14
1 DIREITO CIVIL - Obrigações PROF. FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES CONCEITO E ESPÉCIES Inadimplemento é descumprimento da obrigação. Pode ser culposo ou fortuito. O inadimplemento culposo ou inexecução voluntária decorre de um fato imputável ao devedor a título de dolo ou culpa. Nesse caso, o devedor é responsável por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado (art. 389). Para Orlando Gomes somente a inexecução dolosa, poderia ser qualificada como voluntária, mas a inexecução culposa também é classificada pela doutrina como sendo voluntária. Referentemente aos honorários advocatícios só tem cabimento quando ocorrer a efetivação da atuação profissional do advogado (Enunciado 161 do CJF). Trata-se, conforme entendimento majoritário, dos honorários de sucumbência. Quanto aos honorários contratuais, que o advogado cobra do cliente, este não pode, na ação de indenização, obter o ressarcimento dessa verba, por falta de previsão legal expressa, malgrado a opinião minoritária que ao interpretar o art.389 do CC abrange no valor da indenização os honorários contratuais, o que, a meu ver, é bis in idem, porquanto o sucumbente já terá que pagar os honorários advocatícios. O inadimplemento fortuito, por sua vez, é o que decorre de caso fortuito ou força maior, isto é, de um fato não imputável ao devedor. Nesse caso, o devedor não responde pelos prejuízos. Em três hipóteses, porém, o devedor responde pelos danos advindos de caso fortuito ou força maior. Com efeito, a primeira hipótese ocorre quando expressamente se responsabilizou pelo fato; a segunda, quando estava em mora por ocasião da verificação do fato; a terceira, quando tratar-se de obrigação de dar coisa incerta em que é aplicável a máxima genus non perit. DISTINÇÃO ENTRE CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR Dispõe o parágrafo único do art. 393: “O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”. Para muitos escritores, as expressões são sinônimas. Outros, ao revés, procuram estabelecer uma distinção. Com efeito, Agostinho Alvim faz menção à concepção que considera caso fortuito o acontecimento relacionado com a pessoa do devedor ou à sua empresa, tal como o defeito oculto em máquina de sua fábrica, provocado sem que tivesse qualquer tipo de culpa. Outro exemplo seria a morte por infarte do motorista. Em contrapartida, a força maior é o acontecimento emanado de causas externas, como raios, terremotos, guerras, fato do príncipe etc. De acordo com esse ponto de vista, o fortuito subdivide-se em interno (caso fortuito) e externo (força maior). Essa distinção vem ganhando adeptos nas hipóteses de responsabilidade objetiva, isto é, fundada no risco, pois diversos autores vêm sustentando que, nesses casos, só a força maior serve de excludente. Todavia, no temário da responsabilidade subjetiva, isto é, baseada na culpa, a distinção perde o interesse prático, porque tanto o fortuito interno quanto o externo exoneram o devedor da responsabilidade. De acordo com Washington de Barros Monteiro, a força maior resulta de eventos físicos ou naturais como o raio, o granizo, a inundação, etc., ao passo que o caso fortuito resulta de índole inteligente como a guerra, a greve etc.

Direito Civil - Obrigações (8) Inadimp

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Direito Civil - Obrigações- Inadimplemento parte 1

Citation preview

  • 1

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAES

    CONCEITO E ESPCIES Inadimplemento descumprimento da obrigao. Pode ser culposo ou fortuito. O inadimplemento culposo ou inexecuo voluntria decorre de um fato imputvel ao

    devedor a ttulo de dolo ou culpa. Nesse caso, o devedor responsvel por perdas e danos, mais juros e atualizao monetria segundo ndices oficiais regularmente estabelecidos, e honorrios de advogado (art. 389). Para Orlando Gomes somente a inexecuo dolosa, poderia ser qualificada como voluntria, mas a inexecuo culposa tambm classificada pela doutrina como sendo voluntria.

    Referentemente aos honorrios advocatcios s tem cabimento quando ocorrer a efetivao da atuao profissional do advogado (Enunciado 161 do CJF). Trata-se, conforme entendimento majoritrio, dos honorrios de sucumbncia. Quanto aos honorrios contratuais, que o advogado cobra do cliente, este no pode, na ao de indenizao, obter o ressarcimento dessa verba, por falta de previso legal expressa, malgrado a opinio minoritria que ao interpretar o art.389 do CC abrange no valor da indenizao os honorrios contratuais, o que, a meu ver, bis in idem, porquanto o sucumbente j ter que pagar os honorrios advocatcios.

    O inadimplemento fortuito, por sua vez, o que decorre de caso fortuito ou fora maior, isto , de um fato no imputvel ao devedor. Nesse caso, o devedor no responde pelos prejuzos. Em trs hipteses, porm, o devedor responde pelos danos advindos de caso fortuito ou fora maior.

    Com efeito, a primeira hiptese ocorre quando expressamente se responsabilizou pelo fato; a segunda, quando estava em mora por ocasio da verificao do fato; a terceira, quando tratar-se de obrigao de dar coisa incerta em que aplicvel a mxima genus non perit.

    DISTINO ENTRE CASO FORTUITO E FORA MAIOR Dispe o pargrafo nico do art. 393: O caso fortuito ou de fora maior verifica-se no fato necessrio, cujos efeitos no era

    possvel evitar ou impedir. Para muitos escritores, as expresses so sinnimas. Outros, ao revs, procuram estabelecer

    uma distino. Com efeito, Agostinho Alvim faz meno concepo que considera caso fortuito o

    acontecimento relacionado com a pessoa do devedor ou sua empresa, tal como o defeito oculto em mquina de sua fbrica, provocado sem que tivesse qualquer tipo de culpa. Outro exemplo seria a morte por infarte do motorista. Em contrapartida, a fora maior o acontecimento emanado de causas externas, como raios, terremotos, guerras, fato do prncipe etc. De acordo com esse ponto de vista, o fortuito subdivide-se em interno (caso fortuito) e externo (fora maior). Essa distino vem ganhando adeptos nas hipteses de responsabilidade objetiva, isto , fundada no risco, pois diversos autores vm sustentando que, nesses casos, s a fora maior serve de excludente. Todavia, no temrio da responsabilidade subjetiva, isto , baseada na culpa, a distino perde o interesse prtico, porque tanto o fortuito interno quanto o externo exoneram o devedor da responsabilidade.

    De acordo com Washington de Barros Monteiro, a fora maior resulta de eventos fsicos ou naturais como o raio, o granizo, a inundao, etc., ao passo que o caso fortuito resulta de ndole inteligente como a guerra, a greve etc.

  • 2

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    Em regra, a diferena irrelevante, pois os efeitos so os mesmos e o que importa que tanto num como noutro o devedor no podia evitar ou impedir o acontecimento. Todavia, preferimos, por mais lgico, o critrio abraado por Agostinho Alvim.

    Acrescente-se, por outro lado, que o nus da prova do caso fortuito ou fora maior do devedor.

    O caso fortuito e a fora maior contm trs elementos: a) ausncia de culpa. Verifica-se a culpa quando o comportamento da vtima facilita ou concorre

    para o evento danoso. Assim, por exemplo, diante de um roubo irresistvel, age com culpa o depositrio que guarda valioso objeto em sua prpria casa, ao invs de t-lo recolhido ao cofre de um banco;

    b) irresistibilidade ou inevitabilidade do evento. Assim, o fato deve ser irresistvel, caso contrrio haver culpa. Fato irresistvel o que no pode ser removido pelo devedor. Slvio Rodrigues esclarece que a imprevisibilidade do evento no constitui requisito do caso fortuito ou fora maior, pois, embora previsvel o fato, no raro a vtima no se pode furtar sua ocorrncia, nem lhe resistir aos efeitos. A imprevisibilidade pode, contudo, intensificar o elemento irresistibilidade, pois, se o devedor no podia prever o acontecimento, mais difcil lhe seria resistir aos efeitos;

    c) o fato deve ser superveniente. O devedor que, por exemplo, celebrou o contrato durante a guerra, no pode alegar as dificuldades oriundas desta para cumpri-lo.

    DISTINO ENTRE CASO FORTUITO OU FORA MAIOR E AUSNCIA DE CULPA O caso fortuito ou fora maior caracterizam-se pela ausncia de culpa, mais a inevitabilidade

    do evento. Se o evento for interno, alguns usam a expresso caso fortuito, se externo, prevalece a terminologia fora maior.

    Arnoldo Medeiros da Fonseca salienta, porm, que a ausncia de culpa no se confunde com caso fortuito ou fora maior.

    Com efeito, o caso fortuito ou fora maior exige dois requisitos: ausncia de culpa e inevitabilidade do evento. A ausncia de culpa, por sua vez, dispensa esse ltimo requisito, representando, portanto, uma forma mais ampla de excluso da responsabilidade de indenizar.

    O INADIMPLEMENTO NOS CONTRATOS BENFICOS E ONEROSOS Dispe o art. 392 do CC: Nos contratos benficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato

    aproveite, e por dolo aquele a quem no favorea. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as excees previstas em lei.

    Assim, no contrato benfico, isto , que onera apenas uma das partes, a responsabilidade da parte beneficiada pode emanar de dolo ou culpa, mas a parte onerada s obrigada a indenizar se o inadimplemento for doloso. No comodato, por exemplo, o comodante que descumpre o pactuado s responsvel se proceder com dolo, ao passo que o comodatrio responde tambm por culpa.

    Em contrapartida, nos contratos onerosos, isto , que oneram ambas as partes, como a compra e venda, a presena da culpa suficiente para que haja a responsabilidade de indenizar o inadimplemento.

    Do exposto dessume-se, portanto, que, para a excluso da responsabilidade, basta a ausncia de culpa, prescindindo-se da demonstrao da ocorrncia de caso fortuito ou fora maior.

  • 3

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    INADIMPLEMENTO ABSOLUTO E INADIMPLEMENTO RELATIVO D-se o inadimplemento absoluto, consoante entendimento de Agostinho Alvim, quando o

    no-cumprimento da obrigao se torna definitivo. o exemplo do indivduo que encomenda um banquete para certo dia e o devedor no lho entrega. Anote-se que no inadimplemento absoluto o cumprimento tardio da obrigao torna-se intil para o credor, como no exemplo acima, ou, ento, impossvel para o devedor como na hiptese de este deixar de pintar um quadro no dia aprazado e no pode mais faz-lo porque no dia seguinte perdeu ambas as vistas num acidente. O inadimplemento absoluto, conforme ensina Maria Helena Diniz, ser total, se a obrigao deixou de ser cumprida em sua totalidade, e ser parcial, se a obrigao compreender, por exemplo, vrios objetos, sendo apenas um deles entregue, porque os demais pereceram por culpa do devedor. Havendo descumprimento total ou parcial, impossibilitando a prestao, a obrigao principal converter-se- em dever de indenizar, na falta de tutela jurdica especfica. O Enunciado 361, aprovado na IV Jornada de Direito Civil do CJF reza que: O adimplemento substancial decorre dos princpios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a funo social do contrato e o princpio da boa-f objetiva, balizando a aplicao do art.475. Assim, pela teoria do adimplemento substancial, o credor no poder pedir a extino do contrato quando a obrigao houver sido cumprida quase que totalmente.

    O inadimplemento relativo ou mora, por sua vez, ocorre quando ainda vivel o cumprimento tardio da obrigao. A prestao continua sendo til para o credor e possvel para o devedor. Tal ocorre, por exemplo, quando o devedor atrasa o pagamento em dinheiro. Nesse caso, o recebimento tardio continua sendo til para o credor. V-se assim que a mora no impede o devedor de adimplir a obrigao posteriormente.

    Portanto, o cerne da distino reside na viabilidade ou no do cumprimento tardio da obrigao. Essa inutilidade superveniente da prestao, caracterizadora do inadimplemento absoluto, deve ser provada pelo credor, a no ser que o negcio j previa a possibilidade de rejeio pelo atraso. Em principio, portanto, apesar do atraso, o devedor pode exigir que o credor aceite o recebimento da prestao devida, a no ser que este comprove a sua inutilidade. Assim, em regra, o pagamento em dinheiro costuma retratar uma situao de mora. Convm salientar que a inutilidade subjetiva e no objetiva, devendo ser levada em conta a utilidade para aquele credor que figura no negcio, e no a utilidade em geral. Todavia, o Enunciado 162 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justia Federal dispe o contrrio: A inutilidade da prestao que autoriza a recusa da prestao por parte do credor deve ser aferida objetivamente, consoante o princpio da boa-f e a manuteno do sinalagma, e no de acordo com o mero interesse subjetivo do credor. Outra distino que a mora pode ser purgada; o inadimplemento absoluto, no.

    Acrescente-se, ainda, que o inadimplemento absoluto e a mora s se caracterizam quando houver culpa do devedor.

    Quanto s consequncias distinguem-se nitidamente. Com efeito, no inadimplemento absoluto o devedor responsvel pela devoluo do eventual adiantamento que lhe foi feito e pelas perdas e danos, ao passo que na mora o credor pode exigir a prestao devida e a indenizao por perdas e danos.

    DA MORA CONCEITO Dispe o art. 394 do Cdigo Civil:

  • 4

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    Considera-se em mora o devedor que no efetuar o pagamento e o credor que no quiser receb-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a conveno estabelecer.

    Do exposto dessume-se que a mora pode ser do devedor e do credor. MORA DO DEVEDOR A mora do devedor (mora solvendi ou debitoris) ocorre quando este descumpre

    culposamente a obrigao no tempo, lugar ou forma que a lei ou a conveno estabelecer. Denota-se, desde logo, que mora no apenas o atraso no pagamento, pois pode tambm

    caracterizar-se pelo descumprimento do lugar e da forma ajustados no contrato. H, pois, mora quando o devedor entrega mercadoria no prazo, mas fora da embalagem convencionada, outrossim, quando o devedor entrega o material da construo em lugar diverso do pactuado.

    REQUISITOS DA MORA DO DEVEDOR A mora solvendi pressupe os seguintes requisitos: a) culpa do devedor. Assim, no h mora sem culpa, conforme preceitua o art. 396 do CC.

    Portanto, no h mora se o atraso verificar-se, por exemplo, em razo de naufrgio da mercadoria ou sequestro do devedor. A cobrana de encargos e parcelas indevidas ou abusivas impede a caracterizao de mora do devedor (Enunciado 354 do CJF).

    b) vencimento da dvida. A dvida deve ser lquida e vencida. No h mora na pendncia de condio ou termo suspensivos. Nas dvidas ilquidas incidem juros e mora a partir da citao (art.405). Se no h prazo certo de vencimento, a mora ex persona, isto , s se perfaz com a interpelao judicial ou extrajudicial do devedor.

    c) viabilidade do cumprimento tardio da prestao. Esse requisito a linha divisria entre a mora e o inadimplemento absoluto. De fato, dispe o pargrafo nico do art. 395 que se a prestao, devido mora, se tornar intil ao credor, esta poder enjeit-la, e exigir a satisfao das perdas e danos.

    CONSEQUNCIAS DA MORA DO DEVEDOR O devedor em mora, alm de ser obrigado a cumprir a prestao, ainda responde pelas

    perdas e danos advindas da mora, mais juros, atualizao dos valores monetrios segundo ndices oficiais, e honorrios advocatcios (art. 395).

    MOMENTO DA CONFIGURAO DA MORA DO DEVEDOR No tocante ao termo inicial de sua configurao, a mora pode ser ex re e ex persona. A mora ex re a que se verifica automaticamente pelo no-pagamento no dia certo do

    vencimento da obrigao. Essa mora, que ocorre de pleno direito, independentemente de notificao, s possvel quando se estipula no contrato dia certo para o vencimento da obrigao. Nesse caso, aplica-se a mxima dies interpellat pro homine, isto , o termo interpela no lugar do credor. Portanto, quando a mora for ex re, o credor pode ajuizar a ao judicial de cobrana do dbito, independentemente da prvia notificao do devedor.

    A mora ex persona ou mora pendente, por sua vez, a que s se caracteriza mediante interpelao judicial ou extrajudicial do devedor para solver a obrigao. S aps essa notificao, que s surte efeito aps chegar ao conhecimento do devedor, o credor estar autorizado a mover a

  • 5

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    ao judicial de cobrana do dbito. Sem a notificao, o credor ser carecedor de ao, mas h entendimento contrrio no sentido de que a falta de notificao suprida pela citao na ao judicial (art.219 do CPC). Em regra, a mora s ex persona quando a obrigao no tem prazo certo de vencimento. Excepcionalmente, porm, mesmo diante de um prazo certo para o vencimento, a lei adota a sistemtica da mora ex persona, exigindo, para a sua configurao, a interpelao judicial ou extrajudicial. Tal ocorre, por exemplo, no compromisso de compra e venda. No Direito Comercial, a mora tambm era ex persona, sendo, pois, necessria a notificao do devedor, mas o art. 138 do Cdigo Comercial, que fazia essa exigncia, no foi repetido pelo Cdigo Civil de 2002, operando-se, destarte, a sua revogao global, transmudando-se a mora em ex re.

    A Lei do Inquilinato tambm exige que a mora seja ex persona, isto , atravs de uma notificao premonitria (art. 6 da Lei n 8.245/91).

    PURGA OU EMENDA DA MORA DO DEVEDOR A emenda ou purgao da mora o ato pelo qual o devedor oferece a prestao devida mais

    a importncia dos prejuzos decorrentes at o dia da oferta. Purga-se, portanto, a mora oferecendo a prestao devida e as perdas e danos (juros, multa contratual, diferena de cotao da mercadoria, etc.). H quem faa distino entre a purgao e a emenda da mora, explicando que a primeira ocorre quando o devedor atrasa o pagamento da nica ou ltima prestao, ao passo que a segunda verifica-se nos negcios de prestao continuada. Assim, ao purgar a mora a obrigao extinta, pois o atraso recaiu sobre a ltima ou nica prestao; ao emendar a mora, a obrigao continua em relao s prestaes vincendas. O Cdigo, porm, no faz essa distino, utilizando-se o termo purgao para designar ambas as situaes.

    Anote-se que a mora purgada com a simples oferta da prestao acrescida dos prejuzos decorrentes at o dia da oferta. No h, pois, necessidade do cumprimento da prestao. Basta oferta. A partir dessa oferta, a mora j est purgada, exonerando-se o devedor dos seus nus. Portanto, a purgao tem efeito ex nunc, mas o devedor quando efetivar a purgao responder pelos juros e correo do valor ofertado.

    O credor pode rejeitar a purgao da mora se a prestao lhe tornar intil. Em tal situao, a rigor, no h propriamente mora e sim inadimplemento absoluto.

    A purgao da mora importa em reconhecimento do pedido por parte do devedor, sendo, pois, causa de extino do processo com julgamento do mrito (art. 269, II, do CPC). Os efeitos da purgao so ex nunc, para o futuro, no apaga os danos advindos da mora, que, por isso mesmo, devem ser indenizados. J a cessao da mora produz efeitos ex tunc e ex nunc, pretritos e futuros, como o caso da novao, renncia do credor e remisso de dvida.

    Quanto ao momento mximo de purgao da mora, o Cdigo de 2002 omisso. Nada obsta, portanto, a purgao ou emenda da mora aps a propositura da ao pelo credor. Afinal, no se pode presumir uma restrio de direito. Assim, admite-se a purgao da mora mesmo que a ao j esteja iniciada, desde que o devedor o faa na contestao, depositando a prestao devida acrescida das perdas e danos, honorrios advocatcios e custas processuais. Aps a contestao, cremos que no mais possvel a purgao, a no ser que o credor concorde, por fora do princpio da eventualidade. H, porm, quem entenda que a purgao pode operar-se a qualquer tempo, durante todo o processo, desde que no cause dano ao credor. Registre-se ainda a posio de Orlando Gomes, segundo o qual a purgao da mora vedada aps a propositura da ao, porque se o devedor foi negligente a ponto de permitir que contra si fosse ajuizada uma ao, no deve ter mais esse direito de purgao.

    A meu ver, a purgao pode ser feita at a contestao, a no ser que o contrato a proba

  • 6

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    atravs da insero de clusula resolutiva expressa. Com efeito, se o legislador quisesse impedir o direito de purgao no processo t-lo-ia dito expressamente como no contrato compra e venda sob reserva de domnio. Nesse contrato, o devedor s pode purgar a mora se tiver pago ao menos 40% do dbito (art. 1.071, 2 do CPC). No compromisso de compra e venda, disciplinado pelo Decreto-lei n 58/37, a mora tambm s pode ser purgada nos trinta dias de prazo de notificao, sendo-lhe vedado ao ru purg-la na ao judicial que lhe movida pelo promitente-vendedor. Acrescente-se, ainda sobre esse assunto, que, na Lei do Inquilinato, no se admitir a emenda da mora se o locatrio j houver utilizado essa faculdade nos 24 (vinte e quatro) meses imediatamente anteriores propositura da ao (art. 62, pargrafo nico com a redao dada pela Lei n 12.112/2009).

    Fora dessa hiptese legal, no h limite quanto ao nmero de vezes que o devedor pode purgar a mora.

    PERPETUATIO OBLIGATIONIS Dispe a 1 parte do art. 399: O devedor em mora responde pela impossibilidade da prestao, embora essa

    impossibilidade resulte de caso fortuito ou de fora maior, se estas ocorreram durante o atraso. Assim, a obrigao se perpetua no sentido de que o devedor em mora responde, neste

    perodo, pelo prejuzo advindo de caso fortuito ou fora maior. Trata-se de uma exceo regra de que o caso fortuito ou fora maior liberam o devedor sem a obrigao de indenizar. No caso de mora, subsiste a obrigao de indenizar, por isso, costuma-se dizer que a mora perpetua a obrigao.

    O sujeito que vende um determinado quadro, mas no, efetua a entrega no prazo, responde pelas perdas e danos, na hiptese de um incndio destruir esse quadro durante o atraso.

    Anote-se, porm, que o devedor pode exonerar-se da obrigao de indenizar comprovando que o dano sobreviria ainda que a obrigao tivesse sido oportunamente cumprida. No exemplo acima, o devedor no obrigado a indenizar na hiptese de o incndio ter tambm atingido o lugar onde o credor iria guardar o sobredito quadro.

    Finalmente, o art. 399, 2 parte, ainda ressalva que o devedor no responde se provar iseno de culpa. Essa ressalva incua, porque sem culpa a mora sequer se caracteriza. Na verdade, como adverte Agostinho Alvim, a frmula defeituosa, pois se o devedor provar iseno de culpa no haver mora e, portanto, est livre das consequncias desta.

    MORA IRREGULAR OU PRESUMIDA A mora irregular ou presumida a que decorre da prtica de determinado fato. Trata-se de

    uma mora ex re, porque configura-se independentemente da interpelao do credor. A primeira hiptese de mora irregular encontra-se no art. 398, que preceitua: Nas

    obrigaes provenientes do ato ilcito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou. O Cdigo de 1916 s previa essa mora para as obrigaes decorrentes de delito. O Cdigo de 2002 abrange os atos ilcitos em geral.

    A outra hiptese de mora irregular est assim prevista no art. 390: Nas obrigaes negativas o devedor havido por inadimplente desde o dia em que executou o ato de que se devia abster. Nas obrigaes de no fazer, o inadimplemento ser absoluto, quando o desfazimento for invivel, como no exemplo de algum que revela o segredo que se comprometera a guardar. Todavia, em certos casos, admite-se a mora, isto , o inadimplemento relativo, quando for vivel o desfazimento

  • 7

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    do fato praticado, como, por exemplo, a demolio de uma construo erguida em local onde o devedor prometera se abster de construir.

    MORA DO CREDOR A mora do credor (mora accipiendi ou creditoris) ocorre quando este injustificadamente se

    recusa a receber o pagamento ou a fornecer a quitao ou ainda a efetuar a cobrana da dvida. A mora de credor apresenta os seguintes requisitos: a) existncia de dvida lquida e vencida; b) oferta real da prestao pelo devedor ou terceiro interessado ou no, ao credor ou a seu

    representante. No basta o devedor afirmar que quer pagar, urge que faa uma oferta real, ainda que verbal; c) recusa injustificada do credor em receber o pagamento ou fornecer a quitao, ou ainda de

    efetuar a cobrana. Assim, nas dvidas portveis, em que compete ao devedor levar o pagamento ao credor, este ltimo incorrer em mora quando se recusar injustificadamente a receber ou dar a quitao. mister que a recusa seja injusta; se for justa, por exemplo, a mercadoria oferecida encontra-se estragada, no h falar-se em mora. possvel recusa justa do credor sem que haja necessariamente culpa do devedor. Saliente-se ainda que nas dvidas quesveis, em que o credor deve ir buscar o pagamento no domiclio do devedor, o primeiro estar em mora quando no efetuar a cobrana no prazo ajustado. A recusa tcita ou implcita tambm possvel (exemplo: o credor abandona o estabelecimento empresarial sem deixar representante).

    d) ajuizamento da ao de consignao em pagamento. Esse requisito no pacfico. Agostinho Alvim rejeita-o, sustentando que a mora do credor e seus efeitos comeam da recusa injustificada. Outros, ao revs, entendem que a ao de consignao necessria para a configurao da mora do credor, pois s assim o devedor poder, por exemplo, desonerar-se dos riscos pela guarda da coisa. A nosso ver, a razo encontra-se com Agostinho Alvim, a mora antecede aludida ao.

    Cumpre, porm, observar que a mora do credor independe de culpa, de modo que ele responder pelos riscos de perecimento ou deteriorao da coisa que no foi buscar no momento ajustado. certo, pois, que o credor pode se recusar a receber a prestao quando houver justa causa. Essa justa causa do credor, contudo, consiste na culpa do devedor em mora. Se outro motivo o impediu de receber a prestao, como doena, sequestro, etc., ainda assim caracterizar a sua mora. De fato, o Cdigo ao tratar da mora do devedor, faz meno expressa culpa deste, mas no tocante mora do credor no faz semelhante exigncia. A razo lgica da postura do legislador explicada por Slvio Rodrigues, nos seguintes termos: Se o credor que recusa a prestao pudesse escapar pecha de moroso, por ter agido sem culpa, tal fato iria sobrecarregar o fardo do devedor que tambm sem culpa passaria a responder por esse acrscimo dos riscos.

    Por outro lado, a mora do credor produz as seguintes consequncias: a) isenta o devedor da obrigao de conservar a coisa. Todavia, o devedor ainda responde

    pelos prejuzos que causar a ttulo de dolo. Assim, se o comodante se recusa a receber o cavalo dado em comodato, o comodatrio no mais responsvel pela conservao do animal, salvo se agir com dolo, deixando-o, por exemplo, morrer de fome. Observe-se que o devedor no tem o direito de abandonar a coisa, todavia, ele no responde a ttulo de culpa, nem mesmo por culpa grave.

    b) se o devedor conservar a coisa, embora desobrigado, dever ser ressarcido dessas despesas. Anote-se que somente as benfeitorias necessrias so indenizveis, porque a lei fala

  • 8

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    em despesas empregadas em conserv-las. No pode cobrar do credor as despesas efetuadas desnecessariamente na guarda e conservao da coisa.

    c) o devedor no responde pelos juros posteriores mora. d) se houver oscilao do preo da coisa, entre o dia estabelecido para o pagamento e o da

    sua efetivao, o credor obrigado a receb-la pela estimao mais favorvel ao devedor. Assim, a partir da mora do credor, o devedor pode ajuizar a ao de consignao em pagamento, depositando em juzo a prestao devida, no valor que lhe for mais favorvel, no caso de oscilao do preo. Assim, o devedor deve entregar cem cabeas de gado no dia 30, ao valor de 100. O pagamento feito no dia 15, por mora do credor, que se recusou a receber no dia aprazado. Nesse dia 15, a cotao do gado 120. Deve o credor pagar a diferena. Paga o gado pela mais alta estimao. Se a oscilao for para menor, isto , houver uma queda na cotao de gado, o credor moroso pagar o preo avenado, isto , cem, no podendo pagar menos. Esse exemplo, haurido das lies de Silvio Venosa, exprime com preciso, essa questo da oscilao do preo da coisa.

    e) Possibilidade de o devedor ajuizar ao de consignao em pagamento. Finalmente, quanto purgao da mora do credor, preceitua o art. 401, II, que purga-se a

    mora por parte do credor, oferecendo-se este a receber o pagamento e sujeitando-se aos efeitos da mora at a mesma data. Assim, o credor purga a mora recebendo a prestao pela estimao mais favorvel ao devedor, responsabilizando-se ainda pelas despesas feitas pelo devedor para conservar a coisa. Observe-se que o credor no responde por perdas e danos, mas apenas pelo reembolso das despesas.

    MORA BILATERAL OU RECPROCA Mora bilateral a que ocorre simultaneamente para o credor e devedor. Tal ocorre, por

    exemplo, quando ambos deixam de comparecer ao local ajustado para o pagamento. A rigor, no pode haver essa concomitncia de moras. Em tal situao, no existe mora de

    nenhuma das partes. Como esclarece Silvio Venosa: Estando ambos em mora, elas se anulam, j que as partes colocam-se em estado idntico e uma nada pode imputar outra. Assim, nenhuma das partes poder exigir perdas e danos da outra.

    PERDAS E DANOS CONCEITO As perdas e danos compreendem o valor da indenizao devida ao credor, abrangendo o que

    ele efetivamente perdeu e o que razoavelmente deixou de lucrar. Equivalem, pois, ao prejuzo que o credor suportou.

    As perdas e danos tm, portanto, a finalidade de indenizar o credor, isto , reparar-lhe o dano. Indenizar significa tornar indene. Indene aquele que no sofreu prejuzo. A indenizao composta por valor em dinheiro, abrangendo a totalidade do dano. Deve limitar-se ao dano, pois o seu escopo no o enriquecimento do credor, mas apenas recompor a diferena entre o valor do patrimnio atual e o patrimnio que teria o credor se no tivesse ocorrido o fato lesivo.

    PRESSUPOSTOS Os pressupostos da responsabilidade contratual e extracontratual so os seguintes:

  • 9

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    a) ao ou omisso, dolosa ou culposa. Todavia, nos casos de responsabilidade objetiva, dispensa-se a presena do dolo ou culpa. Se o prejuzo se deve culpa exclusiva da vtima, exclui-se a indenizao.

    b) prejuzo, isto , um dano patrimonial ou moral. Esse requisito dispensvel apenas nas hipteses de clusula penal e juros de mora, cujas indenizaes devem ser pagas independentemente de qualquer prejuzo.

    c) nexo causal entre o prejuzo e a ao ou omisso do agente. O estudo das perdas e danos objetiva a apurao do valor do prejuzo sofrido pelo credor. Na

    anlise desse prejuzo, levar-se- em conta o dano emergente e o lucro cessante. DANO EMERGENTE E LUCRO CESSANTE Dano emergente ou positivo o prejuzo, certo e atual, efetivamente experimentado pelo

    credor em razo da ao ou omisso do devedor. A indenizao do dano emergente pode ser in natura, especfica, isto , a restaurao do bem danificado, ou, ento, genrica, consistente no valor em dinheiro para realizao das obras necessrias a essa reparao.

    Lucro cessante ou dano negativo ou frustrado o que o credor razoavelmente deixou de ganhar em razo da ao ou omisso do agente. o lucro futuro. apurado conforme o princpio da razoabilidade.

    Imagine, por exemplo, que algum abalroe o automvel do taxista. O dano emergente consistir no preo do conserto do carro; o lucro cessante ser o valor que o taxista deixou de ganhar em razo dos dias parados.

    Na apurao dos lucros cessantes, a lei faz meno quilo que o credor razoavelmente deixou de lucrar competindo-lhe o nus da prova. Portanto, a indenizao no visa propiciar um lucro ao credor, mas apenas o pagamento do que ele normalmente auferiria nos dias no trabalhados. Se o seu rendimento no era fixo, urge que se apure o valor pela mdia do que habitualmente ganhava.

    O Cdigo, no art. 403, porm, faz uma restrio apurao dos lucros cessantes, asseverando que s podem abranger os prejuzos consequentes, direta e imediatamente, do dano causado. Assim, no so indenizveis as perdas indiretamente relacionadas com o inadimplemento.

    O Cdigo de 1916 continha ainda outra restrio ao lucro cessante, prevista no pargrafo nico do art. 1.059, no sentido de que s se deveriam computar os lucros, que foram ou poderiam ser previstos na data da obrigao. O Cdigo de 2002 no repete essa restrio, de modo que a indenizao deve abranger tambm os lucros imprevisveis. certo, pois, que Agostinho Alvim, interpretando o pargrafo nico do art. 1.059, restringia a sua aplicao aos casos de mora, ensinando que os lucros imprevisveis deveriam ser calculados para as hipteses de inadimplemento absoluto. No Cdigo de 2002, cremos que o chamado lucro imprevisvel ou remoto deva ser calculado, tanto no caso de mora quanto no de inadimplemento absoluto, por fora do art. 402.

    Quanto ao dano futuro, eventual ou potencial, no indenizvel, a no ser, conforme esclarece Maria Helena Diniz, que seja consequncia necessria, certa, inevitvel e previsvel da ao. A perda da chance indenizvel, desde que haja certeza da existncia da chance, que acabou sendo perdida por ato culposo do lesante.

    AS PERDAS E DANOS NAS OBRIGAES DE PAGAMENTO EM DINHEIRO As perdas e danos, nas obrigaes de pagamento em dinheiro, sero pagas com atualizao

    monetria segundo ndices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e

  • 10

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    honorrios de advogado, sem prejuzo da pena convencional (art. 404). Dispe a smula 562 do STF que na indenizao de danos materiais decorrente de ato ilcito cabe a atualizao de seu valor, utilizando-se, para esse fim, dentre outros critrios, os ndices de correo monetria. Provado que os juros de mora no cobrem o prejuzo, e no havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenizao suplementar (pargrafo nico do art. 404). Essa indenizao suplementar deve ser requerida pelo credor; o juiz no pode fix-la de oficio, por fora do princpio da inrcia da jurisdio. Impem-se, para essa indenizao suplementar, dois requisitos: a) que os juros moratrios sejam insuficientes para reparar o prejuzo; b) ausncia de clusula penal.

    A INFLUNCIA DO DOLO OU CULPA NO VALOR DA INDENIZAO Na fixao da indenizao, a intensidade do dolo e a gravidade da culpa so irrelevantes. A

    indenizao deve abranger a totalidade dos prejuzos, ainda que a culpa tenha sido leve ou levssima. Em contrapartida, se no houver prejuzo, no h falar-se em indenizao, ainda que o agente tenha procedido com dolo ou culpa grave.

    Assim, a indenizao mede-se pela extenso do dano. Todavia, o pargrafo nico do art. 944 ressalva, porm, que se houver excessiva desproporo entre a gravidade da culpa e o dano, poder o juiz reduzir, equitativamente, a indenizao.

    PRESUNO DE PREJUZO Em regra, ao autor da ao de indenizao compete o nus da prova do prejuzo. Acrescente-

    se que s haver indenizao quando houver prejuzo a reparar. Excepcionalmente, porm, no campo da responsabilidade contratual, a lei presume a existncia do prejuzo, dispensando o lesado do nus da prova da sua existncia. Tal ocorre nas seguintes hipteses:

    a) nas obrigaes pecunirias, os juros moratrios devem ser pagos, independentemente de qualquer prova de prejuzo (art. 404);

    b) clusula penal (art. 416); c) a reproduo fraudulenta de obra literria, cientfica ou artstica; no se conhecendo o

    nmero de exemplares que constituem a ao fraudulenta, pagar o transgressor o valor de 3.000 exemplares, alm dos apreendidos (art. 103, pargrafo nico, da Lei n 9.610/98);

    d) aquele que demandar por dvida j paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficar obrigado a pagar ao devedor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrio (art. 940);

    e) o segurador que, ao tempo do contrato, sabe estar passado o risco de que o segurado se pretende cobrir, e, no obstante, expede a aplice, pagar em dobro o prmio estipulado (art. 773).

    JUROS LEGAIS CONCEITO Juro o rendimento do capital. , pois, o preo pago pelo uso do capital alheio. Como

    assevera Slvio Rodrigues, ele a um tempo remunera o credor por ficar privado de seu capital e paga-lhe o risco em que incorre de o no receber de volta.

    NATUREZA JURDICA

  • 11

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    Os juros so frutos civis, e, por isso, so considerados bens acessrios (art. 92). Presumem-se pagos, quando na quitao do capital a eles no se faz ressalva (art. 323).

    CLASSIFICAO DOS JUROS Quanto sua finalidade, os juros podem ser: a) juros compensatrios: consistem na remunerao pelo uso do capital alheio. So devidos

    enquanto perdurar o negcio jurdico, independentemente da ocorrncia do inadimplemento da obrigao. Esses juros, em regra, s so cobrados se houver previso expressa no contrato. Na desapropriao, porm, os juros compensatrios so devidos desde a imisso na posse, ordenada pelo juiz, por motivo de urgncia, conforme smula 164 do STF. Igualmente, no mtuo de fins econmicos, os juros compensatrios so devidos independentemente de clusula expressa (art.591).

    b) juros moratrios: consistem na indenizao devida pelo atraso no cumprimento da obrigao, qualquer que seja a natureza da prestao, pecuniria ou no. Trata-se, portanto, de uma das formas de composio das perdas e danos. Se, por exemplo, A empresta a B certa quantia de dinheiro para ser pago dali a cem dias, durante esse perodo do contrato incidem os juros compensatrios, mas, aps o vencimento, passam a incidir os juros moratrios. Esses juros so devidos independentemente de clusula expressa no contrato, ainda que a parte no sofra prejuzo.

    Quanto origem, os juros podem ser: a) juros convencionais: so os fixados pela vontade das partes. Tais juros, sejam

    compensatrios ou moratrios, no podem exceder ao dobro da taxa legal. Para alguns autores, a taxa legal a SELIC (Sistema Especial de Liquidao e de Custdia, cuja taxa calculada pelo Comit de Poltica Monetria do BACEN); outros, ao revs, sustentam que o Cdigo Tributrio Nacional, e a Lei de Usura (Decreto n 22.626/1933), cujos juros legais so fixados em 1% ao ms ou 12% ao ano. Assim, a taxa mxima de 2% ao ms ou 24% ao ano. A taxa SELIC tem natureza hbrida, um misto de juros com correo monetria, alm de violar o princpio da legalidade, pois no h lei instituindo ou estabelecendo a forma de calcul-la, ainda impede o prvio reconhecimento dos juros, que passa a ser varivel. A Fazenda Nacional adota a taxa SELIC para os tributos federais, nos termos do art.39, 4, da Lei n 9.250/1995. No se pode tambm, a pretexto de comisso, receber taxas maiores. A cobrana de juros acima do permitido em lei configura ainda crime contra a economia popular (art. 4 da Lei 1.521/51).

    b) juros legais: so os fixados por fora de lei. Tal ocorre quando os juros moratrios no forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada (art. 406). Quanto aos juros compensatrios, caso no tenham sido estipulados, a lei no prev a sua fluncia, salvo em se tratando de mtuo destinado a fins econmicos, quando, ento, presumem-se devidos, por fora do art. 591. Sobre o valor dos juros legais, o art. 406, 2 parte dispe que: sero fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos Fazenda Nacional, isto , para os impostos federais. Para uns, a chamada taxa SELIC, fixada pelo Banco Central, que rege os juros de impostos devidos Fazenda Nacional, cujo percentual pode exceder a 1% ao ms. Todavia, diversos autores sustentam que a taxa de juros legais correspondem a 1% ao ms, que a prevista no Cdigo Tributrio Nacional e Lei de Usura.

    As instituies financeiras no se sujeitam Lei de Usura. A smula 596 do STF permite que elas cobrem juros superiores a 12% ao ano. A smula 283 do STJ estabelece que as empresas administradoras de carto de crdito so instituies financeiras e, por isso, os juros

  • 12

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    remuneratrios por elas cobrados no sofre as limitaes da Lei de Usura. Quanto forma de contagem, os juros podem ser: a) juros simples: so os que incidem apenas sobre o capital principal. b) juros compostos ou anatocismo: so os que incidem sobre o capital principal e sobre os

    juros j acumulados. So os chamados juros sobre juros ou juros frugferos. O Decreto n 22.626/33 e a Smula 121 do STF probem o anatocismo, isto , a capitalizao dos juros. Em certas hipteses, porm, a lei permite a cobrana dos juros compostos. Tal ocorre, por exemplo, na legislao sobre cdulas de crdito rural, comercial e industrial admite o pacto de capitalizao dos juros (Smula 93 do STJ). O art. 1.544 do Cdigo Civil de 1916 tambm permitia a cobrana dos juros compostos nas obrigaes oriundas da prtica de crime. O Cdigo de 2002 no repetiu esse ltimo dispositivo, que por isso, encontra-se revogado. No tocante s Instituies Financeiras, no h qualquer lei as autorizando a cobrar juros sobre juros. A Smula 596 do STF permite apenas que elas cobrem uma taxa de juros superior a 12% ao ano. Quanto ao anatocismo, vedado pela Smula 121 do STF. Portanto, elas podem cobrar juros simples a uma taxa superior a 12% ao ano, nos termos do art.4, IX, da Lei n 4.595/1964, que atribui ao Conselho Monetrio Nacional o poder de fixar os juros a serem cobrados pelas instituies financeiras. Por fim, a Lei n 8036/90, ao dispor sobre o FGTS, prev a capitalizao de juros quando da centralizao das contas vinculadas na CEF. Outro caso de juros sobre juros encontra-se no art.591 do CC, no contrato de mtuo, no qual se permite a capitalizao anual dos juros. Assim, sobre os juros vencidos depois de um ano h tambm a incidncia de juros; os juros incorporam-se ao capital ao trmino de cada ano, desde que haja clusula expressa nesse sentido, com ou sem estipulao da taxa.

    FORMA DE PAGAMENTO E DE ESTIPULAO Os juros so pagos em dinheiro. Slvio Venosa ressalva, porm, apoiado em Von Thur, que

    nada impede a entrega de juros em espcie nas obrigaes fungveis que tenham por objeto outras coisas que no dinheiro.

    Quanto forma de estipulao, da tradio fixar os juros em porcentagem. CORREO MONETRIA A correo monetria mera atualizao do dbito. o meio de assegurar a integridade do

    valor da moeda no tempo. Os juros, ao revs, constituem remunerao do capital. MOMENTO DE FLUNCIA DOS JUROS DE MORA Os juros moratrios so devidos a partir da constituio do devedor em mora,

    independentemente da alegao ou comprovao do prejuzo. Nas obrigaes lquidas em dinheiro, os juros moratrios so devidos desde o vencimento,

    por fora da mora ex re; se no houver vencimento certo, so devidos desde a interpelao judicial ou extrajudicial, em razo de a mora passar a ser ex persona.

    Nas obrigaes contratuais ilquidas em dinheiro, os juros moratrios so devidos desde a citao inicial (art. 405 do CC). A propsito, dispe a Smula 163 do STF que salvo contra a Fazenda Pblica, sendo a obrigao ilquida, contam-se os juros moratrios desde a citao inicial para a ao.

  • 13

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    Nas obrigaes de no-fazer, os juros so devidos desde o dia em que o devedor executou o ato de que se devia abster (art. 390).

    Nas obrigaes provenientes de ato ilcito, os juros so devidos desde a prtica deste ato (art. 398). Trata-se de uma obrigao ilquida com fluncia de juros antes mesmo da citao.

    Nas obrigaes de outra natureza, que no as de dinheiro, os juros comeam a correr desde que lhes seja fixado o valor pecunirio por sentena judicial, arbitramento ou acordo entre as partes, pois antes desse momento era impossvel o seu curso (Slvio Rodrigues).

    HIPTESES DE NO INCIDNCIA DOS JUROS MORATRIOS Em determinados casos, a lei estabelece a iseno dos juros moratrios. Assim, no correm juros

    moratrios em relao ao doador (art. 552), massa falida (art.124 da Lei n 11.101/2005), se o ativo apurado for insuficiente para o pagamento de todos os credores, e entidade previdenciria em liquidao (art. 49, IV, da LC n 109/2001). Convm esclarecer que contra a massa falida correm:

    a) juros anteriores sentena de falncia; b) juros posteriores sentena de falncia: so devidos apenas aps o pagamento final dos

    credores, se ainda houver recursos; c) obrigaes com garantia real e debntures com garantia real: so devidos os juros anteriores e

    posteriores sentena de falncia, mas pelos juros posteriores s responde o produto obtido com a venda do bem dado em garantia (art.124, pargrafo nico da Lei n 11.101/2005).

    EXTENSO DOS JUROS MORATRIOS Os juros moratrios so devidos nas dvidas em dinheiro ou de outra natureza,

    independentemente da alegao de prejuzo. Se o dbito no for em dinheiro, o valor pecunirio dos juros ser fixado por sentena judicial, arbitramento ou acordo entre as partes, sobre a estimao atribuda ao objeto da prestao.

    Se a petio inicial no incluiu os juros, ainda assim a sentena poder condenar o vencido ao pagamento dos juros legais. Com efeito, dispe o art. 293 do CPC que os pedidos so interpretados restritivamente, compreendendo-se, entretanto, no principal os juros legais.

    A Smula 254 do STF ainda acrescenta que incluem-se os juros moratrios na liquidao, embora omisso o pedido inicial ou a condenao. Se, porm, a sentena e a liquidao desta forem omissas a respeito dos juros moratrios, no se poder em execuo, inclu-los, sob pena de violao da coisa julgada.

  • 14

    DIREITO CIVIL - Obrigaes PROF. FLVIO MONTEIRO DE BARROS

    PERGUNTAS:

    1) Qual a distino entre inadimplemento culposo e fortuito? 2) No caso de inadimplemento fortuito, quem o responsvel pelos danos? 3) Qual a distino entre caso fortuito e fora maior? 4) De quem o nus da prova do caso fortuito ou fora maior? 5) Quais os elementos do caso fortuito ou fora maior? 6) Qual a distino entre caso fortuito ou fora maior e ausncia de culpa? 7) Nos contratos benficos e nos contratos onerosos qual a importncia de o dano ser doloso

    ou culposo? 8) Qual a distino entre inadimplemento absoluto e inadimplemento relativo? Qual a

    importncia da distino? 9) O que mora do devedor? 10) Quais os requisitos da mora do devedor? 11) Quais as consequncias da mora do devedor? 12) Qual a distino entre mora ex re e mora ex persona? 13) Se houver prazo certo de vencimento, a mora pode ser ex persona? 14) O que emenda ou purgao da mora? 15) Como se purga a mora? 16) Qual o efeito da purgao da mora no processo? 17) Qual o momento mximo de purgao da mora? 18) Quantas vezes a mora pode ser purgada? 19) O que a regra da perpetuatio obligationis? 20) O que mora irregular ou presumida? 21) Quais os requisitos da mora do credor? exigvel a culpa? 22) Quais as consequncias da mora do credor? 23) Como o credor purga a mora? 24) O que mora bilateral ou recproca? 25) O que so perdas e danos? 26) Quais os pressupostos da responsabilidade contratual e extracontratual? 27) Qual a distino entre dano emergente e lucro cessante? 28) Como se apuram os lucros cessantes? 29) Como so as perdas e danos nas obrigaes de pagamento em dinheiro? 30) A intensidade do dolo e a gravidade da culpa influem no valor da indenizao? 31) Em que hiptese o prejuzo presumido? 32) O que so juros? 33) Qual a natureza jurdica dos juros? 34) Qual a distino entre juros compensatrios e moratrios? 35) O que so juros convencionais e qual a sua taxa? 36) Como so os juros legais no Cdigo Civil de 2002? 37) Qual a distino entre juros simples e juros compostos ou anatocismo? 38) Qual a forma de pagamento dos juros? 39) Qual a distino entre juros e correo monetria? 40) Qual o termo inicial da fluncia dos juros moratrios? 41) Quais as hipteses de no incidncia dos juros moratrios? 42) Se a petio inicial no faz meno aos juros, a sentena pode abrang-los?