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DIEGO DA SILVA DIAS VIOLA À BRASILEIRA A METAMORFOSE DA CULTURA RAIZ SINOP 2017

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DIEGO DA SILVA DIAS

VIOLA À BRASILEIRA – A METAMORFOSE DA CULTURA RAIZ

SINOP

2017

DIEGO DA SILVA DIAS

VIOLA À BRASILEIRA – A METAMORFOSE DA CULTURA RAIZ

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

à Banca Examinadora do Curso de Letras, da

Universidade do Estado de Mato Grosso –

UNEMAT, Campus de Sinop, como requisito

parcial para a obtenção do título de

Licenciatura em Letras.

Orientadora: Profa. Dra. Neusa Inês Philippsen

SINOP

2017

VIOLA À BRASILEIRA – A METAMORFOSE DA CULTURA RAIZ

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado

à Banca Examinadora do Departamento de

Letras, da Universidade do Estado de Mato

Grosso – UNEMAT, Campus de Sinop, como

requisito parcial para a obtenção do título de

Licenciatura Plena em Letras.

____________________________

Diego da Silva Dias

Discente

_________________________________

Profa. Dra. Neusa Inês Philippsen

Departamento de Letras

Orientadora

_________________________________

Profa. Ms. Tamiris Marques Eng Wang

Departamento de Letras

Banca Examinadora

_________________________________

Profa. Graci Leite Moraes da Luz

Departamento de Letras

Banca Examinadora

________________________________

Profa. Ms. Luciane Lucyk Bartimanovicz

Departamento de Letras

Coordenadora de TCC

_______________________________

Prof. Ms. Antônio Tadeu de Azevedo

Coordenadora do Departamento de Letras

SINOP

2017

DEDICATÓRIA

Dedico este Trabalho Final, primeiramente, à Deus e depois à minha família que me ajudou e

apoiou durante o período do Curso de Letras.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todas as amizades feitas no decorrer desta minha graduação, a partir dos

colegas da minha turma, que terminaram comigo, no semestre 2017/1, as oito fases do curso

de Letras. Não finalizamos no tempo certo, por uma força do destino de nossas vidas, mas, a

amizade vai ficar eternamente em nossos corações. Também, é necessário destacar as

amizades feitas com os integrantes das outras turmas e os que interromperam e voltaram

depois pela vontade de concluir este curso tão renomado em Sinop e na região do Norte de

Mato Grosso.

Neste texto, não posso esquecer de citar três nomes que foram importantes na

construção deste Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), acreditaram, ajudaram a descobrir

alguns talentos durante esta caminhada penosa, e que contribuíram para a minha formação e

também nas resoluções dos meus questionamentos, sendo estes: a Profa. Dra. Luzia Oliva,

que me desafiou a escrever uma atualização do conto “Georgina na Janela”, da renomada

escritora Tereza Albues, como recompensa ocorreu a publicação na Revista Norteamentos

durante o semestre 2014/2; a Profa. Ms. Tamiris Marques, quando no semestre 2016/2

ministrou, na minha turma, : a disciplina de “TCC I”, sendo que provoquei inúmeros

problemas para ela e, como em um ato de retribuição, a convidei para ser uma das integrantes

da banca examinadora e a Profa. Dra. Neusa Inês Philippsen, que no momento de mais

incerteza no curso, aceitou o desafio de me orientar em um tema inédito e nunca debatido na

academia, também depois de ter ouvido os problemas com o antigo orientador.

Este agradecimento também é dedicado aos meus pais, primeiro – ao meu pai que me

influenciou a ouvir o Gênero Sertanejo, assim, indiretamente, propiciou a escolha deste tema

para o corpus de pesquisa deste Trabalho de Conclusão e segundo - à minha mãe guerreira,

que enfrentou enormes dificuldades durante este período que estou no Ensino Superior.

Epígrafe

“Hoje eu vivo na cidade perdendo as forças aos

poucos

Mas não consigo perder o meu jeitão de caboclo. ”

Jeitão de Caboclo (Liu e Léo – 2002)

DIAS, D.S. VIOLA A BRASILEIRA: A METAMORFOSE DA CULTURA RAIZ. 2017.

71f. Trabalho de Conclusão de Curso. – UNEMAT – Universidade do Estado de Mato

Grosso. Campus Universitário de Sinop.

RESUMO: Este trabalho teve, dentre os seus objetivos, apresentar, demonstrar e refletir

sobre o gênero Música Sertaneja Raiz, pelo fato de que traz uma carga histórica e cultural da

sociedade interiorana do Brasil. Para a realização da pesquisa, utilizamos do aporte teórico da

Sociolinguística Variacionista, amparado em autores como William Labov (2008), Bagno

(2001, 2007), assim como os estudos históricos de Ivan Villela (1984, 2000), da

modernização imposta pela evolução do país defendida por Gustavo Alonso (2001), da

divisão feita por Darcy Ribeiro (1995) para se compreender como a divisão da população

brasileira em Brasil Sertanejo, Brasil Caipira e Brasil Caboclo foi pensada por este autor,

dentre outros estudos e estudiosos. Com relação à metodologia, utilizamos de entrevistas com

8 sujeitos de distintas localidades, classes sociais, escolaridade, idades e divididos em igual

número entre homens e mulheres, para verificar se conseguem distinguir as principais

características, memórias e se apreciam ou não este gênero musical. Pretendeu-se, assim,

como propósito principal, refletir sobre este estilo musical e sobre a Cultura Raiz,

fundamentalmente, porque pertence ao Meio Sertanejo. Cabe ressaltar que temas como estes

são pouquíssimos estudados na Universidade, daí a importância deste estudo, porque o Brasil

vai muito além da cultura do litoral, da sociedade urbana, do lucro e do consumo em excesso.

PALAVRAS-CHAVE: Sociolinguística; Cultura Raiz; Música Sertaneja Raiz e Homem

Sertanejo.

DIAS, D.S. VIOLA A BRASILEIRA - THE METAMORPHOSIS OF THE ROOT

CULTURE. 2017. 71 f. Completion of course work. - UNEMAT - University of the State of

Mato Grosso. University Campus of Sinop.

Abstract: The objective of this work is to present, demonstrate and reflect on of the genre

Música Sertaneja Raiz, by the fact that they bring a historical load of the Brazilian national

society. In order to carry out the research, it we be used the theoretical contribution of

Variationist Sociolinguistics, supported by authors such as William Labov (2008), Bagno

(2001, 2007), as well as the historical studies of Ivan Villela (1984, 2000), the modernization

imposed by the evolution of the country defended by Gustavo Alonso (2001), the division

made by Darcy Ribeiro (1995) to understand how the division of the Brazilian population in

Brazil Sertanejo, Caipira Brazil and Caboclo Brazil was thought by this author, among other

studies and scholars. Regarding the methodology, we be use interviews with 8 subjects from

different locations, social classes, schooling, ages and divided in equal numbers between men

and women, to verify if they can distinguish the main characteristics, memories and whether

they appreciate or not this musical genre. It was intended, therefore, as main purpose, to

reflect on this musical style and on the Root Culture, fundamentally, because it belongs to the

Sertanejo Environment. It is worth mentioning that topics such as these are very few studied

in the University, hence the importance of this study, because Brazil goes far beyond the

culture of the coast, urban society, profit and excess consumption.

Keywords: Sociolinguistics; Root Culture; traditional Brazilian country music; country man.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA PÁGINAS

Figura 1 – Alaúde árabe 32

Figura 2 – Viola Caipira 33

LISTA DE GRÁFICOS E QUADROS

GRÁFICOS E QUADROS PÁGINAS

Gráfico 1 – Questão 5 44

Gráfico 2 – Cantores preferidos 46

Quadro 1 - (Questões 1, 2 e 3) 40 e 41

Quadro 2 – Músicas citadas pelos sujeitos 44 e 45

Quadro 3 – “Programas Sertanejos” 49

Sumário INTRODUÇÃO ................................................................................................................................... 12

1 - SOCIOLINGUÍSTICA .................................................................................................................. 14

1.1 Estudo da Teoria da Variação e Mudança Linguística: Noções Gerais .......................................... 16

1.1.1 Ainda Sobre William Labov ........................................................................................................ 18

1.2 Preconceitos Linguístico e Social ................................................................................................... 19

1.2.1 O dialeto caipira lutando contra o preconceito linguístico ........................................................... 22

1.2.2 O termo “Caipira” ........................................................................................................................ 23

2 - CONTEXTO HISTÓRICO ........................................................................................................... 26

2.1 O Caboclo ........................................................................................................................................ 26

2.2 O Sertanejo ...................................................................................................................................... 27

2.3 O Caipira ......................................................................................................................................... 27

2.4 O Crioulo ......................................................................................................................................... 28

2.5 O Sulino .......................................................................................................................................... 28

2.6 A contribuição do Caipira e do Sertanejo para a sociedade brasileira ............................................ 30

2.7 Origem e evolução do gênero musical que representa o homem do campo.................................... 31

2.7.1 Observando a música caipira por dentro ...................................................................................... 31

2.8 A Rainha Viola ................................................................................................................................ 32

2.9 Evolução do Sertanejo ..................................................................................................................... 35

2.9.1 Sertanejo Universitário: A música sertaneja invade os bancos das universidades ....................... 38

3 – METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES ANALÍTICAS ........................................................ 39

3.1 Análise dos dados ............................................................................................................................ 41

3.1.1 Interpretação das Respostas ......................................................................................................... 42

3.1.1.1 – Sujeitos Sertanejos e Sertanejas ............................................................................................. 43

3.1.1.2 Gosto e Memória Caipira .......................................................................................................... 44

3.1.1.3 Sentimentos Sertanejos ............................................................................................................. 45

3.1.1.4 Viola: por que o instrumento é respeitado pelo homem sertanejo? ........................................... 48

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 51

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................. 52

APÊNDICE .......................................................................................................................................... 58

A - QUESTÕES ................................................................................................................................... 58

B - RESPOSTAS DOS SUJEITOS .................................................................................................... 61

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem como objetivo apresentar, demonstrar e refletir sobre a

Cultura Raiz e sobre o gênero Sertanejo Raiz, que traz uma carga sócio-histórica da sociedade

interiorana do Brasil, mas que encontra resistência para se manter conservado como

manifestação cultural por grande parte da parcela “urbana” dos brasileiros.

Para o processo de realização da pesquisa, foi utilizado o aporte teórico da

Sociolinguística Variacionista, sendo citados autores como William Labov (2008) e Bagno

(2001, 2007), para os estudos históricos sobre a origem do instrumento “Viola”,

mencionamos Ivan Vilela (1984, 2000), sobre a evolução e a modernização do país,

reproduzimos argumentos de Gustavo Alonso (2001), para retratar a sociedade interiorana no

Brasil, abordamos a divisão feita por Darcy Ribeiro (1999) em Brasil Sertanejo, Brasil

Caipira, Brasil Caboclo, Brasil Sulino e Brasil Crioulo.

O trabalho se encontra dividido em três capítulos, intitulados desta forma: 1 –

Sociolinguística (Longas estradas por nós percorridas); 2 – Contexto Histórico (Eu dou

motivo para me chamar de caipira) e 3 – Metodologia e Considerações Analíticas (Academia

de Letras/Grandes nomes lá estão/ Eu quero cantar um dia o Pagode do Grotão).

No capítulo 1, abordamos sobre a contextualização da Sociolinguística em três grandes

tópicos. A Sociolinguística é uma vertente da Linguística que tem como objetivo estudar a

língua e a sociedade, sob o olhar dos aspectos linguísticos e sociais. A ramificação intitulada

Sociolinguística Variacionista tem como precursor o linguista William Labov. Devido aos

avanços no campo científico e acadêmico, esta ciência passou por duras críticas, desde a sua

formação original na década de 1960.

O gênero Sertanejo tem traçado um percurso de grande evolução no Brasil, contudo

sofreu e ainda sofre preconceitos (linguístico e social), mesmo assim consegue bater diversos

recordes no mercado fonográfico. Muitas vezes, o preconceito se deve ao real significado dos

termos de suas músicas, ou seja, ao retratarem o mundo sertanejo/caipira, variedades e

variantes utilizadas geralmente destoam da norma culta. O assunto que encerra o capítulo

inicial desta pesquisa é a busca da significação do termo “Caipira”, que recebe distintas

versões e também da origem do homem interiorano. Além disso, procuramos refletir sobre o

significado da Cultura Raiz na qual o caipira/sertanejo está inserido.

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No segundo capítulo, apresentamos a divisão brasileira exposta no livro “O Povo

Brasileiro” (1999), de autoria do antropólogo e escritor Darcy Ribeiro, sendo a divisão feita

em cinco partes assim denominadas: Brasil Crioulo, Brasil Sulino, Brasil Caboclo, Brasil

Sertanejo e Brasil Caipira. Por meio desta divisão, o autor procura retratar a formação original

de cada personagem responsável pela construção da sociedade interiorana brasileira. Dessa

forma, é possível constatar que a Cultura Raiz tem muita influência na sociedade brasileira,

pois a população do Brasil até os anos de 1960 era concentrada na zona rural.

Neste capítulo, por sua vez, procurou-se trazer a contextualização histórica do gênero

Sertanejo e de como este retrata a identidade do caipira/sertanejo. Cabe ressaltar que a partir

da utilização do instrumento “Viola Caipira” ou “Viola de Arame” a música sertaneja

disseminou-se por todo o país, tendo uma difusão inicial maior nas regiões Centro-Oeste,

Sudeste e Sul.

No terceiro capítulo descreve-se a metodologia empregada para a realização da

pesquisa, apresenta-se os sujeitos, o questionário utilizado e, na sequência, são tecidas as

considerações analíticas e apresentados os resultados que o corpus evidencia.

As fontes bibliográficas e webgráficas usadas para fundamentar esta pesquisa foram

essenciais para o direcionamento teórico e à contextualização do assunto abordado. O

questionário aplicado aos oito sujeitos teve, dentre outros objetivos, o de verificar e identificar

características e memórias sobre o gênero musical Sertanejo Raiz. As entrevistas

caracterizam-se como “despadronizada ou não estruturadas”, visto que possibilitaram ao

entrevistador ter liberdade de condução e desenvolvimento sobre a conversa, podendo-se

explorar uma questão ou temática com mais desenvoltura. As perguntas elaboradas foram

aplicadas de forma direta, podendo o sujeito responder sem nenhuma imposição em sua

resposta.

Para finalizar a pesquisa, apresentamos as considerações finais, com o

desenvolvimento da pesquisa, foram tecidas considerações sobre a Cultura Raiz e o sua maior

representação artística que é o gênero musical – o Sertanejo, sofrem preconceitos sociais e

linguísticos, mesmo assim, demonstraram ser uma conexão do passado com o presente do

Brasil, expondo todos motivos discriminatórios que sofrem o homem sertanejo.

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1 - SOCIOLINGUÍSTICA

“LONGAS ESTRADAS QUE UM DIA POR NÓS PERCORRIDAS”1

Antes de falarmos do Mundo Sertanejo e de seus trejeitos, vamos falar, brevemente,

sobre a contextualização da Sociolinguística, abordando três tópicos ao longo do capítulo: 1)

O que é Sociolinguística; 2) Linguagem mais sociedade = Sociolinguística e 3) A linguagem é

um fenômeno de natureza social. Para tanto, é preciso voltar um pouco na história da

Linguística, considerando aqueles que inicialmente se dedicaram e pensaram o fenômeno

linguístico, sendo pois que as teorias sobre a linguagem, antigas ou modernas, acabam sempre

refletindo nos ideais teórico-metodológicos do fenômeno supracitado.

A Sociolinguística é uma das ramificações da Linguística, que estuda a língua em uso

dentro da sociedade a partir de aspectos linguísticos e sociais. A Linguística, por sua vez,

ganha o status de ciência através do suíço Ferdinand Saussure, na primeira parte do século

XX, mais especificamente em 1916, com a publicação do livro póstumo “Curso de

Linguística Geral”. Inicia-se, assim, a Linguística moderna, com objetivos de estudos,

princípios e método de abordagem bem delimitados. Essa corrente linguística inicial é

intitulada “estruturalismo”, tendo duas principais definições: a) é conduzida por seu objeto, a

língua, que é social em sua essência e independente do indivíduo e b) é observada por ter uma

base estrutural autônoma, com relações de natureza puramente linguística em que os

elementos inter-relacionam-se.

Contudo, essas definições receberam apreciações desfavoráveis ao longo do tempo por

distintos pesquisadores da língua/linguagem. Edila Silva (2012) afirma que Bakhtin (1929),

ferrenho crítico da conceituação saussuriana, leva em consideração que a verdadeira

substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas, mas sim

pelo fato que o fenômeno social da interação verbal é realizado por meio de enunciações.

Nessa abordagem destaca-se o inter-relacionamento língua-sociedade, mais tarde adotado

pelos postulados da Sociolinguística.

Para Jakobson (1960), a homogeneidade do código linguístico, afirmado por Saussure,

não passa de mera “ficção desconcertante”, uma vez que um indivíduo pode participar de

1 Trecho retirado da canção “A mão do tempo” composta por Tião Carreiro e José Fortuna composta no ano de

1979, sendo utilizada na faixa nº 14 do LP “Golpe de Mestre” da dupla Tião Carreiro e Pardinho.

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várias comunidades linguísticas e que todo código é multiforme, composto por uma

hierarquia de subcódigos indicados pelo sujeito falante, que se baseia, fundamentalmente, na

função da mensagem e no interlocutor em toda e qualquer situação comunicativa.

Chomsky (1965), por sua vez, afirmou em suas pesquisas que o objetivo dos estudos

linguísticos é buscar a competência linguisticamente coerente. Segundo o modelo de análise

deste autor, a língua deixa de ser apenas descritiva para ser também explicativa, pois ela seria

um conjunto infinito de frases que se define não só pelas existentes, mas também pelas

possíveis, aquelas que se podem criar a partir da interiorização das suas regras.

Já para Benveniste (1968), é de grande importância o questionamento entre a relação

língua e sociedade, pois a língua é intrínseca à sociedade: descreve, conceitua e faz a

interpretação tanto da natureza quanto da experiência. No ano de 1988, na sequência de seus

estudos, Benveniste posiciona o seu olhar não somente na forma linguística, mas também

sobre a sua função, sendo assim, compreende que a realidade pode ser produzida por

interferência da linguagem.

Em consonância com Benveniste (1988), Fuzer (2004) nos mostra que “O falante faz

renascer pelo seu discurso o acontecimento e a sua experiência do acontecimento; o ouvinte

apreende primeiro o discurso e, através desse discurso, o acontecimento reproduzido.” O

movimento de troca sobre o diálogo pode atribuir que o ato do discurso tem a possibilidade de

ganhar duas funções: 1 – Do locutor, que exprime a realidade e 2 – Do ouvinte, que passa a

fazer a recriação da realidade.

Foi, assim, a partir desse emaranhado de distintas conceituações que a Sociolinguística

se constituiu e prosperou na década de 1960. A fundação da Sociolinguística amparou-se

inicialmente na tradição dos estudos linguísticos pensados até então, mas ampliou suas noções

conceituais ao eleger a linguagem, a cultura e a sociedade como inseparáveis e inter-

relacionadas; tem, portanto, uma origem multidisciplinar.

O propósito central da Sociolinguística, desde a sua fundação, é demonstrar a

covariação sistémica das variações linguísticas nas comunidades de fala e as diferenciações

próprias na estruturação social de uma sociedade.

Conforme Figueroa (2010), Labov afirma que a língua é da comunidade (sendo social)

e não de propriedade individual, sendo, dessa forma, contrário ao conceito de homogeneidade

apregoado por Saussure, Chomsky e outros estudiosos da linguagem que propunham a

16

imanência do objeto linguístico, deixando de lado a heterogeneidade e colocando a fala em

segundo plano.

Por sua vez, todos os estudos linguísticos, que floresceram na segunda metade do

século XX, sofreram diversas alterações no modo como olhavam e realizavam as pesquisas.

Amplia-se, nesse período, a observação sócia-histórica sobre a realidade e usos da língua, e

destacam-se autores como: Labov, Weinreich e Herzog, principais idealizadores da Teoria da

Variação Linguística. Além disso, evidencia-se a virada pragmática na linguística, que deu

ênfase a estudos sobre o uso, assim como para a interdisciplinaridade em áreas como

sociologia, história, antropologia, neurociência, semiótica e diversas outras áreas.

Assim, o surgimento dos estudos sociolinguísticos, que se constituem dentre distintas

vertentes, objetivos e focos, apresenta, contudo, três principais enfoques: A sociologia da

linguagem; A etnografia da fala ou da comunicação, que trata de fatores externos à língua,

focados nos acontecimentos da comunicação e A teoria da variação ou mudança

(Variacionista), que se inicia com Herzog, Labov e Weinreinch em 1968, os quais fazem a

introdução dos postulados da heterogeneidade ordenada ou sistemática, em que a mudança é

tida como suscetível de ser descrita, sendo que comunidades de fala deveriam ser o lócus

principal do estudo, fazendo-se a identificação das variedades linguísticas utilizadas nesses

contextos.

Segundo William Labov (2000), há consenso entre os sociolinguísticos sobre a

importância de se considerar como objeto de análise os falantes em sua comunidade de fala.

A ênfase da Sociolinguística está, portanto, em estudar a estruturação e o movimento de

evolução da língua no âmbito social de uma dada comunidade linguística.

O teórico consegue, assim, propor um novo sistema de análise linguística, que leva em

conta a evolução, variação e mudança na língua já desde os seus trabalhos pioneiros, como em

“The social motivation of a sound change (1963)”, conseguindo fazer a relação entre os eixos

linguísticos variáveis e as diferenças que subjazem à estruturação social e cultural das

comunidades de fala que os sujeitos pertencem.

1.1 Estudo da Teoria da Variação e Mudança Linguística: Noções Gerais

17

O aporte teórico basilar que utilizamos nesta pesquisa é a Sociolinguística

Variacionista, que teve como precursor o linguista William Labov. Apresentaremos, na

sequência, alguns de seus ideais teóricos que sustentam a sua proposta de estudos, em especial

a relação entre a língua (gem) e a sociedade, assim como sobre a necessidade de análise

empírica a partir de dados linguísticos em uso nas comunidades de fala.

A Sociolinguística Variacionista ou Sociolinguística Quantitativa, fundada nos anos

1960, apresenta conceitos teórico-metodológicos que, em sua constituição, eram operados por

números e tratamento estatístico. Em seus estudos, o teórico enaltece a relação língua e

sociedade, assim como cria e desenvolve um modelo de análise que privilegia a

sistematização da variação da língua falada.

O pesquisador americano começou a desenvolver esta linha de pesquisa em sua

dissertação de Mestrado, com a temática “O Inglês falado na ilha de Martha’s Vineyard”

(focada na centralização de ditongos), em Massachussetts, e na tese de doutorado voltada para

a estratificação do Inglês falado em Nova York sobre a variável /r/, ambas orientadas pelo

professor Uriel Weinreich, na Universidade de Colúmbia.

Sobre o texto da dissertação de Mestrado, Alkmim (2004) nos explica que Labov fez a

relação de fatores como idade, sexo, ocupação, origem étnica e atitude sobre o

comportamento linguístico manifestado nos vineyardenses, tendo como foco a pronúncia de

determinação nos fones do Inglês, em 1963. No ano seguinte, consegue já finalizar o seu

doutorado, em que fixa, em sua pesquisa, um modelo para descrever e interpretar o fenômeno

linguístico no contexto social das comunidades urbanas – sendo este o modelo conhecido

como Sociolinguística Variacionista ou Teoria Variacionista, o qual teve um efeito de impacto

na área linguística contemporânea.

Vale ressaltar, ainda, que este modelo leva em consideração que as línguas dos

falantes do planeta possuem progressos, ou seja, modificam-se no transcorrer do tempo e da

história. Suas gerações hereditárias procuram transmitir aos seus descendentes a manutenção

de sua língua particular, assim como as mudanças temporais, que são partes integrantes deste

processo. Alkmim (2004, p.34), por sua vez, nos mostra que “[...] as variações observadas nas

línguas são relacionáveis a fatores diversos: dentro de uma mesma comunidade de fala,

pessoas de origem geográfica, de idade, de sexo diferentes falam distintamente. ”

Uma década mais tarde, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1975]), mais

especificamente em 1968, complementam a conceituação desta teoria linguística afirmando

18

que as estruturas heterogêneas são consideradas partes das competências linguísticas, sendo

necessárias no funcionamento real para qualquer língua e que o indivíduo possui capacidade

para fazer a codificação e desconfigurar tal heterogeneidade. Assim, para os variacionistas, a

variação não é vista apenas como efeito do acaso e sim uma transformação sociocultural

movida por movimentos linguísticos e extralinguísticos, não sendo, portanto, assistemática.

Os termos variante, variável e variedade são palavras-chave nesta linha de pesquisa. O

termo “variante” é usado para nomear formas que sofrem variação, ou seja, uma ou várias

formas usadas lado a lado na língua sem mudança semântica, quando há um conjunto de

variantes tem-se a “variável linguística”, sendo assim, a forma, traço ou construção linguística

variável é que serão objetos de análise do sociolinguista.

Para a Sociolinguística Variacionista, empregar variedades e variantes não é, por

ventura, aleatório, mas é sempre por influência de grupos de movimentos de natureza social

(externos) ou estruturais (internos) sobre a língua (LABOV, 2008 [1972]). Nesse contexto,

variedade corresponde semanticamente a dialeto.

1.1.1 Ainda Sobre William Labov2

Na Linguística, até 1960, as duas abordagens que tiveram mais visibilidades foram o

estruturalismo saussuriano e o gerativismo chomskiano. Esses dois grupos, por sua vez,

deixaram esquecidas as influências externas à linguagem, tais como a história, a sociedade e

as relações ideológicas, pois priorizavam a língua e as regras internas dos componentes

gramaticais. Nesta perspectiva, a variabilidade, a valorização social de distintas formas

linguísticas e estudos empíricos em comunidades de fala ficavam fora da agenda de estudos.

Na contramão desses grupos, surgem os estudos de William Labov, americano,

nascido no dia 04/12/1927, e por muitos estudiosos da linguagem é nomeado como o criador

da Sociolinguística Variacionista. Este pesquisador primou pela inovação e a criação de novos

métodos e procedimentos de análise.

Utilizava, em seus estudos, entre outras, a sua bagagem de conhecimentos sobre a

população negra do Harlem (bairro com grande concentração de afro-americanos na cidade de

Nova York), em que predominava a cultura verbal. Dentre os resultados de seus estudos,

2 William Labov atua como professor no Departamento de Linguística da University of Pennsylvania,

desenvolvendo pesquisa em Sociolinguística, Variação da Linguagem e Dialetologia.

19

destacam-se modificações nas formas de se pesquisar. Citamos, abaixo, algumas mudanças

propostas por Labov:

A) selecionava a sua amostra levando em conta diferentes combinações, tais como

fatores como sexo, idade, ocupação, sociedade etc., recrutando pessoas que utilizavam a

linguagem vernacular das ruas;

B) não realizava as entrevistas em locais nos quais os informantes não tinham

afinidades e muito menos em espaços muito formais, como, por exemplo, salas e laboratórios

de Universidades; tinha preferência por lugares neutros e tranquilos, como a casa das pessoas

no próprio bairro de sua residência (o Harlem);

C) negava-se a utilizar testes padronizados;

D) buscava fazer as entrevistas sem muita pressão para os entrevistados, procurando

reduzir a distância entre o entrevistador e o informante, e assim estabelecendo uma situação

informal, como se fosse uma conversa entre amigos (o que era incomum para a época).

Ter informantes negros como sujeitos de pesquisa, moradores do Harlem, fez Labov

não só modificar a metodologia de realização das entrevistas, mas também derrubar

obstáculos e conceitos, diminuindo os extremos entre o pesquisador e pesquisado, visto que

procurou colocar-se no mesmo nível social e de comportamento. O resultado da pesquisa,

assim, proporcionou a William Labov demonstrar uma nova visão sobre a cultura negra e suas

capacidades intelectuais.

Isto está em consenso com a seguinte assertiva de Alkmim (2004, p.31): o “Seu ponto

de partida é a comunidade linguística, um conjunto de normas com respeito aos usos

linguísticos.” A mesma autora (2004) diz ainda que, ao estudar qualquer comunidade

linguística, a constatação imediata é a existência de diversidade ou da variação.

Vale ressaltar que esta forma de pesquisa é ainda amplamente utilizada pelos

variacionistas, para que se possa “quebrar o gelo” nas entrevistas. William Labov, portanto,

lança um novo olhar sobre os fenômenos linguísticos e em especial sobre a variação e

mudanças linguísticas.

1.2 Preconceitos Linguístico e Social

20

Cabe destacar, inicialmente, que o gênero Sertanejo Raiz conseguiu seguir trajeto

evolutivo no Brasil, e, com isso, quebrou certos paradigmas dentro das grandes cidades, sendo

atualmente, inclusive, um dos gêneros musicais que mais vendem CDs e DVDs e arrastam

milhares de pessoas em shows sertanejos por todo território nacional. Esse sucesso todo

acabou gerando uma grande a versão de alguns artistas de outros estilos musicais sobre o

Sertanejo, que alegam que ele perdeu a sua essência com a atualização denominada

“Sertanejo Universitário”. Em recente publicação no blog “Arranjos Sertanejos”, o blogueiro

Zé Roberto demonstra estranheza com este preconceito:

Não é segredo para ninguém que a música sertaneja foi e ainda é alvo de

discriminação. Confesso minha estranheza em relação à tamanha resistência

dos chamados formadores de opinião. Ou a tentativa de rotular a música

sertaneja como brega. Ou ignorar o “Sertanejo Universitário” que arrasta

multidões. Sim, a música sertaneja sofre preconceito. (ROBERTO, 2017,

p.1).

Dessa forma, a música sertaneja muitas vezes sofre preconceitos, tanto linguísticos

quanto sociais, principalmente por causa do público a que se direciona, geralmente pessoas de

classe econômica baixa e/ou residentes no interior ou na periferia das cidades, assim como

devido a alguns termos que são apresentados em suas letras, citaremos apenas um exemplo:

“jamanta”, termo que aparece na música “Mágoa de Boiadeiro”, gravada por diversas duplas

do gênero Sertanejo Raiz. Há, quase sempre, mais de uma possibilidade de interpretação

semântica nas lexias que compõem as letras das canções, mas, especificamente nesse

contexto, “jamanta” significa caminhão.

É possível então afirmar que “A língua é um enorme iceberg flutuando no mar do

tempo” (BAGNO, 2002, p. 9). Dessa forma, a música e a cultura do homem do campo não

podem ser identificadas como atrasadas ou esquisitas, mas, sim, diferentes, podendo oferecer,

tais quais outros gêneros musicais, uma grande dimensão de termos e expressões para a

Língua Portuguesa.

Ainda segundo Bagno:

[...] o português brasileiro apresenta um alto grau de diversidade e de

variabilidade, não só por causa da grande extensão territorial do país – que

gera as diferenças regionais, bastante conhecidas e também vítimas, algumas

delas, de muito preconceito -, mas principalmente por causa da trágica

injustiça social [...] São essas graves diferenças de status socioeconômico

que explicam a existência em nosso país de um verdadeiro abismo

linguístico entre os falantes das variedades estigmatizadas do português

brasileiro (moradores da zona rural ou das periferias das grandes cidades,

21

miseráveis ou pobres, analfabetos ou semianalfabetos) – que são a maioria

de nossa população – e os falantes das variedades prestigiadas (moradores

dos centros urbanos, mais escolarizados e de poder aquisitivo mais elevado).

(BAGNO, 2002, p. 28).

Desse modo, os preconceitos social e linguístico sobre as letras de músicas do

Sertanejo Raiz revelam-se os mesmos disseminados à cultura da zona rural, ou seja, a origem

geográfica e as diferenças sociais levam a um verdadeiro penhasco linguístico em nosso país,

dividido em dois grandes grupos: os falantes das variedades prestigiadas (minoria da

população) e os falantes das variedades estigmatizadas (maioria da população).

Nesse contexto, Brandão (1991) enaltece que tal penhasco não é recente, mas já

aparece no país desde os primórdios de seu processo de povoamento e colonização

portuguesa, perpassa a independência política e continua vigoroso na contemporaneidade. A

autora ressalta, também, que:

Um retrato fiel, atual, de nosso país teria de colocar, lado a lado: executivos

de grandes empresas; técnicos que manipulam, com desenvoltura, o

computador; operários de pequenas, médias e grandes indústrias; vaqueiros

isolados em latifúndios; cortadores de cana; pescadores artesanais;

plantadores de mandioca em humildes roças; pombeiros que comerciam pelo

sertão; indígenas aculturados. [...] homens e mulheres que guardam, na sua

forma de expressão oral, as marcas de nossa identidade linguístico – cultural

e a resposta a muitas indagações e a diversas hipóteses sobre a história e o

estado atual do português do Brasil. (BRANDÃO, 1991, p.17).

Conforme Santos (2013), a não valorização das variedades estigmatizadas está

intrinsecamente ligada à imposição das normas consideradas cultas ou a padrão e,

consequentemente, à desvalorização da diversidade linguística tanto nos usos quanto nas

formas.

Compreendemos, contudo, que a linguagem do sertanejo não pode ser considerada

‘apartada’ da linguagem citadina, porque as duas se complementam e fazem parte da mesma

língua, que é o português brasileiro. Nesse sentido, diz Teles (2016, p.1) que “A língua é bem

comum a todos, determinante territorial e cultural de um povo. Não podemos pensar em

língua melhor ou pior, língua superior ou inferior num país onde a diversidade linguística é

tão marcante.”

22

1.2.1 O dialeto caipira lutando contra o preconceito linguístico

Conforme Aires, Abud e Araújo (2009), vale questionar como em um país que

abrangeu e abrange tantas pessoas, de várias origens geográficas, de diversas nações, étnicas,

culturais e linguísticas, o português conseguiu ser a principal língua, única oficial, deixando

de lado, por exemplo, os idiomas de origem indígena e africana.

Após o estágio colonial até os dias atuais, quem conseguiu acesso à norma-padrão por

meio das escolas e se acostumou com a língua “mandante”, principalmente os moradores das

cidades, provocou, e ainda provoca, de maneira indireta, – “uma certa barreira” – com as

pessoas que tiveram apenas educação informal.

Nesse contexto, porém, o falar do caipira conseguiu resistir e perdurou pelos séculos

em nosso país, sendo falado até hoje. Tal modo de falar é considerado uma “língua”

alternativa ao idioma Português, disseminada já pelos primeiros colonizadores do Brasil, que

valorizaram a identificação com a nossa terra. Conforme Villalta (2004, p.61), “[...] o dialeto

caipira é sobrevivente entre os moradores de zona rural de certas regiões e dos descendentes

urbanizados, considerado uma língua das populações mestiças contra a imposição de uma

língua oficial por parte da Coroa Portuguesa.”

Este modo de falar, historicamente, teve que se exilar no interior do Brasil, devido à

repressão linguística imposta pelo rei de Portugal, Dom João V, durante o século XVIII.

Desse modo, Aires, Abud e Araújo, afirmam que:

[...] os genuínos caipiras, os roceiros considerados à época como ignorantes

e atrasados, começaram também a ser atirados à margem da vida coletiva. A

instrução restrita teve extraordinário avanço, impossibilitando que o dialeto

caipira deixasse de sofrer grandes alterações do meio social (AIRES, ABUD

e ARAÚJO, 2009, p.2).

Contudo, apesar da pressão da sociedade urbana sobre os caipiras por causa do seu

falar, que ficou restrito quase que exclusivamente às zonas rurais e afastadas das cidades, o

efeito de extinção do dialeto não ocorreu, porque a restrição o fez enraizar-se e ganhar forças,

visto que nas áreas longínquas das cidades, poucas alterações ocorreram no dialeto. E, ainda

conforme as autoras, atualmente também se pode encontrar o falar caipira em pequenas

cidades nas quais o progresso ainda não chegou ou nos dizeres de pessoas idosas, que ainda

guardam a educação informal antiga nas grandes cidades.

23

O Brasil, por sua vez, ainda precisa se desgarrar das marcas do nosso colonialismo,

sem ter, no entanto, que deixar de lado a cultura, arte, ciência, religião e as linguagens de base

europeia, mas, é inequívoco que se deve valorizar, também, a cultura de outros povos e a

diversidade linguística, dentre elas o dialeto caipira.

Conforme Bagno (2009 [1998]), há, geralmente, preconceito quando se menciona as

variações linguísticas faladas nas cinco regiões brasileiras. O preconceito linguístico não está

necessariamente no conteúdo da fala em si, mas, sim, em quem diz a determinada fala, ou

seja, de que região é o falante, de qual etnia e classe social a que pertence, transformando-se,

dessa forma, também em um preconceito social, pois:

[...] determinadas classes sociais de certas regiões são consideradas incultas.

Esse preconceito nada mais é do que um profundo preconceito social e

individual do falante. Não existe o certo e o errado na língua, mas variedades

de prestígio e desprestígio correspondentes ao meio e ao falante. (BAGNO,

apud AIRES, ABUD e ARAÚJO, 2009, p.2).

Vale ressaltar, ainda, que mesmo com tantos preconceitos disseminados sobre o dialeto

caipira, os caipiras são herdeiros diretos de uma linguagem erudita que pertencia aos

primeiros portugueses que chegaram entre os anos de 1500 a 1550, durante o Reinado de

Dom João III, o qual, com o passar dos anos, se fundiu com algumas palavras do Tupi,

principal língua indígena do Brasil.

1.2.2 O termo “Caipira”

A palavra “caipira” se origina do termo tupi “Kai’pira” que significa “o homem do

mato” ou “aquele que vive afastado”. Os primeiros caipiras surgiram através da miscigenação

entre o branco e o índio, que viviam no interior do Estado de São Paulo. Por sua vez, por meio

dos índios, criou-se o “cateretê” ou “catira”, dança religiosa, na qual se batiam palmas e os

pés em um único ritmo. O movimento migratório levou essa cultura indo para o Mato Grosso,

o Paraná e outros estados, inicialmente pelos tropeiros.

O termo caipira é geralmente visto como pejorativo, todavia, vale ressaltar a

explicação do termo feita pela cantora Inezita Barroso em entrevista para a pesquisa do livro

“Música Caipira – da roça ao rodeio”, de Rosa Nepomuceno, ao proferir a seguinte assertiva:

24

“[...] o termo caipira passou a ser pejorativo, sinônimo de brega, malvestido, idiota, velho,

quando é, na realidade, completamente o contrário. Caipira é aquele que se conserva ligado à

terra, à cultura original.” (NEPOMUCENO,1999, p. 29)

Já Ceschin diz que ‘caipiras’ são:

Populações interioranas de São Paulo e Minas, onde dizer que alguém é

caipira, pode ser considerado ofensa ou menosprezo, repudiam, em geral, tal

denominação; contudo, nos dias atuais, há quem receba a alusão com

naturalidade e mesmo com certo orgulho. (CESCHIN, 1999, p. 45).

Com isso, tanto para Inezita Barroso quanto para Humberto Ceschin não se pode

julgar os caipiras com teor negativo e pejorativo, sendo que eles possuem características de

cultura, vida e de respeito pelo lugar em que nasceram.

Sendo assim, a maneira “errada” de falar, não é coisa acidental, porque trazia/traz em

sua estrutura tudo o que era de mais “erudito” da língua e cultura, que hoje representam

páginas escritas pelo passado de nossa História, mas que ainda geram preconceitos. Segundo

Ivan Vilela:

Na realidade, o caipira não fala errado, ele fala de uma forma erudita, mas,

porém, muito antiga. No caso deles, eles não conseguiam falar o som de “l”

e de “r”, então, “porta” o caipira fala “polta” e “mulher”, que tinha o “lh”,

era mais complicado e virava “muié”, “colher” era “cuié”, “jornal” ficava

“jorná”, e é importante reparar o tanto que o caipira é erudito, quando ele

utiliza o “mercê” é uma corruptela de “Vossa Mercê”. (VILELA, A história

da música caipira, 2013, 26’17” à 26’58”)

Dessa forma, conforme este autor, o caipira fala do seu jeito “errado”, não por

vontade própria e sim pelo fato que ele tem uma herança cultural e linguística, mas que

provoca estranhamento em pessoas que não participam de sua comunidade e de seu contexto

social.

No mundo de expressões caipiras atuais, existem, contudo, letras de músicas levadas a

um certo grau de seriedade e consideradas por muitas pessoas, tais como “hinos” do gênero

Sertanejo, em que se revelam a personalidade triste e saudosa, de saudade do caipira,

remetidas, quase sempre, ao seu antepassado – o português emotivo e saudoso. Nesse sentido,

Aires, Abud e Araújo (2009, p.3) afirmam que “[...] a música caipira está para o brasileiro o

que o fado está para o português, e a viola, o instrumento que faz parte da vida do caboclo, é

descendente da viola medieval portuguesa. ”

25

O termo “Cultura” em que o caipira está inserido, como visto no subitem anterior, é

composto por três fatores: os conhecimentos dos índios, o contato dos portugueses e do negro

africano. A mistura de vocabulário do português, do africano e do índio criou o dialeto

caipira. Assim, com os instrumentos musicais vindos, inicialmente, de Portugal, a música

caipira surgiu como uma maneira simples e objetiva de se contar as histórias do interior

brasileiro. A música então se torna um complexo resumido de fatores conjuntos de saberes, de

heranças da língua, da velocidade da fala, dos instrumentos trazidos pelos portugueses, assim

como pelas mensagens narradas pelas letras.

É através da cultura, da língua e do vocabulário, portanto, que a música caipira acaba

se conservando e é disseminada por várias áreas da sociedade, tais como manifestações

musicais, culinária e folclore. Sendo assim, convida-se a todos para conhecerem mais e

melhor a riqueza e a beleza do universo caipira, que, muitas vezes, é esquecido e/ou

discriminado pela nossa sociedade excludente.

Depois de trazer uma breve conceituação da Sociolinguística, e de uma de suas

vertentes, a Sociolinguística Variacionista, assim como sobre noções conceituais que

englobam os preconceitos linguístico e social, o dialeto e a música caipira, passaremos a falar,

nos próximos capítulos, sobre a Cultura Raiz, o Homem Rural e a Música Sertaneja, objetos

principais desta pesquisa.

26

2 - CONTEXTO HISTÓRICO

“EU DOU MOTIVO PARA ME CHAMAR DE CAIPIRA”3

O nosso Brasil, pelo tamanho de seu território, é praticamente um subcontinente

dentro do Continente Americano, só perdendo em extensão para os EUA e o Canadá. Para

demonstrar a história dos súditos da viola, vamos precisar do auxílio do antropólogo Darcy

Ribeiro, que em seu livro “O Povo Brasileiro” (1999) divide o país em cinco partes: o Brasil

Crioulo; o Brasil Sulino; o Brasil Caboclo; o Brasil Sertanejo e o Brasil Caipira. Nesta obra, o

autor traz a origem e a formação de cada personagem, demonstrando a força do interior

brasileiro e com isso, por meio da viola, criaram o gênero musical – o Sertanejo Raiz.

2.1 O Caboclo

A origem dos Caboclos brasileiros deu-se a partir das expedições das “bandeiras”, que

tinham o objetivo de explorar e conhecer melhor o território nacional, nessas expedições os

“bandeirantes” ou “capitães do mato” tinham o auxílio dos índios catequisados. Assim,

através do envolvimento de brancos e índios originou-se a população de cor mestiça.

Os primeiros Caboclos falavam o Tupi, a língua original de nossas terras, o contato

linguístico com o português, contudo, fez surgir nessa época uma nova língua, conhecida

como “língua geral”. Por sua vez, o idioma português foi retomado no Brasil após a expulsão

dos Jesuítas, em 1759. No entanto, grande parte dos Caboclos que, após as incursões das

“bandeiras” por todo país, se fixaram em regiões interioranas não tiveram acesso às mudanças

ocorridas e, assim, mantiveram e mantêm traços dessa língua originária.

Mais especificamente em relação ao “caboclo amazônico”, Caboclo este que ainda

enfrenta situações de isolamento e abandono, cabe destacar que descende dos índios Cariri, do

Ceará, os quais se encontram vinculados ao tronco linguístico macro-jê.

3 Fragmento retirado da canção “O Doutor e o Caipira” composta por Goiano e Geraldinho no ano de

1994, que está eternizada na faixa nº 07 do CD “Goiano e Paranaense – 1994” da gravadora Warner Music.

27

2.2 O Sertanejo

O Sertanejo se originou da mistura entre os índios e os brancos mestiços (caboclos) e

com ele foram expandidas as nossas fronteiras agrícolas. Este brasileiro, reside, dentre outros

lugares, também na região da Caatinga e lá necessita de forças quase sobrenaturais para poder

combater seus desafios diários, que são o sol, a fome e a falta de água, problemas estes que se

alastram ano após ano.

A cultura do homem sertanejo brasileiro é similar ao homem medieval da Europa,

tendo o linguajar e literatura bem parecidos com este período, os quais podem ser observados

nas poesias cantadas, nos cordéis, na religião e em seus mitos, que romperam às barreiras do

“Velho Continente Europeu”. Vale ressaltar, neste contexto, que os homens com mais poderio

financeiro da região eram/são “os coronéis”, que, geralmente, para proteger suas propriedades

montavam um “exército ilegal”. Além disso, destacam-se os cangaceiros, inimigos destes

“proprietários”. O tema “religião” do Sertanejo é muito envolto às crenças, mitologia, lendas

e superstições, por isso, não pode se afirmar que se tenha uma doutrina “oficial” na região

Nordeste, contudo evidenciam-se muitas figuras religiosas, dentre elas o Padre Cícero, no

Ceará, e Antônio Conselheiro, na Bahia.

2.3 O Caipira

A cultura caipira é uma das tradicionais e antigas do Brasil, teve seu início entre os

séculos XVII e XVIII. A região de destaque em que os Caipiras estabeleceram residência é

chamada de “Paulistânia”, que compreende os estados de São Paulo, Goiás, Mato Grosso,

Paraná e também partes dos estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. O homem caipira

é, também, a mistura de portugueses e índios, ele é considerado o personagem principal entre

todos os homens rurais do Brasil. Os bandeirantes paulistas tiveram um envolvimento com as

mulheres indígenas da região supracitada, isso fez com que fossem geradas pessoas

mamelucas falantes do tupi-guarani, o qual, como já evidenciado no subitem 2.2, tornou-se o

idioma mais falado no Brasil até meados do século XVIII.

28

Com a finalização da Era de Ouro nesta região, muitas pessoas foram então obrigadas

a ter que plantar alimentos para o seu sustento, começando assim a cultura caipira. Sendo

assim, o caipira nada mais é do que a representação do bandeirante falido.

2.4 O Crioulo

O Brasil com a feição cultural crioula surge nas beiradas do complexo açucareiro, no

século XVI, nas ramificações do comércio e finanças, sendo possibilitada pela produção

agrícola e artesanal. O produto “Açúcar” provocou um aglomerado humano que acabou se

estruturando em um modelo econômico-social diferente do americano e europeu muito

difundidos até aquele momento. Modelo este com a característica de empresa colonial voltada

a propósitos econômico-mercantis que eram sempre buscados.

Por sua vez, a organização familiar e a estruturação de poder não foram invenções

históricas originadas neste contexto, mas, sim, os resultados das escolhas que objetivavam dar

um efeito transformador ao empreendimento. Já por uma visão mais crítica, cabe destacar que

a população que surgiu à época empreendeu-se pela fusão racial de brancos, índios e negros,

em uma cultura diversificada e misturada, a qual teve como pano de fundo uma economia

agroindustrial colocada no recente comércio mundial.

A cultura Crioula, portanto, é o resultado da instalação da economia açucareira, que se

destacou no Nordeste brasileiro, do litoral dos estados do Rio Grande do Norte até a Bahia.

Além do açúcar, os produtos aguardente e rapadura tornaram-se, nesse período, as ofertas

principais dos pequenos engenhos voltados para o comércio da região. Evidenciaram-se,

também, as lavouras comerciais de tabaco e fumo. O cacau surgiria em seguida. Assim, estes

produtos, impulsionados inicialmente pelo engenho canavieiro, foram responsáveis pela

ampliação da área crioula para outras regiões do país.

2.5 O Sulino

29

Uma característica simples e básica do Brasil Sulino, que tem efeito de comparação

semelhante às demais áreas culturais do país, é a heterogeneidade cultural. Esta cultura do

Brasil foi criada através dos jesuítas espanhóis, que aportaram sobre o território gaúcho das

missões, considerado a república cristã-guaranítica. Eles tinham visões diferentes e objetivos

alternativos às civilizações portuguesas e espanholas. Atuaram como agentes “civilizatórios”

e tiveram sucessos e revezes, mas, conseguiram que a sua visão de “civilização alternativa”

fosse consolidada.

Cabe ressaltar, contudo, que os gaúchos brasileiros têm uma formação semelhante aos

demais gaúchos platinos. Surgem através da mistura étnica dos povos mestiços de espanhóis e

lusitanos com as mulheres guaranis. Tinham especialidades na exploração campeira do gado

selvagem, e se estabeleceram nas pradarias naturais dos dois lados das margens do rio da

Prata. O grupo principal foi fixado na região de Tapes por índios missionários da etnia

Guarani, que foram educados pelos jesuítas. Em um segundo momento, ocorre a criação de

um núcleo neoguarani, que se iniciava no Paraguai, atravessava a Argentina e chegava até a

região dos Pampas no Brasil, e um terceiro núcleo foi criado em 1680 pelos portugueses na

Colônia do Sacramento, na beira do rio da Prata.

Outra configuração histórico-cultural que foi também responsável pela constituição da

identidade cultural e linguística do Brasil Sulino foi a chegada de famílias transferidas da Ilha

de Açores, no século XVIII, pelo governo português. A justificativa para a implantação de um

núcleo lusitano na região Sul foi a necessidade de conter o governo espanhol que imprimia

então tentativas de invasão ao território brasileiro, assim como de construir uma barreira de

proteção nas fronteiras, já que se encontravam em permanentes conflitos.

Os açorianos vieram com as promessas de refazerem o seu modo de viver da Ilha

Portuguesa no Sul do Brasil, visto que foram prometidas diversas regalias a cada família,

como: alimentos no primeiro ano, armamentos, munição, materiais de trabalho, grãos, duas

vacas e uma égua. Para muitos açorianos, era um sinal mínimo para assegurar riqueza até o

fim da vida. Eles se dividiram em dois locais: alguns grupos foram para as terras marginais do

rio Guaíba e outros para o litoral de Santa Catarina.

No entanto, o processo de colonização açoriana foi considerado um fracasso na

economia. Ficaram isolados em pequenos nichos no litoral vazio, despreparados porque eles

não conseguiam trabalhar na agricultura em terras desconhecidas, e se viram, assim,

30

condenados à lavoura de subsistência, principalmente porque não encontravam consumidores

para a sua colheita.

Ainda outra configuração histórico-cultural da região sulina é a formada por

brasileiros de descendências europeias (Alemanha, Itália e Polônia), asiática (Japão) e árabe

(Líbano), pois a região recebeu grande parcela de imigrantes durante todo o século XIX, com

grande destaque para as últimas décadas. Dessa forma, o bilinguismo/multilinguismo se torna

uma característica marcante deste espaço geográfico.

2.6 A contribuição do Caipira e do Sertanejo para a sociedade brasileira

O “mundo sertanejo” ou “cultura raiz” sempre teve muita influência sobre a população

brasileira, já que éramos praticamente da zona rural até por volta dos anos de 1960,

demonstrando que o homem sertanejo contribuiu para ter seu grande grau de importância, em

patamares, como: na cultura; sociedade; economia e pelo fato de ajudar a abastecer as grandes

cidades. Além disso, sua linguagem, a maneira de comportar-se perante a sociedade e o estilo

se tornaram marcas fundamentais de sua identidade.

A população do campo, por sua vez, sempre sofreu preconceitos linguísticos devido ao

seu jeito de falar, provocando, assim, uma retaliação desta pelas pessoas que viviam e vivem

na zona urbana, pelo fato destas terem muito mais acesso às normas cultas da fala e/ou escrita.

Conforme Bagno (2008, p.129), “Não é difícil perceber que o acesso às formas prestigiadas

de falar – por diversas razões de ordem política, econômica, social, cultural – é algo reservado

a poucas pessoas no Brasil”. Mas, com a ajuda da “Viola Caipira” ou “Viola de Arame”, isto

começou a mudar gradativamente, pois houve a expansão de composições e cantores de

distintas regiões brasileiras começaram a despontar. A música, dessa forma, já não ficava

restrita apenas às regiões do Centro-Oeste, Sudeste e uma parte do Sul.

Os elementos principais de identificação da maioria das músicas do Sertanejo Raiz são

as questão afetivas e sentimentais, que envolvem todo o contexto social do caboclo, com

destaque para o rancho em que nasceu, cresceu e constituiu família, que é repassado,

comumente, de geração em geração. Nesse contexto, a música caipira é a garantia de

continuidade dos laços afetivos através do tempo.

31

Atualmente, a música caipira tem seu gênero musical solidificado, tanto

historicamente quanto socialmente, tendo sua existência concreta marcada por meio de letras

e canções que explicam as manifestações, comportamentos, atos e condutas do homem

sertanejo, ou seja, remetem à formação da imagem do caipira cantando as lembranças em

modas de violas. Cabe ressaltar que o Sertanejo Raiz inspira-se em ações culturais que se

baseiam em costumes populares e regionais, os quais demonstram a vida e o pensamento da

população do campo do nosso imenso país.

2.7 Origem e evolução do gênero musical que representa o homem do campo

O gênero “sertanejo” é totalmente de nossas terras brasileiras, é considerado um

núcleo da música caipira, sendo uma versão urbanizada desta que, inicialmente, utilizava

instrumentos como viola, acordeão e gaita, instrumentos estes que remetem ao período do

Brasil Colônia, tendo como público-alvo a população rural.

O “sertanejo” tem, dentre as suas características, a melodia simples e triste, tendo

semelhança à música caipira, mas com um viés urbano. Enquanto esta tinha como assunto

central a vida do campo, os sertanejos mudaram este tema para adequar as letras ao público

das grandes cidades, evocando agora, em muitas composições, o amor e a traição.

2.7.1 Observando a música caipira por dentro

A música caipira tem, como vimos, marcas de ritmos musicais bem antigos e sua

estrutura linguística ampara-se em narrativas de feitos históricos ou de simples fatos

corriqueiros. Os cantos romanceados têm suas características ligadas, segundo Câmara

Cascudo, a povos “iletrados” que colocavam/colocam as histórias em versos num estilo que

visasse/visa a facilitar a sua memorização:

Não entra aqui discutir a origem do romance, a controvérsia erudita sobre

sua tradição literal, ampla e histórica. O que é real é a sua ancianidade4

4 Ancianidade – Qualidade de ancião, velhice, antiguidade.

32

venerada. Todos os acontecimentos estão ou foram registrados em versos.

(CASCUDO, apud VILELA, 1984, p.28).

Cabe salientar, também, que na música caipira encontramos tanto características luso-

indígenas quanto africanas, ou seja, são manifestações que se referem à própria cultura. Como

exemplificações, citamos os estilos catireiro5 e o pagodeiro

6.

2.8 A Rainha Viola

Quando se fala de Sertanejo Raiz é impossível esquecer do instrumento fundamental

para este gênero musical, que é a “Viola Caipira”. A viola vem das terras dos nossos

colonizadores, veio de Portugal, no período da colonização, trazida pela Companhia de Jesus

(1549-1760), instituição ligado à Igreja Católica, com o objetivo inicial de ser um instrumento

lúdico para ajudar na catequização dos indígenas. Cabe lembrar que os padres adentraram

pelo interior, tentando modificar a sua maneira de falar, de vestir e de ensinar a tocar a viola

de maneira “certa”.

Observando o instrumento, a primeira geração de brasileiros que se utilizava da terra

para sobreviver, os “caboclos”, ficaram atônitos com o som que saía do instrumento,

começando a magia que dura por mais de quinhentos anos e que atrai as pessoas do interior do

Brasil, com isso, inicia-se, também, o processo de compor melodias com diversos temas,

dentre eles: saudades de um amor, tragédias, convívio, paixão pelos animais e declaração de

prazer e satisfação por viver no sertão.

O instrumento sofreu várias metamorfoses, em relação aos primeiros exemplares

vindos de Portugal, vale destacar as “violas queluz” produzidas em Minas Gerais,

inicialmente confeccionadas com doze cordas, passaram mais tarde por adaptações e hoje a

Viola Caipira possui dez cordas, além disso, no Brasil ganhou diversos nomes, dentre eles

destacam-se: viola caipira, viola sertaneja, viola de dez cordas, viola cabocla e viola de arame.

5 Catireiro – toca o ritmo sertanejo Catira, que é uma mistura de sapateado que se intercala com uma canção.

6 Pagodeiro – toca o ritmo criado por Tião Carreiro, que desenvolveu um ritmo diferente na viola caipira de dez

cordas e foi imortalizado na música “Pagode em Brasília”.

33

Vale salientar que é possível compará-la com o violão, que é um instrumento similar

de cordas, dessa forma, é importante elencar características que os distingam: a) o violão

possui seis cordas; b) a viola tem cinco pares de cordas, totalizando dez; c) a quantidade pode

ter uma variação entre cinco e quinze cordas no mesmo tipo de instrumento; d) o violão tem

em torno de duzentos e cinquenta anos; e) o primeiro registro de uma viola data por volta de

oitocentos anos.

A partir de agora, vamos fazer uma pequena viagem no tempo, para descobrirmos

como a viola começou a ter a sua forma atual. O início da viagem acontece na antiga

Península Ibérica, que era o ponto estratégico de invasões e de miscigenação das mais

diversas etnias, como iberos, fenícios, romanos e, por fim, os árabes. Estes, quando chegaram

à Península Ibérica, no século VIII, por lá encontraram harpas celtas e cítaras greco-romanas.

Como tinham predileção pela cultura, não tardou em criarem novos instrumentos, dentre eles

destaca-se o alaúde árabe, que é considerado o primeiro instrumento de cordas que puderam

ser dedilhadas com um braço, podendo-se modificar as notas.

Ao observarmos as figuras 1 e 2, poderemos verificar que a viola atual manteve uma

característica de seu antigo ancestral, os cinco pares de cordas.

Figura 1 – Alaúde árabe. Fonte: https://br.pinterest.com/pin/3025924729364635/. Acesso em 19 jul.

2017.

34

Figura 2 – Viola Caipira. Fonte: https://themusicabr.wordpress.com/2014/10/10/nosso-brasil-a-viola-

caipira. Acesso em 19 jul. de 2017.

O instrumento de origem árabe mantém a sua forma com dez cordas. Depois da

chegada do alaúde, surgiu a guitarra latina através da mistura cultural de mouros, cristãos e

judeus, por volta do século XIII, na mesma região da Península Ibérica. Essa guitarra, com o

tempo, passou por alterações até chegar ao seu estágio atual, que é a nossa viola, edificada

então pelos portugueses na era dourada dos grandes descobrimentos feitos entre os séculos

XV e XVII. Conforme Oliveira, apud Vilela:

Em Portugal, já no século XV, e sobretudo a partir do século XVI, o

instrumento, sob designação de viola, encontra-se largamente difundido pelo

povo, pelo menos nas zonas ocidentais. Sem falar nas violas trovadorescas,

referimo-nos já a representação apresentada pelos procuradores de Ponte de

Lima às cortes de Lisboa de 1459 ao rei D. Afonso V. (OLIVEIRA, apud

VILELA, 2000, p. 155).

Cabe ressaltar ainda que, no século XV, em Portugal, o instrumento era denominado

de “viola de mão” e o sucesso desta viola foi tanto que cada parte do país desenvolveu seu

tipo próprio de instrumento:

No Norte, era a viola burguesa;

O Nordeste tinha a sua viola amarantina ou simplesmente “viola de dois

corações”;

Na região Central, a viola beiroa;

Na região perto de Lisboa, a viola toeira;

35

No Sul, a viola campaniça.

2.9 Evolução do Sertanejo

As décadas de 1920 até 1940 foram decisivas para o Brasil em diversas áreas, como,

por exemplo, nos âmbitos econômico, social, político e cultural. As elites dirigentes do país

nessa época já utilizavam suportes midiáticos para influenciarem, fundamentalmente, tomadas

de decisões políticas e econômicas. Estes suportes giravam em torno de renomados jornais,

dentre eles “O Estado de São Paulo”, que já era bem recebido entre os intelectuais da época.

Além deste jornal, destaca-se a criação de uma revista de “alto grau de cultura”, a

“Revista Brasil”. Ambos contrataram, à época, intelectuais famosos e precoces jovens

intelectuais. Quem ocupava os postos de chefias nos suportes midiáticos mencionados eram

profissionais liberais de pequeno porte e jornalistas até então de pouco renome, que conheciam

e movimentavam a vida no interior, sendo assim, aproveitavam para explorar, também, o termo

“sertanistas” que estava muito em voga entre os intelectuais brasileiros durante o final do

século XIX até meados do XX. Entre esses intelectuais estavam nomes como Euclides da

Cunha, Monteiro Lobato e Mário de Andrade. É preciso reforçar que os jornalistas “sertanistas”

do “O Estado de São Paulo” tinham autonomia em suas publicações.

Do mesmo modo, estes suportes abriram as portas para o nosso mercado cultural,

fazendo com que a tradição popular sobre a música folclórica e caipira conseguisse se

comunicar com as outras áreas letradas do jornal e da revista, assim, começaram os encontros

entre a produção de nível popular, a indústria e os grupos letrados da sociedade, a exemplo de

Cornélio Pires, que trabalhou no periódico. Este intelectual, começou a registrar a cultura

caipira e também pavimentou a estrada para o início do gênero, financiando a primeira

gravação dos cincos mil discos iniciais em Cds Vinis, dentre os quais destaca-se a música

“Jorginho do Sertão”, gravada em outubro de 1929 com a dupla Mariano e Caçula. O

processo de divulgação feito pelo estudioso e financiador do gênero que estava acabando de

ser lançado foi em um primeiro instante no interior paulista.

Cabe destacar que, antes disso, durante a famosa “Semana de Arte Moderna”, em

1922, Mário de Andrade, juntamente com Oswald de Andrade, levam o assunto sobre a

música do interior aos debates da Semana e alteram então o termo “caipira” para “sertaneja”.

36

Tais ações, que ressaltavam e enalteciam o tema interiorano, tinham o intuito de auxiliar na

superação da imagem pejorativa do caipira, que se tinha pré-definida também por intelectuais

que se pautavam no personagem “Jeca Tatu”, abordado por Monteiro Lobato na obra

“Urupês” (1918).

Por sua vez, os “pensadores sertanejos” supracitados foram responsáveis por

disseminar este conteúdo para distintos campos de estudos e pesquisadores brasileiros.

Neste contexto, a música caipira/sertaneja foi um modo de acesso da cultura dos homens do

campo e de seus filhos que, posteriormente, foram para a cidade e viraram operários, como

ressalta Santos:

[...] a música sertaneja foi um modo de compreender a difusa e desarticulada

experiência cotidiana, ou seja, foi um modo de percebê-la [...] a música

sertaneja é um meio de acesso à cultura de classe/cultura popular em seu

longo processo histórico de formação. (SANTOS, 2013, p.2).

Não tardou e o movimento da música caipira “explodiu” no Brasil. Logo após a

primeira gravação de CDs em Vinil acima mencionada, começou a despontar a formação de

duplas de cantores, como exemplo podemos citar Adauto Ezequiel (Carreirinho), um dos

precursores da música sertaneja raiz, que, no início de sua carreira, fez parceria com José Dias

Nunes (Tião Carreiro) e gravaram o álbum “Meu Carro, Minha Viola”, mas depois disso se

separam.

Tonico e Tinoco, os irmãos que rapidamente fizeram sucesso e que gravaram quase

1.000 músicas, divididas em 83 discos, com uma carreira que durou 60 anos. A parceria só

finalizou quando Tonico faleceu em 13 de agosto de 1994. Depois de começar no interior de

São Paulo, a música caipira rompeu as barreiras do território paulista e se expandiu por todo o

Brasil. Com isso, percebendo a evolução do gênero, paralelamente o rádio começava a viver a

sua “Era de Ouro”, as emissoras começaram a contratar duplas caipiras nos elencos de seus

programas. Até um dos grandes sambistas do Rio de Janeiro, Noel Rosa, se aventurou a cantar

moda de viola participando do grupo “Bando dos Tangarás”.

Vale ressaltar, contudo, que o berço principal do nascimento da música caipira foram

as cidades de Sorocaba, Piracicaba e Botucatu, as quais podem ser consideradas os locais

mais importantes da constituição do gênero, mas outras cidades paulistas também

contribuíram para a disseminação da música caipira. Abaixo, elencamos algumas cidades,

cantores e músicas considerados pioneiros do gênero = Piracicaba: Arlindo Santana e

37

Joaquim Teixeira (Que Linda Morena); Botucatu: Raul Torres (Moda da Mula Preta);

Sorocaba: Irmãos Divino (Castigo de Dona Benta); Cordeirópolis: João Pacífico (Pingo

D’água); Tietê: Mariano e Caçula (Jorginho do Sertão); Itapetininga: Teddy Vieira (Menino

da Porteira); Pratânia: Tonico e Tonico (Chico Mineiro); Itaporanga: Angelino de Oliveira

(Tristeza do Jeca); São Manuel: Palmeira (Disco Voador) e Bofete: Carreirinho (Boi

Soberano).

Na década de 1970, com o processo de evolução da música caipira, as duplas já

denominadas de sertanejas se tornaram campeãs em vendas de CDs pelo Brasil e no Mundo, a

exemplo de Milionário e José Rico, que fizeram um show em Pequim. E, com isso, nas

décadas seguintes o Sertanejo começou a bater recordes, chegando ao impressionante número

de 1,5 milhão de cópias vendidas do álbum “Somos Apaixonados”, da dupla Chitãozinho e

Xororó, em 1982.

Foi durante a década de 1980, também, que aconteceu uma grande exploração

comercial para massificar o Sertanejo perante a sociedade brasileira, utilizando-se de

artifícios, como a releitura de grandes sucessos internacionais e do Movimento da Jovem

Guarda. Essa nova tendência foi denominada de “Sertanejo Romântico” e fez surgir um novo

grupo de cantores em três categorias: individual, duplas e trios. Os nomes de destaque deste

Sertanejo foram: Trio Parada Dura, Chitãozinho e Xororó, Leandro e Leonardo, Zezé di

Camargo e Luciano, Christian e Ralf, João Paulo e Daniel, Chico Rey e Paraná, João Mineiro

e Marciano, Gian e Giovani, Nalva Aguiar e Roberta Miranda.

No entanto, opondo-se a esta nova tendência do Universo Sertanejo, voltada

fundamentalmente à vendagem comercial, ressurgem, neste cenário, artistas como a dupla

Pena Branca e Xavantinho, adaptando músicas da MPB com uma nova releitura ao som das

violas. E é neste período que aparece Almir Sater, um violeiro com grande sofisticação, que

intercalava/intercala modas de viola e blues.

A parte cantada desse Sertanejo apresentava um canto em terças, em que a primeira

voz deveria ser em “Dó” e a segunda executada em “Mi”, tornando-se, assim, um dueto de

vozes diferentes, independente das formações das duplas. Evidenciavam-se, nos clássicos

sertanejos insurgentes dessa época, um tema sobrelevante, a “tragédia”, encontrado nas

seguintes composições: Menino da Porteira, Moda da Mula Preta, Chico Mineiro, Cabocla

Tereza, Cachorro Valente, dentre outras.

38

2.9.1 Sertanejo Universitário: A música sertaneja invade os bancos das universidades

O Sertanejo Universitário é a fase contemporânea ou a Quarta Era da Música

Sertaneja, surge de uma ramificação do Sertanejo Romântico, com início no final da década

de 1990 e começo dos anos 2000. Este início é marcado por uma situação de economia mais

estável no Brasil e, dentro desta nova realidade, jovens estudantes se despedem de seus pais

no interior rumo a grandes cidades, geralmente com o objetivo de fazer um curso de

graduação, como Agronomia e Administração, dentre outros. Por sua vez, estes jovens

traziam consigo a cultura rural para a cidade, com isso, faziam a expansão do gênero

Sertanejo. De forma gradual, assim, as casas de shows ganhavam adeptos que trajavam botas

e chapéus durante os seus eventos, gerando curiosidade às demais pessoas.

Estes grupos de estudantes que saíam para beber, festejar e cantar ganharam o título de

“Comitivas” (em referência ao grupos de peões que acompanhavam/acompanham as boiadas,

embora com outra acepção), com distintos codinomes, tais como Os Bartira (O que nós ganha

o Bar tira), Os Pangaré, Os Car Boy, entre outros.

A dupla João Bosco e Vinícius é considerada a pioneira desta nova formatação do

gênero Sertanejo, tendo gravado seu primeiro hit “Magia e Mistério” em meados de 2000, na

cidade de Campo Grande - MS. As primeiras apresentações da dupla aconteceram em bares

da capital sul-mato-grossense. Conforme Rodrigues (2016, p.1), o seu público era “composto

basicamente de universitários, iniciando a renovação do Gênero Sertanejo: o Sertanejo

Universitário.” E de maneira repentina o sucesso da dupla ultrapassou as fronteiras de Mato

Grosso do Sul. Cabe ressaltar, neste contexto, que o sucesso rápido também ocorreu por causa

das gravações piratas de suas músicas.

Após a contextualização histórica dos cincos elementos que formam a identidade da

Cultura Raiz e do papel importante do caipira e sertanejo para o Brasil, da origem do

instrumento que representa, dentre outras, a alegria desta parte da população e do surgimento

e evolução do gênero Sertanejo, que se encontra dividido em quatro eras de transformações,

concluímos este capítulo enaltecendo que no capítulo três apresentaremos a metodologia da

pesquisa e a análise das entrevistas feitas com oito sujeitos que se propuseram a colaborar e

debater sobre o Homem Sertanejo perante a história brasileira, os momentos afetivos com este

gênero musical e a posição crítica e individual sobre o momento atual enfrentado pela música

39

sertaneja raiz frente à nova atualização deste gênero musical, que tem sido, historicamente,

cerceado por preconceitos, tanto linguísticos quanto sociais.

3 – METODOLOGIA E CONSIDERAÇÕES ANALÍTICAS

“ACADEMIA DE LETRAS GRANDES NOMES LÁ ESTÃO7

EU QUERO CANTAR UM DIA O PAGODE DO GROTÃO”8

A pesquisa utilizou-se dos métodos descritivo e qualitativo, tendo, dentre os seus

objetivos, apresentar e refletir sobre a ocorrência de preconceitos linguísticos e sociais perante

a cultura raiz do povo do interior do Brasil e sobre o gênero musical denominado “Sertanejo

Raiz”, que é a principal representação artística desta parcela da população brasileira. Além

disso, conforme Chizzotti (2003), foram adotados multimétodos de investigação, tais como

conversas livres e anotações em caderno de campo, para encontrar a interpretação dos

significados do corpus de análise.

As principais fontes usadas na pesquisa foram livros, artigos, textos da internet, vídeos

e entrevistas. Em seguida, foram desenvolvidos questionários que serviram de base para as

entrevistas realizadas com oito sujeitos de diferentes localidades, classes sociais, escolaridade,

idade, sendo divididos em igual número entre homens e mulheres. A aplicação dos

questionários teve como propósito verificar se os sujeitos conseguem identificar as principais

características deste gênero musical, relatar memórias, se estes apreciam ou não o gênero e se

eles têm conhecimento dos preconceitos linguísticos e sociais que o estilo sofre, por ser

pertencente ao Meio Sertanejo.

Seguindo as definições feitas por Marconi e Lakatos (2003), as entrevistas se

encaixam na categoria de “despadronizada ou não estruturada”, quando o entrevistador possui

a liberdade para conduzir e desenvolver a situação para um rumo adequado à conversa, para,

assim, poder explorar-se de maneira mais ampla uma determinada questão ou temática.

As perguntas foram feitas de forma aberta, ou seja, o sujeito pôde responder sem

nenhuma imposição. Este modo de entrevistar é subdividido por Ander-Egg (1978, p.110,

7 Trecho retirado da canção “O Pagode do Grotão” composta por Tião Carreiro, Lourival dos Santos e Ronaldo

Viola, sendo armazenada no CD “Ronaldo Viola e João Carvalho – vol. 05 – 1994” na faixa nº 13. 8 Significado popular – Lugar muito afastado das cidades grandes.

40

apud MARCONI e LAKATOS, 2003, p.196) em três categorias: Entrevista focalizada;

Entrevista clínica e Entrevista não dirigida. Em nossa pesquisa utilizou-se da primeira e

terceira categorias citadas. Para a) fez-se um roteiro de tópicos sobre o assunto principal, o

Sertanejo Raiz, em que o pesquisador teve a liberdade de fazer as perguntas ajustando-se à

situação, razão, motivo, esclarecimento; não obedecendo a uma estrutura formal e para b) não

houve nenhum impedimento por parte do entrevistado de expressar opiniões e sentimentos,

assim, a função do entrevistador foi a de incentivar que o sujeito se pronunciasse sobre o

tema, sem ter pressa para obter a resposta.

Pretendeu-se, assim, como supracitado, neste trabalho de pesquisa, amparado pelo

aporte teórico da Sociolinguística Variacionista, verificar a necessidade de se observar,

apresentar e debater sobre a cultura sertaneja e interiorana do nosso Brasil, a qual, por sofrer

preconceitos de várias ordens, geralmente não é objeto de investigação científica.

Dessa forma, a fim de que os objetivos propostos fossem alcançados, como dissemos,

foram feitas oito entrevistas, sendo duas em “ambiente rural” e seis em “ambiente urbano”.

Os entrevistados foram divididos em três grupos de gerações: a) 20 a 30 anos; b) 31 a 50 anos

e c) 51 a 60 anos. Os encontros aconteceram em Tabaporã-MT e Sinop-MT. Cabe ressaltar

que o sujeito 4 mora na cidade de Cláudia-MT, mas vem diariamente para a segunda cidade

supracitada, devido ao seu curso de graduação. Todas as entrevistas ocorreram com a

permissão de cada sujeito e foram gravadas por áudio e transcritas as respostas na íntegra. No

quadro abaixo, constam as principais informações dos sujeitos e dos encontros realizados:

QUADRO 19 – Contextualização dos sujeitos participantes

9 Representa as respostas das questões Q1, Q2 e Q3 do roteiro de entrevistas, que se encontra nos apêndices

deste trabalho.

“Q1”

-

IDA

DE

“Q2” -

SEXO

“Q3” – ESCOLARIDADE/

PROFISSÃO

LOCAL DA

ENTREVIS

TA

CIDADE

EM QUE

MORA

SUJEITO

/SERTAN

EJO 1

59

anos

MASCULI

NO

ENSINO

FUNDAMENTAL/PRODU

TOR RURAL

RURAL TABAPO

SUJEITO

/SERTAN

EJO 2

43

anos

MASCULI

NO

ENSINO

FUNDAMENTAL/AGROP

ECUÁRIO

RURAL TABAPO

SUJEITO

/SERTAN

EJO 3

22

anos

MASCULI

NO

SUPERIOR

INCOMPLETO/AUXILIA

R DE PRODUÇÃO

URBANO SINOP

41

Fonte: Diego da Silva Dias, 2017

Os encontros com as pessoas foram previamente marcados, tanto pessoalmente,

quanto por contatos telefônicos e pelo aplicativo de mensagens instantâneas “Whatsapp”,

explicando-se os objetivos e a intenção sobre o tema pesquisado, o gênero Sertanejo Raiz. As

entrevistas tiveram a duração entre sete e quinze minutos, dependendo das respostas das

pessoas.

3.1 Análise dos dados

O objetivo principal deste trabalho, como já mencionado, é apresentar, demonstrar e

refletir sobre o gênero Sertanejo Raiz pelo fato de trazer uma carga histórica e cultural da

sociedade interiorana do Brasil.

Após a definição deste objetivo, elaboramos um questionário com vinte e sete

questões, o qual tem a seguinte estrutura organizacional: a) três questões para identificação do

sujeito; b) duas questões com opções transitórias, ou seja, tendo uma questão duas opções de

respostas: na 1ª – o sujeito, se optasse pela resposta positiva deveria continuar no primeiro

bloco de perguntas, caso escolhesse a resposta negativa, deveria alçar-se para o segundo bloco

e na 2ª – os sujeitos que optassem pelo gênero Sertanejo Universitário deveriam ‘pular’ para a

pergunta dezesseis; duas perguntas que envolvem a memória afetiva, isto é, sobre a impressão

que o sujeito tem quando escuta uma música e se ela provoca sentimentos; uma questão sobre

os cantores que os entrevistados gostam no estilo musical; duas questões envolvendo o

SUJEITO

/SERTAN

EJA 4

21

anos

FEMININ

O

SUPERIOR

INCOMPLETO/MONITOR

A DE ESCOLA

URBANO CLAÚDI

A

SUJEITO

/SERTAN

EJA 5

22

anos

FEMININ

O

SUPERIOR

INCOMPLETO/AUXILIA

R DE CLÍNICA DE

ESTÉTICA

URBANO SINOP

SUJEITO

/SERTAN

EJA 6

43

anos

FEMININ

O

SUPERIOR

INCOMPLETO/

AUXILIAR DE TURMAS

URBANO SINOP

SUJEITO

/SERTAN

EJA 7

40

anos

FEMININ

O

SUPERIOR

COMPLETO/PROFESSOR

A UNIVERSITÁRIA

URBANO SINOP

SUJEITO

/SERTAN

EJO 8

47

anos

MASCULI

NO

SUPERIOR

COMPLETO/PROFESSOR

UNIVERSÍTÁRIO

URBANO SINOP

42

melhor momento e os artistas que conseguiram o ápice do gênero Sertanejo; duas perguntas

voltadas ao instrumento “Viola Caipira”, abordando-se sobre o porquê dos admiradores

sentirem emoção perante o seu som e sobre a importância dela para a sociedade interiorana;

uma questão sobre o motivo do afastamento da vertente Sertanejo Raiz das grandes mídias,

mas, que segue firme no interior e, para fechar o primeiro bloco, encontra-se a última

pergunta que faz menção ao conhecimento que os sujeitos têm ou não sobre programas

televisivos que ainda valorizam a cultura sertaneja.

No segundo bloco, se disponibilizam cinco questões voltadas aos sujeitos que não

gostam do gênero Sertanejo Raiz e sete questões para os que gostam exclusivamente do

Sertanejo Universitário. A disposição das questões completas encontra-se nos anexos deste

trabalho.

3.1.1 Interpretação das Respostas

Todas as entrevistas foram realizadas no período de março e abril de 2017. As

informações serão apresentadas da seguinte forma, o termo “questão” terá a representação da

letra “Q”, à qual será adicionado o número referente ao determinado questionamento

(questão), por exemplo – “Q1”, as análises interpretativas das respostas permeiam a

fundamentação teórico-metodológica trazida nas partes anteriores deste trabalho. Os sujeitos

serão nomeados pelos termos “Sertanejo” e “Sertaneja”, sendo o primeiro a representação dos

entrevistados masculinos observados pelos números 1, 2, 3 e 8, e o segundo refere-se aos de

sexo feminino relacionados aos números 4, 5, 6 e 7.

As repostas dos sujeitos, como se poderá observar, vêm a contribuir para “a reflexão

sobre a Cultura Raiz e sobre o gênero musical denominado Sertanejo”.

As análises estão divididas em quatro subseções, enumeradas da seguinte forma: a

subseção 3.1.1.1 tem como objetivo, de forma sintética, apresentar as características e

informações dos sujeitos escolhidos para esta pesquisa; a subseção 3.1.1.2 apresenta a

interpretação de um grupo de quatro questões sobre o envolvimento e a preferência dos

sujeitos pelo estilo musical Sertanejo Raiz; a 3.1.1.3 aborda três questões que trataram sobre a

predileção dos cantores, contexto histórico e sobre os artistas que atingiram o estrelato e a

3.1.1.4, na qual se busca entender qual o grau de importância da Viola Caipira dentro do Meio

43

Sertanejo, a influência deste gênero musical nas grandes cidades, mídias sociais e, por fim, o

espaço que a música sertaneja ainda tem no mundo televisivo.

Mesmo com este formato de categorias para as análises das respostas dos sujeitos,

cabe ressaltar o que nos diz Gil (2008, p.157): “As respostas fornecidas pelos elementos

pesquisados tendem a ser as mais variadas”.

3.1.1.1 – Sujeitos Sertanejos e Sertanejas

Como já mencionamos, foram oito sujeitos entrevistados, sendo quatro do sexo

masculino e quatro do sexo feminino, que concordaram em participar desta pesquisa, por

meio de contato particular, telefônico e pelo aplicativo de mensagens instantâneas

“Whatsapp”.

As entrevistas ocorreram em dois ambientes distintos: a) as duas primeiras

aconteceram na zona rural de Tabaporã, tendo-se o objetivo de buscar as informações e

pensamentos das pessoas que prestigiaram o auge do Sertanejo e ainda vivem na Cultura Raiz

e b) as demais foram feitas na zona urbana de Sinop. Cabe ressaltar aqui que, mesmo sendo o

lócus de pesquisa um contexto interiorano do Estado de Mato Grosso, as expressões, termos e

modo de falar ditas nas respostas dos sujeitos devem ser levadas em conta, pois, conforme

explica Teles (2016, p.1), “A língua é bem comum a todos, determinante territorial e cultural

de um povo. Não podemos pensar em língua melhor ou pior, língua superior ou inferior num

país onde a diversidade linguística é tão marcante.”

Com relação à escolaridade, os “Sertanejos 1 e 2” tiveram poucas possibilidades de

frequentarem a escola, fizeram apenas os anos iniciais do Ensino Fundamental (este período

era denominado de estudos primários), a situação que os difere é que o primeiro sujeito

concluiu a 2ª série e o segundo chegou a completar o 5º ano, ambos não conseguiram avançar

nos estudos devido à necessidade de ajudar os pais na roça, quando ainda moravam em outros

estados brasileiros antes de chegaram ao Mato Grosso, mas, hoje, são donos de suas

propriedades rurais.

O “Sertanejo 3” já teve mais oportunidades, conseguindo finalizar o Ensino Médio e

atualmente está em um estágio avançado em um Curso de Graduação na Universidade Federal

do Estado de Mato Grosso (UFMT) e as “Sertanejas 4, 5 e 6” viveram situações parecidas, as

44

três estudam, hoje, na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT). A “Sertaneja 7”

e o “Sertanejo 8” atingiram o ápice na questão educacional, ganhando a titulação de

“Doutores”, tendo uma carreira consolidada e respeitada no meio acadêmico e hoje trabalham

na Universidade Estadual anteriormente citada.

3.1.1.2 Gosto e Memória Caipira

A “Q4”, que traz um questionamento objetivo, no intuito de descobrir o gosto dos

sujeitos pelo gênero Sertanejo através das opções “Sim” e “Não”, trouxe-nos, como resultado,

a alternativa afirmativa sendo escolhida pelos oito participantes, expondo o posicionamento

por parte deles favorável pelo tema abordado na pesquisa. Já em “Q5” pretendeu-se verificar

o gosto pessoal entre as vertentes do estilo musical, sendo estas o Sertanejo Raiz e o Sertanejo

Universitário, tendo como resultado – 06 sujeitos respondentes (“Sertanejos 1; 2; 8”;

“Sertanejas 4; 5 e 6”) que escutam as duas vertentes e 02 sujeitos, (“Sertanejo 3” e “Sertaneja

7”), que foram taxativos em responder: “Ouço apenas o Sertanejo Raiz”. Tal resultado

demonstra que existem pessoas que transitam entre esses dois estilos da música sertaneja.

Dessa forma, cabe ressaltar, conforme Nabor (2014, p.1), que “O Sertanejo predomina, mas

há espaço para todos as tribos”. Além disso, a autora complementa dizendo que o Sertanejo

Raiz ainda consegue ganhar espaço entre as gerações mais novas. No gráfico abaixo pode ser

melhor visualizado o resultado:

Gráfico 1 – Questão 5

Fonte: Diego da Silva Dias, 2017

25%

0%

75%

0%

Você gosta exclusivamente do Sertanejo Raiz ou também ouve o Sertanejo Universitário?

Ouço apenas o Sertanejo Raiz (2) Ouço apenas o Sertanejo Universitário (0)

Ouço os dois (6) Não gosto dos dois (0)

45

Cabe destacar aqui que nenhum sujeito respondeu as questões transitórias, disponíveis

no segundo bloco de perguntas, visto que nenhum entrevistado escolheu “Não” como resposta

à “Q4” e “Ouço apenas o Sertanejo Universitário” na “Q5”.

A “Q6” tinha como objetivo fazer com que os sujeitos relembrassem a primeira

música que ouviram do gênero Sertanejo. As canções citadas foram:

Quadro 2 – Músicas citadas pelos sujeitos

SUJEITO MÚSICAS CANTORES

SERTANEJO 1 Couro de Boi Tonico e Tinoco

SERTANEJO 2 Meus Passos Barrerito

SERTANEJO 3 Cabocla Tereza Tonico e Tinoco

SERTANEJA 4 Não mencionou nenhuma música -----------------------

SERTANEJA 5 É o Amor Zezé di Camargo e Luciano

SERTANEJA 6 Menino da Porteira Sérgio Reis

SERTANEJA 7 Menino da Porteira Sérgio Reis

SERTANEJA 8 Brasil Caboclo Tonico e Tinoco

Fonte: Diego da Silva Dias, 2017

3.1.1.3 Sentimentos Sertanejos

Em “Q7”, procurou-se observar o comportamento sentimental dos sujeitos perante as

músicas da vertente Sertanejo Raiz. Para a “Sertaneja 6”, tanto as letras quanto as músicas da

vertente Sertanejo Raiz contam sempre uma história, então, “não é que mexe e sim para

refletir sobre algo, sendo envolto de você ou de alguém que conhece”. Já na opinião do

“Sertanejo 1”, a realidade do contexto da música pode acontecer nos dias atuais em que

vivemos em nosso país. Para o “Sertanejo 2”, a música sertaneja traz “uma sensação boa”; o

“Sertanejo 3” comenta que “ela faz pensar e contar histórias interessantes, trazem valores e

educação”; a “Sertanejo 4” afirma que “A letra retrata o contexto em que ela foi escrito e

transmite a realidade de quem escreveu.”; o “Sertanejo 5” diz que o tom de melancolia da

46

música sertaneja “acalma e a letra transmite alguma coisa para você, seja amor ou tristeza”; a

“Sertaneja 7” responde que a história e o ritmo são questões que mais surpreendem nas

músicas sertanejas, ela observa ainda que as pessoas que cantam aquelas histórias transmitem

uma emoção enorme, que consegue absorver para seu interior; finalmente, o “Sertanejo 8”

destaca que este gênero canta a vida rural, ainda mais para quem tem laços afetivos com a

Cultura Raiz, que retrata aspectos como o cotidiano das pessoas, a natureza, o rio, o cavalo, o

cultivo e a maneira que cuidam dos alimentos.

Na “Q8”, quis-se saber sobre os cantores preferidos que os sujeitos têm neste estilo

sertanejo, sendo que podiam escolher entre as quatro categorias possíveis de formação de

cantores: individual, dupla, trio e duo (homem e mulher). A opção que se destacou foi a

“dupla”, com ênfase aos cantores Chitãozinho e Xororó, citados duas vezes pelos

participantes. Um dos sujeitos entrevistados não citou nenhum cantor de preferência

diretamente durante a entrevista, apenas no final mencionou, informalmente, o nome da dupla

Tonico e Tinoco.

Gráfico 2 – Cantores preferidos

Fonte: Diego da Silva Dias, 2017.

Na sequência, os entrevistados deveriam apontar, em “Q9”, o melhor momento

histórico do gênero Sertanejo desde 1929 até os dias atuais, a maioria deles, sendo os

“Sertanejos 1, e 2” e a “Sertaneja 4”, apontaram o período de atuação (1955-1992) da carreira

da dupla de Tião Carreiro e Pardinho. Foram trinta e sete anos de uma certa inconstância da

dupla, que se deve por causa que os cantores tiveram diversas brigas e separações, nas quais

aconteciam muitas idas e vindas da parceria. Cabe ressaltar que, nesse período, totalizaram-se

25%

12%

12% 12%

13%

13%

13% Chitãozinho e Xororó (2)

Tião Carreiro e Pardinho (1)

Matogrosso e Mathias (1)

Chico Rey e Paraná (1)

Breno Reis e Marco Viola (1)

Di Paulo e Paulino (1)

Tonico e Tinoco (1)

47

cinco anos de ausência da união dos dois cantores, ambos tiveram então diversos parceiros

durante essas separações. Rosa Nepomuceno (1999) aponta um dos motivos para tantas

confusões:

Segundo a viúva, Tião sempre chorava quando o companheiro resolvia

deixá-lo, pelos motivos de sempre. (...) Pardinho, de temperamento mais

reservado, fora do palco ou do estúdio, preferia guardar o instrumento e ir

para o hotel ou para casa à comemorações. (...) Não deveria ser fácil, para

Pardinho, também bom violeiro, assistir todos os rappés10

e saudações à

figura e ao talento de Tião Carreiro. Fazer o quê? O Bigodudo tinha carisma.

(NEPOMUCENO, 1999, p. 338).

O Sertanejo 1 destaca que um dos melhores momentos foi “Entre 1965 e 1970, quando

ouvia muitas músicas de Tião Carreiro e Pardinho no rádio, quando ainda estava no Estado do

Paraná” e já a Sertaneja 4 disse que “o momento que teria mais conteúdo desde daquela

época, como é o nome... Tião Carreiro e Pardinho até o começo da década de 1990”.

A dupla aparece novamente nas respostas da “Q10”, sendo mencionada por quatro

sujeitos, os “Sertanejos 1, 2 e 8” e a “Sertaneja 4”, e são apontados como os maiores

referenciais do gênero Sertanejo. A resposta do “Sertanejo 3” se posiciona como aquela dupla

que “se tornou ícone e que representa o estilo” e, segundo a Sertaneja 4, a dupla tem bastante

notoriedade em sua casa e por ser a que seu pai mais gosta de ouvir.

Com relação às respostas dos sujeitos na “Q10”, percebe-se que eles demonstram que

o gênero Sertanejo leva à reflexão, pois apresenta um teor de verossimilidade e saudosismo

em suas letras e melodias, em especial, que estas assertivas estão em consonância com o

pensamento de Villela, quando diz que:

O fato de a música caipira ter a sua base poemática calcada no romance e

estar sempre contando uma história acontecida ou que guarda um valor que

faz alusão ao acontecido ou imaginado fez que, no momento em que se fosse

para o rádio, essa música trouxesse aos ouvintes a história, os valores e a

realidade desse camponês, mantendo-o, mesmo longe de suas raízes,

enraizado. (VILELA, 2010, p. 336).

Para o autor, a música sertaneja possui poema em sua base estrutural, caracterizado

como “romance”. De acordo com Nepomuceno (1999), apud Menezes (2008), é uma história

contada por versos longos, com temas da vida do homem sertanejo, então, as músicas do

gênero fazem as releituras do cotidiano dele, proporcionando reflexões.

10

Rappés – cumprimento exagerado, bajulação.

48

Além disso, conforme Ferrete (1985), apud Silva (2013, p.11), o gênero “defende uma

linha bastante saudosista e romântica em relação ao passado caipira, onde acredita que a

música autêntica é a caipira rural, e que os novos rumos tomados pela música tornara-a

esvaziada de conteúdo.” Este autor tem, portanto, o posicionamento que o gênero Sertanejo

Raiz possui uma tonalidade misturada de saudade e romance, interligada à vertente caipira, o

que deu credibilidade a este estilo musical por apresentar um grau de autenticidade, já o

processo de modernização fez com que ele perdesse beleza de conteúdo.

3.1.1.4 Viola: por que o instrumento é respeitado pelo homem sertanejo?

As perguntas subsequentes tiveram como objetivo destacar a importância da viola para

a comunidade sertaneja e o espaço que o gênero Sertanejo ainda tem na mídia, especialmente

na televisiva. Na “Q11”, questiona-se por que o som do instrumento consegue proporcionar

sentimentos diversos, como choro e/ou alegria em seus admiradores.

O “Sertanejo 2” e a “Sertaneja 5” respondem esta questão da seguinte forma:

Sertanejo 2: Ela representa a cultura e tradição do Brasil;

Sertaneja 5: Porque poucos sabem tocar e transmitem a paixão pelo e não

somente tocar, tem de transmitir de algum sentimento através do toque.

O “Sertanejo 2” enaltece, assim, que a viola acabou se tornando um símbolo de cultura

e tradição de nosso país, enquanto a “Sertaneja 5” exalta que o intérprete, além de tocar a

viola, transmite vários sentimentos, como a paixão, sendo assim, consegue, com o seu toque,

levar alegria para quem estiver lhe escutando.

Nesse sentido, Vilela destaca a importância dela em nosso país:

A viola, por excelência, foi durante os primeiros séculos de colonização o

principal instrumento acompanhador do canto e apenas na segunda metade

do século XVIII cedeu lugar, na cena urbana, ao jovem violão, que pela

afinação e por ter cordas simples e não duplas se mostrou mais funcional ao

ofício de acompanhador do canto11

. (VILELA, 2010, p.327).

Nesta citação, o autor explica que a viola era o principal instrumento de

acompanhamento de canto desde a colonização do Brasil, mas, perdeu a sua importância

quando surge o violão. Contudo, cabe ressaltar, que ela recupera o seu status quando ocorre a

criação do “pagode de viola”, por Tião Carreiro, em 1959. A gravação da música “Pagode em

11

Instrumento auxiliar do cantor.

49

Brasília”, no ano seguinte, composta por Lourival dos Santos e Teddy Vieira, foi interpretada

pela primeira vez pelo criador do “pagode” e o parceiro Pardinho na turnê que fizeram na

região de Maringá-Paraná. Este tipo de “pagode” intercala o som dos dois instrumentos. Tião

Carreiro fez os primeiros testes com posições no violão e depois fazia as posições invertidas

na viola.

Na “Q12”, destacamos as respostas da “Sertaneja 7” e do “Sertanejo 3”, que se

posicionam sobre a importância da viola para o gênero Sertanejo e à população desta maneira:

Sertaneja 7: eu não vivo este universo, mas eu acho que por contar as

histórias do povo sertanejo, eles, ao ouvirem, se reconhecem e vivenciam na

memória suas próprias histórias, então, a importância se dá por isso.

Sertanejo 3: Ela é a representação do povo sertanejo, seria o diferencial,

igual o violão é usado em vários gêneros: gospel, rock e pop, já a viola é

algo exclusivo ou quase exclusivo da música raiz, fazendo assim uma marca

deste estilo.

Conforme Linhares (2005, p.92), “esse gênero musical só pode ser explicado em

função de o caipira se ver representado nessa música”, o autor destaca assim que o caipira

consegue observar suas características da vida cotidiana nos temas cantados neste estilo

musical que tem como instrumento principal a viola caipira e ainda afirma que a cultura

caipira passa, atualmente, por modificações econômicas sofridas na zona rural, mas ela

continua a manter os laços históricos.

Por sua vez, os sujeitos demonstraram em suas respostas que a viola possui um

enorme respeito e é a representação cultural da comunidade sertaneja, dessa forma, os

participantes entrevistados compreendem que as canções entoadas pelas duplas sertanejas

acompanhadas pelo som da viola aguçam a imaginação e remetam à identificação do caipira

em seu meio.

Ao questionarmos, na “Q13”, o motivo de o Sertanejo Raiz estar afastado das grandes

mídias, mas ainda continuar com uma enorme força no interior, os “Sertanejos 2 e 3” se

posicionaram desta forma:

Sertanejo 2: Porque os bacanas e ignorantes deixaram de lado e a tradição

vai se acabando;

Sertanejo 3: Não sei se posso ofender, mas, o povo está ficando muito burro,

mas têm outros gêneros que estão dominando as mídias e a população das

cidades, só que no interior, o único gênero que continua representando a vida

deles é o Sertanejo Raiz que ainda fala do trabalho do campo, deste tipo,

apesar que as coisas estão mudando, mas não tão rapidamente, como nos

centros urbanos.

50

Conforme Araújo (2014, p.13), “a música sertaneja se propõe a ser uma espécie de

porta-voz do passado, comumente apresentado de maneira idealizada ou trágica, bucólica ou

épica, e acaba por construir uma vasta constelação de narrativas deste mesmo passado.” Isto

demonstra que o gênero Sertanejo é um “portal” para as lembranças antigas do homem

campesino, onde elas são narradas e interpretadas em diversas temáticas, despertando assim

sensações desde alegres até tristes.

A “Q14” buscou verificar se os entrevistados sabiam se no meio televisivo ainda há

espaço para a cultura sertaneja. Dentre as respostas, destacou-se o programa “Viola, minha

Viola”, da TV Cultura, apresentado no período de 1980 a 2015, por Inezita Barroso, programa

este que foi mencionado por quatro sujeitos.

QUADRO 3 – “Programas Sertanejos”

Programas Emissoras Sujeitos

Viola, minha Viola TV CULTURA 4 (Sertanejos 1 e 3;

Sertanejas 6 e 7)

Eliane Camargo CANAL DO BOI 1 (Sertanejo 2)

Boteco do Ratinho –

Programa do Ratinho

SBT 1 (Sertaneja 5)

Sr. Brasil TV CULTURA 1 (Sertanejo 8)

Nenhum programa - 1 (Sertaneja 4)

Fonte: Diego da Silva Dias, 2017.

Os entrevistados mostraram-nos, assim, por meio de suas respostas, que o gênero

Sertanejo ainda (sobre)vive na mídia televisiva e fonográfica. Além disso, como pudemos

constatar, todos os sujeitos desta pesquisa, homens e mulheres, de distintas idades e

escolaridades, afirmaram gostar do gênero Sertanejo Raiz.

Estes resultados, dessa forma, não foram incisivos e suficientes para responderem o

tema central proposto pela pesquisa, que era o de verificar como ocorrem os preconceitos

linguísticos e sociais que se depreendem na cultura Raiz e no gênero musical Sertanejo. É

possível, no entanto, deduzir que estes resultados, desta pequena amostra, tenham sido obtidos

por causa do lócus da pesquisa, cidades interioranas do Estado de Mato Grosso, e por causa

dos sujeitos, em sua maioria, emergirem da zona rural e/ou do ambiente universitário, sendo

este último conhecido como difusor da música sertaneja, ainda que com predileção ao

Sertanejo Universitário.

51

De qualquer modo, a não apreensão explícita nos dados sobre os preconceitos que

circundam a música sertaneja não invalidam os resultados e nem diminuem a cientificidade da

pesquisa, que se ampara nos pressupostos da Sociolinguística Variacionista, pois foi possível

mostrar, por meio da pesquisa, características importantes de um segmento da população

brasileira, o caipira, que, historicamente, tanto na literatura quanto na mídia, sempre sofreu

preconceito, principalmente por causa do seu jeito de falar. Dessa maneira, retratar a cultura, a

linguagem, a história e como os sujeitos entrevistados veem o gênero Sertanejo Raiz é, sem

dúvida, relevante e traz a possibilidade de se empreender novas pesquisas que possam

complementar e problematizar este tema ainda visto com desprestígio por pesquisadores,

professores e por distintos aportes teóricos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O processo de desenvolvimento da presente pesquisa possibilitou que fossem tecidas

considerações sobre a cultura raiz da sociedade interiorana, assim, como sobre a

representação artística desta parcela populacional, que é o gênero musical denominado

Sertanejo Raiz. Esta parcela populacional, tal como o estilo musical de sua preferência, tem

sofrido, no Brasil, preconceitos sociais e linguísticos por causa, principalmente, do caipira

brasileiro ter recebido, dentre outros estereótipos, o de “Jeca Tatu”, bem como por causa das

letras e canções apresentarem inadequações no que tange à norma culta da língua portuguesa,

com isso, encontrando dificuldades de aceitação por parte da população urbanizada.

De maneira geral, contudo, a música sertaneja e a cultura raiz se tornaram um elo entre

o passado e o presente do Brasil, através de elementos culturais e manifestações artísticas.

Sendo assim, a população urbana, mesmo apresentando discriminação frente ao homem

sertanejo, consegue compreender a importância deste estilo cultural para a memória do nosso

país e, por sua vez, ter uma certa afeição ao gênero Sertanejo.

A pesquisa foi de cunho bibliográfico e de campo, baseada nos conceitos da

Sociolinguística Variacionista, que ajudaram na sustentação argumentativa e teórica da

construção das considerações analíticas e resultados. Com este enfoque teórico-metodológico,

foram consultados diversos livros, artigos, textos webgráficos, vídeos e entrevistas que

retratavam sobre a temática. Além disso, empregaram-se dois recursos importantes, sendo

estes: a) O questionário, que serviu como roteiro e norteador para a condução do pesquisador

52

no momento das conversas com os sujeitos e b) O aplicativo “gravador” de aparelho

smartphone, para melhor obtenção das respostas.

Com o término da pesquisa, compreende-se a necessidade de se fazer um estudo mais

abrangente sobre o tema, para que se possa aprofundar a observação dos movimentos de

preconceitos linguísticos e sociais sobre a Cultura Raiz e o Sertanejo impressos pela

sociedade urbanizada, que se considera superior à população interiorana.

Esta pesquisa acadêmica, por sua vez, iniciou o caminho para a realização de novos

estudos com essa temática, sobre a qual se tem pouco conhecimento científico. Como

contribuições, trazemos o pertinente debate que procurou trazer à tona a cultura, a linguagem,

a história e a identidade do caipira/sertanejo, que ainda mantém laços com o início da

colonização brasileira.

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APÊNDICE

A - QUESTÕES

1 – Qual é o seu nome e quantos anos você tem?

2- Qual o seu sexo?

( ) M ( ) F

3- Qual é a sua escolaridade e a sua profissão?

4 – Você gosta de música estilo sertaneja raiz?

( ) Sim ( ) Não (se esta for a resposta, pular para a pergunta 15)

5 – Você gosta exclusivamente do Sertanejo Raiz ou também ouve o Sertanejo Universitário?

( ) Ouço apenas o Sertanejo Raiz

59

( ). Ouço apenas o Sertanejo Universitário (pular para a 16)

( ). Ouço os dois

( ). Não gosto dos dois

6 – Você consegue recordar qual foi a primeira música que ouviu deste gênero musical?

7 – O que mais te impressiona quando escuta uma música caipira? Ela mexe com seus

sentimentos?

8 – Qual (is) são seus ídolos cantores? Pode ser uma das opções abaixo:

a) individual –

b) dupla –

c) trio –

d) duo (homem e mulher) –

9 – Para você, qual foi o melhor momento do gênero sertanejo Raiz desde 1929 (o seu início)

até o momento atual?

10 – Em sua opinião, qual é o maior nome desse estilo musical?

11 – Agora falando sobre a Viola Caipira, por que, em sua opinião, muitos admiradores se

emocionam com o som do instrumento?

12 – Qual é a verdadeira importância da Viola para o povo sertanejo em sua opinião?

13 – Por que o Sertanejo Raiz está afastado das grandes mídias (TV, Rádio e Internet) e

grandes cidades, mas continua firme e forte no Interior?

14 – Mencione um ou mais programas que ainda valoriza(m) a Cultura Sertaneja?

Para quem não gosta

,15 – Se não, quais são as razões que fazem você não gostar deste estilo musical?

16 – Em sua opinião, elas são muitas inadequadas ao nosso tempo?

17 – Ela não apresenta sentimentos para você se encantar por este estilo musical?

18 – Então, qual é o seu estilo musical de sua preferência?

60

19 – Qual é o seu cantor preferido?

Para o Sertanejo Universitário

20 – Por que, você gosta do Sertanejo Universitário que é uma vertente do Estilo Raiz e quais

são os motivos para prestigiar um ramo deste gênero musical?

21 - Você consegue recordar qual foi a primeira música que ouviu do Sertanejo Universitário?

22 – Cite seu cantor favorito?

23 – Em sua opinião, qual é o maior nome do Sertanejo Universitário?

24 – Por que o Sertanejo Universitário demonstra tanta força na mídia brasileira e

internacional (em algumas situações)?

25 – Mencione um ou mais programas que demonstra essa força?

26 – Você consegue ver pontos negativos e positivos do Sertanejo Universitário?

27 – Em sua opinião, os cantores do Sertanejo Universitário desprestigia os antecessores – os

cantores e duplas da Música Sertaneja Raiz?

61

B - RESPOSTAS DOS SUJEITOS

1 – Davi Rodrigues da Silva – 59 anos

2 – ( x ) M

3 – Semi alfabetizado; Produtor Rural

4 - ( x ) SIM

5 – ( x ) Ouço os dois

6 – Couro de Boi (Tonico e Tinoco)

7 – Sim, consegue. A realidade contada por ela, o que acontece até hoje em dias atuais.

8 – Dupla: Tião Carreiro e Pardinho

9 – Entre 1965 e 1970, quando ouvia muitas músicas do Tião Carreiro e Pardinho no rádio,

quando ainda estava no Paraná

10 – Na minha opinião: 1º Tião Carreiro e Pardinho; 2º Zezé di Camargo e Luciano

62

11 – Por que foi o primeiro instrumento que se destacou no Brasil, juntamente com o

acordeom.

12 – O som da viola caipira representa as mágoas, felicidades e alegrias do povo sertanejo

através do instrumento e as vozes dos cantores.

13 – No Interior, existe ainda muita tradição do campo e mantém as culturas antigas dos pais

ouvindo as músicas antigas do Sertanejo Raiz.

14 – Viola, minha viola / TV Cultura (atualmente sem apresentação principal desde 2015,

quando faleceu Inezita Barroso no qual comandou por trinta anos); Brasil Caipira / TV

Câmara (Luiz Rocha)

1 – Sérgio Alves Barbosa – 43 anos

2 – ( x ) M

3 – Primário – Agropecuário

4 – (x) Sim

5 – (x) Ouço os dois

6 – Meus passos – Barrerito

7 – Sim. Uma sensação boa

8 – b) Dupla – Di Paulo e Paulino

9 – Em 1980. No auge da Fama do Tião Carreiro e Pardinho

10 – 1º Di Paulo e Paulino

11 – Ela representa a cultura e tradição do Brasil

12 – Não soube responder

13 – Por que os bacanas e ignorantes deixaram de lado e a tradição vai se acabando

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14 – Eliane Camargo (CANAL DO BOI); Modão do Brasil – Alison Brasil (É Paraná)

1 – Isac Rosa Rodrigues 22 anos

2 – (x) M

3 – Ensino Superior Incompleto – Auxiliar de Produção

4 – Sim

5 – (x). Ouço apenas Sertanejo Raiz

6 – Cabocla Tereza e Chico Mineiro

7 – Não sei, ela faz pensar e contar histórias interessantes, trazem valor e educação.

8 – Dupla – Chico Rey e Paraná

9 – Temática Romântica – fim da década de 1980 e início de 1990

10 – Tião Carreiro e Pardinho, aquele se tornou ícone e o que representa o estilo

11 – Pela Complexidade do instrumento, porque a música sertaneja raiz, as outras partes

como: tempo musical, os acordes usados, tipo de melodia e harmonia é relativamente simples

em comparação a outros gêneros, mas o chamado “solo” que é o ponteado de viola, ele

sempre se destaca em relação ao restante da música.

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12 – Ela é a representação do povo sertanejo, seria o diferencial, igual ao violão é usado em

vários gêneros: gospel, rock e pop, já a viola é algo exclusivo ou quase exclusivo da música

raiz, fazendo assim uma marca deste estilo

13 – Não sei se posso ofender, mas, o povo está ficando muito burro, mas têm outros gêneros

que estão dominando as mídias e a população das cidades, só que no interior, o único gênero

que continua representando a vida deles é o sertanejo raiz que ainda fala do trabalho do

campo, deste tipo, apesar que as coisas também estão mudando não tão rapidamente nos

centros urbanos.

14 – Viola, minha viola (Inezita Barroso)

1 – Larissa Lourenço Lopes Martins e tenho 21 anos

2 – (x) F

3 – Eu sou estudante do Ensino Superior, monitora de escola

4 – (x) Sim

5 – (x) Ouço os dois

6 – Não

7 – A letra, o contexto que ela foi escrito e transmite com a realidade de quem escreveu

8 – Mato Grosso e Mathias

9 – Olha, não seria o melhor momento, o momento que teria melhor conteúdo desde daquela

época, como é o nome... Tião Carreiro e Pardinho até o começo da década de 1990.

10 – Na verdade, é assim o tem mais notoriedade pelo menos lá em casa e que meu pai gosta

bastante de ouvir Tião Carreiro.

11 – Eu acho que faz remeter aquela raiz sertaneja, é um instrumento que remete bastante.

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12 – Ela usada, principalmente, pelo aquele povo, sabe você fala em viola já pensa em

Sertanejo, não vincula a outro gênero musical e nada, como se fosse a identidade deles.

13 – Ele conta justamente a história do interior, normalmente, o pessoal da cidade com coisas

que se identificam e como estão distantes desta realidade do sertão não atrai muito.

14 – Essa eu sei responder, porque não assisto e não ouço rádio.

1 – Alana Sara Zimmerman – 22 anos

2 – (x) F

3 – Trabalho numa clínica de estética e faço faculdade na Unemat

4 – (x) Sim

5 – (x) ouço os dois

6 – É o amor – Zezé di Camargo e Camargo

7 – A melancolia dela, porque ela acalma e a letra transmite alguma coisa para você seja amor

ou seja tristeza.

8 – (x) dupla: Brenno Reis e Marco Viola

9 – Seria nas décadas de 1970 e 1980, quando não tinha o Sertanejo Universitário, era apenas

o Raiz e não possuía os dois sertanejos.

10 – Almir Sater

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11 – Porque poucos sabem tocar e transmitem a paixão pelo instrumento, e não é somente

tocar, tem de transmitir algum sentimento através do toque.

12 – Ela é uma representação da cultura.

13 – Porque os grandes centros têm uma cultura mais avançada, já no interior as pessoas mais

velhas preservam os velhos costumes desde a música raiz e os jovens de hoje em dia não

acompanham muito isto, porque os pais já não são tão jovens e tiveram filhos muitos jovens

não acompanham mais e os outros gêneros estão muitos complexos na mídia, isto atrapalha

no Sertanejo Raiz, porque ele é passado de pai para filho, sendo hereditário.

14 – Quadro “Boteco do Ratinho” – Programa do Ratinho

1 – Aparecida Rosa de Lima – 43 anos

2 – Feminino

3 – Auxiliar de Turmas e Ensino Superior Incompleto

4 – (x) Sim

5 – (x). Ouço os dois

6 – Menino da Porteira – Sérgio Reis

7 – A música sertaneja raiz, a letra dela sempre está contando uma história... sempre está

contando uma história, então não é que mexe e sim para refletir sobre algo, sendo envolto de

você ou de alguém que conhece.

8 – Eu gosto dos “antigos” Chitãozinho e Xororó, por que é bem “música raiz”, depois eles

mudaram, pelo fato que o mundo mudou e tiveram que também mudar.

9 – Eu não sei quais foram, mas o que mais gostei foi na época dos anos 1990.

10 - Leonardo

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11 – Ela (viola) chama atenção, porque quando alguém vai toca-la, as pessoas silenciam e dá

impressão que estão ali para apenas ouvir o seu som, então, eu não sei explicar direito, mas,

ninguém quer cantar nada, só quer ouvir né...

12 – Sem a viola, eles não poderiam cantar, ela representa mesmo, pode ver que tem em um

CD ou Disco que tem a viola como símbolo e na casa deles com certeza, eles devem ter desde

a mais antiga até a mais moderna como a representação da música sertaneja.

13 – Acredito eu que é por causa da geração.

14 – Viola, minha viola (Inezita Barroso)

1 – Juliana Freitag Schweikart, 40 anos

2 - Feminino

3 – Doutora professora

4 – (x) Sim

5 – (x) Ouço apenas Sertanejo Raiz

6 – Menino da Porteira – Sérgio Reis

7 – A história e o ritmo. Ela não demonstra saudade, por que não tive contato com histórias

que são contadas no sertanejo raiz, mas, como eu gosto de culturas diferentes, imagino a

cultura da pessoa, enquanto, ela canta aquela música e isso me traz a emoção.

8 – 1º Chitãozinho e Xororó, 2º João Mineiro e Marciano e 3º Milionário e José Rico

9 – Eu não conheço, nunca estudei e me preocupei com essa trajetória, mas, porém acho que o

auge foi o período que ouço mais músicas também que é na minha adolescência, por conta

dos meus pais e não porque escolhesse ouvir às músicas na adolescência não dava tanto valor

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à elas, mas, hoje passado algum tempo com a maturidade passo dar mais valor para essas

músicas da década de 1990, o único período que prestei atenção.

10 – Em minha opinião – Milionário e José Rico, os únicos que ficaram gravados na memória

11 – Nossa que difícil responder essa pergunta, não posso responder pelos outros, mas, para

mim, quando ouço a viola é um som único, muito bonito, bem trabalhado, com muitas notas e

é som muito bonito.

12 – Outra pergunta muito difícil, porque eu não vivo este universo, mas, eu acho que por

contar as histórias do povo sertanejo, eles ao ouvirem, se reconhecem e vivenciam na

memória suas próprias histórias, então, a importância se dá por isso.

13 – Uau... eu acho que é porque nas grandes cidades, porque temos o capitalismo e

imediatismo nas informações, o que leva a uma tendência de você escolher um grupo que te

insira e as universidades de nossa região, que é uma região universitária e as pessoas para se

inserirem em grupos sociais, elas acabam tendenciadas por este universo e por ser legal,

talvez, no sentido coleguismo arrumar um grupo para você conviver. E no interior, isto ainda

não chegou e se chegou muito timidamente suponho eu que as pessoas permaneçam com suas

culturas mais antigas, porque este imediatismo que existe na cidade e materialismo todo,

ainda não tenha chegado no interior.

14 – Olha, eu acho que existe até hoje aquele programa é... pelo menos até o ano passado

existia o programa da Inezita Barroso (Viola, minha viola), existe também aquele programa

antigo com o apresentador... com o Rolando Boldrin no Sr. Brasil e assisti recentemente na

casa dos meus pais e todos que assisti é o que eu mais gosto.

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1 – Aumeri Campos Bampi, 47 anos

2 – Masculino

3 – Doutorado, pós-doutorado e sou professor na área de filosofia, antropologia e ciências

ambientais.

4 – (X) Sim

5 – (x) Ouço dois. Mas o que mais ouço e que faz mais sentido é a sertaneja raiz, embora o

lugar onde nasci havia uma percepção muito clara da diversidade cultural da música, a música

raiz tocava até praticamente até as seis horas... seis e meia da manhã e depois tínhamos um

período de música gaúcha, nativista e no fim da tarde tínhamos a volta de programas de

música raiz, isto também me influenciou um pouco sobre a questão da música sertaneja.

6 – Eu lembro das músicas como “Brasil Caboclo”, “Cafezal em flor”12

, cantaram as coisas

típicas do interior do Brasil e do Brasil Rural.

12

O nome real da música é Flor do Cafezal

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7 – Sim, ela mexe, é uma música que canta a vida rural, de quem nasceu e cresceu no interior,

na roça, então, ela retrata muito o cotidiano dessas pessoas e também tem uma relação muito

direta com a própria natureza com o humano inserido num contexto que pode ser o rio, o

cavalo, o pássaro, uma arvore, uma flor e a própria plantação.

8 – Na verdade, não tem um ídolo específico, um ou outro, mas [...] o que mais chama

atenção na música sertaneja, a raiz tem uma grande relação com as duplas sertanejas ou os

duos (homem e mulher) e faziam vozes distintas, foi uma marca que ficou muito forte na

música sertaneja raiz que permitia os cantores cantassem sozinhos, embora, se eu dissesse um

ou outro, foram várias gerações, mas, eu cresci escutando rádio por influência da própria

família, porque meu avô acordava muito cedo, obviamente escutávamos direta e

indiretamente também estávamos participando daquela musicalidade [...] eu acho que

existiam diversos cantores como Tonico e Tinoco, Cascatinha e Inhana e até chegar

Milionário e José Rico que é uma coisa mais recente, embora uma coisa mais urbanizada,

sendo que este último estágio pega uma mudança que acompanha o êxodo rural.

9 – Bem... eu creio que a era de ouro tem muito a ver com a expansão do Rádio no Interior do

Brasil, embora, que eu seja do final da década de 1960 e quase princípio da década de 1970,

creio que a era de ouro que se estabelece entre as décadas de 1960 e 1970, mas, estas duas

décadas, creio que são muitos fortes em relação ao cantar os valores da cultura sertaneja

caipira que é um canto conectado com os valores da ruralidade, mas, numa ruralidade que

canta não a visão do coronel, sim a que canta a visão da sociedade, do pequeno agricultor e da

agricultura familiar.

10 – Bom, eu não sei... diria que fosse para falar explicitamente dessa questão da música raiz,

não se tem como citar Tião Carreiro, de uma manifestação de cantoria e também acompanha

essa questão da viola que identifica muito esse tipo de música, eu penso que é um real um dos

ícones dessa forma de musicalidade.

11 – Bom... É um som muito metálico, que na verdade creio ser assim o som da viola, a

sonoridade e você também tem uma forma de adaptação que foi feita para a própria cultura

brasileira, essa cultura caipira que na verdade misturou a indígena e a portuguesa, depois veio

os imigrantes italianos, fundamentalmente, em São Paulo, que foram mestres no arranjo,

organização e na formação de duplas, eu acho que que eles enriqueceram muito isso neste

estilo musical, mas, a viola é um instrumento de muita história trazida pelos portugueses, ela

ganha aqui no Brasil uma sonoridade bem especial e na sua forma e saí daquela questão

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medieval, chegando no Brasil: ela continua um cantar bucólico, mas, também cantando a

realidade local.

12 – É uma riqueza cultural imensa de ante dos diversos Brasis que nós temos... como: Brasil

Sertanejo e o Brasil Caipira. É a conservação de uma riqueza produzida secularmente, então,

não tem como ser uma coisa original, fora que tem um instrumento trazido, adaptado e

modificado, tendo uma musicalidade sendo construída, mas, ela é uma coisa original daqui do

Brasil.

13 – Bom... acho que a gente tem que entender um pouquinho do processo da indústria

cultural de massa, como isso funciona e o que se torna um bom ou mal negócio, que na

verdade, a mídia e os produtores culturais tratam isso como um grande negócio, talvez, com o

declínio da própria população rural que mais vivencia estes valores, não há um mercado

interessante, se não ser nas pequenas e médias cidades e mesmo na vida rural. Então, como

hoje temos no Brasil: uma população vivendo em espaços urbanizados e metrópoles acaba se

desconectado de uma realidade deste canto, dessa música, dos valores e como essa realidade é

retratada, infelizmente, você acaba tendo uma manipulação midiática, onde se torna uma coisa

e as músicas como algo a ser vendido e não ser uma coisa a ser construído e valorizado. Mas,

eu acho que a música caipira: ela se insere dentro da dimensão da Música Popular Brasileira e

não daquilo que se chama Pop, tendo um Almir Sater cantando que na verdade é uma música

caipira raiz, as pessoas gostam disso. O que ocorre sempre nestes estilos é que eles se cercam

das populações urbanas da atualidade.

14 – Hoje, eu não sei se passa, mas, eu gostava de um programa que até recentemente na TV

Cultura que era o Sr. Brasil, um outro que era... o Viola, minha Viola... acho que estes

cantavam muito... embora no Rio Grande do Sul, do lugar que eu vim, quando tinha vinte e

tantos anos havia também um programa também se chama Galpão Crioulo, mas, fazia um

estilo mais uma música nativista local, só que volta e meia inseria a música caipira.