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Dimanche

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EDITORIAL A cada edição, um poeta, um novo ponto de vis-ta. A Dimanche busca tratar de assuntos interessantes, expor opiniões, divulgar cultura. Mais do que falar de coisas sérias, queremos dizer algo. E mesmo quando não dizemos nada, queremos falar sério. E por sério entendemos assuntos que suscitem reflexões, não nec-essariamente verdades. Na estreia de Dimanche, para começar com o pé direito, não poderíamos deixar de escolher um poeta que nos inspirasse mais: Manoel de Barros. Um poeta genuinamente brasileiro que tira a sua poesia dos acon-tecimentos cotidianos, da natureza, do ambiente que o rodeia. Mostra que existe poesia nas pequenas coisas. Com esta edição propomos, tal como o poeta, ver o mundo com mais sensibilidade. A poesia não está apenas nas palavras, nos textos, nos livros. Encontramos poesia na vida, nas árvores, nas formigas, nos rios, nas atitudes. Poesia é saber que o mundo atual precisa mais de natureza que de dinhei-ro, que a verdadeira herança não está na influência, no poder e na fortuna e sim no estilo de vida, nos valores, na consciência e preocupação com a preservação do que realmente nos inspira. Nosso anseio é ser uma fonte de inspiração para poetas, trazendo novas referencias, renovando antigas; para não poetas, motivando atitudes, mudando per-spectivas. A equipe da Dimanche espera que os leitores (re) encontrem nessa edição o prazer de ler poemas e (re) descubram o grande poeta mato-grossense.

“Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é

verdadeira” M.B.

EXPEDIENTEJulia Pedroza Lugon

Letícia Valadão

Nathalia Zôrzo

redatorarepórtereditora

diagramadorarepórter

redatoradiagramadora

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“O Poeta Pantaneiro”

Conheça um pouco da vida e obra do poeta que inspirou esta edição da Dimanche.

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“O que é voar fora da asa?”

Para Manoel de Barros “poesia é voar fora da asa”.E para você? Veja o que os nossos leitores inter-pretam dessa expressão.

“Poemas concebidos sem pecado”

Já dizia Clarice Lispector: “escrevo porque sinto necessi-dade de apro-fundar as coisas, de vê-las como realmente são”.Confira nessa editoria as mais íntimas poesias de Manoel, sua maneira de ver o mundo.

“As árvores me começam”

João Batista é um senhor de 80 anos que resolveu plantar em seu sítio 350 mudas de plantas do cerrado.

“Não serei mais um pobre diabo que sofre de nobrezas”

Dona Inez é uma senhora que se encantou pelo colégio da cidade de Junquerlân-dia, no interior de Goiás, e re-solveu cozinhar para as crianças que estudavam lá.

“Não gosto de palavra acostumada”

Alexandre de Paula conta, em entre-vista exclusiva, como conhe-ceu Manoel de Barros e que influências o poeta exerce em sua vida.

Manoel de Barros, poeta pantaneiro, que gosta de brincar com as palavras, diz pensar ainda como menino, mesmo que o corpo não lhe seja tão leve. Para o corpo, queria ele poder amarrar o tempo no poste.

O Poeta Pantaneiro

“porque me abasteço na infância

e minha palavra é bem-de-raiz

e bebe na fonte do ser”

Terezinha Pereira

Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu no Beco da

Marinha, beira do Rio Cuiabá em 1916. Viveu em Corumbá, Rio de Janeiro, Nova York. Hoje mora em Campo Grande. É advogado, fazendeiro e poeta. Aos 19 anos escreveu seu primeiro poema, porém, desde os 13, no colégio onde estudava no Rio de Janeiro mostrou queda para a literatura. Seu primeiro livro foi publicado em 1937 – Poemas concebidos sem pecado e o segundo, em 1942 – Face Imóvel. Daí, passou um longo tempo sem fazer versos. Quis cuidar de chão e bichos da fazenda. Diz que, da natureza das terras, é que extrai tanto o alimento para sustentar a si e a família como os elementos de sua escrita. É das terras que lhe brotou o amor pelas coisas sem importância. Dessas coisas que outros poetas não se ocupam em sua poesia como: formigas, lesmas, lacraias, lagartos, rãs, sapos, caracóis, jacarés e as pedrinhas redondas. Afirma que suas palavras florescem no chão e que não as sabe comandar, que as palavras o elaboram. Seria. Não seria ele o obreiro das palavras? Assim, usa das palavras como brinquedo, algo que se pode manusear, ver cores, sentir cheiro e sabor. É autor de fazer sempre poesia, para gentes das mais pequenas às mais crescidas. Por derradeiro, fez prosa que veio

enfeitada de poesia em seus livros Memórias Inventadas - A Infância, editado em 2003 e Memórias Inventadas – A segunda Infância, lançado neste ano. Diz não escrever bem assim suas memórias, até mesmo que as chama de inventadas. Todavia, revelam de suas lembranças. Estas duas últimas obras de Manoel de Barros chegam ao leitor como um pacote de presente. São poemas impressos em páginas soltas, lindamente ilustrados com iluminuras da filha-artista Martha de Barros, figuras coloridas nos tons da natureza, que ocupam página vizinha do texto. Estas páginas vêm amarradas por um laço de cetim e acondicionadas numa caixinha de papelão. Um presentão! O primeiro volume traz as invenções de memória de um menino mais pequeno e o segundo, de segunda infância, lembra o adolescer do poeta, suas descobertas em relação ao amor, ao sexo, à política, à natureza das gentes e das coisas. É história construída traço por traço, letra por letra, que ele mesmo afirma:

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As árvores me começamAos 80 anos de idade, João Batista resolve plantar sozinho 350 mudas

de plantas do cerrado

Jacarandá, Caraíba, Ipê, Angico, Embaúba e Mogno. Essas são al-

gumas árvores da futura floresta de João Batista. Incansável, aos 80 anos de idade iniciou um novo projeto em sua vida: reflorestar parte de seu sítio com mudas típicas do cerrado. O desejo de aumentar o número de plantas regionais veio após longo período cuidando de bananeiras, milharais, roseiras e tudo aquilo que alimentasse ou fosse de extremo encanto. Ao se ver cercado de árvores que vin-ham de outras regiões, algumas com origens nem mesmo brasilei-ras, percebeu que precisava mudar o aspecto de seu sítio. “Ignoramos a beleza da nossa própria região, o cer-rado é esquecido até mesmo por quem vive nele, e sua forma e traços são únicos no mundo”, confessa João Batista. Decidido o plano, restou procurar quais árvores seriam plantadas. Pesquisou em diversos livros e leu tudo que podia sobre a flora da região. Consultou ami-gos, especialistas e observou a vegetação ao seu redor para escol-her onde e o que seria de melhor serventia. Para ele, deveria não só ser plantado o que fosse original do Cerrado, mas aquilo que fosse raro ou corresse risco de extinção. A ideia não foi simples de ser concretizada. “Tive que ir a diversas fazendas, governadorias e locais de pro-teção ambiental para conseguir as plan-tas que queria”, explica. A princípio,

não tinha um número fixo para o projeto; “pegava as mudas que me ofer-eciam, fiz uma área para plantio e hoje tenho mais de 350 mudas”, continua. Distribuídas em fileiras de 35 mudas cada, ainda não é pos-sível perceber a dimensão do que virá no futuro. Pequenas e frágeis, muitas dessas plantas chegarão a mais de dois metros de altura. João ainda não sabe quando vai parar de plantar. A área escolhida para o plantio, a poucos metros de sua casa no vilarejo de Jun-querlândia, a 20 quilômetros de Caldas Novas, é pequena em com-paração ao que lhe resta. O am-plo pasto que possui com certeza poderá servir para aumentar ainda mais seu projeto. João se explica: “Não acho que será problema algum usar toda a minha terra, principalmente porque essas são plantas típicas daqui”. A utilidade de sua ideia? Deixar um pouco mais de natureza para seus sete netos. Não pretende comercializar, extrair qualquer tipo de material ou utilizar suas plantas para além da apreciação. Quer ver suas mudas crescerem, e que seus netos possam acompanhar seu tra-balho. “Um dia eles cuidarão de meu sítio e poderão dizer para seus filhos ‘to-das essas árvores daqui, imensas, eram pequeninhas quando o bisavô de vocês as colocou aqui’. Esta será parte de minha herança”, conta. Herança maior com certeza não há, Seu João.

Julia Lugon

“VOAR FORA DA ASA

“São as borboletas no meu estômago quando ele segura minha mão.”

Gabriela Alcuri

“É escrever para ter paz de espírito, sem risco vermelho de professor.”

Eduardo Barretto

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“É apressar os atos e querer estar a frente das próprias possibilidades.”

Denise Oliveira

“É tentar enxergar as coisas sob um outro ponto de vista”

Natan Andrade

“É fazer as coisas do seu jeito, mesmo que você tenha que ir contra o fluxo.”

Anônimo

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Poemas sobre nada

Nesse ponto sou abastado.Palavras que me aceitam comosou - eu não aceito.Não aguento ser apenas umsujeito que abreportas, que puxa válvulas,que olha o relógio, quecompra pão às 6 horas da tarde,que vai lá fora,que aponta lápis,que vê a uva etc. etc.PerdoaiMas eu preciso ser Outros.Eu penso renovar o homemusando borboletas.

Manoel de Barros, em seu "livro sobre nada", avança para o começo e esbarra, in-evitavelmente, numa espécie de umbigo da memória, em que toda significação estanca.

A maior riqueza do homemé a sua incompletude

Não é por me gavarmas eu não tenho esplendor.

Sou referente pra ferrugem mais do que referente pra fulgor.

Trabalho árduamente para fazer o que é desnecessário. O que presta não tem confirmação,

o que não presta, tem.Não serei mais um pobre diabo

que sofre de nobrezas.Só as coisas rasteiras me celestam.Eu tenho cacoete pra vadio.

As violetas me imensam.

Desejar ser

Uma palavra abriu o roupão para mim. Ela deseja que eu a seja.

Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.

Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os san-tos querem ser os vermes de Deus.

Não gosto de palavra

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acostumadaAlexandre de Paula (na foto abaixo), estudante do terceiro

semestre de jornalismo na Universidade de Brasília, também é poeta e já teve vários poemas publicados em livros, como

o “Jogando com as Palavras”, vencedor do terceiro lugar no concurso de seleção Sonetário Barnasiano. Em entrevista

para Dimanche, Alexandra conta um pouco da influência que Manoel de Barros exerceu e ainda exerce em sua vida.

Como você conheceu Ma-noel de Barros?

Já havia lido algumas coisas so-bre ele, mas o que realmente me despertou interesse pela obra foi assistir a um documentário na TV Escola sobre o Manoel em 2009. Por isso, comprei “O Guardador de Águas” que foi meu primeiro contato mais direto com a poesia dele.

Por que você gosta desse poeta?

Sobretudo, pelo despudor no trato com as palavras e nas con-struções das suas imagens. Ma-noel reinventa, desconstrói a lin-guagem e a imagética, algo que se compara ao que faz na prosaJoão Guimarães Rosa. Ademais, pela originalidade, a poesia dele é singular. No primeiro verso, já se sabe que é Manoel de Barros. Por isso mesmo, à primeira vista, ela parece difícil.

Você já se inspirou em algum poema dele para escrever os seus?

Sim, já, inclusive, escrevi um po-ema à guisa de homenagem e que, obviamente, está bem aquém do que ele merece.

Qual é o poema (ou verso) do Manoel de Barros que você mais gosta? Porquê?

Um dos meus preferidos é o “V” do “Retrato Quase Apagado em que se Pode Ver Perfeitamente Nada” que está em “O Guardador de Águas”. Gosto por ser uma metapoesia que não cai no her-metismo que é comum em alguns poemas que se valem da metalin-guagem, ele fala do “desexplicar” que cabe ao poeta e fecha o po-ema com uma imagem fantástica de que o escuro acende os vaga-lumes.

Andei procurando a poesiaem cantos e olhares

e os maresde sal e saudadepor que naveguei

me dão a resposta:

“Senta e escutaque qualquer dia

um pássaro de sombra e sosse-go

te mostra cantandoa beleza de existir”

Reportagem por Nathalia Zôrzo

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Passava os dias ali, quieto, no meio das coisas miúdas. E me encantei

Mesmo aposentada, Dona Inez não parou de trabalhar. Encantou-se com o Colégio Junquerlândia e decidiu virar cozinheira da escola.

Aos 67 anos de idade, o que a maio-ria das pessoas quer é paz, sossego e tempo para descansar após uma vida inteira de trabalho e cuidado com os filhos. Mas para Dona Inez, parar não é uma opção. O prazer por se envolver com diversas atividades sempre a acompanhou, e hoje, a co-zinha do Colégio Junquerlândia faz parte de sua rotina.Junquerlândia, uma pequena vila com cerca de 100 habitantes no interior de Goiás já foi mais movi-mentada. A proximidade com a ci-dade de Caldas Novas levou muitos moradores a se mudar para lá em busca de qualidade de vida. A vila,

com suas casas antigas e seu ritmo len-to afastou as novas gerações. Hoje, a maioria da população tem mais de 60 anos de idade. Com crianças do colé-gio, algumas vindas de fazendas ao re-dor, Junquerlândia perdia parte de seu aspecto desolado.O envolvimento de Dona Inez com a escola começou quando soube dos problemas que a instituição enfrenta-va. Com apenas 30 estudantes, não há incentivo do governo para continuar com o colégio. A verba foi reduzida e não há mais como pagar cozinheiros para fazer a merenda escolar.Sem a merenda, muitos alunos acaba-vam desistindo ou passavam a frequen-

tar o colégio raramente. “Quando soube que os alunos estavam sem lanche, me ofereci para preparar a alimentação deles. Sei que um dos motivos para as crian-ças freqüentarem a escola é a comida”, confessa Inez. Com salas reduzidas os professores se sentiam desmotivados e pensavam em fechar a escola.A ideia de encerrar as atividades do Colé-gio Junquerlândia não vinha apenas dos docentes. Devido a pouca quantidade de estudantes e a péssima estrutura da esco-la, o governo passou a incentivar a trans-ferência dos alunos para escolas públicas em Caldas Novas. A decisão não agradou os moradores da vila. Dona Georgeta, avó de Keila, estudante do Colégio, não sabe o que fazer se a escola fechar: “Não tenho condições de pagar a passagem de ônibus para minha neta todos os dias. Se a escola fechar, não sei como vou pagar os estudos dela”, diz.Com a presença de Dona Inez como cozinheira, as esperanças para o colégio

voltaram. “Não sou paga para fazer a merenda, e arco com todas as despesas necessárias para fazer a comida. Mas faço isso porque quero contribuir com a escola, darei o meu máximo para ajudar este colégio”, conta Inez.Agora, Inez passa suas manhãs na coz-inha. Como seu material encontra-se todo em sua casa, optou por fazer as merendas em sua residência e levar para a escola pouco antes do horário de in-tervalo. “A cozinha do colégio está em péssimas condições. Falta grande parte dos utensílios e me sinto mais a vontade preparando a comida em minha casa”.Os alimentos variam de acordo com o pedido dos alunos. “Às vezes faço frango, ou bife. Me preocupo com a alimentação deles e não quero enche-los de porcaria. Salada, arroz e feijão são obrigatórios no prato.” Quando entrevistada, Dona Inez fazia uma bacalhoada. “É feriado, quero fazer algo especial para eles, ainda que tenha de pagar um pouco mais”, explica.

Parte frontal do Colégio Junquerlândia

Não há projeto que possa ser realizado sem apoio. Por este motivo a equipe da Dimanche

deixa aqui seus sinceros agradecimentos a todos aqueles que nos auxiliaram na execução desta

obra, em especial:

Professora Célia MatsunagaAs monitoras Monique Rodrigues e

Maria Elisa de MedeirosOs companheiros Alexandre de Paula,

João Gabriel Amador e Gabriela Alcuri.

Agradecimentos

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