.

    Sou surpreendido pelo que ele faz e nessa surpresa que todo o jogo est baseado. Agora, voc sinaliza para isso, que um homem pode surpreender a si mesmo [Rogers: Uh hum]. Mas de uma maneira muito diferente de como uma pessoa pode surpreender outra pessoa. Eh

    [Enquanto essa fita estava sendo trocada, Dr. Buber continuou sua descrio das caractersticas de um di-logo verdadeiro. Um segundo aspecto que no encontro verdadeiro, ou dilogo, aquilo que diferente na outra pessoa, a sua alteridade valorizada].

    ROGERS: Os primeiros dois aspectos disso Eu espero que talvez, em algum momento, possa lhe mostrar grava-es das entrevistas para indicar como o elemento surpre-sa pode estar ali. Ou seja, a pessoa pode estar expressando algo e, de repente, ser tocada por um significado de algo que vem de um lugar nele mesmo, o qual ele no reco-nhece. Em outras palavras, ele realmente surpreendido por si prprio. Isso, isso definitivamente pode acontecer. Porm, o elemento que eu vejo como sendo mais estra-nho ao seu conceito de dilogo que essa alteridade, nela mesma, no algo a ser valorizado [Buber: Humm]. Eu acho que nesse tipo de dilogo a que me refiro, dentro da prpria pessoa, que h essa alteridade que seria, pro-vavelmente, destruda. E eu compreendo que, em parte, toda a discusso a esse respeito pode estar baseada no uso diferente de palavras, tambm. O que quero

    BUBER: E, veja, posso acrescentar uma questo tc-nica? [Rogers: Uh hum]. Aprendi, no decorrer da minha vida, a valorizar as palavras [Rogers: Uh hum]. E penso que, na psicologia moderna, isso no acontece na medida suficiente. Quando encontro algo que essencialmente diferente de outra coisa, quero uma nova palavra [Rogers: Uh hum]. Quero um novo conceito [Rogers: Uh hum]. Veja, por exemplo, a psicologia moderna, em geral, diz sobre o inconsciente que ele uma certa forma de psique. Isso no tem sentido algum para mim. Se algo to diferen-te se duas coisas so to diferentes de uma outra, como essa tenso da alma, mudando a cada momento, onde eu no posso entender coisa alguma, quando tento entender de um lado eh, esse ser em tempo absoluto, e isso,uh, o que chamamos de inconsciente, isso no um fenmeno de maneira alguma. Ns no podemos, no podemos ter acesso a isso, temos apenas que lidar com seus efeitos, e por a afora. No podemos dizer que o primeiro psquico e o segundo psquico; que o inconsciente algo no qual psquico e fisiolgico esto, como posso dizer, mistura-dos, no suficiente. Eles se interpenetram de tal maneira que vemos, em relao a isso, que os termos corpo e alma so, por assim dizer, termos antigos [Rogers ri], conceitos tardios e conscincia uma realidade primal. Agora, como podemos compreender esse conceito nico?

    ROGERS: Eu concordo muito com voc a esse respei-to, mas eu penso que quando uma experincia , defini-tivamente, de um tipo diferente, ento ela merece um ter-

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    mo diferente. Penso que concordamos sobre isso. Talvez, como vejo que o tempo est passando, gostaria de levantar outra questo que tem muito sentido para mim e no sei bem como colocar. Deixe-me express-la mais ou menos assim: Quando vejo pessoas entrando em relacionamentos na terapia, penso que uma das coisas que passei a acre-ditar e sentir e experienciar que aquilo que eu conside-ro natureza humana ou natureza humana bsica esse termo pobre e voc deve ter uma forma melhor de ex-pressar isso , realmente, algo em que se pode confiar. Parece-me que, em alguns dos seus escritos, eu percebo um pouco desse mesmo sentimento. De qualquer forma, minha experincia em terapia tem mostrado que no necessrio fornecer motivao em direo ao positivo, em direo ao construtivo. Isso existe no indivduo. Em outras palavras, se pudermos libertar o que mais bsi-co no indivduo, isso ser construtivo. Agora, no sei... novamente, somente espero que, talvez, isso possa pro-vocar alguns comentrios da sua parte.

    BUBER: Ainda no entendi a questo exata nisto.ROGERS: A nica questo que estou levantando :

    Voc concorda? Ou, se no estou sendo claro, por favor, faa-me outras perguntas. Tentarei colocar de outra for-ma. Bem, isto, pode ser um caminho contrastante [Buber: Hmm]. Parece-me que, muito no caminho da psicanli-se ortodoxa, ao menos, que tem sustentado que quan-do o indivduo revelado, quero dizer que quando voc realmente chega ao fundo do que est dentro da pessoa [Buber: Hmmm], ela consiste, principalmente, de instin-tos, atitudes, e assim por diante [Buber: Hmmm], que de-vem ser controladas. E, isso vai em direo diametralmen-te oposta minha prpria experincia, que que quando voc chega ao que mais profundo no indivduo, esse o exato aspecto que mais pode ser confiado, em termos de ser construtivo e tender em direo socializao ou em direo ao desenvolvimento de melhores relaes in-terpessoais. Isso faz sentido para voc?

    BUBER: Entendo. Eu gostaria de colocar isto de uma forma um pouco diferente. At onde entendo, quando te-nho a ver com, eu diria, uma pessoa problemtica, ou sim-plesmente uma pessoa doente, uma pessoa que as pessoas chamam, ou querem chamar, uma pessoa m [Rogers: Uh huh]. Veja, em geral, o homem que tem realmente a ver com o que chamamos esprito, chamado no pelas boas pessoas, mas somente pelas pessoas ms, pelos problem-ticos, pelos inaceitveis, e por a afora. As boas pessoas podem ser amigas dele, mas no necessitam dele. Ento, estou interessado somente nos to chamados maus, pro-blemticos e por a afora. E a minha experincia se eu tiver xito em, e isso est prximo do que voc diz, mas um tanto diferente, se me aproximar da realidade dessa pessoa, a experiencio como uma realidade polar.

    ROGERS: E o que isso? Polar? BUBER: Realidade polar [Rogers: Uh huh]. Veja, em ge-

    ral, dizemos que isso ou A ou No-A. No pode ser A e No-A ao mesmo tempo [Rogers: Uh huh]. No pode. No

    pode. Quero dizer, aquilo que voc afirma ser confivel. Eu diria que se situa em relao polar com o que menos pode ser confivel nesse homem. Voc no pode dizer, e talvez eu me diferencie de voc nesse ponto, voc no pode dizer, Oh, detecto nele exatamente o que confi-vel. Eu diria, agora, quando o vejo, quando o compreen-do mais amplamente e mais profundamente que antes, vejo toda a sua polaridade e, ento, vejo como o pior e o melhor nele so dependentes um do outro, ligados um ao outro. E posso ajudar possvel que eu seja capaz de ajud-lo simplesmente ajudando-o a modificar a rela-o entre os polos. No simplesmente pela escolha, mas atravs de uma certa fora que ele d a um dos polos em relao ao outro, os polos sendo qualitativamente muito similares um ao outro. Eu diria que no h, como pensa-mos geralmente, na alma de um homem o bem e o mal opostos. Existe, muitas vezes e de diferentes maneiras, uma polaridade; e os polos no so bem e mal mas, mais exatamente, sim e no, mais exatamente, aceitao e re-cusa [Rogers: Uh huh]. E, podemos fortalecer, ou ajud-lo a fortalecer, o polo positivo. E, talvez, possamos at for-talecer o controle de direo nele, porque essa polarida-de , frequentemente, sem direo. um estado catico. Poderamos trazer uma nota csmica. Podemos ajudar a por ordem, a por forma. Porque penso que o bem, o que podemos chamar de bem, sempre s direo. No uma substncia.

    ROGERS: Se eu tomar essa ltima parte particular-mente, voc est dizendo que talvez possamos ajudar o indivduo a fortalecer o sim, que afirmar a vida ao invs de recus-la. isso...?

    BUBER: M-hummmm. Veja, eu discordo somente nessa palavra, eu no diria vida, eu no colocaria um objeto.

    ROGERS: Um huh.BUBER: Eu gostaria de dizer simplesmente sim.ROGERS (para Dr. Friedman): Voc parece estar que-

    rendo dizer alguma coisa. Acho que poderamos continu-ar sobre isso para sempre.

    FRIEDMAN: Minha funo como moderador estimu-lar as questes e sinto que duas questes interrelacionadas foram mencionadas aqui, mas, talvez, no evidenciadas, e sinto que muito importante, eu gostaria de entender. Quando Dr. Rogers perguntou ao Professor Buber sobre sua atitude em relao psicoterapia, ele mencionou como um dos fatores componentes da sua abordagem terapia, a aceitao. Agora, Professor Buber, como vi-mos ontem noite, frequentemente usou o termo confir-mao, e tenho a sensao, tanto a partir do que eles dis-seram hoje quanto do meu conhecimento dos seus escri-tos, que pode ser realmente importante clarificar se eles querem dizer aproximadamente o mesmo. Dr. Rogers es-creve sobre aceitao, alm de dizer que um olhar ca-loroso pelo outro e um respeito pela sua individualidade, por ele como uma pessoa de valor incondicional, diz que significa uma aceitao e considerao por suas atitudes

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    do momento, no importando quo negativa ou positiva, no importando o quanto elas podem contradizer outras atitudes que ele sustentou no passado. E essa aceitao de cada aspecto flutuante desta outra pessoa estabelece para ele um relacionamento de calor e segurana. Agora, me pergunto se o Professor Buber consideraria confirma-o similar a isso ou se ele veria confirmao como in-cluindo, talvez, no ser aceito, includo alguma exigncia sobre o outro, que poderia significar, num certo sentido, uma no-aceitao dos seus sentimentos no momento, a fim de confirm-lo mais tarde.

    BUBER: Eu diria que todo verdadeiro relacionamen-to existencial entre duas pessoas comea com aceitao. Por aceitao, quero dizer talvez os dois conceitos no sejam exatamente iguais por aceitao quero dizer ser capaz de dizer, ou melhor, no de contar, mas simples-mente fazer com que a outra pessoa sinta que eu o aceito exatamente como ele . Eu tomo voc exatamente como voc . Bem, ento, mas no ainda o que quero dizer com confirmar o outro. Porque aceitar simplesmente aceitar o outro, como quer que ele seja, nesse momento, nessa sua realidade. Confirmar significa, antes de tudo, aceitar toda a potencialidade do outro [Rogers: Uhm hum], e fazer at mesmo uma diferena decisiva em sua poten-cialidade e, claro, podemos estar enganados repetidas vezes sobre isso, mas s uma possibilidade entre os se-res humanos. Posso reconhecer nele, conhecer nele, mais ou menos, a pessoa que ele foi posso dizer somente com essa palavra criado para se tornar. Em linguagem sim-ples e factual, no encontramos o termo para isso porque no encontramos isso no termo, o conceito de ser impli-ca em tornar-se. isso que devemos, at onde possvel, compreender, seno no primeiro momento, ento depois disso. E agora eu posso, no somente aceitar o outro como ele , mas confirm-lo, em mim mesmo e, ento nele, em relao a essa potencialidade que significada por ele e que pode agora ser desenvolvida, pode evoluir, pode res-ponder realidade da vida. Ele pode fazer mais ou me-nos nessa esfera de ao, mas eu posso, tambm, fazer algo. E, isso com objetivos ainda mais profundos que a aceitao. Tomemos, por exemplo, um homem e uma mu-lher, marido e mulher. Ele diz, no expressamente, mas simplesmente por toda a sua relao com ela, que eu te aceito como voc . Mas isso no quer dizer Eu no quero que voc mude. Mas diz, Eu descubro em voc, simplesmente atravs do meu amor acolhedor, descubro em voc o que voc est destinado a se tornar. claro, isso no algo a ser expresso em termos massivos. Mas, pode ser que cresa e cresa com os anos de vida em co-mum. isso que voc quis dizer?

    ROGERS: Sim. E penso que isso soa muito parecido com essa qualidade que est na experincia que eu penso como sendo aceitao, apesar de eu ter tendido a expres-s-la de forma diferente. Eu penso que aceitamos o indi-vduo e a sua potencialidade. Penso ser uma questo real se poderamos aceitar o indivduo como ele , porque fre-

    quentemente ele est num estado lastimvel, se no fosse pelo fato de que ns, em certo sentido, tambm compre-endssemos e reconhecssemos seu potencial. Acho que sinto, tambm, que a aceitao de um tipo mais completo, aceitao dessa pessoa como ela , o mais forte fator de mudana que eu conheo. Em outras palavras, penso que isso libera a mudana, ou libera potencialidade de desco-brir que como eu sou, exatamente como eu sou, eu sou completamente aceito ento no posso deixar de mudar. Porque, ento, sinto que no existe mais a necessidade de barreiras defensivas e, ento, o que assume o comando so os processos evolutivos da prpria vida.

    BUBER: Temo no estar to certo disso quanto voc est, talvez por no ser terapeuta. E, eu tenho necessa-riamente que lidar com esse tipo problemtico. Eu no posso, na minha relao com ele, dispensar essa polari-dade. No posso por isso de lado. Como eu disse, tenho que lidar com ambos os homens. Tenho que lidar com o problemtico nele. E tenho que... existem casos quando devo ajud-lo apesar dele mesmo. Ele quer minha ajuda contra si mesmo. Ele quer... veja, o mais importante que ele confia em mim. Sim, a vida tornou-se sem fundamento para ele. Ele no pode pisar em solo firme, em terra firme. Ele est, por assim dizer, suspenso no ar. E o que ele quer? O que ele quer um ser, no somente em quem ele possa confiar, como um homem confia em outro, mas um ser que d a ele a certeza de que existe um solo, que existe uma existncia. O mundo no est condenado privao, degenerao, destruio. O mundo pode ser redimido. Eu posso ser redimido porque existe esta confiana. E, se isso alcanado, agora posso ajudar esse homem, mesmo na luta contra ele mesmo. E, isso eu s posso fazer se eu distinguir aceitar de confirmar.

    ROGERS: Sinto que uma dificuldade com um dilogo que pode facilmente no ter fim, mas penso que por pieda-de tanto do Dr. Buber quanto da platia, esse... [Risos].

    BUBER: O que voc disse?ROGERS: Disse que por considerao a voc...BUBER: No por mim, heh heh.ROGERS: Tudo bem... [risos]... por considerao

    platia. FRIEDMAN: Permitam-me ser impiedoso e colocar

    uma ltima questo. assim [Buber: Huh huh]. Minha impresso que, por um lado, houve mais insistncia por parte do Dr. Rogers na completa reciprocidade da re-lao Eu-Tu na terapia, e menos por parte do Dr. Buber; mas por outro, tenho a impresso que o Dr. Rogers mais centrado no cliente...

    BUBER: O qu?FRIEDMAN: Mais centrado no cliente... (risos) mais

    preocupado, mais preocupado com o tornar-se da pessoa. E Dr. Rogers fala, em um artigo recente12, de ser capaz de

    12 Neste momento Friedman se refere a um texto de Rogers intitulado What It Means to Become a Person, posteriormente publicado como o captulo VI do livro On Becoming a Person (em sua edio americana). Na edio brasileira, este captulo foi suprimido.

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    confiar no organismo de algum, que ele encontrar sa-tisfao, que ele expressar a si. E fala do locus do valor como estando dentro de algum, enquanto que tenho a impresso, a partir do meu encontro com Dr. Buber, que ele v valor mais no entre. Gostaria de saber se esse re-almente um ponto de controvrsia entre vocs dois.

    ROGERS: [Buber: Hum] Posso expressar minha viso sobre isso, hum, em termos um pouco diferentes daqueles que voc usou e, ainda, eu penso que est relacionado mesma coisa. Como tentei pensar nos ltimos meses, me parece que voc poderia falar do objetivo em direo ao qual a terapia se move, e acho que o objetivo em direo ao qual a maturidade se move em um indivduo, como sendo um tornar-se, ou sendo consciente e aceitando aquilo que se mais profundamente. Em outras palavras, isso tambm expressa uma confiana real no processo no qual nos encontramos, o qual no pode ser inteiramente compartilhado entre ns hoje.

    BUBER: Talvez ajudasse se eu apontasse um proble-ma que encontrei quando li exatamente esse seu artigo [Rogers: Huh huh], ou um problema que me veio [Rogers: Huh huh]. Voc fala sobre pessoas, e o conceito de pes-soa aparentemente muito prximo do conceito de in-divduo. Penso ser aconselhvel estabelecer uma distin-o entre eles. Um indivduo somente uma certa singu-laridade de um ser humano. E ele pode se desenvolver somente atravs do desenvolvimento de sua singularida-de. isso que Jung chama de individuao. Ele pode tornar-se mais e mais um indivduo sem tornar-se mais e mais humano. Eu tenho [Rogers: Huh huh] muitos exem-plos de homens que se tornaram muito, muito individu-ais, muito distintos dos outros, muito desenvolvidos em suas particularidades sem ser, de maneira alguma, o que eu gostaria de chamar um homem [Rogers: Huh huh]. Indivduo somente esta singularidade, capaz de ser de-senvolvido e por a afora. Mas pessoa, eu diria, um in-divduo vivendo realmente com o mundo. E com o mun-do, no quero dizer no mundo [Rogers: Huh huh], mas exatamente em contato real, em real reciprocidade com o mundo em todos os pontos nos quais o mundo pode en-contrar o homem. No digo somente com o homem, por-que s vezes podemos encontrar o mundo de formas ou-tras que a do homem. Mas isso o que eu chamaria uma pessoa e se eu posso dizer expressamente sim e no a certos fenmenos, sou contra indivduos e a favor de pessoas [Aplausos].

    ROGERS: Uhm, huh. Correto. [Aplausos]FRIEDMAN: Ns temos razo em dizer que devemos

    muito ao Dr. Rogers e ao Dr.Buber por esse, esse dilogo nico. certamente nico na minha experincia: primei-ro, por ser um verdadeiro dilogo, diante de uma audin-cia e, eu penso que, isto se deve em parte pelo que eles desejavam nos dar e nos deram e, em parte, por que vo-cs [a audincia] tomaram parte, algo como, um trilogo, ou me acrescentando, um, um quadrilogo, no qual vocs participaram silenciosamente [Aplausos].

    Nota Biogrfica Mordechai Martin Buber (1878-1965) nasceu em Viena e foi educado na polaridade existente entre o ocidente e o oriente. Telogo, filsofo e escritor; desenvolveu sua filosofia dialgica descrita em uma obra que alia filosofia e teologia. Grande divulgador do Hassidismo e do Judasmo, Buber publica em 1913, Daniel (ainda indito no Brasil), mas ficou mais conhecido por seu livro Ich und Du (Eu e Tu, So Paulo: Centauro). Possui ainda numerosa obra em temas que tocam e influenciam a sociologia, psicologia e antropologia, vrios deles traduzidos para o portugus: Do Dilogo e do Dialgico (So Paulo: Perspectiva); Eclipse de Deus (Cam-pinas: Verus); Sobre Comunidade (So Paulo: Perspectiva); O Socialismo Utpico (So Paulo: Perspectiva); As Histrias do Rabi Nachmann (So Paulo: Perspectiva); A Lenda do Baal Schem (So Paulo: Perspectiva) e Histrias do Rabi (So Paulo: Perspectiva). Buber considerado alicerce e suporte filosfico para numerosas prticas clnicas e referncia obri-gatria quando o tema dilogo. Carl Ramson Rogers (1902-1987) era psiclogo, humanista e cientista brilhante. Criador da terapia centrada no cliente, fez com que seu pensamento transcendesse as fronteiras da clnica psicoteraputica, constituindo-se nos mais diversos campos de aplicao. Com isto, criou os Grupos de Encontro, o Ensino Centrado no Estudante, at sua abordagem ser conhecida por Abordagem Centrada na Pessoa. Seu interesse por Teologia se deve ao fato de haver seguido cursos no Union Theological Seminary, onde Tillich lecionou, entre 1924 e 1926, de onde migra para o Teachers College da Columbia University. Grande parte de sua obra est traduzida para o portugus, com destaque para seu livro mais conhecido Tornar-se Pessoa (So Paulo: Martins Fontes). Temos ainda as seguintes tradues: Grupos de Encontro; Psicoterapia e Consulta Psicolgica; Sobre o Poder Pessoal; O Tratamento Clnico da Criana-Problema e Carl Rogers. O Homem e suas Idias (pela editora Martins Fontes, So Paulo); Um Jeito de Ser e A Pessoa como Centro (pela E.P.U.); alm de Em Busca de Vida (Summus); Quando Fala o Corao (Vetor); Novas Formas de Amor (Jos Olympio); Abordagem Centrada na Pessoa (Editora da UFES); O Homem e a Cincia do Homem; Psicoterapia e Relaes Humanas e Liberdade para Aprender (Interlivros) e Liberdade para Aprender em Nossa Dcada (Artes Mdicas).

    Traduo: Andra de Alvarenga LimaReviso Tcnica: Adriano Holanda