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Dinossauros no Maranhão

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Pesquisa FAPESP - Ed. 96

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Page 1: Dinossauros no Maranhão
Page 2: Dinossauros no Maranhão

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Pes ... , ·. !F]!iB~ciência ~Jecnologia no Brasil !l!.t ""'··.. . ..

SEÇÕES

CARTAS ....................... . ... 5

CARTA DO EDITOR ................... 7

MEMÓRIA ......................... 8

Há 200 anos, São Paulo era desbravado por expedições científicas

ESTRATÉGIAS Marte no horizonte da Terra .. . .... .. ... 10 Luz nos defeitos da mitocôndria . ... . .. .. . 10 Água e gás para erguer Veneza . . .. ... ... 11 Aterro da discórdia ..... .. .. . ..... .. .. 11 Vida longa para os cientistas coreanos . .... 11 A Índia testa sua vacina contra a Aids . .. . . 12

Cobaias humanas expostas ao frio . .. .. .. . 12 Do Congresso para a Esplanada .. .. .. .. .. 13 A miséria que cerca Alcântara . . ... . ... . . 13 CN Pq reajusta valor de bolsas ........... 13

O homem virtual e suas doenças .... ... . . . 14

Esforço reconhecido nos Estados Unidos .. . 14 A bioética vai à Internet ......... . ... . . 14 Controle sobre a pesquisa de drogas . . .. ... 15 Na floresta, sem burocracia . .. . ... . ... .. 15 Bloqueio à vaca louca . .. .. .. ... .. ..... 15 Programa começa a todo vapor ... . . ... .. 15

REPORTAGENS

CAPA Professor de biologia e agricultor participam da descoberta de um vasto depósito de fósseis de dinossauros no interior do Maranhão . .. .. 28

POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

DEFESA Institutos militar terão mais recursos dos fundos setorais . . .. .. ... 1~

PARCERIA Prêmio de ciência e literatura ganha apoio da FAPESP .. . . . 23

CIÊNCIA

ECOLOGIA

Aumento da temperatura, acelerado pela ação humana, deve redesenhar o perfil da vida no planeta . .. . . 34

www. revistapesqu is a. fapesp . br

AMBIENTE Caranguejo do Ártico é a primeira espécie marinha invasora encontrada na Antártida ..... 38

VIROLOGIA

Equipe explica como o HIV se esconde e por que a interrupção do tratamento contra a Aids nem sempre funciona .... 42

NEUROIMUNOLOGIA Estresse produz efeitos inesperados sobre as conexões entre os sistemas nervoso, imune e endócrina . . .. .. .. . 44

GENÔMICA Poucos genes podem ser responsáveis pela agressividade de alguns tipos de câncer . .. . 48

PESQUISA FAPESP 9b • FEVEREIRO DE 2004 • 3

Page 3: Dinossauros no Maranhão

r ., SEÇÕES

LABORATÓRIO O momento de florescer , , ............. 24 Fertilidade masculina em queda .......... 24 Nas origens do mal de Alzheimer . , , ...... 25 Diferenças gritantes , .. , , .. . , .. ....... 25 Migrantes morrem mais do coração ....... 26

Pressão alta em Vitór ia ...•............ 26 A Mimosa reaparece .................. 27 Opção nacional pela poltrona do sofá ...... 27

SCIELO NOTÍCIAS . .. ............... 58

LINHA DE PRODUÇÃO Nanofios menores que a luz ............. 60 Em busca do "vidro perfeito" ........... 60 Rede de apoio à nanotecnologia .......... 60 Roupa monitora paciente cardíaco ........ 61

Sistema poliglota salva motoristas ... .. .. . 61 Fibra de sisai nas telhas ...... .. ..... . . 61 Incubadora aeroespacial ............... 61 Estímulo elétrico nos nervos . . .. ........ 62 Parceria para criar softwares ....... . ... 62 Incubadas resistem às adversidades .... . .. 62 Motor aproveita energia térmica ......... 63

Patentes ......... , ....... , ... , .... 63

RESENHA .. . ........... .. ......... 94 Grupo Arquitetura Nova Flávio Império, Rodrigo

Lefevre e Sérgio Ferro, de Ana Paula l<oury

LIVROS ........................... 95

CLASSIFICADOS .. ...... ... ........ 96

4 • FEVEREIRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP 96

REPORTAGENS

EPIDEMIOLOGIA Menos comprimidos de cloroquina têm o mesmo efeito que o tratamento tradicional contra a malária ........... 51

AGRONOMIA Rede de pomares experimentais testa variedades de citros mais resistentes a doenças ....... 52

ASTROFÍSICA

Mais numerosos do que se pensava, os buracos negros podem estar presentes em todas as galáxias ..... . .. 54

TECNOLOGIA

ENGENHARIA AMBIENTAL

Plasma na reciclagem de alumínio garante ganhos econômicos ......... 64

QUÍMICA Pesquisadores desenvolvem substâncias sintéticas para uso em biossensores .... 70

P ·~ esqUISa Ciência e Tecnologia no Brasil ~ ··~,

GEOCIÊNCIAS Sistema auxilia polícia e prefeituras a identificar com mapas e fotos a origem de chamadas telefônicas . .... 74

ODONTOLOGIA Avançam as pesquisas com laser em tratamentos dentários .. ..... 76

ENGENHARIA MECÂNICA Sistema de ultra-som verifica estruturas de oleodutos e paredes de usinas nucleares ......... 80

HUMANIDADES

LITERATURA

Estudo analisa os dois lados de Machado de Assis: o funcionário público e o romancista ...... 82

HISTÓRIA Carlota Joaquina surge em livro como política hábil ... 86

DIREITO Estudo aponta problemas dos Juizados Especiais do Estado de São Paulo . .... 90

DIÁRIO Saem em livro anotações inéditas de Albert Einstein em sua visita à América do Sul ... 92

Capa: Hélio de Almeida

Ilustração da capa: Anderson Pinheiro

Tratamento de imagem: José Roberto Medda

Page 4: Dinossauros no Maranhão

cartas@fapesp. br

Cotas

Agradeço à FAPESP por propor­cionar tão bela e rica revista sempre recheada de textos de alto nível de in­formação, mas sem o detestável es­nobismo científico e o inalcançável "cientifiquês': Parabéns também pelo texto sobre a tese de Sérgio Buarque (edição n° 93): ótimo da primeira le­tra até o ponto final. Na seção Opi­nião, da edição no 94 ("Políticas de afirmação do negro no Brasil"), o tema em questão é tratado como uma dívi­da a ser paga pelos brancos aos des­favorecidos e prejudicados negros. Creio que não seja bem assim. Na pá­gina 9, é feito um contraste entre o percentual de negros e o de brancos na universidade no Brasil e esta comparação ampara a justificativa da ação compensatória das cotas. Por toda conjuntura política e social da construção do Brasil e do povo brasi­leiro, os brancos sempre estiveram na dianteira não só dos negros, mas dos não brancos de uma maneira geral. Construir um raciocínio como esse é admitir a existência de um abismo natural e socialmente intransponível e que existe uma competição, não en­tre pessoas, mas entre etnias. Se for sustentado tal pensamento, dificil­mente serão compensados aqueles percentuais. Creio que o primeiro es­forço seja o de abandonar a visão do "eles x nós". Se no início do século 20 era impossível se pensar em negros dentro de cursos universitários, hoje isto acontece e demonstra que o abis­mo não é intransponível e que as cotas não são necessárias. Em vez de inves­tir na facilitação do acesso às univer­sidades, deve-se investir na oferta de oportunidades indistintamente ao longo da pirâmide social. Dessa forma, o equilíbrio seria baseado no aprovei­tamento dessas oportunidades e não em correções artificiais.

F ÁBIO RENATO FERREIRA

DO NASCIMENTO (NEGRO BRASILEIRO)

Rio de Janeiro, RJ

As cotas para negros nas universi­dades são nítidamente populistas e demagógicas. Primeiro, porque ex­cluem integrantes de outras etnias que também sofreram ou sofrem in­justiças (o índio é um gritante exem­plo). Segundo, porque os números dos censos não levam em conta uma definição precisa de negro. Terceiro, porque desviam a atenção de algo es­sencial que é o de fornecer um ensi­no básico de qualidade à população pobre (constituída, supõe-se, de maio­ria negra). Este sim é o verdadeiro, justo e urgente desafio, preparar os alunos do ensino básico público para competir em condições de igualdade com os alunos do ensino privado. O resto é politicagem.

Correções

L AURJVAL A. DE L UCA JR.

FOAr/Unesp Araraquara, SP

Na reportagem "Inovações nos aços" (edição no 95) , a produção mundial de aço inoxidável- 12 mi­lhões de toneladas por ano- refere-se à média da década de 1990. Segundo o Fórum Internacional de Aço Inoxi­dável, a produção de 2000 foi de 19,3 milhões de toneladas. Para 2003, a entidade estima 21,5 milhões de to­neladas e, para 2004, 22,9 milhões de toneladas. É relevante mencionar que esses números referem-se a lingotes de aço bruto e englobam aços inoxi­dáveis e os resistentes ao calor.

Na reportagem "Dose semanal" (edição no 95) consta a frase: " ... o en­capsulamento altera as propriedades tisico-químicas e biológicas do princí­pio ativo .. :: O correto é " ... o encapsula­mento não altera as propriedades .. :'.

Cartas para esta revista devem ser enviadas para

o e-mail [email protected], pelo fax (ll) 3838-4181

ou para a Rua Pio XI, 1.500, São Paulo, SP,

CEP 05468-901. As cartas poderão ser

resumidas por motivo de espaço e clareza.

PESQUISA FAPESP 96 • FEVEREIRO DE 2004 • 5

Page 5: Dinossauros no Maranhão

r •

EDITAL PARA APRESENTAÇÃO DE PROJETOS DE PESQUISA

~ a~ Inovação Tecnológica

PEQUENAS EMPRESAS A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo- FAPESP, por meio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas- PIPE, financia projetos de pesquisa destinados à inovação tecnológica de produtos, processos ou serviços com potencial de retorno econõmico ou social. As propostas podem ser inscritas até 31 de março, 31 de julho e 30 de novembro. Desde 1998, o PIPE apóia mais de 300 projetas. As condições para apresentação de propostas são as seguintes: Empresa - Qualifica-se para apresentar proposta empresa sediada no Estado de São Paulo, com até 100 empregados. A empresa poderá ser constituída após a aprovação do projeto. Neste caso, a FAPESP somente fará a contratação do projeto após a constitui­ção formal da empresa. Pesquisador - O pesquisador responsável pela elaboração e desenvolvimento do projeto deverá evidenciar experiência e competên­cia na respectiva área de conhecimento, não sendo exigida nenhuma titulação de pós-graduação. Deverá também dedicar um míni­mo de 20 horas semanais à execução do projeto. Se o pesquisador não pertencer ao quadro de funcionários da empresa, poderá ser solicitada uma bolsa na modalidade Pequenas Empresas da FAPESP para dedicar-se ao projeto. Solicitação de apoio: As propostas devem ser encaminhadas à FAPESP, pelo pesquisador com o endosso da empresa, em for­mulário específico acompanhado da documentação descrita na página www.fapesp.br/ pipe. Peça central para avaliação da propos­ta é o Projeto de Pesquisa, que deve descrever claramente a inovação pretendida, seu potencial comercial e a metodologia a ser utilizada. Os projetas devem ser organizados abrangendo três fases.

Fase 1: com duração de seis meses e financiamento de até R$ 75 mil , destina-se à pesquisa de viabilidade técnica da inovação proposta. Fase 11: com duração máxima de dois anos e financiamento de até R$ 300 mil, destina-se ao desenvolvimento propriamente dito do projeto de pesquisa. Nesta fase, somente serão financiados os projetas considerados bem-sucedidos na Fase I e que apre­sentem um bem estruturado Plano de Negócios para a comercialização da inovação resultante . Para a elaboração desse plano, as empresas poderão contar com o apoio do PIPE Empreendedor, um programa de treinamento especializado com enfoque prag­mático e vivencial em gestão de negócios, uma parceria da FAPESP com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - SEBRAE-SP e o Instituto Empreender Endeavor. Fase III: destina-se ao desenvolvimento de produtos com base nos resultados obtidos na fase anterior. Nessa fase, os custos caberão exclusivamente à empresa, podendo a FAPESP apoiá-la na busca de financiamento de outras fontes. Para esse fim, a FAPESP firmou convênios com o SEBRAE e com a Financiadora de Estudos e Projetas - FINEP e tem buscado estabelecer can­tatas com empresas de capital de risco que possam efetivamente apoiar a produção de inovações para o mercado.

Próximo prazo para apresentação de propostas: 31 de março de 2004. Seleção dos projetos: A análise das propostas segue a sistemática de avaliação pelos pares, sendo cada proposta encaminhada a assessores ad hoc, especialistas na área em que se enquadra o projeto de pesquisa. Nenhum setor da atividade econômica é prio­rizado. • Informações detalhadas, formulários e a lista dos projetas já financiados pelo PIPE, podem ser obtidos na página www.fapesp.br/ pipe. • Informações adicionais podem ser solicitadas por correio eletrônico no endereço [email protected]

SECRETARIA DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

GOVERNO DO ESTADO DE

SÃO PAULO CUIDANDO DE GENTE

Page 6: Dinossauros no Maranhão

Pesquisa FAPESP

CARLOSVOGT PRESIDENTE

PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO V[CE-PffES!DENTE

CONSELHO SUPERIOR ADILSON AVANSI DE ABREU, CARLOS HENRIQUE DE BRITO

CRUZ, CARLOS VOGT, CELSO LAFER, HERMANN WEVER, HORÁCIO LAFER PIVA, MARCOS MACARI,

NILSON DIAS VIEIRA JÚNIOR, PAULO EDUARDO DE ABREU MACHADO, RICARDO RENZO

BRENTANI.VAHANAGOPYAN.YOSHIAKINAKANO

CONSELHO TÉCNICO-ADMINISTRATIVO FRANCISCO ROMEU LANDI

DIRETOR PRESIDENTE

JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER DIRETOR ADMINISTRATIVO

JOSÉ FERNANDO PEREZ DIRETOR CIENTIFICO

PESOUISA FAPESP

CONSELHO EDITORIAL LUIZ HENRIQUE LOPES DOS SANTOS (COORDENADORCIENTÍFICO), EDGAR DUTRA ZANOTTO, FRANCISCO ANTÔNIO BEZERRA

COUTINHO, FRANCISCO ROMEU LANDI, JOAQUIM J. DE CAMARGO ENGLER, JOSÉ FERNANDO PEREZ,

LUIZ EUGÊNIO ARAÚJO DE MORAES MELLO, PAULA MONTERO.WALTER COLLI

DIRETORA DE REDAÇÃO MARILUCE MOURA

EDITOR CHEFE NELDSON MARCOLIN

EDITORA SÊNIOR MARIA DA GRAÇA MASCARENHAS

DIRETOR DE ARTE HÉLIO DE ALMEIDA

EDITORES CARLOS FIORAVANTI (CiÈNClí), CARLOS HAAG (HUMANÍOADES),

CLAUDIA IZIQUE (PCLITOUT), HEITOR SHIMIZU (VERSÃOON-LINE), MARCOS DE OLIVEIRA (TECNOLOGIA)

EDITOR ESPECIAL MARCOS PIVETTA

ED1TORES-ASS1STENTES DINORAH ERENO, RICARDO ZORZETTO

CHEFE DE ARTE TÂNIA MARIA DOS SANTOS

DIAGRAMAÇÀO JOSÉ ROBERTO MEDDA, LUCIANA FACCHINI

FOTÓGRAFOS EDUARDO CÉSAR, MIGUEL BOYAYAN

COLABORADORES EDUARDO GERAQUE (ON-LINE),

FABRiCIO MARQUES, GIL PINHEIRO, LAURABEATRIZ, MARGÔ NEGRO, RENATA SARAIVA,

SAMUEL ANTENOR, SÍRIO J. B. CANÇADO, THIAGOROMERO (ON-LINE), YURI VASCONCELOS

ASSINATURAS TELETARGET

TEL. (11) 3038-1434 - FAX: (11) 3038-1418 e-mail: [email protected]

APOIO DE MARKETING SINGULAR ARQUITETURA DE MlDIA

[email protected]

PUBLICIDADE TEL/FAX: (11) 3838-4008

e-mail: [email protected] (PAULA ILIADIS)

PRÉ-IMPRESSÃO GRAPHBOX-CARAN

IMPRESSÃO PLURAL EDITORA E GRÁFICA

TIRAGEM: 44.000 EXEMPLARES

DISTRIBUIÇÃO DINAP

CIRCULAÇÃO E ATENDIMENTO AO JORNALEIRO LMX (ALESSANDRA MACHADO)

TEL: (11) 3865-4949 [email protected]

FAPESP

RUA PIO XI, N" 1.500, CEP 05468-901

ALTO DA LAPA - SÃO PAULO - SP

TEL. (11) 3838-4000 - FAX: (11) 3838-4181

http://www.revistapesquisa.fapesp.br [email protected]

NÚMEROS ATRASADOS

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião da FAPESP

É PROIBIDA A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL

DE TEXTOS E FOTOS SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO

FUNDAÇÃO DE AMPARO À PESQUISA DO ESTADO DE SÃO PAULO

SECRETARIA DA CIÊNCIA,TECNOLOGIA, DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E TURISMO

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

CflRTn oo EDITOR

Um toque de ficção

Quando uma série de curiosos acasos e coincidências leva a uma descoberta significativa, um re- ipretensioso sobre um achado

científico, passando ao largo das aspe- rezas da linguagem científica, pode se tornar leitura quase tão envolvente e di- vertida quanto um pequeno conto es- crito com graça e leveza por autor que domina o seu ofício. E isso, mesmo pa- ra quem situa as grandes narrativas fic- cionais em lugar incomparável dentre as criações da cultura que mais nos de- leitam o espírito. Esse comentário vem a propósito da reportagem de capa des- ta edição em que o editor-assistente de Ciência, Ricardo Zorzetto, relata, a par- tir da página 28, o achado de aproxima- damente 70 fósseis de dinossauros com cerca de 110 milhões de anos, no inte- rior do Maranhão e, graças a esse mate- rial, a possível descoberta de uma es- pécie desconhecida desses gigantescos répteis pré-históricos. Independente- mente do amplo e muito útil panorama traçado na reportagem sobre a pesqui- sa de dinossauros no Brasil, no caso, é mesmo o como se chega aos fósseis que dá sabor especial ao texto, ao envolver num mesmo e inusitado enredo um ra- paz tagarela, empenhado em fazer pro- selitismo religioso, um agricultor, um professor de biologia formado pela Universidade Federal do Piauí e um paleontólogo da Universidade Federal do Maranhão. Vale a pena conferir.

O passado remoto entrevisto com as armas da ciência é, sem dúvida, fas- cinante - é compreensível, portanto, al- guma relutância em sair das imaginárias viagens a que ele arrasta. Uma vez que ela tenha sido vencida, contudo, vale a pena tomar contato com questões bem próximas e, certamente, de grande in- teresse político para o país, como o atual empenho do Ministério da Defe- sa para consolidar o chamado Sistema de Ciência, Tecnologia e Inovação de Interesse da Defesa Nacional (SisCTID) e, ao mesmo tempo, integrá-lo ao siste- ma civil de ciência e tecnologia. Nesse esforço, o primeiro passo concreto, con- forme relata a editora de Política, Clau-

dia Izique, na reportagem que começa na página 16, é a decisão do ministério de acelerar dez projetos que há anos vêm sendo desenvolvidos nos institutos de pesquisa da Marinha, do Exército e da Aeronáutica - entre eles o da Usina de Hexafluoreto de Urânio, que permitirá ao Brasil dominar todo o ciclo do com- bustível nuclear. O tema é de particular interesse no momento em que está em curso uma delicada negociação do país com a Agência Internacional de Ener- gia Atômica (AIEA) quanto a formas de inspeção nas ultracentrífugas de enri- quecimento de urânio que estão sendo instaladas numa unidade da empresa Indústrias Nucleares do Brasil (INB).

No campo das tecnologias que não saturam o ambiente de eletricidade nem de outros resíduos indesejáveis, vale ressaltar a reportagem sobre um novo e mais eficiente processo de reci- clagem de aparas e objetos de alumínio, como as latinhas de cerveja e de refri- gerante, para incluí-los na liga de alu- mínio para produção de novas latas. A novidade, relata o repórter Samuel An- tenor, a partir da página 64, baseia-se num forno aquecido por plasma, um gás produzido em altas temperaturas e mais conhecido como o quarto estado da matéria.

Para finalizar, voltemos de certo modo ao ponto de partida: à ficção - agora, de fato. Mais precisamente, a Machado de Assis, o bruxo construtor, para muitos, das maiores obras-primas da literatura brasileira e, por isso mes- mo, sempre submetido a novos olhares que anseiam por um desvendamento total de sua singularidade como autor. Dessa vez, como relata o editor de Hu- manidades, Carlos Haag, a partir da pá- gina 82, Machado emerge da observa- ção sistemática de um historiador como personagem capaz de combinar duas facetas aparentemente irreconci- liáveis, a de romancista e a de funcioná- rio público, para realizar uma crítica radical da truculência senhorial do Bra- sil. É leitura imperdível.

MARILUCE MOURA - DIRETORA DE REDAçãO

PESQUISA FAPESP 96 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 7

Page 7: Dinossauros no Maranhão

| MEMóRIA ^^|

Bela e bárbara

província Há 200 anos, São Paulo era desbravado por expedições científicas

NELDSON MARCOLIN

UMA VISTA DOS ARREDORES DE SAO PAULO, 1820. HENRY CHAMBERLAIN. COLEÇÃO NEY CASTRO ALVES, SÃO PAULO. ICONOGRAFIA PAULISTANA DO SÉCULO 19 (METALIVROS)

Um dos efeitos benéficos das extensas

comemorações dos 450 anos da cidade de São Paulo é ter sua história intensamente lembrada por jornais, revistas, livros e programas especiais de rádio e TV. As expedições científicas empreendidas nos séculos 18 e 19 pelo interior do país são alguns desses acontecimentos que estão sendo resgatados lentamente do esquecimento - à exceção das realizadas na então capitania de São Paulo, quase nunca lembradas. Na segunda metade do século 18 até

o final do século 19, desembarcaram no Brasil naturalistas portugueses, franceses, ingleses, austríacos e russos interessados em coletar material, reproduzir e analisar a natureza brasileira. A Corte portuguesa incentivava as expedições, preocupada em saber quais matérias-primas poderiam ajudar a incrementar a economia de Portugal. Em São Paulo, o santista Martim Francisco Ribeiro de Andrada embrenhou-se pelo interior da capitania para conhecer melhor as terras paulistas. Como inspetor de minas e matas,

ele produziu os relatos Jornais das viagens de 1803 a 1804 e Diário de uma viagem mineralógica pela província de São Paulo no ano de 1805. Neles, Martim Francisco fez múltiplas observações sobre a geologia e os animais nas explorações pelas matas e rios de Santos, Peruíbe, Iguape, Cananéia e arredores de São Paulo. Mas falou também dos costumes das populações, criticou a "indolência" do povo, elogiou a natureza prodigiosa e até arriscou uma crítica à Corte ("... Sua Alteza está mui longe, e só de perto é que pode ver os melhoramentos

de que carecem suas colônias"). Catorze anos depois, Martim realizou uma nova viagem exploratória, dessa vez com o irmão José Bonifácio de Andrada e Silva, de volta ao Brasil como cientista eminente e político importante, depois de passar 36 anos na Europa. Os irmãos Andrada partiram de Santos e chegaram até Itu, regressando por Sorocaba. No relato Digressão econômico-metalúrgica pelas serras e campos do interior da bela e bárbara província de São Paulo, de 1820, eles falam de gnaisses, micaxistos,

8 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 96

Page 8: Dinossauros no Maranhão

Cobra-cipó: registro da fauna da então província

São Paulo em 1820: várzea da Lapa com o Pico

do Jaraguá ao fundo

granitos e xistos argilosos da serra de Paranapiacaba, argilas da capital, minérios de ferro de Santo Amaro, aluviões de ouro da serra do Jaraguá e relatam numerosas observações consideradas precisas por especialistas anos depois. Ao final de suas experiências científicas, José Bonifácio viu-se novamente cooptado pela política nacional na qual exerceu funções que tiveram conseqüência capital para o Brasil, a ponto de tornar-se conhecido como o Patriarca da Independência.

Buriti (.ao lado) e ariranha: outros exploradores,

como Hercules Florence, desenharam plantas e animais

do interior paulista

PESQUISA FAPESP % ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 9

Page 9: Dinossauros no Maranhão

POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

Marte no horizonte da Terra Os americanos levaram a melhor sobre os europeus no duelo para desbravar a superfície de Marte. En- quanto o robô britânico Beagle 2 entrou em pane ao penetrar na atmosfera do planeta, os americanos

geologia marciana. A mis- são européia, é certo, não foi um fracasso. A sonda Mars Express, que lançou o Beagle 2, permanece em órbita e detectou gran- de quantidade de gelo no póle^Sul marciano, com-

tiveram sucesso ao aterris- sar, no intervalo de três se- manas, os jipes Spirit e Op- portunity, para explorar a

diretas colhidas por uma sonda americana em 2001. Enquanto os terráqueos se encantavam com novas

dente americano George

de construir uma estação habitada na Lua, em 2015, e transformá-la em plata- forma para a primeira via- gem do homem ao plane- ta vermelho. O plano de Bush despertou ceticismo,

uma vez que o Congresso tem limitado o orçamento da Nasa e ainda há desafios tecnológicos a vencer (fal- ta encontrar um meio de proteger o corpo humano de uma prolongada expo- sição à radiação no espa- ço). Mas ninguém duvida que o império americano é o único a ter fôlego para li- derar essa missão. A Mars Society, entidade privada e científica criada para pro- mover a exploração do pla- neta vermelho, elogiou o plano de Bush - por esta- belecer uma agenda de de- safios baseada na premissa de que é possível, do ponto de vista tecnológico e fi- nanceiro, mandar o ho- mem a Marte.

Luz nos defeitos da mitocôndria

A Comissão Européia lançou

doenças incuráveis causadas por falhas genéticas que regu- lam a função da mitocôndria (Natiire, 15 de janeiro). Essa estrutura fornece energia às células, desintegrando açúca- res e ácidos graxos. Os distúr- bios ocorrem em um a cada 10 mil nascimentos e quase a metade das vítimas desenvol- ve o mortal mal de Leigh, que provoca degeneração cere- bral. O programa apoiará 21 grupos de pesquisa e vai estu- dar o mal de Leigh, sem es-

o mal de Parkinson, em que disfunções da mitocôndria têm um papel. Jan Smeitink, da Universidade de Nijme- gen, na Holanda, diz que subsidiar pesquisas é o úni- co meio de avançar. O nú- mero de pacientes é expres- sivo, mas não o bastante para mobilizar a indústria far- macêutica. "Em nosso centro, recebemos 400 pacientes da

ano", conta Smeitink.

10 ■ FEVEREIRO DE 2004 • PESQUISA FAPESP %

Page 10: Dinossauros no Maranhão

■ Água e gás para erguer Veneza

Uma equipe de engenhei- ros italianos apresentou um plano para salvar Veneza do naufrágio. A idéia é bombe- ar fluidos nos subterrâneos da cidade e erguer sua super- fície {Nature, 15 de janeiro). A estratégia, coordenada por Giuseppe Gambolati, da Universidade de Pádua, re- toma um plano de 1970. Mas incorpora avanços tec- nológicos da indústria pe- trolífera acumulados nos últimos anos. A cidade foi construída sobre centenas de ilhotas numa laguna a 4 quilômetros de terra firme. O problema é que o movi- mento do mar na laguna leva parte do lençol freáti- co e faz a cidade afundar. As autoridades já tomaram providências, como a eleva- ção da pavimentação em áreas de risco e a construção, ao custo de US$ 3,8 bilhões, de uma gigantesca e polê- mica represa antiinundação, cujas comportas se fecharão em caso de elevação do mar, programada para entrar em operação em 2011. Calcula- se que a eficiência da repre- sa duraria no máximo cem anos - uma vez que a cidade continuaria afundando nes- se período. Gambolati afir- ma que seu plano faria Ve-

neza subir 30 centímetros em dez anos. "Isso ajudaria a aplacar os efeitos da eleva- ção do mar e aumentaria a vida útil da represa", diz. A estratégia consiste em inje- tar dióxido de carbono ou água do mar numa camada de areia de 600 a 800 metros

abaixo da laguna. A camada se expandiria, entre a argila (abaixo) e a superfície ro- chosa (acima), erguendo a cidade. A proposta dos anos 1970 previa a injeção a ape- nas 60 metros de profundi- dade. Críticos da proposta, como Rafael Brás, do Insti-

Aterro da discórdia

Biólogos foram convo- cados para mediar uma briga de vizinhos. A Ma- lásia diz que seus man- guezais, na foz do rio Johor, estão ameaçados por um projeto de ater- ramento numa das ilhas do país vizinho, o arqui- pélago de Cingapura (Na- ture, 11 de dezembro). Em setembro, a Malásia apelou para o Tribunal Internacional em Ham- burgo com base na cha- mada Lei do Mar - que

limita a exploração do mar territorial em caso de agressão ambiental. A Corte determinou a for- mação de um grupo de biólogos independentes para avaliar o impacto do projeto, que começou há três anos e pretende expandir a ilha de Pulau Tekong. Em Cingapura, diz-se que a briga não é ecológica: o aterro com- plicaria uma rota de na- vegação que dá acesso a portos malaios. •

tuto de Tecnologia de Mas- sachusetts (MIT), dizem que é preciso avaliar melhor os efeitos antes de aplicá-la. O Corila, consórcio que coordena as pesquisas para salvar a cidade, dirá quem tem razão. •

■ Vida longa para os cientistas coreanos

O Ministério do Planeja- mento e Orçamento da Co- réia do Sul anunciou um aumento de 50% nas verbas para Ciência e Tecnologia das universidades {Nature, 11 de dezembro). Isso signi- fica a destinação de US$ 190 milhões para 2004, grande parte endereçada à oferta de bolsas de pesquisa. "Es- tamos tendo dificuldades em atrair estudantes para os programas", diz Taeho Bark, vice-reitor para assuntos in- ternacionais da Universida- de Nacional de Seul. "As ver- bas extras deverão resolver o problema." A Coréia do Sul também luta para manter os professores mais experientes em atividade por mais tem- po. O ministro declarou que pretende oferecer contra- tos de extensão de dois anos a cientistas exemplares, a fim de estimulá-los a permane- cer em seus postos depois da aposentadoria compulsó- ria aos 65 anos. •

PESQUISA FAPESP 96 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 11

Page 11: Dinossauros no Maranhão

ESTRATéGIAS MUNDO

■ A índia testa sua vacina conta a Aids

A índia vai entrar para o se- leto clube dos países que tes- tam suas próprias vacinas contra a Aids (Nature, 15 de janeiro). O país acumula 60 mil casos confirmados da doença e cerca de 4,5 mi- lhões de infectados - mas se recusava a participar de ex- periências com as 30 vaci- nas em desenvolvimento no mundo. Ocorre que a maio- ria dessas vacinas utiliza uma variedade do vírus HIV pre- dominante na América e na Europa, mas diferente da que atinge os indianos. A vacina é uma resposta do governo da índia ao temor de que o país não estaria reagindo ao avanço da epidemia. "Não havia vacina na índia e isso obviamente era motivo de preocupação", diz Seth Ber- kley, presidente da Iniciativa Internacional pela Vacina contra a Aids, organização com sede em Nova York que está ajudando a organizar a experiência indiana. O Ins- tituto Nacional de Pesquisa da índia espera realizar a pri-

meira fase de testes em ju- nho, aplicando a vacina em 40 voluntários saudáveis. A vacina é uma modificação do vírus da varíola bovina acres- cido de uma seqüência de ge- nes do HIV do subtipo C, predominante na índia. •

■ Cobaias humanas expostas ao frio

Para determinar o quanto a pele humana resiste às tem- peraturas e aos ventos do in- verno canadense, uma equipe de médicos conduziu uma série de testes na cidade de Toronto em 2003. Doze vo- luntários foram submetidos a um túnel de vento refrige- rado por 40 minutos, expos- tos a temperaturas de 0, -10, -20, -30 e até -40 graus Cel- sius. Mostrou-se que riscos de queimaduras crescem ex- ponencialmente em tempe- raturas abaixo de 27 graus. O trabalho, aparentemente um bom candidato ao prê- mio IgNobel (que premia pesquisas esquisitas), servi- rá de base para um manual de sobrevivência de milita- res no frio. •

www.inca.gov.br/regpop/2003/ Levantamento recente e com dados de todo o Brasil do Instituto Nacional do Câncer.

nic.nac.wdyn.de/~alcalde/cyt Trabalho apresenta indicadores da cientifica peruana com base no ISI e abrange os anos 1998-2003.

EB

SCIENCE

scienceworld.wolfram.com Enciclopédia de Astronomia, Química, Física, Matemática e uma seção de biografias dos grandes cientistas.

12 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP %

Page 12: Dinossauros no Maranhão

■ Do Congresso para a Esplanada

O novo Ministro da Ciência e Tecnologia, deputado fe- deral Eduardo Campos (PSB- PE), assume o cargo com o desafio de dar mais peso político à pasta e restabe- lecer a relação do governo com a comunidade científica, desgastada na gestão do an- tecessor Roberto Amaral. Vai administrar um orçamento de R$ 4 bilhões, num ano em que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pro- mete não contingenciar tan- to os recursos públicos como fez em 2003. Se vencerá as quedas-de-braço com a área econômica, o tempo é que vai dizer. O fato é que Cam- pos tem bom trânsito no Pa- lácio do Planalto, consolida- do como líder da bancada do Partido Socialista Brasileiro (PSB) na Câmara em 2003. Economista de formação e político profissional, assumiu aparando arestas: deixou cla- ro que defende o uso pacífi- co da energia nuclear, sepul- tando a polêmica aberta por Roberto Amaral há um ano. "Não é o ministro que defi- ne a política nuclear no Bra- sil", afirmou. Campos tem 38 anos de idade. Está no ter- ceiro mandato de deputado federal e foi secretário de go- verno e da Fazenda de Per- nambuco entre 1995 e 1998. Campos já afirmou que quer manter uma boa relação com a academia e garantiu que vai procurar todos os seto- res da comunidade científi- ca, "O momento é de uni- dade", disse. O Ministério da Ciência e Tecnologia segue sob a influência do PSB, que havia indicado Amaral. •

A miséria que cerca Alcântara O município de Alcântara, no Maranhão, tem voca- ção tecnológica (abriga o centro de lançamento de foguetes) e turística (pre- serva sua arquitetura co- lonial), mas a maioria dos habitantes vive em condi- ções africanas de pobreza: 73% da população, de 21 mil pessoas, concentra-se na área rural e a renda men- sal média de 59% das fa- mílias é inferior a R$ 100. Uma parceria entre a Agência Espacial Brasileira e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Em- brapa) tentará melhorar o índice de desenvolvimento

ano da região. A idéia hum

e ensinar aos pequenos produtores estratégias para aumentar sua produtivida- de. Eles usam técnicas de 300 anos atrás, baseadas na enxada e no facão, e não conseguem cultivar terre- nos maiores que 1 hectare, incapazes de gerar rique- za. Plantam, numa mesma área, mandioca, milho, feijão e arroz. Quando o solo dá sinais de desgaste, abandonam-no, desmatam áreas próximas e voltam ali muito tempo depois. O programa vai montar duas unidades experimentais, nas quais serão testadas novas possibilidades. Um exem- plo: as unidades vão tes-

;nas

Campos, o novo ministro

■ CNPq reajusta valor de bolsas

O valor das bolsas ofereci- das pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí- fico e Tecnológico (CNPq), congeladas há dez anos, terá um reajuste de 18%, a partir de fevereiro. As bolsas de mes- trado passam de R$ 725,00 para R$ 855,00 e as de dou- torado, de R$ 1.074,00 para R$ 1.267,00. O anúncio foi

tar a associação de apenas duas culturas em cada ter- reno (feijão com milho, ou mandioca com arroz), que conseguem desempe- nho melhor. Todos os agri- cultores da região serão convidados a conhecer o modelo - para reproduzi-lo em suas propriedades. "O obstáculo, em Alcântara, é tecnológico", diz Zeke Beze, consultor do Programa das Nações Unidas para o De- senvolvimento (PNUD). "Já se tentou resolver o pro- blema com financiamento rural, em vão. Os agricul- tores não sabiam como plantar de forma mais pro- dutiva", afirma. •

feito pelo ex-ministro Ro- berto Amaral, nove dias an- tes de deixar o cargo. Depen- dendo do comportamento da economia, esse percentual poderá ser reajustado no se- gundo semestre. Amaral tam- bém informou que deverão ser criadas 1.500 novas bol- sas de cursos de pós-gradua- ção, sendo que 30% delas serão distribuídas entre os es- tados das regiões Norte, Nor- deste e Centro-Oeste. •

PESQUISA FAPESP % ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 13

Page 13: Dinossauros no Maranhão

ESTRHTÉGIRS BRASIL

O homem virtual e suas doenças Uma coleção de CDs desen- volvida pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) re- produz a anatomia humana e o ataque de doenças ao or- ganismo, com recursos de computação gráfica. Batiza- das de Homem Virtual, essas ferramentas transformam o conhecimento médico em animação tridimensional. Estão sendo usadas no trei- namento de estudantes e também em consultórios, para ajudar os pacientes a visualizar suas doenças e as estratégias de tratamento. Sete CDs já foram lançados. Cada um esmiuça um tema e é resultado de dois meses de trabalho. Primeiro, um grupo de médicos se reúne para compilar o conheci-

Os CDs reproduzem detalhes da anatomia

mento acumulado naquela especialidade. Depois, pas- sam as informações para os técnicos em animação, que as transformam num software interativo. "Repro- duzimos uma infinidade de detalhes da anatomia. Afi-

nal, um dos objetivos é o treinamento de médicos", diz Chão Lung Wen, coor- denador da disciplina de Telemedicina da FMUSP. Um desses CDs é usado num curso sobre anatomia dos ossos do quadril e dos

membros inferiores. "Um assunto que o estudante le- varia quatro dias para en- tender ele consegue com- preender em quatro horas. A ferramenta é importante para a educação a distân- cia", diz Wen. Outros títu- los têm como alvo o público leigo, como os que mos- tram o ciclo do crescimento dos pêlos e a fisiologia da acne. Foram distribuídos em consultórios de derma- tologistas, com patrocínio de uma indústria farma- cêutica, para orientar os pacientes. Vem aí CDs so- bre exercício físico, asma e doenças sexualmente trans- missíveis. Cada exemplar custa R$ 50,00 e pode ser comprado pelo telefone (11) 3062-8784. •

■ Esforço reconhecido nos Estados Unidos

Fernando Reinach, profes- sor titular de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP), não pôde ir a Nova York receber um prêmio, no dia 11 de janeiro. É que a da- ta coincidia com a formatura de ensino médio de sua filha e ele permaneceu em São Paulo. Reinach foi premiado pela revista Scientific Ameri- can como um dos 50 Líderes de Negócios de 2003, ao lado de nomes como Steven Jobs, o fundador da Apple, e em- presas como a Genentech, que criou uma droga inova- dora contra o câncer. O co- mitê que outorgou o prêmio destacou as qualidades de

pesquisador e empreende- dor do professor da USP. Ele é diretor-executivo da Voto- rantim Ventures, fundo de capital de risco, que criou empresas como a Alellyx e a Canavialis, de biotecnologia aplicada à agricultura. A Alellyx, presidida interina-

Reinach, premiado nos EUA

mente por Reinach, é resul- tado do conhecimento gera- do pelo seqüenciamento da bactéria Xylella fastidiosa, que ataca os laranjais, patroci- nado pela FAPESP. Reinach participou ativamente dessa pesquisa como um dos coor- denadores nos projetos geno- ma brasileiros de plantas e fi- topatógenos. Recentemente, a Allelyx identificou um ví- rus relacionado à doença que provoca a morte súbita dos citros. Agora, busca criar tes- tes de diagnóstico e mudas resistentes. "O Brasil já ga- nhou vários prêmios cientí- ficos, mas não é todo dia que somos reconhecidos na área de desenvolvimento tecnoló- gico", diz. "Isso dá um sabor especial ao prêmio." •

■ A bioética vai à Internet

Entrou no ar um portal com 4 mil registros e artigos so- bre as questões éticas de te- mas polêmicos da ciência e da medicina, como o abor- to, a eutanásia e a clonagem, entre outros. O site Biblio- teca Virtual Bioética (http:// bioetica.bibliotecavirtualen- salud.org) é uma iniciativa do Centro Latino-America- no e do Caribe de Informa- ção em Ciências da Saúde (Bireme), da Organização Pan-Americana de Saúde. Parte do acervo está em es- panhol e em inglês, mas, em alguns meses, todas as in- formações estarão disponí- veis em português. •

14 • FEVEREIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 96

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■ Controle sobre a pesquisa de drogas

A Agência Nacional de Vi- gilância Sanitária (Anvisa) apresentou propostas de mu- dança na legislação sobre a pesquisa de novos remédios, cosméticos e equipamentos médicos no Brasil. Receberá sugestões para aperfeiçoar os textos até o início de mar- ço. Entre as novas obriga- ções, as indústrias terão de notificar a Anvisa sobre quais- quer reações adversas que surgirem no teste dos remé- dios. Também é regulamen- tado o trabalho das Organi- zações Representativas para Pesquisa Clínica, entidades contratadas pelas indústrias farmacêuticas para realizar as pesquisas. "A nova legislação exigirá que fique claro de quem é a responsabilidade se alguma coisa der errado: se da indústria farmacêutica ou da entidade terceirizada", afir- ma Sérgio Nishioka, gerente de Medicamentos Novos, Pes- quisa e Ensaios Clínicos da Agência. •

■ Na floresta, sem burocracia

A legislação ambiental, aos poucos, vai fazendo as pazes com a pesquisa científica. Primeiro foi o licenciamento para a pesquisa de transgê- nicos, que passou por um enxugamento. Agora, o Mi- nistério do Meio Ambiente (MMA) baixou um decreto que flexibiliza as regras de acesso ao patrimônio gené- tico, criadas por medida pro- visória de 2001. Pesquisas acadêmicas sem fins lucrati- vos não precisam mais obe- decer a um cipoal burocrá- tico criado para combater a biopirataria, que incluía um mapa com o percurso preci- so dos pesquisadores na fio-

Bloqueio à vaca louca O Ministério da Agricul- tura criou três grupos de trabalho encarregados de montar uma estratégia para prevenir a entrada do mal da vaca louca no país. A questão ganhou importância depois que surgiu o primeiro caso de animal contaminado nos Estados Unidos - e au- mentou o interesse pela carne brasileira no mer- cado internacional. A mo- léstia, conhecida como encefalopatia espongifor- me bovina, surgiu na Eu- ropa, em 1986, devido ao uso de carne, ossos, san- gue e vísceras nas rações animais, e já matou 150 pessoas. Uma das idéias em debate no Brasil é tor- nar obrigatório um teste de qualidade das rações para o gado. Esse exame foi patenteado em 2002, rastreia a presença de proteína animal através de espectrometria de mas- sa e é mais sensível do que os utilizados na Eu- ropa. Foi desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuá- ria (Embrapa Recursos Genéticos em Biotecno- logia) a pedido do gover- no federal, depois que o Canadá suspendeu, em 2001, a importação de

carne brasileira alegando perigo de contaminção da doença (na verdade, era apenas uma retaliação co- mercial). Em meio ao contencioso, a União Eu- ropéia chegou a mandar enviados ao Brasil para averiguar a alimentação do gado. O método da Embrapa foi mostrado e os europeus voltaram sa- tisfeitos. A Embrapa pro- pôs que eles mandassem amostras de suas rações para serem avaliadas aqui. "Nunca mandaram nada", diz Carlos Bloch Júnior, líder da equipe que de- senvolveu o teste. Passada a celeuma, o método caiu no esquecimento. Diz-se que o rebanho brasileiro está imune, porque só se alimenta de ração vege- tal, mas não é bem assim. Quando a Embrapa de- senvolveu o método, ava- liou 185 amostras de ra- ção nacional. Descobriu que 9% delas estavam contaminadas. Na maio- ria das vezes, tratava-se de problemas de higie- ne, que foram resolvi- dos. Em novos testes, a contaminação caiu para 3%. O risco é pequeno. Nos próximos meses, o governo decide se adota ou não o teste. •

resta e uma coleção de infor- mações sobre os objetivos do projeto. Agora, basta forne- cer uma lista com as metas principais e informar a re- gião que será visitada. As re- gras rígidas continuam a va- ler para empresas e pesquisas com fins lucrativos. •

■ Programa começa a todo vapor

A FAPESP, em parceria com o Sebrae-SP e o Instituto Em- preender Endeavor, dá início, em fevereiro, a uma impor- tante etapa do Programa de Inovação Tecnológica em Pe- quenas Empresas (PIPE Em- preendedor) - as atividades de treinamento especializa- do com enfoque pragmático e vivencial em gestão de ne- gócios. Ao todo serão nove sessões presenciais, quinze- nais, e os empreendedores do PIPE terão suporte edu- cacional durante todo o pe- ríodo, através de uma pla- taforma tecnológica criada especialmente para o pro- grama. Paralelamente, serão oferecidas sessões de acon- selhamento, realizadas pelo Empreender Endeavor, que têm como finalidade pro- porcionar, a cada empreen- dedor, acesso à informação especializada e a uma rede de contatos de alto valor agregado, incluindo presi- dentes e diretores de gran- des empresas. A primeira sessão, sobre capital de risco e fontes de financiamento, ocorreu em dezembro e teve a presença de profissionais especialistas na área, como Pedro Cordeiro, sócio da Ec- celera, empresa de capital de risco no Brasil. Em clima in- formal, os empreendedores puderam discutir todas as suas dúvidas. Há planejamen- to de outras sessões como esta no decorrer do ano. •

PESQUISA FAPESP 96 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 15

Page 15: Dinossauros no Maranhão

POLíTICA CIENTIFICA E TECNOLóGICA

DEFESA

O Ministério da Defesa quer acelerar dez projetos que há anos estão sen- do elaborados nos institutos de pesquisa da Marinha, Exército e Aeronáutica. Entre eles, está o de

construção da Usina de Hexafluoreto de Urânio (Usexa), para a conversão do minério no gás, que após a etapa de enriquecimento será convertido em pó para a produção do combustível utilizado em Angra I e II. Atualmente, esse processo é feito no Canadá. "Com isso, o Brasil passará a dominar todo o ciclo de combustível nuclear", diz o coman- dante Leonam dos Santos Guimarães, coordenador do Programa de Propulsão Nuclear do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP).

Para implementar esses projetos, a Defesa conta com a liberação de R$ 37 milhões dos fun- dos setoriais, previstos em protocolo assinado com o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Também espera o apoio de empresas, como a Avi- brás, que será parceira no desenvolvimento de uma turbina de pequena potência para a propul- são de veículos aéreos não tripulados (Vant), e de verbas do Ministério das Comunicações, que pro- mete patrocinar um terceiro projeto, o da cons- trução do satélite geoestacionário brasileiro, de acordo com o almirante Ricardo Torga, presiden- te da Comissão Assessora de Ciência e Tecnologia para a Defesa (Cornasse), órgão coordenador do novo sistema.

A expectativa é de que os dez projetos repre- sentem o passo inicial para a consolidação do Sis- tema de Ciência, Tecnologia e Inovação de Interes-

se da Defesa Nacional (SisCTID), criado em de- zembro do ano passado. O objetivo do Ministério da Defesa é integrar a pesquisa e desenvolvimen- to militar ao Sistema Nacional de Ciência, Tecno- logia e Inovação, garantindo o acesso a novas for- mas de financiamento e a políticas de incentivo, além de colocar os institutos de pesquisa das três Armas no âmbito da Lei de Inovação que tramita no Congresso Nacional.

Contando basicamente com recursos orça- mentários - cada vez mais apertados -, as Forças Armadas têm enfrentado sérias dificuldades para pesquisar, desenvolver e nacionalizar tecnologias e correm o risco de perder pessoal qualificado. Para não interromper as atividades, a Marinha, por exemplo, tem implementado parcerias pon- tuais e transformou seus quatro centros de inves- tigação em organizações prestadoras de serviços e criou um "banco virtual" para o qual confluem recursos de várias fontes, inclusive as dotações or- çamentárias. Os custos das pesquisas são abatidos do "crédito virtual" de cada um dos institutos. Foi assim que o Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, em parceria com o Instituto de Pesqui- sas Nucleares (Ipen), conseguiu recursos para de- senvolver a tecnologia de ultracentrifugação que permitirá ao Brasil começar a produzir urânio enriquecido em escala industrial para utilização nas usinas Angra I e II. Atualmente, o urânio ex- traído da mina de Catité, na Bahia, é transforma- do em gás (hexafluoreto de urânio), no Canadá, e enriquecido na Holanda, a um custo de US$ 19 milhões, a cada 14 meses (verpágina 20).

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Ultracentrífugas para o enriquecimento de urânio vão produzir combustível para Angra I e II

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O Exército e a Aeronáutica não ado- taram o modelo de prestação de ser- viços. Optaram por programas de as- sociação com órgãos do governo e empresas. O Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento (IPD) - responsável pela pesquisa aplicada do Exército -, por exemplo, avalia o impacto da irra- diação na ampliação da vida útil de ali- mentos e rações em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agro- pecuária (Embrapa), a Universidade Federal do Rio de Janeiro e a Universi- dade Federal Fluminense. Junto com a Avibrás, estuda alternativas para o de- senvolvimento de novos modelos de blindados. O protótipo do veículo, ba- tizado de VBR-LR, já está pronto e em fase de avaliação técnica.

Para reforçar o caixa, o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) está criando, neste ano, um fundo para fi- nanciar projetos de pesquisa e a mo- dernização de laboratórios. Os recur- sos serão captados junto às empresas privadas e incluem doações de pessoas físicas. O fundo já conta com um orça- mento de US$ 1 milhão, segundo o rei- tor Michal Gartenkraut. Será gerido pela Fundação Casemiro Montenegro Filho, uma organização sem fins lucra- tivos que apoia a pesquisa e o desenvol- vimento tecnológico. O ITA também tem contado com o apoio de empresas como a El Paso, gigante mundial do gás natural, que investiu R$ 365 mil na ins- talação de um centro de excelência e capacitação de recursos humanos em turbinas a gás, e da Embraer, que inves- tiu mais de R$ 3 milhões na implantação de um mestrado profissionalizante em engenharia aeronáutica.

Parcerias estratégicas - A integração que o novo sistema quer promover tem como objetivo consolidar as parcerias com universidades e empresas privadas em torno de projetos de desenvolvi- mento de tecnologias de aplicação civil e militar, ou duais, no jargão militar. Esses projetos devem ser financiados com recursos dos fundos setoriais e de investimento de risco captados com o apoio do programa Inovar, da agência federal Financiadora de Estudos e Pro- jetos (Finep). "O satélite geoestacio- nário será utilizado tanto em navega- ção aérea como nas telecomunicações, e os veículos aéreos não tripulados te- rão grande utilidade no monitoramen-

to e fiscalização de du- tos", exemplifica o almi- rante Torga. A expectativa é de que essa convergência de interesses amplie o conteúdo tecnológico dos produtos e serviços da Defesa, capacite recursos humanos e fortaleça a indús- tria nacional, entre outros benefícios.

A aproximação com os setores /^ civis começou já na elabo-

^^A ração das diretrizes do Sis- i % CTID. Ao longo do ano

^L J^. passado, a Defesa reuniu pesquisadores e empresários de São Paulo, Campinas, São José dos Campos e Rio de Janeiro para integrar grupos de trabalhos e debater a minuta da pro- posta. Eles avaliaram modelos de parce- ria adotados por outros países, antes de propor um modelo nacional para a in- tegração da pesquisa civil e militar. Tam- bém analisaram as afinidades das três Armas e o potencial de aproveitamento das pesquisas para as Forças Armadas e a sociedade, até chegar numa lista de 23 tecnologias que serão priorizadas pelo sistema, entre elas os reatores nucleares, sistemas espaciais, sensores, microele- trônica e hipervelocidade. Assegurado o financiamento - e tendo com pano de fundo essas 23 tecnologias -, o SisCTID vai funcionar em moldes semelhantes aos de uma agência de fomento, indu-

zindo projetos estratégicos - que, neste caso, terão caráter sigiloso e serão

protegidos por legislação de salvaguar- da - e incorporando pesquisas de ino- vação tecnológica, espontaneamente apresentadas. Nos dois casos, o sistema vai operar como uma rede de coopera- ção, tendo como ferramenta o Sistema de Gestão de Projetos Estratégicos (SGPE), um software via web, desenvol- vido pelo Serviço Nacional de Aprendi- zagem Industrial (Senai). A utilização desse programa, aliás, já é resultado de parceria do Ministério da Defesa com a Confederação Nacional da Indústria (CNI). A carteira de projetos do sistema será gerenciada pela Comissão Assessora de Ciência e Tecnologia para a Defesa.

No escopo das tecnologias eleitas como prioritárias, a Defesa elegeu os dez primeiros projetos que pretende imple- mentar ainda este ano. Além da Usina de Hexafluoreto, do satélite geoesta- cionário e do Vant, também destinará recursos e buscará parceiros para o de- senvolvimento de combustíveis nuclea- res avançados, como o urânio gadolínio, utilizado na geração de energia elétrica; construção de bloco girométrico para o Míssil Anti-Radiação; criação de senso- res infravermelhos e óptico-mecânicos para sistema de visão noturna e navega- ção inercial; túnel de vento vertical para o treinamento de paraquedistas e um

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I

pseudo-satélite, que deverá conferir maior precisão aos sistemas de posicio- namento global por satélite (GPS).

A Defesa aposta no sucesso desse modelo. "Sem uma integração de esfor- ços, dificilmente responderemos ao de- safio de tornar a sociedade brasileira mais justa e equilibrada", afirma o mi- nistro José Viegas Filho, na apresenta- ção do documento Concepção estratégi- ca, onde estão detalhadas as diretrizes do SisCTID. Há expectativas positivas também do lado civil. "O novo sistema poderá ser um ponto de inflexão na pesquisa e desenvolvimento militar", prevê Michal Gartenkraut, reitor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), que participou dos grupos de debates. Para ele, o ponto forte é a in- tersecção entre os ministérios da Defe- sa e da Ciência e Tecnologia, que con- gregam, respectivamente, a inovação desenvolvida nas três Armas e o conhe- cimento gerado nas universidades e institutos de pesquisa. Se bem adminis- trada, essa aproximação pode reeditar o sucesso da parceria que resultou no desenvolvimento da indústria aeronáu- tica no Brasil, avalia Gartenkraut. "A aeronáutica, historicamente, sempre teve essa visão dual", lembra. O ITA, o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA) e a Embraer, criada 20 anos de- pois do ITA, são resultado disso. Ressal-

va, no entanto, que os recursos dos fun- dos setoriais "não podem substituir" o dinheiro do orçamento. "O mérito é que seja dinheiro novo."

Mas a integração com as universidades não será fácil. "O grande desafio será colocar temas de interesse

da Defesa na pauta das universidades", observa José Roberto Arruda, da Facul- dade de Engenharia Mecânica da Uni- versidade Estadual de Campinas (Uni- camp), que também participou do grupo de debates promovidos pelo Mi- nistério da Defesa. Ele acredita que a parceria com a universidade pode ser possível em torno de projetos "não bélicos", envolvendo educação ou defe- sa alimentar. "Defesa não é militaris- mo", ressalva. Mas reconhece que será preciso uma série de iniciativas para atrair talentos para este tipo de investi- gação, como, por exemplo, a criação de bolsas de doutorado ou de prêmios para teses, sugere. "Esse é um estímulo muito utilizado no exterior", diz.

Globalização seletiva - O SisCTID co- meçou a ser arquitetado no final do go- verno Fernando Henrique Cardoso. No dia 26 de novembro de 2002, faltando pouco mais de um mês para a posse do

novo governo, o Ministério da Defesa - então sob o comando de Geraldo Ma- gela Quintão - organizou um seminá- rio onde foram propostas as diretrizes do sistema. "No ano seguinte, o minis- tro Viegas e Roberto Amaral, da Ciên- cia e Tecnologia, assumiram esta pro- posta de forma extraordinária", conta o almirante Torga. Essas diretrizes foram detalhadas ao longo do primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o SisCTID foi oficial- mente criado no dia 10 de dezembro do ano passado.

O documento Concepção estratégi- ca, uma espécie de certidão de nasci- mento do novo sistema, justifica sua implantação: descreve um cenário mundial de "incertezas", marcado, de um lado, pela globalização seletiva e "pelo condomínio do poder" formado por uns poucos países e, de outro, pela deterioração do conceito de soberania nacional em algumas regiões do plane- ta. Denuncia que, em nome da defesa e da paz mundial, "atos de guerra têm sido perpetrados sem o necessário res- paldo legal do direito e apoio institu- cional". E propõe que os países que "valorizam a democracia, a liberdade e o respeito mútuos se mantenham pre- parados para "sustentar sua própria au- todeterminação". Ocorre que as Forças Armadas têm encontrado barreiras téc-

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Exército e Mat' parceria

empresas pri para nacion,

tecnologL

nicas e comerciais de países do primei- ro mundo que tentam "evitar quaisquer progressos que venham a permitir a aproximação de países concorrentes", conforme aponta o documento. A saída é a criação de um sistema, nos moldes do SisCTID, que articule os diversos setores da sociedade para fazer o país avançar com recursos e conhecimentos próprios. "Temos que nos libertar das importações", insiste o almirante Torga, citando como exemplo as dificuldades que o país tem encontrado para com-

prar componentes para o veículo aéreo não tripulado que, se tudo der certo, começarão a ser desenvolvidos por par- ceiros nacionais.

Três décadas depois, o SisCTID atua- liza o velho projeto das Forças Armadas brasileiras, implementado na década de 1970, de investir na montagem de uma infra-estrutura de pesquisa de ponta e na articulação de um complexo indus- trial militar nacional. "Os princípios são os mesmos", observa o almirante Torga. Na época, o conceito de "grande potên-

cia" era a referência teórica do pensa- mento militar brasileiro e a capacitação tecnológica, meta estratégica. "O projeto não vingou, exceto no caso do progra- ma AMX, da Aeronáutica, que, apoiada no braço civil da Embraer, fez avançar o mercado brasileiro de aviões", de acor- do com análise de Geraldo Lesbat Ca- vagnari Filho, pesquisador do Núcleo de Estudos Estratégicos da Unicamp. O projeto da "grande potência" abortou, mas permitiu que os institutos militares incorporassem novas tecnologias que

Negociação delicada

O Brasil está negociando com a Agência Internacional de Energia Atô- mica (AIEA) formas de inspeção nas ultracentrífugas de enriquecimento de urânio que estão sendo instaladas na empresa Indústrias Nucleares do Bra- sil (INB), em Resende, no Rio de Janei- ro. A primeira tentativa de acordo, no ano passado, acabou suspensa quando a AIEA solicitou uma inspeção mais intrusiva, incluindo o acesso visual das máquinas. A proposta da AIEA abre um precedente nos procedimentos de fis- calização e o acordo sobre esse pro- cedimento acabou sendo adiado.

Nessa negociação com a AIEA, o Bra- sil é representado pela Comissão Nacio- nal de Energia Nuclear (CNEN), vincu- lada ao MCT e Autoridade Regulatória Nuclear; pela Marinha; pela INB; e pe-

lo Ministério das Relações Exteriores. A visualização das máquinas, avalia-se, pode revelar informações de proprie- dade industrial. As ultracentrífugas de- senvolvidas pelo Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP) e pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) utilizam tecnologia inovadora. A ultracentrífuga é equipada com um tubo cilíndrico que gira no vá- cuo em velocidade supersônica para se- parar o urânio 235, utilizado como com- bustível, do urânio 238. No modelo tradicional - utilizado pelo Urenco, con- sórcio formado pela Alemanha, Ingla- terra e Holanda -, o tubo se apoia num mancai mecânico, sustentado no topo por mancais magnéticos. A ultracentrí- fuga brasileira funciona por levitação: tanto o mancai superior como o inferior

são magnéticos. A altura e o diâmetro da máquina, por exemplo, são infor- mações tecnologicamente relevantes.

Além do Tratado de Não Prolifera- ção de Armas Nucleares (TNP), firmado em 1997, o Brasil também é signatário, junto com a Argentina, a Agência Bra- sil-Argentina de Contabilidade e Con- trole de Materiais Nucleares (Abacc) e a AIEA, do Acordo Quadripartite para a Aplicação de Salvaguardas, em vigor desde 1994.0 acordo prevê que todas as instalações nucleares instaladas no país realizem contabilidade do material nu- clear e enviem relatório às duas agências de inspeção. Periodicamente, essas ins- talações são fiscalizadas em visitas anun- ciadas ou não, que conferem a conta- bilidade, confirmam as informações e recolhem registros de imagens capta-

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fizeram avançar a pesquisa estratégica, materializadas no Programa Espacial Integrado, no Programa Nuclear e no Programa Fronteiras.

Pesquisa compartilhada - O SisCTID também prevê que as Forças Armadas compartilhem seus laboratórios com universidades e empresas privadas. Mas o desenvolvimento de projetos comuns exigirá cobertura legal para questões como, por exemplo, a titularidade das inovações e regras claras para eventuais

licenciamentos ou afastamentos de pes- quisadores dos institutos de origem. A expectativa é de que estes e outros em- pecilhos sejam resolvidos com a apro- vação da Lei de Inovação. "Já encami- nhamos algumas sugestões ao projeto de lei que está sendo analisado pelo Con- gresso", observa o almirante Torga.

Na Marinha, onde os institutos de pesquisa operam como organizações prestadoras de serviço, esse processo de abertura para a pesquisa civil já está em curso. É conduzido pela Empresa Geren-

das por câmeras, entre outros. Os pro- cedimentos de inspeção em cada insta- lação nuclear são negociados caso a caso. "Nos reatores de potência, por exemplo, há sistema de vigilância", diz Laércio Vinhas, coordenador-geral pa- ra Assuntos Internacionais da CNEN. Mas, em qualquer caso, o Acordo Qua- dripartite prevê que, para aplicar sal- vaguardas, é preciso levar em conta os interesses do país quanto à preserva- ção de segredos tecnológicos, lembra Vinhas, que aposta no bom termo des- se entendimento: "As agências de fisca- lização tentam obter o maior número de informações possíveis e o país tenta preservar ao máximo seus segredos tec- nológicos e comerciais. As partes têm que chegar a um equilíbrio".

O físico Rogério Cerqueira Leite, professor emérito da Universidade Es- tadual de Campinas, diz não haver ris- cos tecnológicos na inspeção visual. "As diferenças tecnológicas não são

importantes. Eles querem é controlar a produção brasileira", conclui.

Um outro problema deverá constar da pauta de negociação com a AIEA. A Agência espera - na avaliação de algumas fontes do setor, na verdade, pressiona - que o Brasil assine um protocolo adicional ao Acordo de Sal- vaguardas que dá acesso aos inspetores a qualquer local do território nacional, e não apenas às instalações nucleares.

"A Agência não está pressionando o Brasil. A assinatura do protocolo é vo- luntária. Cabe ao país, soberanamente, tomar a decisão a esse respeito", con- testa Vinhas. O Brasil, ele diz, está ana- lisando as implicações técnicas e polí- ticas do protocolo adicional. E adianta que a posição brasileira é de que as dis- cussões relativas ao protocolo adicio- nal devem ser mais amplas e realizadas no contexto das iniciativa não só de não-proliferação de armas nucleares, mas também do desarmamento.

ciai de Projetos Navais (Emgepron) - vinculada à Defesa e coordenada pela Marinha -, criada em 1982, quando o país se empenhava em desenvolver uma indústria militar naval. A empresa ti- nha autonomia para negociar e contra- tar empréstimos em moeda estrangeira e, com isso, contorna obstáculos ao rea- parelhamento da indústria naval. "Na época, tínhamos projetos militares e ten- távamos motivar os setores privados a serem parceiros. Agora mudamos nos- so foco. Procuramos as diversas empresas de pesquisa e perguntamos: o que vocês querem pesquisar?", explica o almirante Wilson Montalvão, assessor técnico da Emgepron. A meta, ele explica, é assegu- rar aos institutos de pesquisa autogestão e receita própria.

A grande maioria dos "clientes" ainda está no governo. O Casnav, por exem- plo, desenvolveu um sistema de geren- ciamento de documentos que está sendo adaptado para atender demandas da Presidência e Vice-Presidência da Re- pública. "Já existe interesse também do Ministério da Fazenda, da Petrobras e de Furnas", adianta o comandante José Augusto de Carvalho Benoliel, chefe do Departamento Administrativo do Casnav. Algumas parcerias com o setor privado já estão "concretizadas", diz o almirante Montalvão. Uma delas é com a Inbrafiltro, empresa ligada à área de blindagem de autos. "Eles nos procura- ram porque pretendem estender suas atividades para a segurança pessoal, fabricando colete à prova de balas, ca- pacetes etc", conta. O acordo que está sendo negociado prevê o desenvolvi- mento de um novo produto, cuja paten- te ficará com a Inbrafiltro e os royalties, com a Marinha. Outro projeto em cur- so, solicitado pela Petrobras, é a im- plantação de recifes artificiais para aten- der às colônias de pescas próximas à bacia de Campos. Algumas prefeituras já estão interessadas, porque o aumento da oferta de peixes permitirá a explo- ração do turismo ecológico.

A política de abertura promovida pela Marinha também vai permitir o acesso de pesquisadores a quatro insti- tutos da Marinha: além do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo, também ao Centro de Análise de Siste- mas Navais (Casnav), ao Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Mo- reira e ao Instituto de Pesquisa da Ma- rinha, todos no Rio de Janeiro. •

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POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

PARCERIA

Estímulo para a ciência Prêmio Conrado Wessel muda formato e ganha apoio da FAPESP

A FAPESP vai participar da i^k comissão de organização e L^L da avaliação das candida- /m turas ao Prêmio Funda-

JÊL A. ção Conrado Wessel nas áreas de ciência e literatura, outorgado a personalidades ou entidades de des- taque nas áreas de literatura, medicina e ciência. O acordo de cooperação en- tre as duas fundações foi aprovado pelo Conselho Superior da FAPESP e assi- nado em dezembro do ano passado. "Os prêmios e as premiações para feitos científicos e tecnológicos são também atores importantes da dinâmica da evolução da espiral da cultura científi- ca. São instituições que, como outras, desempenham papel fundamental no processo de motivação da sociedade para o conhecimento", afirma o presi- dente da FAPESP, Carlos Vogt.

O Prêmio Fundação Conrado Wes- sel, criado há dois anos, é dividido em seis categorias: medicina, ciên- cia geral e ciências aplicadas ao meio ambiente, ao cam- po e ao mar, e literatura. Os melhores, em cada uma des- sas categorias, receberão um prêmio no valor de US$ 50 mil e um ícone assinado pelo escultor Vlavianos. Na sua primeira edição, no ano pas- sado - e em parceria com a Secretaria da Educação -, os prêmios nas áreas de ciência foram distribuídos por meio de concurso nas escolas da rede pública. "Neste ano, de- cidimos adotar formato novo e buscamos apoio de entida- des expressivas, entre elas a FAPESP, nosso braço direi- to", diz José Moscogliatto Ca- ricatti, diretor financeiro da Fundação Conrado Wessel.

Os candidatos aos prêmios na área de ciências serão indicados por 46 uni- versidades, entre elas a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Es- tadual de Campinas (Unicamp), a Uni- versidade Estadual Paulista (Unesp) e o Instituto Tecnológico de Aeronáu- tica (ITA). Cada uma dessas universi- dades tem prazo até o dia 5 de março para indicar pelo menos um nome ou entidade por área. A lista com o nome dos indicados será submetida à ava- liação de um júri formado por sete membros, representando a FAPESP, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Bra- sileira de Ciência (ABC), o Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientí- fico e Tecnológico (CNPq), a Coorde- nação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o ministé- rio da área e a fundação. Os prêmios serão entregues no dia 20 de maio, da-

ta em que a Fundação Conrado Wessel completa dez anos.

A FAPESP também vai participar da organização e seleção do prêmio de li- teratura. No ano passado, a Fundação Conrado Wessel convidou críticos lite- rários para selecionar entre 94 concor- rentes os três melhores autores inéditos. O prêmio foi a edição da obra, com ti- ragem de 2 mil exemplares, com direito a noite de autógrafos no Museu da Casa Brasileira, em São Paulo. Neste ano, se- rão premiados autores com obras pu- blicadas nos últimos cinco anos. Serão, da mesma maneira, indicados pelas uni- versidades e selecionados por júri que também contará com representantes da Academia Brasileira de Letras. Os prê- mios serão distribuídos na mesma data. "A expectativa é de que a qualidade dos prêmios concedidos anualmente forta- leça o interesse por temas culturais, cien- tíficos e tecnológicos", ressalta Vogt. •

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As flores só chegam após um estágio sob temperaturas mais frias

0 momento de florescer Como as rosas não falam, já dizia Cartola em uma can- ção inesquecível, o jeito foi descobrir, em laboratório, por que florescem. Uma planta floresce em conseqüên- cia de mecanismos moleculares que indicam que o in- verno acabou e é hora de produzir flores, de acordo com um estudo de uma equipe do Centro John Innes, de Norwich, Inglaterra, relatado na Nature de 8 de ja- neiro. Nos países frios, a maioria das plantas precisa passar por uma exposição a uma temperatura de 3o a 8o por três a oito semanas seguidas, durante o cresci- mento, sem a qual não conseguem desenvolver-se ple- namente. São dois genes, chamados VRN1 e VRN2, que fazem a planta lembrar-se, a vida inteira, de que foi exposta a um período de baixa temperatura e evite flo- rescer no inverno, preferindo as condições mais propí- cias da primavera. Os dois genes agem em conjunto com outro, o FLC, que funciona lentamente sob o frio e consegue adiar a produção de flores por mais de três meses. Os pesquisadores ingleses descobriram que mu- tações nos genes VRN podem desligar o FLC, fazendo a planta perder o relógio que indica o melhor tempo de florir. Trabalhando com uma planta-modelo, a Arabi- dopsis thaliana, os pesquisadores estudaram também as histonas H3 - proteínas que cobrem a molécula de DNA - ligadas ao FLC. E descobriram que uma estru- tura química das histonas conhecida como mediação era diferente nas plantas que já haviam experimentado o inverno: também a mediação desativava o FLC. Além de ajudar a entender como as plantas florescem no tempo certo, esse trabalho pode elucidar os mecanis- mos da memória química, ate mesmo nos animais. .

Fertilidade masculina em queda

Um estudo do Centro de Fer- tilidade de Aberdeen, na Es- cócia, sugere que a fertilidade masculina está em declínio, após constatar, entre 1989 e 2004, uma queda de 29% nos índices médios de contagem de esperma - quase um terço em pouco mais de uma déca- da. Os pesquisadores analisa- ram 16 mil amostras de sêmen de habitantes do Nordeste da Escócia que se apresentaram como voluntários. Um estu- do anterior já tinha registra- do uma diminuição mundial de 50% na contagem de es- perma ao longo de 50 anos na última metade do século 20. Mas ainda não é possível es- tabelecer em que medida fa- tores externos - como o fumo, o uso de drogas, o álcool e a obesidade - afetam a quali- dade do esperma. As influên- cias ambientais, a exemplo de pesticidas e dos produtos químicos em geral, além de material radioativo, também costumam ser relacionadas entre os principais demolido-

respeito especificamente aos

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escoceses, porem, os especia- listas do centro de Aberdeen se perguntam se a queda na taxa local de contagem de es- perma pode ser atribuída ao acidente nuclear de Cherno- byl, em 1986. A chuva ácida e a poeira radioativa resultan- tes do acidente teriam passa- do sobre território escocês, expondo a população a índi- ces excessivos de radiação. •

Nas origens do mal de Alzheimer

Pesquisadores alemães da Universidade de Bonn ajuda- ram a entender como a pro- teína abeta se acumula no córtex cerebral de portadores do mal de Alzheimer. Já se suspeitava que essa proteína poderia disparar a doença, por ser encontrada em abun- dância em células nervosas danificadas, mas ainda não se sabia exatamente como ela se infiltra no citoplasma celular - a região gelatinosa entre o núcleo e a membrana exter- na. Introduzida em células animais, a abeta é capaz de matar as próprias células, mas ela nunca era vista en- trando lá. A equipe de Anton

acnmnz e ae voiKer nerzog derrubou esse álibi, ao desco- brir que, de fato, a proteína penetra no citoplasma e nor- malmente é desintegrada. Mas, quando o processo de desintegração falha, a abeta se acumula e destrói as células. A abeta é fruto de uma divi-

amilóide (APP, na sigla em inglês), encontrada em todos os tipos de células do orga- nismo. Os alemães mostra- ram pela primeira vez uma via de desintegração ainda desconhecida da abeta, feita por meio da enzima degra- dadora de insulina (IDE, em inglês), encontrada no cito- plasma. Os pesquisadores encontraram, de fato, uma superprodução de abeta em muitas pessoas nas quais os sintomas de Alzheimer se manifestam entre 50 e 55 anos. Nos pacientes mais ve- lhos, em que a doença se apre- senta mais freqüentemente, foi detectada uma redução da atividade da IDE. Talvez, ao menos nesses pacientes, a doença surja mais como con- seqüência de um mau fun- cionamento do processo de

Diferenças gritantes Com base na comparação estatística de milhares de ge- nes do homem e do chimpanzé, 99,2% coincidentes, chegou-se à conclusão de que uma parte da diferença

ção e do olfato. Pesquisadores da empresa norte-ame- ricana Celera Diagnostics colocaram lado a lado 7.600 seqüências de genes do chimpanzé com as de seus cor- respondentes humanos e, para dar uma perspectiva evolutiva mais ampla, acrescentaram os genes do ca- mundongo. Curiosamente, o centro da audição parece não estar apenas no cérebro, mas no próprio aparelho auditivo, notadamente em um gene, o alfa-tectorina, na membrana do ouvido interno. Mutações nesse gene costumam causar surdez congênita no homem. Como esse gene é muito distinto nos homens e nos chimpan- zés, pretende-se descobrir o papel dessas diferenças e se seriam deficiências de audição que impediriam o chim- panzé de aprender a linguagem. Surgiram também surpreendentes adaptações ligadas ao olfato: alguns ge- nes dos seres humanos foram desativados permanente- mente, enquanto outros se desenvolveram nos homens rapidamente, a exemplo daqueles que ajudam a encon- trar comida e possivelmente a escolher as companhei-

também de uma série de complexas mudanças evolu- cionárias e os estudos estão apenas começando. •

Deficiências de audição talvez impeçam o chimpanzé de aprender a linguagem

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LABORATóRIO BRASIL

Migrantes morrem mais do coração Os nordestinos e os minei- ros são os que mais morrem de doenças isquêmicas do coração - infarto e angina - no Estado de São Paulo, de acordo com um estudo de Luiz Francisco Marcopito, epidemiologista da Univer- sidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado na Re- vista de Saúde Pública. De 3,2 milhões de declara- ções de óbitos de pes- soas com mais de 20 anos que faleceram entre 1979 e 1998, ele selecionou 426.033, da- quelas que haviam mor rido por causa de doenças isquêmicas. E 38,7% refe- riam-se a migrantes, dos quais 12,8% ha- wL viam nascido na re- gião Nordeste e 10,6% em Minas Gerais, en- quanto 4,2% eram nativos dos demais estados. Em al-

guns casos, há uma inver- são em relação à participa- ção relativa de cada grupo na população paulista. Em 2000, a população era de 37 milhões de habitantes, dois quais 75,2% de nas- cidos no próprio estado e

24,8% eram de outros esta- dos ou países; no conjunto de não nativos, havia minei- ros (20,7%), baianos (19,7%) e paranaenses (12,9%). No estudo da Unifesp, os nor- destinos também morreram mais cedo, com mediana (valor que separa os dados

observados em duas me- tades) de 64 anos de ida-

■ Pressão alta em Vitória

Peixe frito, banana frita, fran- go frito. Muita fritura, muito sal, sedentarismo e sobrepeso fazem de Vitória, a capital do Espírito Santo, uma das cida- des brasileiras com um dos mais altos índices de hiper- tensão arterial, verificada em 37,8% da população, segundo um levantamento feito a par- tir de uma amostra de 1.663 moradores (47,4% homens e 52,6% mulheres) entre 25 e 64 anos de idade. De cada um deles, uma equipe da Univer- sidade Federal do Espírito

de. Os mineiros morreram com 67 anos e os paulistas nativos, com 69 - todos dis- tantes da mediana de ida- de de morte dos imigrantes (europeus ocidentais, 78 anos; europeus do Leste, 80; e japoneses, 82 anos). Mar- copito atribui a maior mor- talidade entre os migran- tes ao tipo de alimentação, rica em óleos e gorduras sa- turadas. Já os imigrantes for- mavam um grupo respon- sável por 11,3% das mortes causadas por infarto e an-

gina. "Os estrangeiros fa- lecidos devem ser os re- manescentes da grande onda de imigração para

o estado ocorrida no passado", diz ele. •

Santo (UFES), coordena- da por José Geraldo Mill, exa- minou 20 parâmetros, como índice de massa corporal, ex- creção urinaria de sódio, taxa de glicose no sangue e coleste- rol. Os níveis de sódio e de co- lesterol foram mais altos em homens e em pessoas de me- nores condições econômicas, numa relação direta com a hi- pertensão. Um estudo com- plementar sobre os hábitos alimentares de 1.623 morado- res de Vitória consolidaram algumas hipóteses que expli-

cam esses resultados. "Os há- bitos que levam à alta inci- dência da hipertensão e à obesidade são construídos dentro da própria família", diz uma das pesquisadoras da equipe, Maria dei Carmen Bisi Molina, carioca radicada há oito anos na capital capixaba. Talvez seja um pouco difícil mudar esses hábitos e incenti- var a prática da atividade fí- sica como forma de evitar o

excesso de peso, outro fator de risco para doenças cardía- cas. Em 2003, Lara Marina Venturim, aluna de Maria dei Carmen, acompanhou 40 pessoas que procuraram os postos à beira-mar do Servi- ço de Orientação ao Exercí- cio (SOE). Seis meses depois, apenas 12 incorporaram o hábito de exercitar-se. "Além dos postos de orientação de exercícios", diz Maria dei Carmen, "é preciso implantar outras estratégias de políti- cas públicas de saúde." •

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Mimosa splendida: arbusto raro da Chapada dos Veadeiros, norte de Goiás

■ A Mimosa reaparece

Foi redescoberta uma espécie típica do cerrado da qual não se tinha notícia desde 1895: a Mimosa splendida, arbusto de quase 2 metros de altura, com tronco coberto de escamas e folhas no alto do caule. Descri- ta há 109 anos pelo natura- lista francês Auguste Glaziou, a Mimosa splendida - sem nome popular - tem a forma de candelabro e cresce sobre solos rochosos e arenosos da Chapada dos Veadeiros, norte de Goiás. "O fato de ter sido reencontrada após tanto tem- po significa que se trata de um espécie naturalmente muita rara e de distribuição geográfica bastante restrita, mesmo dentro da Chapada dos Veadeiros", comenta Mar- celo Simon, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesqui- sa Agropecuária (Embrapa) e co-autor da descoberta, feita com Marina Amaral, quando ambos integravam a equipe do ecólogo John Hay e da botânica Carolyn Proença na Universidade de Brasília (UnB). Noticiado na Revista Brasileira de Botânica, esse achado reforça a importância

da Chapada dos Veadeiros como centro de espécies en- dêmicas (exclusivas) para esse gênero de plantas, o mesmo da dormideira ou sensitiva {Mimosa pudica), cujas folhas se fecham quando tocadas. Da dormideira já se conhecem alguns usos - no tratamento de problemas de fígado ou intestino, entre outros -, mas nada ainda foi estudado so- bre os compostos químicos peculiares ou processos de po- linização da Mimosa splendi- da. "Está tudo em aberto." •

■ Opção nacional pela poltrona da sala

Estudos recentes sugerem que os brasileiros não estejam

assim tão distantes do estereó- tipo do preguiçoso norte- americano, o chamado couch potato - batata de sofá, numa tradução livre. O número de brasileiros que fogem dos exercícios nas horas de folga é de duas a três vezes mais ele- vado que os registrados nos Estados Unidos ou em países europeus, de acordo com uma série de artigos publica- dos numa edição especial da Revista Panamericana de Sa- lud Pública sobre atividade fí- sica. Apenas 13% dos brasi- leiros fazem um mínimo de 30 minutos de atividade física em um ou mais dias da sema- na. Portanto, 87% não pen- sam duas vezes antes de dei- xarem-se cair na poltrona da

Os couch potatoes brasileiros: 87% da população

sala, enquanto nos Estados Unidos 38% da população não cumpre essa meta míni- ma de exercícios e na Europa, 32%. Os dados emergem de um estudo coordenado por Carlos Augusto Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP), e publicado na revista, editada pela Organização Pa- namericana de Saúde (Opas). Monteiro tomou como base a Pesquisa sobre Padrões de Vida, feita pelo Instituto Bra- sileiro de Geografia e Estatís- tica (IBGE) de março de 1996 a fevereiro de 1997, com uma amostra de quase 4.900 resi- dências das regiões Nordeste e Sudeste - onde moram 70% da população - e 11.033 pes- soas com pelo menos 20 anos de idade. Dos 191 países que integram que a Organização Mundial da Saúde (OMS), da qual a Opas é uma ramifica- ção, apenas 31 fizeram esse tipo de levantamento. O edi- torial da Revista Panameri- cana de Salud Pública alerta para o fato de que a pro- porção da população das Américas cuja saúde se en- contra em risco em conse- qüência da vida inativa apro- xima-se de 60%. •

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CIÊNCIA

^""1 m pé, encostado no batente da porta à frente da casa, o professor de bio- logia Vitorino Coelho de Sousa ou- via, sem prestar muita atenção, um

' rapaz tagarela que lhe enumerava os ensinamentos da Bíblia na esperança de conver- tê-lo à religião evangélica. De repente, a conversa tranqüila - uma das tantas que ainda ocupam os finais de tarde nas cidades pequenas - tomou desvios inesperados, originou uma história rica em aparentes acasos e resultou, dias depois, no

sauros com cerca de 110 milhões de anos, encon- trados no interior do Maranhão, e na descoberta de uma possível nova espécie desses gigantescos

65 milhões de anos. Até então, amostras tão anti- gas de dinossauros eram raras no Nordeste.

Estamos em Coroatá, cidade de 50 mil habi- tantes no interior maranhense, 200 quilômetros ao sul da capital, São Luís, numa tarde do final de julho do ano passado. Após ouvir o visitante por longos minutos, Vitorino perdeu a paciência e entrou num embate entre ciência e religião, com argumentos acalorados de ambos os lados, quando o jovem evangélico afirmou que os animais existentes no mundo eram de origem divina. Professor de biolo- gia numa escola secundária, Vitorino resolveu en- sinar ao rapaz um pouco de ciência. Explicou que restos de plantas e animais petrificados, os fósseis,

eram obra de Deus, mas haviam evoluído de outras espécies, surgidas milhões de anos antes. Admira- do com a explicação, o jovem comentou: "Faz pou- co tempo, vi na casa de uma pessoa aqui mesmo em Coroatá algumas pedras parecidas com osso".

Vitorino passou dias intrigado com esse co- mentário. No final de semana, resolveu conferir. Apanhou a máquina fotográfica, seguiu para a região indicada e chegou até o sítio do agricultor Alexandre Marques Vaz, um plantador de mandio- ca, batata, arroz e milho, que, de fato, havia cole- tado, durante 13 anos, umas pedras semelhantes a ossos. A forma dessas pedras já havia gerado longos debates entre Alexandre e seus vizinhos. Alguns achavam serem mesmo osso de bicho - talvez até de elefante, pelo tamanho, e por que não? -, enquanto para outros aquilo tudo não

Vitorino teve de gastar muita conversa para convencer o desconfiado agricultor a mostrar as tais pedras, guardadas com o zelo de quem es- conde um tesouro. E não eram poucas: forravam o chão de um dos cômodos da casa de tijolos sem reboco em que o agricultor de 32 anos mora com a mulher e os filhos. Alexandre havia colhido as pedras das margens dos afluentes do rio Itapecu- ru, que corta Coroatá e corre no sentido noroes- te. De julho a novembro, quando chove pouco, o leito do rio baixa e ficam expostos os terrenos es-

* is

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Professor de biologia e agricultor participam da descoberta de um vasto depósito de fósseis de dinossauros no interior do Maranhão

cavados pela água, antes encobertos pela floresta de palmeiras de babaçu - é a Mata dos Cocais, ve- getação típica dessa região do Nordeste, que se espalha a leste pelo Piauí e Ceará, ocupando uma área maior que a da Inglaterra.

A vértebra e a lista telefônica - Sob o olhar ma- treiro do dono da casa, Vitorino logo bateu o

20 centímetros de diâmetro. Lembrando-se das aulas de paleontologia de seu curso de graduação na Universidade Federal do Piauí (UFPI), ele concluiu, de imediato: não era um osso de elefan- te, como haviam imaginado, mas uma vértebra

RlCARl

Como são raros os fósseis de dinossauros en- contrados no país, Vitorino sabia estar diante de um material de alto interesse científico. Por essa razão, decidiu tornar pública a descoberta e cha- mou uma equipe da TV Mirante, a retransmisso- ra da Rede Globo no Maranhão, para fazer uma reportagem. Mas não gostou do programa, que foi ao ar alguns dias depois apenas na região de Co- roatá. "Foi sensacionalista", definiu. Insatisfeito, Vitorino passou a mão no catálogo telefônico em busca de um especialista e chegou ao paleontólogo

f Manuel Alfredo Medeiros, da Universidade Fe- deral do Maranhão (UFMA). "Achei que fosse mais um alarme falso", recorda Medeiros. "Duas outras vezes haviam me chamado para ver fósseis em outras cidades, mas eram ossos recentes."

Mas, como a região podia de fato abrigar fós- seis de dinossauros, Medeiros arriscou. Foi para Coroatá e não se desapontou: os fósseis eram mesmo de dinossauros. A maior parte dos ossos petrificados é de saurópodes, dinossauros herbí- voros com cauda e pescoço longos - os maiores saurópodes, encontrados na Argentina, atingiam 30 metros de comprimento e chegavam a pesar 70 toneladas. A peça de maior valor científico é justamente a vértebra da cauda vista por Vitorino no primeiro encontro com o agricultor. Segundo Medeiros, o fóssil pertence a uma nova espécie de saurópode que deve ter habitado essa região en- tre 110 milhões e 100 milhões de anos atrás, du- rante o período geológico chamado Cretáceo. Foi uma datação indireta, feita com base em estudos geológicos da Petrobras e da Universidade Fede- ral do Rio de Janeiro (UFRJ).

A descoberta confirma ainda que essa região do Maranhão é um imenso depósito de fósseis continentais de uma fase do Cretáceo que vai de 110 milhões a 95 milhões de anos. De acordo com Medeiros, os achados são raros porque as camadas de rochas mais superficiais que contêm fósseis se encontram numa faixa entre 5 e 15 me- tros de profundidade sob o Cerrado e a Mata dos Cocais. "Se uma nova datação confirmar a idade dos fósseis entre 110 milhões e 100 milhões de anos, esse material deverá fornecer informações

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preciosas sobre a fauna continental dessa fase do Cretáceo", diz Medeiros. Naqueles tempos, a América do Sul e a África ainda estavam em franco proces- so de separação, e a paisagem do Ma- ranhão era bem diferente da atual. Pes- quisa da UFRJ e Petrobras mostraram que o clima era predominantemente árido ou semi-árido, mas nas regiões próximas aos rios havia florestas de co- níferas semelhantes a araucárias, sa-

mambaias com porte de árvores e plan- tas chamadas equisetos, que lembram a cavalinha.

Conversa vai conversa vem, e Me- deiros convenceu o agricultor Alexan- dre Marques Vaz a lhe doar ao menos a vértebra de saurópode, hoje guardada no Laboratório de Paleontologia da UFMA. Agora, a partir desse osso, o pesquisador pretende identificar a que animal pertenceu - de antemão, parece

algo realmente novo, de um gênero e es- pécie ainda desconhecidos para a ciên- cia. "Queremos saber se esses grupos existiram também na África ou se são exclusivos do Brasil", diz o paleontólo- go. Agora cabe a Darciléa Castro, da equipe de Medeiros, em conjunto com paleontólogos paulistas, começar a classificação dos outros cerca de 70 os- sos petrificados. À custa de muitos ar- gumentos científicos, o reticente Ale-

0 novo dinossauro do Maranhão

Em janeiro, a equipe do geólogo Is- mar de Souza Carvalho, da Universida- de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), apresentou a reconstituição de uma nova espécie de dinossauro brasileiro, que viveu no Maranhão 110 milhões de anos atrás. É o Amazonsaurus mara- nhensis, um herbívoro quadrúpede com 10 metros de comprimento da ca- beça à cauda e cerca de 10 toneladas. Foi descrito na edição de dezembro de 2003 na Cretaceous Research, a mais importante revista científica sobre o Cretáceo, o último período geológico em que esses grandes répteis habitaram o planeta.

O Amazonsaurus é o mais antigo saurópode (dinossauro quadrúpede herbívoro) brasileiro do Cretáceo, pe- ríodo geológico que foi de 144 milhões a 65 milhões de anos atrás, no qual sur- giram as plantas com flores e a América

do Sul começou a se separar da África. A equipe da UFRJ encontrou os fósseis desse dinossauro às margens do rio Ita- pecuru - no município de Itapecuru- Mirim, 130 quilômetros ao sul da capi- tal, São Luís -, uma área de transição entre a Floresta Amazônica e o Cerra- do, ainda na Amazônia Legal brasileira. Por esse motivo, esse animal é conside- rado o primeiro dinossauro da Amazô- nia cuja espécie foi identificada.

Características marcantes dessa es- pécie são o pescoço e a cauda mais lon- gos e atilados nas pontas que os dos outros saurópodes. No dorso do A. maranhensis, destaca-se uma pequena elevação: são os prolongamentos das vértebras da coluna, os chamados es- pinhos neurais, que chegam a 20 cen- tímetros. Segundo Carvalho, a nova espécie é parente distante de um sauró- pode que viveu na região noroeste da

África nesse mesmo período, o Rebba- chisaurus garasbae. As vértebras de am- bas são bastante semelhantes - sinal de que devem ter evoluído a partir de uma mesma espécie ancestral.

A descoberta do Amazonsaurus contribuirá para a compreensão de co- mo evoluíram os ambientes terrestres brasileiros no Cretáceo, muito menos estudados que o marinho desse mesmo período, quando se formaram as reser- vas brasileiras de gás e petróleo, situa- das no Atlântico. "A partir de agora, a análise da evolução dos saurópodes de- verá incluir o estudo do Amazonsaurus maranhensis", afirma Carvalho.

O anúncio dessa descoberta coroou 13 anos de trabalho marcados por per- calços. Sob a coordenação do veterano químico Cândido Simões Ferreira, hoje professor emérito da UFRJ com 84 anos, cinco jovens pesquisadores fi-

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xandre abdicou de seu acervo, que, já está acertado, ficará sob a guarda da Casa de Cultura de Coroatá.

A bacia do rio Itapecuru, que i^L desenha um arco de sul a L^^ norte no Maranhão, é con-

È M siderada hoje um verda- JL. -A^ deiro vale de dinossau- ros. Foi dali que saíram os fósseis da mais nova espécie brasileira de dinos- sauro: o Amazonsaurus maranhensis, descrito pela equipe do geólogo Ismar de Souza Carvalho, da UFRJ (veja quadro). Em 2001, as equipes de ^_ Medeiros e Carvalho encontra- ram na Ilha do Cajual, em Al- cântara, a vértebra de uma nova espécie de saurópode, os corpulen- tos dinossauros herbívoros de cauda e pescoço longos e cabeça pequena. Com cerca de 95 milhões de anos, esse osso petrificado pertenceu a um sauró-

MARANHAO

pode de um grupo dos saltassau- rinos. Antes encontrados apenas na

Argentina, os saltassaurinos mediam cerca de 8 metros da cabeça à cauda -

são os anões da família dos titanossau- ros, animais que podiam atingir 30 me- tros e quase 70 toneladas.

A descoberta do fóssil da Ilha do Cajual, quase 20 milhões de anos mais antigo que os dos saltassaurinos argen- tinos, permitiu aos paleontólogos bra- sileiros apresentarem uma nova versão para a evolução desses animais. "Eles provavelmente surgiram na região onde hoje está o norte do Brasil e de- pois migraram para o sul", diz Medei- ros. Os pesquisadores do Rio e do Ma- ranhão já determinaram o gênero e a espécie do saltassaurino maranhense, mas seu nome só será revelado em al- guns meses, com a publicação do artigo científico que o descreve.

De norte a sul - Após uma extinção em massa varrer boa parte da vida da Terra 210 milhões de anos atrás, os dinossau- ros evoluíram a partir de um carnívoro bípede que não chegava a 1 metro de altura, o tecodonte. Fósseis encontrados em diferentes regiões do planeta indi- cam que os dinossauros foram os ani-

zeram em 1991 a primeira viagem ao interior do Maranhão para mapear as áreas nas quais afloram rochas forma- das no Cretáceo, que serviriam para o treinamento dos alunos de geologia da UFRJ. Consideradas de grande interes- se econômico por abrigarem cerca de metade das reservas de gás e petróleo do planeta, essas áreas com rochas do Cretáceo somam 150 mil quilômetros quadrados - ou 1,5 vez o tamanho de Portugal - apenas no Maranhão.

Acomodados do melhor modo possíveL em uma Kombi carregada de mantimentos, os seis pesquisadores partiram do Rio e atravessaram meta- de do país em uma viagem de cinco

dias. Em três semanas de trabalho in- tenso, a equipe rodou centenas de qui- lômetros analisando terrenos próxi- mos às ferrovias e às rodovias sem localizar uma só área com as rochas procuradas. Tensos e cansados, os pes- quisadores decidiram mudar a estraté- gia e passaram a percorrer de barco os rios da região, quando chegaram ao município de Itapecuru-Mirim - dis- tante 70 quilômetros de Coroatá, onde foram encontrados recentemente mais fósseis de dinossauros.

Em uma das primeiras paradas às margens do rio Itapecuru, ao descer do barco, Ferreira tropeçou em uma gran- de uma peça, inicialmente confundida

Amazonsaurus maranhensis: 14 anos de buscas

com osso de vaca. Essa era a primeira parte do esqueleto do Amazonsaurus maranhensis, reconstituído a partir de 20 peças bem preservadas e outros 150 pedaços reunidos ao longo de seis anos de escavações às margens do rio Itape- curu. Tão difícil quando a extração dos fósseis da rocha dura foi o reconheci- mento do trabalho, que Carvalho assi- na com Leonardo dos Santos Ávila, do Museu Nacional, e Leonardo Salgado, da Universidade Nacional de Coma- hue, na Argentina. Por se tratar de um animal de gênero e espécie desconheci- dos, o artigo passou por muitas revi- sões ao longo de três anos antes de ser aceito pela Cretaceous Research.

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mais terrestres mais abundantes duran- te 150 milhões de anos, numa fase em que o clima do globo era mais quente e os continentes do Hemisfério Sul ainda estavam unidos num supercontinente, a Gondwana.

Os paleontólogos acreditam que di- versas espécies de dinossauros tenham habitado o atual território brasileiro, mas os fósseis desses animais são raros por aqui, principalmente porque os

grandes reservatórios de ossos petrifi- cados estão cobertos pela Mata dos Co- cais, no Maranhão, ou pelo Cerrado, em Mato Grosso e em São Paulo.

Os fósseis do Araripe - Mesmo sendo poucos, os fósseis de dinossauros brasi- leiros revelam características físicas valiosas desses répteis e ajudam a entender como evoluíram. Não muito longe do Maranhão fica um dos mais importantes depósitos mundiais de fósseis de uma fase do Cretáceo que vai de 140 milhões a 100 milhões de anos atrás. É a Chapada do Araripe, um ta- buleiro de 160 quilômetros de extensão por 50 de largura que se ergue a 900 metros de altitude no sul do Ceará e se espalha, a leste, para Pernambuco e, a oeste, para o Piauí.

Nas minerações de calcário e gesso dessa região, foram encontrados fósseis de outras três espécies de dinossauros.

Duas delas integram o grupo dos espi- nossaurídeos, répteis bípedes de até 10 metros de comprimento, em cujo dor- so sobressaía uma espécie de crista. Um desses espinossaurídeos é o Angaturama limae, descrito em 1999 pelo paleontó- logo Alexander Kellner, do Museu Na- cional da UFRJ, a partir de fósseis do focinho do animal. Parente de espécies encontradas na África e na Europa, esse dinossauro viveu há cerca de 110 mi- lhões de anos. Tinha a cabeça e o focinho alongados e dentes semelhantes aos dos

crocodilos atuais. David Martill, da Uni- versidade de Portsmouth, na Inglater- ra, identificou em 1996, a partir da por- ção posterior de um crânio encontrado na Chapada do Araripe e contrabandea- do para a Europa, outra espécie de espi- nossaurídeo: o Irritator challengeri.

O Irritator ganhou esse nome por causa da ira que que sua identificação despertou. Martill notava que a parte de trás do crânio pertencia a um dinossauro, mas o focinho não era com- patível com a descrição de nenhum

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grupo conhecido. Só mais tarde é que descobriu: o focinho do animal havia sido reconstituído artificialmente pe- los contrabandistas para valorizar a venda do fóssil.

Um dos fósseis mais pre- ciosos é o Santanaraptor placidus, que também saiu da cidade de Santa- na do Cariri, na Cha-

pada do Araripe. É o primeiro fóssil de dinossauro que, além dos ossos, pre- servou parte do couro, dos músculos e dos vasos sangüíneos do animal. Com apenas 1,8 metro, esse carnívoro que viveu há 110 milhões de anos é um an- cestral do conhecido e temido Tirano- saurus rex, enorme predador que do-

minou a América do Norte cerca de 40 milhões de anos mais tarde.

Talvez tão feroz quanto o Tirano- saurus foi o Pycnonemosaurus nevesi, o maior predador brasileiro. Réptil bípe- de, de 8 metros de comprimento, viveu há 80 milhões de anos no interior do Mato Grosso. Com os membros ante- riores curtos e os músculos da cauda bastante desenvolvidos, o P. nevesi é se- melhante a outros animais do mesmo grupo encontrados na índia, na África e na Argentina. Mas as formas mais próximas do Pycnonemosaurus estão na Argentina. "Deve ter existido uma fau- na comum ao Brasil e à Argentina, já distinta da encontrada na África", diz Kellner, que descreveu o grande preda- dor em 2002 nos Arquivos do Museu

Nacional, em parceria com o paleontó- logo Diógenes de Almeida Campos, do Departamento Nacional de Produção Mineral, no Rio de Janeiro.

Em 1971, a equipe de Farid Arid, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), encontrou na região de São José do Rio Preto uma das duas espécies de titanos- sauro identificadas em São Paulo. Eram apenas três ossos petrificados do An- tarctosaurus brasiliensis, um animal so- bre o qual existe muito pouca informa- ção. Em meados dos anos 1980, um agricultor de Presidente Prudente, oes- te paulista, encontrou fósseis de outro titanossauro, que Kellner chamou em 1999 de Gondwanatitan faustoi - um dos esqueletos de dinossauro mais com- pletos encontrados no país. Apesar de seus cerca de 8 metros, o Gondwanatitan, que viveu entre 90 milhões e 80 milhões de anos atrás, tinha o pescoço e a cauda mais curtos que o Amazonsaurus.

Os mais antigos - Mas o berço dos di- nossauros brasileiros está mesmo nas re- dondezas do município de Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul. As três espécies mais antigas do país - e provavelmente do mundo - habitaram o território gaúcho há 225 milhões de anos, durante o Triássico. O mais antigo deles, comprovadamente o primeiro dinos- sauro brasileiro, é o Staurikosaurus pricei. Descoberto em 1937, esse carnívoro de cerca de 2,5 metros é um dos mais an- tigos dinossauros de que se tem notícia.

Dezenas de milhares de anos mais novo que o Staurikosaurus é o Saturna- lia tupiniquim, herbívoro de não mais de 4 metros de comprimento, descrito há cinco anos por Max Langer, hoje na USP de Ribeirão Preto. Uma caracte- rística curiosa desse réptil, ancestral de animais como o Amazonsaurus e o Gondwanatitan, é que, embora fosse quadrúpede, era capaz de se locomover apenas sobre as pernas traseiras em al- gumas situações.

No município de Candelária, às mar- gens do rio Guaíba, foram descobertos os fósseis de um dinossauro de 1,2 me- tro bastante primitivo. Trata-se do Guai- basaurus candelária, cerca de 1 milhão de anos mais novo que o Staurikosau- rus. Inicialmente classificado como car- nívoro, acredita-se atualmente que esse quadrúpede que provavelmente conse- guia andar só com as pernas traseiras fosse, na verdade, um herbívoro. •

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CIÊNCIA

Aumento da temperatura, acelerado pela ação humana, deve redesenhar o perfil da vida no planeta

emanas atrás, os jornais do mundo inteiro noticiaram um estudo feito por 19 pesquisa- dores de oito países e publica- do na revista científica Natu-

re prevendo três cenários preocupantes para daqui a 50 anos, em conseqüência do aumento projetado de temperatu- ra média global, provocada, principal- mente, pela queima de florestas e de combustíveis derivados do petróleo. No melhor dos três, correm o risco de extinção iminente de 900 mil a 1,8 mi- lhão de espécies de plantas e animais terrestres, correspondentes a 18% do to- tal estimado de espécies atuais, se a tem- peratura subir apenas de 0,8 a 1,7 grau Celsius e a concentração de C02 na at- mosfera elevar-se 30% - uma projeção

ta diante da recusa dos Estados Unidos e da Rússia, os dois maiores poluidores mundiais, de aderirem ao Protocolo de Kyoto, acordo internacional destinado a reduzir a emissão de gás carbônico.

tudo coordenado por Chris Thomas, da Universidade Leeds, na Inglaterra - com a participação da bióloga brasilei- ra Marinez Ferreira de Siqueira, do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria) -, um aumento maior que 2 graus na temperatura ameaça a continuidade de quase o dobro de es- pécies - ou mesmo de três vezes mais, caso as plantas e os animais não consi-

Os programas de computador que le- varam a essas conclusões são evidente-

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mente limitados e partem do pressu- posto de que a vida no futuro vai se comportar tal qual no passado, mas qualquer das três possibilidades repre- senta uma nova extinção em massa - a sexta na história do planeta - com pos- síveis implicações sérias para a vida dos seres humanos. A última vez em que ocorreu algo semelhante foi há 65 milhões de anos, quando uma extinção provocada por erupções vulcânicas ou talvez por colisões de asteróides contra o planeta eliminou os dinossauros e a maioria das formas de vida na Terra, muito tempo antes de a espécie huma- na surgir.

Quem enfrenta verões escaldantes talvez ache difícil acreditar que um au- mento de 2 graus seja capaz de tama- nho estrago. Mas pode-se considerar

talhe: o aquecimento não é homogê- neo. "A elevação média de 2 graus pode representar o incremento de 1 grau cm algumas regiões do planeta, mas superior a 4 ou 5 graus em ou- tras", diz Jefferson Cardia Simões, gla- ciologista da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E, como

ção da água e altera o regime de chu- vas, os desequilíbrios ambientais dei- xam de ser uma possibilidade teórica para se tornarem problemas concre- tos, como, aliás, já vem acontecendo. Em setembro do ano passado, um tu- fão, cuja origem se atribuiu às mudan- ças climáticas globais, atingiu a Coréia do Norte e deixou cem mortos, além de 25 mil desabrigados.

A equipe de Chris Thomas analisou como alterações climáticas mais ou me- nos intensas podem influenciar o futuro de 1.103 espécies de plantas e animais, quase todas exclusivas (endêmicas) de cada uma das seis regiões ricas em di- versidade - México, Austrália, África do Sul, Brasil, Costa Rica e Europa -, que correspondem a um quinto das terras do planeta. Foi a maior amostra já ana- lisada para entender como as mudanças

ra, onde vivem atualmente, de acordo com as estimativas mais confiáveis, de 5 milhões a 10 milhões de espécies, embo- ra apenas 1,8 milhão tenham sido ca- racterizadas. Mesmo antes desse estudo já havia indícios de mudanças nas for- mas pelas quais as espécies de animais e plantas se relacionavam entre si ou com

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o ambiente - as chamadas relações eco- lógicas - em conseqüência tias mudan- ças climáticas recentes.

Nos últimos cem anos, 60% das po- pulações de 35 espécies de borboletas européias que não apresentam hábitos migratórios se deslocaram e expandi- ram, de 35 a 240 quilômetros rumo ao pólo norte, a área geográfica que ocu- pam, de acordo com um estudo coor- denado por Camille Parmesan, bióloga da Universidade do Texas, publicado em 1999 na Nalurc. C.ian-Reto Walthcr, geobotânico da Universidade de Han- nover, Alemanha, em um artigo pu- blicado em 2001, também na Naturc,

ções ecológicas, como a antecipação de dois a cinco dias na migração de pássaros na Europa e na América do Norte ou o florescimento entre 1,5 e 3 dias mais cedo, a cada década, de plantas da Europa.

Mais espaço para velhas doenças - O

ameaçado, de maneira mais direta do que se pode imaginar. "Mudanças cli- máticas podem aumentar a distribui- ção geográfica de insetos como o Aedes (transmissor da dengue e febre amare- la) e o Anopheles (transmissor da malá-

ria) e levar doenças tropicais para os países das regiões temperadas", comen- ta Thomas Eewinson, ecólogo da Uni- versidade Estadual de Campinas (Uni- camp). "A Europa pode ter de se preocupar com doenças tropicais que

saparecido, como a malária, que era re- lativamente comum na Inglaterra na época do Império Romano."

arcclo Tabarelli, ecó- logo da Universidade Federal de Pernam- buco (UFPE), dá uma idéia do que pode a-

contecer num espaço como a Amazônia: o desaparecimento da vegetação e dos animais provocado pelas alterações do

>ta deve levar a mudanças em mais de na região do planeta. A água perdida Ias plantas por meio da transpiração

origina massas de ar que transferem ca- lor e umidade para regiões vizinhas. Al- teração nesse ciclo pode tornar ainda mais seco o clima do Cerrado, na região central do Brasil, e prejudicar o cultivo de soja, hoje um dos principais produ-

Na contribuição brasileira ao arti- go da Naturc, Marinez analisou o que pode acontecer com 163 espécies de plantas, a partir da base de dados resul- tantes de uma parceria do Cria com o Projeto de Cooperação Técnica Con- servação e Manejo da Biodiversidade do Bioma Cerrado, integrado pela Em- brapa Cerrados, Universidade de Bra- sília (UnB), pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na- turais Renováveis (Ibama) e pelo Jar- dim Botânico de Edimburgo, Escócia. Desse total, 123 são endêmicas do Cer- rado, que já ocupou 18% do território nacional e hoje está reduzido a um sex- to da área original. No cenário mais ameno, com aumento de temperatura entre 0,8 e 1,8 grau, 66 espécies desse ecossistema estariam ameaçadas de ex- tinção, enquanto 75 correriam esse ris- co com a subida de 2 graus na tempera-

"O aquecimento faz desaparecer o ambiente favorável à sobrevivência e à reprodução dessas espécies, em espe- cial as mais sensíveis a alterações no clima", afirma a pesquisadora, cujo tra- balho foi desenvolvido no âmbito do projeto SpeciesEink, ligado ao Pro- grama Biota-FAPESP, financiado pela

Algumas espécies em maior risco

Na África do Sul Flores como estas, da família das Proteáceas, são muito sensíveis às alterações climáticas

A flor do país Até mesmo a Prótea-rei, símbolo da África do Sul, pode ser extinta

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Fundação. Assim, é possível que, por exemplo, dois arbustos típicos do Cer- rado, a douradinha (Palkourea rígida) e o mercúrio-do-campo {Erythrõxylum suberosum), desapareçam em algumas gerações ou sobrevivam por mais al- gum tempo apenas como espécies mortas-vivas - com exemplares vivos, mas incapazes de se reproduzir.

Pressão humana - De certo modo, a elevação da temperatura faz parte de um ciclo natural de aquecimento do planeta, que em seguida começa no- vamente a esfriar. O problema é que atividades humanas como o desma- tamento e a poluição causada pelas in- dústrias e pelos automóveis estão ace- lerando esse processo. Há 18 mil anos, no auge da mais recente glaciação, também conhecida como a última idade do gelo, um terço da Terra esta- va coberto por geleiras e sua tempe- ratura média era de cerca de 9 graus. Km 1900, 66% desse gelo já havia der- retido c o planeta estava quase 7 graus mais quente.

Desde meados do século 18, a taxa de gás carbônico na atmosfera cresceu 33%, passando de 286 para 373 partes por milhão por volume, devido, em

grande parte, ao consumo crescente de combustíveis fósseis após a Revolução Industrial. Na atmosfera, o gás carbô- nico forma uma espécie de cobertor que retém o calor refletido pela super- fície do planeta c permite a existência de vida. Portanto, na medida certa, seu efeito é benéfico. Em concentração mui- to elevada é que surgem os desequilí- brios. De acordo com a Organização Meteorológica Mundial, a temperatura média da superfície aumentou ao me- nos 0,6 grau apenas no último século, num ritmo mais intenso dos anos 1970 para cá. É uma elevação 15 vezes maior que a média verificada nos 180 séculos anteriores. "A diferença está na veloci- dade que o homem imprimiu a esse processo", comenta Simões.

ara os seres humanos, que adquiriram a capacidade de tornar o espaço confor- tável - puxando um co- bertor ou ligando o ar-

condicionado -, cinco décadas parece bastante. Mas é muito pouco tempo diante dos milhares de anos em que espécies maiores, de crescimento mais lento, levam para se ajustar às mu- danças ambientais. De acordo com os

biólogos, é muito pouco provável que em apenas meio século as plantas e animais tenham tempo de se adaptar, do ponto de vista genético, às mudan- ças causadas pelo aquecimento global, que agrava uma situação por si só já complicada, a perda contínua dos am- bientes naturais. O risco de extinção, ressalta Tabarclli, não deve atingir da mesma forma todas as espécies. Al- gumas talvez sejam capazes de se dis- persar em direção aos pólos ou para al- titudes mais elevadas, com temperaturas mais amenas, enquanto outras podem até ser favorecidas. Provavelmente, as mais sensíveis às mudanças de tem- peratura e umidade devem desapa- recer primeiro.

"Se agirmos imediatamente, po- demos tentar remediar os efeitos das mudanças climáticas, transferindo as espécies mais sensíveis para outras regiões", sugere o ecólogo Jean Paul Metzger, da Universidade de São Pau- lo (USP). Para Simões, da UFRGS, a

de espécies do planeta é acima de tudo uma questão ética, mais do que numé- rica: "Temos o direito de deixar o pla- neta sem condições favoráveis à vida para as próximas gerações?" •

No Cerrado Será difícil o mercúrio-do-campo sobreviver se a Terra esquentar mais

Perda iminente 0 aquecimento global prejudicará também a douradinha, outra espécie do Cerrado

Dragão australiano 0 lagarto Hypsilurus boydii pode perder de 20% a 90% de seu habitat em 50 anos

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I CIÊNCIA

AMBIENTE

Um estranho nas geleiras do sul Caranguejo do Ártico é a primeira espécie marinha invasora encontrada na Antártida

MARCOS PIVETTA

Na volta de uma viagem à Antárti- da em 1986, o navio oceanográfi- co Prof. W. Besnard, da Universi- dade de São Paulo (USP), trouxe amostras de um tipo de crustáceo

que recolhera durante sua jornada exploratória. Eram dois pequenos caranguejos: um macho, cuja carapaça media 4,1 centímetros de compri- mento por 2,8 de largura, e uma fêmea, com di- mensões 20% maiores. Capturados em águas vizinhas à península Antártica, a noroeste do con- tinente branco, os exemplares, em princípio, não chamaram muito a atenção. Como tantos outros espécimes enredados pelo Besnard no oceano Austral, o mar gelado que circunda a Antártida, foram encaminhados para o Museu de Zoolo- gia da USP.

Em maio de 1987, embebidos numa solução à base de álcool e dividindo o mesmo pote de vi- dro, os caranguejos deram entrada no acervo da instituição paulista. O frasco que acondicionava o par de bichinhos marinhos recebeu o nome de lote MZUSP 8878 e foi ocupar seu devido lugar numa estante. No momento da catalogação, o pes- quisador Gustavo Augusto Schmidt de Melo, en- tão curador da seção de carcinologia (crustáceos), achou os caranguejos interessantes, talvez até pu- dessem ser uma nova espécie, ainda desconheci- da pela ciência. Sem dúvida, não havia esse tipo de animal no Brasil. Por isso, deixou anotado que va- lia a pena estudá-los um dia - assim que outras tarefas mais prementes fossem tocadas e houves- se gente para abraçar o trabalho.

Dezesseis anos se passaram e esse dia final- mente chegou. No início de 2003, o carioca Mar- cos Tavares, especialista em crustáceos, mudou-se para São Paulo e assumiu o cargo de curador da seção de carcinologia do Museu de Zoologia, jus- tamente no lugar de Melo, que acabara de se aposentar. Numa conversa de trabalho com seu antecessor no cargo, que, apesar de aposentado, continua ativo no museu, Tavares tomou conhe- cimento das estranhas amostras de caranguejo obtidas pelo Besnard. Acharam que era hora de pesquisar em detalhes aqueles exemplares de crus- táceos. O interesse pela amostra cresceu ainda mais quando verificaram na literatura científica que não havia espécies vivas de caranguejos nati- vos da Antártida, mas apenas espécies fósseis, ex- tintas. Isso os motivou a estudar realmente a fun- do as amostras que vieram do frio. E o resultado da pesquisa veio rapidamente: em poucos meses, os pesquisadores concluíram que os caranguejos capturados pelo navio brasileiro representam a primeira evidência de introdução, provavelmen- te mediada pelo homem, de espécies marinhas invasoras, originárias de outras partes do globo, no oceano Austral.

Em vez de serem uma nova forma de vida, os bichinhos recolhidos pelas redes do Besnard em 1986 pertencem a uma velha e conhecida varie- dade de crustáceo. Descrita na literatura cientí- fica há quase 250 anos, a espécie Hyas araneus recebe, entre os pescadores, o nome popular de caranguejo-aranha ou aranha-do-mar. Pescado- res do mar do Norte e do oceano Ártico, bem en-

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O continente gelado, o último a ser ocupado por espécies exóticas, e o Hyas araneus: de carona em navios

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tendido. Nativo dessas regiões, muito frias, a exemplo da península Antártica, o caranguejo-aranha só havia sido en- contrado, até então, em trechos de mar situados acima de 41 graus de latitude norte. Nunca no oceano Austral, do ou- tro lado do globo, a 61 graus de latitu- de sul. Portanto, a espécie em si está longe de ser nova. Nova é a sua presença nas franjas da Antártida, o con- tinente mais inóspito e me- nos poluído e de acesso mais difícil. "A fauna en dêmica do oceano Aus- tral esteve isolada das demais por pelo me- nos 25 milhões de anos e agora está sendo exposta ao contato com espé- cies exóticas", afir- ma Tavares. An- tes do H. araneus, larvas de espécies subantárticas de crustáceos, ori- undas do extremo sul da América do Sul, já haviam si- do localizadas nas proximidades da península Antártica, mas sua presença nes- sa região se devia (e se deve) à dinâmica natural das correntes oceânicas, sem a influência do homem. Eram ocorrências com caracterís- ticas distintas das que levaram os ca- ranguejos-aranhas para a costa da Antártida.

Reaproximação - No jargão dos biólo- gos, a expressão espécie exótica designa qualquer forma de vida, animal ou ve- getal, introduzida em um habitat di- ferente do seu local de origem. É uma definição de valor relativo. Endêmico e nativo no Ártico e mar do Norte, o H. araneus é considerado exótico e invasor na Antártida (e em qualquer outra par- te do mundo). A descoberta de que, de- pois de pelo menos 25 milhões de anos de isolamento, a fauna do oceano Aus- tral não se encontra mais completamen- te separada das espécies marinhas de outros mares resultou num artigo cien- tífico. Assinado por Tavares e Melo, o texto será publicado na edição de junho deste ano da revista britânica Antarctic

<rj^>,

0 lagostim P. clarkii: nos aquários brasileiros,

com um fungo nocivo

Science, especializada em assuntos do continente branco. De forma preliminar, a descoberta do caranguejo-aranha no oceano Austral foi apresentada em ou- tubro passado num congresso sobre pes- quisas antárticas realizadas em Ushuaia, na porção argentina da Patagônia. Tava- res, que não é especialista em Antártida, onde, aliás, nunca esteve, foi convidado

a abordar o assunto assim que re- latou informalmente a histó-

ria a alguns pesquisadores do exterior.

A presença dos dois exemplares do H. ara- neus na península An- tártica não significa, obrigatoriamente, que os caranguejos- aranhas estabele- ceram colônias ali. Não há registro de que a espécie tenha sido novamente coletada na região. "Mas precisamos de mais dados para saber se a introdu- ção dos caranguejos

no oceano Austral realmente não vingou

ou eventualmente deu certo e passou desperce-

bida", pondera Tavares. Possivelmente, sua presen-

ça em águas tão distantes de seu local de origem tenha, por

ora, um efeito mais simbólico do que prático. Pode significar que está ficando mais fácil chegar àquelas pa- ragens. A maior presença do ho- mem na Antártida e o aumen- to da temperatura média do planeta - inclusive nas águas muito frias do ocea- no Austral, que normal- mente funcionam como uma barreira natural à chegada de seres mari- nhos oriundos de outros ecossistemas - podem ser fatores indutores da en- trada de espécies marinhas exóticas à região mais meri- dional da Terra. Em solo an- tártico, o vaivém de pesquisa- dores e turistas já levou muitos seres estranhos, de hábitos terrestres, ao continente. Um caso notório foi o dos cachorros, que ali chegaram a ser

usados para puxar trenós de neve até o início da década passada, quando sua presença na Antártida foi proibida. Se a introdução de espécies alienígenas já acontecia em terras antárticas, o mes- mo parece agora suceder na costa do continente. Por isso, é importante des- cobrir de que forma o par de carangue- jos-aranhas mudou de hemisfério e foi parar do outro lado do mundo, no ocea- no Austral.

Como esses bichinhos do Ártico, acostumados a viver em fundos de mar compostos de rocha, areia e lama, a no máximo 550

metros de profundidade, conseguiram deixar as vizinhanças do pólo Norte, cruzar incólumes as elevadas tempera- turas da linha do Equador e desembar- car nas proximidades do pólo Sul? De- sembarcar parece ser o verbo adequado para descrever o meio de transporte usado pelos caranguejos-aranhas para chegar à Antártida. "Suspeitamos que os crustáceos tenham entrado na penín- sula Antártica incrustados no casco de navios ou no meio da água de lastro de embarcações", comenta Melo. Para os pesquisadores, devido às dimensões dos crustáceos, um pouco grandes para permitir o seu alojamento nas paredes externas dos barcos, a segunda hipótese é a mais provável. "O tráfego de navios aumentou muito no oceano Austral nas últimas décadas em razão do incremen- to das atividades de pesquisa, pesca e

0 siri C. hellerii: de Israel para a América do Sul

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turismo", afirma Melo. Estima-se que 4 mil pesquisadores vivam na Antártida durante os meses de verão. No inverno, esse número se reduz a mil cientistas. A quantidade de turistas que visitam as geleiras e os pingüins do continente branco bate a casa dos 10 mil, às vezes 15 mil. Haja barco para transportar toda esse gente. Isso sem falar dos navios pesqueiros, geralmente em busca do abundante krill, um tipo de crustáceo parecido com o camarão.

Porões com água - Não há nenhuma evidência concreta de que a água de las- tro tenha sido realmente responsável pela introdução dos H. araneus no ocea- no Austral. Por exclusão das demais alternativas, é a que restou para ser investigada. Isso porque outras formas de introdu- ção de espécies marinhas exóticas, como o cultivo comercial de peixes e crustáceos ou a cons- trução de canais de navegação, não fa- zem parte da reali- dade do continente branco. Essas hipó- teses fazem sentido em outros pontos do globo, mas não na Antár- tida. Armazenada nos porões dos na- vios, em compartimentos vedados, a água de lastro é essencial para garantir uma boa navegabilidade e a integridade estrutural, sobretudo em embarcações de carga. "Os navios são projetados para viajar com os porões cheios de merca- dorias", diz Tavares. Em razão dessa ca- racterística, quando não há carga para ser levada de um lugar a outro, os bar- cos se locomovem com seus comparti- mentos cheios de água - a tal água de lastro, rica em amostras da fauna e flo- ra locais — para garantir o seu equilí- brio. Quando chegam ao seu destino, onde vão ser abastecidos com produtos ou pescado, despejam a água de lastro, colhida no porto de origem, para evitar o excesso de peso.

A Organização Marítima Interna- cional (IMO, na sigla em inglês), agên- cia das Nações Unidas que monitora a segurança no transporte naval, estima que cerca de 7 mil espécies marinhas, muitas vezes na forma de larva, viajam nos tanques com águas de lastro da fro- ta naval internacional, invadindo assim

habitats distantes do seu ambiente na- tural. Isso sem contar microrganismos e bactérias, como o vibrião do cólera, que também podem ser transportados dessa forma. A introdução involuntária de espécies exóticas promovida pelos navios, que carregam cerca de 80% das mercadorias comercializadas no mun- do globalizado, resultou em alterações significativas em ecossistemas de algu- mas partes do mundo, com implicações de ordem ambiental, sanitária e, muitas vezes, econômica. Nos Estados Unidos,

0 L. vannamei: risco de contaminar outros camarões

uma espécie de molusco de água doce de origem européia, o mexilhão-zebra {Dreissenapolymorphd), chegou, via água de lastro, provavelmente no início dos anos 1980, aos Grandes Lagos e se espa- lhou por 40% dos rios navegáveis do país. Entre 1989 e 2000, os custos para se controlar a praga, cuja concha se agarra a tudo que é sólido, foram estimados em pelo menos US$ 750 milhões.

Não faltam histórias parecidas com a do mexilhão-zebra em outras partes do planeta, inclusive no Brasil. Nativo do oceano Pacífico, o siri Charybdis hellerii, depois de colonizar o Mediterrâneo oriental, migrou para o Atlântico na dé- cada de 1980, possivelmente a bordo dos compartimentos de água de lastro de embarcações que fizeram escala em por- tos israelenses. Ainda nessa década, exem- plares da espécie marinha foram en- contrados em Cuba, na Venezuela e no Caribe colombiano. Em 1995, sua pre- sença foi flagrada na Flórida e no Rio de Janeiro. Hoje, o C. hellerii, que pode se tornar um competidor do habitat nor- malmente ocupado por crustáceos de

importância comercial, é encontrado em, no mínimo, sete estados da costa brasi- leira. Outro caso famoso de introdução acidental de uma espécie exótica em território nacional é a história do mexi- lhão dourado (Limnopermafortunei), de origem asiática. Transportado na água de lastro de navios, o molusco apareceu primeiramente no rio da Prata, na Ar- gentina, nos anos 1990. Atualmente está presente em alguns rios do sul do país. A exemplo do mexilhão-zebra nos Es- tados Unidos, a concha do L. fortunei é muito pegajosa. Um de seus efeitos co- laterais é grudar nas turbinas da usina de Itaipu, em Foz do Iguaçu, norte do Paraná, aumentando os cuidados e gas- tos com a limpeza das engrenagens da hidrelétrica.

Não se pode, contudo, generalizar e debitar a chegada de todas as es- pécies marinhas invaso- ras no passivo da água

de lastro. O camarão-branco do Pacífi- co, Litopenaeus vannamei, foi introdu- zido no Rio Grande do Norte em 1981 para cultivo comercial em viveiros, ge- ralmente em terrenos à beira-mar, o que facilita a obtenção de água marinha para o crustáceo. Hoje a espécie, de ori- gem asiática, é o tipo de camarão mais cultivado no país, gerando milhões de dólares para a pauta de exportação. Al- guns biólogos temem que o camarão- branco, muito suscetível a doenças virais, possa ser atacado pelo vírus TSV, como ocorreu nos estados norte-americanos do Texas e da Carolina do Sul em mea- dos do década passada, e transmitir esse patógeno exótico para as espécies nativas de camarão. Com o lagostim de água doce Procambarus clarkii, nativo do sul dos Estados Unidos, há uma preocu- pação semelhante. Trazido para o Bra- sil por criadores e muito apreciado por donos de aquário, a espécie carrega um fungo, o Aphanomices astaci, ao qual é insensível, mas que pode ser nocivo a outro seres marinhos. "A introdução de espécies exóticas é uma roleta ecológica", afirma Tavares. "Suas conseqüências são imprevisíveis." O problema é que, como demonstra a descoberta do par de ca- ranguejos-aranhas do Ártico em pleno oceano Austral, nenhum trecho de mar está livre desse jogo de azar. Nem mesmo ao redor da Antártida, onde a roda já teria dado suas primeiras voltas. •

PESQUISA FAPESP % ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 41

Page 40: Dinossauros no Maranhão

■ CIÊNCIA

VIROLOGIA

Equipe explica como o HIV se esconde e por que a interrupção programada do tratamento contra Aids nem sempre funciona

Nos últimos anos, a equipe de Ricardo Diaz, da Universida- de Federal de São Paulo (Uni- fesp), acompanhou passo a pas- so as mudanças que ocorrem

no material genético do HIV em um prazo relativamente curto (três meses), quando os portadores de formas do vírus resistentes aos remédios adotam a estratégia de interrupção programada do tratamento - param de to- mar os medicamentos por 12 semanas e, em seguida, reiniciam a terapia. Wilson Pereira Silva, um dos integrantes do grupo, desco- briu o mecanismo que permite ao vírus re- sistente escapar à interrupção programada, elaborada justamente para reduzir a resistên- cia aos medicamentos.

Até agora, pesquisas internacionais indi- cavam que a retirada dos remédios poderia provocar alterações capazes de diminuir a população dos vírus resistentes, enquanto os não-resistentes, evolutivamente mais próxi- mos dos vírus encontrados no início da infecção, teriam condições mais favoráveis de crescimento - em seguida, os vírus sen- síveis aos remédios seriam eliminados com a reintrodução dos medicamentos. O in- tervalo de três meses também seria sufi- ciente para o sistema de defesa reciclar os linfócitos, as células-alvo do HIV, substi- tuindo os contaminados com o material ge- nético do vírus por outros sadios. Não foi o que se viu.

Em um estudo que faz parte de um pro- jeto temático coordenado por Ricardo Diaz, Wilson Silva verificou que o vírus pode per- manecer mais tempo vivo - numa forma ina- tiva - em populações de linfócitos que se

encontram em uma espécie de hibernação. A retomada do tratamento parece despertar es- sas células dormentes, que passam a produ- zir vírus resistentes aos remédios. Ao anali- sar um gene responsável pela produção de uma parte da cápsula do HIV, a equipe de Diaz confirmou que os vírus despertados com a retirada dos medicamentos haviam acumulado menos alterações e, portanto, eram geneticamente mais próximos daque- les que iniciaram a infecção.

Resistência reduzida - Em outro estudo coordenado por Diaz, Domingos Matos dos Santos, da Universidade Federal do Pará (UFPA), avaliou como 35 portadores do HIV resistente aos medicamentos respondiam à interrupção programada do tratamento. A estratégia foi eficaz - e eliminou a resistência do vírus aos remédios - em apenas 34% dos casos. Para os demais pacientes, os benefí- cios foram pequenos ou inexistentes. Mas a notícia também tem aspectos positivos.

Diante desses resultados, Santos resol- veu verificar o que havia de especial com essas 12 pessoas para as quais a interrupção ha- via funcionado bem. Viu que, nesses casos, a quantidade de vírus no sangue era baixa e o número de linfócitos elevado antes mesmo do início do tratamento - ou, como dizem os médicos, o perfil inicial da infecção era bom. "Esses resultados indicam que a interrup- ção programada deveria ser adotada apenas quando o quadro inicial da doença é favo- rável", diz Santos. "É uma estratégia que exige uma avaliação individualizada e que o médico conheça em detalhes como a infec- ção evoluiu no paciente." •

42 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 96

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A técnica de laboratório Janaína Maria Alves, da equipe da Unifesp, purifica o material genético do HIV para entender como o vírus escapa aos medicamentos

Page 42: Dinossauros no Maranhão

CIÊNCIA

NEUROIMUNOLOGIA

■ftfêad Estresse produz efeitos inesperados sobre as conexões entre os sistemas nervoso, imune e endócrino

as CARLOS FIORAVANTI

João Palermo-Neto, veterano pesquisador de 59 anos, reconhece a surpresa diante dos re- sultados de um experimento inusitado, a ser publicado este mês na revista especializada Neuroimmunomodulation: "Pensei que não fosse acontecer nada". Em um dos laborató-

rios da Faculdade de Medicina Veterinária e Zoo- tecnia da Universidade de São Paulo (USP), onde ele leciona e coordena um grupo de pesquisa, camun- dongos sadios conviveram com animais com tumor de Erlich, que deixa a barriga enorme e pode levar à morte em menos de duas semanas. Alguns dias de- pois de terem sido colocados juntos, em pares, os ca- mundongos sadios passaram a se comportar como os companheiros doentes: aquietaram-se num can- to da gaiola, exploravam menos o espaço ao redor e se alimentavam menos que o habitual. Além disso, caíram suas defesas orgânicas, avaliadas por meio da quantidade de células de defesa - os glóbulos bran- cos - no sangue.

Numa segunda etapa, os pesquisadores injetaram células de tumor nos camundongos sadios, e o qua- dro doentio se desenvolveu mais rapidamente nos animais que haviam acompanhado os doentes do que nos que haviam convivido com companheiros sadios. "Nunca tinha visto nada que indicasse que o ato de ficar junto pudesse mudar os parâmetros de imunidade", comenta Palermo, cuja equipe deve tra- balhar intensamente nos próximos meses até desco- brir se foi por meio do contato, do cheiro ou de al- gum estímulo químico que os camundongos sadios perceberam que os parceiros estavam doentes.

Esse mesmo grupo de pesquisa já havia observado em camundongas prenhes submetidas a uma situa- ção de estresse - choques elétricos de baixa intensida- de aplicados nas patas - uma elevação da ansiedade, que se refletiu numa sensibilidade maior ao tumor de

Erlich, em comparação a um grupo de animais que não havia sido exposto ao mesmo estímulo. Além disso, houve uma redução na atividade de um tipo de células do sistema imune, os macrófagos, que deixaram de en- golfar e destruir os microrganismos invasores na in- tensidade habitual - essa tarefa, a fagocitose, é essencial para acionar outras células de defesa. Em um estudo publicado em 2003, o grupo da USP notou uma re- dução na fagocitose também como resultado do uso prolongado do diazepam, fármaco bastante usado em medicamentos contra a ansiedade. Em conseqüência, o organismo pode se tornar mais suscetível a infecções geradas por vírus e bactérias, o que, por si só, sugere cuidados redobrados no uso dessas medicações.

Pouco a pouco, esses estudos mostram como o es- tresse físico ou emocional afeta o organismo, expli- cando com uma riqueza crescente de detalhes por que as feridas de herpes, por exemplo, explodem após um semestre de muita preocupação ou então por que surge uma gripe ou uma crise de alergia depois de uma prova difícil, que consumiu meses de estudo. Tais situações refletem as intricadas conexões entre três sistemas do organismo: o nervoso, o imune e o endó- crino. O primeiro, formado basicamente por bilhões de células nervosas (neurônios) e por moléculas que transmitem as informações (neurotransmissores), controla as reações inconscientes ou conscientes — dos batimentos cardíacos à escolha da roupa pela manhã. O sistema imune, constituído principalmente pelos glóbulos brancos do sangue, cuida da defesa do orga- nismo, combatendo vírus, bactérias, protozoários, fungos, vermes e toxinas estranhas, além de eliminar células velhas ou doentes. Por fim, o sistema endócri- no, com cerca de uma dezena de glândulas que pro- duzem em torno de 40 hormônios, que regulam o trânsito de açúcar e de gordura pelo organismo ou engrossam a voz dos meninos na puberdade. Agindo

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Vljggtm

em conjunto, os três sistemas formam a tríade que go- verna o organismo. "Não se deve mais examinar um sem avaliar os outros dois, porque os três interagem entre si 24 horas por dia", observa Wilson Savino, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro.

Chagas e Aids - Em um estudo publicado em setembro de 2003 no European Journal of Immunology, Savino e sua equipe demonstraram que o Trypanosoma cruzi, protozoário causador da doença de Chagas, danifica um dos elos que ligam os três sistemas: o timo, glândula do tamanho de uma ervilha situada no peito, entre os pul- mões, atrás do osso esterno, e considerado o maestro do sistema imune. É aí que se forma um tipo de célula branca essencial no combate a vírus e bactérias, os cha- mados linfócitos T, justamente por se desenvolverem inicialmente no timo. Dessa glândula, essas células se- guem para o baço e os gânglios, nos quais terminam de amadurecer - só então é que estão aptas a combater os microrganismos invasores.

De acordo com o trabalho feito na Fiocruz, o T. cru- zi faz com que alguns linfócitos T sejam liberados ain- da imaturos - portanto, despreparados para cumprir sua função a contento. Além disso, o parasita que infec- ta 16 milhões de pessoas na América Latina, dos quais 6 milhões no Brasil, intensifica a produção de molécu- las que se acumulam no timo e dificultam seu funcio- namento. Depois de verificar, há alguns anos, que o timo atrofia à medida que a doença de Chagas evolui, a equi- pe de Savino demonstrou que a infecção pelo T. cruzi também provoca alterações no hipotálamo e na hipó- fise, duas regiões do cérebro que agem em conjunto com as glândulas supra-renais e controlam a resposta do sistema imune em situações de estresse agudo ou crônico (veja quadro). "É possível que algo semelhante ocorra em outras doenças infecciosas agudas, nas quais também ocorre a atrofia do timo", diz ele. "Na raiva,

Page 44: Dinossauros no Maranhão

por exemplo, já foram vistas anomalias no chamado eixo hipotálamo-hipofisário."

Já se pode tirar proveito do conhecimento sobre as co- nexões entre os três sistemas, em benefício da saúde huma- na. Em um estudo aceito para publicação na Neuroimmu- nomodulation, Savino apresenta os fundamentos científicos para o uso do hormônio de crescimento humano (hGH, na sigla em inglês) como medicamento auxiliar no tratamento de doenças que minam o sistema imune, a exemplo da Aids. Em camundongos transgênicos, que produzem esse hor- mônio em quantidades acima do normal, o hGH apressou a saída de linfócitos do timo, sobre o qual atua diretamente, além de favorecer a migração para o baço e os linfonodos (reservatórios de células do sistema de defesa) e a liberação para o sangue. "Nos animais", conta Savino, "não observamos efeitos colaterais."

Se no caso da Aids abre-se uma nova perspectiva de tratamento, os resultados a que chegou a equipe de Thereza Quírico-Santos, da Universidade Federal Fluminense (UFF), e de Soniza Leon, da Universi- dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), estão aju-

dando a orientar, já há três anos, as estratégias de tratamento de outro problema ligado ao sistema imune, a esclerose múl- tipla. Trata-se de uma doença neurológica infiamatória crôni- ca do sistema nervoso que surge quando - não se sabe direito por quê - os linfócitos T resolvem atacar a mielina, substân- cia que reveste as fibras nervosas do cérebro, da medula es- pinhal e dos nervos ópticos, originando um quadro de inca- pacidade progressiva da visão, de movimentos ou de funções orgânicas, que levam, por exemplo, à incontinência urinaria.

Os pesquisadores tornaram o tratamento mais eficaz por meio de duas análises feitas em laboratório: o perfil ge- nético, indicador da suscetibilidade de cada pessoa à doen- ça, e a chamada reatividade imunológica, que indica quais trechos da mielina são capazes de ativar os linfócitos T contra o sistema nervoso. Esses dois exames indicam se é melhor adotar antiinflamatórios ou imunomoduladores, as duas opções terapêuticas hoje disponíveis para controlar a doença. No final do ano, esse grupo concluiu um estudo mostran- do que uma molécula de comunicação do sistema imune - uma citocina - favorece o deslocamento de células inflama- tórias para o sistema nervoso. "Esse trabalho evidencia que o processo inflamatório que destrói a mielina é contínuo, mesmo em pacientes sem surto", explica Thereza. É uma forte indicação, também, de que convém tratar a doença não apenas nos surtos, mas mesmo quando não há sinais do len- to avanço da corrosão das fibras nervosas.

Em um estudo recém-concluído, Luiz Carlos de Sá-Ro- cha, da USP, encontrou reações diferentes em um mesmo grupo de camundongos, numa associação direta com a hierarquia: havia os dominantes, que lideram o grupo, ali- mentam-se primeiro e têm acesso às fêmeas antes dos outros machos; e os submissos, que vivem ofuscados pelos dominantes. Os pesquisadores aplicaram no abdômen de cada um deles um tipo de açúcar - um lipopolissacarídeo - que desperta reações semelhantes às de uma bactéria. E, cu- riosamente, os dominantes mostraram-se mais sensíveis - pararam de comer e prostraram-se quietos num canto da gaiola -, enquanto os submissos se apresentaram mais re- sistentes e mantiveram-se na defensiva com os líderes do gru- po. "Talvez os camundongos do grupo dos submissos te-

Uma situação de estresse agudo - um vazamento repentino de gás na cozinha ou a iminência de pular de pára-quedas pela primeira vez - dis- para dois mecanismos do sistema ner- voso: um de resposta imediata e ou- tro de ação mais lenta. Milissegundos após o susto, uma rede de fibras ner- vosas faz com que as glândulas su- pra-renais, situadas sobre os rins, produzam os hormônios adrenalina e noradrenalina. Como resultado, o coração começa a bater mais rápido, a pupila se dilata e o sangue irriga os músculos mais intensamente - e o corpo mobiliza as energias para a rea- ção de luta ou de fuga.

Em paralelo, o hipotálamo recebe a informação de que algo incomum está acontecendo e libera um hor- mônio chamado fator liberador de corticotrofina (CRF), que segue até a hipófise, também na base do cé-

0 poder da tríad rebro. Acionada, a hipófise secreta o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Caindo na corrente sangüí- nea, o ACTH chega às supra-renais e induz à liberação de mais um hormô- nio, o cortisol, cuja entrada na corren- te sangüínea ocorre de duas a quatro horas após o susto.

Sob a ação do cortisol, altera-se o perfil do sistema imune: a chamada resposta celular, efetivada principal- mente pelos macrófagos e por célu- las brancas chamadas neutrófilos, ce- de lugar à resposta humoral, baseada na produção de anticorpos, liberados pelas células. Nessa troca de guardas, o organismo pode ficar mais vulne- rável a bactérias como a da tubercu- lose, cuja eliminação depende essen- cialmente da resposta celular.

O problema maior é com o estres- se contínuo, que mobiliza esses hor- mônios com regularidade e, assim,

deixa as portas abertas por mais tem- po. Concentrações continuamente elevadas desses hormônios ajudam a explicar o fato de haver um risco 60% maior de uma pessoa idosa morrer após a perda do companheiro com quem viveu durante quase uma eter- nidade. Sob o viés da neuroimunolo- gia, morrer de desgosto não é apenas uma figura de linguagem, mas uma situação bioquimicamente explicável.

"Ou o organismo se adapta, ou surgem os problemas", afirma Sá-Ro- cha. Segundo ele, a tendência é de que as situações que um dia pareceram intoleráveis deixem de perturbar o equilíbrio do corpo. "Os níveis mais altos de adrenalina de quem trabalha na Bolsa de Valores", exemplifica, "po- dem não causar mais problemas para quem está acostumado e, com o tem- po, podem até mesmo cair frente ao mesmo estímulo estressor."

46 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP %

Page 45: Dinossauros no Maranhão

/ A OS PROJETOS

Neuroimunomodulação

MODALIDADE

Imunorreatividade na Esclerose Múltipla

Projeto Temático COORDENADORA

THEREZA QUíRICO-SANTOS - UFF

COORDENADOR JOãO PALERMO-NETO- FMVZ/USP

INVESTIMENTO R$ 716.213,73 (FAPESP)

INVESTIMENTO R$15.000 (CNPq) e R$ 6.000 (Capes)

nham de fazer mais esforço para sobreviver e se tornem mais resistentes", cogita Sá-Rocha.

Acompanhantes sensíveis - Os resultados obtidos até agora sugerem que possa haver também motivação para reagir, como se os animais se deixassem ou não fi- car doentes. Numa tentativa de aplicar os resultados cien- tíficos ao universo humano, seria uma forma de enten- der por que as mães conseguem conter os sintomas da própria gripe se o filho está com uma gripe forte, ou por que os acompanhantes de doentes também tendem a ficar doentes. Cláudia Fernandes Laham, da Divisão de Psicologia do Hospital das Clínicas (HC) da USP, con- cluiu no ano passado um levantamento com 50 acom- panhantes de doentes - ou cuidadores - atendidos pelo Núcleo de Assistência Domiciliar Interdisciplinar (Nadi), programa com especialistas que visitam os en- fermos em suas casas. Com idade média de 58 anos, os cuidadores eram geralmente filhos (36%) ou cônjuges (30%) da pessoa doente. Mais da metade deles (62%) também apresentaram problemas de saúde, como do- res musculares, hipertensão ou depressão. "Nas visitas às casas dos pacientes, nem sempre é fácil distinguir quem é o doente e quem é o cuidador" relata Cláudia. "Às ve- zes o doente está com a saúde melhor."

De acordo com seu estudo, cuidar de uma pessoa doente implica perda de liber- dade, solidão, cansaço e vigilância cons- tante. "Qualquer pessoa, ao conviver com a dor de outra, pode achar que para

manter a relação de amor é preciso sofrer também", comenta o psicólogo Niraldo de Oliveira Santos, da Divisão de Psicologia do HC da USP. Quando o doen- te é mais próximo - pai, mãe ou filho -, é ainda maior o risco de aflorarem nos acompanhantes sintomas se- melhantes ou até mesmo idênticos, por causa dos la- ços afetivos mais fortes. "Identificar-se com o sofrimen- to alheio é uma forma de afastar o sentimento de culpa por estar sadio e de evitar as perdas reais ou simbóli- cas", diz Niraldo. Mas, como Cláudia verificou em seu trabalho, conviver com pessoas doentes também traz alguns ganhos, como a oportunidade de cuidar de outra pessoa ou de sentir-se produtivo com uma ocupação. .

Page 46: Dinossauros no Maranhão

CIÊNCIA

GENOMICA

Diferença mínima Poucos genes podem ser responsáveis pela agressividade de alguns tipos de câncer

O paradoxo era perturba- dor. Dois tumores deri- vados de tecidos conec- tivos do cérebro tinham graus de agressividade

diametralmente opostos - um era qua- se benigno, de crescimento lento e res- trito, e outro muito invasivo, de rápida e generalizada expansão. Mas o padrão de expressão (atuação) de seus genes em vez de ser bastante distinto, como se po- deria inicialmente pensar, era extrema- mente parecido. O dado podia ser um indício de que a capacidade de se espa- lhar por tecidos sadios, tão marcante nas formas mais malignas de câncer, es- tava ligada ao funcionamento de um número reduzido de genes. Para experi- mentar tal hipótese, pesquisadores do programa Genoma Clínico do Câncer, financiado pela FAPESP e Instituto Ludwig de Pesquisa sobre o Câncer, tes- taram aproximadamente 20 mil ge- nes humanos, sendo que dois terços do total da espécie reagiam ao entrar em contato com os dois tipos de tumor. O comportamento desse conjunto de ge- nes, que se encontrava depositado nu- ma lâmina especial de vidro, chamada tecnicamente microarray, foi monitora- do em nove comparações distintas en- tre os dois tipos de tumores.

Os resultados do experimento - le- vado a cabo num laboratório do Insti- tuto de Ensino e Pesquisa Albert Eins- tein, ligado ao Hospital Albert Einstein, de São Paulo, que recentemente se asso- ciou ao Genoma Clínico, lançando mão de recursos próprios - reforçaram a sus- peita inicial dos cientistas. Somente 110 genes funcionaram de maneira signifi- cativamente diferente nos dois tumo-

res: 45 foram mais expressos nos astro- citomas de grau I, o tipo mais brando de câncer, e 65 nos gliobastomas (astro- citomas de grau IV), a forma mais de- vastadora do tumor. Curiosamente, 27% dos genes mais ativos nos tumores mais graves estão intimamente relaciona- dos à capacidade de as células se repro- duzirem, um mecanismo imprescindível para a disseminação da doença. "Preci- samos agora confirmar esses dados com o emprego de outras metodologias", diz Marco Antônio Zago, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Univer- sidade de São Paulo, coordenador do Genona Clínico do Câncer. "E distinguir em quais genes a sua maior expressão é causa, e não conseqüência, da grande in- vasividade dos gliobastomas."

Nove tipos de tumores - As análises de expressão de genes feitas em tumores de cérebro fazem parte de um estudo-pi- loto do Genoma Clínico. Seu objetivo central era testar as metodologias que serão empregadas ao longo do progra- ma. Por isso, apenas três dos nove tipos de tumores que serão enfocados pelo Genoma Clínico foram alvo desses tra- balhos iniciais, realizados por uma rede de cinco laboratórios de biologia mo- lecular, com o apoio de dois centros de bioinformática. Além de trabalhar com amostras de tumores de cérebro, o estudo-piloto mediu o funcionamento de grupos de genes em células com cân- cer (e sadias) retiradas da laringe e do cólon. "Mas, por enquanto, só temos re- sultados expressivos com tumores de cérebro", afirma Zago. Iniciado há dois anos, o Genoma Clínico trabalha com amostras de tumores que se formam

em nove diferentes órgãos ou tecidos do corpo humano: estômago, esôfago, osso e medula óssea, além de cérebro, cabeça/pescoço e cólon/reto.

Com orçamento estimado em US$ 1 milhão, bancado em porcentagens iguais pela FAPESP e Instituto Ludwig, o pro- grama pesquisa se diferenças significa- tivas no funcionamento de um gene, ou de um conjunto de genes, em células com câncer e em seus respectivos tecidos sa- dios podem fornecer informações úteis para o diagnóstico ou tratamento da doença. "Queremos investigar se essas mudanças de expressão se correlacio- nam com parâmetros clínicos dos doen- tes, como sobrevida, resposta a trata- mentos e propensão para metástases (expansão do tumor para outros teci- dos)", explica Zago. Não que a meta do programa seja desenvolver dispendio- sos exames genéticos para serem aplica- dos diretamente nos pacientes com cân- cer e, assim, prever a evolução da doença ou orientar a melhor forma de tratamento. O objetivo é relacionar o comportamento dos genes nos tecidos tumorais com alterações em parâmetros fisiológico dos doentes, como a produção de proteínas e antígenos (substâncias re- conhecidas como potencialmente agres- sivas pelo sistema imunológico). A vantagem dessa abordagem é que testes simples e baratos poderiam ser usados para detectar essas alterações fisioló- gicas. Em países como o Brasil, de nada adiantaria desenvolver procedimentos muito caros e complexos, que dificilmen- te entrariam na rotina clínica dos hospi- tais públicos. Além disso, essas proteínas e antígenos são potenciais alvos para desenvolvimento de novas terapias.

48 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 96

Page 47: Dinossauros no Maranhão

Lâmina de microarray com 20 mil genes: primeiros resultados do Genoma Clínico do Câncer

A forma como o Genoma Clínico estuda o comportamento do genes dos tumores é inovadora na medida em que reúne um variado time de especia- listas e instituições para perseguir seus objetivos. Apesar do nome que remete à área de genética, o programa não é to- cado apenas por biólogos moleculares. A maioria dos seus participantes são clínicos, cirurgiões, epidemiologistas e patologistas, que travam contato coti- diano com pacientes de câncer. Esses médicos pertencem a 19 grupos de pes- quisa clínica de hospitais e universida- des paulistas. Seu papel é de fundamen- tal importância para a montagem de uma estrutura de dados primários que serão usados ao longo de todo o pro- grama em uma série de estudos. Essa estrutura se assenta em dois pilares: amostras de boa qualidade dos nove ti- pos de tumores (e de seus respectivos tecidos sadios) e um detalhado perfil epidemiológico dos pacientes e pessoas saudáveis que forneceram esses tecidos. Até dezembro passado, o Genoma Clí- nico contabilizava amostras de 1.124 pa- cientes com tumores e 793 de pessoas sadias, os chamados casos-controle.

Esse material biológico é a matéria- prima para a execução dos estudos so- bre expressão de genes em tumores que agora começam a ser feitos pelos biólo- gos moleculares do programa. Além dis- so, os clínicos e cirurgiões são capazes de formular questões relevantes sobre o comportamento das doenças, que po- dem ser respondidas pelas análises mo- leculares. "O Genoma Clínico construiu uma ponte entre os pesquisadores de la- boratório e os clínicos e cirurgiões que atuam em hospitais", afirma Marcos

PESQUISA FAPESP % ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 49

Page 48: Dinossauros no Maranhão

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DE SãO PAULO

Você com todo o respeito.

Brasilino de Carvalho, oncologista especializado em cirurgia de cabeça e pescoço do Hospital He- liópolis, da capital pau- lista. "Nós apresentamos os doentes de câncer para eles e eles nos mostram os genes e cromossomos." Coordenador de um dos 19 grupos que enviaram amostras de células com câncer e sadias ao pro- grama, Carvalho e sua equipe já forneceram ma- terial celular retirado de cerca de 150 pacientes de câncer de ca- beça e pescoço. "O Genoma Clínico foi um alento para a pesquisa em nossa área", diz o neurologista Alberto Alain Gabbai, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), cujo grupo de pesqui- sa forneceu amostras de 40 tumores de cérebro extraídos de pacientes.

Para garantir a qualidade e a homogeneidade das amos- tras de tecido sadio e com câncer, o programa deu ên- fase à padronização de pro-

cedimentos usados durante a coleta de material biológico. Nas cirurgias para extração de tumores, por exemplo, ha- via sempre um patologista na sala de operação. Esse especialista tinha a in- cumbência de assegurar a pureza da amostra de tumor que seria enviada para o Genoma Clínico. Outra tarefa do patologista é classificar as caracte- rísticas básicas dos tumores (tipo de câncer, seu grau de evolução e invasivi- dade). "Às vezes, o cirurgião retira uns 20 centímetros de tecido, mas somente uns 3 centímetros são células de câncer adequadas para análise", explica Venan- cio Alves, da Faculdade de Medicina da USP, coordenador da parte de patologia

0 PROJETO

Genoma Clínico do Câncer

MODALIDADE Programa Genoma Clínico

COORDENADOR MARCO ANTôNIO ZAGO ■ FMRP

INVESTIMENTO US$ 1 milhão

A agressividade de um tipo de tumor de cérebro pode derivar da ação de apenas 65 genes

do programa. "Cabe, então, a alguém da nossa área separar os tecidos sadios dos que realmente apresentam o tumor."

De nada adiantaria todo esse esfor- ço na obtenção de material biológico de qualidade se não houvesse um banco de dados informatizado, acessível aos participantes do programa, garantin- do informação atualizada e confiável sobre os pacientes (e casos controle) que forneceram quase 2 mil amostras de tecido ao programa. Dessa forma, é possível saber em detalhes o perfil clínico e dados gerais de todas essas pessoas. "Periodicamente, fazemos uma checagem em parte de nossas infor- mações", afirma Victor Wünsch Fi- lho, da Faculdade de Saúde Pública da USP, coordenador da parte de epi- demiologia do Genoma Clínico. "Só assim poderemos fazer grandes estu- dos epidemiológicos sobre o câncer." Programas de computador auxiliam os pesquisadores nessa tarefa, apontando automaticamente dados estranhos que possam existir nas fichas dos pacientes. Por exemplo, se no formulário on-line de um doente de câncer consta a infor- mação de que ele começou a fumar com menos de 10 anos de idade, o programa informa os pesquisadores sobre o ca- ráter duvidoso desse dado. Com o alerta, o grupo que entrevistou o pa- ciente se encarrega de verificar a vera- cidade da informação. "Esse sistema on-line é um grande avanço", comenta Wilson Silva Jr., um dos responsáveis pela bioinformática do programa. "Com ele, também temos uma ferramenta poderosa para acompanhar a evolução dos tumores e estabelecer relações en- tre o perfil da doença, a carga genética e os fatores ambientais e comporta- mentais dos pacientes." •

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CIÊNCIA

EPIDEMIOLOGIA

Quatro que valem por dez

Menos comprimidos de cloroquina têm o mesmo efeito que o tratamento tradicional contra a malária

A pós observar que homens e I^L mulheres com malária que

^^A não tomavam todos os m ^ comprimidos indica-

■^L. JL. dos e, mesmo assim, me- lhoravam ou curavam-se, pesquisado- res de Belém levantaram a hipótese de que o tratamento poderia ser repensa- do. A hipótese mostrou-se consisten- te. Uma equipe do Instituto Evandro Chagas e do Centro de Ensino Supe- rior do Pará (Cesupa) testou essa possibilidade por meio de um estudo com 132 pessoas contaminadas com o proto- zoário Plasmodium vivax, di- vididas em dois grupos, sem saberem se estavam tomando medicamento ou placebo. Os 67 pacientes que formavam um dos grupos tomaram qua- tro comprimidos (600 miligra- mas) de cloroquina - o me- dicamento mais adotado no tratamento contra a malária - durante um dia e placebo nos dois dias seguintes. Os 65 do outro grupo seguiram o trata- mento tradicional: cloroqui- na todos os três dias (quatro comprimidos no primeiro dia e três nos dois dias seguintes).

A cloroquina: apenas um dia, em vez de três

Durante os sete dias, todos receberam primaquina, que evita a recaída da malária, da qual se registraram quase 370 mil casos em 2003, principalmen- te na região Norte.

Os resultados foram estatistica- mente equivalentes: 88,1% de cura - medida pela ausência de febre - no primeiro grupo, com placebo, e 91,2% no segundo, após o quarto dia de tra- tamento. "Quatro comprimidos de

cloroquina em dose única, em vez de dez em três dias, são o suficiente para tratar a malária", assegura José Maria de Souza, médico do Instituto Evan- dro Chagas e um dos autores desse trabalho, publicado na Revista do Ins- tituto de Medicina Tropical de São Paulo. Segundo o pesquisador, não há riscos de um tratamento mais curto aumentar a resistência do Plasmodium vivax aos medicamentos.

Essa possibilidade de ajuste no tratamento da malária so- ma-se a outra, verificada também no ano passado e noticiada na Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical. Nagib Pon- teira Abdon, outro pesquisador do Evandro Chagas, aplicou'o tratamento padrão (dez compri- midos de cloroquina adminis- trados durante três dias e um de primaquina durante 14 dias) em 40 pacientes, enquanto outros 40 tomaram quatro comprimidos de cloroquina, mais dois por dia de primaquina, durante sete dias. "Houve uma cura completa nos dois grupos", afirma Souza, que orientou esse trabalho. Segundo ele, os resultados desses estudos, que implicariam custos menores e menos sacrifícios à saúde dos pacientes, foram comunicados oficialmente para o Comitê Con- sultivo do Ministério da Saúde, do qual ele faz parte. •

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■ CIÊNCIA

AGRONOMIA

Fruta nova no laranjal Rede de pomares experimentais testa variedades de citros mais resistentes a doenças

I esde o mês passado, a busca por pés de laranja mais resistentes às prin- cipais doenças que as- solam a citricultura na-

cional conta com uma rede de novos aliados. Num trabalho que literalmen- te fincou raízes em seis localidades da região Sudeste, agrônomos e técnicos do Centro de Citricultura Sylvio Mo- reira - unidade de pesquisa ligada ao Instituto Agronômico de Campinas (IAC), situada na cidade paulista de Cordeirópolis - terminaram em ja- neiro de assentar as últimas mudas que compõem um conjunto de 12 mil plan- tas muito especiais. Nesses pomares experimentais, localizados em terras pertencentes a quatro municípios pau- listas (Araraquara, Botucatu, Itapeti- ninga e Cordeirópolis), um de Minas Gerais (Comendador Comes) e um do Paraná (Maringá), há amostras de 751 híbridos desenvolvidos recentemente pelos pesquisadores do centro.

Cada nova variedade carrega alguma característica que aparentemente lhe confere mais resistência ou até mesmo imunidade a doenças como a leprose, a gomose, o cancro cítrico e a clorose va- riegada dos citros (CVC), esta última

popularmente conhecida como amare- linho. Quase 65% das plantas são híbri- das de copa, da parte superior da árvore, responsável pela aparência e caracte- rísticas gustativas do fruto. Nos outros 35%, o caráter de hibridismo está pre- sente em seu sistema de raízes, no cha- mado porta-enxerto. "As copas e os porta-enxertos mais usados em nossos laranjais apresentam baixa diversida- de genética", diz Marcos Machado, do centro de citricultura, coordenador das pesquisas com os híbridos, feitas no âmbito do Projeto Gcnoma Citros, um dos Institutos do Milênio financiados pelo Conselho Nacional de Desenvolvi- mento Científico e Tecnológico (CNPq). A situação do limão-cravo, o porta-en- xerto mais difundido na citricultura pau- lista, é emblemática: todas as suas mu- das derivam de um único clone. Têm, portanto, rigorosamente o mesmo ge- noma. "Temos de alargar a base genéti-

xarmos de ser o paraíso das doenças", afirma Machado.

Todos os 751 híbridos passaram por um período de testes preliminares em casas de vegetação, um ambiente mais controlado do que os pomares abertos para onde foram transferidos. Apenas

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os que se mostraram mais promisso- res acabaram sendo selecionados para compor a rede experimental montada pelo centro. Com sorte, em dois ou três anos, os pesquisadores esperam ter em mãos a comprovação científica de que alguns desses híbridos realmente são

tros. Na última etapa do processo de seleção, deverão sobrar poucas varie- dades de citros com potencial para se- rem exploradas comercialmente. Isso porque, além de se mostrarem mais tolerantes a doenças, os híbridos terão de preservar as características de sabor associadas à laranja nacional e apre- sentarem boa produtividade do ponto de vista econômico. "Se obtivermos dois bons híbridos no final do projeto, o trabalho já terá valido a pena", opina Machado.

Na maioria dos casos, os híbridos foram obtidos por meio de cruzamentos entre duas espécies de citros com ca- racterísticas diametralmente opostas: uma delas apresentava grande susceti- bilidade a uma ou várias doenças, en- quanto a outra se mostrava resistente ou mais tolerante a essas pragas. No que diz respeito às copas, o cruzamento mais comum foi entre a laranja-pêra e

tangor Murcott (um híbrido natural de laranja com tangerina). Base da ci- tricultura paulista, onde representa cerca de 45% dos cerca de 200 milhões de árvores plantadas, a laranja-pêra é facilmente atacada pelo cancro cítrico, amarelinho e leprose, doenças que não conseguem se desenvolver plenamente na tangerina. Desse casamento entre opostos, nasceram 311 híbridos dis- tintos. Apesar de "filhos" da mesma fa- mília, cada híbrido de laranja-pêra e tangor Murcott apresenta um genóti- po ligeiramente distinto do encontra- do em seus "irmãos".

0 PROJETO

Integração, Melhoramento Genético, Genoma Funcional e Comparativo de Citros

MODALIDADE Instituto do Milênio (CNPq)

COORDENADOR MARCOS MACHADO - Centro de Citricultura Sylvio Moreira

INVESTIMENTO R$ 3.115.000,00

No caso dos cruzamentos entre di- ferentes tipos de porta-enxertos, a asso- ciação mais comum foi entre a espécie Poncirus trifoliata, que pertence a um gênero próximo dos citros, e a tangeri- na Sunki. Tal casamento produziu 281 híbridos geneticamente distintos. O ob- jetivo é conseguir porta-enxertos mais resistentes ao fungo Phytophthora, que provoca a gomoses e ao vírus da triste- za dos citros, doença que na década de 1940 quase dizimou os laranjais paulis- tas e hoje, em versões mais atenuadas,

pés de laranja. Um ponto precisa ficar claro com relação aos híbridos: não se trata de plantas transgênicas, embora os conhecimentos da moderna genética tenham sido usados no direcionamen- to de alguns cruzamentos. Aliás, um dos objetivos do Projeto Genoma Ci- tros é produzir um banco de dados so- bre os genes da laranja, da tangerina e de Poncirus. Os pesquisadores geraram 97 mil fragmentos de genes ativos de laranja e 12.700 de tangerina. Quando houver mais informações sobre o geno- ma dos citros, aí sim a criação de varie- dades transgênicas, modificadas com genes desse mesmo grupo de plantas,

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Page 52: Dinossauros no Maranhão

CIÊNCIA

Furos no Cosmos

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Mais numerosos do que se pensava, os buracos negros podem estar presentes em todas as galáxias

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. edutora e misteriosa, a trajetória dos buracos negros se assemelha ao antológico e falso striptease encenado por Rita Hayworth no filme Gilda, de 1946. Como a personagem vivida pela atriz norte-americana, que se desnuda minimamente, apenas das luvas, em sua mag-

nética performance, esses corpos celestes nunca se mostram por inteiro. No máximo, se insinuam de tempos em tempos. Ca-

nem a luz consegue fugir de seu campo gravitacional, os buracos negros não revelam sua silhueta de forma clara e explícita. A ri- gor, são invisíveis tanto para o olho humano como para as len- tes dos mais poderosos telescópios, estejam eles instalados nos confins do Universo ou aqui na nossa galáxia, a Via Láctea. Es- piá-los só é possível de forma indireta. Quando os instrumen- tos de observação celeste registram acelerações descomunais na velocidade orbital de uma estrela ou no centro de uma galáxia, a maioria dos astrônomos explica esse fenômeno devido à in- fluência de uma colossal força gravitacional atuando sobre essa região do espaço. Força de tal magnitude só pode ser derivada de um objeto extremamente compacto, de enorme massa, que, contudo, não se encontra visível: um buraco negro, nas proxi- midades do qual, se a teoria da Relatividade Geral de Albert Einstein estiver correta, tempo e espaço devem ser curvos.

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Page 53: Dinossauros no Maranhão

Apesar de todas as dificuldades e limitações de observa- ção, os astrônomos e astrofísicos produziram, com a ajuda de potentes telescópios terrestres e espaciais, uma pequena revi-

Os buracos negros são mais numerosos do que se pen-

racos negros nos últimos cinco anos. De objetos exóticos e ra- ros, encontrados somente cm determinadas regiões e situações do Universo, são agora encarados como uma ocor- rência celeste muito mais freqüente e importante para a com- preensão do Cosmos. "Os buracos negros passaram a ser vistos como parte das galáxias, influenciando e sendo in- fluenciados pela evolução das mesmas", afirma a astrofísica Thaisa Storchi Bergmann, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), que estuda como esses grandes de- voradores de matéria se alimentam de tudo ao seu redor. En- tre 29 deste mês e 5 de março, cerca de 300 astrônomos do Brasil e exterior estarão reunidos em Gramado, na Serra Gaú- cha, para discutir justamente a inter-relação dos buracos ne- gros com os elementos que constituem as galáxias - as estrelas e o meio intcrestelar - durante simpósio da União Astronô-

tões candentes quando o assunto é buraco negro. Uma série de observações recentes levantaram alguns pontos interes- santes a respeito desse tipo de objeto celeste:

maioria das galáxias. Antes se acreditava que eles estavam apenas no centro das chamadas Galáxias com Núcleo Ativo (AGN, sigla em inglês,) - que emitem grandes quantidades de energia, sobretudo em sua porção central, e representam menos de 10% do total de galáxias do Universo - em sis- temas de estrelas duplas e no interior de quasares, objetos ex- tremamente distantes, muito luminosos, que se parecem com uma estrela, mas que, na verdade, são núcleos extrema- mente ativos de galáxias. Hoje, acredita-se que quase todas as galáxias, mesmo as que não são classificadas como ativas, possuem em seu núcleo, ainda que num estado dormente, esse obscuro objeto sugador de matéria. A Via Láctea, nossa galáxia, que não é classificada de ativa, parece ter um buraco negro, não muito grande, que esporadicamente se manifes- ta. Num flagrante raro, o telescópio de raios X Chandra, da Nasa, registrou no fim de 2002 uma galáxia, a NGC 6240, com dois buracos negros supermassivos em sua região central, os quais aparentemente caminham para se fundir em um único buraco negro ainda mais supermassivo (veja imagens e ilustrações dessa ocorrência nas páginas desta reportagem).

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■ Sua diversidade de ta- manho é maior do que se supunha. Previstos na teoria desde o final do século 18, e assim denominados desde os anos 1960, os buracos ne- gros são sempre gigantescos. Mas os pesquisadores cos- tumavam dividi-los somen- te em dois talhes diferen- tes: havia os supermassivos, com uma massa milhões ou até bilhões de vezes maior que a do Sol, que surgem no centro de algumas galáxias, e os estelares, cuja massa ultrapassa em cerca de dez vezes à do Sol, situados no corpo das galáxias, geralmente em sistemas duplos de estrelas. Novos indícios sugerem a existência de buracos negros de um terceiro tamanho, o médio. Esse parece ser o caso, entre outros, do buraco negro localizado pelo telescópio espacial Hubble, também da Nasa, num "clus- ter" (grupo) de estrelas denominado Gl, situado no interior de Andrômeda, a galáxia mais próxima da Via Láctea. Estimada no início de 2002, a massa do buraco era centenas de vezes maior que a do Sol.

■ O centro das galáxias, em especial das com núcleo ativo, é a região clássica em que se encontram os buracos negros

supermassivos. Mas, recentemente, esse tipo de objeto foi detectado em pontos do espaço em que, até poucos anos atrás, sua presença era dada como im- provável, como na periferia de galáxias. Um buraco negro de tamanho médio, cuja presença na galáxia M82 foi detec- tada pelo Chandra, dista 600 anos-luz do coração dessa galáxia. Está fora do núcleo da galáxia. Equivalente ao per- curso que a luz, com sua velocidade de deslocamento constante de 300 mil qui- lômetros por segundo, cobre ao longo de 365 dias, um único ano-luz eqüivale a cerca de 9,5 trilhões de quilômetros.

Esses novos indícios sobre a quan- tidade, o tamanho e a localização dos

Ao lado, os dois buracos negros (em azul) flagrados no centro da galáxia NGC 6240. Acima, ilustração representando a fusão progressiva dos dois buracos.

buracos negros parecem le- var a uma questão de fundo: hoje é quase impossível es- tudar a evolução das galáxias - aglomerados formados por um vasto número de estrelas (algo entre milhões e bilhões delas), gás e poei- ra, tudo isso mantido coeso pela ação da gravidade -

sem, em algum momento, analisar o papel desses misteriosos comedores de matéria. Muitos astrônomos acreditam que a massa do buraco negro é pro- porcional à de uma concentração de estrelas, denominada bojo, presente na parte central da maioria das galáxias - mais ou menos como se ambos, o bu- raco e o bojo, tivessem se formado e/ou crescido juntos. "Possivelmente, todas as galáxias têm um buraco negro em seu centro", afirma o pesquisador Laerte Sodré Júnior, do Instituto de Astro- nomia, Geofísica e Ciências Atmosfé- ricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP). "Mas nem todos os bura- cos estão ativos hoje."

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Talvez a maior parte dos buracos negros, sobretudo aqueles situados em galáxias mais "calmas", como a Via Lác- tea e tantas outras, em que não há gran- de emissão de energia, funcione num regime que lembra o de alguns vulcões terrestres: na maior parte do tempo, não dão sinal de vida e, de repente, ini- ciam uma fase de intensa atividade, sur- preendendo os seus observadores. Não se descarta a hipótese de que, em algum momento de sua história, todas as galá- xias tenham sido ativas e exibido de forma quase inconteste um buraco ne- gro supermassivo - e faminto por ma- téria - em seu núcleo. Com o tempo, devido à pouca disponibilidade de "co- mida" - basicamente, poeira e gás - nas redondezas, ou sabe-se lá por que mo- tivo, elas teriam se acalmado. Isso não quer dizer que o buraco negro em seu centro tenha sumido. Por falta de ali- mento, ele estaria agora apenas silen- ciado. "Toda galáxia pode ter sido um quasar num passado distante", comenta o astrofísico Mareio Maia, do Observa- tório do Valongo da Universidade Fe- deral do Rio de Janeiro (UFRJ), que es- tuda galáxias com núcleo ativo. Hoje em dia, de forma quase paradoxal, os luminosos quasares são encarados co- mo os objetos celestes dotados dos mais ativos buracos negros supermassivos de que se tem notícia.

O problema é que, no caso dos bura- cos negros, o tempo de inatividade pode ser de milhões ou bilhões de anos - e, dependendo do comprimento de onda usado para observar as galáxias num da- do momento, as pistas que denunciam a existência do grande devorador de ma- téria podem deixar de existir ou passar despercebidas. Para efeitos práticos, é como se não houvesse (mais) um bura- co negro ali, já que ele, em si, é invisível.

Galáxia esquizofrênica - A história da NGC 6221, distante 60 milhões anos-luz da Terra, ilustra a dificuldade de divisar buracos negros no Universo e de sim- plesmente rotular as galáxias como ati- vas ou "normais", como tendo ou não o grande devorador de matéria. Imagens obtidas da NGC 6221 no comprimento de onda da luz visível e no infravermelho próximo sugerem que se trata de uma galáxia do tipo "Starburst", um berçário de estrelas (jovens). Normalmente, não se associa esse tipo de galáxia à presença de buracos negros, embora esse concei- to hoje esteja sendo revisto. No entanto, a mesma NGC 6221, se vista com o auxí- lio dos raios X, exibe características tí- picas das galáxias do tipo Seyfert, com núcleo bastante ativo, onde deve haver um buraco negro supermassivo. "Costu- mo brincar que essa galáxia é esquizo- frênica", diz o astrônomo Roberto Cid

Fernandes, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que estudou essa galáxia com Thaisa e pesquisadores norte-americanos. "Ela é híbrida. Em vez de estrelas ou um buraco negro em seu núcleo, tem ambas as coisas."

Uma pergunta de difícil resposta é uma versão cosmológica da clássica questão do ovo e da galinha. Afinal, quem apareceu primeiro: a galáxia ou seu buraco negro? Aparentemente, essas duas estruturas competem pela poei- ra e gás disponível no espaço. Daí a in- dagação: os grandes aglomerados de estrelas se formam em torno de bura- cos negros preexistentes ou são esses objetos sem luz visível que derivam da presença, anterior no tempo, das galá- xias? Há defensores para os mais varia- dos pontos de vista. Inclusive para a idéia de que essa é uma falsa questão. Depois de examinar 120 mil galáxias, no projeto Sloan Digital Sky Survey, uma equipe internacional de pesquisa- dores, coordenada por Tim Heckman, da Universidade Johns Hopkins, con- cluiu que as estrelas e os buracos negros se formam e crescem com a mesma ve- locidade. Traduzindo: não dá para di- zer quem veio antes. Heckman vai estar em março em Gramado, no encontro da União Astronômica Internacional, debatendo esses e outros dados a res- peito de buracos negros e galáxias. •

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Biblioteca de Revistas Científicas disponível na Internet www.scielo.org

■ História da ciência

A trajetória de Lutz

O artigo Adolpho Lutz: um esboço biográfico-, de Jai- me Larry Benchimol, historiador da Casa de Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, retrata as origens familares e a trajetória profissional de Adolpho Lutz (1855-1940), cientista brasileiro de ascendência suíça. No texto, a história de vida de Oswaldo Cruz é usada como con- dutora para a análise da instituição das medicinas pas- teuriana e tropical no Brasil. Para o autor, a carreira do cientista, nascido na capital federal da época, o Rio de Janeiro, pode ser dividida em três períodos. O primei- ro vai de 1881, quando concluiu seus estudos em me- dicina na Europa, a 1892, ano em que publicou nume- rosos trabalhos baseados nos estudos da biologia de espécies que se relacionavam com os humanos e suas patologias. O segundo período envolve os anos de 1893 a 1908, época em que Lutz esteve à frente do Ins- tituto Bacteriológico de São Paulo. Esta segunda fase é marcada por pesquisas nas áreas da bacteriologia, epi- demiologia e zoologia médica, especialmente em ento- mologia e na parasitologia. O terceiro grande capítulo da trajetória profissional de Lutz se abre em 1908. Na- quele ano, o cientista ingressou no Instituto Oswaldo Cruz, no Rio. A instituição era o centro de gravidade da medicina experimental e da saúde pública no país. "A decisão de migrar para o IOC parece estar relacio- nada à possibilidade de se recolher ao ambiente onde se sentia inteiramente à vontade e de retomar as pes- quisas em zoologia e botânica", afirma Benchimol.

HISTóRIA, CIêNCIAS, SAüDE-MANGUINHOS

N° 3 - Rio DE JANEIRO - JAN./ABR. 2003 VOL. 10 -

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104- 59702003000100002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Etologia

Símbolos emocionais

Discutir o desenvolvimento das ciências biológicas sob um olhar antropológico é o objetivo central do ar- tigo Chimpanzés também amam: a linguagem das emo- ções na ordem dos primatas, de Eunice Ribeiro Dur- ham, professora do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP). O estudo mostra, apesar da óbvia singularidade do comportamento hu- mano, envolto numa espessa nuvem de símbolos e va-

lores dentro da qual se move a consciência, que o ho- mem não deixa de ser um animal, simples produto da evolução biológica. "A comparação entre o homem e os outros animais é particularmente importante para estabelecer o contexto no qual podemos colocar de modo mais adequado as especificidades do comporta- mento humano", diz Eunice Durham. A pesquisadora compara homens e chimpanzés para focalizar os com- ponentes emocionais de comportamento dessas espé- cies, além de privilegiar a análise do comportamen- to "amoroso", incluindo o sexual, e as relações entre mães, filhos, irmãos e amigos. O trabalho também analisa a importância dos componentes emocionais para a constituição e preservação dos grupos sociais. "A observação do comportamento emocional dos chimpanzés demonstra a existência de paralelismos inegáveis com a vida psíquica humana, que podem ser extremamente relevantes tanto para a teoria analítica como para a antropologia", conclui o estudo.

REVISTA DE ANTROPOLOGIA

-2003 - VOL. 46 - N° 1 - SãO PAULO

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034- 77012003000100003&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Agropecuária

Indicadores do campo

Apresentar um sis- tema de Avaliação Ponderada de Impac- to Ambiental de Ativi- dades do Novo Rural (Apoia Novo Rural). Este foi o objetivo dos pesquisadores Geral- do Stachetti Rodri- gues e Clayton Cam- panhola, ambos do Centro Nacional de Pesquisa de Monitoramento e Avaliação de Impacto Ambiental da Embrapa, localizado em Jaguariúna, interior de São Paulo. O termo Novo Rural vem sendo usado para designar uma tendência socioeconômica obser- vada em muitas áreas rurais do Brasil. Os produtores, em vez de migrar para as zonas urbanas, estão bus- cando cada vez mais atividades econômicas não-agrí- colas de trabalho, que são desenvolvidas em conjun- to com as tradicionais atividades feitas no campo. O modelo para medir os impactos ambientais dessa

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nova forma de atividade rural, desenvolvido pelos técnicos da Embrapa, está apresentado no artigo Sis- tema integrado de avaliação de impacto ambiental aplicado a atividades do Novo Rural. O método em questão consiste em um conjunto de planilhas eletrô- nicas (plataforma MS-Excel) que integram 62 indica- dores da performance ambiental de uma atividade econômica em um estabelecimento rural. Cinco di- mensões de avaliação foram consideradas, como eco- logia da paisagem, qualidade ambiental (atmosfera, água e solo), valores socioculturais, valores econômi- cos e gestão administrativa. Os indicadores foram construídos em matrizes de ponderação nas quais dados quantitativos, obtidos em campo e laboratório, foram automaticamente transformados em índices de impacto expressos graficamente. O índice de im- pacto de cada indicador foi traduzido a um valor de utilidade, empregando-se funções e coeficientes es- pecificamente derivados para cada indicador, sendo que os valores foram agregados para compor o índice de Impacto Ambiental das atividades avaliadas. Os resultados da avaliação permitem ao produtor ou ad- ministrador averiguar quais atributos da atividade podem estar desconformes com seus objetivos de sustentabilidade, segundo planos de desenvolvimen- to local.

PESQUISA AGROPECUáRIA BRASILEIRA ■ BRASíLIA - ABRIL 2003

VOL. 38 - N° 4 -

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-

204X2003000400001&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Medicina

Cuidados com o marcapasso

O estudo Marcapasso cardíaco artificial: considera- ções pré e pós-operatórias procura familiarizar o aneste- siologista com as principais indicações clínicas e com o funcionamento dos dispositivos do Marcapasso Car- díaco Artificial (MP). O texto também ressalta os cui- dados operatórios que se deve ter na implantação do equipamento. "O avanço tecnológico difundiu gran- demente a utilização de marcapassos, definitivos ou temporários, fazendo com que outros especialistas, além dos cardiologistas, se envolvessem ainda mais no manuseio desses aparelhos", dizem os pesquisadores no artigo. Os marcapassos são dispositivos eletrônicos de estimulação multiprogramável capazes de substituir impulsos elétricos ou ritmos ectópicos, para se obter atividade elétrica cardíaca. Foram estudadas a classifi- cação, o funcionamento e as principais indicações clíni- cas para o implante de marcapassos. Da mesma forma, procurou-se elucidar os principais cuidados operató- rios relativos ao uso do equipamento. "O conhecimen- to básico sobre a dinâmica de funcionamento do MP, bem como suas indicações clínicas, deve fazer parte da prática clínica do anestesiologista", alertam os autores do estudo. Assim, o manuseio e a indicação do MP temporário, por exemplo, ampliam o leque de atuação

desses especialistas, o que pode salvar vidas, inclusive em situações emergenciais dentro do centro cirúrgico. Os números comprovam a eficácia deste dispositivo: são utilizadas anualmente entre 50 e 80 unidades por milhão de habitantes em países subdesenvolvidos, contra 400 a 500 por milhão em países desenvolvidos.

REVISTA BRASILEIRA DE ANESTESIOLOCIA - VOL. 53 - N° 6 - CAMPINAS - NOV./DEZ. 2003

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-

70942003000600015&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

■ Produção Industrial

Eficiência coletiva

Em tempos de in- ternacionalização das indústrias, as estraté- gias competitivas e as competências essen- ciais de cada compa- nhia são testadas ao limite extremo. Cada vez mais, o coletivo se torna mais importan- te que o individual. É nesse contexto que o artigo Es- tratégias competitivas e competências essenciais: pers- pectivas para a internacionalização da indústria no Brasil, de Afonso Fleury, do Departamento de Enge- nharia de Produção da Escola Politécnica da Universi- dade de São Paulo (USP), e Maria Tereza Fleury, da Fa- culdade de Economia e Administração da USP, analisa as conseqüências da formação de redes internacionais, criadas para promover a execução de metas de eficiên- cia coletivas. "A competitividade é, e será cada vez mais, relacionada ao desempenho de redes interorga- nizacionais e não de empresas isoladas", alertam os au- tores. No texto, são abordados problemas teóricos e evidências empíricas do ponto de vista de economias emergentes como a brasileira. Quais setores industriais do país apresentam potencial para se tornarem com- petitivos internacionalmente, por demonstrarem pos- suir as competências organizacionais necessárias? Essa é uma das respostas que o artigo procura discutir. Se- gundo o estudo, no cenário atual de economia globa- lizada, de reconfiguração das empresas na busca da efi- ciência coletiva, procurar compreender a dinâmica do processo de reestruturação do tecido industrial de um país como o Brasil é como tentar montar um quebra- cabeça caleidoscópico: cada vez que uma figura se for- ma, uma das peças se mexe, alterando a figura. A con- tribuição principal do texto é tentar compreender esse caleidoscópio.

GESTãO & PRODUçãO - AGO. 2003

VOL. 10 - N° 2 - SãO CARLOS ■

http://www.scielo.br/scielo. php?script=scLarttext&pid=S0104-

530X2003000200002&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

PESQUISA FAPESP % ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 59

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1 LINHA DE PRODUçãO

Nanofios menores que a lui

Nanofio transporta

a luz enrolado 'm um fio de cabelo

■ Em busca do "vidro perfeito"

Uma descoberta feita recen- temente na Grã-Bretanha abre caminho para a criação do "vidro perfeito". Pelo novo processo, a zeólita, um mine- ral cristalino usado como ca- talisador na fabricação de gasolina e na separação do oxigênio e do nitrogênio exis- tentes no ar, transforma-se em vidro após ser submeti- da à pressão. Atualmente, fras- cos, vidraças e outros pro- dutos de vidro são obtidos a partir de um material líquido resultante da fusão a altíssi-

V rem

forme e

Fios feitos de dióxido de silício,

com apenas 50 nanô- :tros (bilionésimos de

metro) de espessura, apre- sentam um comportamen- to incomum. Como os na- nofios são mais finos que o comprimento de onda da luz que transportam, eles servem como guias para in- dicar o movimento das on-

mas temperaturas de uma mistura de cristais de areia, carbonato de sódio, carbo- nato de cálcio e outros com- ponentes. Solidificado rapi- damente, esse material se transforma em vidro. Segun- do o professor Neville Grea- ves, coordenador das pesqui- sas realizadas no Instituto de Matemática e Ciências Físicas da Universidade de Gales, o novo processo pode ser feito até em temperatura ambien- te por meio da aplicação de um processo chamado amorfi- zação - pelo qual as zeólitas e outros sólidos cristalinos como o quartzo, por exem-

das. Além disso, por te-

rem diâmetro uni- forme e superfícies re-

gulares, apesar de suas dimensões atômicas, as on- das de luz mantêm-se coe- sas durante a transmissão. O estudo que resultou na descoberta é de uma equipe de pesquisadores da Uni- versidade Harvard, nos Es- tados Unidos, liderada por Eric Mazur e Limin Tong, também da Universidade de Zhejiang na China, que contaram ainda com a cola- boração de pesquisadores da Universidade de Toho- ku, no Japão. Gomo as fi-

possibilitam a transmissão de

ais informação em me- nos espaço, espera-se que o novo material se aplique aos cada vez mais microscó- picos utensílios médicos e eq ü i pa mentos fotônicos, como sensores ou sistemas a laser em escala nanométrica. Na avaliação de Julie Chen, diretora do programa de na- noprodutos da Fundação Nacional de Giências dos Es- tados Unidos (NSF, na sigla em inglês), que financiou as pesquisas, o novo método de fabricação de nanofios, combinado com os avanços que a equipe vem obtendo no desenvolvimento de mi- eroequipamentos, deve aju- dar a diminuir ainda mais os aparelhos ópticos e fo- tônicos (conforme press re- lease da NSF).

pio, podem ser convertidos em estruturas amorfas (não- cristalinas) sob temperaturas abaixo de seu ponto de fusão e que, se puder ser executado de maneira lenta e gradual, será capaz de produzir um vidro quase "perfeito" (como os cristais), conforme a agên- cia London Press. Segundo os pesquisadores, que publica- ram um artigo sobre sua des- coberta na revista Nature Ma- terials em setembro de 2003, a dinâmica da passagem das zeólitas para um estado de estrutura amorfa é a mesma sob aquecimento ou pres- surização. •

■ Rede de apoio à nanotecnologia

A importância que a nano- tecnologia ganhou nos últi- mos anos na área científica e no setor produtivo, com o desenvolvimento de disposi- tivos destinados a vários se- tores, está refletida na aten- ção especial da Fundação Nacional de Ciências (NSF, na sigla em inglês), o princi- pal órgão de fomento à pes- quisa nos Estados Unidos, que vai destinar cerca de US$ 70 milhões para proje- tos de ciência e engenharia em nanoescala. Para difun-

60 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ PESQUISA FAPESP 96

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dir informação e apoiar a nanociência e a nanotecno- logia naquele país, foi criada em janeiro deste ano a Rede Nacional de Infra-Estrutura Nanotecnológica (NNIN, na sigla em inglês), um sistema integrado por 13 sites uni- versitários. Projetada para funcionar por um período de cinco anos, a rede será admi- nistrada pela Universidade de Cornell. Lawrence Gold- berg, consultor sênior da NSF, diz que a iniciativa tem por objetivo a formação de uma nova força de trabalho ver- sada em nanotecnologia e nas mais avançadas técni- cas laboratoriais. •

■ Roupa monitora paciente cardíaco

Uma camiseta com sensores é a novidade que promete melhorar a vida de idosos, pacientes cardíacos e doentes que precisam de acompanha- mento constante. Prevista para ser lançada comercialmen- te ainda este ano, a V-TAM, nome do novo produto, re- sulta da parceria de várias empresas e instituições fran- cesas responsáveis pela con-

cepção e fabricação desse produto (França Flash, de ja- neiro). Os sensores e os com- ponentes eletrônicos que fa- zem a conexão externa foram colocados na própria trama do algodão pela empresa TAM-Télésanté, encarregada também de unir técnicas e aplicações diversificadas. In- formações como freqüência cardíaca, ritmo respiratório e temperatura são transmiti- das por meio de um telefone convencional ou celular a um centro de monitoramen- to. No caso de o paciente es- tar em situação de risco, um médico plantonista poderá se comunicar com ele por meio de um transmissor acopla- do à camiseta. •

■ Sistema poliglota salva motoristas

Um acidente de carro dei- xa o motorista inconsciente. Imediatamente um sistema instalado no automóvel acio- na um serviço público de emergência no idioma fala- do no país da ocorrência e informa o local e a intensi- dade do choque (NewScien- tist, 14 de janeiro). Desen- volvido pela empresa belga Ertico, o sistema E-merge será útil também para motoristas estrangeiros que tentam ob- ter ajuda pelo celular sem o conhecimento da língua lo- cal. Um aparelho do tama- nho de um celular colocado sob o painel é ativado, no caso de um acidente, pelo mesmo sensor que aciona o airbag. O equipamento é composto por circuito telefônico, um transmissor GPS (sistema de posicionamento global por satélite), um microfone e um alto-falante. Se forem reali- zados os investimentos ne- cessários na Europa, a em- presa garante que o sistema poderá operar em 2008. •

BRRSIL

Fibra de sisal nas telhas

^1

Sisal: potencial para ser matéria-prima na construção civil

Misturada a uma argamassa de cimento, a fibra de sisal mostrou ter potencial para se transformar em telhas, caixa-d'água e tanques. Os testes realizados pela Univer- sidade do Estado da Bahia (Uneb) fazem parte de um projeto do Programa de Tec- nologia de Habitação (Habita- re) financiado pela Financia- dora de Estudos e Projetos (Finep) do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). O objetivo dos pesquisado- res é desenvolver componen- tes de edificações em sisal e argamassa. O projeto tem ainda a parceria de uma coo- perativa formada por jovens da região sisaleira do nordes- te baiano, a Cooperjovens, que busca alternativas para continuar trabalhando em seus locais de origem. Cerca de 800 mil pessoas de 40 municípios do nordeste baiano trabalham no plantio do sisal, sendo que pequenos agricultores respondem por 80% da produção. A escassez de madeira foi um dos fato- res que direcionou a pesqui-

sa para o desenvolvimento de telhas de argamassa com a adição de sisal. Por enquan- to, os pesquisadores procu- ram melhorar a durabilidade do produto. Eles ressaltam que a alta resistência à tra- ção das fibras, combinada às propriedades das argamassas de cimento, confere ao mate- rial um melhor desempenho em peças estruturais. •

■ Incubadora aeroespacial

Uma incubadora destinada a abrigar projetos de tecnolo- gia aeroespacial, batizada de IncubAero, está prevista para começar a funcionar neste ano em São losé dos Campos (SP). Inicialmente, cerca de dez a 15 empresas serão in- cubadas no campus do Ins- tituto Tecnológico de Aero- náutica (ITA), em uma área de 400 metros quadrados. A proposta da criação da In- cubAero partiu da Fundação Casimiro Montenegro Filho, organização de apoio à ino- vação tecnológica. •

PESQUISA FAPESP 96 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 61

Page 60: Dinossauros no Maranhão

LINHA DE PRODUçãO BRASIL

Estímulo elétrico nos nervos Um estimulador elétrico que localiza nervos motores, para uso em anestesias, foi lançado comercialmente em novembro pela BGE Médica, empresa residente do Centro Incuba- dor de Empresas Tecnológi- cas (Cietec), instalado em São Paulo na cidade universitá- ria. O aparelho, totalmente de- senvolvido pela empresa, é o primeiro de fabricação nacio- nal e seu custo é cerca de 50% menor que o importado. A função dele é ajudar o aneste- sista, por exemplo, a localizar com exatidão, por meio de es- tímulo elétrico, o plexo bra- quial (rede de nervos), onde

Aparelho da BGE:

auxílio ao anestesista

IflOJ ;X0.1

deve ser aplicado o anestési- co no caso de cirurgias de braço e de mão. "Apenas pelo conhecimento da anatomia, o índice de erro atinge 30%. Com o aparelho, esse proble- ma é zerado", diz José Carlos Corrêa Borges, diretor da BGE. Com o nome de Neuro Esti- mulador E2107, o aparelho que já é usado no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas de São Paulo e na Universidade Fe- deral de São Paulo deverá ser adquirido em maior número pelos próprios anestesistas,

11 segundo a perspectiva comer- cial da empresa. •

■ Parceria para criar softwares

A tecnologia da informação é uma das áreas em que a de- manda por inovações não pára de crescer. Para atender a esse mercado em expansão, a empresa Ci&T Software e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) firma- ram parceria para a criação do primeiro Laboratório de Inovação e Componentização de Software do Brasil. A em- presa, formada em 1995 por ex-alunos da Unicamp, de- senvolveu soluções inovado- ras para softwares de comér- cio eletrônico (e-business), como a criação de estruturas que permitem a construção rápida e flexível de progra- mas produzidos segundo a necessidade do cliente, por meio de componentes de softwares pré-desenvolvidos. Essas estruturas comunicam-

se umas com as outras por meio de interfaces padroni- zadas e podem ser combina- das para formar complexos sistemas. A parceria entre em- presa e universidade vai per- mitir que alunos e pesquisa- dores desenvolvam projetos que visam à redução de cus- tos e mais rapidez na im- plementação de soluções de software. O investimento pre- visto para os três primeiros anos de operação do labora- tório é de R$ 2 milhões. •

■ Incubadas resistem às adversidades

Pesquisa realizada anualmen- te pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos de Tecno- logias Avançadas (Anprotec) mostra que apenas 20% das empresas nascidas em incu- badoras fecharam suas portas em 2003. Entre as micro e pe- quenas empresas brasileiras, o índice das que desaparecem nos cinco primeiros anos de

vida chega a 97%, segundo o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Além da baixa taxa de mortalidade, as incubado- ras têm apresentado índices que apontam o fortalecimen- to do setor. O número de em- presas graduadas, que saíram das incubadoras, mais que tri- plicou, passando de 320 em 1999 para 1.100 em 2003. Os postos de trabalho criados por empresas incubadas e gradua- das chega a 18.300. No Brasil,

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Page 61: Dinossauros no Maranhão

existem três tipos de incu- badoras. As que abrigam em- presas de base tecnológica, as de empresas de setores tradicio- nais e as mistas, que reúnem os dois tipos. Em média, as empresas têm três anos para deixar as incubadoras, quan- do então são classificadas co- mo graduadas. •

■ Motor aproveita energia térmica

Durante o ano passado, alu- nos de engenharia mecânica da Faculdade de Engenharia Industrial (FEI), de São Ber- nardo do Campo (SP), traba- lharam no desenvolvimento de um motor que aproveita a energia térmica desperdiçada por grandes fontes geradoras de calor, como nos fornos da indústria de vidrarias, por exemplo, para produzir ener- gia mecânica que movimente uma máquina ou até mesmo para gerar energia elétrica. O projeto, que recebeu o nome de Ciclo Alternativo de Ge- ração de Energia (Cage), foi baseado no motor de ciclo de Stirling, desenvolvido pelo es- cocês Robert Stirling em 1816. Esse motor de combustão ex- terna opera em quatro ciclos, como os convencionais a com- bustão interna, mas divide-se em duas regiões: uma quente, onde é feito o aquecimento, e uma fria, onde esse calor é dissipado rapidamente. Para que o motor entre em rotação, o ciclo, composto de compres- são, aquecimento, expansão e resfriamento, precisa estar em perfeita sintonia. Amauri de Oliveira Paulo, um dos alu- nos participantes do projeto, diz que o ciclo de Stirling foi escolhido porque, embora seja bastante aplicado em outros países para o reaproveitamen- to de energia térmica gerada por caldeiras, no Brasil ainda é pouco conhecido. •

Proteína da semente de jaca contra queimadura

■ Medicamento na semente de jaca

Uma lectina (um tipo de proteína) extraída da se- mente de jaca mostrou-se eficaz no tratamento de queimaduras. A descober- ta, o isolamento e o uso medicamentoso dessa lec- tina, que ganhou o nome de KM+, foram feitos pela equipe da professora Maria Cristina Roque Barreira, do Departamento de Biolo- gia Celular e Molecular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Uni- versidade de São Paulo. Os testes foram realizados em ratos com queimaduras comparando-se a resposta da aplicação de três tipos de pomada: uma com a KM+, uma com outra lec- tina da jaca, a jacalina (uti- lizada como reagente bio- químico) e a terceira sem nenhuma lectina. Os re- sultados mostraram que a KM+ acelerou a regenera- ção da pele lesada e evitou a necrose local. Como a quantidade da KM+ é mui-

to pequena quando extraí- da do fruto, inviabilizando a produção industrial, a pes- quisadora se associou com a professora Maria Helena Goldman, do Departamen- to de Biologia da Faculda- de de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP, para produzir a lecti- na em laboratório. Usando a técnica de DNA Recom- binante, Maria Helena con- seguiu transferir o gene codificador da lectina para leveduras. Esse processo permite produzir a KM+ em escala industrial. A pesqui- sadora acredita que o trata- mento com a lectina possa ser estendido à cicatrização de outras lesões de pele.

Título: Patente da Lectina KM+ Recombínante para Uso Farmacêutico Inventor: Maria Cristina Ro- que Barreira, Maria Helena de Souza Goldman, Luís Lam- be rti da Silva, Ademílson Castelo, Ricardo Santos de Oliveira, Marcelo Baruffi e Jeanne Blanco Machado Titularidade: USP/FAPESP

Desenvolvimento de um kit comercial para detecção precoce da reabsorção den- tária. Esse fenômeno ocorre em pacientes durante tra- tamentos ortodônticos (uso de aparelho para correção), submetidos a processos para clareamento, cirurgias ou que sofreram trauma- tismos. Atualmente, as ra- diografias são o único ins- trumento para detectar a reabsorção da raiz, mas esse problema, que pode levar à perda do dente, só é visível quando está em estágio adiantado. Por esse novo método, com uma gota de sangue é possível detectar a existência de an- ticorpos contra a dentina (camada abaixo do esmalte do dente). Se o diagnóstico for positivo, significa que o dente está sendo reabsor- vido. A simplicidade do mé- todo, que permite ao clí- nico reavaliar o tratamento adotado, é fruto da des- coberta feita pela mesma equipe da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo: na dentina concentram-se proteínas que funcionam como antígenos, substâncias protetoras do dente.

Título: Sistema para Dete ção de Reabsorção Dentária Humana Inventores: Alberto Con- solam, Eiko Nakagawa Itano e Mirian Marubayashi Hidalgo Titularidade: USP/FAPESP

PESQUISA FAPESP % ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 63

Page 62: Dinossauros no Maranhão

TECNOLOGIA

ENGENHARIA

De volta íü

Equipamento à base de plasma para reciclagem de alumínio garante ganhos econômicos e ambientais

SAMUEL ANTENOR

, s latinhas de cerveja e de refrigerante ga- nharam um novo processo de recicla- gem que vai tornar mais eficiente, com menos gastos de energia e sem deixar

- resíduos, a volta desses produtos à liga de alumínio utilizada na produção de novas la-

plasma, um gás produzido em altas temperaturas,

Ele é diferente porque a ionização (perda ou ganho de elétrons) das suas partículas, moléculas e átomos é significativa, garantindo propriedades físicas e químicas distintas dos demais estados existentes, como o sólido, o líquido e o gasoso. Assim, o plasma

de de conduzir eletricidade, de forma muito próxi- ma à dos metais.

O equipamento, que vai reciclar todo tipo de objeto de alumínio, além de aparas e borras indus- triais, está em fase final de desenvolvimento no Ins- tituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São

ma Parceria para Inovação Tecnológica (PITE) da FAPESP, em conjunto com a Associação Brasileira do Alumínio (Abai), que reúne empresas produ- toras e transformadoras desse metal.

64 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ PESOUISA FAPESP %

Lingotes de alumínio reciclado: novo processo não deixa resíduos

Page 63: Dinossauros no Maranhão

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Page 64: Dinossauros no Maranhão

Construído na Divisão de Mecânica e Eletricidade do IPT, onde já está em operação, o forno apresenta baixo con- sumo de energia como vantagem mais evidente. O uso do plasma permite uma economia de 97% de energia elé- trica em relação à produção de alumí- nio primário, produzido a partir da extração mineral de bauxita. Mesmo quando comparado ao estágio mais avançado do método convencional de reciclagem - que faz uso de combustão com a presença de oxigênio puro para o aquecimento do forno (oxicombus- tão) -, o processo a plasma é mais eco- nômico. Experimentos realizados no protótipo construído no IPT indicam que para a produção de 1 tonelada de material reciclado, dependendo de sua composição, o novo forno necessita algo em torno de 400 a 500 quilowatts- hora (kWh), contra os cerca de 750 kWh do método convencional.

A eficiência do equipamento ã^L permite outro ganho bem- L^^ vindo, agora na área am- i % biental: a eliminação total

^L -^L. de rejeitos industriais ao final do processo. No método conven- cional de reciclagem, o uso de sais é um fator ambientalmente problemático. Eles servem para recobrir o alumínio, evitando perdas do metal por oxidação, situação que ocorre pela presença de oxigênio no processo. O material usa- do é uma mistura de cloreto de sódio (NaCl) e cloreto de potássio (KC1), numa composição de 10% a 40% da carga me- tálica a ser processada no forno antigo. No final, depois de separados do metal, eles não podem ser reutilizados e se tor- nam um fator de risco para a contami- nação de rios e lençóis freáticos. Por isso, os sais usados são destinados a ficar em depósitos específicos, na forma de aterros industriais, com elevado custo para as empresas. O uso de plasma so- luciona por completo esse problema por- que dispensa esses produtos no pro- cesso de reciclagem.

Por ser de uso tecnológico recente e possuir propriedades tão distintas dos estados da matéria mais comuns, o plas- ma aparenta ser algo de difícil manipu- lação. Mas o pesquisador Antônio Car- los da Cruz, coordenador do projeto no IPT, explica que a técnica é relativa- mente simples: aquecido, o argônio (Ar) - gás escolhido porque não apresenta

reação com o alumínio - transforma a energia elétrica em energia térmica (ca- lor), sem a utilização de qualquer ou- tro elemento além do próprio gás. Na entrada do forno fica instalada a tocha de plasma que, mantida por uma des- carga elétrica, faz o gás atingir tempera- turas entre 5.000° C e 12.000° C, cifras muito superiores às obtidas no proces- so convencional.

Segredo industrial - Maiores detalhes sobre o novo processo, Cruz prefere não divulgar. "A tecnologia está em fase de registro de patente", diz o pesquisador. Segredo à parte, o forno desenvolvido no IPT é do tipo rotativo, com um tam- bor que, carregado, agita continuamen- te o material em seu interior. "Essa carac- terística é importante porque toda peça de alumínio apresenta uma camada de oxido, que precisa ser quebrada para que

o material fundido se junte e se trans- forme em metal líquido", explica. Nessa forma, o alumínio será levado por cana- letas até os moldes onde o metal irá se solidificar e se transformar em lingotes.

O protótipo de Forno a Plasma pa- ra Reciclagem de Alumínio atual apre- senta capacidade de operação variá- vel, de acordo com o tipo de material. Para borra de alumínio, que é um resí- duo da produção primária, comporta até 200 quilos de carga. Com materiais mais nobres, como peças de alumínio e latas, sua capacidade é de 550 quilos, em um procedimento completo de operação que dura em torno de duas horas. No total, já foram processadas cerca de 50 toneladas de material, en- tre borras e sucatas, em condição de simulação industrial, com a mesma capacidade de processamento mensal do equipamento.

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Para melhor demonstrar a aplicação do forno a plasma em escala industrial, mate- riais em condições seme- lhantes de composição e

quantidade deverão ser processados, ao mesmo tempo, em um forno conven- cional, a fim de se obter uma compara- ção mais precisa, inclusive no item gasto de energia. A forma de fazer essas com- parações de fornos com mais eficiên- cia, segundo Cruz, é a montagem de um equipamento piloto, de concepção industrial, com maior capacidade de reciclagem e que possa ser operado em regime de dois turnos por dia, porque ele pode funcionar por 24 horas, sem parar. Nas dependências do IPT, a operação do forno protótipo abrange apenas um turno. A operação indus- trial colocará o Brasil no grupo de paí- ses que já usam plasma na reciclagem

de alumínio. "No Canadá, na França e na África do Sul, empresas já utilizam plasma para a reciclagem de borras de alumínio, mas o processo que desen- volvemos aqui é inovador porque am- plia o leque de possibilidades de mate- riais para reciclagem pela nova técnica, como peças em alumínio fundido, la- minados, perfilados, chaparia e latas", afirma Cruz, lembrando que, por ser totalmente limpa, a implantação da tecnologia empregada no forno tende a ser mais cara. "Mas, ao mesmo tem- po, é operacionalmente tão competiti- va quanto os processos com oxicom- bustão", completa.

Esforço conjunto - A partir de um con- sórcio organizado pela Abai, entidade que congrega as produtoras de alumí- nio no país, as empresas Alcoa, Tomra- Latasa, Metalur, Servibrás e Sulina de

Metais têm participa- do ativamente do pro- jeto do IPT, com trei- namento de pessoal e financiamento de parte dos cerca de R$ 800 mil gastos no desenvolvi- mento da pesquisa. O material para recicla- gem também é forneci- do por essas empresas, que recebem de volta o alumínio reciclado - em forma de lingotes - resultante do processo.

Ao lado da questão econômica, a impor- tância do desenvolvi- mento de tecnologias que não agridam o am- biente foi o que mais motivou a Abai e as empresas a participa- rem do projeto, segun- do Ayrton Filleti, coor- denador da comissão técnica da associação. "O processo a plasma é ambientalmente mais adequado, porque eli- mina os rejeitos tóxicos provenientes da reci- clagem do alumínio e, conseqüentemente, gera economia para as empresas com a dimi- nuição do consumo de energia elétrica e acaba

com a necessidade de aterros indus- triais especiais que são muito caros", assegura.

"A tecnologia de plasma interessa às indústrias, mas ainda não tem pra- zo definitivo para ser implantada", diz Filleti. "O forno desenvolvido no IPT, além de mais barato que os similares existentes no exterior, é mais eficiente e, no futuro, as empresas terão que lançar mão desse recurso. Pela primei- ra vez a Abai participou de um proje- to que resultou em tecnologia inédita, desenvolvida no Brasil, o que precisa- mos valorizar", ressalta, lembrando que, na Europa, a falta de espaço para ater- ros industriais tem obrigado empresas a pesquisar, inclusive, a reciclagem dos rejeitos salinos do processo convencio- nal, algo caríssimo, fato que pode ge- rar interesse internacional no uso do forno brasileiro.

PESQUISA FAPESP 96 ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 67

Page 66: Dinossauros no Maranhão

O PROJETO

Reciclagem do Alumínio: Desenvolvimento de Inovações Tecnológicas

MODALIDADE Programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE)

COORDENADOR ANTôNIO CARLOS DA CRUZ - IPT

INVESTIMENTO R$ 397.730,16 e US$ 25.307,89 (FAPESP) e R$ 355.952,00 (Abai)

De acordo com a Abai, com 1,5 mi- lhão de toneladas por ano, o Brasil é atualmente o sexto produtor mundial de alumínio. Desse total, 1,3 milhão de to- neladas são obtidas a partir da minera- ção e 253,5 mil toneladas são resultado da reciclagem. A produção do alumínio primário, além de precisar de uma gran- de quantidade de energia elétrica e inter- ferir no ambiente, gera entre três e qua- tro vezes mais resíduos que o reciclado.

De forma diferente do que acontece com outros ma- teriais, a reciclagem de alumínio exibe índices surpreendentes no Brasil,

numa lista de itens encabeçada pelas latas de bebidas, com notáveis 87% de recicla- gem total, de acordo com os mais recen- tes números divulgados pela entidade. Atualmente, a reciclagem de alumínio no país responde por 35,3% do consumo interno desse metal - total de 717,7 mil

toneladas por ano -, percentual acima da média mundial, situada em 33%.

Se considerarmos apenas a recicla- gem de latas de alumínio, cujo ciclo mé- dio é de 46 dias, entre envasamento, con- sumo e retorno para a indústria, o Brasil é hoje o maior reciclador entre os países em que a prática não é obrigatória, com 121,1 mil toneladas por ano, à frente do

Japão e dos Estados Unidos. Isso repre- senta 50% do total de alumínio recicla- do no país. Vale lembrar ainda que, para cada tonelada de alumínio reciclado, 5 toneladas do minério bruto são poupadas.

Do total das latas recicladas no Bra- sil, 70% é processado em Pindamonhan- gaba (SP), cidade da região do Vale do

mÊmmÊÊÊmm^m^m

Longa vida na reciclagem Quase invisível aos consumidores,

dentro das embalagens longa vida que hoje, além do leite, acondicionam su- cos e até água de coco, existe uma fina camada de alumínio na forma de san- duíche com plástico e papel. Igual ao das latinhas, esse material poderia ser reciclado e voltar ao sistema produti- vo. Para efetivar esse processo, a TSL Engenharia Ambiental - empresa es- pecializada no tratamento de resíduos

ma para a reciclagem do alumínio das embalagens longa vida. O processo resultante, diferente daquele desen- volvido no Instituto de Pesquisas Tec- nológicas (IPT) para reciclagem de alumínio das latas, foi apresentado pela empresa em dezembro de 2003. "No caso do processo da TSL, o IPT foi contratado apenas para testar e comprovar a eficácia do novo siste- ma", diz Roberto Szente, do Laborató-

rpervisio- e Eletricidade do II nou os testes.

O processo será implantado em parceria pelas empresas Tetra Pak, pro- dutora de embalagens longa vida, Kla- bin, indústria de papel, e Alcoa, pro- dutora de alumínio. Utilizando plasma térmico como um dos componentes do processo de reciclagem, a nova tec- nologia - inédita no mundo - será uti- lizada para separar o plástico do alu-

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Page 67: Dinossauros no Maranhão

Paraíba, que recebeu da Abai o título de Capital Brasileira da Reciclagem de Alumínio porque lá estão instaladas in- dústrias processadoras das sucatas. Além de um ciclo rápido de consumo, a latinha está muito ligada ao dia-a-dia da sociedade. Algumas empresas pro- dutoras de latas já implementaram programas de reciclagem, promovendo

essa cultura por meio da conscientiza- ção de alunos nas escolas, com incenti- vos como a troca do material coletado por computadores.

Distribuição de sucata - Outro fator importante na reciclagem de latas é o empenho dos catadores, espalhados por todo o país, que respondem por grande

parte da coleta seletiva de materiais, repassan- do o resultado de seu trabalho aos depósitos de sucatas. Essas cen- trais fazem a distribui- ção do material para a indústria de proces- samento, em grandes quantidades.

Com o aumento da demanda e da produção de alumínio secundário - mais barato e mais fácil de se obter -, a in- dústria já considera a possibilidade de faltar sucata no mercado bra- sileiro. Com isso, o Bra- sil, que compra do mer- cado externo apenas 98,7 mil toneladas de alumínio por ano, tal- vez necessite, em breve, importar sucata para reciclagem.

Mesmo que ocorra um aumento significa- tivo na quantidade de alumínio reciclado, a produção primária con- tinuará sendo uma ne- cessidade porque a de-

manda por esse metal é crescente. O mais importante é que ele pode ser reciclado inúmeras vezes. Essa carac- terística, além de economizar energia e poupar o ambiente, garante uma ati- vidade econômica saudável que, mes- mo sem obrigatoriedade legal ou in- centivos oficiais, está entre as que mais crescem no país. .

a separação do papel que é feita antes em máquinas específicas. O sistema desenvolvido pela TSL usa uma tocha de plasma para aquecer a 15.000° C a mistura de plástico e alumínio. Com o processo, o plástico é transformado em parafina e o alumínio é totalmen- te recuperado com as mesmas caracte- rísticas do metal utilizado pela Tetra Pak na produção das embalagens. O novo sistema será instalado em uma unidade industrial da Klabin em Pira- cicaba (SP) e deverá estar pronto em outubro deste ano. A empresa vai re- ceber o material coletado, separam

papel e encaminhando o plástico e o alumínio para a TSL. Por sua vez, essa empresa separará os dois produtos e enviará o alumínio para a Alcoa, que transformará esse metal em finíssimas folhas para a Tetra Pak, que atualmen- te não utiliza material reciclado na composição das embalagens.

O investimento na construção da unidade de plasma será de R$ 10,5 mi- lhões, financiado em partes iguais pe- las quatro empresas envolvidas. Um ano após a implantação, pretende-se exportar a tecnologia para outras uni-

des da Tetra Pak no mundo. De

acordo com Fernando von Zuben, di- retor de meio ambiente da empresa, o ganho será, sobretudo, ambiental, pois a unidade de Plasma terá capacidade para processar 8 mil toneladas de plás- tico e alumínio por ano, equivalentes à reciclagem de 32 mil toneladas de em- balagens longa vida. Além de o proces- so passar a integrar uma cadeia de desenvolvimento sustentável, espera- se um aumento de 30% no valor das embalagens coletadas, gerando uma maior remuneração aos catadores, em- presas e prefeituras que trabalham com a coleta seletiva do lixo.

PESQUISA FAPESP % ■ FEVEREIRO DE 2004 • 69

Page 68: Dinossauros no Maranhão

■ TECNOLOGIA

QUÍMICA

Mimetismo no laboratório Substâncias sintéticas para uso em biossensores imitam o comportamento de compostos biológicos

DlNORAH ERENO

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I

Borboletas, mariposas, camaleões e muitas outras espécies animais, ao menor sinal de aproximação do inimigo, mudam de cor ou de forma para se tornar pareci-

dos com o ambiente ao redor e confundir os predadores. Essa capacidade de imitação, co- nhecida como mimetismo, inspirou pesqui- sadores da Universidade Estadual de Campi- nas (Unicamp) a criar compostos sintéticos que reproduzem, com vantagem, a atividade de anticorpos, enzimas, células, receptores e outros componentes biológicos, fundamen- tais para o funcionamento dos biossenso- res, como aquele que mede o nível de glicose dos diabéticos, o glicosímetro portátil ven- dido em farmácias. Batizados de sistemas biomiméticos, os compostos sintéticos têm o objetivo de reconhecer íons ou moléculas das substâncias analisadas pelos biossensores, ampliando e facilitando a disseminação desse tipo de análise química. "Outro objetivo é ga- rantir uma estabilidade (manutenção da ati- vidade), por longos períodos, para esses dispo- sitivos, evitando um dos pontos críticos que impede a comercialização desses produtos para um vasto leque de aplicações", ressalta o professor Lauro Tatsuo Kubota, do Instituto de Química (IQ) da Unicamp, que encabeça a pesquisa com biossensores, dentro de um pro- jeto temático coordenado pelo professor Elias Ayres Guidetti Zagatto, do Centro de Ener- gia Nuclear da Agricultura (Cena) da Univer- sidade de São Paulo (USP), em Piracicaba.

A intenção dos pesquisadores é criar dis- positivos que emitem respostas químicas tra- duzidas por componentes físicos que for-

mam o conjunto do biossensor, como eletro- dos, fibras ópticas e polímeros condutores. A escolha de enzimas, anticorpos ou células é pautada pela substância que o dispositivo foi programado para identificar em águas, bebi- das, alimentos ou em exames de sangue ou urina. Como muitos desses componentes bio- lógicos não são estáveis por um longo perío- do, Kubota decidiu substituí-los por uma substância sintética estável, à base de cobre e de ferro, colocada em forma de monocama- das na superfície do biossensor. A escolha dos dois elementos ocorreu porque a parte ativa das enzimas que serão substituídas é consti- tuída por esses metais.

Estabilidade ampliada - O novo material mostrou ser eficiente em relação à sensibili- dade e à seletividade e preservou por mais de um ano a estabilidade do biossensor, diferen- cial que abre as portas do mercado ao pro- duto. Até agora, os pesquisadores da Unicamp já desenvolveram diferentes compostos sin- téticos, de interesse ambiental, farmacêutico e medicinal, que resultaram em três pedi- dos de patentes. A perspectiva é que os novos biossensores custem bem menos do que os usados atualmente.

Os resultados obtidos pelos pesquisadores da Unicamp e do Cena, apresentados em um congresso internacional em Dusseldorf, Ale- manha, em 2002, atraíram a atenção de pes- quisadores da Europa e dos Estados Unidos, que fizeram propostas para trabalhos em parceria. Kubota não descarta colaborações em outras linhas de pesquisa, mas diz que no caso dos biomiméticos sua equipe já está muito à

Eletrodos com grafite, ouro e carbono aumentam estabilidade do biossensor

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Page 70: Dinossauros no Maranhão

frente. Algumas empresas também têm procurado os pesquisadores, mas ne- nhuma parceria comercial foi fechada até agora porque ainda é necessário in- vestir um pouco mais para se obter o dispositivo no formato final para ser comercializado.

Além da pesquisa que envolve os compostos sintéticos, a equipe da Uni- camp também trabalha em outra fren- te: o estudo de novos materiais para estabilizar os componentes biológicos, que tem se mostrado bastante promis- sor. Prova disso é que já conseguiu de- senvolver um biossensor para avaliar o nível de álcool no sangue, à base de gra- fite, sílica modificada com nióbio e azul de metileno como corante, que atinge 99% de precisão e se mantém estável por pelo menos três meses. Prazo bem superior ao alcançado por trabalhos descritos na literatura, que chegaram a uma semana, no máximo. Quanto aos bafômetros existentes no mercado, eles não são totalmente precisos e só conse- guem detectar o álcool em concentra- ções elevadas.

Comparada aos métodos tradicio- nais, em que é necessário adicionar rea- gentes à amostra para produzir uma cor ou fluorescência que permitam a leitura, a análise com um biossensor é simples, rápida e econômica. Basta co- locar uma amostra no dispositivo e fa- zer a medição, que consiste em converter a reação química em energia mensurá- vel, como a da corrente elétrica. Essa corrente pode ser ainda traduzida por um processador e o resultado aparecer em um visor, que mostra a concentra- ção da substância procurada. Nesse sis- tema, as quantidades de anticorpos ou enzimas utilizadas são mínimas, o que representa redução de custos, de resí- duos poluentes e tempo de análise. Ku- bota explica que todo o processo é feito de forma muito seletiva. "Dentre várias substâncias presentes na amostra, so- mente a que se deseja é identificada."

Controle fitoterápico - Além do glico- símetro, existem outros biossensores à venda no mercado, que avaliam uréia (funcionamento dos rins) e lactato (para avaliação da reação dos múscu- los após exercício físico). "Trabalhamos com a idéia de juntar vários dispositi- vos em uma única peça, para determi- nar lactato, creatinina, glicose e muitos outros parâmetros", diz o pesquisador.

Uma única gota de sangue será sufi- ciente para fazer um check-up em um minilaboratório portátil.

A s aplicações estudadas esten- g^k dem-se por um vasto leque, L^L que inclui a análise de me-

Ê ^ dicamentos durante o ^L JL. processo de fabricação, das propriedades antioxidantes de fito- terápicos e o monitoramento do nível de estresse a partir da análise da ativi- dade da enzima glutationa peroxidase, que atua no sistema de defesa do orga- nismo no combate aos radicais livres.

Quanto ao sistema que analisa me- dicamentos em forma de cápsulas e comprimidos, as pesquisas estão avan- çadas e resultarão em um pedido de pa- tente. Normalmente essa avaliação é feita por amostragem em meio líquido, com a adição de vários reagentes, o que gera quantidade razoável de resíduos. Sem contar que os resultados não são conhecidos imediatamente. "Da forma como estamos propondo é possível analisar amostras em tempo real dire- tamente no sistema de produção, sem gerar resíduos", diz Kubota. Dessa ma- neira, em vez de o controle ser feito por amostragem, abarcaria toda a produ-

ção. No caso de ser detectado algum problema no lote fabricado, seriam descartados apenas alguns comprimi- dos, e não todo o lote.

Outro biossensor desenvolvido no IQ da Unicamp com grande potencial de aplicação imediata é um dispositivo que analisa o princípio ativo de extratos de plantas, a partir do chá. Kubota res- salta que, embora tenha crescido muito no Brasil o controle de qualidade desse tipo de medicamento, é importante fazer uma análise mais acurada para avaliar se as propriedades apregoadas realmente permanecem no produto co- mercial, porque a preservação dos prin- cípios ativos das plantas depende de vá- rios fatores, como clima, solo, época de plantio e de colheita.

O pesquisador começou a trabalhar na área de sensores e biossensores desde que foi contratado pela Unicamp, em 1994. Desde aquele ano, já trabalhou em várias pesquisas financiadas pela FA- PESP, uma das quais envolveu um Pro- jeto Temático, Estudo e Desenvolvimen- to de Novos Sistemas de Detecção para Aplicações Analíticas, encerrado em 2001. A idéia de participar de outro temático, desta vez com parceiros de áreas distin- tas, teve como objetivo a troca de co-

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nhecimento para tentar chegar a um consenso de qual o melhor sistema de análise para determinar e quantificar di- versas amostras biológicas e ambientais.

Contribuição brasileira - Enquanto Ku- bota trabalha com biossensores, outro pesquisador do IQ da Unicamp, o pro- fessor Marco Aurélio Zezzi Arruda, também participante do mesmo proje- to temático, dedica-se ao estudo de ma- teriais naturais e sintéticos candidatos a aumentar a sensibilidade dos métodos de análise, com geração mínima de re- síduos. Entre os naturais, estão a casca de arroz, a esponja vegetal (bucha) e o vermicomposto, produzido por alguns tipos de minhocas após a digestão de materiais como areia, solo e matéria or- gânica. Eles apresentaram resultados promissores na detecção de pequenas concentrações de metais, como cobre, zinco, chumbo e cádmio, com custos operacionais reduzidos.

Os materiais naturais são colocados em pequenas quantidades (20 a 25 mi- ligramas) em minúsculas colunas (tu- bos) de polietileno. Esses tubos são in- seridos nos sistemas de análise em fluxo, ou flow-injection analysis (FIA), e todo o conjunto é acoplado à técnica de es-

pectrometria de absor- ção atômica, que se ba- seia na absorção da ra- diação proveniente de lâmpadas específicas pa- ra cada elemento a ser determinado. A absorção é proporcional à concen- tração do metal presen- te na amostra. Dessa for- ma, pode-se quantificar metais presentes em ali- mentos, bebidas, mate- riais inorgânicos, bio- lógicos, águas e efluentes (resíduos domésticos ou liberados pela produção industrial). Arruda expli- ca que os materiais na- turais conseguiram pré- concentrar os metais em pequenas quantidades, aumentando a sensibili- dade do método analítico. A próxima etapa da sua pesquisa prevê o uso des- ses materiais em biossen- sores, para avaliar se efe- tivamente melhoram a

eficiência dos métodos eletroquímicos. Os materiais naturais para análise

química, além dos compostos sintéticos desenvolvidos por Kubota, estão sendo avaliados também pelo professor Za- gatto, que trabalha no aperfeiçoamento dos sistemas de análises por injeção em fluxo, aplicados pioneiramente nos la- boratórios de Química Analítica do Ce- na nos anos 1970 pelo professor Hen- rique Bergamin Filho (1932-1996) e adotados atualmente em laboratórios de todo o mundo. Zagatto, que fazia parte

0 PROJETO

Emprego de Novos Materiais e Diferentes Ambientes Reacionais

para Melhoria em Sensibilidade e Seletividade na Análise de Amostras Biológicas e Ambientais

MODALIDADE Projeto Temático

COORDENADOR ELIAS AYRES GUIDETTI ZAGATTO - Centro de Energia Nuclear da Agricultura (CenaVUSP

INVESTIMENTO R$ 221.063,00 e US$ 163.470,00

da equipe liderada por Bergamin, con- ta que essa contribuição permitiu a au- tomação do processo de análises e a mi- niaturização desses sistemas.

A tecnologia consiste em injetar a amostra em tubos capilares, que correm como água dentro de tubulações fecha- das. Durante o transporte, ela se dispersa, e pode também sofrer diluições, o que permite a execução das diferentes etapas associadas ao método analítico, como adição de reagentes, separação e concen- tração. Tudo funciona como se o sistema analítico fosse um laboratório hermético, sem contaminação. A amostra processa- da passa por um medidor, que monito- ra o produto das reações químicas envol- vidas. O resultado da análise é obtido em poucos segundos, o tempo necessá- rio para a amostra percorrer os capila- res, e o ritmo de amostragem é alto, em geral acima de cem amostras por hora.

Zagatto ressalta que a ex- ploração dessa tecnologia tem descortinado um novo campo de conhecimento para a química analítica,

como a monitoração de espécies quí- micas instáveis, ou seja, produtos que se decompõem em pouco tempo. Antes, os principais reagentes para análises quí- micas à venda eram fruto da seleção de matérias-primas, guardadas como um precioso segredo industrial, produzi- das desde o século 18 com o objetivo de formar um composto estável no final. A estabilidade era imprescindível para o sucesso do método analítico, já que a coloração produzida deveria ser estável e refletir a concentração a ser determi- nada. Ocorre que, durante algumas apli- cações, a amostra torna-se turva, mas na análise em fluxo a deterioração em nada compromete os resultados, pois a amostra é monitorada poucos segundos após sua inserção no analisador. Além disso, as amostras e os reagentes empre- gados situam-se na faixa de microlitros, o que significa economia de matéria- prima e pouca geração de resíduos, mes- mo nos casos de produtos tóxicos.

Até o final de outubro deste ano, data prevista para o encerramento do temático, ainda há muito trabalho pela frente, mas os resultados já obtidos com os compostos biomiméticos e materiais naturais mostram que eles já estão prontos para serem utilizados em vários tipos de análise química. •

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■ TECNOLOGIA

GEOCIENCIAS

Informação estratégica Sistema identifica com mapas e fotos a origem de chamadas telefônicas

Um morador de São José do Rio Preto (SP) chama o serviço de emergên- cia da Polícia Militar. Antes de ser atendido,

um operador sentado em frente a um computador instalado na Central de Atendimento da corporação já sabe o número do telefone e o endereço de onde partiu a chamada. Quase ao mes- mo tempo tem acesso a um mapa da região, além de fotografias aéreas do bairro, da quadra e fotos frontais da fachada da residência ou do ponto co- mercial que pediu ajuda. As informa- ções são repassadas à viatura que estiver mais próxima do local, com detalhes como terrenos baldios existentes ao lado ou dados relevantes que possam ajudar a elucidar casos de roubos, as- saltos e outras ocorrências. O rastrea- mento imediato das chamadas, acom- panhado da localização geográfica, tornou-se possível com o sistema Geo- fone, desenvolvido pela empresa Geo- dados Mapeamento e Pesquisa com o apoio do Programa de Inovação Tecno- lógica em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESR "Percebemos que havia uma demanda no mercado por informa- ções relacionadas à origem da chamada telefônica e que era possível trabalhar com a tecnologia do telefone integra- da à dos Sistemas de Informações Geo- gráficas (SIG), um banco de dados com informes sobre zoneamento, proprie- dades, estradas, escolas e parques rela- cionados à localização geográfica", diz o geólogo Flávio Gonçalves Boskovitz, coordenador do projeto Geofone em parceria com o tecnólogo Gabriel Gon- çalves Dias Moreno.

O sistema utiliza de forma integra- da o telefone, o identificador de cha- madas telefônicas e o computador. O identificador de chamadas transmite o número para o computador, que, ins- tantaneamente, exibe o local. Antes,

porém, é preciso fazer o mapeamento de toda a cidade. O Geofone foi insta- lado na PM de São José do Rio Preto como parte dos testes realizados para avaliar a viabilidade do projeto, apro- vado em maio de 2000 e encerrado no mesmo mês de 2003. "Fomos benefi- ciados porque agora conseguimos di- recionar e coordenar antecipadamente a ação policial", diz o sargento Edimilson Leite da Silva. O programa também fun- ciona como um banco de dados que registra, por exemplo, as chamadas fei- tas em cada região mês a mês e os locais com maior índice de roubos de veícu- los ou de furtos.

Cadastro único - O atendimento de emergências policiais é apenas uma das aplicações do Geofone. Ele foi concebi- do para ser utilizado por serviços pú- blicos de atendimento ao cidadão, além de serviços privados de pronta entrega e de atendimento ao consumidor. Caiei- ras, município paulista localizado na re- gião de Jundiaí, adquiriu o sistema para integrar informações que dizem respei- to aos seus 80 mil habitantes. Para isso, fechou um contrato de R$ 250 mil com a Geodados. Inicialmente, o programa foi implantado na Secretaria de Educa- ção, mas já começou a ser adotado pe- las outras secretarias.

Carlos Alberto Reze, diretor de tec- nologia da prefeitura, diz que todas as ligações são identificadas, independen- temente da origem. "Se a chamada for feita de um telefone fixo, aparece a fa- chada da casa, se for de um orelhão, a rua onde está localizado, e, no caso de celular, a identificação do proprietário." Segundo Reze, se ocorrer qualquer tipo de acidente em uma escola, enquanto o aluno é encaminhado ao posto de saú- de, os pais são avisados. Em caso de emergência, tanto as escolas como os postos de atendimento médico têm acesso à ficha do aluno em que estão re-

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Mais Informações - Chamada Telefônica _=yM§

Identificação na tela: mapas da região e fotos aérea e da fachada do imóvel

gistrados dados como tipo sangüíneo, doenças que já teve, alergia a medica- mentos. Os moradores, por sua vez, podem pedir qualquer tipo de infor- mação na prefeitura, como dívidas, im- postos etc, já que todos os departamen- tos municipais estão interligados em um cadastro único.

Dados essenciais - Em Potirendaba, cidade de 14 mil habitantes próxima a São José do Rio Preto, o sistema come- çou a operar em março do ano passado integrado ao Disque-Denúncia, serviço municipal que acolhe reclamações e su- gestões relacionadas a água, esgoto, bu- racos nas ruas, saúde e outros. Diaria- mente são atendidas, em média, cinco chamadas, encaminhadas aos coorde- nadores de áreas. "Essa é a maneira mais prática de o prefeito saber tudo o que

acontece na cidade", diz Rosângela Fer- rari, responsável pelo serviço.

Atualmente, a equipe da Geodados está desenvolvendo o Geofone para o

0 PROJETO

Geofone - Sistema Integrado para Obtenção de Informação Georeferenciada para Serviços de Emergência

MODALIDADE Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE)

COORDENADOR FLáVIO GONçALVES BOSKOVITZ - Geodados

INVESTIMENTO R$ 257.023,00

Corpo de Bombeiros de Botucatu (SP), previsto para começar a operar em abril. Além da informação geográfica, na tela vão aparecer dados essenciais para a escolha do carro e dos instru- mentos que serão enviados para o local, como o tipo de construção que solici- tou o serviço. No caso de abrigar mate- rial infiamável, por exemplo, os imóveis do entorno serão avisados do risco.

O Geofone não tem concorrentes no Brasil, segundo Boskovitz. Apenas uma empresa norte-americana oferece um produto semelhante, mas bem mais caro. Por enquanto, tem atraído principal- mente a atenção de prefeituras, embo- ra já tenha conquistado clientes como pizzarias, farmácias e planos de saúde. "Acreditamos que é uma solução que ainda tem muito espaço para ser di- fundida", diz Boskovitz. •

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TECNOLOGIA

ODONTOLOGIA

nas arcadas Avançam no país as pesquisas com equipamentos e técnicas de laser em tratamentos dentários

^ aracterizado como um feixe de luz concentrado, o la- ser, entre as suas várias utilidades, cada vez mais se torna um equipamento eficaz e seguro para uso na

/odontologia. Da remoção de cáries a tratamento de canal, ele está recebendo a atenção de pesquisadores

e dentistas em todo o mundo. No Brasil não é diferente. Pelo me- nos três instituições - a Faculdade de Odontologia da Universida- de de São Paulo (Fousp), o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e o Instituto de Física (IF) da USP de São Carlos - apresentaram nos últimos anos, de forma independente ou em parceria, uma volumosa produção científica e tecnológica asso- ciando o emprego do laser aos tratamentos odontológicos. As con- tribuições estão na criação de novos procedimentos e protocolos (processos de aplicação das técnicas) e no desenvolvimento de no- vos equipamentos que já estão à disposição dos dentistas brasilei- ros. Entre as inovações, por exemplo, há uma técnica que permite a remoção de cáries sem danificar o tecido sadio do dente, um pro- cedimento que pode ser realizado sem anestesia em 80% dos casos porque o uso do laser não costuma causar dor.

Os pesquisadores brasileiros também desenvolveram técnicas de diagnóstico da estrutura e da vitalidade do dente com uso de la-

site oral, uleerações na mucosa da boca comuns em pacientes sub- metidos a altas doses de quimioterapia e à radioterapia. "Nós fazemos um trabalho de prospecção buscando novas técnicas e aplicativos para o laser na odontologia", diz o físico Vanderlei Salvador Bag- nato, do IF-USP, coordenador do Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (Cepof) em São Carlos, uma iniciativa multidisciplinar e multiinstitucional pertencente ao grupo dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids) da FAPESP. O Ipen e a Fousp também participam do Cepof. Bagnato explica que o laser pode substituir, em muitos casos, o instrumental usado pelos dentistas porque pos- sui propriedades semelhantes. "Na odontologia, utilizam-se dois

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Na Faculdade de Odontologia da USP, experimento com feixe de laser de érbio para corte de dente

tipos de instrumental, conta Bagnato. "O primeiro serve para cortar e desbas- tar. São as brocas e as limas. O outro são os produtos bactericidas, que matam microrganismos. O laser, por sua vez, nada mais é do que um feixe de luz com grande concentração de energia, ade- quado para o corte e o desbaste. E é tam- bém um agente bactericida, em função de suas altas temperaturas."

"O laser pode ser usado em diversas áreas da odontologia e é um procedi- mento muito seguro. Mas engana-se quem acha que ele veio para substituir os equipamentos tradicionais. Ele é par- ceiro nos tratamentos dentários", expli- ca o professor Carlos de Paula Eduardo, da Fousp. De acordo com o pesquisador, a nova tecnologia traz inúmeros bene- fícios aos pacientes. Além de não causar dor na maioria dos casos, o laser faz uma remoção seletiva do tecido cariado, por- que o feixe de luz age exclusivamente na cárie, preservando as áreas adjacentes que estão sadias - coisa que a broca de alta rotação não faz. Na prevenção, o la- ser associado ao flúor aumenta a resis- ser associad< tência do dei vantagem, tah ção de infccções ., mentos dentários - c das áreas de pesquisa da Fousp, en conjunto com a Universidade de Aa

rie. Outra grande üor delas, é a redu-

chen, na Alemanha. Por meio de um processo denominado de ablação do te- cido cariado, o laser causa microexplo- sões na dentina (camada logo abaixo do esmalte do dente) atingida pelas bacté- rias, removendo a cárie e reduzindo em até 99,6% a população de microrganis- mos. O mesmo benefício acontece em tratamentos de canal e periodontais, aqueles que envolvem a gengiva.

^W ^^ m setembro de 2002, as pes- i quisas ganharam impulso

com a inauguração das no- - vas instalações do Labo-

' ratório Experimental de Laser na Odontologia (Leio) na Fousp. O prédio, com 400 metros quadrados, está equipado com 25 lasers, que valem aproximadamente US$ 800 mil. "O ob- jetivo do laboratório é fazer pesquisa, ensinar e proporcionar tratamento clí- nico, estabelecendo uma ponte com as empresas do setor e levando os benefí- cios para a comunidade", afirma Carlos Eduardo, fundador e diretor do Leio. O centro está preparado para receber num futuro próximo entre 100 e 150 pacien- tes por dia e os recursos para construção do laboratório, em torno de R$ 1 mi- lhão, vieram da USP e da Fundação pa- ra o Desenvolvimento Científico e Tec- nológico da Odontologia (Fundecto).

Dabi Atlante e Gnatus, doaram equipa- mentos em definitivo ou por emprésti- mo para a realização de pesquisas.

Considerado um dos mais avançados centros da área no mundo, o Leio conta com mais de 50 pesquisadores, entre pro- fessores e pós-graduandos, e recebe alu- nos de todo Brasil e de outros países. Em junho do ano passado, por exemplo, um grupo de dez pesquisadores italia- nos passou uma semana no laboratório o«rendendo a usar a nova tecnologia. O

ando grupo está programado para egar em fevereiro e o terceiro em julho.

Os pesquisadores do Leio também possuem uma vistosa produção aca- dêmica. "Nos últimos dez anos, produ- zimos 130 teses e dissertações, sendo que 75 saíram do mestrado profissionalizan- te e 55 da pós-graduação acadêmica", informa Carlos Eduardo. A produção científica não fica atrás. Já foram publi- cados 115 trabalhos completos em re- vistas e jornais científicos internacio- nais e 55 em periódicos brasileiros (por exemplo, Laser Surgery and Medicine e Journal Clinicai Laser and Surgery). São pesquisas relevantes como, por exemplo, a série de trabalhos que investiga de que forma o laser pode agir no sentido de di- minuir a presença de microrganismos em tratamentos odontologia».

PESQUISA FAPESP % ■ FEVEREIRO DE 2004 ■ 77

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Todo esse conhecimento tecnoló- gico gerado nesses centros têm sido repassado à iniciativa privada. Atual- mente, o Brasil dispõe de uma dezena de fabricantes de lasers voltados para a odontologia. Alguns deles, como MM- Optics, DMC e Condortek, estão insta- lados em São Carlos e receberam trans- ferência de tecnologia produzida na USP e no Ipen. "Nosso negócio é de- senvolver sistemas ópticos e eletrôni- cos e fazer protótipos, que depois po- dem ser repassados para a iniciativa privada", conta Bagnato. "Há algum tempo, criamos um protótipo de um aparelho de laser que controlava simul- taneamente tempo, potência e área atingida pelo feixe de luz. A MMOp- tics interessou-se por ele e produziu, a partir desse protótipo, um modelo chamado BDP." A partir daí, a empre- sa começou a inovar e atualmente é uma das líderes do setor.

Elementos invisíveis - Vários tipos de lasers podem ser empregados nos trata- mentos, sendo os mais comuns os de argônio, de dióxido de carbono (C02), de érbio-YAG (EnYAG) e neodímio- YAG (Nd:YAG). O laser de argônio ope- ra tendo como meio ativo uma ampola de gás argônio que emite luz nas faixas do ultravioleta, do azul e do verde, en- quanto o de C02 tem como meio ativo uma ampola de dióxido de carbono. Sua luz é emitida no infravermelho e ele é muito usado na prática de vapori- zação, situação em que um tecido bio- lógico mole ou duro é convertido em vapor pela energia absorvida do feixe de luz. Já os laser EnYAG e Nd:YAG são formados, respectivamente, a par- tir dos elementos químicos érbio e ne- odímio, e YAG é a designação de um cristal sintético constituído por oxido de ítrio e de alumínio. Excetuando o de argônio, que é visível ao olho humano, os demais são invisíveis. Nesse caso, o equipamento emite um feixe de luz ver- melho chamado luz guia, que serve para indicar o local preciso onde o feixe de laser deve incidir.

Esses lasers variam de acordo com a forma que são produzidos e classifica- dos como de baixa ou alta potência, conforme a concentração de energia no feixe de luz. Enquanto os lasers de alta potência permitem o corte de até pla- cas de aço, os de baixa potência são usados para bioestimulação. Com eles,

o dentista é capaz de interferir no me- tabolismo celular por meio da excita- ção das moléculas, acelerando reações como cicatrização, analgesia e desinfla- mação", diz Bagnato. Trata-se de uma reação química muito bem delimitada e que não pode ser confundida com cromoterapia. "Quando se trabalha com luz, a fronteira entre o real e o esotérico pode se tornar muito estreita."

A sai

A s aplicações mais nobres do laser na odontologia, se- gundo o professor Bagna- to, são proporcionadas pelos lasers de alta po-

tência. Eles podem ser utilizados em tratamentos curativos ou estéticos, como remoção de cáries, troca de res- taurações e clareamento dentário. Foi com um desses equipamentos - do tipo EnYAG -, dentro do Cepof, que foi possível o desenvolvimento de uma nova técnica de remoção de restaura- ções antigas com a total preservação da parte sadia do dente. A pesquisa, inédi- ta, foi apresentada no ano passado em congressos internacionais e já foi aceita para publicação na norte-americana La- ser in Surgery and Medicine. "Até então, não existia nenhuma técnica que usasse laser para remoção de resinas velhas em dentes", explica Bagnato.

O laser também é um eficaz instru- mento para tratamentos de canal. "Já fi- zemos vários trabalhos clínicos e não clí- nicos usando, principalmente, o laser de Nd:YAG. Além de ter vaporizado o teci- do presente no canal, ele proporcionou um selamento dos chamados túbulos dentinários (minúsculas estruturas pre- sentes na dentina, camada abaixo do es- malte do dente), preservando a integri- dade da parte interna do dente tratado", afirma o pesquisador. Outra aplicação dessa nova tecnologia são os tratamen- tos periodônticos, em que se faz o contro- le de infeções que envolvem o dente e a gengiva. "Em um de nossos estudos, con- seguimos demonstrar a ação bacterici- da do laser de iodo por meio de um tra- tamento muito menos agressivo do que a tradicional curetagem ou raspagem." Lasers de baixa potência também são usados na pré-cirurgia como analgésico e no pós-operatório para regeneração de tecidos. Algumas pesquisas também apontam sua eficácia no controle da dor.

O potencial de uso do laser não pára por aí. "Ele também pode ser emprega- do para prevenção e diagnóstico, mos- trando onde existem cáries precoces", afirma Denise Zezell, coordenadora do Laboratório de Lasers em Ciência da Vida do Centro de Lasers e Aplicações (CLA), unidade do Ipen. Muitas vezes, a

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cárie está abaixo do esmalte do dente e não é flagrada pela radiografia. O laser detecta essas infiltrações incipientes com mais sensibilidade do que os equi- pamentos convencionais. A tecnologia também pode ajudar a fazer diagnósti- cos de vitalidade pulpar por técnicas de ultra-som, outra técnica desenvolvida no Ipen. "Nesse caso, o laser atinge os microvasos da polpa do dente e traz a informação da velocidade do desloca- mento do sangue, mostrando se a re- gião está ou não saudável", explica o fí- sico Nilson Dias Vieira Júnior, gestor do CLA. Esse diagnóstico, feito com la- ser de baixa potência, revela possíveis casos de necrose causada pela tração de aparelhos ortodônticos.

Outro campo de aplicação é o tratamento de herpes labial, doença viral cau- sadora de bolhas nos lá- bios. Dentro da boca, o

laser pode também eliminar as mucosi- tes, enfermidade comum em pacientes com Aids ou em tratamento de câncer. A apresentadora de televisão Ana Ma- ria Braga recorreu ao laser para tratar desse problema quando fez tratamento quimioterápico há cerca de um ano e meio. "Pesquisas feitas no Ipen e no Leio e com apoio do Hospital Sírio-Li-

banês, em São Paulo, e do Hospital do Câncer Alfredo Abraão, em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, mos- traram que o uso preventivo do laser de baixa potência reduz de forma signifi- cativa o aparecimento de mucosites", diz o pesquisador do Ipen.

História recente - Os primeiros estu- dos sobre o uso do laser na odontologia surgiram no final dos anos 1960 com o

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Laser na Odontologia

COORDENADORES VANDERLEI BAGNATO - Centro de Pesquisas em Óptica e Fotônica (Cepof) em São Carlos CARLOS DE PAULA EDUARDO - Laboratório Experimental de Laser na Odontologia (Leio) da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (Fousp) NILSON DIAS VIEIRA JúNIOR - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen)

INVESTIMENTO R$ 150 mil por ano (Cepof), R$ 1 milhão (construção do Leio), US$ 82.000,00 (Linha Regular de Auxílio da FAPESP para a Fousp) e R$ 300 mil por ano (Ipen)

físico inglês Theodor Maiman e poste- riormente na Rússia e na Hungria. Em 1990, a técnica começou a ser estudada no Brasil. O pioneirismo coube a um grupo de professores da Fousp que fo- ram enviados naquele ano para um programa de intercâmbio na Universi- dade Kyushu, em Fukuoka, no Japão, um dos principais centros de pesquisa nessa área. Dois anos depois, a USP fir- mou uma parceria com o Ipen, que já tinha boa experiência no desenvolvi- mento de lasers. O acordo visava o de- senvolvimento de novos protocolos de uso do laser nos tratamentos odontoló- gicos. Esses procedimentos envolvem, entre outras coisas, especificações téc- nicas como potência, tempo e expo- sição, tipo de equipamentos e regula- ção do feixe de laser.

Em 1995, foi criado o Leio na Fousp e, no final da década, surgiu o curso de mestrado profissionalizante de lasers em odontologia, realizado em parceria com o Ipen e a USP. Desde então, 80 profissionais já foram formados pelo curso, que está em sua quinta turma e é reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). Contribuiu para esse rápido sucesso acadêmico a compra, com recursos da FAPESP, de um la- ser de érbio, no valor de US$ 70 mil, e de um laser de argônio, que custou US$ 12 mil, aparelhos que estão insta- lados no Leio.

Apesar de todas as vantagens ofere- cidas pela nova tecnologia, ainda são poucos os profissionais que usam equi- pamentos de laser em seus consultó- rios. Estima-se que dos 170 mil dentis- tas do Brasil somente entre 100 e 200 usam lasers de alta potência. "Isso ocor- re pelo fato de o laser ser uma nova tec- nologia. E toda novidade encontra al- gum tipo de resistência", afirma Carlos de Paula Eduardo, do Leio. O pesquisa- dor, no entanto, faz questão de frisar a segurança dos procedimentos. "Desde que você conheça os parâmetros e do- mine corretamente as técnicas, o laser é muito seguro." Outro motivo para o uso limitado do laser é o alto custo do equipamento. Aparelhos de alta potên- cia custam em torno de US$ 60 mil. Com o tempo, no entanto, quando a técnica for mais disseminada, a tendên- cia é de que esse valor caia e o uso do laser na odontologia possa se espalhar por todo o país. •

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[TECNOLOGIA

riscos Rápido e não destrutivo, ultra-som verifica estruturas de oleodutos e paredes de usinas nucleares

Com a ajuda de um com- putador e um aparelho de ultra-som, mais simples do que aqueles usados pelos médicos para ver o bebê

na barriga das grávidas, pesquisadores do Instituto de Engenharia Nuclear (IEN), do Rio de Janeiro, trouxeram para o Brasil um método rápido, bara- to e não destrutivo para medir as ten- sões presentes em diferentes tipos de estruturas metálicas, como as paredes de uma usina nuclear ou as tubulações usadas em oleodutos ou gasodutos. De- nominada birrefringência acústica, a nova técnica implementada no Brasil, ainda experimental, mede e relaciona a velocidade de propagação das ondas ultra-sônicas em duas direções perpen- diculares do material em estudo. De posse desses dados, e fazendo uso de al- gumas equações, os engenheiros acre- ditam ter condições de avaliar o risco que essa estrutura corre de se romper e provocar um acidente.

"Em relação a outros procedimen- tos, uma das vantagens da birrefringên- cia acústica é não provocar nenhum dano na estrutura analisada", afirma o engenheiro Marcelo Bittencourt, do IEN, unidade de pesquisa ligada à Co- missão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). "Ela também não oferece ris- cos à saúde da pessoa que a utiliza. Es- ses dois pontos positivos não são meros

Gasodutos e oleodutos: análise das tensões estruturais sem danos ao aço

detalhes. Eles podem favorecer a disse- minação da nova técnica - implantada no Brasil com algumas novidades em relação à existente em outros países -, que está protegida por três patentes. Isso porque um dos métodos mais po- pulares para registrar a tensão em cons- truções e artefatos, a chamada técnica do furo, requer abrir um pequeno ori- fício em seu objeto de análise. Fazer isso nas paredes de uma usina nuclear é, obviamente, inviável. Já um outro método empregado para medir as ten- sões em metais que se utiliza da difra- ção de raios X expõe as pessoas que executam a análise a um tipo de radia-

ção que requer alguns cuidados. Não foi à toa, portanto, que a Agência Inter- nacional de Energia Atômica resolveu financiar os estudos sobre a nova técni- ca entre 1999 e 2002.

Tensão na câmara - Os primeiros en- saios com a birrefringência acústica tentaram medir as tensões próximas a juntas de solda presentes em uma câ- mara hiperbárica de 5 metros de com- primento e 90 toneladas de peso. Feita de aço de alta resistência, com espessu- ra que varia de 17 a 25 centímetros, a câmara hiperbárica, construída pela Nuclep, empresa que fabrica alguns componentes usados em usinas nuclea- res, é um equipamento que simula pressões de até 3 mil metros de coluna

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de água. Os bons resultados obtidos nos testes iniciais levaram os pesquisa- dores a cogitar o uso do método no monitoramento das tensões atuantes nas paredes de usinas atômicas, embora esse tipo de medição ainda não tenha sido feito numa central nuclear.

Antes mesmo de os experimentos com a nova técnica avançarem na área nuclear, a Transpetro, subsidiária da Petrobras, interessou-se pelo assunto e procurou os engenheiros do IEN. A ini- ciativa da empresa, que cuida da rede de oleodutos e gasodutos da estatal brasileira, resultou numa parceria fir- mada no segundo semestre do ano passado. Ao longo de dois anos, a Transpetro, por meio do Programa de Tecnologia de Dutos, vai investir R$ 1

milhão para que os pesquisadores tes- tem o método ultra-sônico em amos- tras de sete diferentes famílias de tubos de aço usados nos oleodutos da com- panhia petrolífera. "Cada família tem características um pouco diferente das

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Avaliação por Ultra-som de Tensões em Dutos e em Usinas Nucleares

COORDENADOR MARCELO BITTENCOURT - IEN

INVESTIMENTO US$200.000 (Agência Internacional de Energia Atômica) e R$ 1 milhão (Petrobras)

outras", explica Bittencourt. Alguns ti- pos de tubo apresentam costura inter- na. Outros, não. Isso sem falar nas dife- renças de diâmetro e espessura dos aços empregados na confecção dos oleodu- tos.Também serão analisados tubos com distintos tempos de uso.

Na terra e no mar - No momento, a pri- meira tarefa dos pesquisadores do IEN é criar um banco de dados com infor- mações necessárias desses materiais pa- ra possibilitar a medida das tensões em campo. Esses parâmetros são importan- tes para se saber quanto de pressão ex- terna e interna um tubo, que muitas ve- zes se encontra debaixo da terra ou no fundo do mar, pode agüentar sem se romper ou apresentar fissuras. •

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HUMANIDADES

ITERATURA

Velho ..íostra Machado de Assis,

romancista ou funcionário público, como crítico da truculência brasileira

primeira vista, nada menos propício aos vôos literários do que o ambiente pachorrento de uma repartição pública. Curiosamente, todo aquele tédio fez milagres com alguns de nossos escritores, entre eles Drummond, Graciliano,

. Guimarães Rosa e, descobrimos agora, o bruxo do Cos- me Velho, tema do recém-lançado Machado de Assis historiador (Com- panhia das Letras, 345 págs., R$ 41,00), de Sidney Chalhoub, que con- tou com o apoio da FAPESP em seu pós-doutorado na Universidade de Michigan, EUA, onde concluiu a pesquisa sobre como os anos como chefe da modorrenta segunda seção da Diretoria da Agricultu- ra, do Ministério da Agricultura (entre 1870 e 1880), contribuíram para a feitura de obras-primas como Memórias póstumas de Brás Cubas. "O Machado romancista e o Machado funcionário público compartilha- vam a mesma ideologia: ambos aprenderam a não esperar nada de bom da classe senhorial escravista brasileira do século 19", diz Chalhoub.

O período em que esteve à frente do depar- tamento coincide com todo o debate social e político feito pelos políticos do Império que aca- \ \ baram culminando na lei de 28 de setembro í_ \ de 1871, depois chamada de Lei do ^-~ . '~ —- Ventre Livre. Ambos os "Machados" -"" £_ foram envolvidos pela polêmica. "O romancista esmerou-se em mostrar em seus escritos que a polidez e a aparente civilidade de senhores e pro- pnetános assentavam-se na violência e no arbítrio, ainda que sugerisse tam- bém a capacidade dos dependentes em penetrar tal ideologia e torcê-la na busca \ * de objetivos próprios", explica. "O fun- cionário trabalhava para submeter o po- ; der privado dos senhores ao domínio da ■• lei. Acreditava na importância do poder público para disciplinar a barbárie senho- rial." Afinal, a política dessa elite assenta- va-se justamente sobre a inviolabilidade da vontade dos senhores que, ao lado da ideo-

A escrivninha do romancista: capaz de denunciar a crise escravista

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logia dos dependentes (para os quais era melhor concordar e lutar na surdi- na do que enfrentar a ira dos mestres), deu às inusitadas relações sociais brasi- leiras um sentido natural e perene.

**nr\ ento mostrar no livro que um dos objetivos de Ma- chado é analisar os modos de atuação política coti- diana dos dependentes,

homens e mulheres, livres ou escravos", fala o pesquisador. Nesse contexto, ob- serva Chalhoub, "Machado foi capaz de 'traduzir' a complexidade de seu tempo histórico, de interpretar o nexo entre as coisas e de mostrar a indeterminação inerente à experiência histórica". Eis que a literatura consegue fazer história, em especial por meio dos afamados "diálo- gos machadianos". "Os diálogos são par- te importante desse exercício analítico, pois mostram dependentes buscando atingir objetivos próprios por dentro da ideologia senhorial, de modo a não se ex- por à retaliação, caracteristicamente in- civilizada, de que eram capazes proprie- tários e senhores de escravos."

Para tanto, não é preciso nem se- quer esperar as grandes obras da matu- ridade. "Um romance como Helena é muito mais complexo do que se pode suspeitar à primeira vista. Ela, por exem- plo, quando quer conseguir algo de Es- tado, trabalha a situação de maneira a tornar desejo dele, Estácio, fazer preci- samente aquilo que ela, Helena, espera que seja feito. Enfim, tudo muito sutil, indireto, dissimulado, como a própria literatura machadiana", nota o pesqui- sador. Uma literatura para olhos aten- tos, pois, diz Chalhoub, "sua percepção exige do leitor que decodifique por si mesmo a maior parte dos trejeitos e gra- cejos que constituem a arte da resistên- cia na rapariga e qualquer leitor do sé- culo 19 saberia observar essa aparência a contrapelo, e o bruxo certamente con- tava com esse olhar."

De certa forma, o historiador era o pai do romancista. "A história de Es- tácio e de Helena, antes que o drama choroso de um amor impossível, é a descrição do período de hegemonia in- conteste da classe senhorial-escravista, cuja crise profunda o romancista vi- venciara entre 1866 e 1871, e cujo des- manchar ele assistia com olhar investi- gativo na década de 1870", diz o autor, para quem, Machado de Assis, ao es-

crever Helena, não tinha mais ilusões sobre a continuidade do status quo do poder. Para Chalhoub, o escritor deixa então a mocinha falar por ele. Mas os tempos ainda não davam uma luz ao fim do túnel. "Se não tem mais ilusões, Machado sofre com o impasse e não vê alternativa e, assim, a ambigüidade da protagonista traduzia a experiência his- tórica de um sem-número de depen- dentes desse tempo: seduzidos pela ideologia senhorial, Helena e seus se- melhantes podiam mostrar-se gratos

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Machado de Assis e a Emancipação dos Escravos

MODALIDADE Bolsa de Pós-doutorado

BOLSISTA SIDNEY CHALHOUB - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas/ Unicamp

aos senhores e relutar em sacudir as es- truturas tradicionais."

Teatro perigoso - Nada mais natural: como lutar contra séculos de domina- ção e contra uma classe cujo paternalis- mo se configurava num mundo ideali- zado pelos senhores, uma "sociedade imaginária que eles sonhavam realizar no cotidiano", em que tudo acontecia era função do seu desejo. Contra isso, apenas era possível a "esperteza" dos dependentes em torcer a vontade se- nhorial em prol da sua própria sobrevi- vência. Daí, nas palavras do pesquisa- dor, "o desafio de Helena, Luís Garcia, Capitu, José Dias e tantos outros de afir- mar a diferença no centro mesmo dos rituais da dominação senhorial". Um teatro perigoso em que se devia saber o limite de viver em meio à violência ape- nas pelo poder das palavras.

Assim, o Brasil machadiano era bem mais do que apenas a dicotomia casa grande-senzala. "Havia condições in- termediárias entre a escravidão e a li-

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Machado e o Rio de Janeiro estampados em nota: para obter o que desejavam, dependentes dissimulavam discurso

berdade que, ao mesmo tempo que matizam a visão tradicional de uma sociedade dividida entre senhores e es- cravos, sugerem o tanto de precarie- dade inerente à condição desses de- pendentes." A grande "sacada" do bruxo surgiu justamente no bojo das discus- sões que presenciava (e das quais parti- cipava) como funcionário público: "A crise da sociedade senhorial escravista originava-se basicamente no processo histórico de emancipação dos escravos". A mágica do bruxo foi justamente ir além da dicotomia e perceber os inters- tícios, usando esse conhecimento como matéria-prima de seus romances. Daí, os romances vão aos poucos mudando sutilmente de tom, cada um deles, diz Chalhoub, "com uma lógica social pró- pria, sendo importante ver o modo co- mo surgem na história de seu tempo e o modo como se insurgem contra ela, ten- tando entendê-la e transformá-la".

Dessa forma, após Helena, em laia Garcia, de 1878, a narrativa agora es- pelha a crise decisiva do paternalismo.

"A novidade é que os dependentes se confrontam com uma vontade senho- rial mais consciente de si, ciente da re- sistência a seus desígnios e decidida a fazer valer sua autoridade por meio da astúcia e mesmo da fraude, não hesi- tando em violentar os subordinados", nota o autor. Em Memórias póstumas de Brás Cubas tudo se consolida. "Há o solo comum da crítica ao mundo se- nhorial, agora de forma quase brutal, na exposição do arbítrio e da violência dos senhores, mas também na suges- tão de que havia situações em que os dependentes faziam gato-sapato do todo-poderoso Brás Cubas. Em Me- mórias, Machado reescreveu Helena e, se o menino é o pai do homem, Brás é filho de Estácio." Aos poucos, a luta para corroer a elite torna-se mais in- tensa, quase aberta e os podres pode- res mostram-se em sua inteireza. Brás decide o destino da borboleta negra como decide a vida de seus subalter- nos sociais e dona Plácida, a alcovitei- ra, só viera à existência porque foi ne-

cessidade dele que ela viesse. Abusan- do da liberdade da morte, Cubas é um senhor boquirroto, cujas confidencias de arrogância nos assombram pela sinceridade.

A pós a crueza de Memórias, i^L Machado faz a "crítica ce- L^^ rebral de Dom Casmurro,

È m romance tão sereno quan- ^Lm i^k^. to cirúrgico no relato dos horrores senhoriais. Talvez uma autópsia do mundo dos senhores de escravos, pois que esse se fora, em grande medida, no momento da escri- ta do livro", observa o pesquisador. O "xadrez político dos dependentes" agora incomoda os senhores, que vêem traição e dissimulação em todos os cantos e olhos. "Capitu conhecia a arte do diálogo político. Em Dom Casmur- ro, a menina é mãe da mulher. Sempre que sujeitos da história, os dependen- tes traem os senhores. Se é esta a única clave possível, podemos respirar alivia- dos: Capitu traiu Bentinho." •

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I HUMANIDADES

HISTORIA

Portinari retratou a chegada da família real

lusitana ao Rio, com dom João VI e Carlota

Joaquina ao centro: ela queria voltar à Europa

A mulher que amamos odiar

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Vítima de uma historiografia cheia de preconceitos, Carlota Joaquina ressurge em livro como uma política hábil

O conhecimento que boa parte de nós tem sobre Carlota Joaquina (1775- 1830) costuma ter den- sidade de um enredo

histórico de escola de samba: é aquela espanhola bigoduda que odiava o Bra- sil e chacoalhou os sapatos ao sair daqui, para não levar nenhum grão de poeira do país. O filme de Carla Camurati tam- pouco ajudou muito: se ajudou o renas- cimento do cinema nacional, enterrou de vez a personalidade da soberana. "O movimento liberal e as transformações sociais e políticas do século 19 exigiram reinvenções do passado como forma de legitimar um presente que se queria construir. Carlota Joaquina, rainha por- tuguesa que nunca perdeu sua identi- dade espanhola, foi contra a vinda da família real ao Brasil - e declarou seu regozijo com a volta à Portugal -, que defendeu o absolutismo e se recusou a assinar a Constituição Liberal portugue- sa, certamente não servia para subir ao pódio dos personagens dignos da me- mória nacional", explica a professora Francisca Nogueira de Azevedo, autora do recém-lançado Carlota Joaquina na Corte do Brasil (Civilização Brasileira, 397 paginas, R$ 40), um retrato sur- preendente da rainha, que surge como uma política hábil, capaz de ir muito além do papel subalterno a que a corte lusitana constrangia as mulheres.

Não foi a intenção da pesquisadora fazer a reabilitação de sua figura histó- rica. "Quis acompanhar a trajetória de vida de Carlota, preocupada com o universo feminino de seu tempo, com a produção historiográfica que deli- neou os estereótipos que marcam a sua memória e com sua atuação na esfera pública, onde, desde fins do século 18, ela assume um papel preponderante na política externa portuguesa", avalia a Francisca. Filha primogênita do rei Car- los IV, de Espanha, casou-se, com ape- nas 10 anos, com o futuro dom João VI. Embora um típico casamento diplomá- tico que visava ao pacto entre as duas coroas ibéricas, nas cartas referia-se ao marido como um homem bom e hones- to, culpando o grupo que os cercava pela desarmonia do casal, que, em 1806, chegou ao ápice com a chamada

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Conspiração do Alfeite. "Vários docu- mentos comprovam que dom João pas- sou por um longo período de depres- são, afastando-se completamente do poder. A corte portuguesa dividia-se, então, entre anglófilos e francófüos. O grupo de tendência francesa apoiou Carlota para que ela assumisse o poder, como regente no lugar do marido."

A "traição" teve um preço alto: "Car- lota foi colocada incomunicável, con- finada no palácio como prisioneira, afastada dos amigos e dos pais e sua correspondência passou a ser contro- lada pelo grupo político de dom João". É nesse espírito que se vê a bordo de um navio com destino à Colônia, onde, mal chegando, descobriu que os pais, mo- narcas da Espanha, estavam prisionei- ros de Napoleão, com quem haviam estabelecido pouco antes uma aliança (condenada por Carlota com notável antecipação) que permitira a Bonapar- te cruzar o território espanhol para in- vadir Portugal. O irmão de Carlota, Fernando VII, liderou um motim contra o pai e deu a Napoleão a chance de ar- rancar o trono dos espanhóis para co- locar em seu lugar o irmão José Bona- parte. "Assim, o problema maior de Carlota não era a Colônia, mas as con- dições em que veio para o Brasil, pra- ticamente um exílio. Suas cartas reve- lam sua luta para, de início, não partir de Portugal e, depois, seu desejo de vol- tar à Europa. Não encontrei nenhuma referência a um desprezo pelo Brasil, mas várias tentativas de sair da Colô- nia", diz Francisca.

Sem rei, os "criollos" dos vice- reinados espanhóis na Améri- ca viram a chance de pôr fim à opressão dos Bourbon, mo- vimento logo percebido por

Carlota. No exílio colonial, ela decidiu lutar pela preservação do império de seu pai nos trópicos. "Carlota queria a re- gência da Espanha e, a partir da sede da monarquia, em Buenos Aires, coorde- nar a resistência à invasão napoleônica e garantir para a dinastia dos Bourbon a coroa espanhola, ou seja, fazer o mes- mo que dom João fez", diz a pesqui- sadora. Para tanto, reuniu o apoio de parte da nobreza espanhola e da por- tuguesa, descontente com a vinda da Corte ao Brasil, à ajuda intelectual do almirante-de-esquadra britânico no Rio, Sidney Smith, e enviou, em 1808,

m

Carlota Joaquina enfim retorna a Portugal {quadro de Debret): rainha não odiava o Brasil, mas viveu aqui como exilada

um manifesto à Espanha, no qual se coloca como a defensora dos direitos de sua família. Ganhou, com isso, na Colônia, pesados inimigos para seus planos de se tornar a regente exilada de Espanha. Entre eles, o chefe do gabinete de dom João, o conde de Linhares, que logo percebeu o perigo dessa ação para seus planos de estender o império por- tuguês para as áreas ocupadas pela co- roa espanhola. O conde tinha um aliado forte: Lord Strangford, o embaixador inglês em Lisboa e desafeto de Smith. Strangford achava que o Brasil deveria ser "um empório para as mercadorias

inglesas, destinadas ao consumo de to- da a América do Sul".

O embaixador espanhol no Rio tam- bém se irou com Carlota, pois tinha or- dens expressas da junta que governava a Espanha de mantê-la longe das colô- nias do Prata. Afinal, as lembranças desagradáveis da última união entre as coroas ibéricas levava a considerar os infortúnios que viriam de uma nova soberania portuguesa sobre os hispâ- nicos. Como se não bastasse, Carlota, apesar do que diziam seus desafetos, não era um homem... O sistema que orde- nava a sociedade lusitana entre os séculos

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18 e 19 privava a mulher do convívio social, mantendo-a presa ao cotidiano doméstico. "A atuação de Carlota na es- fera pública, negociando acordos diplo- máticos, articulando com parte da no- breza portuguesa para ascender ao poder a pleiteando a regência da Espa- nha, certamente transgredia o espaço de- terminado para as princesas consortes na corte bragantina", observa Francisca.

"Aliás, ao não se enquadrar nesses padrões, atribuiu-se a ela qualidades ge- ralmente representativas do sexo mascu- lino: violência, autoritarismo, ambição etc. Muitos artistas fiéis a esses estereó-

tipos a retratam com feições marcada- mente masculinas." Postura comprada pela posteridade em detrimento de sua atuação política, notável. "Em 1812, mais da metade dos deputados da cor- te espanhola era favorável a que ela ti- vesse a regência da Espanha. Carlota conseguiu vencer, ainda, dois grandes obstáculos que impediam sua chegada ao trono: a revogação da Lei Sálica, que vigorava na Espanha, que proibia a as- censão das mulheres ao poder, e o reco- nhecimento de seu direito à sucessão da monarquia", conta. Os principais inte- lectuais e líderes políticos da província

do Prata viram no "carlotismo" o cami- nho mais fácil para conseguir o livre comércio.

"Criollos" - Mesmo os que não confia- vam em Carlota viam em suas preten- sões ao controle da Espanha por meio dos vice-reinados uma forma de impe- dir a explosão definitiva dos movimen- tos liberais "criollos", que se aproveitaram do novo equilíbrio de forças na região, originado na ocupação da Península Ibérica por Bonaparte que, ao retirar de cena o monarca, mostrou a fragilidade do sentido nacional hispânico. "Prati- camente todo o império espanhol se vol- tou para o desenrolar dos aconteci- mentos no rio da Prata, pois os fatos que ali ocorriam certamente iriam afetar o resto dos domínios dos Bourbon na América." Os ingleses agiram mais rá- pido: "A Corte do Rio de Janeiro tomou consciência de que a Inglaterra já não fazia mais questão da parceria lusa em seus projetos no Prata. A opção pela in- dependência das províncias sob in- fluência britânica era a melhor solução para a Grã-Bretanha na opinião de Strangford", nota Francisca. A América espanhola rendeu-se ao movimento de independência e o cerco a Carlota se fechou ainda mais: "Ela foi mantida praticamente incomunicável, afastada de qualquer decisão sobre os domínios espanhóis". Em 1814, a Espanha perdeu em definitivo suas colônias do rio da Prata e Carlota Joaquina saiu derrotada da mais importante investida política de sua vida.

No Brasil, sofria com o calor e for- tes dores no peito, voltando à Europa em 1820, por causa da Revolução do Porto. Não se aquietou. Na chamada Conspiração da Rua Formosa, tentou, em conluio com nobres e frades, fazer o rei abdicar e rasgar a Constituição, ins- trumento liberal que odiou até o fim de seus dias e tentou derrubar em golpes sucessivos que a levaram ao exílio e mes- mo a usar o filho, o infante dom Miguel, para tentar restabelecer o absolutismo que, acreditava, era a ordem natural das coisas. "Carlota Joaquina não é mulher fácil de se entender. Compreendê-la, de- cifrar o enigma de sua personalidade, é algo impossível para seus contemporâ- neos, daí o repúdio natural que recebe dos membros da sociedade que despre- zam a inquietude e a curiosidade das mu- lheres", nota Francisca. (C. HAAG) •

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■ HUMANIDADES

DIREITO

Justiça seja feita Estudo aponta problemas dos Juizados Especiais do Estado de São Paulo e possíveis soluções

RENATA SARAIVA

Uma pesquisa realizada pelo Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais (Cebepej), com participação de alunos e

professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), pre- tende jogar uma luz sobre a questão da democratização da Justiça, item impor- tante para os que deverão se encarregar da Reforma do Judiciário.

Já nas mãos de algumas pessoas- chave para essa reforma em Brasília, a pesquisa, intitulada Juizados Especiais e acesso à Justiça, foi concluída em julho de 2003 e consistiu em um exaustivo trabalho de campo para verificação da efetividade dos Juizados Especiais do Estado de São Paulo, região que con- centra 50% do serviço judiciário do país, considerando-se não apenas os Espe- ciais, mas também os Juízos Comuns.

Durante um ano e meio, 15 pesqui- sadores saíram a campo para avaliar as- pectos materiais e funcionais dos Jui- zados Especiais, Juizados Informais de Conciliação e Juizados Itinerantes loca- lizados na capital e no interior de São Paulo. Por meio de questionários, ob- servações qualitativas e posteriores aná- lises estatísticas dos questionários, foram avaliados itens como: o perfil do recla- mante; a natureza da lide; o percentual de acordos; as principais dificuldades

de acesso aos juizados; o índice de sa- tisfação e insatisfação dos usuários; o percentual de recursos; a qualidade de trabalho dos agentes do Direito (magis- trados, procuradores, conciliadores, ad- vogados e funcionários) e as condições materiais dos juizados.

Considerados a primeira grande ini- ciativa a favor do fácil acesso à Justiça por parte das camadas populacionais menos privilegiadas, os Juizados Espe- ciais, anteriormente chamados Juizados de Pequenas Causas, foram motivo de diversas controvérsias desde sua origem.

Os Juizados de Pequenas Causas foram criados em 1984, pela Lei n° 7.244/84, e deveriam ter seu trabalho baseado na oralidade, simplicidade, in- formalidade, celeridade e busca persis- tente de uma solução amigável das cau- sas. A competência daqueles juizados limitava-se a causas de até 20 salários mínimos e não contemplava a execu- ção de seus julgados, que deveria ocor- rer nos Juízos Comuns.

"Os Juizados de Pequenas Causas fo- ram muito criticados por profissionais que alegavam se tratar de um sistema elitista, pois se estaria oferecendo uma Justiça de segunda categoria à popula- ção mais humilde", relembra o profes- sor e coordenador da pesquisa Kazuo Watanabe, que participou da elabora- ção daquela lei. "Mas o fato é que, na

época da criação daqueles juizados, o preço e a demora da Justiça inibiam o seu uso, o que, sabemos, cria uma pa- nela de pressão social. Nós queríamos facilitar o acesso à Justiça ao cidadão comum, de maneira a inibir as peque- nas contravenções, algo semelhante ao que ocorre nos Estados Unidos", desta- ca o professor.

Os Juizados de Pequenas Causas fo- ram revistos pela Lei n° 9.099, de 1995, que os transformou em Juizados Espe- ciais, obrigando a implantação destes em todo o território nacional. A com- petência dos Juizados Especiais foi mudada, ampliando o limite de causas cíveis (excluídas as causas familiares e de ações contra o Estado) de 20 para até 40 salários mínimos e incluindo a execução de seus julgados e também de títulos executivos extrajudiciais no pró- prio trabalho do Juizado Especial.

"Decidimos realizar essa pesquisa para verificar a efetividade desses juiza- dos e se eles teriam condições de aten- der a todas as causas de até 40 salários mínimos, caso isso se tornasse obriga- tório - atualmente, pequenas causas também podem ser tratadas pela Justi- ça Comum", explica Watanabe.

A conclusão geral da equipe coorde- nada pelo professor é de que os Juizados Especiais têm um desempenho razoá- vel - apesar das inúmeras dificuldades

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materiais e financeiras -, mas é preciso parar de ampliar suas competências, caso contrário eles entrarão em colap- so. "Antes mesmo de ir a campo já tí- nhamos a opinião de que a lei de 1995 ampliara demais as competências dos Juizados Especiais e isso talvez com- prometesse a celeridade e a simplicida- de que esses juizados deveriam ter, de acordo com sua concepção original."

Na opinião do professor, alguns legisladores per- deram a noção de que os Juizados Especiais deve- riam servir a uma idéia

maior, a da democratização do acesso à Justiça. E passaram a transformá-lo em um espaço de busca de soluções para os problemas da Justiça Comum.

"Por exemplo, a lei determinava que apenas pessoas físicas teriam acesso aos Juizados Especiais. Mas, com o tempo, determinou-se que as microempresas também poderiam recorrer a eles. Além disso, quando se ampliou a competência para causas de até 40 salários mínimos, passou-se a exigir a presença de um ad- vogado para entrar com processos entre 20 e 40 salários mínimos - o que não é necessário para as causas menores de 20 salários", explica o pesquisador.

Também a preferência pelos acor- dos conciliatórios, um dos aspectos mais

importantes dos Juizados Especiais, fi- cou comprometida nos últimos anos, segundo Watanabe. "No início, os agen- tes conciliatórios eram recrutados entre advogados, que trabalhavam volunta- riamente", conta. Com o tempo, o vo- luntariado diminuiu e as conciliações passaram a ser feitas também por estu- dantes de Direito, já que em várias re- giões do estado os Juizados Especiais têm convênio com universidades. "Isso comprometeu a qualidade do atendi- mento, fazendo com que a média anual de 90% de soluções conciliatórias di- minuísse para 25%, embora saibamos que esses convênios são extremamente importantes para a formação dos alu- nos e para os juizados. O que falta é um melhor treinamento e monitoramento", explica. As soluções conciliatórias tam-

0 PROJETO

Juizados Especiais e Acesso à Justiça

MODALIDADE Linha Regular de Auxílio a Pesquisa

COORDENADOR KAZUO WATANABE - Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais

INVESTIMENTO R$ 62.421,25

bém se tornaram mais difíceis com a ampliação do atendimento para causas mais caras (de até 40 salários mínimos).

Os dados da pesquisa Juizados Espe- ciais e acesso à Justiça mostram uma grande dificuldade de infra-estrutura desses juizados, com problemas desde espaço físico até falta de computadores. A escassez de verbas faz com que, em inúmeros casos, os próprios funcioná- rios se responsabilizem pela compra de equipamentos. Além disso, apenas os juizados da comarca da capital têm jui- zes trabalhando em regime de exclusi- vidade. Fora da capital, os juizes têm de se dedicar aos Juizados Especiais em carga horária extra, sem o acréscimo equivalente de remuneração.

"Diante de dados como esses, suge- rimos que parem de ampliar as compe- tências dos Juizados Especiais e invis- tam neles, assim como se verifica a necessidade de investimento na Justiça como um todo. Além disso, achamos importante uma mudança de mentali- dade, de forma a interromper o pro- cesso de atribuição de soluções que deveriam ser buscadas na Justiça Co- mum aos Juizados Especiais. É preciso lembrar que eles têm uma finalidade maior: garantir o acesso à Justiça aos ci- dadãos mais pobres." Kazuo Watanabe pretende estender a pesquisa para ou- tros estados. •

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I HUMANIDADES

DIÁRIO

A relatividade tropical

Saem em livro as anotações inéditas escritas por Albert Einstein em sua visita à América do Sul (incluindo-se o Brasil) em 1925

Bem, tudo é relativo. "Ele é um desses super-homens que para nós, selvagens e analfabetos habitantes destes Brasis, só exis- tem nas monografias e nos dicionários, um desses predes- tinados que não se encontram na fauna indígena e de cuja existência chegamos a duvidar. Eu queria um sábio à antiga,

um sabichão em carne e osso em cujo abdome eu pudesse dar piparo- tes íntimos que me deixassem a certeza da sua erudita realidade", escre- veu, em 1925, o jornalista Jorge Santos, descrevendo o efeito da entre- vista que fizera com Albert Einstein, então em visita ao Brasil. "Pouco entendimento de ciência. Sou uma espécie de elefante branco e, para mim, eles são uns tolos", anotou o cientista no diário dessa sua viagem à América do Sul (além do Brasil, visitou a Argentina e o Uruguai), composto de comentários sucintos como esses, mas muito saborosos pela acidez.

Como se pode verificar em Einstein, o viajante da relatividade na América do Sul, de Alfredo Tiomno Tolmasquim (lançamento da Viei- ra&Lent), que traz toda a história do périplo tropical do físico e o seu diário, até então, inédito, cujos manuscritos estão guardados na Univer- sidade Hebraica de Jerusalém. O autor é professor do Museu de Astro- nomia e Ciências Afins, do Rio de Janeiro, e pesquisador-visitante do Max Planck Institute for the History of Science, em Berlim. "Essas ano- tações constituem uma íntima expressão de seus pensamentos e senti- mentos, retratando seu estado de espírito em cada momento. Elas nos ajudam a conhecer um pouco mais o lado humano daquele que muitos achavam que tinha uma parcela de divindade", explica Tolmasquim.

O convite a Einstein, já uma celebridade internacional pela sua Teoria da Relatividade, para visitar a América do Sul foi feito, de início, pela Universidade de Buenos Aires, em 1923, mas apenas cumprido dois anos mais tarde. Ao saber por jornais portenhos da vinda do físico, o rabino Raffalovich, líder da comunidade judaica do Rio de Janeiro, logo entendeu que a possibilidade da extensão da visita ao Brasil seria uma chance de ouro para melhorar a imagem dos judeus entre os brasileiros. Com o auxílio de acadêmicos cariocas, conseguiu que Einstein aceitas- se passar pelo país. Para o cientista, a oportunidade era valiosa: um ad- mirador de culturas exóticas, Einstein também era um defensor ferre-

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Einstein visita Manguinhos: gênio horrorizado com o estado da ciência no Brasil

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nho da criação de uma Universidade Hebraica e do sionismo. A chance de aju- dar a colônia local pareceu ideal a ele e em 21 de março de 1925 aportou no Rio a bordo do Cap. Polônio. Numa breve entrevista, avisou aos mais afoitos que a relatividade não alargara os horizontes da ciência, mas, ao contrário, os havia restringido, esclarecendo que a idéia er- rônea de infinito fora substituída pela de um universo limitado.

O Brasil também se revestia para ele de um outro charme: afinal, fora a ob- servação de um eclipse solar em Sobral (além da Ilha do Príncipe, no Golfo da Guiné), Ceará, feita em 1919 por uma expedição da Royal Astronomical So- ciety, que ajudou a comprovar a sua nova e polêmica teoria. Em verdade, o físico não se entusiasmara tanto assim com a observação feita no Brasil, pois fora feita de maneira ineficiente, mas, ainda assim, elegante, escreveu, a pedi- do de Assis Chateaubriand, uma nota: "A pergunta que minha mente formulou

foi respondida pelo ensolarado céu do Brasil". Pelo firmamento pode ser, pois o estado das ciências no país, à época, deixava muito a desejar. Havia apenas uma incipiente universidade no Brasil, a do Rio de Janeiro, de 1920, e as poucas pesquisas feitas por aqui tinham fins ab- solutamente práticos. O que só aumen- ta o mérito de homens como Amoroso Costa, capaz de, seis dias após o anún- cio da teoria em Londres, escrever um artigo sobre ela em O Jornal, explican- do a descoberta de Einstein.

No geral, porém, o que impressionou o cientis- ta foi mesmo a natureza local. "Deliciosa mistura étnica nas ruas. Portu-

guês-índio-negro em todos os cruza- mentos. Espontâneos como plantas, sub- jugados pelo calor." "A visita ao Jardim Botânico foi para mim um dos maiores acontecimentos que tive mediante im- pressões visuais." Nem tudo eram flo-

res: "O europeu necessita maior estí- mulo metabólico do que esta eterna atmosfera quente-úmida oferece. Do que vale beleza natural e riqueza? Eu penso que a vida de um escravo-do-trabalho europeu ainda seja mais rica, sobretudo menos utópica e nebulosa. Adaptação provavelmente só possível com renúncia da agilidade", escreve no diário.

No meio tempo, vai para a Argentina e o Uruguai, mas volta ao Brasil em maio para ficar uma semana. Dá conferências (em geral, apinhadas de muitos curio- sos e poucos sábios) e visita, como bom turista, Copacabana e o Pão de Açúcar ("viagem vertiginosa sobre floresta sel- vagem em cabo de aço e, acima, magní- fico jogo e alternância de neblina e sol"). Na imprensa, o jargão "tudo é relativo" passa a explicar do custo de vida ao fu- tebol, passando por uma propaganda de casa lotérica. No fim da viagem, o desa- bafo do gênio: "Finalmente livre, porém mais morto do que vivo". Não é preciso ser sábio para entender. (C. HAAG) •

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RESENHA

O pretérito do futuro Livro recupera pioneirismo da Geração Arquitetura Nova

FERNANDA FERNANDES

Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro,

arquitetos marcantes na década de 1960 por seus pensamentos e práticas, são apresen- tados em livro que re- flete sobre sua produ- ção. A arquiteta Ana Paula Koury, autora do livro, apresenta um trabalho criterioso e equi- librado na aproximação com a polêmica obra do trio, por ela nomeada de Arquitetura Nova.

Paula Koury faz parte de uma geração de estu- diosos da arquitetura que não conviveu, no calor da hora, com os debates travados por Ferro, Lefè- vre e Império. Essa posição permite um olhar des- pojado e aberto a novas descobertas, oferecendo uma leitura cuidadosa do percurso profissional desses arquitetos. Destaca o que neles se apresenta como contribuição coletiva, configurando assim uma postura de grupo e também assinala o que, em cada um deles, é peculiar ou próprio. Assim, evita que se perca na busca de unidade o detalhe e riqueza do específico e contempla a incursão dos arquitetos e também artistas em outras áreas, como a pintura e a cenografia, além de destacar sua atua- ção no ensino de arquitetura.

As quatro décadas que separam o trabalho desses arquitetos da apresentação de sua obra em livro assistiram a várias transformações e viram mudar a própria concepção de arquitetura e sua inserção na sociedade como mobilizadora de cul- tura e política. A leitura hoje realizada recupera um momento importante de nossa história arqui- tetônica e o atualiza esclarecendo o presente e suas indagações.

No livro, a polêmica de Ferro, Lefèvre e Impé- rio com o mestre Artigas é revista a partir de diver- sos textos de onde emergem as dúvidas e vicissitu- des de um período que ousou refletir sobre suas contradições. Indústria e manufatura, riqueza e carência alimentam uma arquitetura de forte com- promisso social, que se distancia das questões pu- ramente arquitetônicas, colocando-se como ele- mento diferencial na construção do país.

Grupo Arquitetura Nova Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro

Ana Paula Koury

Romano Guerra Editora / Edusp / FAPESP

136 páginas / R$ 39,00

Nos textos de Ferro e Lefèvre delineia-se a propos- ta da "poética da economia", que, interligada à reflexão sobre as condições do can- teiro de obras, propõe uma alternativa de desenvolvi- mento das técnicas de pro- dução arquitetônica. Basea- da na economia de meios, essa poética considera as ca- rências do país e a partir daí propõe uma nova linguagem

que indica outros caminhos de atuação. Capítulo particularmente denso é dedicado à

análise dos projetos arquitetônicos realizados pe- los três arquitetos, às vezes em duplas, outras com outros parceiros, mas que mantém a unidade de princípios presente nas arquiteturas que visam com clareza uma meta e que traçam com precisão um percurso. Arquitetura que fez da simplicidade sua diretriz, acreditando em soluções transforma- doras das condições da habitação social e do traba- lho no canteiro e apostando na constituição de no- vos valores na esfera social e política.

O estudo detalhado das edificações recupera o caráter de experimentação proposto pelos arquite- tos. As variações sobre o tema da abóbada, como forma econômica e suficiente para abrigar os espa- ços da habitação, são exploradas nos seus aspectos construtivos e espaciais. A autora particulariza cada uma das soluções e torna legível o processo de in- vestigação e o aprimoramento da proposta arqui- tetônica formulada por Ferro, Lefèvre e Império.

As reflexões e os questionamentos colocados pelos três arquitetos, e principalmente por Sérgio Ferro, foram duradouros e repercutiram na for- mação das gerações seguintes. Com este estudo Paula Koury coloca, lado a lado, reflexão política e ação profissional, permitindo um novo olhar sobre a atuação do grupo e sua contribuição para uma arquitetura estreitamente vinculada a uma visão de mundo.

FERNANDA FERNANDES é arquiteta, doutora em His- tória pela FFLCH/USP e professora do Departa- mento de História da Arquitetura e Estética do pro- jeto da FAU-USP.

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A eleição de Israel: Um estudo histórico - comparativo sobre a doutrina do "povo eleito" Ariel Finguerman Humanitas/FAPESP 173 páginas / R$ 20,00

Em meio à eterna crise no Oriente Médio, esse estudo de Ariel

Finguerman se reveste de um significado especial, na medida em que boa parte do conflito moderno se reveste de dilemas passados. Aqui, o pesquisador analisa a célebre condição de povo eleito, clamada por Israel, em seu sentido bíblico e na sua relação com outras religiões.

Humanitas FFLCH/USP: (11) 3091-2920; fax (11) 3091-4593 www.fflch.usp.br ou [email protected]

Educação para a morte: Temas e reflexões Maria Julia Kovács Casado Psicólogo/FAPESP 2 volumes / R$ 27,00

Dois livros que tratam da morte em seu aspecto interior e que propugna a discussão do tema em sua forma de individuação

(o outro volume é Educação para a morte: Desafio na formação de profissionais de saúde e educação). Ou seja, em vez de pensar como algo muito distante e que deva ser analisado isoladamente, a autora propõe que se fale da morte no seio da sociedade da qual somos membros integrantes.

Casa do Psicólogo Livraria e Editora: (11) 3034-3600 www.casadopsicologo.com.br

A construção do suspense: A música de Bernard Herrmann em filmes de Alfred Hitchcock Rosinha Spiewak Brener iEditora/FAPESP 158 páginas / R$ 26,00

Um estudo para se ler com o DVD ligado e com uma pilha de filmes

de Hitchcock ao lado. A pesquisadora analisa em todos os aspectos musicais e dramáticos a mágica conseguida por Bernard Herrmann ao compor as eletrizantes trilhas sonoras dos filmes do mestre do suspense. Pegando cena por cena e dissecando a música, conseguimos um belo retrato de como Herrmann era, o parceiro ideal.

Editco Comercial: (11) 3179-0082; fax (11) 287-8083 www.ieditora.com.br ou [email protected]

i ESCOLA *; - ^ DOi ANAIS .

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A síntese histórica e a escola dos anais Aaron Guriêvitch Editora Perspectiva 295 páginas / R$ 42,00

Um autor que veio do frio, Aaron Guriêvitch é um historiador russo que traz uma valiosa contribuição para que se possa ter uma

visão algo mais crítica sobre a chamada Escola dos Anais francesa, baseada na obra e no pensamento do historiador Marc Bloch. Entre as muitas ressalvas que faz à adoração exagerada pela Escola, está o fato de que ela se restringiu à Europa Ocidental e não levou outras sociedades como fonte.

Editora Perspectiva: (11) 3885-8388 www.editoraperspectiva.com.br

Florbela Espanca: Uma estética da teatralidade Renata Soares Junqueira Editora Unesp 153 páginas / R$ 20,00

Um estudo feito com carinho extremado por uma estudiosa da poesia de Florbela Espanca. Nesse livro, a pesquisadora faz justiça aos

escritos da portuguesa, mostrando que, ao contrário da pecha de anacrônica, em geral atribuída a sua obra, ela pode ser colocada em condições de igualdade a seus pares masculinos, como Fernando Pessoa, Sá-Carneiro, e Almada Negreiros. Uma boa análise.

Editora Unesp: (11) 3242-7171; fax (11) 3242-7172 www.editoraunesp.br ou [email protected]

A roda, a engrenagem e a moeda: Vanguarda e espaço cênico no teatro de Victor Garcia no Brasil Newton de Souza Editora UNESP 173 páginas / R$ 22,00

O pesquisador Newton de Souza acertou em cheio ao escolher a obra de Victor Garcia, o encenador argentino responsável por montagens as mais revolucionárias de O balcão e Cemitério de automóveis. Ele serve à perfeição para discutir o polêmico conceito de vanguarda como alternativa aos modelos capitalistas de produção.

Editora Unesp: (11) 3242-7171; fax (11) 3242-7172 www.editoraunesp.com.br ou [email protected]

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