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1 1 BERNARDO PIMENTEL SOUZA MANUAL DE PROCESSO EMPRESARIAL 2ª EDIÇÃO EDITORA SARAIVA

Direito Empresarial

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BERNARDO PIMENTEL SOUZA

MANUAL DE PROCESSO

EMPRESARIAL

2ª EDIÇÃO

EDITORA SARAIVA

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T E M Á R I O

TOMO I – DIREITO CAMBIÁRIO: TÍTULOS DE CRÉDITO E AÇÕES CAMBIAIS

CAPÍTULO I – TEORIA GERAL DO DIREITO CAMBIÁRIO

CAPÍTULO II – LETRA DE CÂMBIO

CAPÍTULO III – NOTA PROMISSÓRIA

CAPÍTULO IV – CHEQUE

CAPÍTULO V – DUPLICATAS

CAPÍTULO VI – AÇÕES CAMBIAIS

CAPÍTULO VII – AÇÃO MONITÓRIA

TOMO II – DIREITO FALIMENTAR: RECUPERAÇÕES EMPRESARIAIS E

FALÊNCIAS

CAPÍTULO I – TEORIA GERAL DO DIREITO FALIMENTAR

CAPÍTULO II – INSTITUTOS COMUNS ÀS RECUPERAÇÕES

EMPRESARIAIS E ÀS FALÊNCIAS

CAPÍTULO III – RECUPERAÇÃO JUDICIAL

CAPÍTULO IV – RECUPERAÇÃO JUDICIAL ESPECIAL

CAPÍTULO V – RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

CAPÍTULO VI – FALÊNCIAS

CAPÍTULO VII – AÇÃO REVOCATÓRIA

CAPÍTULO VIII – SEQUESTRO E ARRESTO CAUTELARES

CAPÍTULO IX – AÇÃO DE RESTITUIÇÃO

CAPÍTULO X – EMBARGOS DE TERCEIRO

CAPÍTULO XI – AÇÕES PENAIS

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À pequena Lavínia,

minha amada filha.

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Aos amigos Professores

Fredie Didier Jr., Marlon Tomazette, Gláucio Inácio da Silveira e Otávio Vieira Barbi,

em agradecimento ao incentivo e ao auxílio prestados em favor do presente compêndio.

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INTRODUÇÃO

O presente compêndio é a consolidação das anotações das aulas das

disciplinas ―Direito Empresarial III – Direito Cambiário‖ e ―Direito Empresarial

IV – Direito Falimentar‖, lecionadas nos últimos oito anos, no Curso de Direito

da Fundação Universidade Federal de Viçosa – UFV.

No que tange à estrutura escolhida, o compêndio está dividido em dois

tomos. O primeiro tomo é destinado ao direito cambiário, com o estudo dos

quatro principais títulos de crédito (vale dizer, letra de câmbio, nota

promissória, cheque e duplicata), das ações cambiais, da ação de

locupletamento indevido e da ação monitória, com a interpretação conjunta

das leis especiais de regência dos títulos de crédito, do Código de Processo

Civil vigente e do Código Civil de 2002. Em virtude da importância do tema,

as ações cambiais foram estudadas em dois momentos: primeiro, de forma

específica, em conjunto com cada um dos títulos de crédito, ao final dos

respectivos capítulos; depois, de forma genérica, em capítulo próprio para as

ações cambiais, com o estudo conjunto e comparativo das ações cambiais,

com a exposição do procedimento relativo ao processo de execução para a

cobrança judicial dos títulos de crédito.

Já o segundo tomo do compêndio versa sobre o direito falimentar,

com o estudo das ações de falência, de recuperação judicial e outros

institutos jurídicos correlatos, à vista da Lei nº 11.101/2005, e do Código de

Processo Civil, com as modificações provenientes das Leis nºs 11.232/2005

e 11.382/ 2006.

Por fim, além do exame das leis específicas, em ambos os tomos há

referências e comentários aos enunciados sumulares pertinentes aprovados

no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça, no Tribunal

Superior do Trabalho, no Tribunal de Justiça de São Paulo, no Tribunal de

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Justiça do Rio de Janeiro, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no antigo

Tribunal de Alçada de Minas Gerais, nas Turmas Recursais do Paraná e nas

Jornadas de Direito Civil e de Direito Comercial do Conselho da Justiça

Federal.

Bernardo Pimentel Souza

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TOMO I

DIREITO CAMBIÁRIO:

TÍTULOS DE CRÉDITO,

AÇÕES CAMBIAIS E

AÇÃO MONITÓRIA

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CAPÍTULO I — TEORIA GERAL DO DIREITO CAMBIÁRIO

1. Conceito de Direito Cambiário

O Direito Comercial – ou Direito Empresarial1 – é o ramo do direito que

dispõe sobre o empresário e as sociedades empresárias, sob todos os prismas,

desde o início da atividade empresarial, o posterior exercício da empresa, até a

eventual falência.

Já o Direito Cambiário – ou Direito Cambial – é o sub-ramo do Direito

Comercial que versa especificamente sobre os títulos de crédito e as respectivas

ações cambiais. Não obstante, por ser o Direito Cambiário norteado à luz de

princípios próprios, regido por leis específicas e interpretado em obras doutrinárias

especializadas, é até mesmo possível defender que o Direito Cambiário já é um

ramo autônomo do direito, cujo objeto reside nos títulos de crédito e nas ações

cambiais. A defesa da autonomia do Direito Cambiário encontra explicação na

regra consubstanciada na ampla legitimidade para a emissão dos títulos de

crédito, porquanto não só os empresários e as sociedades empresárias, mas

também as pessoas naturais e outras pessoas jurídicas além das sociedades

empresárias têm legitimidade para a emissão da grande maioria dos títulos de

crédito: a letra de câmbio, a nota promissória, o cheque, a duplicata de prestação

de serviços, por exemplo.

2. Notícia histórica dos títulos de crédito

A origem dos títulos de crédito remonta à Idade Média, em razão da

incompatibilidade do escambo com o crescimento da circulação de mercadorias2.

1 Como já anotado na introdução do presente compêndio, o inciso I do art. 22 da Constituição Federal vigente

consagra a tradicional denominação ―Direito Comercial‖. Não obstante, a designação ―Direito Empresarial‖ ganhou força com o advento do Código de 2002, em razão da inclusão de um livro específico acerca ―DO DIREITO DE EMPRESA‖ no novo Código Civil pátrio. Daí a preferência pela nova expressão ―Direito Empresarial‖, a qual é mais ampla do que a expressão constitucional ―Direito Comercial‖, porquanto o empresário não é só o comerciante, mas também o fabricante-industrial e o prestador de serviços. 2 Assim, na doutrina: Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 21ª ed., 1998, p. 336 a 337; e

Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 6.

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Com efeito, o desenvolvimento do comércio exigiu a criação de um meio para que

o credor pudesse fazer prova da existência do crédito, com segurança quanto ao

respectivo recebimento e a eventual cobrança forçada do devedor. Daí o

surgimento do primeiro título de crédito que se tem notícia, qual seja, a letra de

câmbio.

3. Conceito de título de crédito

O título de crédito é o documento que garante o exercício de direito

obrigacional pecuniário consagrado de forma literal e que é autônomo em relação

à obrigação originária. A propósito do conceito de título de crédito, vale conferir o

disposto no art. 887 do Código Civil: ―O título de crédito, documento necessário ao

exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando

preencha os requisitos da lei‖.

Em virtude do advento da informática e do reconhecimento legal da

respectiva utilização em relação aos títulos de créditos, já é possível apresentar

um conceito mais moderno: título de crédito é o documento físico ou digital que

explicita obrigação autônoma de pagamento de quantia certa prevista em lei.

4. Natureza jurídica: bem móvel

À vista do conceito estampado no art. 887 do Código Civil de 2002, é lícito

afirmar que os títulos de crédito são bens móveis.

Na qualidade de bens móveis, os títulos de créditos são passíveis tanto de

penhor quanto de penhora, como bem revelam os arts. 1.451 a 1.460 do Código

Civil, e os arts. 655, inciso III, e 672 do Código de Processo Civil,

respectivamente3.

3 Penhor e penhora são institutos jurídicos diferentes: enquanto o penhor é instituto de direito civil, a penhora

é instituto de direito processual. O penhor é modalidade de garantia real sobre coisa móvel, nos termos do art. 1.431 do Código Civil. Já a penhora é modalidade de garantia de execução, por meio da apreensão judicial de bens móveis e imóveis, como bem revela o art. 655 do Código de Processo Civil.

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5. Princípios norteadores do Direito Cambiário

O art. 887 do Código Civil de 2002 consagrou, à evidência, os princípios

norteadores do Direito Cambiário, quais sejam: – cartularidade ou

documentalidade; – literalidade; – autonomia; – formalidade; – legalidade ou

tipicidade.

5.1. Cartularidade ou documentalidade

A cartularidade é o princípio consubstanciado na documentação da

obrigação cambial, razão pela qual quem detém o papel representativo da dívida

pode efetuar a respectiva cobrança.

Por força da cartularidade, o título de crédito original deve ser apresentado

em juízo com a petição inicial da respectiva execução cambial. Sem dúvida, a

exigência da apresentação do original para a execução do título de crédito está

prevista no art. 614, inciso I, do Código de Processo Civil, combinado com o

parágrafo único do art. 223 do Código Civil.

Não obstante, a regra consubstanciada na necessidade da apresentação do

original do título de crédito não é absoluta4. Se o original do título de crédito

constar dos autos de outro processo judicial, o credor pode requerer certidão de

inteiro teor, a fim de instruir a petição inicial da execução, como bem autorizam o

art. 9º, parágrafo único, última parte, e o art. 94, § 3º, ambos da Lei nº

11.101/2005. À vista do art. 17 da Lei nº 9.492/1997, também é admissível a

propositura de execução aparelhada em certidão de inteiro teor expedida pelo

escrivão do tabelionato no qual o título de crédito original foi apresentado para

4 Assim, na doutrina: ―Pela própria natureza dos títulos mencionados, os mesmos devem ser juntos com a

inicial no original respectivo. Nem mesmo a fotocópia é permitida, em regra. Excepcionalmente, a certidão – e hoje, de modo muito melhor, por ser inteira reprodução gráfica, a fotocópia autenticada – de qualquer deles poderá ser anexada à inicial, se houver impossibilidade, por obstáculo judicial, no caso de o original estar já instruindo outro processo forense, sem que tenha sido permitido o desentranhamento pelo juiz.‖ (Alcides de Mendonça Lima. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VI, Tomo I, 1974, nº 741, p. 337). ―Em razão do princípio da circulabilidade dos títulos de crédito, para o ingresso da ação executiva exige-se a instrução da petição inicial com o título original, não sendo permitida a juntada de fotocópias, ainda que autenticadas. É claro que em situações nas quais o título esteja instruindo outro processo (como uma ação penal de estelionato), e sendo impossível o seu desentranhamento, bastará ao exeqüente a juntada de fotocópia e certidão de objeto e pé do processo em que se encontra o original do título.‖ (Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de direito processual civil. 2009, p. 792).

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protesto5. Outra exceção reside no art. 15, § 2º, da Lei nº 5.474/1968, com a

redação determinada pela Lei nº 6.458/1977, porquanto é admissível a execução

sem o título de crédito original quando a duplicata não é aceita nem é devolvida,

hipótese na qual a petição inicial da execução pode ser instruída com o

instrumento de protesto mediante indicações6. Por tudo, nem sempre a execução

depende da apresentação do título de crédito original.

Ainda à luz da cartularidade, aquele que paga pode exigir a entrega do

título de crédito, a fim de evitar a respectiva circulação, sob pena de nova

cobrança por parte de eventual terceiro de boa-fé portador do título7.

5.2. Literalidade

A literalidade é o princípio segundo o qual somente o que constar do título

por escrito tem valor jurídico-cambial. As obrigações cambiárias são apenas

aquelas que residem na cártula, de forma explícita: somente o que estiver escrito

no documento tem valor jurídico-cambial8.

5.3. Autonomia

A autonomia é o princípio segundo o qual cada relação jurídica proveniente

do título de crédito tem subsistência própria, independentemente das demais9.

5 Assim, na jurisprudência: Apelação nº 2002.01.1.112625-0, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 14

de outubro de 2004, p. 23. 6 De acordo, na doutrina: ―Há vezes em que a duplicata, enviada ao devedor para aceite, fica retida por ele.

Nesse caso, faz-se o protesto por indicação do credor, e a execução poderá ser feita sem a juntada do título.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 66). 7 De acordo, na jurisprudência: ―A quitação do débito representado por títulos de crédito exige procedimentos

específicos em razão da cartularidade e da possibilidade da circulação do título. Nesse passo, uma vez paga a dívida, incumbe ao devedor exigir a entrega do título de crédito, não só para fazer prova da sua quitação, mas também para impedir a sua circulação.‖ (Apelação nº 2005.01.1.071944-3, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 22 de março de 2007, p. 75). 8 Assim, na doutrina: Jean Carlos Fernandes. Direito empresarial aplicado. 2007, p. 130; Luiz Antonio Guerra.

Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos. 2007, p. 41 e 42; e Marlon Tomazette. Direito societário. 2003, p. 259. Em abono, vale conferir a ementa do seguinte precedente jurisprudencial: ―PROCESSO DE EXECUÇÃO. LITERALIDADE DO TÍTULO CAMBIÁRIO. Em execução baseada unicamente no título cambiário, nota promissória, não se poderá exigir do devedor senão o adimplemento das obrigações cambiariamente assumidas.‖ (REsp nº 2.598/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 10 de setembro de 1990). 9 De acordo, na doutrina: Marlon Tomazette. Direito societário. 2003, p. 259: ―Pela autonomia das obrigações,

do título de crédito podem decorrer vários direitos, podem surgir várias relações jurídicas, e todo o possuidor

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Com efeito, cada obrigação cambial vale por si só, por ser autônoma em relação

às obrigações pretéritas. A autonomia cambial subsiste até mesmo quando as

relações anteriores estão contaminadas por alguma nulidade, como nas hipóteses

previstas no art. 7º da Lei Uniforme de Genebra10.

A autonomia é reforçada pela abstração cambiária e pela inoponibilidade

das exceções pessoais. A abstração significa que a obrigação cambiária não está

vinculada à causa que deu origem ao crédito; e a inoponibilidade das exceções

pessoais consiste na impossibilidade de o devedor ressuscitar defeitos jurídicos

provenientes da relação jurídica primitiva, com a consequente imunidade dos

terceiros de boa-fé contra as eventuais defesas oriundas da relação obrigacional

originária, ex vi do art. 17 da Lei Uniforme de Genebra11-12.

Embora sejam – e realmente o são – princípios afins, a autonomia, a

abstração e inoponibilidade não se confundem: a autonomia diz respeito à

independência das obrigações cambiais entre si; a abstração diz respeito à

independência do título de crédito em relação à causa originária, vale dizer, ao

negócio subjacente13; e a inoponibilidade diz respeito à proteção do terceiro de

exerce o direito como se fosse um direito originário. Em outras palavras, os vícios em relações existentes entre as partes anteriores não afetam o direito do possuidor atual. Cada obrigação que deriva do título é autônoma, não podendo uma das partes do título invocar, em seu favor, fatos ligados aos obrigados anteriores‖. 10

De acordo, na doutrina: Jean Carlos Fernandes. Direito empresarial aplicado. 2007, p. 131: ―Por último, a autonomia do título de crédito determina que cada pessoa que a ele se vincula assume obrigação autônoma relativa ao título, não se vinculando uma à outra, de tal forma que uma obrigação nula não afeta as demais obrigações válidas no título, a teor do art. 7º da LUG‖. 11

Sem dúvida, a regra é a inoponibilidade consagrada no art. 17 da Lei Uniforme, mas que não tem caráter absoluto, em virtude da ressalva legal em relação à eventual má-fé do terceiro. ―Assim, devido ao princípio da autonomia, uma vez que o título de crédito saia da esfera de detenção do credor originário, entrando em circulação, deve-se aplicar a inoponibilidade das exceções pessoais, pois o portador de boa-fé exercita um direito próprio e não derivado da relação havida anteriormente, salvo quando se evidenciar que este tenha agido com má-fé.‖ (Apelação nº 2004.01.1.088269-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 26 de janeiro de 2006, p. 68). 12

Para afastar a presunção legal da boa-fé que protege o terceiro portador da cártula que executa o respectivo crédito, o devedor precisa ajuizar ação de embargos à execução, para demonstrar a má-fé do terceiro exequente. 13

Assim, na doutrina: ―Pela abstração, temos que os direitos decorrentes dos títulos são abstratos, independentemente do negócio que deu lugar ao seu surgimento. A abstração não se confunde com a autonomia das obrigações cambiais (princípio da independência das obrigações cambiais). Aquela traz a regra de que uma vez emitido o título este se libera de sua causa; essa disciplina que as obrigações assumidas no título são independentes umas das outras.‖ (Jean Carlos Fernandes. Direito empresarial aplicado. 2007, p. 132).

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boa-fé portador do título de crédito em relação aos eventuais vícios que

contaminaram o negócio celebrado entre as partes originárias14.

À vista da combinação da autonomia, da abstração e da inoponibilidade das

exceções, as obrigações jurídico-cambiais subsistem a despeito da ocorrência de

algum vício na relação jurídica primitiva, razão pela qual o terceiro de boa-fé que

não participou da relação obrigacional anterior está protegido das eventuais

nulidades que contaminaram a relação jurídica pretérita. Só há lugar para a

discussão da causa do título e para a oposição de exceções entre as partes

originárias, sem atingir o terceiro de boa-fé titular superveniente do crédito

representado na cártula. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 10.2

aprovado pelos Juízes das Turmas Recursais do Paraná: ―Cheque – endosso –

cobrança de terceiro de boa-fé: O emitente do título não pode opor exceções

pessoais ao portador de boa-fé não integrante do negócio subjacente‖.

Resta saber quando surgem a autonomia, a abstração e a inoponibilidade

das exceções: no momento da circulação do título de crédito, a fim de proteger o

terceiro de boa-fé de eventual nulidade existente na relação jurídica originária15.

Em contraposição, enquanto o título de crédito não circular, é permitida a

discussão acerca da causa debendi, com a possibilidade da demonstração da

ilicitude da origem da dívida16.

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Assim, na jurisprudência: ―Em virtude da circulação do título, decorrente da autonomia de que desfruta o título de crédito, não cabe a oposição de exceções porventura existentes entre as partes que celebraram o pacto primitivo, consoante dispõe o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais.‖ (Apelação nº 2004.01.1.049619-9, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 16 de novembro de 2006, p. 69). 15

Assim, na jurisprudência: ―A autonomia própria dos títulos de crédito consiste em reflexo da respectiva negociabilidade, é dizer, a abstração somente se verifica à vista da circulação da cambial;‖ (REsp nº 812.004/RS, 4

a Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2006, p. 452). ―Assim, devido ao princípio

da autonomia, uma vez que o título de crédito saia da esfera de detenção do credor originário, entrando em circulação, deve-se aplicar a inoponibilidade das exceções pessoais, pois o portador de boa-fé exercita um direito próprio e não derivado da relação havida anteriormente, salvo quando se evidenciar que este tenha agido com má-fé.‖ (Apelação nº 2004.01.1.088269-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 26 de janeiro de 2006, p. 68). 16

De acordo, na jurisprudência: ―Comercial. Título de crédito. Avalista. Discussão sobre a origem do débito. Ausência de circulação do título. Possibilidade. Precedentes. - Na esteira de precedentes da 3ª Turma do STJ, se o título de crédito não circulou, pode o avalista argüir exceções baseadas na extinção, ilicitude ou inexistência da dívida da qual originou o título, visando evitar o enriquecimento sem causa do credor. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 678.881/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de junho de 2006, p. 216). ―Aval. Autonomia. Oponibilidade de exceções. Não pode o avalista opor exceções fundadas em fato que só ao avalizado diga respeito, como o de ter-lhe sido deferida concordata. Entretanto, se o título não circulou, ser-lhe-á dado fazê-lo quanto ao que se refira à própria existência do débito. Se a dívida, pertinente à relação que deu causa à criação do título, desapareceu ou não chegou a existir, poderá o avalizado fundar-se nisso para recusar o pagamento.‖ (REsp nº 162.332/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de agosto

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5.4. Formalismo

À vista da parte final do art. 887 do Código Civil, tem-se que o princípio do

formalismo está consubstanciado na exigência de que o documento representativo

do crédito contenha todas as formalidades previstas na legislação pertinente, sob

pena de a cártula não ter serventia como título de crédito. Só é título de crédito o

documento redigido à luz de todas as formalidades insertas na respectiva lei de

regência17.

Por outro lado, não há como exigir outras formalidades adicionais não

previstas na legislação de regência do respectivo título de crédito. Por exemplo, as

leis que versam sobre os títulos de crédito não exigem que a cártula seja assinada

por testemunha do negócio jurídico-cambial. Daí a dispensa da assinatura de

testemunha, em virtude da inexistência de formalidade específica nas leis de

regência dos títulos de crédito18.

de 2000, p. 117). ―Em razão da não circulação do título, essa abstração é mitigada, admitindo-se discutir a causa debendi.‖ (Recurso nº 101.999, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Diário da Justiça de 28 de março de 2001, p. 82). 17

De acordo, na doutrina: Luiz Antonio Guerra. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos. 2007, p. 41 e 42; e Carlos Maximiliano Pereira dos Santos. Hermenêutica e aplicação do direito. 16ª ed., 1996, p. 319, nº 386: ―Por motivos de interesse geral se prescrevem formalidades constitutivas, essenciais para certos atos; a inobservância das mesmas induz nulidade e dá margem a outras penas, seja qual for a vontade das partes. A estes se não atribui o poder de convencionar o contrário do que uma norma imperativa ou proibitiva dispôs como substancial, intrínseco ou de ordem pública. Assim acontece com os preceitos que regulam a circulação de mercadorias e dos títulos de crédito, os requisitos das letras de câmbio e notas promissórias, a organização exterior das sociedades, os termos de outorga de mandato‖. Assim, na jurisprudência: ―APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSO DE EXECUÇÃO - REQUISITOS DE FORMALIDADE - NOTA PROMISSÓRIA - RASURA NO VALOR NUMÉRICO - OBSTÁCULO INTRANSPONÍVEL. I - Em se tratando de processo de execução, pode e deve o julgador cercar-se da certeza de estarem presentes os requisitos de formalidade inerentes aos títulos cambiais, independentemente da matéria argüida em sede de embargos. II - A rasura no valor numérico originalmente consignado, contida na nota promissória, ressai como obstáculo intransponível a que a parte possa se socorrer do rito especialíssimo a que se submete o processo de execução a fim de receber o seu crédito. III - Nada impede a parte de buscar o crédito que considera justo pela via do processo de conhecimento, quer pelo rito ordinário, quer pelo rito especial da monitória.‖ (Apelação nº 51.223/99, 2ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 1999, p. 13). ―PROCESSUAL CIVIL E COMERCIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. DUPLICATAS MERCANTIS. FORMALISMO. CIRCULAÇÃO. INOPONIBILIDADE DAS EXCEÇÕES PESSOAIS. Como título de crédito, a duplicata deve se revestir de rigoroso formalismo, preenchendo devidamente os requisitos essenciais contidos no art. 2º da Lei 5.474/68‖ (Apelação nº 2004.01.1.088269-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 26 de janeiro de 2006, p. 68). 18

De acordo, na jurisprudência: ―II. Aos títulos de crédito, assim reconhecidos em lei, dispensa-se a formalidade exigida aos contratos particulares, de assinatura de duas testemunhas, para que adquiram executoriedade.‖ (REsp nº 215.265/GO, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 2002, p. 369).

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5.5. Legalidade ou tipicidade

O princípio da legalidade está consubstanciado na necessidade da

existência de lei de constituição do título de crédito. Com efeito, apenas os

documentos reconhecidos ex vi legis como títulos de crédito têm natureza

cambiária e a consequente força executiva19. Os exemplos mais importantes de

títulos de crédito constam do inciso I do artigo 585 do Código de Processo Civil: a

letra de câmbio, a nota promissória, a duplicata, o cheque e a debênture.

Com efeito, à vista do artigo 585, inciso I, do Código de Processo Civil, com

a redação dada pela Lei nº 8.953, de 1994, e do artigo 52 da Lei nº 6.404, de

197620, com a redação conferida pela Lei nº 10.303, de 2001, não há mais dúvida

de que a debênture é título de crédito – e título executivo extrajudicial – cuja

emissão se dá pelas sociedades empresárias anônimas, na busca de

capitalização, por meio de modalidade especial de empréstimo conferido por

terceiro21.

Em contraposição, documentos sem previsão legal específica não têm

natureza de título de crédito, como ocorre, por exemplo, com o simples ―boleto

bancário‖, também denominado ―boleto de cobrança‖ ou ―bloqueto de cobrança‖.

Sem dúvida, à vista do artigo 22, inciso I, da Constituição de 1988, apenas a lei

federal pode instituir títulos de crédito; a ausência de previsão em legislação

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De acordo, na doutrina: ―e) legalidade – para a validade do título, obrigatoriamente, deve ele ser criado por lei; sem exceção, todos os títulos de crédito possuem lei especial de regência.‖ (Luiz Antonio Guerra. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos. 2007, p. 42). 20

―Art. 52. A companhia poderá emitir debêntures que conferirão aos seus titulares direito de crédito contra ela, nas condições constantes da escritura de emissão e, se houver, do certificado‖. 21

De acordo, na jurisprudência: ―1. A debênture, título executivo extrajudicial (CPC, art. 585, I), é emitida por sociedades por ações, sendo título representativo de fração de mútuo tomado pela companhia emitente. A debênture confere aos seus titulares um direito de crédito (Lei 6.404, de 15.12.1976, art. 52), ao qual se agrega garantia real sobre determinado bem e/ou garantia flutuante assegurando privilégio geral sobre todo o ativo da devedora (art. 58). É, igualmente, título mobiliário apto a ser negociado em Bolsa de Valores ou no mercado de balcão, nos termos da legislação específica (Lei 6.385, de 07.12.1976, art. 2º). 2. Dada a sua natureza de título de crédito, as debêntures são bens penhoráveis.‖ (REsp nº 834.885/RS, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de junho de 2006, p. 203, sem o grifo no original). ―1. A debênture é título executivo extrajudicial (CPC, art. 585, I) emitida por sociedades por ações, sendo título representativo de fração de mútuo tomado pela companhia emitente, passível de garantia da execução fiscal.‖ (REsp nº 1.203.358/SP – AgRg, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 16 de novembro de 2010). ―Como visto, as debêntures são títulos executivos que possuem natureza jurídica de título de crédito, e como tal podem ser executados diretamente, não necessitando da ação cognitiva, valendo por si só.‖ (Apelação nº 1.0433.06.179018-7/002, 13ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 14 de junho de 2008, sem os grifos no original).

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específica impede o reconhecimento da natureza cambiária aos documentos em

geral, como o ―boleto bancário‖22.

6. Atributos ou benefícios dos títulos de crédito: negociabilidade e

executividade

Estudados os princípios norteadores dos títulos de créditos, vale conferir os

respectivos atributos ou benefícios que explicam a subsistência e o êxito do

instituto: a negociabilidade e a executividade.

A negociabilidade consiste na maior facilidade de circulação do crédito,

porquanto a autonomia, a abstração e a inoponibilidade facilitam a negociação do

título com terceiros, os quais estão protegidos por força dos arts. 7º e 17 da Lei

Uniforme de Genebra. Daí a frequente negociação de títulos de crédito com as

instituições financeiras, as quais adquirem títulos de credores originários mediante

pagamento de parcela do valor estampado na cártula, com a posterior cobrança

da quantia total dos respectivos devedores e o consequente lucro em virtude da

operação23.

Já a executividade consiste na maior facilidade de cobrança da dívida

mediante execução forçada, sem a necessidade de prévio processo de

conhecimento para a respectiva cobrança judicial. Com efeito, os títulos de

créditos típicos autorizam o imediato ajuizamento de execução por quantia certa,

sob o procedimento previsto nos arts. 646 a 724 do Código de Processo Civil,

porquanto o inciso I do art. 585 do mesmo diploma confere aos títulos de crédito

típicos força de título executivo extrajudicial. Daí a possibilidade da constrição de

22

De acordo, na jurisprudência: ―O boleto bancário não é tipificado em nosso sistema comercial como título de crédito e por isso não há como se admitir o seu protesto, que se mostra claramente abusivo.‖ (Apelação nº 1.0433.99.002460-9, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 21 de julho de 2009). ―O simples boleto bancário não enseja apontamento de protesto, por não previsto na legislação como título representativo de dívida, máxime quando não comprovado o lastro em nota fiscal correspondente.‖ (Apelação nº 2.0000.00.423714-5, 4ª Câmara Civil do TAMG, Diário da Justiça de 20 de março de 2004). ―Segundo entendimento dominante nos tribunais, o boleto bancário não constitui título de crédito, não se sujeitando, dessa forma, ao protesto cambial.‖ (Agravo de Instrumento nº 2007.00.2.005763-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 27 de setembro de 2007, p. 119). 23

Daí as frequentes ―operações de desconto em bancos das duplicatas ou outro título representativo dos créditos derivados das vendas‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 12ª ed., 2011, p. 250).

17

17

bens do devedor mediante penhora e até arresto, com a posterior alienação

judicial dos bens, para a satisfação da dívida em favor do credor.

7. Características da obrigação cambiária: quesível e pro solvendo

Em regra, a obrigação cambiária é quesível e pro solvendo: por ser

quesível, a iniciativa rumo à busca do pagamento da quantia estampada no título

cabe ao credor24; e por ser obrigação pro solvendo, a extinção da obrigação

cambiária se dá com o efetivo pagamento, vale dizer, com a liquidação do título de

crédito25.

Só excepcionalmente, portanto, a obrigação cambiária é portável e pro

soluto, por força de disposição específica na lei de regência ou no bojo do título de

crédito.

8. Classificações dos títulos de crédito

Os títulos de crédito são classificados segundo muitos critérios26: – modelo

ou padronização; – estrutura ou relações jurídicas; – emissão ou origem; –

24

De acordo, na jurisprudência: ―– Nosso sistema jurídico adota a regra de que o pagamento é quesível, isto é, deve ser procurado pelo credor (dívida querable), salvo estipulação em contrário, isto é, que se tenha ajustado – ou que se possa inferir dos dados concretos – que ao devedor competiria oferecer o pagamento (dívida portable).‖ (Apelação nº 1.0027.08.157786-1/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 10

de setembro de 2009). ―– Em virtude de o cheque representar obrigação quesível, o devedor é constituído em mora pela apresentação do título pelo credor ao banco sacado, data a partir da qual deverão incidir os juros moratórios.‖ (Apelação nº 1.0481.05.043034-9/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 10 de maio de 2007). 25

Assim, na jurisprudência: ―– O mero recebimento, pelo credor, de cheque para pagamento de Duplicata não importa novação da dívida, porquanto referenciado cheque tem a característica pro solvendo, importando dizer que somente se concretiza o pagamento após sua compensação.‖ (Apelação nº 2.0000.00.377750-0/001, 2ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 29 de novembro de 2003). ―– Tratando-se de pagamento de dívida com cheque pós-datado, a extinção da obrigação somente se verifica após a liquidação decorrente de sua compensação, em razão do efeito pro solvendo da cártula.‖ (Apelação nº 2.0000.00.400700-3/001, 2ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 20 de dezembro de 2003). 26

Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial. Volume I, 3ª ed., 2000, p. 375 a 377, e Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, 385 a 387; Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 28 e 29; e Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery. Código Civil comentado. 6ª ed., 2008, p. 721, comentário 19, in verbis: ―19. Classificação. 1) Quanto ao modelo: livre (sem modelo fixo) ou vinculado (com modelo fixo); 2) quanto à circulação: ao portador (não há menção ao beneficiário, que poderá ser a pessoa que o tenha em seu poder), ou nominativos (com explícita menção ao beneficiário); 3) quanto à emissão: causal (dependente do negócio que lhe deu origem) ou abstrato (sem ligação com o negócio que lhe deu origem; eventual invalidade deste, p. ex., não lhe é prejudicial); 4) quanto à natureza: próprio (o título representa o crédito) ou impróprio‖.

18

18

circulação ou transferência da titularidade; e – natureza (cambial ou

cambiariforme).

No que tange ao modelo, os títulos de crédito podem ser vinculados ou

livres, conforme a confecção dependa da observância de padrão legal

(vinculados), ou não (livres). Por exemplo, o cheque e as duplicatas são títulos

vinculados, porquanto são submetidos a um padrão legal de confecção, sob pena

não serem considerados títulos de crédito. Já a letra de câmbio e a nota

promissória são títulos livres, já que podem ser confeccionadas em qualquer

documento, ainda que não seja um formulário padronizado; basta que sejam

redigidas (a letra e a nota) em um papel, de qualquer tamanho, cor ou forma, com

o lançamento dos termos legais.

Quanto à estrutura, os títulos de crédito podem ser promessa de

pagamento ou ordem de pagamento, consoante a existência de duas ou três

posições jurídicas distintas, respectivamente. Por exemplo, a nota promissória é

uma promessa de pagamento na qual são encontradas apenas duas posições

jurídicas: o emitente-sacador e o credor-beneficiário. Já a letra de câmbio, o

cheque e as duplicatas têm natureza de ordem de pagamento, com a existência

de três posições jurídicas: emitente-sacador, sacado e credor-beneficiário.

No tocante à emissão, os títulos de crédito são causais ou abstratos, em

razão da relevância da origem da obrigação (causais), ou não (abstratos). A

formação de um título causal depende da ocorrência de um fato específico

indispensável por força de lei para a emissão do título. Já o título abstrato ou não

causal pode ser emitido independentemente da origem da obrigação. Por

exemplo, as duplicatas são títulos de crédito provenientes de compra e venda

mercantil ou de prestação de serviços; são, por consequência, títulos causais27.

27

Assim, na jurisprudência: Apelação nº 2002.07.1.009048-0, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 26 de agosto de 2004, p. 80: ―1 – A duplicata, consoante classificação doutrinária, se constitui em título de crédito causal no sentido de que a sua emissão somente pode ocorrer na hipótese autorizada pela lei, ou seja, de documentação de crédito nascido de uma relação de compra e venda mercantil, que tem como consequência imediata da causalidade a insubsistência da duplicata originada de ato ou negócio jurídico diverso‖. Em abono, ainda na jurisprudência: Apelação nº 2004.01.1.111911-8, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 5 de dezembro de 2006, p. 79: ―Como título causal, a duplicata exige existência prévia de compra de mercadorias ou prestação de serviços. Caso verificado, como no caso vertente, que os títulos foram emitidos sem observância de tal requisito legal, o prestígio da r. sentença que os reconheceu nulos de

19

19

Em contraposição, a letra de câmbio, a nota promissória e o cheque não são

causais, já que podem ser emitidos sem vinculação a nenhuma causa legal

específica. Daí a possibilidade de a letra, a nota e o cheque terem as mais

diversas origens: comerciais, civis, tributárias, administrativas e até penais28. Por

fim, embora seja causal em razão de o saque depender da existência de um

negócio específico, a duplicata que circula adquire a autonomia e a abstração

como os demais títulos de crédito que não estão vinculados a causa alguma29.

No que tange à circulação do título de crédito, isto é, da transferência da

titularidade, os títulos de crédito podem ser ao portador ou nominativos. Os títulos

ao portador não contêm identificação do beneficiário e são transmissíveis pela

simples tradição, com a mera entrega da cártula. Com efeito, à vista do art. 904 do

Código Civil, o título ao portador contém a premissa de que o credor é quem porta

o título, cuja transferência se dá mediante simples tradição, com a entrega do

documento representativo do título. Já os títulos nominativos revelam o nome da

pessoa em favor de quem são emitidos: os títulos nominativos são marcados pela

designação do credor, razão pela qual a transmissão ocorre mediante a tradição

acompanhada de endosso cambiário ou da cessão civil de crédito, conforme o

caso. Os títulos nominativos podem ser à ordem ou não à ordem. O título

nominativo à ordem é marcado pela possibilidade da transferência mediante

endosso cambiário, conforme revela o art. 910 do Código Civil. O endosso

também pode ser em branco ou em preto. O endosso em branco é o proveniente

pleno direito os títulos emitidos traduz medida que se impõe‖. ―Como título de crédito causal que é, a duplicata só poderá ser sacada quando houver ocorrido compra e venda de mercadoria ou prestação de serviços.‖ (Apelação nº 2003.01.1.047573-3, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 25 de outubro de 2005, p. 99). 28

Em sentido semelhante ao texto do parágrafo, na doutrina: ―Trata-se dos chamados títulos cambiais ou cambiariformes, havendo os que são causais, isto é, exigíveis desde que acompanhados de comprovação da relação jurídica subjacente, como a duplicata, e os não-causais, que guardam autonomia sobre qualquer relação subjacente, como os cheques e a nota promissória.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 66). ―a) Títulos causais são os títulos que nascem, obrigatoriamente, de uma causa determinada em lei, como são os casos das duplicatas, que nascem da compra e venda mercantil ou da prestação de serviços; da cédula de crédito industrial que só nasce do financiamento a quem se dedica à atividade industrial; do conhecimento de depósito e do warrant, que só nascem do depósito de mercadorias em armazéns gerais e assim outros títulos. b) Títulos abstratos são os títulos que podem nascer de qualquer causa, já que a lei de regência não predetermina causa alguma para sua criação. São assim a letra de câmbio, a nota promissória, o cheque e outros.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 28 e 29). 29

De acordo, na doutrina: ―A duplicata, por exemplo, em si mesma, é título causal, mas quando funciona como base de uma execução, deixa de ser causal e passa a ser vista como abstrata.‖ (Amílcar de Castro. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, 2ª ed., 1976, p. 54).

20

20

da simples assinatura, sem a identificação do credor. Já o endosso em preto

contém a identificação do beneficiário. Em contraposição, o título nominativo não à

ordem não é passível de transferência mediante endosso, razão pela qual a

transmissão é juridicamente possível, mas depende de contrato civil de cessão

ordinária de crédito, nos termos da legislação civil30.

Por fim, os títulos de crédito podem ser cambiais ou cambiariformes,

segundo a lição de Pontes de Miranda. A letra de câmbio e a nota promissória, por

exemplo, são típicas cambiais. Já o cheque e as duplicatas têm forma cambial,

mas não são verdadeiras cambiais. Daí a explicação para a denominação

consagrada na doutrina: ―cambiariforme‖. Não obstante, tanto os títulos cambiais

(letra e nota) quanto os títulos cambiariformes (cheque e duplicatas) têm natureza

de título executivo extrajudicial e ensejam ação cambial, com fundamento nos

mesmos arts. 585, inciso I, 646 e 652, todos do Código de Processo Civil.

9. Subsistência do Direito Cambiário na ―Era da Informática‖

Ao contrário do que se imaginava à vista do advento da informática no

mundo contemporâneo, os títulos de crédito subsistem no direito brasileiro, ex vi

do Código Civil de 2002: se é certo que o Código Civil vigente autoriza a utilização

da informática para a confecção dos títulos de crédito31, também é correto afirmar

que o Código de 2002 preservou a cartularidade dos títulos32, ainda que indireta33,

em prol da segurança jurídica que assegurou o florescimento e a subsistência do

Direito Cambiário ao longo dos séculos.

Com efeito, os títulos de crédito não são incompatíveis com os avanços da

informática. Nada impede a emissão e a circulação de título de crédito de forma

30

Cf. arts. 286 e seguintes do Código Civil. 31

Cf. art. 889, § 3º, do Código Civil. 32

Cf. art. 887 do Código Civil. 33

Até mesmo os títulos de crédito virtuais ensejam a conferência e a comprovação da autenticidade da assinatura do emitente e dos demais subscritores do título, à luz das firmas colhidas para a obtenção do certificado digital.

21

21

eletrônica34, sem prejuízo da segurança jurídica proveniente da documentalidade,

para a posterior execução forçada35.

Por fim, os juristas estão divididos quanto ao futuro dos títulos de crédito: de

um lado, há os que confiam na subsistência do Direito Cambiário na ―Era da

Informática‖36; de outro lado, há respeitáveis juristas que suscitam dúvidas acerca

do futuro do Direito Cambiário37. Embora seja difícil prever qual será o destino dos

títulos de crédito nas próximas décadas, o certo é que subsistem em muitos

diplomas legais e ainda têm significativa importância nas transações civis,

comerciais e bancárias, tanto que constam (os títulos de crédito) no novo projeto

de Código Comercial que está em tramitação na Câmara dos Deputados.

Ademais, não há incompatibilidade invencível entre os títulos de crédito e a

informática: observadas as formalidades legais para a obtenção da certificação

digital, as assinaturas eletrônicas são válidas, seguras e podem ser

instrumentalizadas caso seja necessária a propositura de execução forçada.

34

De acordo: ―Os títulos de crédito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados eletronicamente, mediante assinatura com certificado digital, respeitadas as exceções previstas em lei.‖ (enunciado nº 461 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal). 35

Vale ressaltar que a documentalidade necessária para a execução cambial pode ser obtida de forma indireta, como bem revela o enunciado nº 460 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação de serviços‖. 36

Cf. Jean Carlos Fernandes. Direito empresarial aplicado. 2007, p. 117: ―Embora os avanços tecnológicos venham criando novas realidades contratuais, envolvendo o comércio eletrônico, a tributação de software, entre outras evoluções, o direito cambiário, baseado na cártula, ainda continua mantendo a sua importância para o desenvolvimento e segurança das relações ou situações jurídicas.‖ ―Os princípios do direito cambiário ainda resistem às inovações preconizadas pela informática. Tanto é assim que o Código Civil de 2002, concebido para ser um diploma moderno em sua época, positivamente incorpora os princípios cambiários ao definir título de crédito em seu art. 887 como ‗documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido‘.‖. 37

Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 389 e 390: ―Os títulos de crédito surgiram na Idade Média, como instrumentos destinados à facilitação da circulação do crédito comercial. Após terem cumprido satisfatoriamente a sua função, ao longo dos séculos, sobrevivendo às mais variadas mudanças nos sistemas econômicos, esses documentos entram agora em período de decadência, que poderá levar até mesmo ao seu fim como instituto jurídico‖.

22

22

CAPÍTULO II — LETRA DE CÂMBIO

1. Legislação de regência

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o Código Civil de 2002

não é o principal diploma de regência da letra de câmbio, porquanto o proêmio do

art. 903 preservou as leis especiais pretéritas referentes aos títulos de crédito. Daí

a incidência apenas subsidiária do Código Civil de 2002, somente quando a

legislação especial for omissa. A propósito, vale conferir o enunciado nº 463

aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As

disposições relativas aos títulos de crédito do Código Civil aplicam-se àqueles

regulados por leis especiais, no caso de omissão ou lacuna‖.

O principal diploma de regência da letra de câmbio38 é a Convenção de

Genebra de 1930, também intitulada ―Lei Uniforme sobre letras de câmbio e notas

promissórias‖, a qual recebeu a adesão do Governo brasileiro em 1942, a

posterior aprovação do Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo nº

54/196439, e a derradeira promulgação mediante o Decreto nº 57.663/196640,

subscrito pelo Presidente da República41.

Como os tratados sobre Direito Comercial ou Direito Empresarial são

incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro com força de lei ordinária

federal42, houve a parcial revogação tácita do anterior Decreto nº 2.044/190843, o

38

Na verdade, a Convenção de Genebra também é o principal diploma de regência da nota promissória, tema do próximo capítulo. 39

À vista da competência exclusiva tradicional prevista no art. 66, inciso I, da Constituição Federal de 1946, no art. 47, inciso I, da Carta de 1967 e no art. 49, inciso I, da Constituição Federal de 1988. 40

À vista da competência consagrada no art. 87, incisos I e VII, da Constituição de 1946, no art. 83, incisos II e VIII, da Carta de 1967 e no art. 84, incisos IV e VIII, da Constituição de 1988. 41

―1)- O Pleno do Supremo Tribunal Federal já decidiu unanimemente que tem eficácia imediata no país a Convenção Internacional aprovada pelo Congresso em Decreto Legislativo e promulgada por decreto do Presidente da República (RE 71.154, na RTJ 58/70). 2)- A Lei Uniforme sobre Cambiais e Promissórias está vigente no Brasil, porque o Decreto Legislativo nº 54/1964 aprovou, e o Decreto Executivo nº 57.663 de 24/01/66, promulgou a Convenção de Genebra, da qual se originou esse diploma.‖ (RE nº 76.236/MG, Pleno do STF, RTJ, vol. 67, p. 601). 42

De acordo, na doutrina: Moacyr Amaral Santos. Primeiras linhas de direito processual civil. Volume III, 15ª ed., 1995, p. 159. Na precisa lição do eminente Ministro, ―os tratados e as leis se equiparam. Os tratados são leis‖. Ainda a respeito do tema, merece ser prestigiado acórdão da relatoria do eminente Ministro Eduardo Ribeiro: ―Tratado Internacional. Lei ordinária. Hierarquia. O tratado internacional situa-se formalmente no mesmo nível hierárquico da lei, a ela se equiparando.‖ (REsp nº 73.376/RJ, 3ª Turma do STJ). Por fim, vale conferir precedente do Plenário do STF, com igual entendimento: RE nº 80.004/SE, RTJ, vol. 83, p. 809.

23

23

qual, todavia, subsiste em relação às omissões da Convenção de Genebra e às

reservas previstas no art. 1º do Decreto nº 57.663/1966, à vista do Anexo II da Lei

Uniforme.

Daí a conclusão extraída da combinação do art. 903 do Código Civil de

2002, com o Decreto nº 57.663/1966, e com o Decreto nº 2.044/1908, no que

tange às regras de regência da letra de câmbio: – em primeiro lugar, incide a

Convenção de Genebra, isto é, a Lei Uniforme; – em segundo lugar, na

eventualidade de omissão na Convenção de Genebra ou de reserva estabelecida

pelo Decreto nº 57.663/1966, incide a Lei Cambiária Nacional, estampada no

Decreto nº 2.044/1908, como na hipótese, por exemplo, do aval antecipado, regido

pelo art. 14 do centenário diploma; – em terceiro lugar, incide o Código Civil,

quando as leis especiais forem omissas, como se dá em relação aos efeitos do

aval póstumo: diante da omissão da Lei Uniforme e da Lei Cambiária Nacional,

incide o art. 900 do Código Civil, aplicável de forma subsidiária até mesmo aos

títulos de crédito com legislação própria, como a letra de câmbio.

Por fim, a legislação de regência da letra de câmbio também é fonte

subsidiária dos demais títulos de crédito. Com efeito, os arts. 75 e 77 da Lei

Uniforme e o art. 25 da Lei nº 5.474/1968 determinam a aplicação subsidiária das

regras referentes à letra de câmbio em relação às notas promissórias e duplicatas,

respectivamente. Na verdade, como a letra de câmbio é o título de crédito mais

antigo e o mais completo, as leis de regência da letra têm incidência subsidiária

em relação aos demais títulos44. Daí a explicação para a construção da

43

Não obstante, o douto Professor Fábio Ulhoa Coelho sustenta que ―a via escolhida, em 1966, para fazer valer a Convenção de Genebra no direito brasileiro, não era tecnicamente correta. O Decreto nº 2.044/08 possui estatuto de lei ordinária, e sua revogação não pode ocorrer por meio de simples decreto do Poder Executivo, mas apenas por outra lei.‖ (Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 393). A despeito da autorizada opinião do Professor Fábio Ulhoa Coelho, não se vislumbra inadequação da via legislativa eleita para a incorporação da Convenção de Genebra ao direito pátrio, tendo em vista o disposto no art. 66, inciso I, da Constituição Federal de 1946, no art. 47, inciso I, da Carta de 1967 e no art. 49, inciso I, da Constituição Federal de 1988. Como já sustentado no texto principal, o Decreto nº 57.663 é constitucional e foi incorporado ao direito brasileiro com força de lei ordinária. 44

Cf. Apelação nº 2004.01.1.088269-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 26 de janeiro de 2006, p. 68.

24

24

denominada ―Teoria Geral do Direito Cambiário‖ à luz da letra de câmbio45, por ter

sido o título de crédito que influenciou os demais46.

2. Conceito, natureza jurídica e sujeitos da relação jurídico-cambial

A letra câmbio é o título de crédito de modelo livre por meio do qual o

emitente-sacador dá uma ordem a outrem (―sacado‖), para que efetue pagamento

em prol do credor-beneficiário.

A propósito dos sujeitos da relação jurídico-cambial, não só os empresários

podem ser emitentes, sacados e credores da letra de câmbio. Todas as pessoas

naturais capazes e as pessoas jurídicas em geral podem assumir obrigações e ser

beneficiárias de direitos cambiais por meio de letra47.

Em regra, três pessoas intervêm na letra de câmbio: o emitente-sacador, o

sacado e o credor-beneficiário. O sacador é o emitente da letra, o subscritor do

título de crédito. Já o sacado é a pessoa física ou jurídica contra quem é emitida a

ordem de pagamento. Ao aceitar a letra de câmbio, com o lançamento da

respectiva assinatura, o sacado também passa a ser denominado ―aceitante‖,

quando ocupa o lugar de devedor principal do título. Antes do aceite, todavia, o

sacado não tem obrigação cambial alguma; a só emissão da letra não torna o

sacado obrigado pela cambial. Com efeito, a obrigação do sacado nasce com a

aceitação da letra, quando assume a qualidade de devedor principal. Por fim, o

credor ou tomador é o beneficiário do crédito. Um exemplo pode facilitar a

compreensão das três posições jurídicas provenientes da letra de câmbio:

imagine-se que A é devedor de B, em razão de dívida correspondente a R$

45

Assim, na doutrina: ―É sabido que toda a teoria dos títulos de crédito, historicamente, nasceu do estudo da letra de câmbio, o mais completo e complexo dos títulos.‖ ―O título de inspiração da Teoria Geral dos Títulos de Crédito sempre foi a Letra de Câmbio, porque, além de ser essencialmente uma cambial, é o título de maior expressão internacional dada a sua complexidade e as declarações que nela se inserem.‖ (Luiz Antonio Guerra. Teoria geral dos títulos de crédito e institutos conexos. 2007, p. 13 e 43, respectivamente). 46

De acordo, na doutrina: ―Sem dúvida alguma e por tudo que conhecemos, podemos afirmar que a letra de câmbio é o mais antigo título de crédito. Foi o primeiro deles, seguido da nota promissória. Então, se alguma coisa deve-se pesquisar, refere-se ao título mais importante que é a letra de câmbio.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 3). 47

De acordo, na doutrina: ―Hoje em dia, por exemplo, não são apenas os comerciantes que assinam letra de câmbio ou notas promissórias, títulos usados exclusivamente pelos mercadores, na época medieval e até época bem recente. O emprego do título de crédito tornou-se corrente e universal.‖ (Miguel Reale. Lições preliminares de direito. 27ª ed., 4ª tiragem, 2004, p. 364).

25

25

10.000,00. Por sua vez, B também é devedor de C, mas em montante superior: R$

15.000,00. Ao invés de pagar diretamente a quantia integral ao respectivo credor

(C), B (sacador) paga R$ 5.000,00 em espécie48 e emite (B) letra de câmbio contra

A (sacado), com a ordem de pagamento da quantia correspondente a R$

10.000,00 em favor de C (beneficiário), nos seguintes termos:

Por meio da presente letra de câmbio, emitida em 31 de julho de

2012, em Belo Horizonte, Minas Gerais, o emitente-sacador B,

inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob o nº 222.222-22,

domiciliado em Belo Horizonte, no endereço X, ordena ao sacado A,

inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob o nº 111.111-11,

domiciliado em Brasília, no endereço Y, que pague em prol do

tomador-beneficiário C, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob

o nº 333.333-33, domiciliado em Brasília, no endereço Z, no dia 31

de janeiro de 2013, o montante de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a ser

pago no endereço do tomador-beneficiário C, em Brasília, no Distrito

Federal, sob pena de juros moratórios de 1% (um por cento) ao mês

e de correção monetária a partir do vencimento, nos termos do artigo

406 do Código Civil, do artigo 161, § 1º, do Código Tributário

Nacional, e do artigo 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981.

Assinada pelo emitente-sacador B.

Na eventualidade de o sacado (A) não aceitar a ordem nem efetuar o

respectivo pagamento voluntário, o emitente-sacador (B) é o responsável pelo

pagamento da quantia correspondente a R$ 10.000,00, em favor do credor-

beneficiário (C).

A despeito de a regra ser a participação de três sujeitos na relação cambial

proveniente da letra, o art. 3º da Lei Uniforme permite que o próprio emitente-

48

Vale dizer, em dinheiro.

26

26

sacador seja também o credor-beneficiário49, quando emite a letra de câmbio em

seu próprio favor, contra o sacado. Ainda a respeito do art. 3º da Lei Uniforme, o

preceito também permite que a letra seja emitida contra o próprio sacador, quando

o emitente e o sacado são a mesma pessoa. Em suma, as três posições jurídicas

existentes na letra de câmbio podem ser ocupadas por apenas duas pessoas.

Voltando os olhos ao credor-beneficiário, o mesmo pode efetuar a

transferência da titularidade em prol de outrem (endossatário), por meio de

simples endosso. Na eventualidade de o sacado deixar de efetuar o pagamento, o

endossatário pode acionar tanto o emitente-sacador quanto o endossante (anterior

credor-beneficiário) – e até mesmo o sacado, se a letra foi aceita. Sem dúvida, o

saque, que é o ato consubstanciado na emissão do título de crédito, também

produz o efeito jurídico de vincular o emitente-sacador ao pagamento da letra de

câmbio, na qualidade de coobrigado, como bem estabelecem os arts. 9º e 43 da

Lei Uniforme.

Por fim, é vedada a emissão de letra de câmbio para documentar crédito

proveniente de compra e venda mercantil a prazo faturada, em razão da restrição

contida no art. 2º da Lei nº 5.474/196850. Pelo mesmo fundamento, não é

admissível a emissão de letra de câmbio com fundamento em prestação de

serviço faturada. Vale ressaltar que a vedação estampada no art. 2º teve como

imediata consequência prática o quase desaparecimento da letra de câmbio dos

negócios internos no Brasil, com o aumento da utilização das duplicatas mercantil

e de prestação de serviços. Não obstante, a letra de câmbio ainda é utilizada com

frequência no comércio externo, tanto que no Banco Nacional de Desenvolvimento

Econômico e Social são encontrados muitos modelos de letras de câmbio

destinados aos negócios internacionais, para orientar os empresários individuais e 49

De acordo, na jurisprudência: ―Comercial. Protesto por falta de aceite. Letra de câmbio não endossada. Direito do sacador-tomador. Segurança concedida. - O ato da Corregedoria de Justiça que veda ao sacador-tomador da letra de câmbio o acesso ao protesto por falta de aceite, pela circunstância de se confundirem ambos os papéis na mesma pessoa, viola direito do sacador em tomar a providência preservativa dos direitos decorrentes da impontualidade, definidos pelo regime jurídico dos títulos de crédito.‖ (RMS nº 2.603/SP, 4

ª

Turma do STJ, Diário da Justiça de 23 de maio de 1994, p. 12.609). 50

De acordo, na jurisprudência: ―Em se tratando de dívida resultante de compra de mercadoria a prazo, é vedado ao vendedor emitir letra de câmbio em lugar da duplicata mercantil, mas nada obsta que a compra e venda seja representada por nota promissória ou por cheque, que são títulos sacados pelo comprador (Inteligência do art. 2º da Lei nº 5.474/68).‖ (Apelação nº 2.0000.00.306935-8, 3ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 26 de agosto de 2000).

27

27

os administradores e diretores das sociedades empresárias, nas transações com

empresários e sociedades empresárias de outros países.

3. Requisitos ou elementos da letra de câmbio

A letra de câmbio é um título de crédito de modelo livre, razão pela qual ser

emitida em qualquer papel, de todos os tamanhos, porquanto não há formulário

padronizado ex vi da legislação de regência. Basta, portanto, o cumprimento dos

requisitos legais para a transformação de um simples papel em letra de câmbio.

Sem dúvida, o lançamento dos termos legais tem o condão de transformar

qualquer papel em letra de câmbio.

Quanto aos requisitos da letra de câmbio, os principais elementos estão

arrolados no art. 1º da Lei Uniforme. Não obstante, há requisitos essenciais e

requisitos acidentais. Requisitos essenciais são os elementos constitutivos da letra

cujas ausências implicam descaracterização do título. Já os requisitos acidentais

são os elementos sanáveis nas hipóteses arroladas no art. 2º da Lei Uniforme.

Expostas as duas classes de requisitos existentes no art. 1º da Lei

Uniforme, convém examinar cada um dos elementos constitutivos da letra.

Em primeiro lugar, há a necessidade da denominação ―letra de câmbio‖

inserta no bojo do documento. Na verdade, nada impede a utilização da simples

palavra ―letra‖, tal como consta do art. 1º, número 1, da Lei Uniforme. Também é

possível a utilização da expressão correspondente na língua estrangeira51,

porquanto é admissível a execução de título de crédito emitido no estrangeiro,

independentemente de homologação no Brasil, ex vi do art. 585, inciso I e § 2º, do

Código de Processo Civil52.

51

Por exemplo, bill of exchange. 52

Assim, na jurisprudência: ―— Os títulos de crédito constituídos em país estrangeiro, para serem executados no Brasil (CPC, art. 585, § 2º), não dependem de homologação pelo Supremo Tribunal Federal. A eficácia executiva que lhes é inerente não se subordina ao juízo de delibação a que se refere o art. 102, I, ‗h‘, da Constituição, que incide, unicamente, sobre ‗sentenças estrangeiras‘, cuja noção conceitual não compreende, não abrange e não se estende aos títulos de crédito, ainda que sacados ou constituídos no exterior.‖ (RCL nº 1.908/SP – AgRg, Pleno do STF, Diário da Justiça de 3 de dezembro de 2004).

28

28

Em segundo lugar, a letra de câmbio deve conter mandamento explícito

para que seja pago determinado valor. Com efeito, à vista do art. 1º, número 2, da

Lei Uniforme, a letra deve revelar uma ordem de pagamento de determinado

montante. A ordem deve ser incondicional, isto é, o pagamento não pode

depender de condição alguma53. Na eventualidade de divergência entre o valor

por extenso e o indicado em algarismos, prevalece a quantia escrita por extenso,

tendo em vista o disposto no art. 6º, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme. Como já

anotado, é admissível a emissão da letra de câmbio em moeda estrangeira, a ser

paga no Brasil, com a conversão para a moeda nacional corrente no momento do

pagamento54. Na mesma esteira, também é admissível a emissão de letra de

câmbio em índice oficial55, porquanto a conversão para a moeda corrente no país

se dá mediante simples operação matemática.

À vista do art. 1º, número 3, da Lei Uniforme, a letra deve revelar ―o nome

daquele que deve pagar (sacado)‖. Na verdade, mais do que o simples nome do

sacado, o art. 3º da Lei nº 6.268/1975 exige a identificação do sacado por meio da

inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, do número no Registro Geral da

Secretaria de Segurança Pública, do número do Título Eleitoral ou do número da

Carteira Profissional. Em suma, o sacado deve ser qualificado na letra de câmbio,

a fim de evitar eventual confusão proveniente de homonímia. Não há, todavia,

necessidade de assinatura do sacado no momento da emissão da letra; a

assinatura do sacado será buscada em momento posterior, para o lançamento do

―aceite‖ que torna o sacado devedor principal do título. Se o sacado não aceitar a

ordem de pagamento consubstanciada na letra de câmbio, permanecerá

totalmente alheio à relação cambial, a qual subsistirá apenas em relação ao

emitente-sacador e ao credor-beneficiário56.

53

―Considera-se condição a cláusula que, derivando exclusivamente da vontade das partes, subordina o efeito do negócio jurídico a evento futuro e incerto.‖ (art. 121 do Código Civil de 2002). 54

Assim, na jurisprudência: ―— Letras de câmbio emitidas no estrangeiro. Aplicação do princípio locus regit actum.‖ ―As cambiais em moeda estrangeira, vencidas e não pagas, são exeqüíveis no Brasil, pelo seu valor

em moeda nacional, ao câmbio do dia da liquidação.‖ (Ag nº 80.938/SP – AGR, 2ª Turma do STF, RTJ, vol. 97, p. 238). 55

Por exemplo, UFIR – Unidade Fiscal de Referência, TR – Taxa Referencial. 56

E também em relação aos eventuais endossantes e avalistas!

29

29

A letra também deve conter a praça do pagamento e o dia do vencimento

do título. Com efeito, o art. 1º da Lei Uniforme exige ―a indicação do lugar em que

se deve efetuar o pagamento‖57 e ―a época do pagamento‖58. Se não for indicada

a data do vencimento, o título é considerado ―à vista‖, por força do art. 2º,

parágrafo segundo, da Lei Uniforme, e do art. 889, § 1º, do Código Civil. Se não

for designado o lugar do pagamento, será considerado o endereço do sacado

revelado na cártula: ―Na falta de indicação especial, o lugar designado ao lado do

nome do sacado considera-se como sendo o lugar do pagamento, e, ao mesmo

tempo, o lugar do domicílio do sacado‖59.

Além da qualificação do sacado, a letra ainda deve conter o nome do

tomador, ou seja, do credor-beneficiário, a quem deve ser paga a importância

expressa no título. Diante da literalidade do art. 1º, número 6, da Lei Uniforme, não

é admissível letra de câmbio ao portador. É possível, todavia, a emissão da letra

de câmbio sem a imediata indicação do credor-beneficiário, desde que o

respectivo portador complete o título antes do protesto ou da execução judicial da

cambial, tendo em vista a permissão consagrada no enunciado nº 387 da Súmula

do Supremo Tribunal Federal: ―A cambial emitida ou aceita com omissões, ou em

branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé, antes da cobrança ou do

protesto‖.

À vista do número 7 do art. 1º da Lei Uniforme60, a letra de câmbio deve

conter a data e o local da emissão do título. Na ausência de designação do lugar

onde a letra foi passada, considera-se emitida no local indicado ao lado do nome

do emitente-sacador, por força do art. 2º, parágrafo quarto, da Lei Uniforme, e do

art. 889, § 2º, do Código Civil. Não obstante, o mesmo não ocorre diante da falta

da data da emissão. Com efeito, não é letra de câmbio o documento omisso

acerca da data da emissão. É certo que a ausência da data da emissão pode ser

sanada à luz do enunciado nº 387 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, ou

seja, antes do protesto e da propositura da execução da cambial. Se, entretanto, a

57

Cf. art. 1º, número 5, da Lei Uniforme. 58

Cf. art. 1º, número 4, da Lei Uniforme. 59

Cf. art. 2º, parágrafo terceiro, da Lei Uniforme. 60

E também do art. 889, caput, do Código Civil.

30

30

falha não for sanada a tempo e modo, a falta da data da emissão retira do

documento a força de título de crédito61.

Ao final, a letra deve conter a assinatura do sacador que emite a cambial,

tendo em vista o disposto no art. 1º, número 8, da Lei Uniforme, e no art. 889,

caput, do Código Civil62.

Diante de eventual impossibilidade de assinatura por parte do emitente-

sacador, o título pode ser subscrito por procurador com o poder especial para

assinar a letra de câmbio. Não obstante, o mandatário com poder especial para

sacar a cambial não pode ser o próprio beneficiário do título, como bem assentou

o antigo Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro, ao aprovar o enunciado nº 16:

―É nulo o título cambial emitido por procurador do mutuário, vinculado ao

mutuante‖63. Na mesma esteira, o Superior Tribunal de Justiça aprovou o

enunciado nº 60, in verbis: ―É nula a obrigação cambial assumida por procurador

do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste‖64. Bem

examinados os verbetes sumulares, é lícito concluir que o enunciado nº 16 e o

enunciado nº 60 prestigiaram a conclusão nº 2 aprovada durante o 5º Encontro

Nacional dos Tribunais de Alçada, em 1981: ―É inválida a procuração outorgada

por mutuário em favor de empresa pertencente ao grupo financeiro do mutuante,

para assumir responsabilidade, de extensão não especificada, em títulos cambiais,

figurando como favorecido o mutuante (aprovada por 14 votos contra 4).‖65.

Por fim, vale ressaltar que é admissível a emissão do título mediante

sistema de computação, consoante o disposto no § 3º do art. 889 do Código Civil

de 2002, cuja aplicação subsidiária é autorizada pelo art. 903 do mesmo diploma,

61

De acordo, na jurisprudência: ―A execução fundada em letra de câmbio, sacada sem data de emissão, é nula. Preliminar instalada e execução extinguida.‖ (Apelação nº 1.0481.06.063258-7/001, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 7 de dezembro de 2007). 62

Assim, na jurisprudência: REsp nº 264.174/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 25 de março de 2002, p. 273. 63

Cf. Diário Oficial de 16 de abril de 1996, p. 192. 64

De acordo, na jurisprudência: ―– É nula a cláusula inserta em contrato de abertura de crédito que autoriza o credor a sacar letra de câmbio contra o devedor, com base em saldo apurado de forma unilateral na sua conta-corrente. Incidência da Súmula nº 60-STJ.‖ (REsp nº 504.036/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de junho de 2005, p. 399). 65

Cf. Minas Gerais, Diário do Judiciário de 26 de fevereiro de 1982, p. 1.

31

31

diante da omissão das leis especiais que versam sobre a letra de câmbio66. Sem

dúvida, é juridicamente possível a emissão de letra de câmbio eletrônica que

contém a assinatura digital do emitente-sacador, como bem revela o enunciado nº

461 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal:

―Os títulos de crédito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados

eletronicamente, mediante assinatura com certificado digital, respeitadas as

exceções previstas em lei‖.

4. Título incompleto: enunciado nº 387 da Súmula do S.T.F.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a emissão incompleta

não impede que a cártula obtenha a natureza jurídica de título de crédito. À luz

dos arts. 3º e 4º do Decreto nº 2.044/1908, combinados com o art. 891 do Código

Civil de 2002 e com o enunciado nº 387 da Súmula do Supremo Tribunal Federal,

o documento apenas assinado ou emitido com omissões pode ser completado

pelo portador67.

Não obstante, é imprescindível que a complementação ocorra antes do

protesto ou da execução judicial, sob pena de o documento não ser considerado

título de crédito. Com efeito, se o documento contiver omissão no momento do

protesto ou da execução judicial, não será considerado letra de câmbio, conforme

revela a regra extraída do primeiro parágrafo do art. 2º da Lei Uniforme.

5. Aceite

5.1. Conceito

66

Vale dizer, a Lei Uniforme e o Decreto nº 2.044/1908. 67

Colhe-se do voto condutor proferido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do RE nº 81.996/SP: ―A Lei Brasileira e a Lei Uniforme autorizam a emissão de cambiais em branco, com irrestrita circulabilidade. E, na ensinança doutrinária, o mínimo exigível para existência de uma letra em branco é uma firma cambiariamente utilizável – (Cfr. WHITAKE, ‗Letra de Câmbio‘, 95). E, entre o mínimo, que é esse, e o máximo, que está no título completo, é indiferente a quantidade de dizeres omitidos. E, ‗qualquer que seja o número ou a importância dos requisitos omitidos, a letra em branco pode ser validamente completada‘. E o preenchimento, sendo tácito o mandato outorgado ao possuidor, não minimiza o valor da cambial‖.

32

32

O aceite é a declaração unilateral de vontade por meio da qual o sacado –

ou terceira pessoa68 – assume a responsabilidade pelo pagamento da quantia

indicada no título de crédito, na qualidade de devedor principal.

5.2. Ato unilateral de vontade

Por ser o aceite ato unilateral de vontade, o sacado – ou o terceiro – não

pode ser obrigado a aceitar o título69, nem mesmo quando a pessoa designada

para aceitar é devedora do emitente-sacador em razão de outra relação jurídica

pretérita. Na eventualidade de recusa do sacado em aceitar o título, resta a

possibilidade da propositura de demanda própria70, de natureza civil, para a

respectiva cobrança do anterior crédito que o emitente-sacador tem em relação ao

sacado. Já o credor-beneficiário poderá protestar o título e acionar desde logo o

emitente-sacador mediante execução forçada, tudo nos termos do art. 43, caput,

da Lei Uniforme, combinado com o art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil.

Por fim, vale ressaltar que o emitente-sacador jamais será considerado

devedor principal da letra, ainda que o sacado denegue o aceite; quanto muito, o

emitente-sacador será o primeiro responsável da cadeia das obrigações cambiais,

mas na qualidade de coobrigado. Tanto quanto sutil, a diferença é muito

importante, porquanto a subsistência dos direitos cambiários em relação aos

coobrigados depende do protesto tempestivo do título de crédito.

5.3. Aceite por intervenção

Em regra, o aceite tem como destinatário o sacado. A regra, todavia,

comporta exceção, a qual reside no art. 55 da Lei Uniforme. Trata-se do

denominado ―aceite por intervenção‖, quando o emitente-sacador indica terceira

pessoa para aceitar a letra de câmbio. A pessoa indicada, entretanto, tem dois

68

Cf. art. 55 da Lei Uniforme de Genebra. 69

―- O sacado pode, a seu talante, recusar-se a assumir a obrigação cambial, sendo certo que a falta de aceite elide o vínculo ao pagamento do título.‖ (REsp nº 511.387/GO, 3

ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º

de agosto de 2005, p. 438). 70

Por exemplo, cobrança sob o procedimento comum.

33

33

dias úteis para a aceitação. O terceiro designado pelo emitente-sacador pode

aceitar a letra, ou não. Se aceitar, passa a ser denominado ―aceitante-

interveniente‖. Se for silente e deixar o prazo de dois dias úteis correr in albis, não

assume a obrigação cambial alguma, mas pode ser responsabilizado na esfera

civil, por perdas e danos, com o valor da indenização limitado à importância da

letra, tudo nos termos do art. 55 da Lei Uniforme.

5.4. Lançamento do aceite

O sacado não é responsável pelo pagamento da letra de câmbio em razão

da simples ordem do emitente-sacador do título. Com efeito, a mera emissão da

letra não torna o sacado obrigado pelo pagamento71. O sacado somente passa a

ser o devedor principal quando aceita a respectiva ordem72, mediante simples

assinatura lançada no ―anverso‖, ―face‖ ou ―parte anterior‖ da letra.

O aceite também pode ser lançado no verso do título, com a aposição da

assinatura acompanhada dos vocábulos ―aceite‖, ―aceito‖, ―concordo‖, ―pagarei‖ ou

―honrarei‖, como bem autoriza o primeiro parágrafo do art. 25 da Lei Uniforme, in

verbis: ―O aceite é escrito na própria letra. Exprime-se pela palavra ‗aceite‘ ou

qualquer outra palavra equivalente; o aceite é assinado pelo sacado. Vale como

aceite a simples assinatura do sacado aposta na parte anterior da letra‖.

O sacado que aceita a ordem passa a ser denominado ―aceitante‖ e

assume a qualidade de devedor principal da letra, ex vi do art. 28 da Lei Uniforme.

71

De acordo, na jurisprudência: ―Letra de câmbio. Ausência de aceite. A simples emissão de letra de câmbio não importa criação de vínculo cambial por parte do sacado que se absteve de aceitá-la.‖ (REsp nº 89.599/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de maio de 1998, p. 82). ―Letra de câmbio. Aceite inexistente. Responsabilidade do sacado inexistente. A letra de câmbio contém uma ordem de pagamento, cabendo àquele a quem é dada a ordem declarar se está disposto a cumpri-la ou não. Enquanto a letra não for aceita o sacado nenhuma responsabilidade tem em relação ao sacador do título.‖ (Apelação nº 2.0000.00.314229-0/000, 1ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 23 de setembro de 2000). 72

Assim, na jurisprudência: ―Não se obriga cambialmente o sacado que não aceita a letra de câmbio.‖ (Apelação nº 3700895, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 22 de novembro de 1995, p. 17.524). ―O aceite em letra de câmbio tem como função principal vincular o sacado à obrigação, tornando-o responsável pelo pagamento da importância nela consignada. A simples indicação do nome do sacado na letra não tem o condão de originar obrigação cambiária, sendo necessária para tanto, a expressa aposição do aceite.‖ (Apelação nº 1.0707.08.154246-6/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de janeiro de 2009).

34

34

Aliás, aceito o título, o aceitante não pode cancelar nem retirar o ―aceite‖, ex vi do

art. 12 do Decreto nº 2.044/1908.

Por fim, ainda que aceita a letra, o emitente-sacador preserva a qualidade

de coobrigado, razão pela qual ainda pode ser acionado, na eventualidade da

posterior negativa de pagamento por parte do sacado-aceitante73.

5.5. Subsistência da letra não aceita

A ausência do aceite não retira a validade nem a eficácia da letra de

câmbio74. Ainda que não aceita, a letra subsiste como título de crédito, com a

possibilidade de o credor-beneficiário acionar o emitente-sacador, o qual, como já

anotado, é coobrigado por força do caput do art. 43 da Lei Uniforme, em razão da

emissão do título.

5.6. Letras de câmbio sujeitas a aceite e respectivos prazos

A Lei Uniforme revela que a letra de câmbio pode ser ―à vista‖, ―a um certo

termo de vista‖, ―a um certo termo de data‖ e com ―dia fixado‖ para o vencimento,

tudo nos termos do art. 33 da Convenção de Genebra. O mesmo diploma também

estabelece prazos máximos para que o credor-beneficiário busque o aceite, mas

somente nas letras de câmbio a prazo, porquanto a letra de câmbio à vista já é

apresentada para pagamento75.

Com efeito, a letra à vista pode ser apresentada para pagamento imediato e

a qualquer momento dentro de um ano da data da emissão, como bem revela o

proêmio do art. 34 da Lei Uniforme: ―A letra à vista é pagável à apresentação.

73

Cf. art. 43, caput, da Lei Uniforme. 74

De acordo, na jurisprudência: ―O aceite na letra de câmbio não é requisito essencial à sua validade, podendo a cártula circular sem a assinatura do sacado.‖ (Apelação nº 1.0137.06.000233-4/001, 9ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 26 de abril de 2008). 75

De acordo, na jurisprudência: ―A apresentação da letra de câmbio sacada à vista é para pagamento, não comportando, portanto, apresentação para aceite. Com efeito, mostra-se regular o protesto por falta de pagamento de letra de câmbio sacada à vista, mesmo sem a presença do aceite do sacado.‖ (Apelação nº 1.0481.02.015974-7/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de janeiro de 2009). ―– É viável o protesto por falta de pagamento de letra de câmbio sacada à vista, mesmo sem o aceite do sacado.‖ (REsp nº 646.519/RS, 3

ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de maio de 2005, p. 373).

35

35

Deve ser apresentada a pagamento dentro do prazo de 1 (um) ano, a contar de

sua data‖. A omissão quanto ao cumprimento do prazo ocasiona a impossibilidade

de ação cambial contra o emitente-sacador e demais coobrigados, ex vi do art. 53,

item um e parágrafo segundo, da Lei Uniforme, in verbis: ―Depois de expirados os

prazos fixados: – para a apresentação de uma letra à vista ou a certo termo de

vista; omissis. O portador perdeu os seus direitos de ação contra os endossantes,

contra o sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do aceitante‖.

A cambial ―a um certo termo de vista‖ é letra ―a prazo‖ cujo vencimento

ocorre com a contagem do lapso somente depois do aceite, isto é, da data em que

a letra é apresentada para o lançamento do aceite. O aceite deve ser datado, para

possibilitar a contagem do prazo de vencimento. O credor-beneficiário deve

apresentar o título para aceite dentro de um ano do saque, ou seja, da emissão do

título, consoante dispõe o art. 23 da Lei Uniforme: ―As letras a certo termo de vista

devem ser apresentadas ao aceite dentro do prazo de 1 (um) ano das suas datas‖.

Tal como se dá na letra à vista, a omissão quanto ao cumprimento do prazo

também impede a ação cambial contra o emitente-sacador e demais coobrigados,

consoante o disposto no art. 53, item um e parágrafo segundo, da Lei Uniforme76.

A letra ―a um certo termo de data‖ também é título ―a prazo‖, mas o

vencimento se dá com o decurso do lapso fixado no título à luz da data da

emissão estampada na cártula77. É possível a apresentação da letra para o aceite

do sacado até o vencimento estipulado no título, consoante o disposto no art. 21

da Lei Uniforme: ―A letra pode ser apresentada, até o vencimento, ao aceite do

sacado, no seu domicílio, pelo portador ou até por um simples detentor‖.

Já a letra ―pagável num dia fixado‖ o é título ―a prazo‖ com expressa

indicação do próprio dia do vencimento, ―em data certa‖. Em virtude da regra

inserta no art. 21 da Lei Uniforme, a letra ―em data certa‖ é passível de

76

Assim, na doutrina: ―A letra de câmbio com vencimento a certo termo de vista deve ser apresentada para aceite até um ano de sua respectiva data. Por falta ou recusa de aceite, pode ser protestada, também no prazo de até um ano de sua emissão, caso em que o portador conserva os seus direitos de ação contra os obrigados de regresso.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p.167). 77

Por exemplo, dois meses da data do saque da letra, em 1º de setembro de 2010.

36

36

apresentação para aceite do sacado até o dia do vencimento estampado na

cártula.

Resta saber se a apresentação para aceite nos respectivos prazos é

obrigatória ou facultativa em relação às letras ―a um certo termo de data‖ e

―pagável num dia fixado‖. Autorizada doutrina sustenta a tese da facultatividade78.

Em contraposição, abalizada doutrina sustenta a tese da obrigatoriedade79. Ainda

que muito respeitável a tese da obrigatoriedade da apresentação para aceite das

letras ―a um certo termo de data‖ e ―pagável num dia fixado‖, o art. 21 da Lei

Uniforme revela a facultatividade quando dispõe que a letra ―pode‖ ser

apresentada. Já o art. 23 estabelece que as letras ―a certo termo de vista devem

ser apresentadas ao aceite‖. Mutatis mutandis, o art. 34 determina que a ―letra à

vista‖ ―deve ser apresentada a pagamento‖. Daí a justificativa para o disposto no

art. 53, o qual exige a apresentação – para pagamento e para aceite,

respectivamente – da ―letra à vista ou a certo termo de vista‖. À luz da

interpretação sistemática dos arts. 21, 23, 34 e 53 da Lei Uniforme, portanto, é

lícito concluir que, no que tange às letras ―a um certo termo de data‖ e ―pagável

num dia fixado‖, é facultativa a apresentação para aceite80.

5.7. Pedido de nova apresentação da letra

Apresentada a letra de câmbio para o aceite, o sacado tem o prazo previsto

no art. 24 da Lei Uniforme, segundo o qual o sacado pode pedir nova

apresentação da letra no dia seguinte ao da apresentação original, a fim de

permitir melhor reflexão sobre o lançamento do aceite, ou não81.

78

―Quando certa a data do vencimento, a apresentação do título para aceite é facultativa.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 166). 79

Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20ª ed., 2008, p. 249: ―A letra de câmbio a certo termo da data, que é aquela cujo vencimento se opera com o transcurso de lapso temporal em que a data do saque é o termo a quo, e a letra de câmbio em data certa devem ser apresentadas a aceite, pelo tomador, até o vencimento fixado para o título (art. 21). A inobservância desses prazos pelo credor acarreta a perda do direito de cobrança do título contra os coobrigados (art. 53)‖. 80

De acordo, na doutrina: ―Quando certa a data do vencimento, a apresentação do título para aceite é facultativa.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 166). 81

Na eventualidade de o sacado ter solicitado uma segunda apresentação no dia seguinte, há a prorrogação do prazo referente ao protesto para o dia seguinte (arts. 24, primeira parte, e 44, segundo parágrafo, in fine, da Lei Uniforme).

37

37

Não obstante, o credor-beneficiário não é obrigado a deixar a letra

apresentada ao aceite nas mãos do sacado82. Aliás, nem é conveniente que o

faça, para evitar o risco de retenção indevida da letra pelo sacado83.

5.8. Apreensão de título sonegado pelo sacado

Na eventualidade de retenção indevida da letra pelo sacado, no momento

da apresentação para o aceite, há a possibilidade do ajuizamento de demanda

destinada à apreensão do título, com fundamento nos arts. 885 e 886 do Código

de Processo Civil84.

Na esteira do antigo parágrafo único do art. 31 do Decreto nº 2.044/1908, o

art. 885 do Código de 1973 autoriza até mesmo a decretação de prisão do sacado

sonegador do título de crédito. Não obstante, ambos os preceitos são

incompatíveis com o art. 5º, inciso LXVII, da Constituição Federal de 1988,

porquanto dispõem sobre espécie de prisão civil sem previsão constitucional85. Por

82

Cf. art. 24, in fine, da Lei Uniforme. 83

Em reforço, bem ensina a doutrina: ―A alínea segunda do art. 24 da Lei Uniforme prescreve que ‗O portador não é obrigado a deixar nas mãos do aceitante a letra apresentada ao aceite‘. A regra encontra plena justificativa, pois, como é evidente, a ação cambiária somente poderá ser exercida pelo credor mediante a exibição do título no processo de execução.‖ (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, Tomo II, 7ª ed., 2005, p. 419). 84

A despeito do disposto no art. 885 do Código de Processo Civil, há séria divergência acerca da natureza cautelar da demanda para a apreensão de título. Em prol da natureza cautelar, na doutrina: ―A não-devolução do título por aquele que deveria praticar algum ato cambial é ilegal e permite ao prejudicado pedir a apreensão do título (art. 885). O pedido de apreensão é feito em processo cautelar, preparatório da futura execução ou cobrança do título.‖ (Vicente Greco Filho. Direito Processual Civil Brasileiro. Vol. III, 3ª ed., 2006, p. 193). Contra a natureza cautelar, também na doutrina: ―O caráter satisfativo e não-cautelar da ação, não dependente de outra, importa excluir, contudo, a incidência dos arts. 801 e 806. A petição inicial, por isso, obedecerá ao disposto no art. 282. Em caso de receio de lesão poderá ser decretado initio litis, ou no curso do

procedimento, a apreensão do título. Tratar-se-á, então, de antecipação dos efeitos da sentença final, autorizada pelo art. 273.‖ (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, Tomo II, 7ª ed., 2005, p. 422). 85

De acordo, na doutrina: ―Essa prisão, a despeito de regulada no Código, não é compatível com o sistema constitucional vigente. A Constituição Federal somente admite a prisão por dívida no caso de depositário infiel ou inadimplemento de obrigação alimentícia (art. 5º, LXVII). Em nenhuma dessas exceções enquadra-se a hipótese do detentor que retém o título em vez de pagá-lo ou de aceitá-lo. O fato pode constituir, até, infração penal, mas deve ser apurado e punido nos termos do processo penal regular, garantida ampla defesa. A lei não equipara esse detentor ao depositário infiel nem tem ele essas características, daí a conclusão de que a decretação da prisão é inviável por não ser consentânea com o sistema constitucional atual. A previsão da lei cambiária era justificável dada a época em que foi editada. Não podia, porém, o Código de 1973 desconsiderar a posterior disciplina constitucional. Quanto à apreensão por ordem judicial, continua admissível, mas sem a cominação de prisão civil. O pedido de apreensão obedecerá ao procedimento geral cautelar.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 194). No mesmo sentido, também na doutrina: Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, Tomo II, 7ª ed., 2005, p. 422, 423 e 424.

38

38

conseguinte, a demanda fundada nos arts. 885 e 886 do Código de Processo Civil

pode ser ajuizada para a apreensão de título sonegado, mas o réu não pode ser

preso no respectivo processo civil.

5.9. Recusa do aceite: vencimento antecipado ou extraordinário

Na eventualidade de recusa do aceite pelo sacado, há o vencimento

antecipado ou extraordinário da letra de câmbio, com a possibilidade de o credor-

beneficiário acionar desde logo o emitente-sacador, para o imediato pagamento do

título mediante execução forçada, bem como requerer a respectiva falência,

conforme a qualidade do emitente-sacador86, tudo nos termos do art. 43, número

1, da Lei Uniforme, do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, e dos arts. 1º

e 94, incisos I e II, ambos da Lei nº 11.101/2005.

Por fim, a denegação do aceite é comprovada mediante o protesto do título,

à vista do art. 44 da Lei Uniforme e do art. 13 do Decreto nº 2.044/190887.

Com outra opinião, entretanto, também há respeitável doutrina: Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 339: ―Esses princípios não derrogaram a velha regra do direito anterior, confirmada pelo art. 885, do Código de Processo Civil (1973), de que aquele que recusar a entrega da letra que a recebeu para firmar o aceite (ou para o pagamento), pode ser compelido a fazê-lo sob pena de prisão, que será evitada se restituir a letra ou depositar a soma cambial e as despesas. Já se sustentou alhures que essa regra moralizadora é inconstitucional, pois não suporta nosso direito a prisão por dívida. Não se trata, ao nosso ver, de prisão por dívida, mas de embaraço na circulação de título de crédito, e a prisão é de ordem administrativa, decretada pelo juiz do cível‖. Também com opinião contrária, em abalizada doutrina: Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20ª ed., 2008, p. 249: ―O sacado que retém, indevidamente, a letra de câmbio que lhe foi apresentada para aceite – ou o devedor, em caso de entrega para pagamento – está sujeito a prisão administrativa, que deverá ser requerida ao juiz, nos termos do art. 885 do CPC. Trata-se de medida coercitiva, de natureza civil, destinada a forçar a restituição da letra ao seu portador legitimado‖. Ainda em sentido contrário, há autorizada doutrina: Alexandre Freitas Câmara. Lições de Direito Processual Civil. Vol. III, 11ª ed., 2006, p. 281: ―Apesar disso, porém, parece-nos legítima a prisão civil do devedor que sonega o título de crédito, não o restituindo ao credor. Isto porque, neste caso, não se estará diante de prisão em razão do descumprimento da obrigação do direito privado. O que se tem, aqui, é prisão pelo descumprimento do comando contido na decisão judicial. Assim, é compatível com o sistema constitucional a prisão do demandado que, condenado a restituir ao demandante o título sonegado, não o faz. A prisão incidirá, aqui, como meio de coerção, destinada a constranger psicologicamente o demandado a cumprir a prestação a que foi condenado‖. Por fim, há precedente jurisprudencial da Corte Suprema que autoriza a prisão: ―– Prisão de sonegador de duplicata enviada para aceite. Sua legalidade. Habeas corpus indeferido.‖ (HC nº 52.613/SP, 1ª Turma do STF, julgado em 24 de setembro de 1974 e publicado em 6 de novembro de 1974). 86

Se o sacador for empresário individual ou sociedade empresária, há lugar para a propositura de ação de falência, com fundamento no art. 43, nº 1, da Lei Uniforme, e no art. 94 da Lei nº 11.101, de 2005. 87

De acordo, na doutrina: ―Essa prova da apresentação, não havendo aceite no título, faz-se pela certidão do protesto cambial.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 168).

39

39

5.10. Aceite parcial ou qualificado

Além da recusa total, o art. 26 da Lei Uniforme permite o aceite parcial ou

qualificado, com a limitação da aceitação a uma parte da importância88 ou com a

modificação de cláusula do título89, quando o sacado passa a ser devedor da

importância na parte e no modo em que foi aceita a letra. Não obstante, tanto o

aceite limitativo quanto o modificativo conduzem ao imediato vencimento da letra,

com a possibilidade de execução imediata contra o emitente-sacador, com

fundamento no art. 43, número 1, da Lei Uniforme. Em suma, o direito pátrio

incorporou o aceite parcial e o consequente vencimento antecipado do título.

5.11. Cláusula impeditiva de apresentação ou cláusula ―não aceitável‖

Para impedir o vencimento antecipado da letra de câmbio em razão da

recusa total ou parcial do aceite pelo sacado90, o emitente-sacador pode incluir

cláusula ―impeditiva da apresentação‖91 no bojo do título.

Com efeito, a cláusula ―não aceitável‖ impede a apresentação da letra ao

sacado antes do dia do vencimento. Por consequência, o título somente pode ser

apresentado ao sacado no prazo designado para o pagamento.

Não obstante, tal faculdade conferida ao emitente-sacador não alcança as

letras emitidas a certo termo de vista, bem como as letras pagáveis em domicílio

de terceiro ou em localidade diferente do lugar do domicílio do sacado, tudo por

força do art. 22 da Lei Uniforme.

Outra proteção conferida pelo mesmo art. 22 da Lei Uniforme consiste na

possibilidade de o emitente-sacador estipular uma data antes da qual não é

admissível a apresentação da letra para o aceite do sacado.

Por fim, o emitente-sacador também pode fixar um prazo para a posterior

apresentação do título para o aceite do sacado92, a fim de que a respectiva

88

Aceite limitativo. 89

Aceite modificativo. 90

Hipótese na qual o emitente-sacador assume de imediato a responsabilidade cambial por força do art. 43 da Lei Uniforme. 91

Cf. Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 168.

40

40

obrigação cambial não subsista se o credor-beneficiário não observar o prazo

fixado na letra.

5.12. Aceite posterior ao vencimento

O aceite deve ser buscado e lançado no título até o vencimento. Após o

vencimento, o título deve ser pago, e não mais aceito. A rigor, o ―aceite‖ após o

vencimento do título não pode ser considerado ato cambiário propriamente dito,

mas simples ato de direito comum que pode ter utilidade como meio de prova da

existência da obrigação em processo civil93.

6. Endosso

6.1. Origem e significado do vocábulo ―endosso‖

A palavra ―endosso‖ é proveniente da expressão latina ―in dorso‖, a qual

pode ser traduzida à luz das seguintes expressões: ―no dorso‖, ―nas costas‖, ―no

verso‖.

6.2. Conceito de endosso

O endosso é o ato unilateral de vontade que ocasiona a transferência dos

direitos referentes aos títulos de crédito à ordem. A propósito do conceito de

endosso, vale conferir o disposto no art. 14, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme:

92

Cf. art. 22, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme. 93

A propósito, vale conferir a melhor doutrina: ―Atingido o tempo do vencimento, a faculdade de apresentar ao aceite deixa de existir e não tem mais razão de ser. Não há outra solução que o pagamento. Já não é possível, como pretendiam C. S. GRTYNHUT, H. STAUB e G. BONELLI, aceitar o comprador da duplicata mercantil com data de vencimento, ou no têrmo do protesto, pôsto que nos pareça admissível ser lançado o aceite com a indicação de hora anterior à abertura do expediente comercial ou anterior à hora designada para o recebimento do título. Porque, então, não é verdade que o título só admita pagamento. O aceite após o vencimento, ou, ainda, após a prescrição da pretensão cambiariforme, não é ato cambiário; mas o direito comum, comercial ou civil, pode ver em tal aceite vinculação assumida pelo comprador.‖ (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda. Tratado de direito privado. Tomo XXXVI, Título XVII, § 4.048, item 10).

41

41

―O endosso transmite todos os direitos emergentes da letra‖. Não obstante, a

transferência por endosso só se completa quando há a tradição do título94.

6.3. Endosso: forma de transferência dos títulos de crédito

A titularidade do crédito consubstanciado em documento próprio pode ser

transferida de três formas: — pela simples tradição, se o título for ao portador, ou

seja, sem indicação do credor; — pelo endosso e a posterior tradição, se o título

for nominativo à ordem, isto é, com indicação do credor e pagável ao próprio ou à

ordem do atual beneficiário; — pela cessão civil de crédito, acompanhada da

tradição, se o título for nominativo ―não à ordem‖.

Em suma, o endosso é uma forma de transmissão dos direitos provenientes

dos títulos de crédito.

6.4. Endosso e cessão de crédito

O endosso não se confunde com a cessão civil de crédito, também

denominada ―cessão ordinária de crédito‖95.

Em primeiro lugar, o endosso é um instituto de direito cambiário96, próprio

dos títulos de crédito, enquanto a cessão de crédito é instituto de direito civil97. Por

ser instituto de direito cambiário, o endosso está submetido ao princípio da

literalidade. Já a cessão de crédito é contrato civil cuja existência pode ser

demonstrada por outro meio além da prova documental.

Em segundo lugar, o endosso é ato unilateral de vontade, enquanto a

cessão civil é contrato bilateral98.

94

Cf. art. 910, § 2º, do Código Civil. 95

Cf. arts. 11, segundo parágrafo, e 20, primeiro parágrafo, in fine, ambos da Lei Uniforme. 96

Cf. arts. 910 e seguintes do Código Civil. 97

Cf. arts. 286 e seguintes do Código Civil. 98

Assim, na doutrina: ―São os dois institutos, de fato, inconfundíveis, pois o endosso é o ato unilateral de declaração de vontade que impõe forma escrita, ao passo que a cessão é um contrato bilateral, que pode concluir-se de qualquer forma.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 331).

42

42

Em regra, o endosso torna o endossante coobrigado pelo pagamento99, o

que não ocorre na cessão civil de crédito, salvo estipulação expressa em

contrário100.

Por outro lado, o devedor precisa ser comunicado mediante notificação da

transferência do crédito objeto da cessão civil101, comunicação que é dispensável

para que o endosso seja válido e eficaz.

Por fim, na cessão civil de crédito, o devedor acionado pelo cessionário

pode suscitar as defesas existentes contra o cedente102. Já o endossatário é

protegido pelo princípio da inoponibilidade das exceções pessoais anteriores103,

razão pela qual as eventuais defesas cabíveis em relação ao endossante não

podem ser suscitadas contra o endossatário, em virtude da autonomia do título de

crédito104. Por conseguinte, as defesas pessoais do devedor em relação ao

endossante não são suscitáveis contra o endossatário terceiro de boa-fé.

6.5. Endosso e letra de câmbio

A letra de câmbio é título de crédito à ordem transmissível mediante

endosso, até mesmo na falta da cláusula ―à ordem‖ no bojo da cártula, porquanto

o silêncio gera a presunção de que o título é ―à ordem‖, por força do art. 11,

primeiro parágrafo, da Lei Uniforme.

Em contraposição, não há a transferência mediante endosso de letra com

expressa cláusula ―não à ordem‖. A transmissão do título de crédito é

juridicamente possível, mas tem natureza de cessão civil de crédito, ou seja,

cessão ordinária de crédito105.

6.6. Sujeitos do endosso

99

Cf. art. 15, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme. 100

Cf. art. 296 do Código Civil. 101

Cf. art. 290 do Código Civil. 102

Cf. art. 294 do Código Civil. 103

Cf. art. 17 da Lei Uniforme e art. 916 do Código Civil. 104

Cf. art. 887 do Código Civil. 105

Cf. art. 11, segundo parágrafo, da Lei Uniforme.

43

43

São dois os sujeitos que participam do endosso: — endossante ou

endossador, pessoa que transfere o crédito inserto no título a outrem; —

endossatário ou endossado, pessoa a quem o crédito inserto no título é

transferido.

Por ser instituto de direito cambiário, o endosso consiste na transmissão de

direito creditício proveniente do título de crédito de forma onerosa106. Por

conseguinte, o endossante pode ser denominado ―alienante‖, enquanto o

endossatário também é chamado ―adquirente‖. Nada impede, entretanto, que o

endosso seja lançado independentemente de contraprestação do endossatário,

mediante ato gracioso do endossante.

6.7. Lançamento do endosso

À vista do art. 13 da Lei Uniforme e do art. 910, § 1º, do Código Civil, o

endosso é lançado mediante simples assinatura aposta no verso do título de

crédito.

Não obstante, também é admissível o lançamento do endosso no anverso

ou face do título, desde que com a expressa indicação do benefício (―endosso‖) ou

do beneficiário (―endosso em favor de ...‖), tudo nos termos do art. 13, segundo

parágrafo, da Lei Uniforme, e do art. 910, caput, do Código Civil.

Não há limite ao número de endossos lançados na letra de câmbio. Por

conseguinte, é possível o lançamento de inúmeros endossos na cártula. Na

eventualidade de o verso e o anverso do título não comportarem novo endosso,

por falta de espaço físico, o lançamento do endosso pode ser feito no

alongamento ou alongue, folha própria em continuação ao título107.

106

Assim, na doutrina: ―Logicamente, não se cuida de ato gratuito: o endossante irá receber do endossatário pelo menos uma parte do valor do título de crédito.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 403). 107

De acordo, na doutrina: ―Pode, todavia, faltando espaço no verso do título, ser escrito numa folha de extensão, ligada ao corpo do título, conforme sempre se admitiu no direito brasileiro, e a que a Lei Uniforme faz referência expressa (art. 13). Essa folha é chamada, como vimos anteriormente, extensão, alongue, alongamento ou folha de alongamento.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 332).

44

44

6.8. Modalidades de endosso

O endosso pode ser ―em branco‖ (ou ao portador) ou ―em preto‖ (ou

nominativo). O endosso ―em branco‖ consiste no lançamento da assinatura do

endossante no título, mas sem a indicação do endossatário, ou seja, do

beneficiário da transferência. Em contraposição, o endosso ―em preto‖ consiste no

lançamento da assinatura do endossante no título, com a explícita identificação do

endossatário, novo beneficiário do crédito.

Por fim, nada impede que um título nominativo seja convertido em título ao

portador, em virtude de um endosso ―em branco‖. Com efeito, embora seja título

nominativo por força do art. 1º, nº 6, da Lei Uniforme, a letra de câmbio nominativa

pode ser convertida em título ao portador, por meio de endosso ―em branco‖

subscrito pelo credor-tomador cujo nome consta da cártula.

6.9. Endosso incondicionado

À vista do art. 12, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, e do art. 912, caput,

do Código Civil, não tem eficácia a subordinação do endosso ao advento ou ao

cumprimento de condição alguma: ―Qualquer condição a que ele seja subordinado

considera-se como não escrita‖.

6.10. Endosso parcial: nulidade

À vista do art. 12, segundo parágrafo, da Lei Uniforme, com o reforço do art.

912, parágrafo único, do Código Civil, não é admissível a limitação do endosso a

uma parte do valor da letra: ―O endosso parcial é nulo‖.

6.11. Efeitos do endosso

Em regra, o endosso produz duas consequências jurídicas: transfere a

titularidade do crédito consubstanciado na letra de câmbio, ex vi do art. 14,

primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, e torna o endossante coobrigado, por ser

45

45

também responsável pelo aceite e pelo pagamento da letra, tendo em vista a

combinação do art. 15, primeiro parágrafo, com o art. 43, caput, ambos da Lei

Uniforme.

A propósito, diante da existência de preceitos específicos acerca da letra de

câmbio108, não incide o caput do art. 914 do Código Civil, porquanto o art. 903 do

mesmo diploma prestigia a legislação especial existente. Sem dúvida, a incidência

do Código Civil de 2002 é apenas subsidiária, ou seja, só é aplicável quando a

legislação especial é omissa. A propósito, reforça o enunciado nº 463 aprovado na

Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As disposições

relativas aos títulos de crédito do Código Civil aplicam-se àqueles regulados por

leis especiais, no caso de omissão ou lacuna‖.

Por fim, o endossante pode incluir a expressão ―sem garantia‖ em conjunto

com o endosso. Inserida a cláusula ―sem garantia‖, endossante deixa de ser

coobrigado109. É o denominado ―endosso sem garantia‖, por meio do qual há a

transferência da titularidade do crédito, mas o endossante não tem

responsabilidade alguma pelo respectivo pagamento.

6.12. Endossos impróprios

É considerado endosso impróprio o ato que, a despeito da denominação ou

da aparência de endosso, não transfere a propriedade do título ou não torna o

endossante coobrigado. O endosso-mandato, o endosso-caução, o endosso-

póstumo, por exemplo, são espécies de endosso impróprio.

6.12.1. Endosso-mandato ou endosso-procuração

O endosso-mandato é o ato pelo qual o endossante não transfere o crédito

proveniente do título em prol do endossatário, o qual atua como mero procurador,

108

Cf. arts. 15 e 43 da Lei Uniforme. 109

Cf. art. 15, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme.

46

46

para simples cobrança e recebimento do crédito em nome do endossante110. Com

efeito, o endosso-mandato transfere a posse, mas não a propriedade do título de

crédito111.

Por conseguinte, na eventualidade de o endossatário-mandatário praticar

atos lesivos a direito de terceiro, como protesto indevido, quem responde pelos

eventuais danos é o endossante-mandante, e não o endossatário-mandatário,

salvo excepcional incidência dos artigos 663, segunda parte, e 665 do Código

Civil. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 476 da Súmula do Superior

Tribunal de Justiça: ―O endossatário de título de crédito por endosso-mandato só

responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os poderes de

mandatário‖112. Na mesma esteira, reforça o correto enunciado nº 99 da Súmula

do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: ―Tratando-se de endosso-mandato,

devidamente comprovado nos autos, não responde o endossatário por protesto

indevido, salvo se lhe era possível evitá-lo‖113.

No que tange à forma, o endosso-mandato é lançado no título de crédito

por meio da anotação de alguma das expressões legais (―valor a cobrar‖, ―para

cobrança‖, ―por procuração‖) ou outra equivalente114, em conjunto com o endosso,

nos termos do art. 18 da Lei Uniforme e do art. 917 do Código Civil.

110

No mesmo sentido, na doutrina: ―Transmite-se ao mandatário-endossatário, assim investido de mandato e da posse do título, o poder de efetuar a cobrança, dando quitação de seu valor. Desse modo se transfere a posse da letra, mas não a disponibilidade de seu valor, cujo crédito pertence ao endossante.‖ (Rubens Requião. Curso de direto comercial. 18ª ed., 1992, p. 334). Em sentido conforme, na jurisprudência: ―O endosso-mandato não transfere ao mandatário a propriedade do título endossado ou do crédito por ele representado.‖ (REsp nº 830.481/MG – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de dezembro de 2006, p. 392). 111

Assim, na jurisprudência: ―- O endosso-mandato, limitando-se a instituir quem cuide da cobrança do crédito consignado na cártula, não transfere quaisquer direitos ao mandatário, senão o de receber e praticar outros atos em nome do mandante ou endossante.‖ (Apelação nº 1.0134.03.038029-6/001, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 7 de fevereiro de 2006). 112

No mesmo diapasão, também na jurisprudência: ―I - Na linha da orientação deste Tribunal, no endosso-mandato, por não haver transferência da propriedade do título, o mandante é responsável pelos atos praticados por sua ordem pelo banco endossatário.‖ (REsp nº 389.879/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de setembro de 2002, p. 196). 113

Eis a correta justificativa que consta do acórdão de aprovação do verbete sumular: ―No endosso mandato não há transferência do crédito, de forma que o endossatário age na condição de mandatário do endossante, este sim, responsável pelo dano, a menos que o endossatário pudesse evitar o protesto‖. 114

De acordo, na jurisprudência: ―O endosso-mandato não transmite direitos emergentes do título nem transfere a propriedade da letra, mas simplesmente a sua posse. O detentor do título por endosso-mandato recebe-o e pratica todos os atos de proprietário do mesmo, mas o faz como simples mandatário, representando e obrigando, nesse caso, o mandante ou endossante (Fran Martins). Entende-se como endosso-mandato – e como tal será tido – aquele pelo qual terceiro repassa o título a entidade bancária para

47

47

Resta saber se há extinção do endosso-mandato em razão do falecimento

ou da superveniente incapacidade do endossante, tal como ocorre com o mandato

civil, ex vi do art. 682, inciso II, do Código Civil. A resposta negativa é encontrada

tanto no último parágrafo do art. 18 da Lei Uniforme quanto no § 2º do art. 917 do

Código Civil, in verbis: ―Com a morte ou a superveniente incapacidade do

endossante, não perde eficácia o endosso-mandato‖.

6.12.2. Endosso-caução, endosso-penhor ou endosso-pignoratício

Por ser bem móvel, a letra de câmbio pode ser objeto de penhor, como

garantia de eventual credor do endossante, nos termos do art. 1.431 do Código

Civil. Não obstante, não há a transferência imediata do crédito com o endosso-

penhor, mas apenas a posse do título, com a possibilidade da cobrança e do

recebimento da quantia expressa na letra, como garantia115. O crédito, entretanto,

continua sob a titularidade do endossante, desde que a obrigação garantida por

meio da letra seja cumprida. Não pode, portanto, o endossatário-pignoratício reter

o valor que lhe é devido antes do vencimento do título, na eventualidade de

receber o crédito de devedor cambial116.

Por fim, no que tange à forma, o endosso-caução é lançado no título de

crédito por meio da anotação de alguma das expressões legais (―valor em

garantia‖ ou ―valor em penhor‖) ou outra equivalente, em conjunto com o endosso,

nos termos do art. 19 da Lei Uniforme e do art. 918 do Código Civil.

promover sua cobrança, tal como o revela a praxe comercial.‖ (Apelação nº 39.603/96, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 19 de março de 1997, p. 4.421). 115

Assim, na doutrina: ―No endosso-caução ou pignoratício, o título é onerado por penhor em favor de credor do endossante, de modo que, cumprida a obrigação garantida pelo penhor, o título retorna ao endossante. No endosso-caução, o endossatário exerce direito que lhe é próprio, assegurado pelo título creditício, pois não é mero representante do credor originário. Difere, pois, do endosso-mandato, em que o endossatário é simples detentor do título e age em nome do endossante-mandante.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 387). De acordo, na jurisprudência: ―O endosso-caução não transfere ao endossatário o crédito consolidado no título, mas apenas a sua posse, para garantia do crédito daquele.‖ (Apelação n° 2.0000.00.518639-6/000, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 7 de abril de 2006). 116

Assim, na doutrina: ―No endosso-caução, o crédito não se transfere para o endossatário, que é investido na qualidade de credor pignoratício do endossante. Cumprida a obrigação garantida pelo penhor, deve a letra retornar à posse do endossante. Somente na eventualidade de não-cumprimento da obrigação garantida, é que o endossatário por endosso-caução apropria-se do crédito representado pela letra.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2006, p. 252).

48

48

6.12.3. Endosso-póstumo ou endosso tardio

À vista do art. 20 da Lei Uniforme, tem valor jurídico de mera cessão civil de

crédito o endosso posterior ao vencimento do título e também lançado depois do

respectivo protesto – ou do decurso do prazo para a realização do protesto117.

Sem dúvida, vencido o título e expirado o prazo para o protesto, o ulterior endosso

tem efeito de cessão civil de crédito, razão pela qual não incide o princípio da

inoponibilidade das exceções pessoais, com a possibilidade, portanto, da arguição

de defesas, de nulidades substanciais e de vícios de consentimento que

contaminaram as relações jurídicas anteriores118.

Ainda em razão da equiparação jurídica à cessão civil de crédito, o endosso

póstumo não torna o endossante coobrigado pelo pagamento, salvo estipulação

em contrário119-120.

Subsiste como o endosso, entretanto, o endosso posterior ao vencimento,

desde que lançado antes do protesto e da expiração do prazo para o protesto,

tendo em vista a ficção jurídica consagrada no proêmio do art. 20 da Lei Uniforme:

―O endosso posterior ao vencimento tem os mesmos efeitos que o endosso

anterior‖.

Por fim, o endosso sem data também é considerado anterior, salvo prova

em sentido contrário121-122.

117

Assim, na jurisprudência: ―ENDOSSO PÓSTUMO - VENCIMENTO DO TÍTULO - DATA DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. – O endosso com efeito de cessão, também chamado de endosso póstumo, ocorre quando realizado após o vencimento do título de crédito e do prazo para o protesto, pouco importando a data da propositura da ação.‖ (Apelação nº 1.0024.05.827986-0/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 11 de junho de 2010). 118

De acordo, na jurisprudência: ―Em se tratando de endosso póstumo, porque realizado após expirado o prazo para protesto, o seu efeito é de cessão ordinária de crédito e o direito do endossatário, neste caso, não é autônomo, mas derivado do direito do endossante, o que significa dizer apenas que será possível a oponibilidade de exceções pessoais.‖ (Apelação nº 1.0024.08.937384-9/001, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 16 de janeiro de 2009). 119

Cf. art. 296 do Código Civil. 120

De acordo, na doutrina: ―O endosso póstumo é o posterior ao protesto por falta de pagamento do título ou posterior ao decurso do prazo respectivo. Tem efeito de mera cessão civil, ou seja, o endossante tardio não responde pela solvência do devedor.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 386 e 387). 121

Cf. art. 20, segundo parágrafo, da Lei Uniforme. 122

Assim, na jurisprudência: ―O endosso do qual não se apõe data, presume-se efetuado antes da apresentação do cheque, razão pela qual o mesmo não pode ser caracterizado nem como endosso-póstumo, nem como cessão de direitos.‖ (Apelação nº 1.0223.08.243348-1/001, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 20 de janeiro de 2009).

49

49

6.12.4. Endosso sem garantia

À vista do art. 15, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, o endossante pode

incluir a expressão ―sem garantia‖ em conjunto com o endosso, o que afasta a

respectiva responsabilidade cambial como coobrigado. Com efeito, o lançamento

de endosso ―sem garantia‖ ocasiona a transferência da titularidade do crédito, mas

o endossante não tem responsabilidade cambial alguma.

6.12.5. Endosso proibido

À vista do art. 11, segundo parágrafo, da Lei Uniforme, o emitente-sacador

pode incluir a cláusula ―não à ordem‖ na cártula, com a consequente proibição de

transferência do crédito mediante endosso. Proibido o endosso, a transferência da

titularidade tem natureza jurídica de cessão civil de crédito, sob o regime do direito

comum. Em outros termos, se o emitente-sacador lançar a cláusula ―não à ordem‖,

o eventual ―endosso‖ lançado terá valor jurídico de cessão ordinária de crédito, à

luz do direito comum. A transferência do crédito é legítima, mas não produz os

efeitos do direito cambiário, mas, sim, do direito civil.

Por fim, o endosso também pode ser proibido pelo até então credor, na

qualidade de endossante, quando da transmissão do título a um novo credor, com

fundamento o art. 15, segunda parte, da Lei Uniforme: ―O endossante pode proibir

um novo endosso, e, neste caso, não garante o pagamento às pessoas a quem a

letra for posteriormente endossada‖. Por conseguinte, se o endossatário lançar

ulterior endosso e transferir o título a terceira pessoa, a despeito da proibição, o

anterior endossatário não garante a obrigação cambial em relação ao novo credor-

endossatário.

7. Aval

50

50

7.1. Conceito

O aval é a declaração unilateral de vontade por meio da qual uma pessoa

garante, em prol do devedor principal123 ou de qualquer coobrigado124, o

pagamento do título de crédito. A propósito do conceito de aval, vale conferir o

disposto no caput do art. 897 do Código Civil: ―O pagamento de título de crédito,

que contenha obrigação de pagar soma determinada, pode ser garantido por

aval‖.

7.2. Sujeitos do aval: avalista e avalizado

A pessoa que garante o pagamento do título é denominada ―avalista‖ ou

―dador de aval‖, na linguagem do art. 32 da Lei Uniforme. O avalista tanto pode ser

pessoa natural quanto pessoa jurídica, por intermédio do administrador, gerente

ou diretor dotado de poder especial para prestar aval.

Por outro lado, o beneficiário do aval é o ―avalizado‖. Avalizado, portanto, é

o devedor principal ou o coobrigado cuja assinatura é garantida pelo aval125.

7.3. Avalista

À vista da regra consagrada no art. 30, segundo parágrafo, da Lei Uniforme,

o avalista é terceiro que não figurava na letra de câmbio até então. Nada impede,

todavia, que algum signatário da letra seja avalista de outro. Sem dúvida, o art. 30,

segundo parágrafo, in fine, dispõe sobre o aval dado por pessoa que já integra a

relação jurídico-cambial126.

7.4. Lançamento do aval

123

Na letra, o sacado-aceitante. 124

Na letra, o emitente-sacador, o tomador-endossante, o segundo endossante etc. 125

De acordo, na doutrina: ―Aquele que presta o aval se chama avalista ou dador do aval, e o beneficiário, a cuja obrigação se reforça, se denomina avalizado.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 342). 126

Assim, na doutrina: ―O aval é a garantia de pagamento da letra de câmbio, dada por um terceiro ou mesmo por um de seus signatários.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 341).

51

51

Segundo o art. 31 da Lei Uniforme, o aval deve ser lançado na própria letra

de câmbio ou em folha anexa ao título. A assinatura lançada em documento

independente, portanto, não tem natureza de aval, ex vi dos princípios da

cartularidade e da literalidade127.

O art. 898 do Código Civil revela que o lançamento do aval é admissível

tanto na face quanto no verso da letra de câmbio. Em ambas as hipóteses, o

lançamento do aval se dá com a assinatura de próprio punho do avalista ou do

respectivo procurador com poder especial128.

No que tange ao lançamento na face da letra, a simples assinatura tem

natureza jurídica de aval, salvo quando aposta pelo sacado ou pelo emitente-

sacador129. Sem dúvida, a simples assinatura do sacado exarada na face da letra

significa aceite130, enquanto a assinatura do emitente-sacador lançada no anverso

da letra significa saque, ou seja, a emissão do título131. Com efeito, embora o

sacado e o emitente-sacador também possam ser avalistas de outro obrigado, as

assinaturas de ambos devem ser acompanhadas da expressão legal ―bom para

aval‖ ou outra equivalente132, para que tenham natureza de aval. Já em relação

aos terceiros, basta a simples assinatura lançada no anverso ou face da letra, a

qual tem natureza de aval, ex vi do art. 31, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme.

127

Assim, na jurisprudência: ―Aval – Documento à parte. Válido o aval em folha anexa ao título que se entende como seu prolongamento. Não, entretanto, em documento à parte, uma vez que o Brasil não se valeu da reserva consignada no art. 4º do Anexo II da Convenção de Genebra.‖ (REsp nº 4.522/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de fevereiro de 1991, p. 1.034). No mesmo sentido, também na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. AVAL. O aval supõe assinatura em título cambial ou cambiariforme, não se lhe assimilando a firma posta em instrumento particular‖ (REsp nº 248.842/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de setembro de 2000, p. 128). 128

Assim, na jurisprudência: ―A validade do aval está condicionada à assinatura do próprio punho do avalista ou do mandatário especial, isto é, do que exibe mandato por escrito, com poderes expressos para a prática de atos cambiais.‖ (REsp nº 50.841/RJ, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de setembro de 1994, p. 23.770). 129

Cf. art. 31, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme. De acordo, na doutrina: ―Na letra de câmbio, vale insistir, não existe assinatura sem expressão; toda a que for aposta no título, na sua face ou dorso, tem uma função cambiária. Por isso, a simples assinatura firmada no anverso, que não seja do sacado ou do sacador, é considerada aval.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 343). 130

Cf. art. 25, primeiro parágrafo, in fine, da Lei Uniforme. 131

Cf. art. 1º, número 8, da Lei Uniforme. 132

Por exemplo, ―por aval‖.

52

52

Por fim, o lançamento do aval no verso da letra sempre depende da

assinatura acompanhada de alguma expressão identificadora133, conforme revela

a interpretação a contrario sensu do § 1º do art. 898 do Código Civil.

7.5. Modalidades de aval

O aval pode ser ―em branco‖ ou ―em preto‖. O aval ―em preto‖ ocorre com

identificação do avalizado ao lado da assinatura do avalista. Já o aval ―em branco‖

se dá pelo simples lançamento da assinatura, sem a designação do avalizado. Na

ausência da identificação do avalizado, há a presunção legal de que o aval foi

dado em favor do emitente-sacador da letra, conforme revela o último parágrafo

do art. 31 da Lei Uniforme: ―O aval deve indicar a pessoa por quem se dá. Na falta

da indicação, entender-se-á pelo sacador‖.

7.6. Responsabilidade do avalista

À vista do primeiro parágrafo do art. 32 da Lei Uniforme e do proêmio do

art. 899 do Código Civil, a responsabilidade do avalista é equiparada à do

avalizado, razão pela qual o dador do aval também é responsável pelo pagamento

integral do título em prol do credor, tanto que o avalista pode ser executado

isoladamente134.

7.7. Direito de regresso do avalista

O avalista que efetuar o pagamento da quantia expressa no título poderá

acionar tanto o avalizado quanto os coobrigados anteriores, para cobrar o total da

importância paga, com fundamento no art. 32, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme,

e no art. 899, § 1º, do Código Civil. Por conseguinte, podem ser acionados, em 133

Por exemplo, ―bom para aval‖, ―por aval‖. 134

Cf. art. 47 da Lei Uniforme. Assim, na doutrina: ―O avalista se torna obrigado solidariamente com aquele a favor de quem dá o aval.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 342). De acordo, na jurisprudência: ―– O aval constitui obrigação autônoma. Tratando-se de responsabilidade solidária dos devedores, ao credor é permitido mover a execução desde logo contra o avalista, independentemente da regra inserta no art. 655, § 2º, do CPC.‖ (REsp nº 443.432/GO, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 15 de agosto de 2005, p. 317).

53

53

conjunto ou isoladamente, o sacado-aceitante, o emitente-sacador, o tomador-

endossante e até os eventuais avalistas anteriores, , conforme o caso, em relação

ao total do montante que foi pago pelo avalista.

Com efeito, à vista do art. 47, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme, e do art.

899, § 1º, do Código Civil, o avalista que paga o título passa a ter direito

regressivo contra o devedor principal e todos os coobrigados anteriores, razão

pela qual pode acioná-los por meio de execução fundada no art. 32, terceiro

parágrafo, da Lei Uniforme, e no art. 567, inciso III, do Código de Processo Civil,

desde que observados os prazos prescricionais arrolados no art. 70 da Lei

Uniforme.

7.8. Avais em branco simultâneos

Na eventualidade de ter sido lançado mais de um aval em branco, incide o

enunciado nº 189 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Avais em branco e

superpostos consideram-se simultâneos e não sucessivos‖. À luz do verbete

sumular, o avalista simultâneo que pagou o crédito por inteiro só pode cobrar dos

demais avalistas simultâneos as partes proporcionais, e não a totalidade da

quantia paga135. Trata-se, à evidência, de exceção à regra da solidariedade

cambial, marcada pela solidariedade total e pelo direito de regresso do avalista

quanto ao valor integral.

Em suma, se o título contiver mais de um aval em branco, sem

possibilidade de identificação da ordem em que as garantias foram dadas, aquele

135

Assim, na jurisprudência: ―1) Avais em branco e superpostos consideram-se simultâneos e não sucessivos; 2) Alcance da Súmula nº 189; 3) Em caso de avais simultâneos, pode o avalista, que pagou, cobrar do outro avalista a cota-parte devida por êsse co-obrigado; 4) Se três são os avalistas, só pode aquêle que pagou cobrar uma têrça parte de cada um dos co-obrigados da mesma natureza; 5) Recurso extraordinário conhecido e provido, em parte.‖ (RE nº 70.715/GB, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 18 de novembro de 1970). ―– COMERCIAL. Aval. Avalista simultâneo e não sucessivo (Súmula 189). Pagando a dívida cambial, fica legalmente sub-rogado no crédito (Cód. Civil, art. 985, III), podendo a cada um dos demais avalistas simultâneos cobrar a respectiva quota, em processo de execução por título extrajudicial.‖ (RE nº 92.674/SP, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 29 de maio de 1981, p. 5.054). ―– Aval. Co-avalista. Direito de receber do outro a metade do que pagou, pelo compromisso. Art. 32 da Lei Uniforme. Resulta do art. 32 da Lei Uniforme que se o dador do aval paga a letra, fica sub-rogado nos direitos emergentes do título contra a pessoa a favor de quem foi dado e contra os demais co-avalistas. A sub-rogação é legal, independendo, portanto, de ter sido convencionada. É este o entendimento que tem sido adotado pelo Supremo Tribunal Federal. E não cabe perquirir sobre a causa debendi.‖ (RE nº 75. 297/RS, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 6 de setembro de 1984, p. 14.332).

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avalista que pagar o total só poderá cobrar dos demais avalistas em branco as

respectivas partes, de forma proporcional. Nada impede, entretanto, que o avalista

que pagou o total opte por acionar o devedor principal e outro coobrigado anterior,

como o sacado-aceitante e o emitente-sacador, respectivamente, em conjunto ou

isoladamente, conforme a preferência do avalista, na tentativa de receber o valor

integral136.

7.9. Autonomia da responsabilidade do avalista

Em razão da autonomia e da abstração que norteiam os títulos de

crédito137, se a cártula circulou e deixou as mãos dos sujeitos originários da

relação cambial, não há mais oportunidade de discussão acerca da causa

debendi, isto é, a origem do título. Por conseguinte, a responsabilidade do avalista

subsiste até mesmo quando é nula a obrigação do avalizado. Sem dúvida, os arts.

7º e 32, segundo parágrafo, da Lei Uniforme, e o § 2º do art. 899 do Código Civil

revelam que a responsabilidade cambial do avalista é independente da obrigação

do avalizado, e subsiste até mesmo quando a obrigação primitiva tenha sido

viciada na origem138.

Não obstante, a regra da autonomia não é absoluta, porquanto os vícios

formais no título139, a prescrição executiva, os vícios pessoais próprios140 e a

existência de má-fé do terceiro adquirente podem ser suscitados pelo executado,

independentemente de o título já ter circulado, ou não. 136

De acordo, na doutrina: ―Se vários são os avalistas, aquele que pagou ao credor do avalizado comum poderá cobrar dos demais coobrigados a cota respectiva de cada um na dívida; e todos, em conjunto ou separadamente, poderão agir contra o devedor-avalizado, para serem reembolsados de todas as parcelas que tiveram de liquidar, pelo inadimplemento dele em relação ao credor originário.‖ (Alcides de Mendonça Lima. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VI, Tomo I, 1974, nº 747, p. 339 e 340). 137

Cf. art. 887 do Código Civil. 138

Assim, na doutrina: ―Sendo as obrigações cambiárias autônomas uma das outras, o avalista que está sendo executado em virtude de obrigação avalizada, não pode opor-se ao pagamento, fundado em matéria atinente à origem do título, que lhe é estranha. O aval é obrigação formal, autônoma, independente, e que decorre da simples aposição, no título, da assinatura do avalista.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 342). De acordo, na jurisprudência: ―— O aval é obrigação autônoma e independente, descabendo assim a discussão sobre a origem da dívida.‖ (REsp nº 190.753/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2003, p. 467). ―O aval é obrigação autônoma e independente, afastadas assim as discussões sobre a origem do título.‖ (REsp nº 3.594/SC, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 17 de dezembro de 1990, p. 15.380). Também no mesmo diapasão, ainda na jurisprudência: RE nº 75. 297/RS, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 6 de setembro de 1984, p. 14.332. 139

Por exemplo, o aparente título objeto da execução não contém a data da emissão. 140

Por exemplo, o avalista alega que não subscreveu o título e que a respectiva assinatura foi falsificada.

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55

Em regra, portanto, o avalista não pode discutir a origem da dívida nem

nulidades substanciais141 e pessoais anteriores relativas ao título de crédito que já

circulou142. Se, todavia, o título ainda não circulou, por ainda estar a cártula nas

mãos de alguma das partes originárias da relação cambial, o avalista executado

pode suscitar até mesmo vício sobre a origem da dívida, como a ilicitude do

negócio subjacente143 – além das defesas que podem ser suscitadas até mesmo

nos casos de circulação do título: vícios formais, prescrição cambial, vícios

pessoais próprios e má-fé do terceiro adquirente exequente.

7.10. Aval e fiança: semelhanças e diferenças

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, em razão da existência

da palavra ―afiançada‖ no bojo do art. 32 da Lei Uniforme, aval e fiança são

institutos jurídicos diferentes. Sem dúvida, apesar do escopo comum dos

institutos, qual seja, dar garantia, o aval e a fiança têm peculiaridades que afastam

a possibilidade de confusão.

Em primeiro lugar, o aval é próprio e exclusivo dos títulos de crédito,

enquanto a fiança é instituto de direito civil e tem lugar nos contratos144.

Sob outro prisma, a obrigação proveniente do aval é autônoma145, enquanto

a fiança gera obrigação sem autonomia, mas apenas acessória146. Por

141

Cf. arts. 104, 166, 167 e 168 do Código Civil. 142

Assim, na jurisprudência: ―A responsabilidade cambiária do avalista, tendo em vista os princípios da autonomia e abstração, não é afastada pela falsificação ou nulidade de outra assinatura. Art. 7º da Lei Uniforme. Ressalva-se a hipótese de má-fé do favorecido, o que não ocorre na hipótese.‖ (REsp nº 36.837/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 29 de novembro de 1993, p. 25.877). 143

De acordo, na jurisprudência: ―Comercial. Título de crédito. Avalista. Discussão sobre a origem do débito. Ausência de circulação do título. Possibilidade. Precedentes. – Na esteira de precedentes da 3ª Turma do STJ, se o título de crédito não circulou, pode o avalista argüir exceções baseadas na extinção, ilicitude ou inexistência da dívida da qual originou o título, visando evitar o enriquecimento sem causa do credor. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 678.881/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de junho de 2006, p. 216). 144

De acordo, na jurisprudência: ―O aval é garantia que se constitui em título cambial, não em contrato bancário; neste, a garantia de terceiro pode ser a fiança, não o aval.‖ (REsp nº 255.139/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de outubro de 2000, p. 155). 145

Cf. art. 32, segundo parágrafo, da Lei Uniforme. 146

Cf. arts. 824 e 837 do Código Civil. Assim, na doutrina: ―O aval é um instituto típico do direito cambiário. Por isso, não se pode confundir com a fiança. Esta é uma garantia acessória de uma obrigação principal, sendo-lhe característica fundamental essa acessoriedade; o aval, porém, como toda a obrigação cambiária, é absolutamente autônomo de qualquer outra.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 342).

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56

conseguinte, no aval prevalece a regra segundo a qual a responsabilidade do

avalista subsiste até mesmo diante de vício proveniente da relação obrigacional

originária, tendo em vista o disposto nos arts. 7º e 32, segundo parágrafo, ambos

da Lei Uniforme, e no art. 899, § 2º, do Código Civil. O mesmo raciocínio, todavia,

não alcança a fiança, a qual não subsiste diante de obrigação nula, ex vi dos arts.

824 e 837 do Código Civil147.

Sob outro prisma, o fiador tem o benefício de ordem previsto no art. 827 do

Código Civil e no art. 595 do Código de Processo Civil, isto é, pode exigir que o

devedor em favor de quem prestou a garantia seja executado em primeiro lugar148-

149. Já o avalista não tem em seu prol o benefício de ordem, porquanto é

responsável solidário, na qualidade de coobrigado, razão pela qual pode ser

acionado individualmente e até mesmo em primeiro lugar, tudo nos termos do art.

47 da Lei Uniforme. Daí a conclusão: o avalista não tem o beneficium excussionis

personalis150.

Outra diferença que não pode ser esquecida diz respeito ao artigo 77 do

Código de Processo Civil, vale dizer, ao instituto do chamamento ao processo.

Seja em razão da autonomia da responsabilidade do avalista, seja em razão da

incompatibilidade do instituto com o processo de execução, não há possibilidade

jurídica de o avalista executado requerer o chamamento de outros avalistas ao

processo de execução. Com efeito, o artigo 77 do Código de Processo Civil

alcança apenas o devedor principal e os fiadores de contrato, mas nunca os

avalistas de título de crédito. Sem dúvida, o chamamento ao processo só é

possível em relação aos fiadores e ao devedor principal, quando um fiador for 147

Assim, na doutrina: ―A distinção, porém, pode ser estabelecida na própria lei que afirma que a obrigação do aval mantém-se ‗mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma‘. Na fiança, essa obrigação acessória não sobreviveria à nulidade da obrigação principal, objeto da garantia.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 342). 148

De acordo, na doutrina: ―Benefício de excussão, ou benefício de ordem, é o direito que tem o fiador de exigir que, antes dos seus, sejam excutidos os bens do devedor.‖ (Amílcar de Castro. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, 2ª ed., 1976, p. 17). 149

Não obstante, o fiador pode renunciar ao benefício de ordem, com fundamento no art. 828, inciso I, do Código Civil. 150

De acordo, na jurisprudência: ―– O avalista não pode exercer benefício de ordem.‖ (Ag nº 747.148/SP – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2006, p. 438). Assim, ainda na jurisprudência: ―Aval. Benefício de ordem. O avalista é um obrigado autônomo (art. 47 da Lei Uniforme) e não se equipara ao fiador, razão pela qual não pode exercer o benefício de ordem previsto no art. 595 do CPC. Recurso conhecido e provido.‖ (REsp nº 153.687/GO, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de março de 1998, p. 82).

57

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acionado mediante processo cognitivo proveniente de ação de cobrança. Já os

avalistas são acionados mediante processo executivo, o qual, como já anotado, é

incompatível com o instituto consagrado no artigo 77 do Código de Processo Civil.

Por fim, antiga diferença entre o aval e a fiança restou mitigada com o

advento do Código de 2002. Com efeito, à vista do art. 1.647, inciso III, do Código

Civil, o cônjuge não pode prestar fiança nem aval sem a autorização do outro151.

Não obstante, a anulabilidade do aval prestado sem a vênia conjugal só pode ser

suscitada pelo cônjuge que não autorizou o lançamento152. A propósito, vale

conferir o enunciado nº 114 das Jornadas de Direito Civil do Conselho da Justiça

Federal: ―Art. 1.647: o aval não pode ser anulado por falta de vênia conjugal, de

modo que o inc. III do art. 1.647 apenas caracteriza a inoponibilidade do título ao

cônjuge que não assentiu‖.

7.11. Aval limitado ou parcial

A despeito da vedação inserta no parágrafo único do art. 897 do Código

Civil, a letra de câmbio pode ser garantida apenas em parte, quando o avalista fica

obrigado somente pelo valor garantido, porquanto o art. 30 da Lei Uniforme

autoriza o aval parcial: ―O pagamento de uma letra pode ser no todo ou em parte

garantido por aval‖153. Com efeito, por força do art. 903 do Código Civil, a

legislação especial existente prevalece em relação ao disposto no Código de

2002. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 39 aprovado na Jornada de

Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―É admitido o aval parcial para

os títulos de crédito regulados em lei especial‖. Daí a conclusão: a Lei Uniforme

autoriza o aval limitado ou parcial, o qual ocasiona a garantia apenas em relação a

uma parte do crédito.

151

Se o casamento foi sob o regime da separação absoluta, entretanto, não há necessidade de autorização alguma, tendo em vista a exceção consagrada na parte final do inciso III do art. 1.647 do Código de 2002. 152

De acordo, na jurisprudência: Apelação nº 1.0002.06.011432-5/002, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 19 de setembro de 2008. 153

Assim, na doutrina: ―O avalista, por essa limitação, se obriga apenas pela soma que declarar, inferior evidentemente ao valor da letra.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 345).

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7.12. Aval antecipado

O denominado ―aval antecipado‖ consiste no lançamento da assinatura de

garantia do pagamento antes mesmo do aceite (do sacado) ou do endosso (do

tomador-beneficiário originário).

É certo que a Lei Uniforme de Genebra é omissa em relação ao instituto do

aval antecipado. Não obstante, o proêmio do art. 14 do Decreto nº 2.044 autoriza

o prévio lançamento do aval, in verbis: ―Art. 14. O pagamento de uma letra de

câmbio, independente do aceite e do endosso, pode ser garantido por aval‖.

Aliás, ainda que o sacado jamais lance o aceite na letra, o avalista é

responsável pelo pagamento, à vista do princípio da autonomia consagrado no art.

887 do Código Civil, combinado com o art. 14 do Decreto nº 2.044, por força do

qual o direito brasileiro consagra o instituto do aval antecipado154.

7.13. Aval póstumo

A Lei Uniforme de Genebra e a Lei Cambial Nacional são omissas acerca

do aval dado após o vencimento da letra. Não obstante, o art. 900 do Código Civil

dispõe sobre o aval póstumo e confere ao mesmo efeitos jurídicos iguais aos do

aval dado antes do vencimento. Na falta de preceito nas leis especiais, incide o

art. 900 do Código Civil, tendo em vista o disposto no art. 903 do mesmo diploma.

7.14. Falecimento do avalista e subsistência do aval

A garantia proveniente do aval subsiste até mesmo quando há o

falecimento do avalista. Com efeito, a morte do avalista antes do vencimento não

tem o condão de extinguir a obrigação cambial, a qual subsiste e é transferida aos

herdeiros do avalista falecido, dentro dos limites das forças da herança155.

154

Assim, na jurisprudência: ―Em face da autonomia das obrigações, a do avalista subsiste, quando se trata de aval antecipado ao aceite do título, mesmo se esse não ocorrer. Há, aí, obrigação de garantir o pagamento da cártula.‖ (RE nº 99.523/AM, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 30 de novembro de 1984, p. 20.444). 155

De acordo, na jurisprudência: ―COMERCIAL. TÍTULOS DE CRÉDITO. AVALISTA. ÓBITO ANTES DO VENCIMENTO. OBRIGAÇÃO NÃO PERSONALÍSSIMA. TRANSMISSÃO AOS HERDEIROS. I - O aval, espécie de obrigação cambial, é autônomo em relação à obrigação do devedor principal e se constitui no

59

59

8. Classes de devedores e cadeia das obrigações cambiais

8.1. Classificação dos devedores

Os devedores da letra de câmbio – e dos títulos de crédito em geral –

podem ser separados em duas classes: na primeira, residem o devedor principal

(na letra de câmbio, o sacado após o aceite) e o respectivo avalista, na

eventualidade de ter sido dado aval; já a outra classe é composta pelos

coobrigados, como o emitente-sacador e os endossantes, além dos respectivos

avalistas156. Vale ressaltar que o emitente-sacador jamais será considerado

devedor principal da letra, ainda que o sacado denegue o aceite; quanto muito, o

emitente-sacador será o primeiro responsável da cadeia das obrigações cambiais,

mas na qualidade de coobrigado. Devedor principal na letra de câmbio só pode

ser o aceitante; é certo que o avalista do aceitante é equiparado ao devedor

principal, para diversos fins de direito cambiário, mas não é o devedor principal

propriamente dito, tanto que o avalista pagante do título pode acionar o aceitante,

no exercício do direito de regresso.

A inclusão do avalista em uma ou outra classe sempre depende do

avalizado, conforme revela o primeiro parágrafo do art. 32 do Decreto nº 57.663,

de 1966, segundo o qual a responsabilidade do avalista é a mesma da pessoa

avalizada. Na mesma esteira, reforça o proêmio do art. 899 do Código Civil de

2002: ―O avalista equipara-se àquele cujo nome indicar‖. Daí a conclusão: a

responsabilidade cambial do dador do aval é a mesma do avalizado; se o

avalizado for o devedor principal, assim também será considerado o avalista; se o

avalizado for coobrigado, assim também será o avalista.

momento da aposição da assinatura do avalista no título de crédito. II - Existente a obrigação desde a emissão do título, o avalista era devedor solidário no momento do óbito, constituindo o transcurso da data do vencimento apenas requisito para a exigibilidade do montante devido. III - A morte do responsável cambiário é modalidade de transferência anômala da obrigação que, por não possuir caráter personalíssimo, é repassada aos herdeiros, mesmo que o óbito tenha ocorrido antes do vencimento do título.‖ (REsp nº 260.004/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de dezembro de 2006, p. 358). 156

Cf. art. 43 da Lei Uniforme.

60

60

8.2. Diferenças entre as classes de devedores

Há importantes diferenças à vista da classe em que o devedor reside,

especialmente em relação ao protesto e ao prazo prescricional da execução.

No que diz respeito ao devedor principal ou direto – e ao respectivo

avalista, se existente –, o simples vencimento do título já é suficiente para a

exigibilidade do crédito por parte do beneficiário, com a possibilidade da

propositura de execução desde logo pelo credor mediante a denominada ―ação

direta‖, independentemente de protesto157.

Já em relação aos coobrigados ou devedores indiretos (quais sejam, o

emitente-sacador, os endossantes e os respectivos avalistas), além do

vencimento, é necessária a comprovação da recusa do pagamento pelo devedor

principal mediante protesto, também indispensável na eventualidade da negativa

do aceite pelo sacado. Trata-se, portanto, da denominada ―ação indireta‖, a qual

tem em mira os coobrigados ou devedores indiretos e não pode ser movida pelo

credor antes do protesto158-159. Daí a importante diferença entre o devedor

principal e o coobrigado, à vista do art. 53, primeiro e segundo parágrafos, da Lei

Uniforme: enquanto o devedor principal e o respectivo avalista são responsáveis

independentemente do protesto do título160, os coobrigados só podem ser

acionados após o protesto161.

157

De acordo, na doutrina: ―A execução é pertinente a portador de qualquer dos títulos contra os chamados responsáveis principais: a) aceitante na letra de câmbio; b) emitente na promissória e no cheque; c) comprador na duplicata; e d) respectivos avalistas. É a ação direta, que independe de protesto. Contra os denominados responsáveis subsidiários, a) sacador na letra de câmbio; b) endossadores anteriores e seus avalistas em qualquer dos títulos – cabe a ação regressiva, isso é, do que solveu a obrigação e que se vira contra o verdadeiro obrigado. Mas essa exige a juntada do competente instrumento de protesto, que não é judicial, e sim o formulado no Cartório competente, conforme a organização judiciária local.‖ (Alcides de Mendonça Lima. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VI, Tomo I, 1974, nº 744, p. 338, sem o grifo no original). 158

Ou outro ato equiparado ao protesto, como prevê o inciso II do artigo 47 da Lei nº 7.357, de 1985, em relação ao cheque. 159

Salvo se lançada a cláusula ―sem protesto‖ no título de crédito. Com efeito, a cláusula ―sem protesto‖ dispensa o credor de instrumentalizar a falta do pagamento mediante protesto no tabelionato próprio. 160

Assim, na jurisprudência: ―– Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias - Não é necessário o protesto do título para resguardo do direito de ação contra o avalista do emitente da promissória ou do aceitante da letra de câmbio.‖ (RE nº 76.154/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de junho de 1973). 161

De acordo, na jurisprudência: ―Estando o banco com o título por domínio, em face de endosso-cessão, para exercer o direito de regresso em face dos co-obrigados, como o endossante, é necessário o protesto do título, porque só poderá se voltar contra este se demonstrar que efetivamente o cobrou do devedor.‖

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Por conseguinte, o credor só pode cobrar o montante estampado no título

de crédito dos coobrigados após a recusa do pagamento por parte do eventual

devedor principal, a qual deve ser comprovada mediante o instrumento de protesto

expedido pelo tabelião competente, para o acionamento da execução forçada em

face dos coobrigados.

Por fim, há significativa diferença em relação ao prazo prescricional para a

execução forçada: enquanto o prazo para o acionamento do devedor principal e

do respectivo avalista é de três anos a partir do vencimento162, os coobrigados e

os avalistas só podem ser executados em um ano, contado do protesto163.

8.3. Cadeia das obrigações cambiais

Protestado o título dentro do prazo legal, os coobrigados podem ser

acionados mediante execução forçada movida pelo credor, em conjunto ou

isoladamente, conforme a livre escolha do exequente, tendo em vista o disposto

no art. 47 da Lei Uniforme.

Não obstante, o coobrigado que pagar o título pode acionar os coobrigados

pretéritos, porquanto há sub-rogação legal, motivo pelo qual aquele coobrigado

que paga tem direito de regresso, e assim por diante, até o início da cadeia de

obrigações, isto é, até alcançar o sacado-aceitante, devedor principal da letra. A

propósito, vale conferir a ordem na cadeia de obrigações cambiais da letra:

1º) sacado-aceitante (devedor principal)

2º) avalista(s) do sacado-aceitante

(Apelação nº 1.0024.06.056167-7/001, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 10 de outubro de 2008). 162

Cf. artigo 70, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme. 163

Cf. artigo 70, segundo parágrafo, da Lei Uniforme.

62

62

3º) emitente-sacador

4º) avalista(s) do emitente-sacador

5º) tomador-beneficiário-primeiro-endossante

6º) avalista(s) do tomador-endossante

7º) segundo-endossante

8º) avalista(s) do segundo-endossante

et cetera

Fixada a ordem da cadeia das obrigações cambiais, já é possível identificar

quais os sujeitos das relações cambiais estão obrigados e podem ser acionados

em regresso. Imagine-se, por exemplo, que o avalista do tomador-endossante foi

acionado isoladamente e satisfez a obrigação em prol do credor. Diante do

pagamento, o avalista do tomador-beneficiário poderá executar o tomador-

beneficiário-avalizado, o avalista do emitente-sacador, o emitente-sacador, o

avalista do sacado-aceitante e o sacado-aceitante, em conjunto ou isoladamente,

63

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conforme a sua livre preferência, tudo nos termos do art. 47 da Lei Uniforme, com

o reforço dos arts. 899, § 1º, e 914, § 2º, ambos do Código Civil164.

9. Vencimento

9.1. Conceito

O vencimento é o ato165 ou o fato166 jurídico que torna exigível a obrigação

consubstanciada no pagamento do crédito referente ao título.

9.2. Espécies de vencimento: ordinário e extraordinário

O vencimento da letra pode ocorrer de modo ordinário e por motivo

extraordinário, conforme o caso.

O vencimento ordinário ou comum consiste na exigibilidade do crédito por

força do decurso do tempo, no título de crédito a prazo, ou da simples

apresentação, no título à vista.

Já o vencimento extraordinário ou antecipado consiste na exigibilidade do

crédito em razão da negativa de aceite pelo sacado, no todo ou em parte, ou pela

falência do aceitante que é empresário individual ou sociedade empresária, tudo

nos termos do art. 43 da Lei Uniforme, do art. 19, incisos I e II, do Decreto nº

2.044/1908, e do art. 77 da Lei nº 11.101/2005.

Em contraposição, as hipóteses previstas nos parágrafos segundo e

terceiro do art. 43 da Lei Uniforme não subsistem no direito brasileiro, em virtude 164

Outro exemplo: ―Desta forma, se tivermos uma letra emitida por A, sacada contra B, em favor de C, que posteriormente endossou-a a D, que endossou a E, e mais, na hipótese de obrigarem-se os avalistas F, G, H e I, em favor de B, A, C e D, respectivamente, a cadeia anterior-posterior estará correta assim: B-F-A-G-C-H-D-I. Portanto, E, que é detentor e credor da letra, deve, no vencimento, procurar B, que é seu devedor principal. Caso não consiga recebê-la de B, poderá dirigir-se a qualquer um dos coobrigados, não sem antes providenciar a certidão de protesto (exceto se presente a cláusula ‗sem despesas‘ ou ‗sem protesto‘). Na hipótese de conseguir recebê-la de H, estarão desonerados D e I, ficando H com direito à ação regressiva contra C, G, A, F e B. Se a regressiva de H for contra A, que paga, este poderá propor nova ação contra B e F, pois G e C não mais poderão ser cobrados.‖ (Carlos Barbosa Pimentel. Direito comercial. 5ª ed., 2006, p. 212). 165

Por exemplo, a recusa do aceite. 166

Por exemplo, o decurso do tempo.

64

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da adoção da reserva inserta no art. 10 do Anexo II do mesmo diploma. Diante da

ressalva, incide o art. 19 da Lei Cambiária Interna. Por conseguinte, a falência do

sacado não ocasiona o vencimento antecipado, porquanto o inciso II do art. 19 do

Decreto nº 2.044 estabelece que o vencimento antecipado tem lugar ―pela falência

do aceitante‖, e não do mero sacado167.

9.3. Modalidades de vencimento

Na letra de câmbio à vista, o vencimento ocorre desde logo, no ato da

apresentação do título para pagamento. A letra à vista pode ser apresentada para

pagamento imediato dentro de um ano da data da emissão, consoante o art. 34 da

Lei Uniforme: ―A letra à vista é pagável à apresentação. Deve ser apresentada a

pagamento dentro do prazo de 1 (um) ano, a contar de sua data‖.

Já a letra ―a certo termo de vista‖ é título a prazo, cujo vencimento ocorre

com a contagem do lapso somente depois do aceite, ou seja, da data em que a

letra é apresentada para o lançamento do aceite pelo sacado168. Na falta de

indicação do dia do aceite, cabe ao credor-beneficiário efetuar o protesto por

ausência de data. Se o aceitante deixar de comparecer ao cartório para indicar o

dia do aceite, considera-se a data do protesto169. Na falta também do protesto, o

aceite não datado é tido como lançado no último dia do prazo para a apresentação

ao sacado, isto é, um ano depois da emissão da letra, consoante a combinação do

art. 23 com o art. 35 da Lei Uniforme, in verbis: ―As letras a certo termo de vista

devem ser apresentadas ao aceite dentro do prazo de 1 (um) ano das suas datas‖.

―Na falta do protesto, o aceite não datado entende-se, no que respeita ao

aceitante, como tendo sido dado no último dia do prazo para a apresentação ao

aceite‖.

167

De acordo, na doutrina: ―As situações jurídicas previstas nos números 2º e 3º do art. 43 da LUG, de fato, não podiam mesmo ser consideradas razão para vencimento antecipado, como ‗falência do sacado‘, pois o sacado não é obrigado no título. Está na lei: ‗quer ele (o sacado) tenha aceite, ou não...‘. Ora, se aceitou não é sacado e sim aceitante. Sendo aceitante, a hipótese de recusa parcial ou total está prevista no número 1º daquele art..‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 217). 168

Cf. art. 35, proêmio, da Lei Uniforme. 169

Cf. arts. 25, segundo parágrafo, in fine, e 35, ambos Lei Uniforme.

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65

A letra ―a certo termo da data‖ também é título a prazo, cujo vencimento se

dá com o decurso do lapso fixado no título, em dias, meses ou anos, sempre à luz

da data do saque, isto é, da emissão da letra. Por exemplo, o vencimento da letra

pode ser fixado em trinta dias da data da emissão, em seis meses da data da

emissão, em um ano da data da emissão.

A letra em data certa ou com ―dia fixado‖ também é título a prazo, mas com

a expressa indicação do próprio dia do vencimento, ou seja, ―pagável num dia

fixado‖170. Por exemplo, o vencimento fixado no dia 31 de dezembro de 2012.

Por fim, o art. 5º da Lei Uniforme autoriza a estipulação de juros

compensatórios ou remuneratórios por parte do emitente-sacador de letra à vista

ou a certo termo de vista. Já nas letras a certo termo da data e com dia fixado a

eventual estipulação de juros compensatórios ―é considerada como não escrita‖.

9.4. Contagem dos prazos cambiários

Em primeiro lugar, os prazos em dias são contados à luz do caput do art.

132 do Código Civil, preceito que também é aplicável ao direito cambiário, como

bem revela, por exemplo, o art. 64, parágrafo único, da Lei nº 7.357/1985. Na

verdade, o art. 132 do Código Civil brasileiro prestigia o princípio jurídico

consagrado no Código de Direito Canônico, em especial nos §§ 1º e 2º do cânon

203: ―Dies a quo non computatur in termino‖; ―dies ad quem computatur in

termino‖171. Daí a conclusão: o dia do início não é computado na contagem, mas o

dia do término do prazo é computado172.

Quanto ao prazo estabelecido em mês (ou meses), há o vencimento no

mesmo dia do mês subsequente (ou correspondente, no prazo em meses). Na

eventualidade da ausência de data correspondente no mês do vencimento, o

170

Cf. art. 33 da Lei Uniforme. 171

―O dia inicial não é computado no prazo‖; ―o dia final é computado no prazo‖ (Código de Direito Canônico. Promulgado pelo Papa João Paulo II, traduzido pelo Padre João Corso e pelo Bispo Tarcísio Ariovaldo do Amaral, e comentado pelo Padre Jesús Hortal. 11ª ed., 1998, p. 88 e 89). 172

De acordo, na doutrina: ―No mais, segue-se a legislação vigente, excluindo-se o dia do começo e inclusão do dia do vencimento.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 214).

66

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mesmo ocorre no último dia do mês173, ex vi do art. 36, primeiro parágrafo, da Lei

Uniforme, preceito específico que afasta a incidência da regra geral inserta no § 3º

do art. 132 do Código Civil.

Já a expressão ―meio mês‖ significa quinze dias174, razão pela qual a

contagem segue o disposto no caput do art. 132 do Código Civil.

Na eventualidade do vencimento com a combinação de mês inteiro com

meio mês, considera-se, em primeiro lugar, a data referente ao mês inteiro; só

depois são contados os quinzes dias, por força do art. 36, segundo parágrafo, da

Lei Uniforme175.

Por fim, a expressão ―início do mês‖ significa primeiro dia do mês. Em

contraposição, a expressão ―final do mês‖ significa último dia do mês. Já a

expressão ―meado do mês‖ significa dia quinze, tudo nos termos do art. 36,

terceiro parágrafo, da Lei Uniforme de Genebra.

9.5. Correção monetária, juros moratórios e despesas

Vencido o título de crédito, o credor-beneficiário pode cobrar a respectiva

quantia mediante execução forçada, com esteio no art. 585, inciso I, do Código de

Processo Civil, combinado com os arts. 47 e 70 da Lei Uniforme, e com o caput do

art. 49 do Decreto nº 2.044/1908: ―A ação cambial é a executiva‖.

Além do valor constante da letra de câmbio, o credor também pode cobrar a

correção monetária do montante principal, contada a partir do vencimento da

obrigação, em virtude do art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981176.

173

Por oportuno, vale conferir o didático exemplo da doutrina: ―Também uma letra de câmbio sacada em 31 de janeiro de ano não-bissexto para vencimento em um mês irá vencer no dia 28 de fevereiro seguinte.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20ª ed., 2008, p. 261). 174

Cf. art. 36, quinto parágrafo, da Lei Uniforme. 175

A propósito, vale conferir o didático exemplo da doutrina: ―Assim, o vencimento de uma letra de câmbio sacada para um mês e meio da vista, cujo aceite foi datado de 27 de fevereiro de ano não-bissexto, recairá em 11 de abril (não em 14 de abril) do mesmo ano.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20ª ed., 2008, p. 261). 176

Em abono, na jurisprudência: ―Nas execuções de título extrajudicial, líquido, certo e exigível, como no caso das Cédulas de Crédito Rural, Industrial ou Comercial, a correção monetária é devida a partir do vencimento da obrigação. Precedentes.‖ (REsp nº 712.101/RS – EDcl – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 18 de dezembro de 2009, sem os grifos no original).

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67

Também incidem os juros moratórios ou legais, contados a partir do

vencimento177. Em abono, merece ser prestigiado o verbete nº 17 aprovado pela

1ª Câmara Civil do antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―Os juros nos

títulos executivos cambiais devem ser contados a partir do vencimento‖. Na esteira

do verbete nº 17, houve a aprovação unânime da conclusão nº 18 no 6º Encontro

Nacional dos Tribunais de Alçada, in verbis: ―Os juros, nos títulos executivos

cambiais, devem ser contados a partir do vencimento‖178.

No que tange ao percentual dos juros de mora, merece ser prestigiado o

entendimento consagrado no enunciado nº 95 da Súmula do Tribunal de Justiça

do Rio de Janeiro: ―Os juros, de que trata o art. 406, do Código Civil de 2002,

incidem desde sua vigência, e são aqueles estabelecidos pelo art. 161, parágrafo

1º, do Código Tributário Nacional‖179-180.

Além da correção monetária e dos juros de mora, o credor-beneficiário

também pode cobrar as eventuais despesas do protesto na mesma execução

fundada no título de crédito.

Em síntese, o credor do título pode ajuizar a ação cambial, a fim de

executar o devedor principal e os coobrigados, na busca do pagamento da quantia

estampada na cártula, com juros de mora e correção monetária a partir do

vencimento, bem assim das eventuais despesas cartorárias com o protesto.

177

Além dos juros moratórios ou legais, exigíveis por força de lei, também há lugar para os denominados ―juros compensatórios‖ ou ―juros remuneratórios‖, os quais podem ser estipulados pelo emitente-sacador do título, com fundamento nos arts. 5º e 48, ambos da Lei Uniforme de Genebra. 178

Cf. Theotonio Negrão. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 25ª ed., 1994, p. 263, nota 9 ao art. 293: ―‗Os juros, nos títulos executivos cambiais, devem ser contados a partir do vencimento‘ (VI ENTA-concl. 18, aprovada por unanimidade)‖. 179

Colhe-se da precisa justificativa de fundamentação da aprovação do enunciado sumular: ―Justificativa: O art. 406 do atual Código Civil estatui que, ‗quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional‘. O Código Tributário Nacional determina no § 1º do art. 161 que ‗se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês‘.‖ (sem o grifo no original). 180

De acordo, na doutrina: Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 219: ―Então, os juros legais moratórios referidos no Código Civil, art. 406, são os juros fixados no § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional.‖ (sem os grifos no original). Daí a precisa conclusão do eminente Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais: ―Prevalece, então, o disposto no § 1º do art. 161 do CTN – Código Tributário Nacional, para mora no pagamento de impostos, ou seja, 1% (um por cento) ao mês.‖ (p. 219, sem os grifos no original). No mesmo diapasão, vale conferir a precisa lição do Professor Fábio Ulhoa Coelho: ―d) A taxa de juros por mora no pagamento de letra de câmbio ou nota promissória não é a constante dos arts. 48 e 49, mas a mesma devida em caso de mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (CC, art. 406), por força da reserva do art. 13 do Anexo II assinalada pelo Brasil.‖ (Manual de direito comercial: direito de empresa. 23ª ed., 2011, p. 276 e 277, sem os grifos no original).

68

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10. Pagamento

10.1. Conceito

O pagamento é ato extintivo da obrigação do respectivo devedor. Quando o

pagamento é realizado pelo sacado-aceitante, há a extinção de todas as

obrigações cambiais.

10.2. Possibilidade da exigência do título no momento do pagamento

O devedor que paga o crédito pode exigir a entrega da cártula181, com a

igual exigência do lançamento da respectiva quitação no próprio título182. A

propósito, se o devedor paga o crédito proveniente do título e não exige a entrega

ou, ao menos, o lançamento da quitação no bojo da cártula, há o risco de ser

submetido a novo pagamento, na eventualidade de ulterior endosso a terceiro de

boa-fé.

10.3. Pagamento parcial

À vista do art. 39, segundo e terceiro parágrafos, da Lei Uniforme, o

pagamento parcial é juridicamente possível, com o lançamento da respectiva

quitação parcial na própria letra.

Aliás, trata-se de regra geral do direito brasileiro, porquanto o § 1º do artigo

902 do Código Civil também estabelece que o credor de título vencido não pode

recusar pagamento parcial; e o § 2º impõe ao credor que recebeu o pagamento

parcial o dever de lançar e subscrever a quitação proporcional no bojo do título. 181

De acordo, na jurisprudência: ―A quitação do débito representado por títulos de crédito exige procedimentos específicos em razão da cartularidade e da possibilidade da circulação do título. Nesse passo, uma vez paga a dívida, incumbe ao devedor exigir a entrega do título de crédito, não só para fazer prova da sua quitação, mas também para impedir a sua circulação.‖ (Apelação nº 2005.01.1.071944-3, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 22 de março de 2007, p. 75). No mesmo sentido, ainda na jurisprudência: Recurso nº 101.999, 1ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Diário da Justiça de 28 de março de 2001, p. 82. 182

Cf. art. 39, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme.

69

69

10.4. Iniciativa do pagamento

Cabe ao credor tomar a iniciativa para a satisfação do crédito, diante da

natureza quesível da obrigação cambial.

Omisso o credor, entretanto, os devedores têm a faculdade do depósito da

quantia objeto do título mediante ―ação de consignação em pagamento‖183, à custa

do credor, tudo nos termos do art. 42 da Lei Uniforme.

10.5. Direito de regresso

Na eventualidade de o pagamento ter sido realizado por algum

coobrigado184, há a extinção da respectiva obrigação cambial – e também das

obrigações cambiais dos coobrigados posteriores da cadeia cambiária.

Ademais, o pagamento gera direito de regresso em favor do pagador em

face do devedor principal e dos coobrigados anteriores da cadeia de obrigações

cambiais, em virtude do instituto da sub-rogação consagrado no art. 47,

parágrafos segundo e terceiro, da Lei Uniforme, com o reforço dos arts. 899, § 1º,

e 914, § 2º, ambos do Código Civil.

Em virtude do disposto no art. 567, inciso III, do Código de Processo Civil, o

direito de regresso pode ser dar no próprio processo de execução no qual houve o

pagamento, bem como em ação executiva autônoma, se assim preferir o pagador

sub-rogado, sempre com a observância do prazo prescricional previsto no art. 70

da Lei Uniforme de Genebra.

10.6. Local do pagamento

À vista do número 5 do art. 1º da Lei Uniforme, a letra deve conter ―a

indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento‖.

183

Cf. arts. 890 e seguintes do Código de Processo Civil. 184

Por exemplo, o emitente-sacador, o tomador-endossante ou algum avalista.

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Não obstante, se faltar a indicação do lugar do pagamento no título,

considera-se o endereço do sacado: ―Na falta de indicação especial, o lugar

designado ao lado do nome do sacado considera-se como sendo o lugar do

pagamento, e, ao mesmo tempo, o lugar do domicílio do sacado‖, tudo por força

do art. 2º, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme.

10.7. Apresentação para pagamento de letra de câmbio no Brasil e no

exterior

A combinação do art. 38 do Anexo I com o art. 5º do Anexo II, ambos da Lei

Uniforme, com o proêmio do art. 20 do Decreto nº 2.044/1908, revela que há

diferença em relação ao prazo para apresentação da letra para pagamento no

país e no exterior, conforme o caso.

A letra pagável no Brasil deve ser apresentada ao aceitante no próprio dia

do vencimento, ressalvada a hipótese de o vencimento cair em dia que não seja

útil, quando há a prorrogação para o primeiro dia útil seguinte, consoante o

disposto no art. 20, primeira parte, do Decreto nº 2.044/1908, combinado com o

art. 5º do Anexo II da Lei Uniforme de Genebra. À vista do art. 12, § 2º, da Lei nº

9.492/1997, não são úteis o dia sem expediente bancário para o público e o dia

com expediente bancário reduzido. Dia útil, portanto, é o dia com expediente

bancário normal, regular.

No que tange à letra pagável fora do território brasileiro, deve ser

apresentada para pagamento no dia do vencimento ou dentro dos dois dias úteis

posteriores, tendo em vista a incidência do art. 38, primeiro parágrafo, da Lei

Uniforme de Genebra.

Não obstante, o decurso do prazo sem a apresentação para pagamento

não ocasiona a perda dos direitos cambiários em relação ao aceitante e ao

respectivo avalista. Com efeito, à vista do art. 53, primeiro e segundo parágrafos,

da Lei Uniforme, o decurso do prazo sem apresentação para pagamento ocasiona

a perda dos direitos cambiários apenas em relação aos coobrigados: emitente-

sacador, tomador-endossante, outros endossantes e respectivos avalistas.

71

71

11. Protesto cambial

11.1. Conceito

O protesto cambial ou cambiário é o ato formal e solene pelo qual o credor

apresenta o título de crédito em Cartório de Protesto de Títulos, a fim de que a

recusa de lançamento do aceite, o vencimento ou a ausência do pagamento sejam

declarados pelo respectivo tabelião, para a comprovação da inércia do devedor

principal e para a preservação da admissibilidade da execução forçada também

contra os coobrigados, tudo nos termos do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, do art. 44

da Lei Uniforme e do art. 882 do Código de Processo Civil.

Com efeito, o protesto cambiário é a apresentação pública de um título de

crédito e tem como escopo a produção de prova da recusa do aceite, da

ocorrência do vencimento ou da falta do pagamento, conforme o caso. À vista do

protesto cambiário, portanto, prova-se o descumprimento da obrigação cambial e

a respectiva inadimplência do devedor principal, além da interrupção da prescrição

para a ação cambial, por força do inciso III do art. 202 do Código Civil de 2002.

Por fim, vale ressaltar que, além dos títulos de créditos, passíveis do

denominado ―protesto cambial‖ ou ―protesto cambiário‖, ―outros documentos de

dívida‖ também ensejam de protesto, ex vi do art. 1º da Lei nº 9.492/1997, sem,

entretanto, as qualificações ―cambial‖ e ―cambiário‖, as quais são próprias dos

títulos de crédito.

11.2. Natureza jurídica do protesto cambial

O protesto cambiário tem natureza extrajudicial, porquanto é realizado

perante Cartório de Protesto de Títulos, razão pela qual não há necessidade de

advogado para a protocolização do título de crédito e do respectivo pedido de

protesto.

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72

Sem dúvida, a despeito da previsão nos arts. 882 e 883 do Código de

Processo Civil, o protesto cambial não é processo cautelar; aliás, nem mesmo é

processo185.

Em suma, trata-se de ato de natureza extrajudicial para comprovar a

inadimplência do devedor, resguardar direitos cambiários e interromper a

prescrição da execução cambial.

11.3. Interrupção da prescrição

À luz do Código Civil de 1916, tanto a doutrina quanto a jurisprudência

assentaram que o protesto cambial não interrompe a prescrição, tese que restou

consagrada no enunciado nº 153 da Súmula do Supremo Tribunal Federal:

―Simples protesto cambiário não interrompe a prescrição‖.

Com o advento do Código de 2002, entretanto, o protesto cambial foi

incluído no rol das causas interruptivas da prescrição, consoante o disposto no art.

202, inciso III, do Código vigente. Daí a conclusão: o simples protesto cambiário

interrompe a prescrição da pretensão executiva do credor, tendo em vista o

disposto no art. 202, inciso III, do Código Civil.

11.4. Protesto obrigatório e protesto facultativo

11.4.1. Protesto obrigatório e protesto facultativo à luz do direito cambiário

Considera-se obrigatório o protesto cambial para preservar os direitos

cambiários em relação aos coobrigados: emitente-sacador, tomador-endossante,

demais endossantes e respectivos avalistas. Em contraposição, o protesto cambial

185

De acordo, na doutrina: ―Os arts. 882 a 887 tratam de duas medidas de naturezas substancialmente diferentes: o protesto de títulos e a apreensão de títulos. O primeiro não é processo cautelar. É, aliás, medida administrativa extrajudicial, regulada em lei própria: a Lei Cambial, a Lei de Duplicatas, a Lei de Falências, cada uma delas estabelecendo os requisitos do título a ser protestado‖. ―Tudo isso se faz, porém, extrajudicialmente, perante o oficial cartorário competente, que intimará do protesto o devedor, por carta registrada, ou entregando-lhe em mãos o aviso.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 192 e 193, sem o grifo no original).

73

73

é facultativo em relação ao aceitante da letra e os respectivos avalistas. Sem

dúvida, à vista da interpretação do art. 53, primeiro parágrafo, parte final, da Lei

Uniforme de Genebra, o protesto é dispensável em relação ao devedor principal e

aos respectivos avalistas186.

11.4.2. Protesto obrigatório e protesto facultativo à luz do direito falimentar

Sob outro prisma, o protesto é sempre obrigatório para a cobrança de título

de crédito mediante execução falimentar fundada na causa de pedir do inciso I do

art. 94 da Lei nº 11.101/2005.

Com efeito, a obrigatoriedade do protesto é extraída do disposto no art. 94,

§ 3º, da Lei nº 11.101/2005, e do art. 23, parágrafo único, da Lei nº 9.492/1997187.

Não obstante, não há necessidade de protesto para a propositura de falência

fundada nas causas arroladas nos incisos II188 e III do art. 94 da Lei nº

11.101/2005.

186

De acordo, na doutrina: ―A execução é pertinente a portador de qualquer dos títulos contra os chamados responsáveis principais: a) aceitante na letra de câmbio; b) emitente na promissória e no cheque; c) comprador na duplicata; e d) respectivos avalistas. É a ação direta, que independe de protesto. Contra os denominados responsáveis subsidiários, a) sacador na letra de câmbio; b) endossadores anteriores e seus avalistas em qualquer dos títulos – cabe a ação regressiva, isso é, do que solveu a obrigação e que se vira contra o verdadeiro obrigado. Mas essa exige a juntada do competente instrumento de protesto, que não é judicial, e sim o formulado no Cartório competente, conforme a organização judiciária local.‖ (Alcides de Mendonça Lima. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VI, Tomo I, 1974, nº 744, p. 338). ―O protesto, entretanto, não é requisito para acionar o devedor principal e seus avalistas; sua obrigação para com o pagamento apura-se diretamente da cártula, condicionada apenas ao vencimento da data aprazada, sem que tenha havido o pagamento correspondente. É lícito ao credor, porém, protestar o título em tais circunstâncias, mas é uma medida facultativa, razão pela qual se fala em protesto facultativo. Somente para se acionarem outros coobrigados, cuja responsabilidade pelo pagamento não é direta, mas decorrente da inadimplência do devedor principal e de seus avalistas, faz-se necessário o protesto.‖ (Gladston Mamede. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. Volume III, 3ª ed., 2006, p. 168). No mesmo diapasão, na jurisprudência: ―CAMBIAL. LEI UNIFORME. É legítima a interpretação de que o art. 53 estabelece a perda da ação, expirados os prazos, contra os endossantes, o sacador e respectivos avalistas, não contra o aceitante e seu avalista.‖ (Ag nº 57.484/PE – AgRg, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 5 de outubro de 1973). ―— Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias. Não é necessário o protesto do título para resguardo do direito de ação contra o avalista do emitente da promissória ou do aceitante da letra de câmbio.‖ (RE nº 76.154/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de junho de 1973, p. 4.332). Ainda no mesmo sentido, também na jurisprudência: Ag nº 414.958/MG – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de maio de 2002. 187

De acordo, na doutrina: ―Serve, ainda, a outras finalidades, sendo certo, por exemplo, que na Lei de Falências (Lei nº 11.101/05) para instruir o pedido de falência, os títulos não sujeitos a protesto obrigatório devem ser protestados. Como em tais circunstâncias o exercício do Direito está diretamente vinculado ao protesto do título, fala-se em protesto necessário.‖ (Gladston Mamede. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. Volume III, 3ª ed., 2006, p. 168). 188

A respeito da dispensa do protesto falimentar quando a quebra é requerida com esteio no inciso II do art. 94 da Lei nº 11.101, de 2005, na jurisprudência: ―2 - O pedido de falência fundado em título executivo judicial pode ser instruído apenas com a certidão do juízo da execução, sendo dispensável o protesto especial para

74

74

Em suma, o protesto só é necessário quando a causa de pedir da falência

reside no inciso I do art. 94 da Lei nº 11.101/2005.

11.5. Protesto por falta de aceite

A primeira modalidade de protesto cambiário a ser estudada é o ―protesto

por falta de aceite‖, nos termos do art. 44 da Lei Uniforme, in verbis: ―A recusa de

aceite ou de pagamento deve ser comprovada por um ato formal (protesto por

falta de aceite ou falta de pagamento)‖.

Na eventualidade da falta do aceite pelo sacado, o protesto é tirado contra o

emitente-sacador cuja ordem de pagamento foi recusada. O sacado é apenas

intimado, a fim de comparecer ao Cartório de Protesto de Títulos189; a recusa do

sacado, todavia, ocasiona a extração do protesto contra o emitente-sacador,

responsável cambiário na eventualidade da falta de aceite da letra pelo sacado190.

Quanto ao prazo para o protesto por falta de aceite, aplica-se a regra

inserta no proêmio do parágrafo segundo do art. 44: ―O protesto por falta de aceite

deve ser feito nos prazos fixados para a apresentação ao aceite‖.

Com efeito, o credor deve apresentar a letra no tabelionato de protesto até

o fim do prazo de apresentação para aceite do sacado. Se for letra a certo termo

de vista, o prazo é de um ano da emissão do título, tendo em vista a combinação

dos arts. 23, primeiro parágrafo, e 44, segundo parágrafo, da Lei Uniforme. Já a

letra a certo termo da data e a letra pagável em dia certo podem ser apresentadas

ao sacado para aceite até os respectivos vencimentos, em virtude da combinação

dos arts. 21 e 44, segundo parágrafo, da Lei Uniforme. Por oportuno, vale lembrar

que a letra de câmbio à vista não é apresentada para aceite191, mas, sim, para

fins de falência. Não há porque exigir-se o protesto especial de um título judicial, porquanto, em sede de execução, a inadimplência e o descumprimento da obrigação já são suficientemente provadas.‖ (AGI nº 2006.00.2.012704-5, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 27 de novembro de 2007, p. 253). 189

Cf. arts. 3º e 14 da Lei nº 9.492/1997, e art. 883 do Código de Processo Civil. 190

Cf. art. 9º, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme. 191

Em sentido conforme, na jurisprudência: ―A apresentação da letra de câmbio sacada à vista é para pagamento, não comportando, portanto, apresentação para aceite. Com efeito, mostra-se regular o protesto por falta de pagamento de letra de câmbio sacada à vista, mesmo sem a presença do aceite do sacado.‖ (Apelação nº 1.0481.02.015974-7/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de janeiro de

75

75

imediato pagamento, o qual deve ser realizado no mesmo momento da

apresentação do título, ex vi do proêmio do art. 34 da Lei Uniforme192. Na

espécie193, portanto, o protesto se dará por falta de pagamento, e não por falta de

aceite.

Em todos os casos, na eventualidade de o sacado solicitar uma segunda

apresentação no dia seguinte, há a prorrogação do prazo referente ao protesto

para o dia seguinte, por força dos arts. 24, primeira parte, e 44, segundo

parágrafo, in fine, da Lei Uniforme: ―Se, no caso previsto na alínea 1ª do art. 24, a

primeira apresentação da letra tiver sido feita no último dia do prazo, pode fazer-se

ainda o protesto no dia seguinte‖. À vista do princípio da literalidade, todavia, o

pedido referente ao ―prazo de suspiro‖ deve ser lançado no bojo do título pelo

próprio sacado, para gerar a prorrogação previsto no art. 44, segundo parágrafo,

in fine, da Lei Uniforme.

Por fim, o decurso in albis do prazo para o protesto por falta de aceite

ocasiona a perda dos direitos cambiários contra os coobrigados194, ex vi do

disposto nos parágrafos iniciais do art. 53 da Lei Uniforme de Genebra. Não

obstante na eventualidade do decurso do prazo para o protesto por falta de aceite,

o avalista antecipado do sacado ainda pode ser processado mediante ação

cambial, tendo em vista o disposto no art. 14, primeira parte, do Decreto nº

2.044/1908195.

11.6. Protesto por falta de pagamento

O proêmio do art. 44 da Lei Uniforme também dispõe sobre a mais

importante modalidade de protesto cambiário: o protesto por falta de pagamento.

2009). ―– É viável o protesto por falta de pagamento de letra de câmbio sacada à vista, mesmo sem o aceite do sacado.‖ (REsp nº 646.519/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de maio de 2005, p. 373). 192

A letra à vista pode ser apresentada para pagamento imediato dentro de um ano da data da emissão, em razão do art. 34 da Lei Uniforme: ―A letra à vista é pagável à apresentação. Deve ser apresentada a pagamento dentro do prazo de 1 (um) ano, a contar de sua data‖. 193

Vale dizer, letra de câmbio à vista. 194

Vale dizer, o emitente-sacador, o tomador-endossante, os demais endossantes e os avalistas de todos. 195

Assim, na jurisprudência: ―Em face da autonomia das obrigações, a do avalista subsiste, quando se trata de aval antecipado ao aceite do título, mesmo se esse não ocorrer. Há, aí, obrigação de garantir o pagamento da cártula.‖ (RE nº 99.523/AM, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 30 de novembro de 1984, p. 20.444).

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A primeira questão a ser resolvida diz respeito ao prazo disponível para o

credor protocolizar o requerimento de protesto por falta de pagamento, porquanto

há séria divergência entre os doutores. Autorizada doutrina defende a aplicação

do caput do art. 28 do Decreto nº 2.044196. Doutrina igualmente abalizada sustenta

a incidência do terceiro parágrafo do art. 44 da Lei Uniforme197. À luz do Decreto

nº 57.663, de 1966, tudo indica que o Brasil preservou a legislação interna, em

razão da reserva permitida pelo art. 9º do Anexo II da Lei Uniforme. Daí a

justificativa em prol da incidência do caput do art. 28 do Decreto nº 2.044/1908,

com a adoção da tese segundo a qual o credor tem apenas um dia útil após o

vencimento para protocolizar o requerimento de protesto no cartório

competente198.

O decurso in albis do prazo para a protocolização do requerimento de

protesto da letra tem como consequência jurídica a perda dos direitos cambiários

contra o emitente-sacador, o tomador-endossante, os demais endossantes e os

avalistas de todos, ex vi do art. 53 da Lei Uniforme. Subsistem apenas os direitos

cambiários em relação ao aceitante199 e contra o respectivo avalista200. Daí a

conclusão: quanto ao sacado-aceitante e o respectivo avalista, o protesto cambial

é facultativo; quanto aos coobrigados, o protesto é necessário, sob pena de perda

dos direitos cambiários.

196

Vale dizer, no dia primeiro útil após o vencimento. Em prol da aplicação do art. 28 do Decreto 2.044/1908: ―Verificando-se o vencimento ordinário sem que ocorra o pagamento do título, tratando-se de letras de câmbio e notas promissórias, o protesto por falta de pagamento, havendo devedores de regresso, deve ser tirado no primeiro dia útil seguinte ao vencimento. Atente-se que a LUG (3ª al. do art. 44), determina que o protesto por falta de pagamento da letra de câmbio ou da nota promissória deve ser tirado ‗num dos dois dias úteis seguintes àquele em que a letra é pagável‘. Mas o Brasil adotou a Reserva do art. 9º do Anexo II da Convenção de Genebra, o que remete a questão para nossa legislação interna. Em consequência, e em face daquela Reserva, aplica-se o art. 28 do Decreto 2.044/1908, ainda em vigor, pelo que o protesto por falta de pagamento da letra de câmbio ou da nota promissória haverá de ser tirado no primeiro dia útil seguinte ao vencimento da letra de câmbio ou da nota promissória.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 262). 197

Vale dizer, até dois dias úteis após o vencimento. Em prol da aplicação do parágrafo terceiro do art. 44 da Lei Uniforme: ―para o protesto por falta de pagamento, o credor deverá entregar o título em cartório num dos dois dias úteis seguintes àquele em que ele for pagável (LU, art. 44), a menos que se adote o entendimento de alguns doutrinadores que defendem a vigência da lei interna na disciplina desse prazo, quando então deverá o portador encaminhar o título já no primeiro dia útil seguinte ao do vencimento (Dec. Nº 2.044/1908, art. 28).‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2006, p. 265). 198

Cf. Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 262. 199

Cf. art. 53, primeiro parágrafo, in fine, da Lei Uniforme. 200

Cf. art. 32, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme.

77

77

Resta saber contra quem o protesto por falta de pagamento é tirado. Ora,

aceita a letra, o aceitante passa a ser o devedor principal responsável pelo

pagamento do título. Na eventualidade de inadimplência após o vencimento da

letra, o protesto por falta de pagamento tem como alvo o aceitante, o qual deve

ser intimado, com a observância do disposto no art. 14 da Lei nº 9.492/1997, in

verbis: ―Art. 14. Protocolizado o título ou documento de dívida, o tabelião de

protesto expedirá a intimação ao devedor, no endereço fornecido pelo

apresentante do título ou documento, considerando-se cumprida quando

comprovada a sua entrega no mesmo endereço. § 1º A remessa da intimação

poderá ser feita por portador do próprio tabelião, ou por qualquer outro meio,

desde que o recebimento fique assegurado e comprovado através de protocolo,

aviso de recepção (AR) ou documento equivalente‖. Como é perceptível primo ictu

oculi, a intimação do devedor não precisa ser realizada pessoalmente pelo

tabelião.

11.7. Prazo para a extração do protesto pelo tabelião

Estudados os prazos para a apresentação do título no Cartório de Protestos

de Títulos, resta estudar o prazo para a extração do protesto pelo tabelião.

À vista dos arts. 3º, 12 e 20 da Lei nº 9.492/1997, cabe ao tabelião lavrar o

registro do protesto no prazo de três dias úteis contados da protocolização do

título no Cartório de Protestos de Títulos. Sem dúvida, o protesto deve ser

registrado pelo tabelião dentro de três dias úteis contados da protocolização do

título no respectivo tabelionato.

Como já anotado, o dia é considerado útil para o direito cambiário quando

há expediente bancário para o público, com horário normal, padrão201.

No que tange à contagem do tríduo legal, há a exclusão do dia da

protocolização do título de crédito, com a inclusão do dia do vencimento202.

201

Cf. art. 12, § 2º, da Lei nº 9.492/1997. 202

Cf. art. 12, § 1º, da Lei nº 9.492/1997.

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78

Por fim, na eventualidade de a intimação do devedor ter sido realizada no

último dia do tríduo legal, o protesto só será tirado no primeiro dia útil

subsequente203. O mesmo raciocínio alcança a hipótese de realização da

intimação do devedor além do prazo legal, por motivo de força maior204.

11.8. Dúvida

À vista do art. 884 do Código de Processo Civil, o tabelião pode denegar o

protesto se constatar a irregularidade formal do título de crédito ou a

inexigibilidade da obrigação cambial, por ainda não estar vencida205.

Na eventualidade da denegação da extração do protesto pelo tabelião, o

credor pode acionar o juízo competente, a fim de que a dúvida seja resolvida e o

protesto seja lavrado, se for o caso, por força da sentença judicial, tudo nos

termos do art. 884 do Código de Processo Civil: ―Se o oficial opuser dúvidas ou

dificuldades à tomada do protesto ou à entrega do respectivo instrumento, poderá

a parte reclamar ao juiz. Ouvido o oficial, o juiz proferirá sentença, que será

transcrita no instrumento‖206.

Por fim, se o tabelião não estiver convicto acerca da regularidade formal do

título de crédito e da possibilidade jurídica do protesto à luz da cártula apresentada

em cartório, também pode suscitar a dúvida perante o juízo competente207.

Suscitada a dúvida pelo tabelião, o juiz deve ouvir o credor que apresentou o título

em cartório. Em seguida, o juiz profere sentença, com a resolução da dúvida e, se

for o caso, a ordem de extração do protesto.

203

Cf. arts. 13 e 14 da Lei nº 9.492/1997. 204

Cf. art. 13 da Lei nº 9.492/1997. 205

Em contraposição, os obstáculos de fundo não podem ser apreciados pelo tabelião, como a eventual ocorrência de prescrição. Sem dúvida, as questões substanciais relativas ao direito material não podem ser apreciadas pelo tabelião, em razão da vedação prevista no art. 9º da Lei nº 9.492/1997. 206 De acordo, na doutrina: ―Somente se houver dúvida ou dificuldade quanto à tomada do protesto ou à entrega do respectivo instrumento é que a parte poderá reclamar ao juiz (art. 884). Esse pedido, porém, é de jurisdição voluntária e até administrativa, decorrente do poder de supervisão que o juiz exerce sobre os atos de registros públicos extrajudiciais. Nesse caso, ouvido o oficial, o juiz proferirá sentença, que será transcrita no instrumento de protesto ou de negativa do protesto (art. 884, 2ª parte).‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 193). 207 Assim, na jurisprudência: CC nº 35.484/RJ, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 13 de outubro de 2005; e CC nº4.840/RJ, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 4 de outubro de 1993.

79

79

11.9. Desistência do protesto

À vista dos arts. 3º e 16 da Lei nº 9.492/1997, o credor apresentante do

título levado a protesto pode desistir e retirar a cártula ainda não protestada,

desde que efetue o pagamento das despesas cartorárias.

11.10. Pagamento antes da lavratura do protesto

O devedor pode efetuar o pagamento do título dentro do prazo legal, no

próprio Cartório de Protesto. Além do valor principal estampado na cártula, o

pagamento também deve cobrir as despesas cartorárias, tendo em vista o

disposto no art. 19 da Lei nº 9.492/1997.

11.11. Sustação do protesto

À vista do art. 17 da Lei nº 9.492/1997, o protesto ainda não lavrado

também pode ser impedido mediante a propositura de demanda com pedido de

sustação. Com efeito, há lugar para a sustação judicial diante da demonstração do

risco de protesto indevido por parte do autor da demanda que foi notificado a

comparecer ao tabelionato, sob pena de extração do protesto208.

Lavrado o protesto, entretanto, não há mais lugar para a sustação do

protesto, mas, sim, para o cancelamento do protesto, mediante demanda com

pedido específico de cancelamento209.

208

De acordo, na jurisprudência: ―Protesto. Sustação. Admite-se a sustação do protesto cambial quando para isso concorrerem razões relevantes.‖ (REsp nº 218.978/CE, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de setembro de 2000, p. 150). ―2. Invalidade da cláusula que autoriza o credor a emitir letra de câmbio com plena eficácia, independentemente de aceite. Sustação do protesto deferida.‖ (REsp nº 202.648/ES, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de julho de 1999, p. 184). No mesmo diapasão, na doutrina: ―São freqüentes, por exemplo, as cauções fixadas em ações cautelares de sustação de protesto, com liminar inaudita altera parte‖. ―Na sustação de protesto, em regra a caução é exigida para demonstrar a solvência do requerente, mormente quando se trata de empresa que pode postular a medida para impedir o ajuizamento de pedido de quebra ou a retroação dos termos legais desta.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 290). 209

Com igual opinião, na doutrina: Gladston Mamede. Direito empresarial brasileiro: títulos de crédito. 3ª ed., 2006, p. 175.

80

80

11.12. Cancelamento do protesto

O cancelamento do protesto cambial deve ser realizado pelo tabelião do

Cartório de Protestos, mediante a apresentação, por qualquer pessoa, do título

protestado, com o imediato pagamento da quantia declarada pelo apresentante do

título no tabelionato, com o acréscimo das despesas cartorárias, com a

observância do disposto nos arts. 25 e 26 da Lei nº 9.492/1997. Na verdade, trata-

se de ônus do devedor, mas pode ser realizado por qualquer pessoa, até mesmo

pelo credor. Não obstante, a inércia do credor não gera indenização alguma ao

devedor, porquanto o cancelamento do protesto é ônus do devedor210.

Por fim, o cancelamento do protesto também pode ser determinado por

ordem judicial proveniente de processo instaurado pelo devedor cujo título sofreu

protesto indevido. Imagine-se a hipótese de protesto tirado contra o sacado que

não aceitou a letra de câmbio, mas que figura no instrumento de protesto na

qualidade de protestado. O sacado pode requerer o cancelamento do protesto em

juízo, além de eventuais perdas e danos, até mesmo de natureza moral.

11.13. Protesto indevido e responsabilidade pelos danos

Na eventualidade de protesto indevido, há possibilidade de

responsabilização civil, nos termos dos artigos 186 e 927 do Código Civil.

210

De acordo, na jurisprudência: ―RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. PROTESTO REALIZADO NO EXERCÍCIO REGULAR DE DIREITO. CANCELAMENTO APÓS A QUITAÇÃO DA DÍVIDA. INCUMBÊNCIA DO DEVEDOR. ART. 26, §§ 1º E 2º, DA LEI Nº 9.492/97. Protestado o título pelo credor, em exercício regular de direito, incumbe ao devedor, principal interessado, promover o cancelamento do protesto após a quitação da dívida.‖ (REsp nº 842.092/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de maio de 2007, p. 360). ―AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DANO MORAL. MANUTENÇÃO INDEVIDA DE NOME EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. CORREÇÃO DAS INFORMAÇÕES DO CONSUMIDOR NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. ÔNUS DO DEVEDOR. PRECEDENTES. 1 – Cabe ao devedor promover o cancelamento de protesto regularmente lavrado quando de posse de título protestado ou da carta de anuência do credor, nos termos do art. 26 da Lei nº 9.492/1997.‖ (REsp nº 1.140.350/SP – AgRg, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 26 de novembro de 2010). ―PROTESTO DE TÍTULO. CANCELAMENTO APÓS PAGAMENTO. RESPONSABILIDADE DO DEVEDOR. A Turma, por maioria, firmou o entendimento de que, no caso de protesto regularmente lavrado, não é do credor a responsabilidade pela baixa do registro após a quitação da dívida. Nos termos do art. 26 da Lei n. 9.492/1997, o cancelamento do registro do protesto pode ser solicitado pelo devedor ou qualquer garante da dívida que detenham a posse do título protestado ou da carta de anuência do credor, não importando se a relação que deu origem à cártula é de consumo.‖ (REsp nº 1.195.668/RS, 4ª Turma do STJ, Informativo nº 504).

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Se o protesto indevido se deu por erro do tabelião, seja doloso ou culposo,

a demanda indenizatória por eventuais danos material e moral pode ser movida

em face do tabelião, com fundamento no artigo 38 da Lei nº 9.492/1997: ―Art. 38.

Os Tabeliães de Protesto de Títulos são civilmente responsáveis por todos os

prejuízos que causarem, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que

designarem ou Escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso‖211.

Se o protesto indevido é proveniente de culpa ou dolo do apresentante do

título de crédito no tabelionato, a demanda indenizatória por eventuais danos

material e moral pode ser movida em face do apresentante. É o que se infere do

enunciado nº 475 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―Responde pelos

danos decorrentes de protesto indevido o endossatário que recebe por endosso

translativo título de crédito contendo vício formal extrínseco ou intrínseco, ficando

ressalvado seu direito de regresso contra os endossantes e avalistas‖.

Aliás, se o protesto indevido de seu por culpa ou dolo tanto do tabelião

quanto do apresentante, é possível o acionamento de ambos no mesmo processo,

como litisconsortes passivos.

Por fim, na eventualidade de endosso-mandato, a responsabilidade civil

pelo protesto indevido geralmente é do endossante-mandante, em nome de quem

o endossatário-mandatário age e atua. Sem dúvida, o endossatário-mandatário só

pode ser acionado quando for o verdadeiro responsável pelo protesto indevido,

por ter extrapolado os poderes do endosso-mandato ou por ter praticado ato

fraudulento. É a regra consagrada no preciso enunciado nº 476 da Súmula do

Superior Tribunal de Justiça: ―O endossatário de título de crédito por endosso-

mandato só responde por danos decorrentes de protesto indevido se extrapolar os

poderes de mandatário‖212. Por fim, reforça o correto enunciado nº 99 da Súmula

do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: ―Tratando-se de endosso-mandato,

211

De acordo, na jurisprudência: REsp nº 624.975/SC – AgRg, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 11 de novembro de 2010; e REsp nº 545.613/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 29 de junho de 2007, p. 630. 212

De acordo, também na jurisprudência: ―I - Na linha da orientação deste Tribunal, no endosso-mandato, por não haver transferência da propriedade do título, o mandante é responsável pelos atos praticados por sua ordem pelo banco endossatário.‖ (REsp nº 389.879/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de setembro de 2002, p. 196).

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devidamente comprovado nos autos, não responde o endossatário por protesto

indevido, salvo se lhe era possível evitá-lo‖213.

11.14. Cláusula ―sem protesto‖

O emitente-sacador pode inserir na letra a cláusula ―sem despesas‖ ou

―sem protesto‖, com a dispensa do protesto pelo credor para preservar os direitos

cambiários contra todos os devedores: principal e coobrigados214. Por

conseguinte, o protesto cambial passa a ser facultativo em relação a todos os

devedores. É certo que ainda pode ser tirado o protesto, mas corre por conta do

credor, ex vi do art. 46, terceiro parágrafo, da Lei Uniforme: ―Se, apesar da

cláusula escrita pelo sacador, o portador faz o protesto, as respectivas despesas

serão de conta dele‖.

Se o credor, todavia, deixar de apresentar para pagamento ao sacado-

aceitante – no vencimento, a letra ―sem despesas‖ pagável no Brasil, ou até dois

dias úteis do vencimento, se a letra for pagável no exterior –, há a perda dos

direitos cambiários em relação aos coobrigados215, ex vi da combinação do art. 46,

primeiro e segundo parágrafos216, com o art. 53, primeiro e segundo parágrafos217,

ambos da Lei Uniforme. Não obstante, o ônus da prova da inércia do credor em

relação à apresentação a pagamento a tempo e modo cabe ao devedor

executado, por meio da ação de embargos à execução. É o que se infere da parte

213

Eis a correta justificativa que consta do acórdão de aprovação do verbete sumular: ―No endosso mandato não há transferência do crédito, de forma que o endossatário age na condição de mandatário do endossante, este sim, responsável pelo dano, a menos que o endossatário pudesse evitar o protesto‖. 214

Cf. art. 46, primeiro e terceiro parágrafos, da Lei Uniforme. 215

Não, entretanto, em relação aos devedores principais ou diretos, em face dos quais subsistem os direitos cambiários, ainda que a letra não tenha sido apresentada a pagamento a tempo e modo. O credor poderá, portanto, acionar o aceitante e os respectivos avalistas mediante execução cambial, a ser proposta no prazo prescricional de três anos. 216

―O sacador, um endossante ou um avalista pode, pela cláusula ‗sem despesas‘, ‗sem protesto‘, ou outra cláusula equivalente, dispensar o portador de fazer um protesto por falta de aceite ou falta de pagamento, para poder exercer os seus direitos de ação. Essa cláusula não dispensa o portador da apresentação da letra dentro do prazo prescrito nem tampouco dos avisos a dar. A prova da inobservância do prazo incumbe àquele que dela se prevaleça contra o portador.‖ (sem o grifo no original). 217

―Depois de expirados os prazos fixados: - para a apresentação de uma letra à vista ou a certo termo de vista; - para se fazer o protesto por falta de aceite ou por falta de pagamento; - para a apresentação a pagamento no caso da cláusula ‗sem despesas‘. O portador perdeu os seus direitos de ação contra os endossantes, contra o sacador e contra os outros coobrigados, à exceção do aceitante.‖ (sem os grifos no original).

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final do segundo parágrafo do artigo 46 da Lei Uniforme, in verbis: ―A prova da

inobservância do prazo incumbe àquele que dela se prevaleça contra o portador‖.

Por fim, quando a cláusula ―sem despesas‖ é inserida por um endossante

ou por um avalista, a dispensa do protesto para a conservação dos direitos

cambiários alcança apenas aquele que fez a inclusão da cláusula. Quanto aos

demais, subsiste a exigência do protesto cambial.

12. Ação cambial ou execução cambial

Diante do vencimento218 sem o respectivo pagamento do título de crédito, o

credor pode executar tanto o devedor principal quanto os coobrigados, em

conjunto ou isoladamente, conforme a preferência daquele (credor), tudo nos

termos dos arts. 43 e 47 da Lei Uniforme219. Em relação aos coobrigados, todavia,

a subsistência dos direitos cambiários do credor depende do prévio protesto no

prazo legal, consoante se infere do art. 53 da Lei Uniforme.

À vista do art. 49 do Decreto nº 2.044/1908, a ―ação cambial é a

executiva‖220. O art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil reforça a

admissibilidade da execução fundada em letra de câmbio.

Em regra, a execução cambial compreende a quantia estampada na

cártula, mais juros de mora e correção monetária contados a partir do vencimento,

bem como as eventuais despesas cartorárias com o protesto.

No que tange à prescrição da pretensão executiva fundada na letra de

câmbio, o prazo varia conforme o executado seja o devedor principal ou algum

218

Vencimento que pode ser ordinário ou extraordinário. 219

Assim, na doutrina: ―O portador tem, assim, o direito de acionar todos os obrigados e coobrigados, sem estar adstrito a observar a ordem em que eles se obrigaram. Explicamos à saciedade que todos os que se obrigaram na letra a ela se vinculam diretamente, pois suas obrigações são autônomas, umas em relação às outras. O portador pode eleger apenas um obrigado, ou então um coobrigado para contra ele dirigir a ação, ou promovê-la contra todos, citando-os solidariamente.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 368). 220

De acordo, na doutrina: ―Mas o nome ação cambial, por tradição, ficou mantido, quando poderia ser execução cambial. No entanto, pouco importa se se trata de execução, ação de execução, execução cambial ou ação cambial. Isso quer dizer que a ação cambial segue o mesmo caminho estabelecido pelo processo civil brasileiro vigente para o processo de execução. Entenda-se, pois: a ação cambial corresponde ao processo de execução (arts. 586 e seguintes do CPC), especialmente com a aplicação do inciso I do art. 585, bem como dos arts. 646 e seguintes do Código de Processo Civil.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 275).

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coobrigado. Em regra, a execução deve ser proposta dentro do prazo de três anos

do vencimento da letra de câmbio. Trata-se de prazo prescricional disponível para

o credor exercer a respectiva pretensão patrimonial contra o devedor principal,

contra o respectivo avalista ou contra ambos, se assim preferir. Segundo o art. 70

da Lei Uniforme, portanto, o credor pode acionar o aceitante e os respectivos

avalistas durante o prazo prescricional de três anos, contados do vencimento da

letra221. Com efeito, o credor pode acionar tanto o devedor principal (sacado-

aceitante da letra) quanto o respectivo avalista mediante ação direta de execução,

isto é, sem a necessidade de prévio protesto.

Quanto aos coobrigados da letra, quais sejam, o emitente-sacador, o

tomador-endossante, os demais endossantes e avalistas dos mesmos, o credor

tem o prazo de um ano para ajuizar a execução fundada no art. 585, inciso I, do

Código de Processo Civil. Trata-se de prazo prescricional que corre da data do

protesto tempestivo ou do vencimento do eventual título ―sem despesas‖. Com

efeito, no que tange ao emitente-sacador, endossantes e respectivos avalistas, a

ação cambial deve ser proposta dentro do prazo prescricional de um ano, contado

da data do protesto tempestivo ou da data do vencimento, se a letra tiver a

cláusula ―sem protesto‖, tudo nos termos do art. 70 da Lei Uniforme.

Na eventualidade de algum coobrigado efetuar o pagamento, pode exercer

o direito de regresso contra outros coobrigados mediante ação de execução no

prazo prescricional de seis meses, em virtude da sub-rogação. À vista dos arts.

47, terceiro parágrafo, e 70, terceiro parágrafo, ambos da Lei Uniforme, o

coobrigado que efetuar o pagamento dispõe do prazo de apenas seis meses para

acionar coobrigados pretéritos na cadeia de anterioridade, em ação executiva de

regresso. Por força do art. 567, inciso III, do Código de Processo Civil, o sub- 221

De acordo, na jurisprudência: ―Nos termos do art. 70 da Lei Uniforme, normativo legal aplicado à letra de câmbio, é a ação cambial (ação de execução) que vem perecer com a incidência do instituto da prescrição, todavia, sobrevivendo ação de conhecimento (de cobrança), de cunho civil‖ (Apelação nº 1.0702.04.184212-2/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 12 de outubro de 2006). ―Estabelece o art. 70 da Lei Uniforme, relativa às letras de câmbio, ser de 03 (três) anos o prazo para a propositura da ação executiva contra aceitante, na ordem de pagamento, e emitente, na promessa de pagamento, e seus avalistas, contados a partir do vencimento da cambial.‖ (Apelação nº 2.0000.00.484560-9/000, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de julho de 2006). ―Estabelece o art. 70 da Lei Uniforme, relativa às letras de câmbio, ser de 03 anos o prazo para a propositura da ação executiva contra aceitante, na ordem de pagamento, e emitente, na promessa de pagamento, e seus avalistas, contados a partir do vencimento da cambial.‖ (Apelação nº 1.0433.07.221751-9/001, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de junho de 2008).

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rogado pode iniciar nova execução ou até mesmo dar seguimento à execução

movida pelo credor originário, hipótese na qual o coobrigado pagante passa a

ocupar o lugar deixado pelo credor original cujo crédito foi satisfeito.

13. Ação de enriquecimento sem causa ou ação de locupletamento indevido

À vista do art. 48 do Decreto nº 2.044/1908, combinado com os arts. 206, §

3º, inciso IV, 884 e 886 do Código Civil de 2002, prescrita a execução cambial,

ainda há a possibilidade de o credor ajuizar demanda cognitiva denominada ―ação

de locupletamento indevido‖, ―ação de enriquecimento sem causa‖ ou ―ação in rem

verso‖222, dentro do prazo prescricional de três anos223.

À luz do art. 886 do Código Civil de 2002, o triênio previsto no inciso IV do §

3º do art. 206 do mesmo diploma só começa a correr após o decurso in albis dos

prazos para a execução do art. 70, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, e do art.

585, inciso I, do Código de Processo Civil.

Com efeito, após o transcurso in albis dos prazos prescricionais das

pretensões executivas provenientes da letra de câmbio, é admissível a propositura

da demanda de locupletamento ou enriquecimento indevido, no prazo

prescricional de três anos, em virtude da combinação do art. 48 do Decreto nº

2.044/1908, com os arts. 206, § 3º, inciso IV, 884 e 886, do Código Civil de 2002.

222

De acordo, na doutrina: ―AÇÃO IN REM VERSO. O mesmo que ação de enriquecimento ilícito.‖ (Pinto

Ferreira. Vocabulário jurídico das ações e dos recursos. 1999, p. 51). ―Como se vê, a Convenção admitiu que a legislação nacional preservasse a ação in rem verso, que havia sido introduzida em nosso direito expressamente pelo art. 48, no seguinte texto: ‗Sem embargo da desoneração da responsabilidade cambial, o sacador ou o aceitante fica obrigado a restituir ao portador, com os juros legais, a soma com a qual se locupletou às custas deste. A ação do portador, para este fim, é a ordinária‘. Nesta ação, baseada nos princípios naturais da eqüidade, o autor deve provar o locupletamento à sua custa por parte do réu, isto é: a) o enriquecimento do réu; b) o seu empobrecimento; c) a falta de justa causa; d) a relação de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 377). 223

Em sentido conforme, na doutrina: ―É no campo dos títulos de crédito, em maior escala, que surgiu entre nós a aplicação da ação in rem verso.‖ ―Aliás, em matéria cambial, existe referência expressa, no direito positivo, à ação de enriquecimento indevido no art. 48 da Lei nº 2.044/1908. Nele permite-se a ação de rito ordinário contra o sacador ou aceitante de título de crédito que se tenha enriquecido indevidamente. Trata-se de ação subsidiária e tem como requisitos: a existência prévia de uma letra de câmbio (ou outro título de crédito), a desoneração da responsabilidade cambial por qualquer razão (falta de protesto obrigatório, falta de apresentação para aceite, prescrição) e que o prejuízo sofrido pelo portador do título corresponda a um efetivo enriquecimento por parte do aceitante ou sacador. Típica situação de enriquecimento indevido.‖ ―Ao finalizar, cumpre lembrar que o atual Código estabeleceu o prazo prescricional de três anos para a pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa (art. 206, § 3º, IV).‖ (Sílvio de Salvo Venosa. Direito Civil. Volume II, 6ª ed., 2006, p. 212, 213 e 222, respectivamente).

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O prazo prescricional da pretensão de locupletamento é contado após a

perda da força executiva da letra de câmbio, porquanto a demanda de

enriquecimento sem causa não é admissível enquanto for cabível a execução

cambial, ex vi do art. 886 do Código Civil224.

Ao contrário do que ocorre com a execução cambial, com três diferentes

prazos prescricionais em razão do executado, a prescrição da pretensão exercida

mediante demanda de locupletamento indevido é sempre de três anos,

independentemente do demandado.

No que tange à legitimidade passiva, a demanda de enriquecimento sem

causa só pode ser movida contra o beneficiário do locupletamento indevido. Por

não estar fundada na responsabilidade cambial, mas, sim, no direito civil, a

demanda não pode ser movida contra os coobrigados cambiais que não se

enriqueceram à custa do empobrecimento do credor do título. Ao contrário,

portanto, da execução cambial, a qual pode ser movida contra qualquer um dos

devedores e coobrigados cambiais, a demanda de enriquecimento sem causa só

pode ser acionada contra quem efetivamente foi beneficiado pelo empobrecimento

alheio225. Em suma, a demanda de locupletamento indevido não tem natureza

224

De acordo, na doutrina: Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 311: ―A ação de locupletamento é a ação prevista no art. 48 do Decreto 2.044/1908, e no art. 61 da Lei do Cheque (Lei 7.357/1985), que tem por objeto a cobrança quando ocorre a desoneração da responsabilidade cambial, facultando ao possuidor reembolsar-se da importância com que tenham se locupletado à custa dele.‖ ―Em ambos os casos, seja em relação às letras de câmbio e notas promissórias, ou aos cheques, a ação de locupletamento tem o procedimento ordinário. Não tem, por isso mesmo, caráter cambial. Segue, portanto, o procedimento ordinário previsto no vigente CPC. Como a lei não fixa qualquer prazo de prescrição para a ação prevista na Lei Cambial (para letras de câmbio e notas promissórias), tem-se que sua prescrição ocorre como estabelece o Código Civil (no Código Civil três anos, de acordo com o inciso IV, § 3º, do art. 206), contados do dia da desoneração da responsabilidade cambial.‖. 225

De acordo, na jurisprudência: ―– Ação de locupletamento fundada em cambial prescrita. Diversa da ação cambiária, a ordinária de enriquecimento, prevista no art. 48 da Lei nº 2.044, legitima-se quando se opera a exoneração da responsabilidade cambial; nesse caso, seu processo não é mais o executivo (v.g. art. 49).‖ (RE nº 26.709/RN, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 27 de janeiro de 1955, p. 1.109). Colhe-se do voto condutor do eminente Ministro Ribeiro da Costa: ―Diversa da ação cambiária, a ordinária de enriquecimento prevista no citado art. 48, legitima-se quando se opera a exoneração da responsabilidade cambial. Nesse caso, seu processo não mais é o executivo (v.g. art. 49). A legitimação passiva não abrange todos os que se obrigaram pela cambial (art. 50) e seu objeto não é tornar efetiva a responsabilidade cambial, que se pressupõe extinta, mas obter a restituição de lucro ilicitamente auferido à custa do portador (vide rec. ext. nº 14.126, voto do Ministro H. Guimarães, relator, in Rev. For., vol. 146, pág. 199). ‗Se não é cambiária‘, acrescenta o referido voto, ‗a ação de enriquecimento não prescreve com a ação cambial (lei citada, art. 52), porque se supõe, aliás, perdida a ação cambial, pela prescrição ou decadência, como, por exemplo, dispõe o direito suíço das obrigações (redação em vigor a 1º de julho de 1937, art. 1.052). Observa Carvalho Santos: ‗Ainda que exonerados da responsabilidade cambial, em virtude da negligência do portador da letra de câmbio, o sacador ou o aceitante estão obrigados a restituir a este, com os juros legais, a soma com a qual se locupletaram à custa dele‘ (Trat. de Direito Cambial Brasileiro, vol. V)‖.

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executiva nem cambial, mas, sim, cognitiva e civil, porquanto busca o

reconhecimento do enriquecimento sem causa, à luz dos arts. 884 e seguintes do

Código Civil e do art. 48 do Decreto nº 2.044/1908.

No tocante à causa de pedir, a demanda de enriquecimento indevido

prescinde da veiculação da causa que deu origem ao título de crédito prescrito

que não foi honrado. Com efeito, a petição inicial não precisa veicular a causa

subjacente, mas apenas comprovar que o título de crédito prescrito não foi

pago226.

Quanto ao procedimento, a demanda de locupletamento ilícito pode ser

acionada pelo tradicional procedimento comum227, mas também pode ser aviada

pelo procedimento monitório do art. 1.102-A do Código de Processo Civil228. Em

virtude da faculdade conferida pelo art. 1.102-A do Código de Processo Civil, o

titular da letra de câmbio prescrita tem a opção entre os procedimentos comum e

monitório, para o recebimento da quantia objeto do enriquecimento indevido229, tão

logo decorrido in albis o prazo prescricional disponível para a execução cambial230.

Ao contrário do que ocorre no procedimento comum, cujo valor da causa

pode interferir na adoção do rito ordinário ou sumário, o mesmo não ocorre no

226

De acordo, na doutrina: ―Como se vê, a Convenção admitiu que a legislação nacional preservasse a ação in rem verso, que havia sido introduzida em nosso direito expressamente pelo art. 48, no seguinte texto: ‗Sem embargo da desoneração da responsabilidade cambial, o sacador ou o aceitante fica obrigado a restituir ao portador, com os juros legais, a soma com a qual se locupletou às custas deste. A ação do portador, para este fim, é a ordinária‘. Nesta ação, baseada nos princípios naturais da eqüidade, o autor deve provar o locupletamento à sua custa por parte do réu, isto é: a) o enriquecimento do réu; b) o seu empobrecimento; c) a falta de justa causa; d) a relação de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento. Discute-se, nos tribunais brasileiros, se basta a simples apresentação do título cambiário para comprovação do prejuízo do autor e o enriquecimento sem causa do réu. Lembramos, no caso da controvérsia, a doutrina exposta pelo Min. Hahnemann Guimarães, em voto no Supremo Tribunal Federal: ‗Quem não paga uma dívida se enriquece com o não-pagamento dela. O emitente do título cambiário não provou o pagamento dele; é de presumir que ele se enriqueceu com o não-pagamento. No caso, ficou provado que ele não pagou‖ (Rec. extr nº 26.613, de 1958, in Rev. Trim. de Jurisp., 8/123). É lição baseada na doutrina de Whitaker, de que ‗a prova do prejuízo é feita pelo portador com a simples exibição do título não pago‘.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 377). 227

O procedimento comum pode ser ordinário ou sumário, conforme o valor. 228

Em sentido conforme: ―I – A ação monitória foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a Reforma do Código de Processo Civil, através da Lei nº 9.079/95. Seu objetivo primordial é o de abreviar o caminho para a formação do título executivo, contornando a lentidão inerente ao processo de conhecimento e ao rito ordinário. II – Mostra-se adequado a instruir a ação monitória o título de crédito que tenha perdido a eficácia executiva em face do transcurso do lapso prescricional. Precedentes do STJ.‖ (REsp nº 260.219/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de abril de 2001). 229

Cf. art. 48 do Decreto nº 2.044/1908, e arts. 206, § 3º, inciso IV, 884 a 886, do Código Civil de 2002. 230

Cf. art. 70 da Lei Uniforme e art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil.

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procedimento monitório, o qual pode ter ser adotado em causas com valores

inferiores e superiores a sessenta salários mínimos.

Por fim, o réu indevidamente beneficiado pelo enriquecimento indevido

deve ser condenado a pagar o valor objeto do enriquecimento ilícito, com juros, ex

vi do art. 48 do Decreto nº 2.044/1908.

14. Ação de cobrança ou ação causal

O credor também pode acionar o devedor mediante demanda de cobrança,

com fundamento na causa subjacente que originou o título de crédito231. Na

hipótese, a cártula não tem serventia enquanto título de crédito, mas apenas como

meio de prova da relação jurídica subjacente, sujeita ao livre convencimento do

juiz da causa. Por conseguinte, deve o autor veicular na petição inicial a origem da

dívida cuja cobrança se faz232.

Por não ter natureza cambial, mas, sim, civil, a demanda cognitiva de

cobrança ou causal só pode ser movida contra a pessoa que participou da relação

jurídica subjacente, e não contra todos os obrigados e coobrigados cambiais233.

No que tange ao prazo prescricional para a demanda de cobrança, há séria

divergência na doutrina e na jurisprudência. É certo, entretanto, que prevalente a

tese consubstanciada na aplicação do art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. Com

efeito, à vista do entendimento predominante, a demanda de cobrança está sujeita

231

De acordo, na jurisprudência: ―Por isso, prescrita a execução do título pode o credor valer-se do procedimento ordinário de cobrança, o qual não é excluído pela existência da ação de locupletamento.‖ (Apelação nº 1.0024.08.937384-9/001, 11ª Câmara Cível do TJMG). 232

De acordo, na doutrina: ―Ao se instaurar processo de conhecimento, objetivando o recebimento da importância devida e que fora representada por título executivo prescrito, declarado ou não, é evidente que o negócio subjacente deve ser descrito como causa do pedido, e o título que poderá servir de começo de prova documental perde toda sua natureza cambial.‖ (Ernane Fidélis dos Santos. Manual de direito processual civil. Volume II, 10ª ed., 2006, p. 24). 233

De acordo, na doutrina: Ernane Fidélis dos Santos. Manual de direito processual civil. Volume II, 10ª ed., 2006, p. 24; e Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 432: ―O devedor cuja obrigação tenha se originado exclusivamente no título de crédito – como e, em geral, o caso do avalista –, após a prescrição da execução cambial, não poderá ser responsabilizado em nenhuma hipótese perante o seu credor, já que não há causa subjacente a fundamentar qualquer pretensão ao recebimento do crédito. Por outro lado, como a ação causal não é cambial, são admitidas quaisquer matérias de defesa por parte do demandado.‖.

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ao prazo prescricional de cinco anos, nos termos do art. 206, § 5º, inciso I, do

Código Civil234.

Há, todavia, precedentes jurisprudenciais em favor da incidência da regra

geral inserta no art. 205 do Código Civil: prazo prescricional de dez anos235-236.

Ainda que muito respeitáveis ambas as teses, defende-se outro raciocínio

no presente compêndio: como a causa de pedir da demanda de cobrança é a

causa subjacente que originou o título de crédito, o prazo prescricional deve ser

aferido à vista de cada caso concreto, ou seja, à luz de cada causa ensejadora da

demanda, tendo em vista os vários casos arrolados no art. 206 do Código Civil237.

Por fim, no que tange ao termo inicial do prazo prescricional, também há

séria divergência na doutrina e na jurisprudência, mas prevalece o entendimento

segundo o qual o quinquênio só começa a correr a partir da prescrição da

execução cambial238. É a opinião sustentada no presente compêndio, porquanto

234

―2) Assim, o prazo prescricional da pretensão de cobrança é quinquenal, nos termos do art. 206, § 5º, I, do NCC.‖ (Apelação nº 2009.001.07855, 2ª Câmara Cível do TJRJ). Colhe-se do didático voto proferido pelo eminente Desembargador Alexandre Freitas Câmara: ―O direito de crédito decorrente da relação subjacente ao cheque, por sua vez, está sujeito a prazo prescricional de cinco anos, na forma do disposto no art. 206, § 5º, I, do Código Civil, que estabelece o prazo quinquenal no caso de cobrança de dívida líquida constante de instrumento público ou particular.‖. 235

―O prazo prescricional para a pretensão de cobrança é de dez anos, ainda que o montante pleiteado se consubstancie em título de crédito, pois a ação proposta trata-se de direito pessoal e não de cambial.‖ (Apelação nº 1.0035.06.066822-1/001, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 3 de setembro de 2007). 236

Ainda a respeito da aplicação da regra geral inserta no art. 205 do Código Civil, vale conferir a respeitável doutrina do Professor Ernane Fidélis dos Santos: ―Na execução do título, autorizada exclusivamente por sua realidade formal (letra de câmbio, nota promissória, duplicata ou cheque), nada se questiona sobre o negócio subjacente, que, aliás, pode ser levantado, mas apenas em grau de embargos (ou nas vias ordinárias), com o objetivo de desconstituição do título. Uma pessoa, por exemplo, venda a outra um imóvel. Há prazo para o pagamento, e o comprador emite nota promissória correspondente à dívida. Vencido, o credor, em execução, apenas relata o título que tem em mãos (nota promissória, com tais e tais características) e reclama o pagamento. Nada de falar sobre a venda, que foi o negócio que provocou a emissão do título. Poderá ocorrer que, após o vencimento da nota promissória, três anos se passem. Mesmo assim, o credor promove a execução. O devedor alega prescrição, e o juiz deve declará-la, não valendo nenhuma alegação de negócio subjacente, já que este não é objeto da execução e sim a nota promissória. Acontece que um negócio jurídico foi realizado entre as partes: a venda de um imóvel. O vendedor, porém, não recebeu o preço e, neste caso, poderá cobrá-lo em ação de conhecimento. O fato jurídico, a causa que vai justificar seu pedido, já não é a nota promissória vencida, mas a venda do imóvel e o não-recebimento do preço, pretensão que só ficará afetada pela prescrição comum, agora, de dez anos (CC/2002, art. 205)‖ (Manual de direito processual civil. Volume II, 10ª ed., 2006, p. 23 e 24). 237

Em sentido semelhante, na doutrina: ―A ação causal (seja de conhecimento ou monitória) prescreve, por sua vez, de acordo com o disposto na legislação aplicável ao vínculo extracambiário que une as partes da demanda: por exemplo, o contrato de compra e venda que deu origem ao título, o mútuo que foi cumprido através do endosso etc.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 432). 238

Em sentido conforme, na doutrina: ―O credor que perdeu o direito à execução cambial pode com o título recorrer ao procedimento ordinário de conhecimento do negócio fundamental. Caso em que a cambial

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não há interesse de agir para a cobrança mediante processo cognitivo na

pendência do prazo prescricional para a execução cambial239.

funciona como documento probatório da causa de que havia sido abstraída.‖ (Amílcar de Castro. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume VIII, 2ª ed., 1976, p. 55). De acordo quanto ao termo inicial, na jurisprudência: ―O segundo prazo prescricional a ser observado, após a sua prescrição como cambial, nos termos do art. 206, § 5º do Código Civil de 2002, é o prazo previsto para a cobrança, ou para a monitória, qual seja, o prazo de 05 (cinco) anos, contado a partir do término do prazo para o ajuizamento da ação de execução.‖ (Apelação nº 1.0394.08.085900-9/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 6 de outubro de 2009). Em sentido contrário, na doutrina: ―O termo inicial de prescrição da ação causal, portanto, não é o exaurimento do prazo prescricional da ação cambial, mas a data – que pode mesmo ser até anterior à do saque do título de crédito – em que a medida poderia ter sido ajuizada.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 432). 239

De acordo, na doutrina: ―Exemplo bastante eloqüente desse elemento formador do interesse de agir é o que se tem na execução de créditos. Tendo o credor um título executivo, como um cheque ou uma nota promissória, deverá propor demanda de execução, a fim de ver seu crédito satisfeito. Não existindo esse título, porém, a via executiva se mostra inadequada, devendo o credor propor demanda de conhecimento. A propositura de demanda de execução por quem não tenha título executivo (ou a propositura de demanda de conhecimento por quem tenha tal título) revela que a atuação do Estado-juiz terá sido provocada em busca de um provimento inadequado para a tutela da situação fática narrada pelo demandante, o que demonstra cabalmente a total inutilidade do referido provimento, razão pela qual faltará, na hipótese, interesse de agir.‖ (Alexandre Freitas Câmara. Lições de direito processual civil. Volume I, 18ª ed., 2008, p. 119). No mesmo sentido, ainda na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume I, 18ª ed., 2005, p. 82 e 83.

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CAPÍTULO III — NOTA PROMISSÓRIA

1. Conceito

A nota promissória é o título de crédito consubstanciado em compromisso

escrito e solene revelador de promessa direta de pagamento de quantia certa que

o emitente-sacador faz em prol do tomador-beneficiário ou à sua ordem. É, em

síntese, o conceito extraído da combinação do art. 54, caput, do Decreto nº

2.044/1908, com o art. 75 da Lei Uniforme de Genebra240.

2. Natureza jurídica

À vista do art. 887 do Código Civil, do art. 75 da Lei Uniforme de Genebra e

do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, a nota promissória é uma

espécie de título de crédito e tem natureza de título executivo extrajudicial, razão

pela qual pode instruir execução forçada contra o devedor principal (emitente-

sacador) e eventuais coobrigados (endossantes e avalistas).

3. Legislação de regência

Na esteira da letra de câmbio, a nota promissória tem como principal

diploma de regência a Lei Uniforme de Genebra, a qual foi incorporada ao direito

brasileiro por força do Decreto nº 57.663/1966, com destaque para os arts. 75 a

78.

Na verdade, como o art. 77 da Lei Uniforme determina a aplicação

subsidiária dos preceitos de regência da letra de câmbio também em relação à

nota promissória, somente os arts. 75, 76 e 78 são dispositivos específicos da

nota promissória, aplicáveis de forma direta. Já os preceitos arrolados no art. 77 240

Assim, na melhor doutrina: ―A nota promissória é uma promessa de pagamento pela qual alguém se obriga a pagar a outrem certa soma em dinheiro.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 403). ―Incorporando a dívida com a promessa de pagamento em certo prazo, solenizada em documento escrito e revestida das formalidades legais de natureza cambiária, assinada pelo devedor, passou a ser, por excelência, o documento sobre o qual se funda a operação de crédito, efetuada pelos estabelecimentos bancários.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 380).

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têm incidência apenas subsidiária, em virtude da aplicação analógica de

dispositivos referentes à letra de câmbio.

No que for omissa a Lei Uniforme de Genebra, incide o Decreto nº

2.044/1908, ou seja, a Lei Cambiária Nacional241.

No que diz respeito especificamente ao protesto cambial, incide a Lei nº

9.492/1997, cujo art. 21, § 4º, por exemplo, dispõe sobre a nota promissória.

Por fim, no que for omissa a legislação especial, incide o Código Civil de

2002, consoante revelam o art. 903 e o enunciado nº 463 aprovado na Quinta

Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As disposições relativas

aos títulos de crédito do Código Civil aplicam-se àqueles regulados por leis

especiais, no caso de omissão ou lacuna‖.

4. Sujeitos da relação cambial originária da nota promissória

A nota promissória tem apenas dois sujeitos originais: o emitente-sacador

ou ―subscritor‖, na qualidade de devedor principal, e o tomador-beneficiário, credor

do título.

O emitente-sacador é a pessoa que subscreve a nota promissória e assume

o compromisso de pagar determinada importância em favor do tomador-

beneficiário ou a alguém, à sua ordem. O emitente-sacador é o devedor principal

da nota promissória, por ser equiparado ao aceitante242 ex vi legis, tendo em vista

o disposto no art. 78, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, no art. 56, segundo

parágrafo, do Decreto nº 2.044/1908, e no art. 21, § 4º, da Lei nº 9.492/1997. Por

conseguinte, é facultativo o protesto em relação ao emitente-sacador da nota

241

Por exemplo, na jurisprudência: ―RECURSO ESPECIAL. COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA ASSINADA. DATAS DE VENCIMENTO. UMA POR ESCRITO E OUTRA NUMÉRICA. DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO. NULIDADE. APLICAÇÃO DE ANALOGIA. INCABÍVEL. EXISTÊNCIA DE LEI EXPRESSA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. I. Existindo dispositivo legal que prevê expressamente a nulidade da nota promissória que apresenta divergência de data de vencimento, incabível torna-se a aplicação da analogia para suprir lacuna que não existe. II. Aplicação do art. 55, parágrafo único, da Lei nº 2044/1908. III. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 751.878/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 17 de maio de 2010). 242

De acordo, na doutrina: ―O sacador (emitente) compromete-se a pagar quantia determinada ao beneficiário; tem responsabilidade idêntica à do sacado (aceitante) da letra de câmbio.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 403).

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promissória, raciocínio que também alcança o respectivo avalista. Ambos podem

ser acionados mediante execução direta, ou seja, sem necessidade de prévio

protesto cambial243.

Já o tomador-beneficiário é o credor da quantia expressa na nota

promissória. Por ser a nota promissória título à ordem244, o credor pode transferir o

respectivo crédito mediante endosso.

Por fim, não só os empresários podem ser emitentes e beneficiários na

relação jurídico-cambial proveniente da nota promissória. Na verdade, todas as

pessoas naturais capazes e as pessoas jurídicas em geral podem assumir

obrigações e ser beneficiárias de direitos cambiais originários de notas

promissórias245.

5. Requisitos ou elementos da nota promissória

O art. 75 da Lei Uniforme contém os requisitos para que um documento

seja nota promissória. É indispensável a observância do disposto no art. 75, sob

pena de nulidade do título e de carência da respectiva execução. Aliás, os

requisitos legais devem ser apreciados até mesmo de ofício pelo juiz da execução,

em cumprimento ao disposto no art. 618, inciso I, do Código de Processo Civil246.

Na verdade, os requisitos arrolados no art. 75 da Lei Uniforme podem ser

essenciais ou acidentais. Os requisitos essenciais são os elementos constitutivos

243

De acordo, na jurisprudência: ―I - Desnecessário é o protesto por falta de pagamento da nota promissória, para o exercício do direito de ação do credor contra o seu subscritor e respectivo avalista.‖ (REsp nº 2.999/SC, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de agosto de 1990, p. 7.343). ―LEI UNIFORME SOBRE LETRAS DE CÂMBIO E NOTAS PROMISSÓRIAS - Não é necessário o protesto do título para resguardo do direito de ação contra o avalista do emitente da promissória ou do aceitante da letra de câmbio.‖ (RE nº 76.154, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de junho de 1973). 244

Cf. art. 75, número 5, in fine, da Lei Uniforme. 245

De acordo, na doutrina: ―Hoje em dia, por exemplo, não são apenas os comerciantes que assinam letra de câmbio ou notas promissórias, títulos usados exclusivamente pelos mercadores, na época medieval e até época bem recente. O emprego do título de crédito tornou-se corrente e universal.‖ (Miguel Reale. Lições preliminares de direito. 27ª ed., 4ª tiragem, 2004, p. 364). 246

Assim, na jurisprudência: ―AÇÃO DE EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA - DATA E LOCAL DE EMISSÃO - OMISSÃO - REQUISITO ESSENCIAL - INEFICÁCIA PARA A EXECUÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO - MATÉRIA A SER ARGUIDA DE OFÍCIO. A jurisprudência das Turmas que compõem a Seção de Direito Privado do colendo Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a data de emissão da nota promissória configura requisito essencial à sua validade como título executivo, nos termos do art. 75 da Lei Uniforme de Genebra.‖ (Apelação nº 1.0702.06.276005-4/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 29 de fevereiro de 2008).

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da nota cujas ausências implicam imediata descaracterização do título. Já os

requisitos acidentais são os elementos sanáveis nas hipóteses arroladas no art. 76

do mesmo diploma, sem descaracterização do título.

Expostas as duas classes de requisitos existentes no art. 75 da Lei

Uniforme, convém examinar cada um dos elementos constitutivos da nota

promissória.

À vista do art. 75, número 1, da Lei Uniforme, a expressão ―nota

promissória‖ deve estar inserta no próprio texto da cártula, no idioma em que o

título foi emitido. É juridicamente possível a emissão de nota promissória no

estrangeiro e no idioma do país de origem, para ser paga no Brasil, como bem

revela o § 2º do art. 585 do Código de Processo Civil247. À vista do mesmo

preceito, nem há necessidade de homologação da nota promissória perante o

Poder Judiciário brasileiro248.

Em segundo lugar, é indispensável a indicação da quantia a ser paga,

consoante determina o art. 75, número 2, da Lei Uniforme. Na eventualidade de

divergência entre as indicações da importância, prevalece a lançada por extenso

no contexto da nota promissória, tendo em vista a combinação dos arts. 6º e 77 da

Lei Uniforme, com o art. 54, § 3º, primeiro parágrafo, do Decreto nº 2.044/1908.

Em contraposição, eventual rasura retira do documento a qualidade de título de

crédito, por desrespeito aos princípios da literalidade e do formalismo249.

247

Assim, na jurisprudência: ―Os títulos executivos extrajudiciais, como a nota promissória, oriundos de país estrangeiro, somente terão eficácia executiva, no Brasil, nos termos da lei processual brasileira, se o indicarem como lugar do cumprimento da obrigação.‖ (RE nº 101.120/RJ, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 5 de outubro de 1984, p. 16.453). 248

De acordo, na doutrina: ―Por outro lado, exigida a homologação de decisões judiciais, é intuitivo que títulos executivos extrajudiciais, como letras de câmbio e notas promissórias, não estão submetidas à homologação.‖ (Cristiano Chaves de Farias. Direito civil: teoria geral. 2ª ed., 2005, p. 81). 249

Assim, na jurisprudência: ―APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSO DE EXECUÇÃO - REQUISITOS DE FORMALIDADE - NOTA PROMISSÓRIA - RASURA NO VALOR NUMÉRICO - OBSTÁCULO INTRANSPONÍVEL. I - Em se tratando de processo de execução, pode e deve o julgador cercar-se da certeza de estarem presentes os requisitos de formalidade inerentes aos títulos cambiais, independentemente da matéria arguida em sede de embargos. II - A rasura no valor numérico originalmente consignado, contido na nota promissória, ressai como obstáculo intransponível a que a parte possa se socorrer do rito especialíssimo a que se submete o processo de execução a fim de receber o seu crédito. III - Nada impede a parte de buscar o crédito que considera justo pela via do processo de conhecimento, quer pelo rito ordinário, quer pelo rito especial da monitória.‖ (Apelação nº 51.223/99, 2ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 1999, p. 13).

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À luz do § 2º e do inciso I do art. 585 do Código de Processo Civil, é

admissível a emissão de nota promissória em moeda estrangeira, com a

conversão para moeda corrente no dia do pagamento250. Também é possível a

emissão de nota promissória com valor expresso em índice oficial de atualização

monetária251, com a posterior conversão para a moeda nacional no momento do

pagamento252. Por fim, é lícita a inclusão de cláusula de juros moratórios,

contados a partir do vencimento253.

A nota promissória também deve conter a data do pagamento, em razão do

disposto no art. 75, número 3, da Lei Uniforme de Genebra. A propósito da época

do pagamento, o art. 55 do Decreto nº 2.044 revela que a nota pode ser à vista, a

dia certo ou a tempo certo da data254. Se omissa a cártula acerca da época do

250

Em sentido conforme, na jurisprudência: ―NOTA PROMISSÓRIA. Moeda estrangeira. Conversão. Data do pagamento. - A conversão da moeda estrangeira pode ser feita ao câmbio do dia do pagamento da nota promissória.‖ (REsp nº 195.078/BA, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de julho de 1999, p. 183). ―EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. VALOR EXPRESSO EM MOEDA ESTRANGEIRA. COBRANÇA EM REAL. LEGALIDADE. - Legítimo é o pacto celebrado em moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela conversão em moeda nacional.‖ (REsp nº 209.295/PB, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de agosto de 2002, p. 224). 251

De acordo, na jurisprudência: ―Nota promissória. Valor do débito expresso em O.R.T.N. (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional), para pagamento do equivalente em cruzeiros, na data da liquidação. Admissibilidade da ação de execução. Liquidez e certeza do título. Sendo o valor da O.R.T.N. aferível a qualquer momento e em qualquer lugar do País, pode ser expresso, como o quantum do débito, em nota promissória, o número dessas obrigações, desde que para pagamento em moeda nacional. Com isso, não deixa de ser líquido e certo o valor da dívida. A adoção de tal critério, em título cambiário, não o desvirtua, mantém atualizados o crédito e o débito, não afronta qualquer princípio de direito, muito menos norma expressa de lei, não torna incerta nem ilíquida a dívida, não ofende a ordem pública nem os bons costumes. Com esse expediente, que não e ilícito, até se prescinde da correção monetária, que, nos títulos exeqüíveis em juízo, se conta a partir do vencimento da obrigação e também se calcula pela variação da O.R.T.N. (Lei 6.899/81, art. 1., par 1.), pois a correção se fará automaticamente, com a variação dos índices respectivos. Precedente do S.T.F. R.E. conhecido, pela letra ‗d‘ (dissídio jurisprudencial), e provido para prosseguimento da ação de execução como de direito. Maioria de votos.‖ (RE nº 108.613/MG, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 24 de abril de 1992, p. 5.378). ―Nota promissória. Valor expresso em OTN. Admissibilidade.‖ (REsp nº 31.593/MG, 3ª Turma do STJ, 26 de abril de 1993). ―Não é imprestável nota promissória emitida em OTN (quantia determinada).‖ (REsp nº 19.553/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 31 de maio de 1993, p. 10.660). ―EMBARGOS À EXECUÇÃO. Notas promissórias lançadas em cruzados, mas com correspondência às antigas OTNS. A circunstância de o título estar emitido em OTNS, ou conter também a expressão numérica a elas correspondente, não é motivo para invalidá-lo, ou retirar-lhe a executividade.‖ (REsp nº 10.033/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de setembro de 1991, p. 13.492). 252

Cf. art. 315, primeira parte, do Código Civil. 253

Assim, na jurisprudência: ―Os juros da mora contam-se do vencimento do título.‖ (RE nº 47.956/RS, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 1967). ―– Cambial. Cobrança executiva de nota promissória. Contam-se os juros do vencimento do título.‖ (RE nº 54.280/RS, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 13 de dezembro de 1967). 254

Assim, na doutrina: ―No direito cambiário brasileiro, por outro lado, não existe nota promissória a ‗tempo certo de vista‘, como ocorre com a letra de câmbio.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 382). Contra, também na doutrina: ―d) As notas promissórias, embora não admitam aceite, podem ser emitidas com vencimento a certo termo de vista. Nesta hipótese, o credor deverá apresentar o título ao visto do emitente no prazo de 1 ano do saque (art. 23), sendo a data desse visto o termo a quo do lapso temporal de vencimento.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2006, p. 271).

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pagamento, a nota promissória subsiste, mas como título à vista, em virtude do

art. 76, segundo parágrafo, da Lei Uniforme255. Em contraposição, se lançadas

duas datas de vencimento na cártula, a mesma não vale como nota promissória,

ex vi do art. 55, parágrafo único, da denominada Lei Cambial interna256.

A nota promissória também deve conter a indicação do lugar no qual o

pagamento deve ser realizado. É o que determina o art. 75, número 4, da Lei

Uniforme, in verbis: ―A indicação do lugar em que se deve efetuar o pagamento‖.

Não obstante, ainda que omissa a cártula quanto ao lugar do pagamento, a

nota promissória subsiste como título de crédito, porquanto o local no qual a nota

foi emitida passa a ser considerado o lugar do pagamento, em virtude do art. 76,

terceiro parágrafo, da Lei Uniforme. Se omissa a nota também quanto ao local no

qual foi emitida, considera-se o lugar indicado ao lado do nome do emitente-

sacador, por força do art. 76, quarto parágrafo, do mesmo diploma257.

A nota também deve conter expressa referência ao nome do tomador-

beneficiário, ex vi do art. 75, número 5, da Lei Uniforme. O tomador-beneficiário é

o credor, ou seja, a pessoa a quem ou à ordem de quem deve ser paga a quantia

indicada na nota promissória. Com efeito, a expressão legal ―à ordem‖ significa

que a nota pode ser transferida em prol de outrem, por meio de endosso258.

À vista do art. 75, número 5, da Lei Uniforme, nota promissória é título

nominativo. Não obstante, a nota promissória emitida em branco ou incompleta,

255

Assim, na jurisprudência: ―– A nota promissória que não indique a época do pagamento será considerada à vista. Art. 75, Lei Uniforme.‖ (Ag nº 752.391/SP – EDcl – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de dezembro de 2006, p. 374). 256

Assim, na jurisprudência: ―RECURSO ESPECIAL. COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA ASSINADA. DATAS DE VENCIMENTO. UMA POR ESCRITO E OUTRA NUMÉRICA. DIVERGÊNCIA DE ENTENDIMENTO. NULIDADE. APLICAÇÃO DE ANALOGIA. INCABÍVEL. EXISTÊNCIA DE LEI EXPRESSA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. I. Existindo dispositivo legal que prevê expressamente a nulidade da nota promissória que apresenta divergência de data de vencimento, incabível torna-se a aplicação da analogia para suprir lacuna que não existe. II. Aplicação do art. 55, parágrafo único, da Lei nº 2044/1908. III. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 751.878/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 17 de maio de 2010). 257

De acordo, na jurisprudência: ―Não se erige a ausência do lugar do pagamento em requisito essencial, visto que dispõe expressamente a lei cambial que a nota promissória a que o mesmo faltar será pagável no domicílio do emitente, circunstância que não afeta a exigibilidade do título.‖ (Apelação nº 1.0694.07.036282-7/001, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 2008). ―Dispõe expressamente a Lei Cambial que a nota promissória a que faltar o lugar do pagamento será pagável no domicílio do emitente, pelo que a ausência de tal fato não afeta a exigibilidade do título.‖ (Apelação nº 296.539-1, 3ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 12 de fevereiro de 2000). 258

Cf. art. 910 do Código Civil.

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sem a designação do tomador-beneficiário, pode ser preenchida, em momento

posterior, pelo respectivo credor de boa-fé, desde que antes do protesto do título e

também antes de acionar a execução, tudo nos termos do enunciado nº 387 da

Súmula do Supremo Tribunal Federal259. Daí a conclusão: embora seja vedada a

nota promissória ao portador, o título emitido com omissão em relação ao nome do

tomador-beneficiário pode ser preenchido posteriormente pelo portador de boa-fé,

credor presumido da nota, desde que o faça antes da apresentação do título para

protesto e do acionamento da execução da cambial.

A nota promissória também deve conter a indicação do local e da data da

emissão, tendo em vista o disposto no art. 75, número 6, da Lei Uniforme. Não

obstante, a ausência do local no qual a nota promissória foi emitida não a

descaracteriza enquanto título de crédito, porquanto é considerado o lugar

indicado ao lado do nome do emitente-subscritor, por força do art. 76, quarto

parágrafo, da Lei Uniforme260. Em contraposição, a falta da data da emissão retira

do documento o valor de nota promissória261; a omissão, todavia, pode ser sanada

com o preenchimento pelo credor de boa-fé, desde que antes do protesto cambial

e do ingresso da execução em juízo262.

259

No sentido do texto, na jurisprudência: ―- Nota promissória em branco ou incompleta. Até terminar sua circulação ou ingressar em juízo, pode ser completada pelo portador, salvo caso de má fé comprovada.‖ (RE nº 17.573/DF, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 14 de julho de 1952). ―- A nota promissória em branco pode circular por tradição manual, até que algum portador de boa fé possa inscrever o seu nome como beneficiário;‖ (RE nº 53.399/MG, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 27 de setembro de 1968). ―- Já é pacífica na doutrina e na jurisprudência a possibilidade da emissão de título cambial em branco ou incompleto, a ser preenchido por terceiro.‖ (RE nº 91.209/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 31 de agosto de 1979). 260

De acordo, na jurisprudência: ―1 - O local de emissão do título consiste em requisito acidental da nota promissória, sendo suprida sua ausência pela consideração advinda da lei de que o documento foi emitido no local do domicílio do subscritor.‖ (Apelação nº 1.0702.07.347329-1/001, 9ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 2008). 261

Assim, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - NOTA PROMISSÓRIA - AUSÊNCIA DA DATA DA EMISSÃO - RIGOR CAMBIÁRIO. REQUISITO ESSENCIAL - IMPOSSIBILIDADE PARA INSTRUMENTALIZAR A EXECUÇÃO - EXTINÇÃO. A ausência da data de emissão da nota promissória a descaracteriza como título executivo. Se a nota promissória não contém a data de sua emissão, não está apta a embasar processo executivo, devendo ser extinta a execução proposta com base neste título.‖ (Agravo de Instrumento nº 1.0079.02.011059-3/004, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 12 de agosto de 2008). ―AÇÃO DE EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA - DATA E LOCAL DE EMISSÃO - OMISSÃO - REQUISITO ESSENCIAL - INEFICÁCIA PARA A EXECUÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO - MATÉRIA A SER ARGUIDA DE OFÍCIO. A jurisprudência das Turmas que compõem a Seção de Direito Privado do colendo Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a data de emissão da nota promissória configura requisito essencial à sua validade como título executivo, nos termos do art. 75 da Lei Uniforme de Genebra.‖ (Apelação nº 1.0702.06.276005-4/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 29 de fevereiro de 2008). 262

De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL - EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA - DATA DE EMISSÃO OU INEXISTÊNCIA DO NOME DO BENEFICIÁRIO. I - Sua ausência importa em

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Ao final, a nota promissória deve conter a assinatura do emitente-sacador,

em cumprimento do disposto no art. 75, número 7, da Lei Uniforme. É admissível,

todavia, a emissão de nota promissória subscrita por mandatário especial, ou seja,

por procurador com poder especial, tendo em vista a autorização do art. 54, inciso

IV, do Decreto nº 2.044/1908263. Não obstante, o mandatário com poder especial

para sacar a nota promissória não pode ser o próprio beneficiário do título, como

bem assentou o Superior Tribunal de Justiça por meio do enunciado nº 60 da

Súmula da Corte: ―É nula a obrigação cambial assumida por procurador do

mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste‖264. Bem examinado

o teor do verbete sumular, constata-se que o enunciado nº 60 prestigiou a

conclusão nº 2 aprovada durante o 5º Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada,

em 1981: ―É inválida a procuração outorgada por mutuário em favor de empresa

pertencente ao grupo financeiro do mutuante, para assumir responsabilidade, de

extensão não especificada, em títulos cambiais, figurando como favorecido o

mutuante (aprovada por 14 votos contra 4)‖265.

Além do requisito arrolado no número 7 do art. 75 da Lei Uniforme, qual

seja, a assinatura do emitente-sacador da nota promissória, o título também deve

conter alguma identificação numérica do emitente-sacador, como o número da

respectiva Cédula de Identidade, da inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, do

Título Eleitoral ou da Carteira Profissional, tendo em vista a exigência inserta no

descaracterização do título. II - Portador do título pode preencher o claro, mas há de fazê-lo até o ajuizamento da ação; de contrário, ocorre carência de execução por falta de título executivo regular. Lei Uniforme, art. 76 e 77. Ineficácia do título.‖ (REsp nº 137.769/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 5 de abril de 1999, p. 124). ―Execução. Nota Promissória. Data de emissão. Sua ausência importa em descaracterização do título. Portador do título pode preencher o claro, mas há de fazê-lo, até o ajuizamento da ação; do contrário, ocorre carência da execução, por falta de título executivo regular. Lei Uniforme, Arts. 10, 76 e 77. Ineficácia do Título.‖ (RE nº 100.828/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 23 de agosto de 1985, p. 13.779). 263

Assim, na jurisprudência: ―Constitui entendimento pacífico, na doutrina e na jurisprudência pátrias, ser perfeitamente possível a emissão de títulos cambiais por meio de procurador. Quanto a isso não há controvérsia.‖ (trecho extraído do bem fundamentado voto proferido pelo Ministro Eduardo Ribeiro no REsp nº 13.996/RS). 264

De acordo, na jurisprudência: ―COMERCIAL E CIVIL. EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA PREENCHIDA EM NOME DA DEVEDORA POR INSTITUIÇÃO CREDITÍCIA COLIGADA DO EXEQÜENTE. CLÁUSULA-MANDATO. NULIDADE. CC, ART. 115. SÚMULA nº 60-STJ. Nula é a nota promissória preenchida, em nome do devedor, pelo próprio credor ou pessoa/instituição a ele vinculada ou coligada, com base em mandato inserto em cláusula de contrato de mútuo. Contraposição de interesses jurídicos, a desvirtuar a natureza da outorga, tornando-a ineficaz, bem assim a cártula dela decorrente. Incidência, na espécie, da Súmula nº 60 do STJ. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 168.029/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 2002, p. 367). 265

Cf. Minas Gerais, Diário do Judiciário de 26 de fevereiro de 1982, p. 1.

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art. 3º da Lei nº 6.268/1975, in verbis: ―Art. 3º Os títulos cambiais e as duplicatas

de fatura conterão, obrigatoriamente, a identificação do devedor pelo número de

sua cédula de identidade, de inscrição no cadastro de pessoa física, do título

eleitoral ou da carteira profissional‖.

Não há necessidade, por outro lado, de assinatura de testemunha da

relação jurídico-cambial, porquanto a obrigação cambiária nasce com a só

subscrição da nota promissória pelo emitente-sacador266.

Por fim, ressalvadas as exceções legais já apontadas, quais sejam, as

arroladas nos parágrafos segundo, terceiro e quarto do art. 76 da Lei Uniforme, a

ausência de algum requisito previsto no art. 75 da Lei Uniforme retira do

documento o valor jurídico de nota promissória e, por conseguinte, de título de

crédito267. Com efeito, a formação da nota promissória depende da observância

dos requisitos essenciais do art. 75 da Lei Uniforme, tendo em vista o disposto no

art. 76, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, e no art. 54, § 4º, do Decreto nº

2.044/1908. Não obstante, o credor de boa-fé pode completar a cártula após o

saque da nota promissória, desde que o faça antes do protesto e da execução

cambial, à vista do enunciado nº 387 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.

Estudados os elementos legais, eis um exemplo de nota promissória:

Por meio da presente nota promissória, passada em Viçosa, Minas

Gerais, no dia 1º de dezembro de 2011, o sacador S, inscrito no

Cadastro de Pessoas Físicas sob o número 111.111-11,

domiciliado em Viçosa, no endereço X, promete pagar, no dia 31

de janeiro de 2013, o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), em

prol do beneficiário B, inscrito no Cadastro de Pessoas Físicas sob

266

De acordo, na jurisprudência: ―II. Aos títulos de crédito, assim reconhecidos em lei, dispensa-se a formalidade exigida aos contratos particulares, de assinatura de duas testemunhas, para que adquiram executoriedade.‖ (REsp nº 215.265/GO, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 2002, p. 369). 267

A propósito da necessidade da observância dos requisitos legais da nota promissória, vale conferir a precisa lição do Ministro Carlos Maximiliano: ―Por motivos de interesse geral se prescrevem formalidades constitutivas, essenciais para certos atos; a inobservância das mesmas induz nulidade e dá margem a outras penas, seja qual for a vontade das partes. A estes se não atribui o poder de convencionar o contrário do que uma norma imperativa ou proibitiva dispôs como substancial, intrínseco ou de ordem pública. Assim acontece com os preceitos que regulam a circulação de mercadorias e dos títulos de crédito, os requisitos das letras de câmbio e notas promissórias, a organização exterior das sociedades, os termos de outorga de mandato.‖ (Hermenêutica e aplicação do direito. 16ª ed., 1996, p. 319, nº 386).

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o número 222.222-22, domiciliado em Belo Horizonte, no

endereço Z, no qual o pagamento será realizado na data do

vencimento, sob pena de juros de mora de 1% (um por cento) ao

mês e de correção monetária a partir do vencimento.

Assinada pelo sacador S.

6. Enunciado nº 258 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça

Antes do advento do enunciado nº 258 da Súmula do Superior Tribunal de

Justiça, era muito frequente a emissão de notas promissórias provenientes de

contratos bancários de abertura de crédito.

Com efeito, as notas promissórias eram sacadas pelos devedores de

contratos de abertura de crédito como verdadeiras garantias de dívidas bancárias

cujas obrigações não eram certas, tendo em vista a unilateralidade da prova

consubstanciada nos extratos produzidos pelas próprias instituições bancárias.

Ademais, como as notas promissórias não circulavam, por terem sido

emitidas como instrumento de garantia, havia lugar para a discussão sobre a

origem das dívidas, até mesmo em razão da falta de certeza da obrigação.

À vista dos argumentos expostos, o Superior Tribunal de Justiça aprovou o

correto enunciado nº 258, nos seguintes termos: ―A nota promissória vinculada a

contrato de abertura de crédito não goza de autonomia em razão da iliquidez do

título que a originou‖268.

268

Assim, ainda na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. EMISSÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO - NOTA PROMISSÓRIA - VINCULADA A CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE EXIGIBILIDADE. TÍTULO CAMBIAL EMITIDO COMO GARANTIA DE DÍVIDA BANCÁRIA. AUSÊNCIA DE CIRCULAÇÃO. PERDA DA NATUREZA CAMBIÁRIA. I - Ausente a circulação do título de crédito, a nota promissória que não é sacada como promessa de pagamento, mas como garantia de contrato de abertura de crédito, a que foi vinculada, tem sua natureza cambial desnaturada, subtraída a sua autonomia. II - A iliquidez do contrato de abertura de crédito é transmitida à nota promissória vinculada, contaminando-a, pois o objeto contratual é a disposição de certo numerário, dentro de um limite prefixado, sendo que essa indeterminação do quantum devido, comunica-se com a nota promissória por terem nascidos da mesma obrigação jurídica.‖ (EREsp nº 262.623/RS, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 2 de abril de 2001, p. 251). ―PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE EXECUÇÃO. EMISSÃO DE TÍTULO DE CRÉDITO - NOTA PROMISSÓRIA - VINCULADA A CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO. AUSÊNCIA DE EXIGIBILIDADE. TÍTULO CAMBIAL EMITIDO COMO GARANTIA DE DÍVIDA BANCÁRIA. AUSÊNCIA DE CIRCULAÇÃO. PERDA DA NATUREZA CAMBIÁRIA. I - Não havendo a circulação do título, resta patente que este se destinou à garantia de negócio jurídico subjacente, refugindo da principiologia cambiária. II - Nota promissória que não é sacada como

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7. Aceite: inexistência

Não há lugar para aceite na nota promissória, porquanto o emitente-

sacador já é equiparado ao aceitante por força de lei: art. 78, primeiro parágrafo,

da Lei Uniforme, e art. 56, segundo parágrafo, do Decreto nº 2.044/1908.

Ademais, o art. 77 faz referência aos diversos institutos cambiários

aplicáveis à nota promissória, sem menção alguma ao aceite, com evidente

silêncio eloquente. Daí a conclusão: ao contrário da letra de câmbio, a nota

promissória não enseja aceite269.

8. Aval

Além dos sujeitos originários da nota promissória, também há lugar para a

intervenção de avalista, conforme revela o último parágrafo do art. 77, in verbis:

―São também aplicáveis às notas promissórias as disposições relativas ao aval

(arts. 30 a 32); no caso previsto na última alínea do art. 31, se o aval não indicar a

pessoa por quem é dado, entender-se-á ser pelo subscritor da nota promissória‖.

Sem dúvida, as regras atinentes ao aval na letra de câmbio também

alcançam a nota promissória. Por exemplo, tal como ocorre na letra, também é

admissível aval parcial na nota promissória, em virtude da combinação dos arts.

30 e 77, ambos da Lei Uniforme. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº

39 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―É

admitido o aval parcial para os títulos de crédito regulados em lei especial‖.

promessa de pagamento, mas como garantia de contrato de abertura de crédito, a que foi vinculada, tem sua natureza cambial desnaturada, subtraída a sua autonomia. Precedente da 3ª Turma: REsp 239.352‖ (REsp nº 264.850/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 5 de março de 2001, p. 159). 269

No mesmo sentido, na doutrina: ―O emitente da nota promissória é equiparado, para os efeitos legais, ao aceitante da letra de câmbio, pois no título ocupa a posição de devedor. A nota promissória não tem aceite, pois a simples assinatura do emitente o obriga ao pagamento, como ocorre com o aceitante da letra de câmbio. A nota promissória, por assim dizer, nasce aceita...‖ (Rubens Requião. Curso de Direito Comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 379). ―A nota promissória desconhece aceite, ou seja, a ela não se aplicam os princípios desse instituto peculiares à letra de câmbio‖ (J. M. Othon Sidou. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004, p. 589). ―Assim, não há que se cogitar de aceite, vencimento antecipado por recusa de aceite, cláusula não-aceitável etc.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2006, p. 270).

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À vista dos arts. 47, primeiro parágrafo, e 77, primeiro parágrafo, da Lei

Uniforme, o avalista da nota promissória é responsável cambial pelo pagamento

do título tal como o avalizado270. Ainda por força das disposições que versam

sobre a letra de câmbio, incide a regra segundo a qual, se o título de crédito já

circulou, não há lugar para discussão da origem da dívida pelo avalista da nota271.

Em contraposição, se a nota promissória ainda está nas mãos dos sujeitos

originários da relação jurídico-cambial, é possível discutir a eventual ilicitude da

origem da dívida, ou seja, da causa debendi272.

Quanto ao aval em branco, na letra é considerado em favor do emitente-

sacador273; mutatis mutandis, o favorecido pelo aval em branco lançado na nota

promissória também é o emitente-sacador274.

Por fim, há um aspecto do aval na promissória que merece destaque. A

despeito da literalidade do art. 31 da Lei Uniforme, não só a simples assinatura

aposta na face da nota implica aval; se não há dúvida de que a simples assinatura

exarada no verso da nota não foi lançada na qualidade de endosso, prevalece o

entendimento jurisprudencial de que também significa aval275. Além da simples

270

De acordo, na jurisprudência: ―- Como instituto típico do direito cambiário, o aval é dotado de autonomia substancial, de sorte que a sua existência, validade e eficácia não estão jungidas à da obrigação avalizada. – Diante disso, o fato de o sacador de nota promissória vir a ter a sua falência decretada, em nada afeta a obrigação do avalista do título, que, inclusive, não pode opor em seu favor qualquer dos efeitos decorrentes da quebra do avalizado.‖ (REsp nº 883.859/SC, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 23 de março de 2009). 271

De acordo, na jurisprudência: ―EXECUÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. AVALISTA. DISCUSSÃO SOBRE A ORIGEM DO DÉBITO. INADMISSIBILIDADE. ÔNUS DA PROVA. — O aval é obrigação autônoma e independente, descabendo assim a discussão sobre a origem da dívida.‖ (REsp nº 190.753/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2003, p. 467). 272

De acordo, na jurisprudência: ―Comercial. Título de crédito. Avalista. Discussão sobre a origem do débito. Ausência de circulação do título. Possibilidade. Precedentes. - Na esteira de precedentes da 3ª Turma do STJ, se o título de crédito não circulou, pode o avalista argüir exceções baseadas na extinção, ilicitude ou inexistência da dívida da qual originou o título, visando evitar o enriquecimento sem causa do credor. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 678.881/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de junho de 2006, p. 216). ―Aval. Autonomia. Oponibilidade de exceções. Não pode o avalista opor exceções fundadas em fato que só ao avalizado diga respeito, como o de ter-lhe sido deferida concordata. Entretanto, se o título não circulou, ser-lhe-á dado fazê-lo quanto ao que se refira à própria existência do débito. Se a dívida, pertinente à relação que deu causa à criação do título, desapareceu ou não chegou a existir, poderá o avalizado fundar-se nisso para recusar o pagamento.‖ (REsp nº 162.332/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de agosto de 2000, p. 117). 273

Cf. art. 31, quarto parágrafo, in fine, da Lei Uniforme. 274

Cf. art. 77, in fine, da Lei Uniforme. 275

Cf. RE nº 93.058/PR, STF; REsp nº 90.269/MG, 3ª Turma do STJ, Revista do STJ, volume 104, p. 297; e REsp nº 86.584/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 7 de fevereiro de 2000: ―COMERCIAL. NOTA PROMISSÓRIA. AVAL. A só assinatura no verso da nota promissória caracteriza o aval. Ressalva do ponto de vista pessoal do Relator.‖ Com efeito, o Relator, Ministro Ari Pargendler, fez a seguinte ressalva: ―Salvo melhor juízo, a letra do art. 31 da Lei Uniforme não autoriza a interpretação de que a só assinatura no verso

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assinatura exarada na face da nota, portanto, a lançada no verso também pode

ser considerada aval, desde que não exista dúvida alguma de que o ato cambiário

não tem natureza jurídica de endosso. É o que ocorre, por exemplo, quando o

nome do exequente consta como tomador-beneficiário originário da nota e há a

assinatura pura e simples de terceira pessoa no verso da cártula. Se a assinatura

lançada no verso da nota não é do tomador-beneficiário que ajuizou a execução

cambial, só pode ser aval.

9. Protesto cambial

Em razão da equiparação legal do subscritor da nota ao aceitante da letra

de câmbio276, o protesto é facultativo em relação ao emitente-sacador da

promissória277, devedor principal da nota278, e aos respectivos avalistas279. Por

conseguinte, é admissível a propositura de execução direta, isto é, independente

de prévio protesto cambial280.

Por outro lado, no que tange aos endossantes e aos respectivos avalistas, é

necessário o protesto tempestivo281, para que o credor possa acionar os

da nota promissória caracterize o aval‖. Não obstante, prevaleceu a tese segundo a qual a simples assinatura no verso também pode ser aval, desde que não haja dúvida de que a assinatura lançada não pode ser endosso. 276

Cf. art. 78 da Lei Uniforme. 277

De acordo, na jurisprudência: ―- A Nota Promissória é título executivo extrajudicial, uma vez que contém a obrigação incondicionada de pagamento de quantia determinada, em data certa. - Para a ação de execução contra o emitente não exige a lei seja a nota promissória previamente protestada.‖ (Apelação nº 2.0000.00.515.817-8/000, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 26 de outubro de 2005). ―- Para a ação de execução contra o emitente não exige a lei sejam as notas promissórias previamente protestadas.‖ (Apelação nº 411.535-3, 5ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 3 de fevereiro de 2004). 278

Cf. art. 21, § 4º, da Lei nº 9.492/1997. 279

Assim, na jurisprudência: ―– LEI UNIFORME DE CAMBIAIS – PROTESTO. Não é necessário o prévio protesto para ação executiva do tomador contra o emitente de promissória e seus avalistas – Interpretação do art. 47 e 53 da Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio).‖ (AI 59.071/PE, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 2 de janeiro de 1974). 280

De acordo, na jurisprudência: ―I - Desnecessário é o protesto por falta de pagamento da nota promissória, para o exercício do direito de ação do credor contra o seu subscritor e respectivo avalista.‖ (REsp nº 2.999/SC, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de agosto de 1990, p. 7.343). ―– Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias - Não é necessário o protesto do título para resguardo do direito de ação contra o avalista do emitente da promissória ou do aceitante da letra de câmbio.‖ (RE nº 76.154/SP, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de junho de 1973). 281

Vale dizer, no dia primeiro útil após o vencimento, ex vi do art. 28 do Decreto 2.044/1908: ―Verificando-se o vencimento ordinário sem que ocorra o pagamento do título, tratando-se de letras de câmbio e notas promissórias, o protesto por falta de pagamento, havendo devedores de regresso, deve ser tirado no primeiro dia útil seguinte ao vencimento. Atente-se que a LUG (3ª al. do art. 44), determina que o protesto por falta de pagamento da letra de câmbio ou da nota promissória deve ser tirado ‗num dos dois dias úteis seguintes àquele em que a letra é pagável‘. Mas o Brasil adotou a Reserva do art. 9º do Anexo II da Convenção de

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coobrigados da nota promissória, tendo em vista o disposto nos arts. 53 e 77 da

Lei Uniforme.

10. Correção monetária e juros de mora

Vencida a nota promissória, o credor-beneficiário pode cobrar a respectiva

quantia mediante execução forçada, com esteio no art. 585, inciso I, do Código de

Processo Civil.

Além do valor constante da nota, o credor também pode cobrar a correção

monetária do montante principal, contada a partir do vencimento, em virtude do

art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981.

Também incidem os juros moratórios ou legais, contados a partir do

vencimento282. Em abono, merece ser prestigiado o verbete nº 17 aprovado pela

1ª Câmara Civil do antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―Os juros nos

títulos executivos cambiais devem ser contados a partir do vencimento‖. Na esteira

do verbete nº 17, houve a aprovação unânime da conclusão nº 18 no 6º Encontro

Nacional dos Tribunais de Alçada, in verbis: ―Os juros, nos títulos executivos

cambiais, devem ser contados a partir do vencimento‖.

No que tange ao percentual dos juros de mora, merece ser prestigiado o

entendimento consagrado no enunciado nº 95 da Súmula do Tribunal de Justiça

do Rio de Janeiro: ―Os juros, de que trata o art. 406, do Código Civil de 2002,

incidem desde sua vigência, e são aqueles estabelecidos pelo art. 161, parágrafo

1º, do Código Tributário Nacional‖283-284.

Genebra, o que remete a questão para nossa legislação interna. Em consequência, e em face daquela Reserva, aplica-se o art. 28 do Decreto 2.044/1908, ainda em vigor, pelo que o protesto por falta de pagamento da letra de câmbio ou da nota promissória haverá de ser tirado no primeiro dia útil seguinte ao vencimento da letra de câmbio ou da nota promissória.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 262). 282

Além dos juros moratórios ou legais, exigíveis por força de lei, também há lugar para os denominados ―juros compensatórios‖ ou ―juros remuneratórios‖, os quais podem ser estipulados pelo emitente-sacador de nota promissória à vista, com fundamento nos arts. 5º e 77, segundo parágrafo, ambos da Lei Uniforme de Genebra. 283

Colhe-se da precisa justificativa de fundamentação da aprovação do enunciado sumular: ―Justificativa: O art. 406 do atual Código Civil estatui que, ‗quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional‘. O Código Tributário Nacional

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Além da correção monetária e dos juros de mora, o credor-beneficiário

também pode cobrar as eventuais despesas do protesto na mesma execução

fundada no título de crédito.

Em síntese, o credor do título pode ajuizar a ação cambial, a fim de

executar o devedor principal e os coobrigados, na busca do pagamento da quantia

estampada na cártula, com juros de mora e correção monetária a partir do

vencimento, bem assim das eventuais despesas cartorárias com o protesto.

11. Ação cambial ou execução cambial

Diante do vencimento285 sem o respectivo pagamento da nota promissória,

o credor pode executar tanto o devedor principal quanto os coobrigados, em

conjunto ou isoladamente, conforme a livre escolha, tudo nos termos dos arts. 43

e 47 da Lei Uniforme, aplicáveis por força do art. 77 do mesmo diploma.

No que tange ao devedor principal286 e ao respectivo avalista, o credor pode

mover ação direta287 de execução aparelhada em título extrajudicial, com

fundamento no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. Já em relação aos

coobrigados, a subsistência dos direitos cambiários do credor depende do prévio

protesto no prazo legal, ex vi do art. 53 da Lei Uniforme, aplicável à nota

promissória em razão do art. 77 do Decreto nº 57.663, de 1966.

O prazo prescricional para a execução cambial fundada na nota promissória

varia conforme o executado seja o devedor principal ou algum coobrigado. Em

determina no § 1º do art. 161 que ‗se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de 1% ao mês‘.‖ (sem o grifo no original). 284

De acordo, na doutrina: Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 219: ―Então, os juros legais moratórios referidos no Código Civil, art. 406, são os juros fixados no § 1º do art. 161 do Código Tributário Nacional.‖ (sem os grifos no original). Daí a precisa conclusão do eminente Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais: ―Prevalece, então, o disposto no § 1º do art. 161 do CTN – Código Tributário Nacional, para mora no pagamento de impostos, ou seja, 1% (um por cento) ao mês.‖ (p. 219, sem os grifos no original). No mesmo diapasão, vale conferir a precisa lição do Professor Fábio Ulhoa Coelho: ―d) A taxa de juros por mora no pagamento de letra de câmbio ou nota promissória não é a constante dos arts. 48 e 49, mas a mesma devida em caso de mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional (CC, art. 406), por força da reserva do art. 13 do Anexo II assinalada pelo Brasil.‖ (Manual de direito comercial: direito de empresa. 23ª ed., 2011, p. 276 e 277, sem os grifos no original). 285

Vencimento que pode ser ordinário ou extraordinário. 286

O emitente-sacador da nota promissória. 287

Vale dizer, sem a necessidade de prévio protesto.

106

106

regra, a execução deve ser proposta dentro do prazo de três anos do vencimento

da nota promissória288. Trata-se de prazo prescricional disponível para o credor

exercer a respectiva pretensão patrimonial contra o devedor principal, contra o

respectivo avalista ou contra ambos, se assim preferir289.

Quanto aos coobrigados290, o credor tem o prazo de um ano para ajuizar a

execução fundada no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. Trata-se de

prazo prescricional que corre da data do protesto tempestivo ou do vencimento do

eventual título ―sem despesas‖291. A regra, todavia, é o credor acionar os

coobrigados mediante execução precedida de protesto cambial.

Na eventualidade de algum endossante ou avalista de endossante efetuar o

pagamento, pode exercer o direito de regresso contra outros endossantes e

avalistas no prazo prescricional de seis meses, em virtude da sub-rogação. Com

efeito, o coobrigado que efetuar o pagamento dispõe do prazo de apenas seis

meses para acionar coobrigados pretéritos na cadeia de anterioridade, em

execução regressiva292. Por força do art. 567, inciso III, do Código de Processo

Civil, o sub-rogado pode iniciar nova execução ou até mesmo dar seguimento à

288

Assim, na jurisprudência: ―- COMERCIAL. NOTA PROMISSÓRIA. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO CAMBIAL. O prazo é atualmente de três anos, consoante os arts. 70 e 77 da Lei Uniforme relativa às letras de câmbio e notas promissórias, promulgada pelo Decreto nº 57.663, de 24.1.66.‖ (RE nº 91.050/RJ, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 1º de julho de 1983, p. 9.996). Colhe-se do voto condutor do Ministro-Relator: ―Tais dispositivos prevêem a prescrição das ações contra o aceitante da letra de câmbio ou emitente da nota promissória, e, conseqüentemente, contra seus avalistas, no prazo de três anos‖. ―EXECUÇÃO - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - NOTA PROMISSÓRIA - PRAZO PRESCRICIONAL DE TRÊS ANOS - ARTS. 70 E 77 DA LEI UNIFORME DE GENEBRA - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA. A execução embasada em nota promissória prescreve em três anos, em consonância com os arts. 70 e 77 da LUG.‖ (Apelação nº 1.0024.05.829981-9/002, TJMG, Diário da Justiça de 23 de agosto de 2008). ―APELAÇÃO - EMBARGOS DO DEVEDOR - NOTA PROMISSÓRIA - DEMORA NA CITAÇÃO - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA. - De acordo com o art. 18, I, da Lei nº 5.474/68, a ação proposta pelo sacador da duplicata contra o sacado prescreve em 3 anos. Idêntico o prazo prescricional para a execução de nota promissória, nos termos do art. 70, da Lei Uniforme, promulgada em nosso país pelo Decreto nº 57.663/66.‖ (Apelação nº 1.0702.05.246064-0/001, TJMG, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 2007). ―PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA São aplicáveis às notas promissórias as disposições relativas à letra de câmbio constante do Decreto n. 57.663/66, na parte que não sejam contrárias à natureza do título. Preceitua o referido decreto, em seu art. 70 que ‗todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento‘, sendo este, portanto, o prazo prescricional aplicável à nota promissória.‖ (Apelação nº 10382040389027001, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 28 de junho de 2010). 289

Cf. arts. 70, primeiro parágrafo, e 77, ambos da Lei Uniforme, combinado com o art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. 290

Na nota promissória, o beneficiário-endossante, os demais endossantes e avalistas dos mesmos. 291

Cf. arts. 46, 70 e 77 da Lei Uniforme. 292

Cf. arts. 47, terceiro parágrafo, 70, terceiro parágrafo, e 77, todos da Lei Uniforme.

107

107

execução movida pelo credor originário, quando o coobrigado pagante passa a

ocupar o lugar deixado pelo credor original cujo crédito foi satisfeito.

12. Ação de enriquecimento sem causa ou de locupletamento indevido

Além da ação de execução, há outra via processual a ser acionada na

eventualidade da prescrição executiva. À vista do art. 48 do Decreto nº

2.044/1908, combinado com os arts. 206, § 3º, inciso IV, 884 e 886 do Código Civil

de 2002, ainda há a possibilidade de o credor ajuizar demanda cognitiva

denominada ―ação de locupletamento indevido‖, ―ação de enriquecimento sem

causa‖ ou ―ação in rem verso‖, dentro do prazo prescricional de três anos.

À luz do art. 886 do Código Civil de 2002, o triênio previsto no inciso IV do §

3º do art. 206 do mesmo diploma só começa a correr após o decurso in albis dos

prazos para a execução fundada no art. 70, primeiro parágrafo, da Lei Uniforme, e

no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. Com efeito, após o transcurso in

albis dos prazos prescricionais das pretensões executivas provenientes da nota

promissória, é admissível a propositura da demanda de locupletamento ou

enriquecimento indevido, no prazo prescricional de três anos. À vista do art. 886

do Código Civil, o prazo prescricional da ação de locupletamento é contado após a

perda da força executiva da nota promissória, porquanto a demanda de

enriquecimento sem causa não é admissível enquanto estiver aberta a via

executiva.

A demanda de locupletamento ou enriquecimento sem causa pode ser

acionada pelo tradicional procedimento comum293, mas também pode ser aviada

pelo procedimento monitório do art. 1.102-A do Código de Processo Civil294. Em

293

Comum-ordinário ou comum-sumário, conforme o valor da causa. 294

De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL – NOTA PROMISSÓRIA – PRESCRIÇÃO – CRÉDITO – COBRANÇA – PROCEDIMENTO MONITÓRIO – POSSIBILIDADE – ART. 1.102

a DO CÓDIGO

DE PROCESSO CIVIL – INTERPRETAÇÃO. I – A ação monitória foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a Reforma do Código de Processo Civil, através da Lei nº 9.079/95. Seu objetivo primordial é o de abreviar o caminho para a formação do título executivo, contornando a lentidão inerente ao processo de conhecimento e ao rito ordinário. II – Mostra-se adequado a instruir a ação monitória o título de crédito que tenha perdido a eficácia executiva em face do transcurso do lapso prescricional. Precedentes do STJ.‖ (REsp nº 260.219/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de abril de 2001). ―PROCESSUAL CIVIL. COBRANÇA DE DESPESAS DE CONDOMÍNIO. ART. 275, II, b, CPC. PROCEDIMENTO MONITÓRIO OU

108

108

virtude da faculdade conferida pelo art. 1.102-A do Código de Processo Civil, o

titular da nota promissória prescrita tem a opção entre os procedimentos comum e

monitório, para o recebimento da quantia objeto do enriquecimento sem causa295,

tão logo decorrido in albis o prazo prescricional disponível para a execução.

Ao contrário do que ocorre no procedimento comum, cujo valor da causa

pode interferir na adoção do rito ordinário ou sumário, o mesmo não ocorre no

procedimento monitório, o qual pode ter ser adotado em causas com valores

inferiores e superiores a sessenta salários mínimos.

Por não ter natureza de ação cambial, a demanda de locupletamento só

pode ter em mira a pessoa que foi beneficiada pelo enriquecimento sem causa,

razão pela qual não pode ser movida contra avalista que não foi beneficiário do

enriquecimento indevido296.

13. Ação de cobrança ou ação causal

Na eventualidade de prescrição da nota promissória, o credor tem a opção

entre acionar o devedor com fundamento no enriquecimento sem causa, quando a

juntada do título vencido e não pago já é suficiente para comprovar a lesão

prevista no art. 884 do Código Civil, independentemente da declinação da origem

da dívida na petição inicial, ou acionar o devedor mediante demanda de cobrança,

com fundamento na relação causal, ou seja, na origem da dívida.

Com efeito, o credor pode mover demanda de cobrança contra o devedor, à

vista da relação jurídica subjacente. Aliás, a demanda de cobrança só pode ser

movida contra a pessoa que participou da relação jurídica subjacente, e não

SUMÁRIO. FACULDADE DO CREDOR. RECURSO DESACOLHIDO. I - O procedimento monitório, também conhecido como injuntivo, introduzido no atual processo civil brasileiro, largamente difundido e utilizado na Europa, com amplo sucesso, tem por objetivo abreviar a formação do título executivo, encurtando a via procedimental do processo de conhecimento. II - A ação monitória tem a natureza de processo cognitivo sumário e a finalidade de agilizar a prestação jurisdicional, sendo facultada a sua utilização, em nosso sistema, ao credor que possuir prova escrita do débito, sem força de título executivo, nos termos do art. 1.102a, CPC.‖ (REsp nº 208.870/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de junho de 1999, p. 124). 295

Cf. art. 48 do Decreto nº 2.044/1908, e arts. 206, § 3º, inciso IV, 884 a 886, do Código Civil de 2002. 296

―APELAÇÃO CÍVEL. MONITÓRIA. PRESCRIÇÃO. NOTA PROMISSÓRIA. CAUSA DEBENDI. AVALISTA. RESPONSABILIDADE. EXONERAÇÃO. Omissis 3. Prescrita a execução cambial, o avalista de cheque não responde pelo pagamento do valor constante do título.‖ (Apelação nº 1.0024.07.388446-2/001, TJMG, Diário da Justiça de 21 de outubro de 2008).

109

109

contra todos os obrigados e coobrigados cambiais297. Trata-se de processo de

conhecimento, o qual pode seguir o procedimento comum298 ou o procedimento

monitório299, conforme a preferência do credor. Independentemente do

procedimento escolhido, a demanda de cobrança deve ser proposta dentro do

prazo prescricional previsto para a respectiva relação causal300.

Por fim, a demanda de cobrança não se confunde com a demanda de

enriquecimento indevido. A demanda de enriquecimento indevido não depende da

exposição da origem da dívida na petição inicial, porquanto a simples existência

da nota promissória prescrita sem pagamento já é suficiente para demonstrar a

ocorrência do locupletamento ilícito. Em contraposição, a demanda de cobrança

depende da exposição da origem da dívida na petição inicial, porquanto a nota

promissória prescrita e não paga é simples meio de prova da relação subjacente.

Outra diferença reside no prazo prescricional: a prescrição da pretensão de

enriquecimento sem causa é de três anos, por força do art. 206, § 3º, inciso IV, do

Código Civil; já a prescrição da pretensão de cobrança depende da causa

consubstanciada na relação subjacente, conforme o caso concreto, opinião

defendida no presente compêndio – ou, segundo forte corrente jurisprudencial, o

297

De acordo, na doutrina: Ernane Fidélis dos Santos. Manual de direito processual civil. Volume II, 10ª ed., 2006, p. 24; e Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 432: ―O devedor cuja obrigação tenha se originado exclusivamente no título de crédito – como e, em geral, o caso do avalista –, após a prescrição da execução cambial, não poderá ser responsabilizado em nenhuma hipótese perante o seu credor, já que não há causa subjacente a fundamentar qualquer pretensão ao recebimento do crédito. Por outro lado, como a ação causal não é cambial, são admitidas quaisquer matérias de defesa por parte do demandado.‖. 298

O procedimento comum pode ser ordinário ou sumário, conforme o valor da causa. 299

Ao contrário do que ocorre no procedimento comum, o qual pode ser ordinário ou sumário conforme o valor da causa, no procedimento monitório o valor da causa tanto pode ser inferior quanto pode ser superior a sessenta salários-mínimos. Em outros termos, o valor da causa não é relevante para a adoção do procedimento monitório, ou não. O que importa para a adoção do procedimento monitório consta do art. 1.102-A do Código de Processo Civil. 300

Em sentido semelhante, na jurisprudência: ―– É pacífica a jurisprudência no sentido de admitir a cobrança de crédito decorrente de nota promissória prescrita pela via da ação monitória. – Todavia, nessas hipóteses, o crédito não se torna automaticamente imprescritível, mas vinculado à relação jurídica-base. – Se, do ponto de vista dessa relação jurídica, também estiver prescrita a pretensão da cobrança, correta a decisão que a reconheceu.‖ (REsp nº 682.559/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de fevereiro de 2006). Contra, entretanto, com a sustentação da tese de que incide o art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002: ―– Em razão da incorporação dos direitos e deveres na cártula, verifica-se a pertinência dos cheques e notas promissórias prescritas como prova escrita sem eficácia de título executivo para o fim de ajuizamento de ação monitória. – Tratando-se a ação monitória de tipo especial de cobrança, o prazo para o ajuizamento da demanda é de cinco anos, nos termos do art. 206, § 5º, inciso I, do CC/02.‖ (Apelação nº 1.0481.05.043034-9/001, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 10 de maio de 2007). ―A ação monitória para cobrança de nota promissória prescrita é tipo especial de cobrança, sendo prazo para o ajuizamento da demanda de cinco anos, contados da entrada em vigor do CC/2002.‖ (Apelação nº 1.0592.09.013099-4/001, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 26 de novembro de 2009).

110

110

prazo é de cinco anos, à vista da interpretação que tem sido conferida ao art. 206,

§ 5º, inciso I, do Código Civil.

14. Nota promissória e Código Penal

Em virtude da Lei nº 12.653, de 2012, houve o acréscimo do artigo 135-A

ao Código Penal brasileiro, com a tipificação da exigência da prévia subscrição de

nota promissória a título de garantia de pagamento como condição para a

prestação de atendimento médico-hospitalar emergencial.

Na verdade, o condicionamento do atendimento médico-hospitalar de

urgência à prévia subscrição de qualquer título de crédito passou a ser crime, nos

seguintes termos: ―Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer

garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como

condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial‖.

111

111

CAPÍTULO IV — CHEQUE

1. Conceito

O cheque é o título de crédito consubstanciado em ordem de pagamento à

vista dada pelo emitente-sacador contra o banco-sacado, para efetuar pagamento

de quantia determinada em favor do credor-beneficiário ou à pessoa endossada,

em virtude de fundos que o emitente-sacador dispõe em conta corrente perante o

banco-sacado.

2. Natureza jurídica e classificação

O cheque tem natureza jurídica de título de crédito, razão pela qual está

sujeito aos princípios e institutos de direito cambiário, ressalvadas as regras

específicas, previstas na legislação de regência, como, por exemplo, o aceite,

instituto incompatível com o cheque, ex vi do art. 6º da Lei nº 7.357/1985.

No que tange à classificação, o cheque é título de crédito de modelo

vinculado, razão pela qual só é considerado cheque o documento impresso e

emitido com a perfeita observância do padrão legal, ao qual o sacado está

vinculado na expedição do talonário e das folhas avulsas.

Por fim, o cheque é título executivo extrajudicial, o que explica a

possibilidade jurídica de o emitente-sacador ser acionado diretamente mediante

processo de execução, ex vi do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil.

3. Ordem de pagamento à vista e cheque pós-datado

Cheque pós-datado é o cheque com data futura301. Na linguagem corrente,

todavia, é denominado ―cheque pré-datado‖302.

301

―CHEQUE PÓS-DATADO. Dir. Camb. Cheque emitido com data futura, em artifício juridicamente inútil, dado que o título é pagável no dia da apresentação, independentemente da data nela lançada.‖ (J. M. Othon Sidou. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004, p. 149).

112

112

Ainda que pós-datado – ou ―pré-datado‖, à luz da linguagem corrente –, o

cheque sempre preserva a natureza de ordem de pagamento à vista303, em razão

do disposto no art. 32 da Lei nº 7.357/1985, com o reforço do proêmio do art. 11

da Resolução nº 1.682, de 1990: ―Art. 11. O cheque é pagável à vista,

considerando-se não escrita qualquer menção em contrário‖.

Com efeito, a indicação de data futura não transforma o cheque em nota

promissória; subsiste in totum a natureza de ordem de pagamento à vista, com a

mera ampliação do prazo previsto no art. 33 da Lei nº 7.357/1985, para a

apresentação do título ao banco-sacado. Nada impede, portanto, a imediata

apresentação do cheque em data anterior à lançada na cártula, com a

subsistência da obrigatoriedade do pagamento pelo banco-sacado que encontrar

fundos disponíveis na conta corrente do emitente-sacador304. Daí a conclusão: o

cheque pós-datado – ou ―pré-datado‖, à luz da linguagem corrente – não perde a

cambiariedade nem a consequente executividade305.

302

―CHEQUE PRÉ-DATADO. Dir. Camb. Ver cheque pós-datado e pós-data.‖ (J. M. Othon Sidou. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004, p. 150). ―PRÉ-DATAR. V. Dir. Obr. Lançar em documento feito num determinado dia, data anterior, o que pode constituir ilícito penal, conforme cause dano a terceiros. Opos.: pós-datar (v.) (const. pós-data). OBS. A expressão ‗prédatar‘ ganhou uso consagrado sobretudo para efeito do cheque sem fundos, embora nesse caso o correto seja pós-datar.‖ (J. M. Othon Sidou. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004, p. 672). ―- A emissão de cheque pós-datado, popularmente conhecido como cheque pré-datado, não o desnatura como título de crédito, e traz como única consequência a ampliação do prazo de apresentação.‖ (REsp nº 612.423/DF, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de junho de 2006). 303

De acordo, na jurisprudência: ―Isso porque o Superior Tribunal de Justiça já consolidou seu entendimento no sentido de que, mesmo pós-datado, o cheque mantém todas as suas características cambiais, não se convertendo em uma nota promissória ou qualquer outra modalidade de promessa de adimplemento. A única consequência da pós-datação do cheque, consoante a jurisprudência desta Corte, é a postergação do prazo do art. 33 da LC, para apresentação da cártula para pagamento. Nesse sentido há diversos precedentes deste Tribunal, do que são exemplo o REsp nº 223.486/MG (DJ de 8/2/2000) e 195.748/PR (DJ de 15/6/99).‖ (trecho extraído do voto-vencedor proferido no julgamento do REsp nº 612.423/DF, cujo acórdão foi publicado no Diário da Justiça de 26 de junho de 2006). A propósito, reforça o voto-condutor do acórdão proferido no REsp nº 195.748/PR: ―2. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento de que o cheque pré-datado não perde a característica de ordem de pagamento à vista, revestindo-se das prerrogativas dos títulos de crédito, dentre as quais a executoriedade‖. 304

De acordo, na doutrina: ―A pós-datação (alias dictus pré-datação) do cheque, isto é, a emissão com data posterior, é ato jurídico válido, apenas não tem o poder de impedir o pagamento do cheque se há apresentação em data anterior à constante do título. Igualmente não impede a apresentação qualquer outra cláusula ou observação, lançada na face ou no verso da cártula, que determine sua apresentação ou depósito em data futura (bom para..., depositar apenas em..., e qualquer outra equivalente). Em quaisquer dessas hipóteses, as restrições à pronta apresentação deverão ser cambiariamente consideradas como não escritas, preservando-se o vencimento à vista, imediato, da cártula. No plano cambial, o único efeito que produz, já se viu, é ampliar o prazo de apresentação, que passa a ser contado da data constante da cártula, ainda que futura.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 277). 305

Cf. conclusão nº 1 do 5º Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada: Minas Gerais, Parte II, Diário da Justiça de 26 de fevereiro de 1982, p. 1.

113

113

Embora a obrigação cambial seja preservada à vista, a apresentação do

cheque pós-datado antes do dia pactuado pode gerar uma nova obrigação, mas

de natureza comum, de direito civil, do credor-beneficiário em relação ao emitente-

sacador, pelo desrespeito ao pacto avençado. Daí a possibilidade jurídica da

condenação do credor-beneficiário por dano moral ao emitente-sacador, como

bem assentou o Superior Tribunal de Justiça ao aprovar o enunciado nº 370:

―Caracteriza dano moral a apresentação antecipada do cheque pré-datado‖. Na

mesma esteira, merece ser prestigiado o preciso enunciado nº 10.3 aprovado

pelos Juízes das Turmas Recursais do Paraná: ―Cheque pré-datado: A

apresentação de cheque pré-datado antes da data ajustada acarreta dano

moral‖306.

Por fim, outra consequência jurídica da apresentação antecipada do cheque

pós-datado é afastar a incidência do art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal, em

razão da inexistência do dolo essencial do tipo307.

4. Legislação de regência do cheque

Em primeiro lugar, incide a Lei nº 7.357/1985.

Em segundo lugar, incidem as resoluções e circulares do Conselho

Monetário Nacional308 e do Banco Central309 editadas com fundamento no art. 69

da Lei nº 7.357/1985.

Para solucionar eventuais conflitos de Direito Internacional Privado

provenientes de leis em matéria de cheques, incide o Decreto Executivo nº

306

Em sentido conforme, na jurisprudência: ―Cheque pré-datado. Apresentação antes do prazo. Indenização por danos morais. Precedentes da Corte. 1. A apresentação do cheque pré-datado antes do prazo avençado gera o dever de indenizar, presente, como no caso, a consequência da devolução do mesmo por ausência de provisão de fundos. 2. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 557.505/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de junho de 2004, p. 219). ―- A apresentação do cheque pré-datado antes do prazo estipulado gera o dever de indenizar, presente, como no caso, a devolução do título por ausência de provisão de fundos.‖ (REsp nº 707.272/PB, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 3 de março de 2005, p. 382). 307

De acordo, na jurisprudência: ―1. A emissão de cheques como garantia de dívida (pré-datados), e não como ordem de pagamento à vista, não constitui crime de estelionato, na modalidade prevista no art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 2. Recurso provido.‖ (ROHC nº 13.793/SP, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de dezembro de 2003). 308

Cf. art. 4º, incisos VI e VIII, da Lei nº 4.595/1964, Resolução nº 1.682/1990, e Resolução nº 1.631/1989. 309

Cf. arts. 9º e 11, inciso VI, ambos da Lei nº 4.595/1964, Resolução nº 885/1983, Circular nº 2.444/1994, Carta-Circular nº 3.173/2005, por exemplo.

114

114

1.240/1994, por meio do qual o Presidente da República promulgou a Convenção

Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matéria de Cheque, antes ratificada

pelo Congresso Nacional mediante o Decreto Legislativo nº 9/1994. Não obstante,

se a controvérsia não estiver sob o império da Convenção Interamericana, incide a

Convenção Internacional sobre conflitos de leis em matéria de cheques,

promulgada mediante o Decreto nº 57.595/1966.

Por fim, omissas a legislação especial e as demais normas de regência do

instituto, incide o Código Civil de 2002. Com efeito, à vista do art. 903, o Código

Civil é aplicável na falta de leis e outras normas específicas. A propósito, merece

ser prestigiado o enunciado nº 463 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do

Conselho da Justiça Federal: ―As disposições relativas aos títulos de crédito do

Código Civil aplicam-se àqueles regulados por leis especiais, no caso de omissão

ou lacuna‖.

5. Sujeitos da relação cambial

São três os sujeitos originários da relação cambial proveniente do cheque:

emitente-sacador, banco-sacado e credor-beneficiário.

Na verdade, a expressão ―banco-sacado‖ deve ser interpretada em sentido

amplo, porquanto o termo ―sacado‖ alcança todas as instituições financeiras contra

as quais a lei admite a emissão de cheque310. O ―sacado‖, portanto, só pode ser

banco ou instituição financeira equiparada, sob pena de o documento não valer

como cheque311.

Embora seja o fornecedor dos talonários e das folhas de cheque, o banco-

sacado não é o devedor principal na relação cambial proveniente do cheque. À

vista do art. 15 da Lei nº 7.357/1985, o devedor principal é o emitente-sacador. Em

contraposição, o banco-sacado não tem obrigação cambial, porquanto o cheque

não é passível de aceite pelo sacado, ex vi do art. 6º da Lei nº 7.357/1985: ―O

cheque não admite aceite considerando-se não escrita qualquer declaração com

310

Cf. art. 67 da Lei nº 7.357/1985. 311

Cf. art. 3º da Lei nº 7.537, de 1985, combinado com os arts. 17 e 18 da Lei nº 4.595/1964.

115

115

esse sentido‖. Por força do art. 29 da Lei nº 7.357/1985, o banco-sacado também

não pode ser avalista do emitente-sacador. Daí a conclusão: o banco-sacado não

responde pela ausência nem pela insuficiência de fundos, porquanto a

responsabilidade pela disponibilidade da quantia expressa no cheque é do

emitente-sacador, devedor principal da relação cambial proveniente do cheque312-

313.

Ainda em relação ao sacador, a superveniente incapacidade e até mesmo o

falecimento do emitente não retiram a validade nem a eficácia do cheque, tendo

em vista o disposto no art. 37 da Lei nº 7.357/1985: ―A morte do emitente ou a sua

incapacidade superveniente à emissão não invalidam os efeitos do cheque‖. Daí a

justificativa para possibilidade jurídica do acionamento do espólio mediante

execução forçada, com fundamento no artigo 568, inciso II, do Código de

Processo Civil, na eventualidade de falecimento do emitente-sacador do cheque.

6. Requisitos ou elementos do cheque

O art. 1º da Lei nº 7.357 arrola os requisitos essenciais do cheque, os quais

devem ser observados para a constituição do aludido título de crédito. Com efeito,

a ausência de algum dos requisitos legais impede a formação do cheque, ex vi do

art. 2º da Lei nº 7.357/1985. Além dos preceitos legais, a Resolução nº 885 do

Banco Central também dispõe sobre os requisitos de constituição do cheque, bem

como fixa o modelo-padrão do título.

O primeiro requisito legal é a denominação ―cheque‖, vocábulo que deve

estar inserto no bojo da cártula e na língua em que o documento é redigido. Sem

dúvida, à vista do art. 1º, inciso I, da Lei nº 7.357/1985, o documento sem o

vocábulo ―cheque‖ expresso no texto não tem valor jurídico de cheque. É mero

documento particular, e não título de crédito.

312

Cf. art. 21, § 4º, proêmio, da Lei nº 9.492/1997. 313

Não obstante, o banco-sacado pode ser responsabilizado na esfera civil, nas hipóteses dos arts. 186 e 927 do Código Civil de 2002. A propósito, na vigência do Código Civil de 1916, o Supremo Tribunal Federal aprovou o enunciado nº 28, à luz do antigo art. 159, equivalente ao atual art. 186. Por oportuno, vale conferir o enunciado nº 28 da Súmula da Corte Suprema: ―O estabelecimento bancário é responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa exclusiva ou concorrente do correntista‖. Trata-se, todavia, de responsabilidade civil, e não cambial, já que fundada nos arts. 186 e 927 do Código Civil.

116

116

Em segundo lugar, o cheque deve conter ordem incondicional de

pagamento de quantia determinada314. É imprescindível o lançamento da quantia

por extenso, sob pena de devolução do cheque. Com efeito, o art. 6º da

Resolução nº 1.682 é explícito acerca da necessidade do ―registro do valor por

extenso‖, cuja ausência é erro formal e ocasiona a devolução do cheque315. Na

eventualidade de divergência entre a quantia indicada em algarismos e o

montante expresso por extenso, o cheque subsiste, com a prevalência do valor

indicado por extenso, ex vi do art. 12 da Lei nº 7.357/1985.

À vista do art. 42 da Lei n 7.357/1985, é admissível a emissão de cheque

em moeda estrangeira, com a posterior conversão para a moeda nacional, ao

câmbio do dia da liquidação. A propósito, o art. 318 do Código Civil é compatível

com o art. 42 da Lei nº 7.357, porquanto o preceito do diploma de 2002 preserva a

incidência da norma específica.

No que tange aos índices oficiais316, autorizada doutrina317 sustenta a

impossibilidade da utilização de índices econômicos. Diante da natureza do

cheque, qual seja, ordem de pagamento à vista, merece ser prestigiada a lição da

doutrina. Com efeito, por ser o cheque uma ordem de pagamento imediato, nada

justifica a utilização de índices de atualização monetária, os quais só têm serventia

para títulos a prazo, como, por exemplo, a letra de câmbio e a nota promissória.

Resta saber se é o cheque título de recebimento obrigatório. A resposta é

negativa, porquanto não há na legislação brasileira dispositivo algum que torne

obrigatório o recebimento de pagamento mediante cheque. Sob outro prisma, o

art. 315 do Código Civil revela a obrigatoriedade do recebimento apenas da

moeda corrente, ou seja, o Real. Daí a conclusão: o cheque não tem curso

forçado próprio da moeda nacional. Em abono, merece ser prestigiado o proêmio

do enunciado nº 10.4 aprovado pelos Juízes das Turmas Recursais do Paraná:

―Pagamento por meio de cheque: Ninguém está obrigado a aceitar o pagamento

por meio de cheque, não configurando dano moral a recusa desta forma de

314

Cf. art. 1º, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 315

Cf. Resolução nº 1.682, motivo 31. 316

Por exemplo, UFIR, ORTN, OTN. 317

Cf. Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 392.

117

117

pagamento, mormente quando não há exposição do devedor a qualquer

constrangimento frente a terceiros‖318.

O terceiro requisito legal reside nos arts. 1º, inciso III, 3º e 67, todos da Lei

nº 7.357/1985: a indicação do nome do banco ou da instituição financeira

equiparada. Por conseguinte, os documentos confeccionados por pessoas físicas

e por pessoas jurídicas sem natureza de instituição financeira não têm valor

jurídico de cheque. Daí a importância do conceito de instituição financeira. Diante

da omissão da Lei nº 7.357/1985, incide o disposto no art. 17 da Lei nº

4.595/1964: ―Art. 17. Consideram-se instituições financeiras, para os efeitos da

legislação em vigor, as pessoas jurídicas públicas ou privadas, que tenham como

atividade principal ou acessória a coleta, intermediação ou aplicação de recursos

financeiros próprios ou de terceiros, em moeda nacional ou estrangeira, e a

custódia de valor de propriedade de terceiros‖.

O quarto requisito legal reside no art. 1º, inciso IV, da Lei nº 7.357/1985:

indicação do lugar do pagamento. Com efeito, o cheque deve conter a indicação

do lugar do pagamento. A ausência de indicação especial, todavia, não interfere

na subsistência do cheque, já que a falta é suprida à luz do inciso I do art. 2º da

Lei nº 7.357/1985: ausente designação específica, o lugar do pagamento é o local

indicado junto ao nome do banco-sacado. Na falta de indicação especial do local

do pagamento do cheque, se designados vários lugares junto ao nome do banco-

sacado, considera-se lugar do pagamento o primeiro deles319. Por fim, na

ausência de indicação especial do lugar do pagamento e omissa a cártula até

mesmo junto ao nome do sacado, o cheque é pagável no local da emissão320.

O quinto requisito legal é a indicação do local da emissão, ou seja, o ―lugar

de emissão‖, na linguagem do art. 1º, inciso V, in fine, da Lei nº 7.357/1985. A

ausência da indicação do lugar da emissão, entretanto, não descaracteriza o

cheque enquanto título de crédito: na falta de designação específica do local da

318

De acordo, na doutrina: ―O cheque não tem o poder liberatório da moeda. Ninguém é obrigado a receber cheque em pagamento, pois só a moeda tem curso forçado.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, p. 389). 319

Cf. art. 2º, inciso I, segunda parte, da Lei nº 7.357/1985. 320

Cf. art. 2º, inciso I, in fine, da Lei nº 7.357/1985.

118

118

emissão, considera-se emitido o cheque no lugar indicado ao lado do nome do

emitente-sacador321.

O sexto requisito legal é a data da emissão, ou seja, ―a indicação da data‖,

na linguagem do art. 1º, inciso V, proêmio, da Lei nº 7.357/1985. À luz do preceito

legal, combinado com o art. 6º da Resolução nº 1.682/1990, a ausência da data da

emissão é considerada ―erro formal‖ e é motivo para a devolução do cheque322.

O dia e o ano da data da emissão podem ser grafados em forma numérica.

Já o mês deve ser grafado por extenso, em cumprimento ao disposto tanto no

Decreto nº 22.393/1933, quanto no artigo 6º, nº 31, da Resolução nº 1.682/1990,

do Conselho Monetário Nacional323. É certo que autorizada doutrina afasta a

vigência do Decreto nº 22.393, ao fundamento da revogação por força da Lei nº

7.357/1985324. Não obstante, ao menos a Resolução nº 1.682/1990 vigora e é

aplicável à espécie, por força do artigo 69 da Lei nº 7.357/1985. Daí a conclusão:

o mês da data da emissão deve ser grafado por extenso, sob pena de o

documento não ter valor jurídico de cheque325.

Ainda em relação à data da emissão, é elemento essencial para fixar o

prazo para a apresentação do cheque e, por conseguinte, o prazo da respectiva

prescrição executiva. O cheque deve ser apresentado para pagamento perante o

banco-sacado dentro de trinta dias da data da emissão, quando emitido no mesmo

321

Cf. art. 2º, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 322

Cf. Resolução nº 1.682, de 1990, art. 6º, motivo 31, in verbis: ―31 - Erro formal (sem data de emissão, com o mês grafado numericamente, ausência de assinatura, não registro do valor por extenso);‖ (sem o grifo no original). 323

―31 - Erro formal (sem data de emissão, com o mês grafado numericamente, ausência de assinatura, não registro do valor por extenso);‖ (sem o grifo no original). 324

Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23ª ed., 2011, p. 310, in verbis: ―A designação do mês, na data da emissão do cheque, antes da edição da Lei n. 7.357/85, deveria ser feita obrigatoriamente por extenso, em virtude do Decreto n. 22.393, de 1933. Após a entrada em vigor da atual Lei do Cheque, esta obrigatoriamente foi revogada. Este, contudo, não é o entendimento de Fran Martins, para quem permanece em pleno vigor o mencionado Decreto de 1933 e, portanto, a obrigatoriedade de lançamento do mês por extenso.‖ (sem o grifo no original). 325

De acordo, na jurisprudência: ―APELAÇÃO - EXECUÇÃO - CHEQUE - MÊS NÃO LANÇADO POR EXTENSO - AUSÊNCIA DE REQUISITO DE VALIDADE DO TÍTULO. - Para que o cheque tenha validade de título executivo, a data deverá ser completa, com dia, mês e ano, sendo o mês lançado por extenso. - Apelação não provida.‖ (Apelação nº 463.295-7, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de agosto de 2005). Por oportuno, vale ressaltar que o acórdão foi proferido por unanimidade de votos e que a eminente Desembargadora-Vogal Evangelina Castilho Duarte evocou o Decreto nº 22.393/1933 como razão de decidir, in verbis: ―A data deve indicar o dia, mês e ano, devendo o nome do mês ser escrito por extenso conforme determinação do Decreto n. 22.393, de 25 de janeiro de 1933.‖ (sem o grifo no original).

119

119

lugar do pagamento326. Emitido o cheque em lugar diverso do local do

pagamento327, o prazo para apresentação é de sessenta dias da data da

emissão328. Decorrido in albis o prazo de apresentação, o credor-beneficiário

perde o direito de executar os coobrigados, quais sejam, os endossantes e os

respectivos avalistas329, e até mesmo o direito de executar o próprio emitente-

sacador que tinha fundos disponíveis durante o prazo da apresentação, mas

deixou de tê-los em razão de fato alheio à sua vontade330-331. No mais, o cheque é

pagável pelo sacado até mesmo depois do prazo de apresentação332, desde que

não verificada a prescrição333, a qual também é até motivo de devolução do

cheque334-335.

A prescrição executiva ocorre com o decurso do prazo de seis meses do

término do prazo de apresentação, conforme o enquadramento do caso concreto

em uma ou em outra hipótese do art. 33 da Lei nº 7.357/1985. Se o local do

pagamento é o mesmo da emissão, o prazo de seis meses corre do término dos

trinta dias disponíveis para apresentação; se o lugar do pagamento for diverso do

local da emissão, o prazo de seis meses corre somente depois do decurso dos

sessenta dias para a apresentação. Por conseguinte, a data da emissão constante

do título tem enorme relevância jurídica tanto em relação ao período disponível

para a apresentação do cheque quanto para a prescrição da execução fundada no

326

Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 327

Vale dizer, em outro Município, em outro Estado-membro ou em País diverso. 328

Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 329

Cf. art. 47, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 330

Cf. art. 47, § 3º, da Lei nº 7.357/1985. 331

De acordo com o texto do parágrafo, há autorizada doutrina: ―A não apresentação do cheque nos prazos previstos (30 e 60 dias) surte os seguintes efeitos: (1º) o beneficiário ou portador perde o direito de regresso contra endossantes e respectivos avalistas; (2º) o beneficiário ou portador perde também o direito de execução contra o emitente ou sacador, se este tinha fundos disponíveis durante o prazo de apresentação e os deixou de ter, em razão de fato que não lhe seja imputável (art. 47, § 3º)‖ (Osmar Brina Corrêa-Lima. Cheque. Revogação (contraordem) e oposição. 2009, p. 2). 332

Cf. art. 35, parágrafo único, in fine, da Lei nº 7.357/1985. 333

Cf. arts. 47 e 59, ambos da Lei nº 7.357/1985. 334

Cf. art. 6º, motivo nº 44, da Resolução nº 1.682, de 1990. 335

Em sentido contrário à opinião defendida no presente compêndio, o Professor Rubens Requião sustenta a respeitável tese de que o cheque é pagável pelo banco até mesmo depois da ocorrência da prescrição (Curso de direito comercial. Volume II, 18ª ed., 1992, nº 667, p. 434). Não obstante, à vista dos arts. 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985, com o reforço do art. 6º, número 44, da Resolução nº 1.682, de 1990, preserva-se a opinião defendida no texto principal: decorrido o prazo prescricional, o banco-sacado já não pode efetuar o pagamento do cheque prescrito.

120

120

art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, e nos arts. 47 e 59 da Lei nº

7.357/1985.

De volta aos requisitos legais, o cheque deve conter a assinatura do

emitente-sacador ou do respectivo mandatário com poder especial na

procuração336. Além da assinatura de próprio punho, também é admissível o

lançamento de assinatura mecânica ou de forma equivalente337. A propósito, o

relativamente incapaz338 também pode subscrever cheque, desde que formalizada

a respectiva assistência perante o banco-sacado. Em qualquer caso, o cheque

deve ser preenchido e subscrito mediante caneta, independe da cor da tinta. Com

efeito, não há norma legal nem infralegal com indicação da cor da tinta a ser

utilizada no preenchimento de cheque339.

Por fim, além da assinatura, o cheque deve conter alguma identificação

numérica do emitente-sacador, como o número da sua Cédula de Identidade, da

inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas, do Título Eleitoral ou da Carteira

Profissional, tendo em vista a exigência inserta no art. 3º da Lei nº 6.268/1975.

7. Cheque nominativo e cheque ao portador

Por força do art. 69 da Lei nº 9.069/1995, cheque de valor igual ou inferior a

R$ 100,00 (cem reais) pode ser ao portador. Em contraposição, os cheques de

valor superior a R$ 100,00 devem ser nominais, vale dizer, com a identificação do

credor-beneficiário, ex vi do art. 69 da Lei nº 9.069/1995:

―Art. 69. A partir de 1º de julho de 1994, fica vedada a emissão,

pagamento e compensação de cheque de valor superior a R$

100,00 (cem REAIS), sem identificação do beneficiário‖.

Em reforço, dispõe o art. 1º da Circular nº 2.444/1994 do Banco Central:

336

Cf. art. 1º, inciso VI, da Lei nº 7.357/1985. 337

Cf. art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 7.357/1985. 338

Vale dizer, o menor com mais de 16 anos e menos de 18 anos. 339

Não obstante, as cartilhas bancárias sugerem o preenchimento dos cheques mediante caneta de cor preta ou azul.

121

121

―Art. 1º. Os cheques de valor superior a R$100,00 (cem reais),

emitidos sem a identificação do beneficiário, acaso encaminhados

ao Serviço de Compensação de Cheques e Outros Papéis,

deverão ser devolvidos, a qualquer tempo, pelo motivo ‗48 -

cheque emitido sem a identificação do beneficiário - acima do

valor estabelecido‘‖.

No mais das vezes, portanto, os cheques são nominativos, já que apenas

os títulos cujas quantias sejam iguais ou inferiores a R$ 100,00 (cem reais)

dispensam a identificação do credor-beneficiário.

Não obstante, a omissão em relação ao nome do beneficiário pode ser

sanada pelo próprio credor, o qual pode preencher o espaço destinado à indicação

do nome do credor, consoante autoriza o enunciado nº 387 da Súmula do

Supremo Tribunal Federal.

Por fim, ainda que devolvido o cheque por falta de identificação do

beneficiário, é admissível a reapresentação do título ao banco-sacado, desde que

indicado o nome do credor, ex vi do parágrafo único do art. 1º da Circular nº

2.444/1994: ―Será permitida a reapresentação dos cheques de que trata o caput

deste artigo, desde que cumprida a exigência legal de identificação do

beneficiário‖.

8. Cheque e pagamento de salário

É juridicamente possível o pagamento de salário mediante cheque, desde

que seja concedido ao empregado o tempo necessário para a liquidação ou o

depósito bancário no mesmo dia. A propósito, merece ser prestigiado o

precedente normativo nº 117 do Tribunal Superior do Trabalho: ―Se o pagamento

do salário for feito em cheque, a empresa dará ao trabalhador o tempo necessário

para descontá-lo, no mesmo dia‖.

9. Cheque sem provisão de fundos e desconto no salário do empregado

122

122

No que tange ao abatimento no salário do empregado que recebe cheque

sem provisão de fundos no estabelecimento empresarial, o desconto é

juridicamente possível, mas só se o empregado deixou de observar as orientações

do empregador relativas ao recebimento de cheque de clientes. O Tribunal

Superior do Trabalho julgou a vexata quaestio em duas oportunidades, quando

firmou o seguinte entendimento: o empregado não pode sofrer redução no salário

em razão de recebimento de cheque sem provisão de fundos, salvo se recebeu o

título sem as cautelas estabelecidas pelo empregador. Assim dispõe a orientação

jurisprudencial nº 251: ―É lícito o desconto salarial referente à devolução de

cheques sem fundos, quando o frentista não observar as recomendações

previstas em instrumento coletivo‖. Reforça o precedente normativo nº 14: ―Proíbe-

se o desconto no salário do empregado dos valores de cheques não

compensados ou sem fundos, salvo se não cumprir as resoluções da empresa‖.

10. Cheque e aceite

À luz do art. 6º da Lei nº 7.357/1985, o cheque não comporta aceite. Por

conseguinte, é ineficaz qualquer cláusula lançada no título com o teor de aceite ou

com referência a aceite.

11. Cheque e endosso

11.1. Generalidades

Em regra, o cheque é transmissível mediante endosso. Na verdade, o

cheque é endossável quando há a cláusula ―à ordem‖ expressa na cártula e

também quando o título é omisso, sem nada dispor sobre o endosso. Com efeito,

presume-se que o cheque é título ―à ordem‖, independentemente da existência da

respectiva cláusula no bojo da cártula. A regra da possibilidade de lançamento de

123

123

endosso em cheque reside nos arts. 8º, inciso I, e 17, caput, ambos da Lei nº

7.357/1985. Daí a possibilidade jurídica de endossos nos cheques em geral340.

Em contraposição, há vedação de endosso quando o cheque contém a

cláusula ―não à ordem‖, prevista no art. 17, § 1º, da Lei nº 7.357/1985. Diante da

existência da cláusula ―não à ordem‖ ou outra equivalente lançada no cheque341, a

transmissão do título só pode ocorrer mediante cessão civil de crédito342, também

denominada ―cessão ordinária de crédito‖, a qual não se confunde com o endosso.

Enquanto o endosso é instituto de direito cambiário, a cessão de crédito é instituto

do direito civil propriamente dito. Sob outro prisma, o endosso é ato unilateral de

vontade, enquanto a cessão civil é contrato bilateral343. À vista do art. 21 da Lei nº

7.357/1985, o endosso torna o endossante coobrigado pelo pagamento do

cheque, o que não ocorre na cessão civil de crédito, ex vi do art. 296 do Código

Civil. À luz do art. 290 do Código de 2002, o devedor precisa ser comunicado da

transferência do crédito objeto da cessão civil mediante notificação, a qual é

dispensável para que o endosso tenha eficácia. Por fim, na cessão civil de crédito,

o devedor acionado pelo cessionário pode suscitar as defesas existentes contra o

cedente, com fundamento no art. 294 do Código Civil. Já o endossatário é

protegido pelo princípio da inoponibilidade das exceções pessoais, em virtude da

combinação do art. 25 da Lei nº 7.357/1985, com o art. 916 do Código Civil.

No que tange ao endosso parcial e ao endosso pelo próprio banco-sacado,

ambos são vedados por força do § 1º do art. 18 da Lei nº 7.357/1985. Sem dúvida, 340

Vale lembrar, por oportuno, que na vigência do art. 17, inciso I, da Lei nº 9.311, de 1996, e do item 7 do Anexo V da Carta-Circular nº 3.173, de 2005, do Banco Central, somente era permitido um endosso nos cheques pagáveis no Brasil. Cheque com mais de um endosso era devolvido por irregularidade consubstanciada no motivo nº 36: ―cheque emitido com mais de um endosso – Lei nº 9.311/96‖ (Carta-Circular nº 3.173, Anexo V, item 7, de 2005). Não obstante, tanto a Lei nº 9.311 quanto a Carta-Circular nº 3.173 foram revogadas, por força da insubsistência da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira – CPMF. A propósito, vale conferir o seguinte trecho do voto que fundamenta recente acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―Ressalte-se que a então vigente Lei 9311/96, em seu art. 17, visando evitar a evasão de divisas em decorrência da CPMF dispunha que ‗somente é permitido um único endosso nos cheques pagáveis no país‘, o que uma vez mais impossibilitava o saque na forma pretendida.‖ (Apelação nº 1.0209.03.030389-2/001, 14ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 17 de março de 2009). 341

Por exemplo, ―proibido o endosso‖, ―não endossável‖. 342

De acordo, na doutrina: ―É preciso ficar atento para o fato de que a cláusula não à ordem não impede a transferência do crédito; apenas impede que se faça pela forma simplificada, isto é, por mero endosso, exigindo das partes interessadas na transmissão (na sucessão subjetiva) que recorram ao procedimento da cessão de crédito.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 255). 343

De acordo, na doutrina: ―São os dois institutos, de fato, inconfundíveis, pois o endosso é o ato unilateral de declaração de vontade que impõe forma escrita, ao passo que a cessão é um contrato bilateral, que pode concluir-se de qualquer forma.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 331).

124

124

o endosso parcial e o endosso pelo banco-sacado são nulos ex vi legis: ―§ 1º São

nulos o endosso parcial e o do sacado‖.

No que tange à forma de lançamento, o endosso pode ser lançado na face

do cheque, no verso do título ou na folha de alongamento, sempre acompanhado

da assinatura do endossante ou do respectivo procurador com poder especial,

tudo nos termos do art. 19, caput, da Lei nº 7.357/1985. Na verdade, só o endosso

em preto pode ser lançado na face, no verso ou no alongamento, com a respectiva

identificação do endossatário. Já o endosso em branco, isto é, sem a designação

do endossatário, só pode ser lançado no verso do cheque ou na folha de

alongamento, tendo em vista o disposto no art. 19, § 1º, da Lei nº 7.357/1985.

Por fim, o art. 20 da Lei nº 7.357 revela que o endosso transmite todos os

direitos resultantes do cheque344, embora o endossante continue obrigado a

garantir o pagamento, por ser responsável pela solvência do devedor principal, ou

seja, do emitente-sacador do cheque. Não obstante, o art. 21 da Lei nº 7.357

estabelece que o endossante não responde pelo pagamento do cheque quando

há estipulação expressa em sentido contrário: por exemplo, quando o endossante

lança no título a cláusula ―sem garantia‖345.

11.2. Cheque, endosso e terceiro de boa-fé

À vista dos princípios da autonomia, da abstração e da inoponibilidade das

exceções, as obrigações jurídico-cambiais subsistem a despeito da existência de

alguma nulidade na relação jurídica primitiva, razão pela qual o terceiro de boa-fé

que não participou da relação obrigacional anterior está protegido das eventuais

nulidades que contaminaram a relação jurídica pretérita. Por conseguinte, só há

lugar para a discussão da causa do título e para a oposição de exceções entre as

344

Vale dizer, a posse e também a propriedade do título. 345

De acordo, na doutrina: ―O endossante, é claro, torna-se co-devedor do título e está sujeito à execução, caso o cheque seja devolvido pelo banco sacado por insuficiência de fundos. O endosso do cheque admite a cláusula ‗sem garantia‘, pela qual o endossante não assume, em relação ao título, nenhuma responsabilidade cambial.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 438).

125

125

partes originárias, sem atingir o terceiro de boa-fé titular superveniente do crédito

representado na cártula.

Resta saber quando surgem a autonomia, a abstração e a inoponibilidade

das exceções: no momento da circulação do título de crédito, a fim de proteger o

terceiro de boa-fé de eventual nulidade existente na relação jurídica originária.

Em respeito aos princípios norteadores do direito cambiário, é lícito concluir

que o emitente do cheque não dispõe de exceções pessoais cabíveis em relação

ao credor originário quando é acionado por terceiro endossatário de boa-fé. Em

abono, merece ser prestigiado o preciso enunciado nº 6 aprovado pelos

Desembargadores da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná:

―Colocado o cheque em circulação, não é possível opor exceções pessoais do

devedor originário ao terceiro de boa-fé‖. Na mesma esteira, também vale conferir

o correto enunciado nº 10.2 aprovado pelos Juízes das Turmas Recursais do

Paraná, in verbis: ―Cheque – endosso – cobrança de terceiro de boa-fé: O

emitente do título não pode opor exceções pessoais ao portador de boa-fé não

integrante do negócio subjacente‖.

É certo que o emitente ainda poderá suscitar vícios formais, como a falta da

data da emissão e falsidade da assinatura do sacador, além da prescrição, mas

não poderá ressuscitar vícios substanciais provenientes do negócio originário em

relação ao terceiro de boa-fé.

12. Cheque e aval

O aval é a declaração unilateral de vontade de uma pessoa que garante,

em prol do devedor originário ou de coobrigado, o pagamento de algum título de

crédito. Há lugar para aval no cheque, desde que o avalista não seja o banco-

sacado. Sem dúvida, à vista do art. 29 da Lei nº 7.357/1985, o banco-sacado não

pode ser avalista do emitente-sacador.

O aval pode garantir tanto o pagamento integral quanto o pagamento

parcial do cheque. Com efeito, o art. 29 da Lei nº 7.357 autoriza o lançamento do

126

126

denominado ―aval parcial‖. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 39

aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―É

admitido o aval parcial para os títulos de crédito regulados em lei especial‖.

Ressalvado o aval parcial, o qual torna o avalista responsável apenas em

relação à parte objeto do aval, o avalista é responsável pelo pagamento do

cheque tal como o avalizado, tendo em vista a regra consagrada no caput do art.

31 da Lei nº 7.357/1985: ―O avalista se obriga da mesma maneira que o avalizado.

Subsiste sua obrigação, ainda que nula a por ele garantida, salvo se a nulidade

resultar de vício de forma‖.

No que tange às modalidades, o aval pode ser em preto ou em branco,

conforme haja a identificação do avalizado, ou não. Se lançado em branco, ou

seja, sem a identificação do avalizado, o aval é tido como dado ao emitente-

sacador do cheque, ex vi do art. 30, parágrafo único, da Lei nº 7.357/1985.

Por fim, o aval pode ser lançado na face do cheque, no verso do título e na

folha de alongamento, desde que o avalizado seja identificado, nos termos do art.

30, caput e parágrafo único, da Lei nº 7.357/1985. Já a simples assinatura sem

designação do avalizado só tem valor jurídico de aval se lançada na face do

cheque. Sem dúvida, à vista do art. 30, caput, in fine, simples assinatura lançada

no verso do cheque não é considerada aval, mas, sim, endosso346.

13. Cheque visado

O cheque visado consiste no lançamento de ―visto‖ pelo banco-sacado no

verso de título nominativo que ainda não foi endossado, após a verificação da

existência de fundos disponíveis para o pagamento da quantia expressa na

cártula, com a imediata reserva da respectiva importância durante o prazo legal de

apresentação347.

346

Assim, na jurisprudência: ―Cheque - Aval - Endosso - Lei 7357/85. Nos termos da vigente lei, considera-se aval a assinatura lançada no anverso do cheque. Como tal valerá também a aposta no verso, desde que acompanhada da expressão ‗'por aval‘' ou equivalente (art. 30). A firma constante do verso do cheque, sem outras explicações, corresponde a endosso (art. 19 § 1º).‖ (REsp nº 5.544/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 8 de abril de 1991). 347

Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985.

127

127

Por força do art. 7º da Lei nº 7.357/1985, a aposição do ―visto‖ pelo banco-

sacado pode ser solicitada tanto pelo emitente-sacador quanto pelo credor-

beneficiário designado no título. Aliás, o ―visto‖ só pode ser lançado em cheque

nominal.

Após a solicitação do ―visto‖ pelo emitente-sacador ou pelo credor-

beneficiário, o gerente do banco-sacado realiza a conferência da existência de

fundos e faz a reserva da quantia indicada no título, com o respectivo débito na

conta do emitente-sacador. A quantia fica reservada no banco-sacado durante o

prazo disponível para a apresentação do cheque: trinta ou sessenta dias,

conforme as hipóteses do art. 33 da Lei nº 7.357/1985. Daí a conclusão: o ―visto‖

lançado pelo banco-sacado assegura ao credor-beneficiário do cheque tanto a

existência de fundos quanto a reserva da importância. Decorrido o prazo do art. 33

da Lei nº 7.357, entretanto, a quantia reservada retorna para o emitente-sacador,

com o crédito da importância na respectiva conta bancária, por força do art. 7º, §

2º, proêmio, do mesmo diploma legal. Com efeito, a reserva subsiste até o término

do prazo de apresentação do cheque, qual seja, o previsto no art. 33 da Lei nº

7.357/1985.

Ao contrário do que pode parecer, o ―visto‖ não equivale a ―aceite‖, o qual,

aliás, é vedado por força do art. 6º da Lei nº 7.357/1985. Ainda que lançado o

―visto‖, as relações e as obrigações cambiais originárias subsistem intactas348,

com a responsabilidade principal do emitente-sacador e as responsabilidades

solidárias do endossante e dos avalistas, tudo nos termos dos arts. 15, 21 e 29 da

Lei nº 7.357/1985, respectivamente. Sem dúvida, o ―visto‖ não significa que o

banco-sacado aceitou pagar a quantia em seu próprio nome, independentemente

da existência de fundos disponíveis na conta do emitente-sacador. Na verdade, o

―visto‖ significa que o banco-sacado verificou a existência de fundos na conta do

emitente-sacador, bem como reservou a quantia necessária para o pagamento da

importância expressa no título. Em virtude da prestação dos serviços de

certificação e de reserva, pode o banco-sacado cobrar a tarifa correspondente. 348

De acordo, na doutrina: ―O visto do cheque não exonera o emitente, endossantes e demais devedores, e não importa nenhuma obrigação cambial do banco sacado.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 440).

128

128

Por fim, responde o banco-sacado pela inexistência de fundos na data do

lançamento do ―visto‖, bem como pela superveniente ausência da respectiva

quantia durante o prazo legal de apresentação, por falta de reserva. Resta saber

se a responsabilidade do banco-sacado é cambial ou civil, porquanto a natureza

da responsabilidade interfere na adequação da via processual admissível contra o

banco-sacado: imediata execução349 ou prévia demanda cognitiva350? Trata-se de

vexata quaestio, porquanto há autorizada doutrina em prol de ambas as teses.

Ainda que muito respeitável a tese favorável à execução imediata do banco-

sacado, o art. 47 da Lei nº 7.357 só autoriza a execução fundada em cheque

contra o emitente, o endossante e os respectivos avalistas; não há referência

alguma ao banco-sacado, o qual também não pode ser considerado avalista (art.

29, in fine). Por conseguinte, a obrigação proveniente do § 1º do art. 7º não se

confunde com a obrigação cambiária autorizadora da execução imediata (art. 47).

Daí a justificativa para a defesa da segunda tese, qual seja, em favor da

necessidade de prévia demanda cognitiva351.

14. Cheque marcado

349

Segundo o Professor Gladston Mamede, a responsabilidade é de natureza cambial e enseja imediata execução até mesmo contra o banco-sacado: ―De qualquer sorte, como estabelecido no art. 7º, § 1º, a aposição do visto ou certificação no cheque, visando-o, obriga o banco sacado, que passa a ter que garantir (um dever, portanto), durante o prazo de apresentação (e não além desse), o pagamento do cheque, seja apresentado ao caixa, seja apresentado à câmara de compensação. Essa responsabilidade específica pelo pagamento não exonera a obrigação própria do sacador e dos demais coobrigados eventualmente existentes, a exemplo do avalista. Haverá, entre todos, uma obrigação solidária para com o pagamento, podendo o credor escolher qual ou quais executará. Aliás, diante do visto e/ou certificação, a responsabilidade do banco pelo pagamento do valor sacado só não é prejudicial à responsabilidade do próprio sacador e, havendo, de seu avalista.‖ (Títulos de crédito. 2003, p. 258). 350

Segundo o Professor Fábio Ulhoa Coelho, a responsabilidade é de natureza comum e não enseja execução imediata, porquanto depende da propositura de ação de conhecimento: ―Claro está que, se o banco não proceder à obrigação legal de reservar, da conta do correntista, numerário suficiente para a liquidação do cheque visado, responderá pelo pagamento do cheque ao credor, se os fundos não existiam ou deixaram de existir. Isto não significa, contudo, que o sacado do cheque tenha alguma obrigação cambial, posto que se trata, no caso, de responsabilidade decorrente da inobservância de determinação legal e não do título de crédito. Tanto é assim que o sacado não poderá ser protestado, nem executado, nesta hipótese, cabendo ao credor apenas ação declaratória. Uma vez condenado a pagar o cheque irregularmente visado, o banco terá direito de regresso contra o seu emitente.‖ (Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 275 e 276). ―A instituição financeira somente poderá ser responsabilizada, se deixou de proceder à reserva que a lei determina, mas isso não em decorrência do direito cambiário, mas sim pelas normas gerais de responsabilidade civil, por ato culposo.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 440). 351

Cf. nota anterior.

129

129

Antes do advento da Lei nº 7.357/1985, existia o denominado ―cheque

marcado‖, cuja característica principal era a possibilidade de o banco-sacado

marcar data futura para a liquidação do cheque, mediante o lançamento das

expressões ―bom para‖, ―para o dia‖ ou outra equivalente, com a consequente

conversão do cheque em ordem de pagamento a prazo.

Com a superveniência da Lei nº 7.357/1985, entretanto, o cheque marcado

foi abolido do direito pátrio, em razão da incompatibilidade com o disposto no art.

32 do atual diploma de regência do cheque.

15. Cheque cruzado

O cheque cruzado está regulado nos arts. 44 e 45 da Lei nº 7.357/1985,

segundo os quais o cruzamento consiste na simples aposição de dois traços

paralelos (oblíquos352, consoante o costume353), lançados na face do título, quer

pelo emitente-sacador, quer pelo credor-beneficiário, a fim de que o pagamento

seja feito mediante crédito em conta bancária354, e não de forma direta, em

dinheiro, com maior proteção tanto para o emitente-sacador quanto para o credor-

beneficiário, em razão da possibilidade da fácil identificação da pessoa

beneficiada pelo pagamento355. Tanto pela segurança quanto pela simplicidade da

aposição do cruzamento, o cheque cruzado é muito comum na prática.

352

Assim, na jurisprudência: ―Estão oblíquamente traçadas, no contêxto do cheque, duas retas paralelas‖ (trecho extraído do voto proferido pelo Ministro Hahnemann Guimarães no Habeas Corpus nº 37.463/DF, perante o Pleno do STF, com a posterior publicação na RTJ, volume 13, p. 256). 353

No mesmo sentido, na doutrina: ―O cruzamento consiste na aposição de dois traços paralelos na face (no anverso) do título. Habitualmente, esses traços são grafados em diagonal, com inclinação para a direita; é um costume, não uma exigência.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 259). 354

De acordo, na jurisprudência: ―O pagamento de cheque cruzado tem de ser feito a um banco.‖ (HC nº 37.463/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 17 de abril de 1961, p. 35). Colhe-se do voto proferido pelo Ministro Hahnemann Guimarães: ―Seja como for, não podia o tomador dêsse cheque exigir o pagamento, já que o pagamento tinha de ser feito a um banco, por ser esta uma formalidade necessária, característica, do cheque cruzado‖. 355

Assim, na jurisprudência: ―O cruzamento se destina a evitar que o cheque possa cair em mãos de pessoas desonestas, evitando-se, assim, que o cheque possa ser pago a um ladrão.‖ (trecho extraído do voto proferido pelo Ministro Hahnemann Guimarães no HC nº 37.463/DF, perante o Pleno do STF, com a posterior publicação na RTJ, volume 13, p. 256). De acordo, na doutrina: ―O cruzamento destina-se a tornar segura a liquidação de cheques ao portador, uma vez que, cruzado o título, será possível identificar-se a pessoa em favor de quem o cheque foi liquidado. É faculdade exclusiva do portador (beneficiário) e do sacador (emitente), mediante aposição de dois traços paralelos no anverso do título.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 446).

130

130

O cruzamento pode ser geral356 ou especial357, bem como pode ser feito

pelo emitente-sacador e pelo credor-beneficiário, tudo nos termos do art. 44,

caput, proêmio, da Lei nº 7.357/1985.

O cruzamento geral ocorre com o lançamento dos dois traços sem

indicação alguma entre os mesmos ou, quando muito, apenas o termo genérico

―banco‖, sem a designação da instituição bancária. Por conseguinte, o cheque

com cruzamento geral pode ser pago mediante crédito em conta corrente de

qualquer banco.

Já o cruzamento especial se dá quando há a indicação do banco, razão

pela qual o cheque só pode ser pago mediante crédito em conta na instituição

bancária designada entre os dois traços lançados na face do título (art. 45, caput,

segunda parte)358. Não obstante, o banco indicado pode incumbir outra instituição

bancária da liquidação do cheque, por meio de endosso-mandato, na

eventualidade de o credor-beneficiário não ter conta corrente no banco designado

no cruzamento especial (arts. 26, caput, e 45, caput, in fine e § 2º).

Por fim, a inutilização do cruzamento — tanto do geral quanto do especial

— não tem eficácia jurídica alguma (art. 44, § 3º); mas o cruzamento geral pode

ser convertido em especial, pela simples designação do nome do banco entre os

dois traços paralelos (art. 44, § 2º). A indicação do nome do banco pode ser feita

tanto pelo emitente-sacador quanto pelo credor-beneficiário (art. 44, caput,

proêmio, e § 2º).

16. Cheque para ser creditado em conta

O art. 46 da Lei nº 7.357 versa sobre o cheque para ser creditado em conta

bancária, diante da inscrição transversal no anverso do título da cláusula ―para ser

creditado em conta‖, a qual pode ser lançada pelo emitente-sacador e pelo credor-

356

Isto é, em branco. 357

Vale dizer, em preto ou nominal. 358

De acordo, na doutrina: ―Já, se for especial o cruzamento, o cheque somente poderá ser pago ao banco mencionado no interior dos traços; e, assim, o tomador deverá procurar exatamente a instituição financeira designada no cruzamento e contratar dela os serviços de recebimento do respectivo valor.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 441).

131

131

beneficiário do cheque, com o consequente impedimento ao pagamento em

dinheiro, mas somente por algum meio de lançamento contábil: crédito em conta,

transferência ou compensação. Eis um exemplo: para ser creditado na conta

bancária 111.111 da agência 2222 do banco X. Trata-se, todavia, de espécie

pouco utilizada na prática bancária.

17. Cheque administrativo

O cheque administrativo está previsto no inciso III do art. 9º da Lei nº

7.357/1985. É o cheque emitido contra o próprio banco-sacador. Daí a justificativa

para as denominações ―cheque bancário‖, ―cheque de tesouraria‖, ―cheque de

direção‖ e ―cheque de caixa‖, porquanto o título de crédito é emitido pelo banco

contra si mesmo, ou seja, contra o próprio caixa. Por conseguinte, o sacado e o

sacador do cheque administrativo são a mesma pessoa jurídica: o banco.

Como o emitente-sacador é o próprio banco-sacado, o cheque

administrativo ocasiona maior proteção para o credor-beneficiário, tendo em vista

a alta probabilidade de o banco-emitente efetuar o pagamento do respectivo

crédito359. Ainda em prol da segurança do instituto, o cheque administrativo só

pode ser nominal, razão pela qual é imprescindível a identificação do credor-

beneficiário no bojo do título, por força do art. 9º, inciso III, in fine, da Lei nº

7.357/1985.

Trata-se, à evidência, de serviço prestado pelas instituições bancárias. Em

razão da prestação do serviço consubstanciado na emissão do cheque

administrativo, é legítima a cobrança de tarifa bancária. Daí a explicação para

359

De acordo, na doutrina: ―Como facilmente se verifica, a emissão do cheque pelo banco, ordenando-se a pagar ao beneficiário nomeado determinada importância, é modalidade negocial que tem nítido objetivo de servir de instrumento de segurança para as transações, pressupondo o mercado que, como o cheque é emitido pelo próprio banco, sacando contra seu próprio caixa, são menores as chances de inadimplência.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 256). ―Serve essa modalidade de cheque ao aumento da segurança no ato de recebimento de valores. O vendedor de imóvel, ao outorgar a escritura ao comprador, em negócio à vista, normalmente exige o pagamento em cheque administrativo de banco de primeira linha, porque a probabilidade de esse título não ter fundos é remotíssima.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 11ª ed., 2007, p. 441).

132

132

outra denominação também conferida ao cheque administrativo: ―cheque

comprado‖360.

Por fim, o cheque administrativo pode ser adquirido por cliente do banco e

também por terceiro, para a posterior realização do pagamento em prol de outrem

ou até do próprio adquirente, o qual, por sua vez, pode endossar o título a outrem

ou efetuar a respectiva liquidação em seu próprio favor.

18. Cheque de viagem

O cheque de viagem, também denominado ―cheque de viajante‖, ―cheque

de turismo‖ e ―traveller’s check‖, é o título de crédito consubstanciado em ordem

de pagamento à vista proveniente do próprio banco-sacado ou instituição

financeira equiparada e que tem como beneficiário original o respectivo

adquirente, o qual também deve subscrever a cártula no ato da aquisição,

acompanhado de gerente ou de outro preposto do banco-emitente, bem como no

momento da utilização do cheque, quando lança a segunda assinatura na cártula.

O viajante, portanto, não precisa transportar dinheiro nem correr os riscos daí

provenientes: extravio, furto, roubo.

No que tange à natureza jurídica do cheque de viagem, trata-se de

verdadeira espécie de cheque administrativo, porquanto o beneficiário adquire

cheque a ser pago por banco ou instituição financeira equiparada361.

Não obstante, o cheque de viagem tem características específicas que o

diferenciam do cheque administrativo propriamente dito. A primeira peculiaridade

do cheque de viagem reside no lançamento de duas assinaturas do adquirente-

beneficiário. Com efeito, no ato da aquisição do cheque de viagem, o adquirente-

360

De acordo, na doutrina: ―A expressão cheque comprado revela o outro lado desse negócio, deixando claro que a instituição bancária faz tal emissão como um tipo de serviço que presta ao mercado e à sociedade, mas pelo qual cobra tarifa específica. O cheque pode ser emitido a favor de – e, portanto, pode ser comprado por – pessoa que seja ou não cliente do banco.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 256). 361

―CHEQUE DE VIAJANTE. (Ing. traveller’s check) Dir. Camb. Modalidade de cheque administrativo, empregado para ter curso entre praças de países diversos, para facilitação das pessoas em viagem.‖ (J. M. Othon Sidou. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 9ª ed., 2004, p, 148). ―Uma das espécies mais conhecidas de cheque administrativo, que possui algumas peculiaridades, é o cheque de viajante (traveller’s check).‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 276).

133

133

beneficiário deve lançar a respectiva assinatura na parte superior da cártula. Ao

utilizar o crédito proveniente do título, o credor deve lançar a segunda assinatura,

agora na parte inferior da cártula362.

Outra peculiaridade do cheque de viagem reside no valor, o qual é pré-

fixado e impresso na face da cártula. Cabe ao beneficiário escolher o valor e a

moeda de sua preferência no momento da aquisição do cheque de viagem.

Ao contrário dos cheques em geral, o cheque de viagem não está sujeito

aos prazos previstos nos artigos 33 e 57 da Lei nº 7.357, de 1985. A validade e a

eficácia do cheque de viagem são por tempo indeterminado, salvo disposição em

contrário estampada na própria cártula.

Por fim, o art. 66 da Lei nº 7.357 estabelece que o cheque de viagem segue

o disposto na legislação especial de regência, como a Instrução nº 237, de 1963.

19. Cheque especial

A expressão ―cheque especial‖ estampada no bojo de cheque não gera

nenhuma garantia adicional. O cheque continua a ser comum, sem nenhuma

qualidade especial.

Ressalvada a origem dos fundos disponíveis na conta corrente,

provenientes de empréstimo bancário mediante contrato de abertura de crédito,

quanto aos demais aspectos, não há diferença entre o denominado ―cheque

especial‖ e o cheque comum.

Sem dúvida, o denominado ―cheque especial‖ é título de crédito comum e

pode ser objeto de execução pelo credor-beneficiário em face do emitente, na

eventualidade da falta de provisão de fundos na respectiva conta corrente, sem

nenhuma obrigação cambiária por parte do banco-sacado.

362

Assim, na doutrina: ―Na presença do banqueiro, ou de funcionário seu, o emitente – após identificar-se – apõe a sua assinatura na parte superior do cheque, ali ficando ela registrada. A qualquer momento, em praça diferente ou na mesma praça, o viajante emite o cheque, identificando-se novamente e o assinando, ao pé, em lugar indicado. Conferindo a assinatura aposta anteriormente no alto do cheque, com a segunda assinatura lançada na parte inferior, de modo a permitir a sua conferência, está o cheque emitido pronto para ser pago.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. 18ª ed., 1992, p. 420).

134

134

O que há de diferente no cheque é o crédito utilizado pelo emitente,

proveniente de contrato de mútuo entre o banco-sacado e o correntista-sacador,

por meio do qual há a disponibilização de crédito em conta corrente, mas cuja

utilização implica juros a serem pagos pelo emitente, além do valor principal objeto

do mútuo bancário subjacente.

Em suma, a existência da cláusula ―cheque especial‖ no bojo da cártula não

traz nenhuma garantia especial para o beneficiário do cheque nem gera obrigação

alguma para o banco-sacado. O que há de diferente é a origem do crédito utilizado

pelo emitente, de propriedade do banco-sacado, motivo pelo qual aquele

(emitente) assume obrigação em relação ao último (banco-sacado), sujeita a juros

e demais ônus previstos no contrato de mútuo do crédito bancário.

20. Revogação ou contraordem

A revogação ou contraordem é o ato pelo qual o emitente de cheque

pagável no Brasil determina ao banco-sacado que não efetue o respectivo

pagamento após o decurso do prazo de apresentação previsto no art. 33 da Lei nº

7.357/1985. Com efeito, a contraordem não impede o pagamento do cheque

durante o prazo do art. 33, porquanto a revogação ―só produz efeito depois de

expirado o prazo de apresentação‖363.

Quanto à iniciativa, a contraordem só pode ser manifestada pelo emitente-

sacador do cheque, com fundamento no art. 35, caput, proêmio, da Lei nº

7.357/1985.

No que tange à forma, a contraordem deve ser escrita, com a comunicação

fundamentada dirigida ao banco-sacado mediante carta, notificação extrajudicial

ou notificação judicial364, conforme a escolha do emitente-sacador, tudo nos

termos do art. 35 da Lei nº 7.357/1985.

Além das vias disponíveis à luz do art. 35 da Lei nº 7.357/1985, o § 4º do

art. 3º da Resolução nº 2.747 do Conselho Monetário Nacional também autoriza a

363

Cf. art. 35, parágrafo único, da Lei nº 7.357/1985. 364

Cf. arts. 867 e 873 do Código de Processo Civil.

135

135

revogação por simples ligação telefônica e até por mensagem eletrônica, desde

que confirmadas, dentro de dois dias úteis, por meio de documento escrito e

assinado365.

Por fim, decorrido in albis o prazo de apresentação sem a expedição de

contraordem por parte do emitente-sacador, o cheque ainda continua pagável pelo

banco-sacado, desde que não ocorrida a prescrição semestral366. Após o decurso

tanto do prazo de apresentação quanto do prazo prescricional semestral, o banco-

sacado já não pode liquidar o cheque, porquanto os arts. 6º, número 44, e 12,

ambos da Resolução nº 1.631, do Conselho Monetário Nacional, estabelecem que

o cheque prescrito deve ser devolvido.

21. Oposição ou sustação

A oposição ou sustação é o ato pelo qual o emitente-sacador e o credor-

beneficiário podem impedir o pagamento do cheque, ainda que no curso do prazo

de apresentação. Ao contrário da revogação, portanto, a oposição tem efeito

imediato367. Não alcança, todavia, a sustação, cheque já liquidado368.

Por força do art. 36 da Lei nº 7.357/1985, a oposição deve ser manifestada

por escrito, com fundamentação em relevante razão de direito: extravio, furto,

roubo. Além das vias disponíveis à luz do art. 36, o § 4º do art. 3º da Resolução nº

365

―§ 4º Admite-se que as solicitações de sustação, de contra-ordem e de cancelamento de cheques sejam realizadas em caráter provisório, por comunicação telefônica ou por meio eletrônico, hipótese em que seu acatamento será mantido pelo prazo máximo de dois dias úteis, após o que, caso não confirmadas nos termos dos §§ 1º a 3º, deverão ser consideradas inexistentes pela instituição financeira‖. 366

Cf. arts. 35, parágrafo único, e 59, ambos da Lei nº 7.357/1985. De acordo, na doutrina: ―A revogação ou contra-ordem só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação e, não sendo promovida, pode o sacado pagar o cheque até que decorra o prazo de prescrição.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 451). ―Um cheque não-apresentado durante o prazo legal pode ser pago pelo sacado, desde que não se encontre prescrito e, evidentemente, haja suficiente provisão de fundos em seu poder (art. 35, parágrafo único).‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 279). 367

Assim, na jurisprudência: ―COMERCIAL. CHEQUE. OPOSIÇÃO. SUSTAÇÃO DE PAGAMENTO PELO BANCO SACADO. TEMPESTIVIDADE. LEI Nº 7.357/1985, ARTS. 34, 35 E 36. EXEGESE. I. Até o instante da efetiva liberação do numerário ou do creditamento em conta é possível ao banco sacado suspendê-lo, em atendimento a oposição realizada pelo emitente do cheque. II. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 178.369/MG,4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de dezembro de 2005, p. 386). 368

De acordo, na jurisprudência: ―Cheque. Oposição ao pagamento. Lei 7.357/85, art. 36. Efetuado o pagamento do cheque com o crédito ao beneficiário e o débito ao emitente, não é mais possível proceder-se eficazmente à oposição.‖ (REsp nº 178.453/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de agosto de 2000, p. 76).

136

136

2.747 do Conselho Monetário Nacional autoriza a oposição também mediante

telefone e por meio eletrônico, desde que confirmada por escrito dentro de dois

dias úteis369.

À vista do art. 36, § 2º, da Lei nº 7.357/1985, e do art. 3º, § 1º, da

Resolução nº 2.747/2000, não cabe ao banco-sacado decidir sobre a existência da

relevância da oposição, ou não370. Qualquer discussão acerca da inexistência de

relevância só pode ser veiculada perante o Poder Judiciário, único com jurisdição

para decidir eventual conflito de interesses371.

No que tange ao alcance, todos os cheques podem ser sustados, até

mesmo o cheque administrativo372.

Quanto à iniciativa, a oposição pode ser manifestada pelo emitente-sacador

e pelo credor-beneficiário. Não obstante, o emitente que já veiculou contraordem

não pode sustar o cheque, e vice-versa, porquanto os institutos ―se excluem

reciprocamente‖, por força do § 1º do art. 36 da Lei nº 7.357/1985. Daí a

necessidade da distinção dos institutos da revogação (ou contraordem) e da

oposição (ou sustação)373.

369

―§ 4º Admite-se que as solicitações de sustação, de contra-ordem e de cancelamento de cheques sejam realizadas em caráter provisório, por comunicação telefônica ou por meio eletrônico, hipótese em que seu acatamento será mantido pelo prazo máximo de dois dias úteis, após o que, caso não confirmadas nos termos dos §§ 1º a 3º, deverão ser consideradas inexistentes pela instituição financeira‖. 370

―§ 1º Para a efetivação de sustação e de contra-ordem de cheques, as instituições financeiras que operam na captação de depósitos à vista devem exigir, na forma da lei, solicitação escrita do interessado, com justificativa fundada em relevante razão de direito, não cabendo à instituição examinar o mérito ou a relevância da justificativa‖. 371

De acordo, na jurisprudência: ―COMERCIAL - CHEQUE - SUSTAÇÃO DE PAGAMENTO POR OPOSIÇÃO - MATÉRIA DE FATO - INTELIGÊNCIA DO ART. 36 DA LEI DO CHEQUE. I – A seriedade da oposição (sustação do pagamento) está assegurada pela exigência da relevância jurídica da razão invocada pelo oponente, a qual, obviamente, não é deixada ao julgamento do banco sacado, mas ao do juiz.‖ (REsp nº 101.096/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 25 de fevereiro de 1998, p. 69). 372

Assim, na jurisprudência: ―- Não afasta a aplicação do instituto da oposição motivada, nos termos do art. 36 da Lei nº 7.357/85, a circunstância de tratar-se de ‗cheque administrativo‘ sacado pelo estabelecimento bancário contra a sua própria caixa, no caso de oposição apresentada pelo favorecido e endossante do cheque sob invocação ao negócio subjacente do endosso.‖ (REsp nº 130.428/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de novembro de 2000, p. 155). De acordo, ainda na jurisprudência: REsp nº 16.713/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de junho de 1993, p. 12.895. 373

A respeito da diferença entre os institutos, merece ser prestigiada a autorizada lição da doutrina: ―Um outro conceito, diferente de revogação ou contraordem, é o de oposição. Mesmo durante o prazo de apresentação, o emitente e o portador legitimado podem fazer sustar o pagamento, manifestando ao sacado, por escrito, oposição fundada em qualquer razão de direito (art. 36, caput). Confirmando a diferença entre os dois

conceitos, o § 1º do art. 36 dispõe que ‗a oposição do emitente e a revogação ou contraordem se excluem reciprocamente‘. Em suma, a revogação mercê de contraordem só pode ser dada pelo emitente, com razões motivadoras do ato, e só produz efeito depois de expirado o prazo de apresentação; a oposição com o objetivo de sustar o pagamento do cheque, fundada em relevante razão de direito, pode ser apresentada pelo

137

137

Por fim, vale ressaltar que a sustação dolosa configura crime de fraude no

pagamento por meio de cheque, por força da combinação do art. 65 da Lei nº

7.357 com o art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal.

22. Cancelamento

O cancelamento está previsto no art. 3º da Resolução nº 2.747 do Conselho

Monetário Nacional, norma expedida com sustentação no art. 69 da Lei nº

7.357/1985.

O cancelamento diz respeito somente às folhas em branco de cheque e

pode alcançar até mesmo o talonário por inteiro. Ao contrário da revogação e da

oposição, o cancelamento atinge o cheque que ainda não foi emitido374. Com

efeito, à vista do art. 3º da Resolução nº 2.747/2000, o cancelamento é admissível

nas hipóteses de roubo, furto e extravio de folha de cheque ou do talonário, desde

que em branco.

No que tange à iniciativa, o cancelamento deve ser feito de ofício pela

própria instituição bancária, na hipótese da ocorrência do roubo, do furto ou do

extravio antes da entrega ao legítimo destinatário, ou seja, ao cliente do banco.

Tanto que a instituição financeira responde por eventuais danos materiais e

morais causados ao correntista em razão de extravio de talonário de cheques

antes da entrega ao legítimo destinatário. Em abono, merece ser prestigiado o

preciso enunciado nº 2.1 aprovado pelos Juízes das Turmas Recursais do Paraná:

―A instituição financeira é responsável por danos causados por extravio de

talonário de cheques havido antes de chegar às mãos do correntista, ainda que tal

aconteça durante o transporte realizado por empresa contratada pelo banco, caso

em que se dará a solidariedade‖.

emitente ou pelo portador legitimado, mesmo durante o prazo de apresentação, não cabendo, entretanto, ao sacado julgar da relevância da razão invocada pelo oponente.‖ (Osmar Brina Corrêa-Lima. Cheque. Revogação (contraordem) e oposição. 2009, p. 4). 374

No mesmo sentido, na doutrina: ―Diferente é a hipótese de cancelamento do cheque. Não há, para seu caso específico, uma contra-ordem ao pagamento ou sustação do pagamento do cheque, pois não houve sua emissão. Se houve emissão, deve-se recorrer a tais institutos.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 287).

138

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Após a entrega do talonário, entretanto, o cancelamento depende de pedido

fundamentado do correntista, com esteio no art. 3º, § 3º, da Resolução nº

2.747/2000. O pedido deve ser feito por escrito ao banco, embora também seja

admissível o cancelamento por telefone ou por meio eletrônico, com a posterior

confirmação mediante requerimento escrito, dentro do prazo de dois dias úteis,

tudo nos termos do art. 3º, § 4º, da Resolução nº 2.747/2000.

23. Ações fundadas em cheque

23.1. Ação cambial ou execução

23.1.1. Ação cambial e prazo prescricional

Como já estudado, o cheque deve ser apresentado para pagamento

perante o banco-sacado dentro de trinta dias da data da emissão, quando emitido

no mesmo lugar do pagamento375. Emitido o cheque em lugar diverso do local do

pagamento, ou seja, em outra praça, o prazo para apresentação é de sessenta

dias da data da emissão376. Decorrido in albis o prazo de apresentação, o credor-

beneficiário perde o direito de executar os coobrigados, ou seja, os endossantes e

os respectivos avalistas377-378. Por conseguinte, no que tange ao emitente-sacador

e ao respectivo avalista, a execução pode ser ajuizada até mesmo quando o

cheque foi apresentado ao banco-sacado depois do decurso do prazo de

apresentação, desde que ainda não ocorrida a prescrição semestral, como bem

assentou o Supremo Tribunal Federal no enunciado nº 600: ―Cabe ação executiva

contra o emitente e seus avalistas, ainda que não apresentado o cheque ao

sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária‖.

375

Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 376

Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 377

Cf. art. 47, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 378

À vista do art. 47, § 3º, da Lei nº 7.357/1985, o credor-benefício pode perder o direito de executar até mesmo o emitente-sacador, se o mesmo tinha fundos disponíveis durante o prazo da apresentação, mas deixou de tê-los em razão de fato alheio à sua vontade.

139

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A prescrição da pretensão executiva ocorre com o decurso do prazo de seis

meses do término do prazo de apresentação, conforme o enquadramento do caso

concreto em uma ou em outra hipótese do art. 33 da Lei nº 7.357/1985. Se o local

do pagamento é o mesmo da emissão, o prazo de seis meses corre do término

dos trinta dias disponíveis para apresentação; se o lugar do pagamento for diverso

do local da emissão, o prazo de seis meses corre somente depois do decurso dos

sessenta dias para a apresentação.

Com efeito, a data da emissão constante do título tem enorme relevância

jurídica para a prescrição da execução fundada no art. 585, inciso I, do Código de

Processo Civil, e nos arts. 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985. Imagine-se, por exemplo,

que o cheque foi emitido no dia 19 de janeiro de 2010, mês com trinta e um dias,

para pagamento na mesma praça. O termo inicial é o próprio dia 19, dia da

emissão, o qual, entretanto, é excluído da contagem, por força da combinação dos

arts. 33 e 64 da Lei nº 7.357/1985, com o art. 132, caput, do Código Civil. Por

conseguinte, a contagem dos trinta dias previstos no art. 33 da Lei nº 7.357/1985

começa no dia 20 de janeiro e termina no dia 18 de fevereiro, dia útil bancário379.

Resta saber qual é o termo inicial do prazo de seis meses da execução. À vista

dos arts. 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985, o termo inicial do prazo prescricional

coincide com o termo final do prazo de apresentação do cheque, ou seja, dia 18

de fevereiro. Como o prazo de seis meses é contado à luz do § 3º do art. 132 do

Código Civil, o termo final do prazo prescricional reside no dia 18 de agosto, dia

útil forense380-381.

Ao contrário da data da emissão, a data da efetiva apresentação do cheque

ao banco-sacado não é relevante para a contagem da prescrição da pretensão

executiva. O termo inicial do prazo prescricional de seis meses coincide com o

379

Por força do § 1º do art. 132 do Código Civil, o termo final do prazo deve ser dia útil, vale dizer, dia com expediente bancário regular. 380

Outro exemplo, na doutrina: ―Por exemplo, cheque de mesma praça emitido em 2 de março prescreve em 1º de outubro do mesmo ano.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial. Volume I, 12ª edição, 2008, p. 451). 381

Outro exemplo, na jurisprudência: ―Tendo os cheques sido emitidos em 09.08.2000 (f. 06, dos autos da execução), o prazo para apresentação findou em 08.09.2000, contando-se daí o prazo prescricional, que se expirou em 08.03.2001, dia exato da distribuição da execução, pelo que não há que se falar em prescrição do direito de ação.‖ (Apelação nº 383.332-9, 5ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 26 de fevereiro de 2003).

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termo final do prazo de apresentação, independentemente da data da efetiva

apresentação do cheque ao banco-sacado. Aliás, no que tange ao emitente-

sacador do cheque e ao respectivo avalista, nem há necessidade da apresentação

do cheque ao banco-sacado no prazo previsto no art. 33 da Lei nº 7.357/1985,

desde que a execução seja ajuizada dentro de seis meses do término do prazo de

apresentação. Em abono, merece ser prestigiada a primeira proposição constante

do enunciado nº 40 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da

Justiça Federal: ―40. O prazo prescricional de 6 (seis) meses para o exercício da

pretensão à execução do cheque pelo respectivo portador é contado do

encerramento do prazo de apresentação, tenha ou não sido apresentado ao

sacado dentro do referido prazo‖.

Por fim, na eventualidade de cheque pós-datado apresentado ao banco-

sacado antes da data de emissão estampada na cártula e devolvido por falta de

provisão de fundos, prevalece o raciocínio segundo o qual o prazo prescricional de

seis meses para a execução deve ser computado do dia da efetiva apresentação,

e não do término do prazo legal de apresentação, contado da data da emissão

existente no título. Aliás, é o que consta da segunda proposição do enunciado nº

40 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―No

caso de cheque pós-datado apresentado antes da data da emissão ao sacado ou

da data pactuada com o emitente, o termo inicial é contado da data da primeira

apresentação‖. Não obstante, ainda que muito respeitável a tese consagrada ao

final do enunciado nº 40, a interpretação sistemática dos arts. 1º, inciso V, 32, 33,

47 e 59 da Lei nº 7.357/1985 enseja outra conclusão: à luz do direito cambiário, a

data da emissão expressa na cártula marca o início do prazo legal de

apresentação, cujo término marca o início do prazo prescricional da execução.

23.1.2. Ação cambial e legitimados passivos

A execução de cheque apresentado em tempo hábil e devolvido por falta de

provisão de fundos pode ser movida contra o devedor principal, o emitente-

sacador do cheque, mas também contra todos, alguns ou um dos coobrigados, em

141

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conjunto ou isoladamente, se assim desejar o credor-beneficiário, porquanto todos

são devedores solidários, ex vi do art. 51 da Lei nº 7.357/1985.

Já em relação ao emitente-sacador e ao respectivo avalista, o cheque não

precisa ser protestado nem apresentado em tempo hábil para a propositura da

ação de execução forçada382.

No que tange aos coobrigados (endossante e respectivos avalistas), a

execução depende do cumprimento de três exigências legais cumulativas: 1ª)

apresentação do cheque dentro do prazo legal383; 2ª) propositura da ação

executiva dentro de seis meses da expiração do prazo de apresentação do

cheque384; 3ª) comprovação da recusa do pagamento mediante protesto cambial,

por simples declaração escrita e datada proveniente do banco-sacado ou, ainda,

por declaração escrita e datada expedida na Câmara de Compensação385,

ressalvada a exceção consubstanciada na dispensa tanto do protesto quanto de

declaração equivalente, em relação ao cheque que contém a cláusula ―sem

protesto‖386.

Por oportuno, vale registrar que o protesto cambial produz o importante

efeito jurídico previsto no art. 202, inciso II, do Código Civil, qual seja, a

interrupção da prescrição; e as declarações bancárias previstas no inciso II do art.

47 da Lei nº 7.357/1985 produzem os mesmos efeitos do protesto cambial, ex vi

do § 1º do próprio artigo 47: ―§ 1º Qualquer das declarações previstas neste artigo

dispensa o protesto e produz os efeitos deste‖.

Ainda em relação ao protesto, o cheque pode ser protestado tanto no

cartório de protesto do lugar do pagamento quanto no tabelionato do local do

domicílio do emitente-sacador, conforme a escolha do credor-beneficiário387. O

posterior pagamento do cheque protestado, entretanto, enseja o imediato

cancelamento do protesto perante o Tabelionato de Protestos de Títulos, por

382

Cf. art. 47, inciso I, da Lei nº 7.357/1985, combinado com o art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, e com o enunciado nº 600 da Súmula do Supremo Tribunal Federal. 383

Cf. arts. 33 e 47, inciso II, ambos da Lei nº 7.357/1985. 384

Cf. arts. 33, 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985. 385

Cf. art. 47, inciso II e § 1º, da Lei nº 7.357/1985. 386

Cf. art. 50 da Lei nº 7.357/1985. 387

Cf. art. 6º, proêmio, da Lei nº 9.492/1997.

142

142

intermédio de qualquer interessado. Basta a demonstração do respectivo

pagamento, sem a necessidade da anuência do credor-beneficiário, a qual só é

exigida na impossibilidade de apresentação do original do título protestado388. A

respeito do tema, merece ser prestigiado o enunciado nº 1 da Súmula do antigo

Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul: ―O cancelamento de protesto de títulos

cambiais pode ser feito mediante comprovação de quitação regular e

independente de consentimento do credor‖.

23.1.3. Ação cambial e objeto da execução

Por fim, além da quantia determinada indicada no cheque389, o credor-

beneficiário também pode cobrar na ação cambial: – os juros de mora legais

cabíveis desde o dia da apresentação do cheque390; – as despesas em geral,

como as referentes ao protesto cambial e as relativas ao processo executivo391; –

a correção monetária pela perda do valor aquisitivo da moeda, a ser calculada a

contar da respectiva apresentação do cheque392.

A propósito, não há incompatibilidade alguma entre os arts. 10 e 52, inciso

II, ambos da Lei nº 7.357/1985. O art. 10 dispõe sobre a vedação da estipulação

de juros no bojo do cheque, em razão da natureza do título: ordem de pagamento

à vista. Não liquidado o cheque no dia da apresentação, daí começa a incidência

dos juros de mora legais393. Na verdade, o artigo 10 versa sobre juros

compensatórios – e os proíbe; já o artigo 52 dispõe sobre juros moratórios – e os

autoriza, após a inadimplência.

23.2. Ação de enriquecimento sem causa ou de locupletamento indevido

388

Cf. art. 26 da Lei nº 9.492/1997. 389

Cf. art. 52, inciso I, da Lei nº 7.357/1985. 390

Cf. art. 52, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 391

Cf. art. 52, inciso III, da Lei nº 7.357/1985, e art. 19 do Código de Processo Civil. 392

Cf. art. 52, inciso IV, da Lei nº 7.357/1985, combinado com o art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981. 393

Cf. art. 52, inciso II, da Lei nº 7.357/1985.

143

143

Decorrido o prazo prescricional semestral para a ação cambial, o credor-

beneficiário ainda pode ajuizar a ―ação de enriquecimento ilícito‖394, ―ação de

locupletamento indevido‖ ou actio in rem verso395, no prazo de dois anos do dia

em que se consumou a prescrição da pretensão executiva, consoante o disposto

no art. 61 da Lei nº 7.357/1985.

A demanda de locupletamento tem natureza cognitiva e pode ser ajuizada

sob procedimento comum396 ou sob procedimento monitório, ex vi do enunciado nº

299 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―É admissível ação monitória

fundada em cheque prescrito‖. Cabe ao autor da ação de locupletamento indevido

a escolha entre o procedimento comum e o monitório397.

À vista do art. 61 da Lei nº 7.357/1985, não há necessidade da indicação da

origem da dívida na petição inicial da ação de locupletamento indevido, quer sob o

procedimento comum, quer sob o rito monitório398. Com efeito, a simples juntada

do cheque prescrito que não foi liquidado já é suficiente para demonstrar a

ocorrência do locupletamento ilícito, razão pela qual é dispensável a exposição da

causa debendi na demanda fundada no art. 61 da Lei nº 7.357/1985. Em abono,

394

Cf. Pinto Ferreira. Vocabulário jurídico das ações e dos recursos. 1999, p. 11, especialmente a parte final da transcrição da autorizada lição do saudoso jurisconsulto: ―AÇÃO DE CHEQUE. A ajuizada para exigir o importe do título com os encargos complementares, atribuída ao beneficiário, ao co-obrigado que tenha pago e ao avalista, contra todos os co-obrigados ou mesmo um só (Lei Uniforme sobre o Cheque, Anexo I, art. 52; Lei nº 7.357, de 2-9-1985, art. 47). Prescreve em seis meses, contados da data de expiração do prazo de apresentação. Permanece, entretanto, o direito do beneficiário de cobrar o que lhe é devido, não mais por ação cambiária, e sim por ação de enriquecimento ilícito‖. 395

De acordo, na doutrina: ―A ação, que objetiva evitar ou desfazer o enriquecimento sem causa, denomina-se actio in rem verso.‖ ―Tal é o que ocorre, por exemplo, quando o credor perde o direito de executar o cheque por força da prescrição, e, nos termos do art. 61 da Lei nº 7.357/85, promove ação de in rem verso contra o emitente ou outros obrigados da cártula, que se locupletaram com o não-pagamento do cheque. Portanto, concorrendo os requisitos supra-elencados, e em face da inexistência de outro meio específico de tutela, a ação de enriquecimento ilícito (in rem verso) será sempre uma alternativa à parte prejudicada pelo espúrio enriquecimento da outra.‖ (Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. Novo curso de direito civil. Volume II, 9ª ed., 2008, p. 349 e 351). 396

Procedimento comum que pode ser ordinário ou sumário, conforme o valor da causa. 397

Em reforço ao entendimento defendido no presente compêndio, vale conferir o didático voto do eminente Desembargador Alexandre Freitas Câmara: ―A demanda de enriquecimento, a ser proposta pelo credor, poderá levar à utilização do procedimento monitório ou de procedimento comum (ordinário ou sumário, conforme o caso), por opção do demandante. Impende, pois, considerar que a assim chamada ‗ação monitória‘ não é figura distinta da ‗ação de enriquecimento‘ mas, tão somente, o nome dado pela lei processual a um dos procedimentos que podem ser usados para o desenvolvimento do processo instaurado pela propositura da ‗ação de enriquecimento‘.‖ (Apelação nº 2009.001.07855, 2ª Câmara Cível do TJRJ). 398

Em sentido conforme, na jurisprudência: ―Comercial. Processual civil. Ação monitória. Cheque. Desnecessidade de indicação da causa debendi. Dissídio jurisprudencial não demonstrado. I. Para a admissibilidade da ação monitória, não tem o autor de declinar a causa debendi, bastando, para esse fim, a juntada de qualquer documento escrito que traduza em si um crédito e não se revista de eficácia executiva.‖ (REsp nº 274.257/DF, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de setembro de 2001).

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vale conferir o preciso enunciado nº 10.1 aprovado pelos Juízes das Turmas

Recursais do Paraná, in verbis: ―Cheque – ação de locupletamento ilícito: Nos

casos em que cabe a ação de locupletamento ilícito, desnecessária a discussão

sobre a causa debendi‖399.

Embora seja adequada para o recebimento de valores expressos em títulos

de crédito prescritos, a ação de enriquecimento sem causa não pode ser proposta

contra todos os obrigados e coobrigados cambiais, porquanto a solidariedade

cambial cessa com o decurso dos prazos prescricionais para a execução. Daí a

conclusão: a ação de locupletamento indevido só pode ter como alvo aquele

devedor realmente beneficiado pelo enriquecimento sem causa400.

Por fim, a ação de locupletamento indevido deve ser proposta, processada

e julgada no foro do domicílio do devedor, juízo competente para a demanda,

tanto sob o procedimento monitório quanto sob o rito comum, ordinário ou

399

De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL – AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO – CHEQUE PRESCRITO – ART. 61 DA LEI 7357/85 – DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAR A CAUSA DEBENDI – PRESUNÇÃO JURIS TANTUM – APLICAÇÃO DO ART. 333, INCISO II, CPC – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO.‖ (Recurso nº 2007.05.6.000859-7, 2ª Turma Recursal dos Juizados Especiais do Distrito Federal, Diário da Justiça de 24 de maio de 2007, p. 116). ―Se a ação monitória se embasar em cheque prescrito, mas tiver sido ajuizada no prazo da ação de locupletamento, não há que se exigir a indicação do negócio subjacente. A desnecessidade da remissão primária à causa debendi na exordial da monitória encontra amplo suporte ao serem conjugadas as regras do procedimento especial (arts. 1.102a a 1.102c do CPC) com a norma inserta no art. 61 da Lei 7.357/85.‖ (Apelação nº 2006.01.1.031251-4, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 22 de maio de 2007, p. 661). ―AÇÃO MONITÓRIA – CHEQUE PRESCRITO – PROPOSITURA DA MONITÓRIA NO PRAZO DA AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO – CAUSA DEBENDI – DESNECESSIDADE – ÔNUS DO RÉU. 1. Antes do advento da ação monitória, o credor de cheque prescrito poderia valer-se da ação de locupletamento até dois anos após a prescrição da cártula, não sendo necessário provar a causa debendi (art. 61 da Lei 7357/85). Transcorrido o prazo da ação de locupletamento, o credor só poderia ajuizar a ação de cobrança, incumbindo-lhe o ônus de provar toda a relação jurídica subjacente. 2. A Lei nº 9.079/95 introduziu no Ordenamento Jurídico Brasileiro a ação monitória, que é um procedimento mais ágil para a formação do título executivo. 3. Assim, há que se distinguir a monitória como sucedâneo da ação de locupletamento e da ação de cobrança. 4. Ajuizada monitória no prazo da ação de locupletamento, o cheque prescrito presume o enriquecimento ilícito do réu, cabendo a este o ônus de provar a inexistência do crédito vindicado. 5. Apelo provido.‖ (Apelação nº 2006.01.1.061023-3, 3ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 13 de dezembro de 2007, p. 90). ―PROCESSUAL CIVIL. CHEQUES PRESCRITOS. AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO. POSSIBILIDADE JURÍDICA. PRESUNÇÃO. A posse de cheques que não foram honrados pelo emitente, exaurido o prazo de cobrança executiva das dívidas por ele representadas, é suficiente à propositura da ação de locupletamento ilícito, presumindo-se em favor do autor a causa lícita das dívidas, o prejuízo sofrido pelo não pagamento e o enriquecimento do emitente, presunção que poderá ser elidida, por provas em contrário, a cargo do réu.‖ (REsp nº 32.772/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de maio de 1993, p. 10.005). 400

Assim, na jurisprudência: AG nº 620.909/RS – AgRg, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 2 de abril de 2007, p. 277; REsp nº 200.492/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de agosto de 2000, p. 123; e Apelação nº 2004.01.1.010196-7, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 3 de maio de 2007, p. 98: ―Estando prescrito o título cambial, desaparece a relação cambial e, em consequência, o aval‖.

145

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sumário, em virtude da incidência da regra inserta no caput do art. 94 do Código

de Processo Civil401.

23.3. Ação de cobrança ou ação causal

Além da execução cambial e da ação de enriquecimento sem causa, ainda

há lugar para a ação de cobrança fundada na relação causal, como autoriza o art.

62 da Lei nº 7.357/1985. A ação de cobrança pode ser movida sob o procedimento

comum402 ou sob o rito monitório, conforme a escolha do autor.

A ação de cobrança fundada na relação causal prescreve à vista dos arts.

205 e 206 do Código Civil, conforme a origem da dívida, a qual deve ser

demonstrada na petição inicial. Com efeito, se a demanda é ajuizada com

fundamento no art. 62 da Lei nº 7.357/1985, o cheque prescrito tem serventia

apenas como meio de prova documental da relação jurídica subjacente, a qual

precisa ser exposta na petição inicial e demonstrada no processo cognitivo

fundado na relação causal403.

401

Assim, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. A ação monitória deve ser processada e julgada no foro do domicílio do devedor (art. 94, caput, do CPC). Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 287.724/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 22 de maio de 2006, p. 190). 402

O procedimento comum pode ser ordinário ou sumário, conforme o valor da causa. 403

Assim, na jurisprudência: Apelação nº 2005.01.1.081440-4, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 18 de setembro de 2007, p. 106: ―I – É indispensável a declinação da causa de pedir nos casos em que a ação monitória, fundada em cheque prescrito, é ajuizada após o prazo de dois anos, previsto na Lei do Cheque para a propositura da ação de locupletamento. II – Prescrita a pretensão de locupletamento, o prazo prescricional a ser considerado para cobrança é aquele fixado para a obrigação que deu ensejo ao saque do cheque prescrito‖. ―PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. DECURSO DO PRAZO PARA AÇÃO DE LOCUPLETAMENTO. ORIGEM DA DÍVIDA. FALTA DE COMPROVAÇÃO. INÉPCIA DA INICIAL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. INCIDÊNCIA DOS ARTS. 282, INC. III E 267, INC. I, AMBOS DO CPC. SENTENÇA REFORMADA. 1. Escolhendo o credor, para a satisfação de seu crédito, o caminho do procedimento injuntivo, estará dispensado de deduzir a causa debendi do cheque prescrito, se a ação vier a ser proposta até dois anos após o decurso do prazo previsto no art. 59 da Lei 7.357/85 (ação de enriquecimento - art. 61 -, sob o rito previsto no art. 1.102a do CPC). 2. Se decorridos esses dois anos, intentar, para o mesmo fim, também a ação monitória, aí sim, a respectiva inicial deverá narrar a origem do título, que, neste caso, constitui apenas começo de prova escrita da ação de cobrança proposta nos termos do art. 1.102A do CPC.‖ (Apelação nº 1999.01.1.052164-8, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 19 de março de 2003, p. 86). ―CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. APTIDÃO PARA INSTRUIR A AÇÃO INJUNTIVA. PRECEDENTES. VENCIMENTO DO PRAZO PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO DE ENRIQUECIMENTO. ART. 61 DA LEI Nº 7357/85. NECESSIDADE DE O AUTOR DECLINAR, NA AÇÃO MONITÓRIA, A CAUSA DEBENDI. INCUMBÊNCIA DO RÉU DE PROVAR FATO EXTINTIVO OU MODIFICATIVO DO DIREITO DO AUTOR. ART. 333, II, CPC. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO APÓS O PRAZO DA AÇÃO DE ENRIQUECIMENTO. PRAZO QUE SE REGULA PELA LEGISLAÇÃO DE DIREITO MATERIAL. OBRIGAÇÃO CONCERNENTE À PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS EDUCACIONAIS. PRESCRIÇÃO ANUAL. ART. 178, § 6º, VII, CCB de 1916. 1 - Na esteira dos precedentes deste Tribunal, considera-se o cheque prescrito documento apto a ensejar a propositura da ação

146

146

Não obstante, é preciso reconhecer que prevalece a orientação

jurisprudencial segundo a qual a ação de cobrança prescreve em cinco anos, ex vi

do art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. Foi o que assentou o Tribunal de Justiça

de São Paulo ao aprovar o enunciado sumular nº 18: ―Exigida ou não a indicação

da causa subjacente, prescreve em cinco anos o crédito ostentado em cheque de

força executiva extinta (Código Civil, art. 206, § 5º, I)‖404. É o que também dispõe o

enunciado nº 10.6 aprovado pelos Juízes das Turmas Recursais do Paraná: ―O

prazo prescricional para a propositura da ação de cobrança de títulos prescritos é

de 5 (cinco) anos, nos termos do art. 206, § 5º, do CC, sendo o termo a quo a data

da sua apresentação‖405. Em suma, prevalece a tese da prescrição quinquenal da

pretensão de cobrança fundada em cheque prescrito, independentemente do

procedimento – ordinário, sumário ou monitório – a ser adotado406.

23.4. Ação de indenização por devolução indevida de cheque

monitória; 2 - Prescrito o cheque e ultrapassado o prazo bienal estabelecido no art. 61 da Lei do Cheque (Lei nº 7357/85), deve o proponente da ação monitória declinar a relação jurídica material que ensejou a emissão do título prescrito; 3 - O direito à ação monitória fundada em cheque prescrito proposta após o vencimento do prazo da ação de enriquecimento prevista no art. 61 da Lei do Cheque prescreve em 1 (um) ano, se o pedido disser respeito à cobrança de mensalidades escolares. Art. 178, §6º, inciso VII. Precedentes deste Tribunal e do STJ. 4 - Apelo provido.‖ (Apelação nº 2000.01.1.038185-9, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 17 de outubro de 2006, p. 100). ―DIREITO COMERCIAL. MONITÓRIA. CHEQUE PRESCRITO. AÇÃO DE COBRANÇA. ULTRAPASSADO BIÊNIO PARA A AÇÃO DE ENRIQUECIMENTO. ART. 61 LEI 7.357/85. CAUSA DEBENDI. NECESSIDADE. 1 - A ação fora proposta fora do prazo legal previsto para o ajuizamento da ação de locupletamento ilícito. 2 - O autor da ação monitória, que no caso deve ser aceito e julgado como ação de cobrança, deveria, na hipótese, declinar e provar a causa debendi relativamente ao título prescrito. 3. Recurso conhecido e improvido.‖ (Apelação nº 2006.01.1.090370-3, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 11 de outubro de 2007, p. 160). 404

Cf. Diário da Justiça Eletrônico de 6 de dezembro de 2010, caderno 1, p. 1. 405

No mesmo diapasão, ainda na jurisprudência: ―São três os prazos prescricionais relacionados ao cheque. O primeiro de seis meses referente à ação de execução, contados do término do prazo de apresentação (art. 59, da Lei nº 7.357/85). O segundo de dois anos para a ação de locupletamento, contados da prescrição da pretensão executiva (art. 61, Lei nº 7.357/85). E o terceiro, atualmente, de cinco anos, contados do término do prazo para o ajuizamento da ação de locupletamento, referente à pretensão cuja causa de pedir é instrumento particular que representa dívida líquida (art. 206, § 5º, I, CCB/2002).‖ (Apelação nº 1.0313.06.207890-9/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, julgamento em 3 de setembro de 2008). 406

―CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CHEQUE PRESCRITO. AÇÃO MONITÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. A ação monitória fundada em cheque prescrito está subordinada ao prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 206, § 5º, I, do Código Civil.‖ (REsp nº 1.038.104/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 18 de junho de 2009). A propósito da tese predominante na jurisprudência, vale conferir respeito voto-vencedor proferido pelo eminente Desembargador Alexandre Freitas Câmara, na qualidade de Revisor da Apelação nº 2009.001.07855: ―O direito de crédito decorrente da relação subjacente ao cheque, por sua vez, está sujeito a prazo prescricional de cinco anos, na forma do disposto no art. 206, § 5°, I, do Código Civil, que estabelece o prazo quinquenal no caso de cobrança de dívida líquida constante de instrumento público ou particular.‖ (Apelação nº 2009.001.07855, 2ª Câmara Cível do TJRJ).

147

147

À vista do art. 5º, inciso X, da Constituição Federal, e dos arts. 186 e 927 do

Código Civil, o emitente-sacador pode acionar o banco-sacado pelo dano moral

causado em razão da devolução de cheque sem motivo previsto em lei. Foi o que

bem assentou o Superior Tribunal de Justiça ao aprovar o enunciado sumular nº

388: ―A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral‖407.

No que tange ao prazo para a propositura da demanda indenizatória, a

pretensão de reparação prescreve em três anos, nos termos do art. 206, § 3º,

inciso V, do Código Civil de 2002.

23.5. Ação de indenização por apresentação de cheque ―pré-datado‖

Os arts. 186 e 927 do Código Civil também autorizam o emitente-sacador a

ajuizar demanda indenizatória contra o credor-beneficiário de cheque emitido com

data futura, mas apresentado ao banco-sacado antes do acordado, com a quebra

do pacto avençado. A propósito, vale conferir o enunciado nº 370 da Súmula do

Superior Tribunal de Justiça: ―Caracteriza dano moral a apresentação antecipada

de cheque pré-datado‖. Na mesma esteira, merece ser prestigiado o preciso

enunciado nº 10.3 aprovado pelos Juízes da Turma Recursal Única do Paraná: ―A

apresentação de cheque pré-datado antes da data ajustada acarreta dano moral‖.

Por fim, a pretensão de reparação prescreve em três anos, por força do art.

206, § 3º, inciso V, do Código Civil, como já estudado no tópico anterior.

407

―CIVIL E PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUES – DANO MORAL – SUCUMBÊNCIA. I – A devolução indevida do cheque por culpa do banco prescinde da prova do prejuízo. II – A jurisprudência recente da Segunda Seção desta Corte entende que, nas ações de indenização por dano moral, a postulação contida na inicial se faz em caráter meramente estimativo. Assim, na hipótese de o pedido vir a ser julgado procedente em montante inferior ao assinalado na peça exordial, fica respeitada a proporcionalidade na condenação, porquanto a par de estabelecida em percentual razoável, se faz sobre o real montante da indenização a ser paga. Precedentes.‖ (REsp nº 434.518/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de agosto de 2003, p. 220). ―RECURSO ESPECIAL. DEVOLUÇÃO INDEVIDA DE CHEQUE. RESPONSABILIDADE DO BANCO. DANO MORAL. PRESUNÇÃO. VALOR DA INDENIZAÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. A devolução indevida do cheque por culpa do banco prescinde da prova do prejuízo, mesmo que, ao ser reapresentado, tenha sido devidamente pago, e ainda que não tenha havido registro do nome da correntista em órgão de proteção ao crédito. 2. O valor da indenização deve ser fixado sem excessos, evitando-se enriquecimento sem causa da parte atingida pelo ato ilícito. 3. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 453.233/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 5 de fevereiro de 2007, p. 240).

148

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23.6. Ação de indenização por cheques falso, falsificado e adulterado

À vista do art. 39, parágrafo único, segunda parte, da Lei nº 7.357/1985,

com o reforço dos arts. 186 e 927 do Código Civil, o banco-sacado é civilmente

responsável pelo pagamento de cheques falso408, falsificado ou adulterado. Com

efeito, o correntista prejudicado pelo pagamento de cheques falso, falsificado ou

adulterado pode ajuizar demanda indenizatória contra o banco-sacado, no prazo

de três anos, tendo em vista o art. 206, § 3º, inciso V, do Código de 2002. A

propósito da responsabilidade civil do banco-sacado, vale conferir o enunciado nº

28 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―O estabelecimento bancário é

responsável pelo pagamento de cheque falso, ressalvadas as hipóteses de culpa

exclusiva ou concorrente do correntista‖409.

Não obstante, como bem revelam os trechos finais do enunciado nº 28 da

Súmula do Supremo Tribunal Federal e do parágrafo único do art. 39 da Lei nº

7.357/1985, a responsabilidade civil do banco-sacado pode ser afastada, no todo

ou em parte, quando há dolo, culpa exclusiva ou ao menos culpa concorrente do

correntista410, em razão de negligência411, imprudência412 ou imperícia413 do

emitente-sacador do cheque.

24. Cheque e Código Penal 408

O correntista também deve ser indenizado na eventualidade de prejuízo causado em conta bancária proveniente do pagamento mediante procuração falsa: ―RESPONSABILIDADE CIVIL. Banco. Fundo mútuo de investimento. Conta ouro. Procuração falsa. Responsabilidade do banco. É do banco a responsabilidade pelo pagamento do saldo de fundo mútuo de investimento feito a quem se apresentou com procuração falsa, se não demonstrada a culpa exclusiva ou concorrente do depositante. Recurso conhecido e provido.‖ (REsp nº 267.651/RO, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de março de 2001, p. 116). 409

Por oportuno, há didático acórdão proferido pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na apelação nº 39.064, da relatoria do eminente Desembargador Barbosa Moreira, com a seguinte ementa: ―Cheque especial com assinatura grosseiramente falsificada: responde o banco, perante o correntista, pelo respectivo pagamento, se não há prova de culpa exclusiva ou concorrente do titular da conta. Declaração de exoneração inserta na carta-aviso: limites de sua eficácia.‖ (Barbosa Moreira. Direito aplicado I. 2ª ed., 2001, p. 257). 410

Na hipótese de culpa concorrente, a jurisprudência firmou que o correntista e o banco-sacado devem arcar com o prejuízo proveniente do cheque liquidado: ―Em hipótese de culpa concorrente, a responsabilidade do Banco é mitigada, dividindo-a com o correntista.‖ (REsp nº 52.750/PE, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 14 de novembro de 1994, p. 30.962). ―Cheque falso – Responsabilidade pelo pagamento. Reconhecendo o acórdão ter havido culpa concorrente, do estabelecimento bancário e do correntista, correta a conclusão ao declarar ser aquele responsável pelo ressarcimento de metade do prejuízo.‖ (REsp nº 2.539/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de agosto de 1990, p. 7.334). 411

Em outros termos, displicência, desídia, desleixo, falta de atenção. 412

Vale dizer, imprevisão, apressamento, afoitamento. 413

Isto é, falta de técnica.

149

149

24.1. Artigo 171, § 2º, VI, do Código Penal

No que tange aos efeitos penais da emissão de cheque sem suficiente

provisão de fundos e da consequente frustração do pagamento do cheque, incide

o art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal de 1940, consoante determina o art. 65

da Lei nº 7.357/1985.

À vista do art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal, a fraude é elemento do

tipo penal, o que revela a natureza dolosa da infração. Por conseguinte, não há o

crime quando a emissão do cheque sem provisão de fundos ocorre por mera culpa

do correntista, em razão de negligência, imprudência ou imperícia do emitente-

sacador. A propósito, merece ser prestigiado o enunciado nº 246 da Súmula do

Supremo Tribunal Federal: ―Comprovado não ter havido fraude, não se configura o

crime de emissão de cheque sem fundos‖.

Quanto ao processo penal, a competência é aferida à luz do local no qual

ocorreu a recusa do pagamento pelo banco-sacado. Com efeito, não é o lugar da

emissão do cheque sem suficiente provisão de fundos que marca a competência

para o processo penal. A propósito, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo

Tribunal Federal já aprovaram os enunciados nºs 244 e 521, respectivamente:

―Compete ao foro do local da recusa processar e julgar o crime de estelionato

mediante cheque sem provisão de fundos‖. ―O foro competente para o processo e

julgamento dos crimes de estelionato, sob a modalidade da emissão dolosa de

cheque sem provisão de fundos, é o do local onde se deu a recusa do pagamento

pelo sacado‖.

Não obstante, o pagamento do cheque sem provisão de fundos antes do

recebimento da denúncia impede o processamento da ação penal em face do

emitente-sacador414.

414

Assim, na jurisprudência: ―RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. DIREITO PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. CHEQUE SEM PROVISÃO DE FUNDOS. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. PAGAMENTO ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1. Inexiste justa causa para a ação penal, quando, comprovadamente, há o pagamento do cheque sem provisão de fundos, antes do recebimento da denúncia. Precedentes. 2. Recurso provido.‖ (RHC nº 15.039/AM, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 6 de fevereiro de 2006, p. 312). No mesmo sentido,

150

150

Em contraposição, o pagamento posterior ao recebimento da denúncia

não impede o curso do processo penal, como já assentou o Supremo Tribunal

Federal mediante o enunciado nº 554: ―O pagamento de cheque emitido sem

provisão de fundos, após o recebimento da denúncia, não obsta ao

prosseguimento da ação penal‖.

24.2. Artigo 171, caput, do Código Penal e enunciado nº 48 do Superior

Tribunal de Justiça

Além da responsabilidade civil proveniente da falsidade, da falsificação e da

adulteração de cheque estudada no tópico 23.6 do presente capítulo, também há

a responsabilidade criminal, com a incidência do Código Penal, aplicável ex vi do

art. 65 da Lei nº 7.357/1985.

No que tange à falsificação e à adulteração posteriores ao furto ou ao roubo

do cheque, incide o caput do artigo 171 do Código Penal, em razão da tipificação

do crime como estelionato padrão. Daí o enunciado nº 48 do Superior Tribunal de

Justiça: ―Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem ilícita processar e

julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação de cheque‖. Com efeito,

na hipótese sob exame não incidem o enunciado nº 244 da Súmula do Superior

Tribunal de Justiça e o art. 171, § 2º, inciso VI, do Código Penal, estudados no

anterior tópico 24.1.

24.3. Artigo 135-A do Código Penal

Em virtude da Lei nº 12.653, de 2012, houve o acréscimo do artigo 135-A

ao Código Penal brasileiro, com a tipificação da exigência da prévia subscrição de

cheque a título de garantia de pagamento como condição para a prestação de

atendimento médico-hospitalar emergencial.

ainda na jurisprudência: RHC nº 2.285/SP, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 16 de novembro de 1992, p. 21.152. Por fim, vale conferir antigo precedente da Corte Suprema: HC nº 50.935/GB, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 6 de junho de 1973: ―Habeas corpus deferido, eis que o signatário do cheque efetuou o pagamento do seu valor antes do recebimento da denúncia‖.

151

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Na verdade, o condicionamento do atendimento médico-hospitalar de

urgência à prévia subscrição de qualquer título de crédito passou a ser crime, nos

seguintes termos: ―Art. 135-A. Exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer

garantia, bem como o preenchimento prévio de formulários administrativos, como

condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial‖.

152

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CAPÍTULO V – DUPLICATAS

1. Duplicata mercantil

1.1. Conceito

A duplicata mercantil, também denominada ―duplicata de fatura‖ ou

simplesmente ―duplicata‖, é o título de crédito de emissão facultativa e exclusiva

para as vendas mercantis entre contratantes domiciliados no Brasil415. Trata-se de

ordem de pagamento emitida pelo comerciante vendedor de mercadorias, em seu

próprio favor, em face do comprador-sacado. Embora seja o credor originário da

duplicata, o vendedor-sacador pode transferir e alienar o crédito estampado no

título a terceira pessoa, por meio de endosso.

1.2. Duplicata mercantil e classificações dos títulos de crédito

No que tange à emissão, trata-se de título causal. Com efeito, à vista dos

arts. 1º e 2º da Lei nº 5.474/1968, a emissão de duplicata está atrelada a uma

causa específica: compra e venda mercantil. Daí a impossibilidade jurídica de

emissão de duplicata mercantil fundada em mera locação de bem móvel, como

bem assentou o antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, ex vi do

enunciado nº 17: ―O contrato de locação de bem móvel não autoriza o saque de

duplicata‖416.

Embora a duplicata seja titulo causal, em razão da origem do título estar

atrelada a determinado negócio jurídico, não há prejuízo algum à abstração e à

autonomia do título. Se a duplicata circular e cair nas mãos de terceiro de boa-fé,

o devedor principal e os eventuais coobrigados não poderão suscitar vícios

relativos ao negócio jurídico originário para se esquivarem do pagamento da 415

Cf. arts. 1º e 2º da Lei nº 5.474/1968. 416

Cf. Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 372.571, Pleno do 1º TACIVSP, Diário da Justiça de 20 de abril de 1988 e Revista JTA, volume 107, p. 191; in Súmulas. AASP, 1994, p. 376. No mesmo sentido,

na jurisprudência do STJ: ―– Não se admite a emissão de duplicata mercantil com base em contrato de locação de bens móveis, uma vez que a relação jurídica que antecede à sua formação não se enquadra nas hipóteses legais de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços.‖ (REsp nº 397.637/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 23 de junho de 2003, p. 353).

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quantia estampada no título. Sem dúvida, quando se afirma que a duplicata é título

causal, tal afirmação diz respeito apenas à origem do título; não significa que há

exceção aos princípios cambiários da abstração, da autonomia e da

inoponibilidade de exceções pessoais.

Quanto ao modelo, trata-se de título vinculado, em razão da existência de

normas de padronização provenientes do Conselho Monetário Nacional, como

bem revelam o art. 27 da Lei nº 5.474/1968, e a Resolução nº 102/1968. Por

conseguinte, só é duplicata mercantil o documento emitido por vendedor

empresário, após a confecção da cártula à luz do padrão normativo estabelecido

na Resolução nº 102.

Por fim, a duplicata é um título nominativo, em razão da necessidade da

indicação dos nomes tanto do emitente-vendedor-credor quanto do sacado-

comprador-devedor417. Não obstante, a duplicata é transmissível mediante

endosso, quando pode ser convertida em título ao portador, por meio de endosso

―em branco‖.

1.3. Prazo da compra e venda mercantil

A combinação dos arts. 1º e 2º da Lei nº 5.474 conduz à seguinte

conclusão: a duplicata tem origem em venda mercantil a prazo igual ou superior a

trinta dias.

A regra, entretanto, não é absoluta, tendo em vista as exceções insertas no

inciso III do § 1º do art. 2º e no § 2º do art. 3º da Lei nº 5.474/1968, os quais

autorizam a emissão de duplicata para vendas mercantis à vista e a prazo inferior

a trinta dias.

1.4. Sujeitos da duplicata mercantil

Os sujeitos originais da relação jurídica proveniente da duplicata são o

emitente-sacador, na qualidade de credor, e o sacado, na qualidade de devedor 417

Cf. art. 2º, § 1º, inciso IV, da Lei nº 5.474/1968.

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da compra e venda mercantil. Com efeito, o emitente-sacador é o vendedor, o qual

passa a ser credor, enquanto o sacado é o comprador, devedor principal da

duplicata418.

Além dos sujeitos originais da duplicata, também há lugar para a

intervenção de avalistas419 e de endossantes. O primeiro endossante só pode ser

o próprio vendedor-sacador, credor original do título.

Por fim, vale ressaltar que o sacado é o devedor principal da duplicata,

porquanto o aceite é obrigatório, ressalvadas as exceções do artigo 8º da Lei nº

5.474/1968. A hipótese não se confunde com a da letra de câmbio, porquanto o

sacado da duplicata é o comprador das mercadorias, participante, portanto, do

negócio jurídico que dá causa ao título. O mesmo raciocínio não é aplicável à letra

de câmbio, já que o sacado não precisa estar vinculado ao negócio jurídico

originário, motivo pelo qual o aceite é sempre facultativo na letra.

1.5. Legislação de regência da duplicata mercantil

O Código Comercial de 1850 dispôs sobre o instituto no art. 219, preceito

no qual reside a origem da duplicata mercantil420. Hoje, entretanto, o principal

diploma de regência da duplicata é a Lei nº 5.474/1968, com as modificações

realizadas pelo Decreto-lei nº 436/1969, e pela Lei nº 6.458/1977.

Omissa a legislação específica, incide a Lei Uniforme de Genebra sobre

letra de câmbio, ex vi do art. 25 da Lei nº 5.474/1968: ―Art. 25. Aplicam-se à

duplicata e à triplicata, no que couber, os dispositivos da legislação sôbre

emissão, circulação e pagamento das Letras de Câmbio‖.

418

Cf. arts. 1º, caput, e 2º, caput, da Lei nº 5.474/1968, e art. 21, § 4º, da Lei nº 9.492/1997. 419

Cf. art. 12 da Lei nº 5.474/1968. 420

―Art. 219 – Nas vendas em grosso ou por atacado entre comerciantes, o vendedor é obrigado a apresentar ao comprador por duplicado, no ato da entrega das mercadorias, a fatura ou conta dos gêneros vendidos, as quais serão por ambos assinadas, uma para ficar na mão do vendedor e outra na do comprador. Não se declarando na fatura o prazo do pagamento, presume-se que a compra foi à vista (art. nº 137). As faturas sobreditas, não sendo reclamadas pelo vendedor ou comprador, dentro de 10 (dez) dias subseqüentes à entrega e recebimento (art. nº 135), presumem-se contas líquidas‖. Como toda a primeira parte do Código Comercial de 1850, o art. 219 foi revogado pelo Código Civil de 2002, agora de forma expressa, já que o art. 28 da Lei nº 5.474/1968, não o fez de forma expressa.

155

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No que tange ao protesto da duplicata, além dos arts. 13 e 14 da Lei nº

5.474/1968, também incidem o art. 29 do Decreto nº 2.044/1908, e o art. 21, § 4º,

da Lei nº 9.492/1997.

Omissas as leis especiais, incidem as normas infralegais autorizadas pelo

art. 27 da Lei nº 5.474/1968421, como, por exemplo, a Resolução nº 102/1968.

Outra norma infralegal importante é o Convênio de 15 de dezembro de 1970, por

meio do qual houve a instituição do sistema denominado ―nota fiscal-fatura‖.

Por fim, incide a legislação civil geral, como bem revela o enunciado nº 463

aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As

disposições relativas aos títulos de crédito do Código Civil aplicam-se àqueles

regulados por leis especiais, no caso de omissão ou lacuna‖. Importante exemplo

de aplicação subsidiária da legislação civil geral se dá em relação à emissão de

duplicata eletrônica, autorizada por força do artigo 889, § 3º, do Código Civil422.

1.6. Duplicata mercantil e nota fiscal-fatura

A duplicata está atrelada a uma nota fiscal-fatura comprobatória da venda

mercantil. A nota fiscal-fatura é o escrito unilateral de emissão obrigatória pelo

vendedor de mercadorias, para fins tributários e comerciais423, com a descrição

analítica da venda e das condições de pagamento. Já a emissão da duplicata é

facultativa, mas tem a vantagem de constituir título de crédito de fácil negociação

e passível de execução forçada mediante processo judicial, ex vi do art. 585,

inciso I, do Código de Processo Civil.

421

―Art. 27. O Conselho Monetário Nacional, por proposta do Ministério da Indústria e do Comércio, baixará, dentro de 120 (cento e vinte) dias da data da publicação desta lei, normas para padronização formal dos títulos e documentos nela referidos fixando prazo para sua adoção obrigatória‖. 422

―As duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação de serviços.‖ (enunciado nº 460 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal). ―Os títulos de crédito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados eletronicamente, mediante assinatura com certificado digital, respeitadas as exceções previstas em lei.‖ (enunciado nº 461 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal). 423

Vale ressaltar que a nota fiscal-fatura não é título de crédito, nem está submetida ao regime cambiário. Não obstante, é a partir do disposto na nota fiscal-fatura que a duplicata pode ser emitida. Daí a finalidade cambiária da nota fiscal-fatura: é o lastro comprobatório da venda mercantil que enseja a emissão da duplicata.

156

156

A realização de uma venda mercantil a prazo com parcelamento pode ser

representada em uma só duplicata, com a indicação das parcelas e das datas dos

respectivos vencimentos, ou em várias duplicatas, uma para cada parcela,

conforme a preferência do sacador-vendedor, tendo em vista a autorização inserta

no § 3º do art. 2º da Lei nº 5.474/1968 e na Resolução nº 102/1968.

Em contraposição, uma duplicata não pode estar atrelada a mais de uma

nota fiscal-fatura, em razão da vedação explícita no § 2º do art. 2º da Lei nº

5.474/1968.

1.7. Duplicata versus letra de câmbio

A duplicata mercantil não se confunde com a letra de câmbio. Em primeiro

lugar, a letra pode ser emitida por qualquer pessoa, física ou jurídica. Já a

duplicata mercantil só pode ser emitida por comerciante, mais especificamente,

por vendedor de mercadorias.

Em segundo lugar, os títulos têm objetos diferentes. A letra pode ser

emitida a partir de qualquer negócio jurídico que não seja a compra e venda

mercantil. Já a duplicata mercantil só pode ser emitida em razão de compra e

venda mercantil.

Com efeito, o caput do art. 2º da Lei nº 5.474/1968 revela que o vendedor

de mercadoria a prazo não pode emitir letra de câmbio para representar o crédito

proveniente da compra e venda mercantil. Sem dúvida, o preceito legal só autoriza

o vendedor a formalizar o crédito mediante duplicata.

Nada impede, entretanto, a emissão de título subscrito pelo comprador, em

prol do vendedor, como a nota promissória e o cheque. Daí a correta interpretação

do caput do art. 2º da Lei nº 5.474/1968: o crédito proveniente de compra e venda

mercantil a prazo só pode ensejar um título de crédito emitido pelo vendedor, qual

157

157

seja, a duplicata, mas não impede a emissão de títulos subscritos pelo comprador

em favor do vendedor424.

Por fim, o sacado é o devedor principal da duplicata mercantil, porquanto o

aceite é obrigatório, ressalvadas as exceções do artigo 8º da Lei nº 5.474/1968. A

hipótese não se confunde com a da letra de câmbio, porquanto o sacado da

duplicata é o comprador das mercadorias, participante, portanto, do negócio

jurídico que dá causa ao título. O mesmo raciocínio não é aplicável à letra de

câmbio, já que o sacado não precisa estar vinculado ao negócio jurídico originário,

motivo pelo qual o aceite é sempre facultativo na letra.

1.8. Requisitos formais da duplicata mercantil

O § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474 arrola os requisitos formais relativos à

emissão de duplicata mercantil.

Em primeiro lugar, é necessária a denominação ―duplicata‖, com a

indicação da data da emissão e do número de ordem. Com efeito, à vista do art.

2º, § 1º, inciso I, da Lei nº 5.474/1968, o termo ―duplicata‖ precisa estar inserido no

texto da cártula, para que seja título de crédito.

Em razão do vínculo existente com a compra e venda mercantil, também é

necessária a indicação do número da respectiva fatura425. A despeito da regra

segundo a qual a duplicata é emitida no ato da extração da fatura426, a duplicata

também pode ser emitida depois da extração da fatura427. É que a duplicata é

título de emissão facultativa: cabe ao vendedor decidir se e quando deseja emitir o

424

De acordo, na jurisprudência: ―Em se tratando de dívida resultante de compra de mercadoria a prazo, é vedado ao vendedor emitir letra de câmbio em lugar da duplicata mercantil, mas nada obsta que a compra e venda seja representada por nota promissória ou por cheque, que são títulos sacados pelo comprador (Inteligência do art. 2º da Lei nº 5.474/68).‖ (Apelação nº 2.0000.00.306935-8, 3ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 26 de agosto de 2000). 425

Cf. art. 2º, § 1º, inciso II, da Lei nº 5.474/1968. 426

Cf. art. 2º, caput, proêmio, da Lei nº 5.474/1968. 427

―Direito comercial. Recurso especial. Ação cautelar. Fatura comercial. Data de emissão. Duplicata. Saque em data posterior. Possibilidade. - A duplicata mercantil pode ser sacada em data posterior à de emissão da fatura comercial. - A menção à data de emissão da fatura (Lei nº. 5474/68, art. 2º) deve ser entendida apenas como o termo a quo de saque da duplicata, o qual deve ser observado em obediência à natureza causal deste título de crédito.‖ (REsp nº 292.355/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de fevereiro de 2002, p. 414).

158

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título para representar o crédito da venda mercantil a prazo documentada por meio

da fatura. Não obstante, a emissão deve ocorrer antes do vencimento428.

A duplicata também deve conter a indicação da data precisa do vencimento

ou a declaração de que o pagamento deve ser à vista429. Não é admissível,

entretanto, a emissão de duplicata a certo termo de vista, ou seja, com o

vencimento contado do dia do lançamento do aceite.

A duplicata deve conter a indicação dos nomes e dos domicílios tanto do

vendedor-sacador-emitente quanto do comprador-sacado430. Por ser o sacado-

comprador o devedor principal da duplicata431, também é necessária a

identificação adicional prevista no art. 3º da Lei nº 6.268/1975, mediante a

indicação do número de inscrição no cadastro nacional de pessoas jurídicas, se o

comprador for pessoa jurídica, ou do número de inscrição no cadastro de pessoas

físicas, da cédula de identidade, do título eleitoral ou da carteira profissional, se o

comprador for pessoa natural, sem prejuízo da qualificação genérica prevista no

inciso IV do § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474/1968.

Por oportuno, vale ressaltar que o sacado-comprador pode ser qualquer

pessoa, física ou jurídica, seja de direito privado, seja de direito público432. Nada

impede, portanto, a extração de duplicata a partir da venda de mercadorias a ente

428

Assim, na doutrina: ―A duplicata mercantil deve ser emitida com base na fatura ou na NF-fatura. Logo, sua emissão se dá após a de uma destas relações de mercadorias vendidas. Mas, embora não fixe a lei um prazo específico máximo para a emissão do título, deve-se entender que ele não poderá ser sacado após o vencimento da obrigação ou da primeira prestação.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 23ª ed., 2011, p. 324). 429

Cf. art. 2º, § 1º, inciso III, da Lei nº 5.474/1968. 430

Cf. art. 2º, § 1º, inciso IV, da Lei nº 5.474/1968. 431

Cf. art. 21, § 4º, da Lei nº 9.492/1997. 432

De acordo, na jurisprudência: ―EXECUÇÃO CONTRA O MUNICÍPIO. TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATAS SEM ACEITE, PORÉM ACOMPANHADAS DE NOTAS FISCAIS, COMPROVANTES DE ENTREGA DA MERCADORIA E INSTRUMENTOS DE PROTESTO. LIQUIDEZ, CERTEZA E EXIGIBILIDADE. AUSÊNCIA DE NULIDADE NO PROCESSO EXECUTIVO. EMBARGOS JULGADOS IMPROCEDENTES. - As duplicatas mercantis, embora sem aceite, são títulos hábeis a embasar a execução, quando acompanhadas das respectivas notas fiscais, comprovantes de entrega da mercadoria e instrumentos de protesto. Inteligência dos arts. 585, I, do CPC, e 15, II, da Lei 6.458/77.‖ (Apelação nº 1.0460.05.017779-5/001, 6ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 5 de dezembro de 2006). ―EMBARGOS À EXECUÇÃO - DUPLICATA - COMPROVAÇÃO DE FORNECIMENTO DE MERCADORIAS - VALIDADE DO TÍTULO. - É legítimo o saque de duplicata e o respectivo aponte para protesto, se o título estiver antecedido de comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação de serviço. - Comprovada a prestação de serviços ao executado, é devido o pagamento a ele relativo, sob pena de enriquecimento indevido do Município em prejuízo do licitante vencedor. - Recurso não provido.‖ (Apelação nº 1.0515.06.018955-9/001, 4ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 30 de maio de 2011).

159

159

público; mas eventual execução segue o rito especial do art. 730 do Código de

Processo Civil, e não o procedimento comum para a execução de títulos cambiais.

Ainda à luz do inciso IV do § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474/1968, constata-se

que a duplicata é título nominativo, já que a cártula deve revelar o nome do credor-

beneficiário: o vendedor das mercadorias.

No que tange à importância a ser paga, a duplicata deve conter a precisa

indicação em algarismos e por extenso, tendo em vista o disposto no art. 2º, § 1º,

inciso V, da Lei nº 5.474/1968.

A duplicata também deve conter a indicação da praça do respectivo

pagamento433. A praça de pagamento constante do título também marca o lugar

do Tabelionato competente para o protesto434. Com efeito, o protesto da duplicata

deve ocorrer no Cartório de Protesto de Títulos da praça do pagamento indicada

na cártula.

A duplicata deve conter a cláusula ―à ordem‖, por ser título endossável435.

Com efeito, a expressão legal ―à ordem‖ significa que o título pode ser transferido

a terceiro mediante endosso. Não é admissível, portanto, a emissão de duplicata

com cláusula ―não à ordem‖.

A duplicata deve conter a declaração de reconhecimento da obrigação de

pagamento436, para posterior apresentação ao sacado-comprador, na busca do

aceite.

Por fim, o vendedor-sacador deve assinar a duplicata, na qualidade de

emitente e credor do título437-438. Além da assinatura de próprio punho do

vendedor-emitente, a Lei nº 6.304/1975 estendeu às duplicatas a subscrição

mediante chancela mecânica, consoante a nova redação conferida ao art. 1º da

433

Cf. art. 2º, § 1º, inciso VI, da Lei nº 5.474/1968. 434

Cf. art. 13, § 3º. 435

Cf. art. 2º, § 1º, inciso VII, da Lei nº 5.474/1968. 436

Cf. art. 2º, § 1º, inciso VIII, da Lei nº 5.474/1968. 437

Cf. art. 2º, § 1º, inciso IX, da Lei nº 5.474/1968. 438

Assim, na doutrina: ―A duplicata é um título sacado pelo próprio credor, sem a participação do devedor.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 66).

160

160

Lei nº 5.589/1970439. Não é só. Em virtude da combinação do artigo 889, § 3º, com

o artigo 903, ambos do Código Civil de 2002, também é admissível a emissão de

duplicata eletrônica, mediante assinatura com certificado digital440.

1.9. Livro de Registro de Duplicatas

Embora seja facultativa a emissão de duplicata mercantil, o vendedor-

emitente que efetuar o saque deve abrir o respectivo livro de registro previsto no

art. 19 da Lei nº 5.474/1968. Daí a conclusão: o saque da duplicata é facultativo,

mas se o título for emitido, a abertura e o lançamento no Livro de Registro de

Duplicatas são obrigatórios.

O Livro de Registro de Duplicatas não pode conter emenda, borrão, rasura

nem entrelinhas, bem como deve ser conservado no próprio estabelecimento

empresarial do emitente-vendedor441. A falsificação e a adulteração da

escrituração do Livro de Registro de Duplicatas são crimes tipificados no parágrafo

único do art. 172 do Código Penal brasileiro.

Já a ausência da abertura do livro de duplicatas e a falta da escrituração

das duplicatas é crime tipificado no artigo 178 da Lei nº 11.101/2005, na

eventualidade de decretação de falência do emitente de duplicata mercantil.

Por fim, o Livro de Registro de Duplicatas tem grande serventia na

eventualidade de perda ou extravio da duplicata, para a emissão da triplicata.

1.10. Triplicata

439

"Art. 1º Os títulos ou certificados de ações, debêntures ou obrigações, bem como suas cautelas representativas, de emissão das sociedades anônimas de capital aberto, e as duplicatas emitidas ou endossadas pelo emitente, podem ser autenticadas mediante chancela mecânica, obedecidas as normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional. Parágrafo único. Aquele que utilizar chancela mecânica, obriga-se e responde integralmente pela legitimidade e valor dos títulos e endossos assim autenticados, inclusive nos casos de uso indevido ou irregular de tal processo, por quem quer que seja." (sem o grifo no original). 440

―Os títulos de crédito podem ser emitidos, aceitos, endossados ou avalizados eletronicamente, mediante assinatura com certificado digital, respeitadas as exceções previstas em lei.‖ (enunciado nº 461 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal). ―As duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação de serviços.‖ (enunciado nº 460 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal). 441

Cf. art. 19, § 2º, da Lei nº 5.474/1968.

161

161

À vista do art. 23 da Lei nº 5.474/1968, o emitente-vendedor tem a

obrigação de emitir triplicata quando há perda ou extravio da duplicata. Não

obstante, a interpretação teleológica do preceito legal revela que a emissão da

triplicata só é obrigatória para que o emitente-vendedor possa acionar o sacado-

comprador mediante execução forçada. Sem dúvida, só há necessidade da

emissão da triplicata por parte do emitente-vendedor se desejar reconstituir título

executivo extrajudicial para cobrar o respectivo crédito mediante ação de

execução442.

Além das duas hipóteses de emissão de triplicata previstas no art. 23 da Lei

nº 5.474/1968, há uma terceira hipótese já reconhecida pelos tribunais pátrios: na

eventualidade de retenção da duplicata pelo sacado-comprador, com a recusa da

devolução do título remetido para aceite, o emitente-vendedor também pode emitir

a triplicata, para poder realizar a cobrança judicial mediante a execução

forçada443.

A emissão da triplicata se da à luz do Livro de Registro das Duplicatas.

Trata-se, a rigor, de uma segunda via da duplicata, ou seja, a segunda reprodução

da nota-fiscal fatura.

Por fim, vale ressaltar que a triplicata tem a mesma natureza jurídica da

duplicata: título executivo extrajudicial. Daí a possibilidade de execução fundada

na triplicata, a despeito da omissão do artigo 585, inciso I, do Código de Processo

Civil. Sem dúvida, o artigo 23 da Lei nº 5.474/1968 dispõe que a triplicata produz

―os mesmos efeitos‖ da duplicata.

442

De acordo, na jurisprudência: ―1. A emissão de triplicata (Art. 23 da Lei 5.474/68) só é necessária quando o vendedor-credor pretender cobrar executivamente o crédito materializado nas duplicatas extraviadas. Tal necessidade desaparece quando o credor, renunciando à cobrança executiva, manejar ação monitória.‖ (REsp nº 819.329/RJ, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de dezembro de 2006, p. 391). 443

Assim, na jurisprudência: ―DIREITO COMERCIAL. DUPLICATAS NÃO DEVOLVIDAS. TRIPLICATAS. EXTRAÇÃO. LICITUDE. LEI 5.474/68, ART. 23. DISSIDIO. RECURSO CONHECIDO MAS DESPROVIDO. I - Não veda a lei a extração de triplicata em face de retenção da duplicata pela sacada. II - Inteligência do art. 23 da Lei 5.474/68.‖ (REsp nº 3.253/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de novembro de 1990, p. 13.262). ―Triplicata. Duplicatas não devolvidas. A jurisprudência admite a extração de triplicata quando o devedor retém as duplicatas que lhe foram enviadas para aceite. Interpretação extensiva ao art. 23 da Lei 5.474/68.‖ (REsp nº 64.227/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de outubro de 1995, p. 33.570). ―1. A obrigatoriedade da extração de triplicatas alcança os casos de perda ou extravio dos títulos, embora a jurisprudência admita possível a extração havendo retenção.‖ (REsp nº 174.221/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de março de 2000, p. 94).

162

162

1.11. Aceite

Após a emissão pelo vendedor, a duplicata – ou a respectiva triplicata –

deve ser remetida ao sacado-comprador, para o lançamento do respectivo aceite,

à vista dos arts. 2º, § 1º, e 6º, caput, ambos da Lei nº 5.474/1968.

A remessa da duplicata deve ser feita dentro do prazo de trinta dias,

―contado da data de sua emissão‖, quando efetuada pelo próprio emitente-

vendedor444.

Não obstante, se a remessa for feita por intermédio de instituições

financeiras, procuradores, correspondentes ou representantes do emitente-

vendedor, a duplicata deve ser apresentada ao sacado-comprador dentro de dez

dias do recebimento do título na praça de pagamento445.

Após a apresentação da duplicata, o sacado-comprador deve efetuar a

devolução no prazo de dez dias, com o aceite ou o motivo da recusa446. O sacado-

comprador só pode recusar o aceite pelos motivos arrolados no art. 8º: – não-

recebimento da mercadoria ou avaria na mercadoria recebida, ressalvada a

hipótese de o sacado-comprador ter assumido o risco; – vício, defeito ou diferença

na qualidade ou na quantidade da mercadoria; – divergência quanto ao prazo ou

preço.

Como é perceptível primo ictu oculi, ressalvadas as hipóteses taxativas

arroladas no art. 8º, o aceite é obrigatório na duplicata. Daí a importante diferença

entre a duplicata e a letra de câmbio: enquanto na duplicata o aceite é obrigatório,

na letra o aceite é sempre facultativo. A recusa do aceite na letra não gera

responsabilidade cambial alguma para o sacado. O mesmo raciocínio não tem

lugar na duplicata, porquanto a responsabilidade cambial do sacado-comprador

ocorre ex vi legis, e não do aceite em si. Ainda que não aceite a duplicata, o

sacado é o devedor originário e, como tal, pode ser acionado por meio de

execução, desde que cumpridas todas as exigências arroladas no inciso II do art.

15 da Lei nº 5.474/1968.

444

Cf. art. 6º, § 1º, da Lei nº 5.474/1968. 445

Cf. art. 6º, § 2º, da Lei nº 5.474/1968. 446

Cf. art. 7º, caput, da Lei nº 5.474/1968.

163

163

Por fim, vale ressalvar que a duplicata à vista não comporta aceite, mas,

sim, pagamento imediato, no momento da apresentação447.

1.12. Aval

No que tange ao aval, também há lugar para a garantia cambiária na

duplicata, à vista do art. 12 da Lei nº 5.474/1968: ―Art. 12. O pagamento da

duplicata poderá ser assegurado por aval, sendo o avalista equiparado àquele

cujo nome indicar; na falta da indicação, àquele abaixo de cuja firma lançar a sua;

fora dêsses casos, ao comprador‖. Como bem revela o preceito legal, na falta de

indicação do avalizado, considera-se que a garantia foi prestada em favor do

sacado-comprador.

Por fim, vale ressaltar que o aval lançado após o vencimento da duplicata

produz os mesmos efeitos jurídicos que o aval dado antes448.

1.13. Endosso

Na esteira da letra de câmbio e dos demais títulos de crédito, a duplicata

mercantil também é transmissível mediante endosso. Com o endosso, o emitente-

vendedor passa a garantir o título em relação ao aceite e ao pagamento. Por

conseguinte, ainda que não aceita a duplicata e não comprovada a entrega da

mercadoria, a execução pode ter em mira o emitente-sacador que endossou o

título e os respectivos avalistas449.

1.14. Pagamento

447

Cf. art. 7º, caput, proêmio, da Lei nº 5.474/1968. 448

Cf. artigo 12, parágrafo único, da Lei nº 5.474/1968. 449

Assim, na jurisprudência: ―DUPLICATA - AUSÊNCIA DE ACEITE E DE PROVA DA OPERAÇÃO COMERCIAL - EXECUÇÃO CONTRA ENDOSSANTE E AVALISTAS - POSSIBILIDADE. - A duplicata, mesmo sem aceite e desprovida de prova da entrega da mercadoria ou da prestação do serviço, pode ser executada contra o sacador-endossante e seus garantes. É que o endosso apaga o vínculo causal da duplicata entre endossatário, endossante e avalistas, garantindo a aceitação e o pagamento do título (LUG, Art. 15 c/c Arts. 15, § 1º, e 25 da Lei 5.474/68).‖ (REsp nº 823.151/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de novembro de 2006, p. 285).

164

164

Em virtude da faculdade conferida pelo caput do art. 9º da Lei nº

5.474/1968, o sacado-comprador pode efetuar o pagamento da duplicata mercantil

antes de lançar o aceite e antes do vencimento do título, conforme a sua

preferência. Aliás, é admissível até mesmo o pagamento parcial, ex vi do art. 9º, §

2º, da Lei nº 5.474/1968.

A prova do pagamento da duplicata é o recibo passado pelo credor, no

verso do próprio título ou em documento independente, com referência expressa à

duplicata450. Trata-se, à evidência, de exceção aos princípios cambiais da

cartularidade e da literalidade.

Por fim, na eventualidade do pagamento mediante cheque, a respectiva

liquidação, somada à anotação de que o cheque é destinado ao pagamento da

duplicata, no verso da cártula, também comprova o pagamento da duplicata451.

Não obstante, como o cheque tem natureza pro solvendo, o pagamento da

duplicata só se dá com a liquidação do cheque452.

1.15. Protesto

A duplicata e a respectiva triplicata são passíveis de protesto por recusa de

aceite, por ausência de devolução do título ou por falta de pagamento453. São três,

portanto, as hipóteses legais de protesto da duplicata e da respectiva triplicata:

falta de aceite, falta de devolução da duplicata e falta de pagamento.

Não obstante, a ausência de prévio requerimento de protesto por recusa de

aceite ou por retenção indevida do título não impede o posterior protesto por falta

de pagamento, tendo em vista o disposto no § 2º do art. 13 da Lei nº 5.474/1968,

in verbis: ―§ 2º O fato de não ter sido exercida a faculdade de protestar o título, por

450

Cf. art. 9º, § 1º, da Lei nº 5.474/1968. 451

Cf. art. 9º, § 2º, da Lei nº 5.474/1968. 452

De acordo, na jurisprudência: ―– O mero recebimento, pelo credor, de cheque para pagamento de duplicata não importa novação da dívida, porquanto referenciado cheque tem a característica pro solvendo, importando dizer que somente se concretiza o pagamento após sua compensação.‖ (Apelação nº 2.0000.00.377750-0/001, 2ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 29 de novembro de 2003). ―– Tratando-se de pagamento de dívida com cheque pós-datado, a extinção da obrigação somente se verifica após a liquidação decorrente de sua compensação, em razão do efeito pro solvendo da cártula.‖ (Apelação nº 2.0000.00.400700-3/001, 2ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 20 de dezembro de 2003). 453

Cf. art. 13 da Lei nº 5.474/1968.

165

165

falta de aceite ou de devolução, não elide a possibilidade de protesto por falta de

pagamento‖.

Na eventualidade da ausência de devolução da duplicata por parte do

sacado-comprador, o emitente-vendedor pode realizar o protesto mediante

simples indicações prestadas ao tabelião do cartório de protesto454. À vista da

interpretação jurisprudencial conferida ao art. 23 da Lei nº 5.474/1968, a extração

da triplicata é outra solução juridicamente possível para a eventualidade de

retenção da duplicata pelo sacado-comprador, com a consequente possibilidade

do protesto da triplicata455.

Quanto ao lugar, o protesto da duplicata – ou da respectiva triplicata – deve

ser realizado na praça do pagamento indicada no título456.

No que tange ao prazo, o protesto deve ser realizado dentro de trinta dias

da data do vencimento do título. Com efeito, o § 4º do art. 13 da Lei nº 5.474

dispõe sobre a necessidade do protesto da duplicata dentro do prazo de trinta

dias, sob pena de perda dos direitos cambiários contra os coobrigados:

endossantes e respectivos avalistas457. Por exemplo, o emitente-vendedor é o

credor originário da duplicata e pode ser o primeiro endossante do título; na

hipótese, o emitente-endossante passa a ser coobrigado pelo pagamento da

duplicata, razão pela qual pode ser acionado mediante execução forçada, desde

que o título tenha sido protestado dentro do prazo legal.

Já em relação ao devedor principal da duplicata (sacado-comprador), o

protesto é facultativo. Não obstante, na eventualidade de denegação do aceite, o

454

Cf. art. 13, § 1º, da Lei nº 5.474/1968. 455

Assim, na jurisprudência: ―COMERCIAL. Extração de triplicatas. Obrigatoriedade e faculdade. O art. 23 da lei 5474/68 obriga o vendedor a extrair triplicata, em casos de extravio ou perda da duplicata, mas não exclui a faculdade de fazê-lo em casos de retenção da duplicata, ou em situações assemelhadas que tolhem a circulação do título e deixam sem possibilidade de aparelhar sua execução.‖ (REsp nº 10.941/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 26 de agosto de 1991, p. 11.401). ―Triplicata. Duplicatas não devolvidas. A jurisprudência admite a extração de triplicata quando o devedor retém as duplicatas que lhe foram enviadas para aceite. Interpretação extensiva ao art. 23 da Lei 5.478/68.‖ (REsp nº 64.227/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de outubro de 1995, p. 33.570). ―1. A obrigatoriedade da extração de triplicatas alcança os casos de perda ou extravio dos títulos, embora a jurisprudência admita possível a extração havendo retenção.‖ (REsp nº 174.221/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de março de 2000, p. 94). 456

Cf. arts. 2º, § 1º, inciso VI, e 13, § 3º, ambos da Lei nº 5.474/1968. 457

De acordo, na jurisprudência: ―É princípio básico que para se poder exercer o direito de regresso o protesto deve ser lavrado até o 30º dia após o vencimento da duplicata, do contrário ocorre a decadência do direito.‖ (Apelação nº 2.0000.00.516493-2, 5ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 30 de novembro de 2005).

166

166

protesto passa a ser condição de admissibilidade da execução em face do

sacado-comprador, sob pena de carência da ação, conforme se infere do art. 15,

caput e inciso II, letra ―a‖, da Lei nº 5.474/1968458. Não obstante, o protesto exigido

na alínea ―a‖ do inciso II do art. 15 não está condicionado ao trintídio previsto no §

4º do art. 13, porquanto a observância do prazo legal diz respeito à conservação

de direitos cambiários em relação aos coobrigados, ao passo que o sacado-

comprador é devedor principal. Daí a justificativa para a serventia do protesto,

ainda que decorridos mais de trinta dias do vencimento da duplicata459.

1.16. Ações fundadas em duplicata e triplicata

1.16.1. Ação cambial ou execução

1.16.1.1. Introdução

A duplicata e a respectiva triplicata são títulos executivos extrajudiciais que

autorizam a propositura de ação de execução para a cobrança judicial da quantia

proveniente da compra e venda mercantil, ex vi do art. 585, inciso I, do Código de

Processo Civil, e do art. 15 da Lei nº 5.474/1968.

1.16.1.2. Foro competente

No que tange ao foro competente para a ação cambial fundada em

duplicata ou triplicata, o art. 17 da Lei nº 5.474/1968 revela que a execução em

face do sacado-comprador pode ser acionada no lugar do pagamento estampado

no título ou no local do domicílio daquele. Sem dúvida, a regra consagrada no art.

458

De acordo, na doutrina: ―Quando não aceita, o instrumento de protesto é indispensável para a caracterização do título executivo.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de processo civil. Volume III, 2008, p. 66). 459

De acordo, na jurisprudência: ―Embargos à execução - Duplicata - Prazo para o protesto. O prazo de 30 dias, estipulado no art. 13, par. quarto, da Lei número 5.474/68, diz respeito apenas ao direito de regresso do portador contra o endossante e respectivos avalistas. O protesto requerido pelo sacador contra o sacado não se sujeita a tal prazo. Recurso improvido.‖ (Apelação nºs 320.319-4 e 0032031-20.1994.807.000, 1ª Turma Cível do TJDF, acórdão nº 76.509, Diário da Justiça de 17 de maio de 1995, p. 6.417, sem o grifo no original).

167

167

17 da Lei nº 5.474/1968 é a possibilidade do acionamento da execução tanto no

foro da praça do pagamento quanto no foro do domicílio do comprador-devedor.

Não obstante, na eventualidade de o sacado-comprador suscitar a incompetência

relativa do foro da praça do pagamento indicada em título sem aceite, a

competência é do foro do domicílio do comprador-devedor, em razão da incidência

da segunda parte do art. 17 da Lei nº 5.474/1968460.

Já a execução movida em face de coobrigado, deve ser acionada no foro

do respectivo domicílio, conforme determina a parte final do artigo 17, in verbis: ―O

foro competente para a cobrança judicial da duplicata ou da triplicata é o da praça

de pagamento constante do título, ou outra de domicílio do comprador e, no caso

de ação regressiva, a dos sacadores, dos endossantes e respectivos avalistas‖.

1.16.1.3. Prescrição cambial

No que tange ao sacado-comprador e aos respectivos avalistas, a

prescrição da pretensão à execução da duplicata ocorre em três anos, contados

da data do vencimento do título, ex vi do art. 18, inciso I, da Lei nº 5.474/1968461.

Quanto aos endossantes e respectivos avalistas, entretanto, o prazo

prescricional é de apenas um ano, contado da data do protesto (art. 18, inciso II),

o qual é necessário (art. 13, § 4º).

Na eventualidade de algum coobrigado realizar o pagamento, há sub-

rogação, à vista da qual o pagante pode acionar outros coobrigados anteriores na

460

Assim, na jurisprudência: ―Inexistindo manifestação de adesão, quanto ao foro, unilateralmente fixado no título pelo credor, é de incidir a segunda parte da regra insculpida no artigo 17 da Lei de Duplicatas.‖ (REsp nº 762.683/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 11 de fevereiro de 2008, p. 93). Prestigiou-se, portanto, a mesma tese constante da ementa do acórdão proferido no Tribunal de Justiça do Paraná: ―PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXCEÇÃO DE INCOMPETÊNCIA. AÇÃO DE EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. LEI DE DUPLICATAS. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COBRANÇA. AUSÊNCIA DE CLÁUSULA ESTABELECENDO O FORO COMPETENTE A DIRIMIR DIVERGÊNCIAS CONTRATUAIS. DUPLICATA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. TÍTULO SEM ACEITE. IMPOSSIBILIDADE DO SACADOR FIXAR UNILATERALMENTE A PRAÇA DE PAGAMENTO. PREVALÊNCIA DO FORO DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR. APLICAÇÃO DOS ARTS. 17 DA LEI 5.474/68 C.C. ART. 100, IV, ‗D‘, DO CPC. Recurso desprovido. Em se tratando de duplicata sem aceite, a praça de pagamento não pode ser determinada de forma unilateral pelo emitente, devendo prevalecer, neste caso, a competência do domicílio do comprador, tal como determina a segunda parte do art. 17 da Lei de Duplicatas‖. 461

De acordo, na jurisprudência: ―- De acordo com o art. 18, I, da Lei nº 5.474/68, a ação proposta pelo sacador da duplicata contra o sacado prescreve em 3 anos.‖ (Apelação nº 1.0702.05.246064-0/001, TJMG, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 2007).

168

168

cadeia de obrigações cambiais, no prazo de um ano da efetivação do pagamento

do título, com fundamento no art. 18, inciso II, da Lei nº 5.474/1968, combinado

com o artigo 15 do mesmo diploma e o artigo 567, inciso III, do Código de

Processo Civil.

1.16.1.4. Condições da ação cambial fundada em duplicata e triplicata

Além da observância do prazo prescricional, a execução depende do

cumprimento de outras exigências legais, consoante as seguintes hipóteses:

1ª) se a duplicata foi aceita e devolvida, o título pode aparelhar a execução

do sacado-comprador e do respectivo avalista, independentemente de protesto

cambial, no prazo de três anos, com fundamento nos termos dos arts. 13, § 4º, 15,

inciso I, e 18, inciso I, todos da Lei nº 5.474/1968.

2ª) se a duplicata foi aceita e devolvida pelo sacado-comprador, o título

pode aparelhar a execução dos coobrigados (endossantes e respectivos

avalistas), desde que efetuado o protesto cambial dentro do prazo de trinta dias do

vencimento da duplicata, e que a execução tenha sido ajuizada dentro do prazo de

um ano da data do protesto, tudo nos termos dos arts. 13, § 4º, 15, inciso I, e 18,

inciso II, da Lei nº 5.474/1968.

3ª) se a duplicata não foi aceita, mas foi devolvida pelo sacado-comprador,

é indispensável o protesto cambial do título devolvido sem aceite e a comprovação

da entrega da mercadoria mediante recibo idôneo, para a posterior propositura da

execução em face do sacado-comprador, no prazo de três anos, nos termos do

art. 15, inciso II, alíneas ―a‖ e ―b‖, e § 1º, e do art. 18, inciso I, ambos da Lei nº

5.474/1968. Vale ressaltar que a inteligência do § 1º do art. 15 revela que o recibo

da entrega da mercadoria só é indispensável quando a execução fundada no

inciso II tem como alvo o sacado-comprador. Quando a ação executiva tem em

mira coobrigado, basta o protesto cambial tempestivo, tendo em vista a

interpretação do § 1º do art. 15 da Lei nº 5.474/1968462.

462

De acordo, na jurisprudência: ―O comprovante de recebimento das mercadorias ou do serviço prestado somente é exigido quando a execução é movida contra o devedor principal.‖ (Apelação nº 2.0000.00.516493-

169

169

4ª) se a duplicata não foi aceita nem devolvida pelo sacado-comprador, é

indispensável o protesto cambial por meio da triplicata ou por simples indicações

do credor ao Tabelião do Cartório de Protesto, e também a comprovação da

entrega da mercadoria vendida mediante recibo idôneo, para a posterior

propositura da execução em face do sacado-comprador, no prazo de três anos,

tudo nos termos dos arts. 13, § 1º, in fine, 15, inciso II, alíneas ―a‖ e ―b‖, e § 2º, e

18, inciso I, da Lei nº 5.474/1968463. No que tange à execução em face de

coobrigado, basta o protesto tempestivo da triplicata com endosso ou aval

subscrito, em virtude da autonomia da obrigação cambial; mas a execução deve

ser acionada no prazo de um ano, sob pena de prescrição.

Por fim, sempre que for o executado for o sacado-comprador, o processo

da ação cambial não subsiste quando há a comprovação da recusa do aceite

dentro do prazo de dez dias, com a observância da forma escrita com fundamento

em algum dos motivos arrolados no art. 8º da Lei nº 5.474/1968. Com efeito, a

prova da recusa pode ser suscitada pelo sacado-comprador em sede de

embargos à execução e impede o processamento da execução, nos termos do art.

15, inciso II, alínea ―c‖, da Lei nº 5.474/1968. Recusado o aceite a tempo e modo

pelo sacado-comprador, resta ao sacador-vendedor efetuar a cobrança por meio

de ação de conhecimento sob o rito ordinário, com fundamento no art. 16 do

mesmo diploma legal.

1.16.2. Ação de enriquecimento sem causa ou de locupletamento indevido

2, 5ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 30 de novembro de 2005). ―Não é facultado ao Juiz indeferir a inicial de ação de execução de duplicata protestada pelo fato de faltar o comprovante de entrega de mercadoria quando o exequente é banco endossatário e a cobrança é endereçada ao endossante e seu avalista. Dada a autonomia dessa garantia cambiária, bastam a apresentação do título e o seu protesto para assegurarem a execução contra aqueles coobrigados. (Apelação nºs 355.299-5 e 0035522-98.1995.807.0000, 1ª Turma Cível do TJDF, acórdão nº 78.743, Diário da Justiça de 13 de setembro de 1995, página 12.935). 463

O mesmo raciocínio é aplicável na hipótese de duplicata eletrônica, autorizada por força do art. 903 do Código Civil, como bem revela o preciso enunciado nº 460 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―As duplicatas eletrônicas podem ser protestadas por indicação e constituirão título executivo extrajudicial mediante a exibição pelo credor do instrumento de protesto, acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou de prestação de serviços‖.

170

170

Decorrido o último prazo prescricional da pretensão executiva464, o sacador-

vendedor ainda pode acionar o sacado-comprador, agora em razão do

locupletamento indevido, dentro do prazo de três anos, com fundamento nos arts.

206, § 3º, inciso IV, e 884, ambos do Código Civil de 2002, no art. 25 da Lei nº

5.474/1968, e no art. 48 do Decreto nº 2.044/1908.

Em razão da natureza cognitiva da demanda de enriquecimento sem causa,

o autor deve escolher entre o rito comum465 e o procedimento monitório, mas não

precisa declinar a origem da dívida na petição inicial, porquanto o locupletamento

indevido é demonstrado pela simples juntada da duplicata aceita prescrita, da

duplicata prescrita sem aceite, mas acompanhada do comprovante da entrega das

mercadorias, ou, ainda, nas mesmas condições, da triplicata466.

Após o processamento da demanda de enriquecimento sem causa sob o

rito ordinário ou sob o procedimento monitório, conforme a escolha do autor, o

título executivo judicial é constituído em favor do autor prejudicado pelo

locupletamento indevido.

1.16.3. Ação de cobrança ou ação causal

Diante da ausência de alguma das exigências arroladas no art. 15 da Lei nº

5.474 para a propositura da execução cambial ou na eventualidade de prescrição

da pretensão executiva, o credor ainda pode escolher entre ajuizar a demanda de

cobrança sob o rito ordinário, com fundamento no art. 16 da Lei nº 5.474, ou sob o

procedimento monitório, à vista do art. 1.102-A do Código de Processo Civil, com

464

Qual seja, o prazo de três anos previsto no art. 18, inciso I, da Lei nº 5.474/1968. 465

O procedimento comum é dividido em ordinário e sumário, conforme o valor da causa. 466

Em reforço, vale conferir o didático voto proferido pelo eminente Desembargador Alexandre Freitas Câmara, na qualidade de revisor da Apelação nº 2009.001.07855: ―A partir daí, porém, só se pode demandar com apoio no direito literal e autônomo representado pela duplicata (demanda de enriquecimento, que dispensa a invocação da causa debendi). Neste caso, então, incide o prazo previsto no art. 206, § 3º, IV, do Código Civil, de três anos, contados do término do prazo dentro do qual era adequada a execução. A demanda de enriquecimento, evidentemente, pode ser proposta pelo procedimento ordinário ou monitório, conforme prefira o demandante.‖ (cf. Apelação nº 2009.001.07855, 2ª Câmara Cível do TJRJ).

171

171

a juntada da prova escrita sem eficácia de título executivo para demonstrar a

origem da dívida declinada na petição inicial467-468.

2. Duplicata de prestação de serviços

A duplicata de prestação de serviços reside nos arts. 20 e 21 da Lei nº

5.474/1968. Trata-se de duplicata cujo objeto é a prestação de serviços. À

prestação de serviços, entretanto, não equivale mera locação de bem móvel,

como bem assentou o Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, ao aprovar

o enunciado nº 17: ―O contrato de locação de bem móvel não autoriza o saque de

duplicata‖469. Ainda que por outro fundamento, o crédito proveniente de prestação

de serviços profissionais de advocacia também não autoriza o saque de duplicata,

seja mercantil, seja de prestação de serviços, tendo em vista a vedação

467

Assim, na jurisprudência: ―AÇÃO MONITÓRIA. DUPLICATA SEM ACEITE, ACOMPANHADA DA NOTA FISCAL/FATURA E DO INSTRUMENTO DE PROTESTO. PROVA ESCRITA. DOCUMENTO QUE NÃO PRECISA SER OBRIGATORIAMENTE EMANADO DO DEVEDOR. - O documento escrito a que se refere o legislador não precisa ser obrigatoriamente emanado do devedor, sendo suficiente, para a admissibilidade da ação monitória, a prova escrita que revele razoavelmente a existência da obrigação. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 167.618/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 14 de junho de 1999, p. 202). ―Ação monitória. Duplicata de prestação de serviço sem aceite. Ausência de documento comprovando o recebimento do serviço. 1. Afirmando o Acórdão recorrido que, no caso, não há documento comprovando o recebimento dos serviços, e admitindo a jurisprudência da Corte que a duplicata sem aceite é título executivo se acompanhado de tal documento, não é possível impedir o autor de exercer o seu direito de credor pela via da ação monitória.‖ (REsp nº 167.222/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de outubro de 1999, p. 55). 468

No mesmo sentido, na doutrina: ―Se a duplicata ou triplicata não preenche os requisitos legais para a execução, pode seu credor recorrer ao procedimento ordinário, ou seja, ao processo de conhecimento, aforando uma ação de cobrança. A mesma alternativa processual socorre o credor na hipótese de prescrição do título. De qualquer sorte, tem-se ainda a possibilidade de manejo da ação monitória, instrumento de previsão mais recente no Direito brasileiro.‖ (Gladston Mamede. Títulos de crédito. 2003, p. 340). 469

Cf. Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 372.571, Pleno do 1º TACIVSP, Diário da Justiça de 20 de abril de 1988 e Revista JTA, volume 107, p. 191. No mesmo sentido, na jurisprudência do STJ: ―– Não se admite a emissão de duplicata mercantil com base em contrato de locação de bens móveis, uma vez que a relação jurídica que antecede à sua formação não se enquadra nas hipóteses legais de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços.‖ (REsp nº 397.637/RS, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 23 de junho de 2003, p. 353). ―DECLARATÓRIA - DUPLICATA - EMISSÃO COM BASE EM RELAÇÃO LOCATÍCIA - IMPOSSIBILIDADE. A locação de bens móveis, inclusive a de veículos, não pode ser fato gerador do ISS. A duplicata, por ser título causal, só pode ser emitida nas hipóteses legais de compra e venda mercantil ou de prestação de serviços, não se admitindo a sua emissão com base em contrato de locação de bens móveis, uma vez que relação jurídica que antecede a sua formação não se classifica como prestação de serviços.‖ (Apelação nº 1.0024.05.582373-6/001, 15ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 17 de setembro de 2007). ―APELAÇÃO CÍVEL. DUPLICATA. INEXIGIBILIDADE. LOCAÇÃO DE VEÍCULOS. 1. A duplicata mercantil é um título de crédito causal e somente pode ser emitida de forma válida e regular desde que lastreada em compra e venda mercantil ou em prestação de serviços, conforme o disposto no art. 1º e art. 20 da Lei n.º 5.474/68. 2. Considerando que a locação de bens móveis não constitui prestação de serviços, não pode a mesma, lastrear a emissão de duplicata.‖ (Apelação nºs 1.0702.07.373859-4/001 e 3738594-41.2007.8.13.0702, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 27 de agosto de 2010).

172

172

estampada no artigo 42 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados

do Brasil470-471.

Feitas as ressalvas, a duplicata de prestação de serviços pode ser emitida

por empresário individual, por sociedade empresária, bem assim por fundação e

por sociedade civil472. Não obstante, sempre tem natureza cambial, até mesmo

quando emitida por fundação ou por sociedade simples.

Em relação ao sacado, o devedor na duplicata pode ser qualquer pessoa,

física ou jurídica, seja de direito privado, seja de direito público473. Nada impede,

portanto, a extração de duplicata vinculada à prestação de serviços em prol de

ente público; mas eventual execução segue o rito especial do artigo 730 do

Código de Processo Civil, e não o procedimento comum para a execução

aparelhada em títulos cambiais.

No que tange aos requisitos formais, além dos requisitos gerais arrolados

no § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474, a duplicata de prestação de serviço também

470

Com efeito, o artigo 42 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil só autoriza a ―emissão de fatura, desde que constitua exigência do constituinte ou assistido, decorrente de contrato escrito, vedada a tiragem de protesto‖. 471

De acordo, na jurisprudência: ―AÇÃO ANULATÓRIA DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB. VEDAÇÃO À EMISSÃO DE DUPLICATA OU O PROTESTO DESTA. A duplicata sacada pela apelante não se reveste de legalidade, por não encontrar substrato em efetiva prestação de serviço, pois, em que pesem o cuidado e o zelo da apelante com o oferecimento de bem à penhora e o cumprimento das obrigações assumidas no contrato de prestação de serviços firmado com a apelada, certo é que o ‗êxito‘ existente na ação fiscal deveu-se apenas ao cancelamento da dívida da parte executada naquele processo. O art. 42 do Código de Ética e Disciplina da OAB é claro quanto à proibição de emissão, por advogado ou sociedade de advogados, de qualquer título de crédito de natureza mercantil, com exceção da fatura, e esta, sob certas condições.‖ (Apelação nºs 2.0000.00.491669-8/000 e 4916698-54.2000.8.13.0000 , 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 24 de novembro de 2006). 472

Vale dizer, sociedade simples. 473

De acordo, na jurisprudência: ―EMBARGOS À EXECUÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA. ACEITE. AUSÊNCIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO. DEMONSTRAÇÃO. TÍTULO LEVADO A PROTESTO. REQUISITOS PRESENTES. EMBARGOS INACOLHIDOS. PRELIMINARES. REJEIÇÃO. O município pode ser demandado em ação de execução que tem por objeto a cobrança de título extrajudicial. Precedentes do colendo STJ. Em se tratando de execução fundada em duplicata não aceita, o credor deve demonstrar, cumulativamente, o protesto do título e a prestação do serviço.‖ (Apelação nº 1.0295.03.004524-5/001, 6ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de maio de 2008). ―EMBARGOS À EXECUÇÃO - DUPLICATA - COMPROVAÇÃO DE FORNECIMENTO DE MERCADORIAS - VALIDADE DO TÍTULO. - É legítimo o saque de duplicata e o respectivo aponte para protesto, se o título estiver antecedido de comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação de serviço. - Comprovada a prestação de serviços ao executado, é devido o pagamento a ele relativo, sob pena de enriquecimento indevido do Município em prejuízo do licitante vencedor. - Recurso não provido.‖ (Apelação nº 1.0515.06.018955-9/001, 4ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 30 de maio de 2011).

173

173

deve conter a natureza do serviço prestado e a respectiva importância a ser

paga474.

Tal como a duplicata mercantil, a emissão de duplicata de prestação de

serviço torna obrigatória a abertura do Livro de Registro de Duplicatas, porquanto

incidem as regras gerais de regência da duplicata mercantil.

Na mesma esteira, o art. 21 versa sobre os motivos de recusa do aceite, à

vista do disposto no art. 8º. Por conseguinte, tal como ocorre com a duplicata

mercantil devolvida sem aceite, é admissível o protesto cambial fundado na

comprovação da prestação dos serviços, com a posterior abertura da via executiva

em prol do credor, o qual pode acionar tanto a execução civil quanto a falência. A

propósito, vale conferir o preciso enunciado nº 248 da Súmula do Superior

Tribunal de Justiça: ―Comprovada a prestação de serviços, a duplicata não aceita,

mas protestada, é título hábil para instruir pedido de falência‖.

Por fim, na esteira da duplicata mercantil, a duplicata de prestação de

serviços também é transmissível mediante endosso. Com o endosso, o emitente-

sacador passa a garantir o título em relação ao aceite e ao pagamento. Por

conseguinte, ainda que não aceita a duplicata e não comprovada a prestação do

serviço, o emitente-sacador que endossou o título e os respectivos avalistas

podem ser executados475.

3. Conta de prestação de serviços

A conta de prestação de serviços consta do art. 22 da Lei nº 5.474/1968.

Trata-se de título de crédito impróprio consubstanciado em fatura emitida por

profissionais liberais ou prestadores eventuais de serviços. Por exemplo, o artigo

42 do Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil dispõe

474

Cf. art. 20, §§ 1º e 2º, da Lei nº 5.474/1968. 475

Assim, na jurisprudência: ―DUPLICATA - AUSÊNCIA DE ACEITE E DE PROVA DA OPERAÇÃO COMERCIAL - EXECUÇÃO CONTRA ENDOSSANTE E AVALISTAS - POSSIBILIDADE. - A duplicata, mesmo sem aceite e desprovida de prova da entrega da mercadoria ou da prestação do serviço, pode ser executada contra o sacador-endossante e seus garantes. É que o endosso apaga o vínculo causal da duplicata entre endossatário, endossante e avalistas, garantindo a aceitação e o pagamento do título (LUG, Art. 15 c/c Arts. 15, § 1º, e 25 da Lei 5.474/68).‖ (REsp nº 823.151/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de novembro de 2006, p. 285).

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174

sobre a ―emissão de fatura, desde que constitua exigência do constituinte ou

assistido, decorrente de contrato escrito, vedada a tiragem de protesto‖.

Tal como na duplicata de prestação de serviços, o objeto da fatura ou conta

também é a prestação de serviços, como, à vista do exemplo exposto, os serviços

profissionais advocatícios.

Não obstante, não há Livro de Registro de Duplicatas, porquanto não há

emissão de duplicata alguma, mas, sim, de mera fatura ou conta, com o simples

registro no Tabelionato de Títulos de Documentos476. Vale ressaltar que o registro

previsto no § 2º do art. 22 da Lei nº 5.474/1968 é indispensável para que a fatura

ou conta de serviço seja considerada título executivo extrajudicial idôneo para

ensejar execução forçada477.

Por fim, os requisitos formais da fatura ou conta estão arrolados no § 1º do

art. 22: natureza do serviço prestado; valor do serviço; local e data do pagamento;

vínculo contratual originário do serviço.

4. Duplicata rural

O diploma de regência da duplicata rural é o Decreto-lei nº 167/1967, com

as alterações conferidas da Lei nº 6.754/1979.

No que tange ao objeto, a duplicata rural pode ser emitida para representar

venda a prazo de bens de natureza rural: agrícola, pastoril ou extrativa. Por

conseguinte, a duplicata rural pode ser emitida por produtores rurais e por

cooperativas rurais.

Quanto aos requisitos formais, são, mutatis mutandis, os mesmos arrolados

no § 1º do art. 2º da Lei nº 5.474/1968, com as adaptações necessárias ao objeto

e ao emitente da duplicata rural. Eis os requisitos formais previstos no Decreto-lei

nº 167/1967: designação ―duplicata rural‖; data do pagamento; nomes e domicílios

do comprador e do vendedor; importância a pagar, em algarismos e por extenso;

476

Cf. art. 22, § 2º, da Lei nº 5.474/1968. 477

De acordo, na jurisprudência: Apelação nº 2004.022313-7, Câmara Especial Regional de Chapecó do TJSC, Diário da Justiça de Santa Catarina de 1º de setembro de 2009, p. 495.

175

175

praça do pagamento; indicação dos produtos rurais vendidos; data e lugar da

emissão; cláusula ―à ordem‖; reconhecimento da obrigação pelo comprador, a ser

subscrito no momento da apresentação para aceite; assinatura do vendedor.

Por fim, diferentemente dos títulos de crédito em geral (letra de câmbio,

nota promissória, cheque, duplicata), os quais são apenas créditos quirografários,

a duplicata rural goza de privilégio especial, ex vi do art. 53 do Decreto-lei nº

167/1967, razão pela qual deve ser paga com prioridade em relação aos demais

títulos de crédito, na eventualidade de falência do devedor, tudo nos termos do art.

83, incisos IV e VI, da Lei nº 11.101/2005.

5. Duplicata simulada

A emissão de fatura, duplicata ou nota de venda sem exata

correspondência à mercadoria vendida ou ao serviço prestado é crime tipificado

no art. 172 do Código Penal, cuja redação atual foi dada pela Lei nº 8.137/1990.

Com maior razão, a emissão de duplicata sem venda de mercadoria alguma e

sem prestação de serviço algum também deve ser apenada à luz do art. 172 do

Código Penal478. Em qualquer caso, a ação penal é pública incondicionada.

Em razão da natureza formal do crime tipificado no art. 172 do Código

Penal, há a consumação com a emissão e a circulação da duplicata simulada,

sem depender da ocorrência de prejuízo a outrem479. Por conseguinte, há a

478

De acordo, na jurisprudência: ―1. A nova redação do art. 172 do Código Penal, dada pela Lei nº 8.137/90, não excluiu do tipo o ato de emitir duplicata que não corresponda a uma venda de mercadoria ou prestação de serviço efetivamente realizadas. Precedente da Suprema Corte.‖ (REsp nº 443.929/SP, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 25 de junho de 2007, p. 307). ―1. Responde pelo crime de duplicata simulada o agente que emite duplicata que não corresponde a efetiva transação comercial.‖ (HC nº 9.444/SP, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 20 de setembro de 1999, p. 72). 479

Assim, na jurisprudência: ―RECURSO ESPECIAL. PENAL. PENAL E PROCESSO PENAL. DUPLICATA SIMULADA. ARTS. 172 E 71 DO CÓDIGO PENAL. CRIME CONTINUADO. CONCURSO DE PESSOAS. LEGISLAÇÃO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO. O delito do art. 172 do CP sempre foi, na antiga e na atual redação, crime de natureza formal. Consuma-se com a expedição da duplicata simulada, antes mesmo do desconto do título falso perante a instituição bancária.‖ (REsp nº 147.507/RS, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de setembro de 2000, p. 147). ―PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. DUPLICATA SIMULADA. A consumação do delito previsto no art. 172 do CP se dá com a simples e efetiva colocação da duplicata em circulação, independentemente do prejuízo (Precedente).‖ (CC nº 27.049/PE, 3ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 14 de agosto de 2000, p. 135). ―A consumação do delito previsto no art. 172 do CP, crime formal e unissubsistente, dá-se com a simples e efetiva colocação da duplicata em circulação, independentemente do prejuízo.‖ (RHC nº 16.053/SP, 6ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de setembro de 2005, p. 368).

176

176

consumação do crime com a simples remessa da duplicata simulada ao sacado-

comprador ou com o lançamento do endosso pelo emitente-vendedor, seguido da

tradição a outrem.

Sob outro prisma, trata-se de crime doloso consubstanciado na vontade de

emitir duplicata mercantil, sem perfeita vinculação com venda de mercadorias, ou

sem a correspondente prestação de serviços, no caso da duplicata de prestação

de serviço. Por conseguinte, a emissão de duplicata proveniente de negligência,

imprudência ou imperícia não configura o crime, porquanto não há a modalidade

culposa no art. 172 do Código Penal.

Por fim, a duplicata simulada não tem efeito cambial, razão pela qual não

pode aparelhar a execução prevista no art. 15 da Lei nº 5.474/1968, e no art. 585,

inciso I, do Código de Processo Civil. Eventual execução ajuizada com esteio em

duplicata simulada é passível de embargos à execução, para a desconstituição do

título de crédito e a extinção do processo executivo480.

480

De acordo, na jurisprudência: ―DIREITO PROCESSUAL CIVIL - EMBARGOS À EXECUÇÃO - DUPLICATA SIMULADA - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO À UNANIMIDADE. I – Diante do fato de as notas fiscais que originaram a execução não corresponderem ao negócio jurídico entabulado entre as partes, verifica-se a existência de duplicata simulada, impondo-se a anulação desta. II – Devem, portanto, ser acolhidos os embargos à execução opostos para desconstituir os títulos que embasaram a execução em face da simulação de entrega de mercadoria.‖ (Apelação nº 1999.01.1.074963-0, 3ª Turma Cível do TJDF, acórdão registrado sob o nº 150.097, Diário da Justiça de 13 de março de 2002, p. 47).

177

177

CAPÍTULO VI – AÇÃO CAMBIAL

1. Conceito de ação cambial

À vista do proêmio do art. 49 do Decreto nº 2.044/1908: ―A ação cambial é

executiva‖. Daí a explicação para as expressões ―execução cambial‖ e ―execução

cambiária‖481.

Não obstante, autorizada doutrina sustenta que tanto a execução quanto a

demanda cognitiva de enriquecimento sem causa fundadas em título de crédito

são ―ações cambiais‖482. Ainda que muito respeitável a tese, prestigia-se o

disposto no art. 49 do Decreto nº 2.044/1908, segundo o qual a ―ação cambial‖

tem natureza executiva. A demanda de enriquecimento sem causa não é

verdadeira ―ação cambial‖, por ter natureza cognitiva e por não estar fundada em

obrigação cambial, mas, sim, na obrigação civil prevista no art. 884 do Código

Civil. Com efeito, a demanda de enriquecimento sem causa tem como escopo

evitar o locupletamento de uma pessoa que obteve ganho sem cumprir a

481

De acordo, na doutrina: ―A ação cambial, no direito brasileiro, é uma ação executiva típica.‖ (Rubens Requião. Curso de direito comercial. Volume II, 25ª ed., 2008, nº 599, p. 465). ―Mas o nome ação cambial, por tradição, ficou mantido, quando poderia ser execução cambial. No entanto, pouco importa se se trata de execução, ação de execução, execução cambial ou ação cambial. Isso quer dizer que a ação cambial segue o mesmo caminho estabelecido pelo processo civil brasileiro vigente para o processo de execução. Entenda-se, pois: a ação cambial corresponde ao processo de execução (arts. 586 e seguintes do CPC), especialmente com a aplicação do inciso I do art. 585, bem como dos arts. 646 e seguintes do Código de Processo Civil.‖ (Wille Duarte Costa. Títulos de crédito. 3ª ed., 2007, p. 275). ―Assim é denominada a ação que tem por título a cambial. Notadamente a ação que tem o portador da cambial para obter o pagamento, ou quando já paga, para conseguir o reembolso dos co-obrigados anteriores. Nos termos da lei processual, a ação cambiária será executiva (Cód. Proc. Civil, art. 298, nº XIII), razão pela qual, na prática forense, é ela mais conhecida pelo nome de executivo cambiário.‖ (Carvalho Santos. Repertório enciclopédico do direito brasileiro. Volume II, p. 1). ―AÇÃO CAMBIAL. É a ação típica para a cobrança executiva dos títulos de crédito: letra de câmbio, nota promissória ou conta assinada (duplicata). É uma ação executiva, por também se conhece vulgarmente pelos nomes de executivo cambial ou executivo cambiário.‖ (De Plácido e Silva. Vocabulário jurídico. Vo lume I, 6ª ed., 1980, p. 16). Ainda a respeito da distinção, merece ser prestigiada a lição do Professor Luiz Pinto Ferreira, especialmente na parte final, quando bem ensina que a ação de enriquecimento indevido não é ação cambial: ―AÇÃO DE CHEQUE. A ajuizada para exigir o importe do título com os encargos complementares, atribuída ao beneficiário, ao co-obrigado que tenha pago e ao avalista, contra todos os co-obrigados ou mesmo um só (Lei Uniforme sobre o Cheque, Anexo I, art. 52; Lei nº 7.357, de 2-9-1985, art. 47). Prescreve em seis meses, contados da data de expiração do prazo de apresentação. Permanece, entretanto, o direito do beneficiário de cobrar o que lhe é devido, não mais por ação cambiária, e sim por ação de enriquecimento ilícito.‖ (Pinto Ferreira. Vocabulário jurídico das ações e dos recursos. 1999, p. 11). 482

Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume I, 12ª ed., 2008, p. 451 e 452, in verbis: ―As ações cambiais do cheque são duas: a execução, que prescreve nos 6 meses seguintes ao

término do prazo de apresentação; e a de enriquecimento indevido, que tem natureza cognitiva e pode ser proposta nos 2 anos seguintes à prescrição da execução. Nas duas, operam-se os princípios do direito cambiário e, assim, o demandado não pode argüir, na defesa, matéria estranha à sua relação com o demandante.‖.

178

178

contraprestação devida. Por conseguinte, a demanda de enriquecimento sem

causa tem em mira apenas o beneficiário do locupletamento indevido, e não todos

os obrigados cambiais483, como se dá na única ―ação cambial‖, vale dizer, a

execução fundada em título de crédito.

Por tudo, a ação de execução movida à vista dos arts. 43, 47 e 53 da Lei

Uniforme de Genebra, dos arts. 15 e 18 da Lei nº 5.474/1968, dos arts. 47 e 59 da

Lei nº 7.357/1985, e do inciso I art. 585 do Código de Processo Civil é a única

ação cambial, porquanto está submetida às regras do Direito Cambiário.

Em suma, à vista do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, dos

arts. 43, 47, 53, 70 e 77 da Lei Uniforme de Genebra, dos arts. 15 e 18 da Lei nº

5.474/1968, e dos arts. 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985, ação cambial é a execução

forçada aparelhada em título de crédito; as outras ―ações‖484 admissíveis para a

cobrança judicial de ―títulos de crédito‖ prescritos, rasurados, rasgados ou

descaracterizados por outro motivo não são propriamente cambiais, porquanto

não são fundadas na responsabilidade nem na solidariedade especiais

provenientes da relação jurídico-cambial, mas, sim, nas regras comuns do Direito

Civil485.

2. Objeto da ação cambial

483

No mesmo sentido, na jurisprudência: ―Ação monitória. Cheque prescrito. Avalista. Prescrito o cheque, desaparece a relação cambial e, em consequência, o aval. Permanece responsável pelo débito apenas o devedor principal, salvo se demonstrado que o avalista se locupletou.‖ (REsp nº 200.492/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de agosto de 2000, p. 123). ―Direito comercial. Recurso especial. Embargos à ação monitória. Cheque prescrito. Propositura de ação contra o avalista. Necessidade de se demonstrar o locupletamento. Precedente. – Prescrita a ação cambial, desaparece a abstração das relações jurídicas cambiais firmadas, devendo o beneficiário do título demonstrar, como causa de pedir na ação própria, o locupletamento ilícito, seja do emitente ou endossante, seja do avalista.‖ (REsp nº 457.556/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 16 de dezembro de 2002, p. 331). 484

Por exemplo, a ação de locupletamento indevido e a ação de cobrança fundada na relação jurídica causal, tanto sob o rito comum quanto sob o procedimento monitório. Tanto a demanda de enriquecimento sem causa quanto a demanda de cobrança estão sujeitas às regras comuns do Direito Civil, razão pela qual não são verdadeiras ações cambiais. 485

De acordo, na jurisprudência: ―Nos termos do art. 70 da Lei Uniforme, normativo legal aplicado à letra de câmbio, é a ação cambial (ação de execução) que vem perecer com a incidência do instituto da prescrição, todavia, sobrevivendo ação de conhecimento (de cobrança), de cunho civil‖ (Apelação nº 1.0702.04.184212-2/001, 17ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 12 de outubro de 2006).

179

179

No que tange ao objeto486, a execução abrange a quantia estampada no

título de crédito, os juros de mora contados a partir do vencimento487, a correção

monetária também contada a partir do vencimento488, as eventuais despesas

cartorárias com o protesto, se existentes, bem assim as despesas processuais

antecipadas pelo exequente, por força dos arts. 19, 257 e 598 do Código de

Processo Civil, e os honorários advocatícios fixados à luz do art. 652-A, caput, do

mesmo diploma.

3. Ação cambial de letra de câmbio

A ação cambial fundada em letra de câmbio está prevista no art. 585, inciso

I, do Código de Processo Civil. O credor pode acionar tanto o devedor principal

(sacado-aceitante da letra) quanto os respectivos avalistas mediante ação direta

de execução, isto é, sem a necessidade de prévio protesto. À vista do art. 70 da

Lei Uniforme de Genebra, a execução contra o devedor principal (aceitante e

respectivos avalistas) deve ser proposta dentro do prazo de três anos, contados

do vencimento da letra de câmbio489. Trata-se de prazo prescricional disponível

para o credor exercer a respectiva pretensão patrimonial contra o devedor

principal, contra os respectivos avalistas (do devedor principal), contra qualquer

um ou até contra todos, se assim preferir490.

486

Cf. art. 52 da Lei nº 7.357/1985. 487

Assim, na jurisprudência: ―– Cambial. Cobrança executiva de nota promissória. Contam-se os juros do vencimento do título.‖ (RE nº 54.280/RS, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 13 de dezembro de 1967). ―Os juros da mora contam-se do vencimento do título.‖ (RE nº 47.956/RS, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 1967). Em abono, merece ser prestigiado o verbete nº 17 aprovado pela 1ª Câmara Civil do antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―Os juros nos títulos executivos cambiais devem ser contados a partir do vencimento.‖ (Minas Gerais, Parte II, Diário do Judiciário de 26 de fevereiro de 1982, p. 1). Na esteira do verbete nº 17, houve a aprovação unânime da conclusão nº 18 no 6º Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada, in verbis: ―Os juros, nos títulos executivos cambiais, devem ser contados a partir do vencimento.‖ (cf.

Theotonio Negrão. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 25ª ed., 1994, p. 263, nota 9 ao art. 293). 488

Cf. art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981. 489

De acordo, na jurisprudência: ―Estabelece o art. 70 da Lei Uniforme, relativa às letras de câmbio, ser de 03 (três) anos o prazo para a propositura da ação executiva contra aceitante, na ordem de pagamento, e emitente, na promessa de pagamento, e seus avalistas, contados a partir do vencimento da cambial.‖ (Apelação nº 2.0000.00.484560-9/000, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 28 de julho de 2006). ―Estabelece o art. 70 da Lei Uniforme, relativa às letras de câmbio, ser de 03 anos o prazo para a propositura da ação executiva contra aceitante, na ordem de pagamento, e emitente, na promessa de pagamento, e seus avalistas, contados a partir do vencimento da cambial.‖ (Apelação nº 1.0433.07.221751-9/001, 10ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de junho de 2008). 490

Cf. arts. 43 e 47 da Lei Uniforme de Genebra.

180

180

Quanto aos coobrigados da letra, quais sejam, o emitente-sacador, o

tomador-endossante, os demais endossantes e os avalistas dos mesmos, o credor

tem o prazo de um ano para ajuizar a execução fundada no art. 585, inciso I, do

Código de Processo Civil. Trata-se de prazo prescricional que corre da data do

protesto tempestivo ou do vencimento do eventual título ―sem despesas‖. Com

efeito, no que tange ao emitente-sacador, endossantes e respectivos avalistas, a

ação cambial deve ser proposta dentro do prazo prescricional de um ano, a contar

da data do protesto tempestivo ou da data do vencimento, se a letra tiver a

cláusula ―sem protesto‖, tudo nos termos do art. 70 da Lei Uniforme.

Na eventualidade de algum coobrigado efetuar o pagamento da letra, o

mesmo pode, com fundamento na sub-rogação, exercer o direito de regresso

contra outros coobrigados, por meio de ação de execução, a qual deve ser

proposta dentro do prazo prescricional de seis meses. Com efeito, à vista dos arts.

47, terceiro parágrafo, e 70, terceiro parágrafo, ambos da Lei Uniforme, o

coobrigado que efetuar o pagamento tem o prazo de seis meses para acionar

coobrigados pretéritos na cadeia de anterioridade, por meio de ação executiva de

regresso. Por força do art. 567, inciso III, do Código de Processo Civil, o sub-

rogado pode iniciar nova execução ou até mesmo dar seguimento à execução

movida pelo credor originário, hipótese na qual o coobrigado pagante passa a

ocupar o lugar deixado pelo credor original cujo crédito foi satisfeito.

4. Ação cambial de nota promissória

Diante do vencimento491 sem o respectivo pagamento da nota promissória,

o credor pode executar tanto o devedor principal492 quanto os coobrigados, em

conjunto ou isoladamente, conforme a livre preferência, tudo nos termos dos arts.

43 e 47 da Lei Uniforme, aplicáveis por força do art. 77 do mesmo diploma.

No que tange ao devedor principal e ao respectivo avalista, o credor pode

mover ação de execução aparelhada em título extrajudicial, com fundamento no

491

Vencimento que pode ser ordinário ou extraordinário. 492

O emitente-sacador da nota promissória.

181

181

art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, de forma direta493. Já em relação

aos coobrigados, a subsistência dos direitos cambiários do credor depende do

prévio protesto no prazo legal, ex vi do art. 53 da Lei Uniforme, aplicável à nota

promissória em razão do art. 77 do Decreto nº 57.663, de 1966.

O prazo prescricional para a execução cambial fundada na nota promissória

também varia conforme o executado seja o devedor principal ou algum

coobrigado. Em regra, a execução deve ser proposta dentro do prazo de três anos

do vencimento da nota promissória494. Trata-se de prazo prescricional disponível

para o credor exercer a respectiva pretensão patrimonial contra o devedor

principal, contra o respectivo avalista ou contra ambos, se assim preferir495.

Quanto aos coobrigados496, o credor tem o prazo de um ano para ajuizar a

execução fundada no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. Trata-se de

493

Vale dizer, sem a necessidade de prévio protesto. 494

Assim, na jurisprudência: ―- COMERCIAL. NOTA PROMISSÓRIA. PRESCRIÇÃO DA AÇÃO CAMBIAL. O prazo é atualmente de três anos, consoante os arts. 70 e 77 da Lei Uniforme relativa às letras de câmbio e notas promissórias, promulgada pelo Decreto nº 57.663, de 24.1.66.‖ (RE nº 91.050/RJ, 2ª Turma do STF, Diário da Justiça de 1º de julho de 1983, p. 9.996). Colhe-se do voto condutor do Ministro-Relator: ―Tais dispositivos prevêem a prescrição das ações contra o aceitante da letra de câmbio ou emitente da nota promissória, e, conseqüentemente, contra seus avalistas, no prazo de três anos‖. ―EXECUÇÃO - TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL - NOTA PROMISSÓRIA - PRAZO PRESCRICIONAL DE TRÊS ANOS - ARTS. 70 E 77 DA LEI UNIFORME DE GENEBRA - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA. A execução embasada em nota promissória prescreve em três anos, em consonância com os arts. 70 e 77 da LUG.‖ (Apelação nº 1.0024.05.829981-9/002, TJMG, Diário da Justiça de 23 de agosto de 2008). ―APELAÇÃO - EMBARGOS DO DEVEDOR - NOTA PROMISSÓRIA - DEMORA NA CITAÇÃO - PRESCRIÇÃO - OCORRÊNCIA. - De acordo com o art. 18, I, da Lei nº 5.474/68, a ação proposta pelo sacador da duplicata contra o sacado prescreve em 3 anos. Idêntico o prazo prescricional para a execução de nota promissória, nos termos do art. 70, da Lei Uniforme, promulgada em nosso país pelo Decreto nº 57.663/66.‖ (Apelação nº 1.0702.05.246064-0/001, TJMG, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 2007). ―PROCESSO CIVIL - EXECUÇÃO - NOTA PROMISSÓRIA PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA São aplicáveis às notas promissórias as disposições relativas à letra de câmbio constante do Decreto n.57.663/66, na parte que não sejam contrárias à natureza do título. Preceitua o referido decreto, em seu art. 70 que ‗todas as ações contra o aceitante relativas a letras prescrevem em três anos a contar do seu vencimento‘, sendo este, portanto, o prazo prescricional aplicável à nota promissória.‖ (Apelação nº 10382040389027001, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 28 de junho de 2010). Por oportuno, colhe-se do voto-vencedor proferido pelo Desembargador-Relator: ―Uma vez que, no caso da nota promissória podemos equiparar o emitente ao aceitante da letra de câmbio, conforme antes definiu o Decreto n. 2.044/1908 em seu art. 56, tendo a nota promissória apresentada com a exordial vencido no dia 28 de janeiro de 2002 (f. 12 e 17), o credor poderia tê-la cobrado judicialmente, através de execução, até o dia 27 de janeiro de 2005. Verificando-se que o feito foi ajuizado em março de 2004 e os requeridos foram citados em agosto do mesmo ano de 2004 (f. 42 verso e 43 verso), não havia ainda escoado o prazo prescricional, motivo pelo qual o feito poderia ter prosseguido regularmente, visto que não cabia sua extinção com resolução do mérito tal como proferido pelo Juízo. Firme em tais considerações, dou provimento ao recurso para anular a sentença e determinar o regular prosseguimento do feito‖. 495

Cf. arts. 70, primeiro parágrafo, e 77, ambos da Lei Uniforme, combinados com o art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. 496

Na nota promissória, o beneficiário-endossante, os demais endossantes e avalistas dos mesmos.

182

182

prazo prescricional que corre da data do protesto tempestivo ou do vencimento do

eventual título ―sem despesas‖497.

Na eventualidade de algum endossante ou avalista de endossante efetuar o

pagamento, pode exercer o direito de regresso contra outros endossantes e

respectivos avalistas no prazo prescricional de seis meses, em virtude da sub-

rogação. Com efeito, o coobrigado que efetuar o pagamento dispõe do prazo de

seis meses para acionar coobrigados pretéritos na cadeia de anterioridade, em

execução regressiva498. Por força do art. 567, inciso III, do Código de Processo

Civil, o sub-rogado pode iniciar nova execução ou até mesmo dar seguimento à

execução movida pelo credor originário, quando o coobrigado pagante passa a

ocupar o lugar deixado pelo credor original cujo crédito foi satisfeito.

5. Ação cambial de cheque

Como estudado no capítulo específico destinado ao cheque, o título deve

ser apresentado para pagamento perante o banco-sacado dentro de trinta dias da

data da emissão, quando emitido no mesmo lugar do pagamento499. Emitido o

cheque em lugar diverso do local do pagamento, ou seja, em outra praça, o prazo

para apresentação é de sessenta dias da data da emissão500. Decorrido in albis o

prazo de apresentação, o credor-beneficiário perde o direito de executar os

coobrigados, ou seja, os endossantes e os respectivos avalistas501-502. Já em

relação ao emitente-sacador e ao respectivo avalista, a execução pode ser

ajuizada até mesmo quando o cheque foi apresentado ao banco-sacado depois do

decurso do prazo de apresentação, desde que ainda não ocorrida a prescrição

semestral. Foi o que bem assentou o Supremo Tribunal Federal no enunciado nº

600 da Súmula da Corte: ―Cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas,

497

Cf. arts. 46, 70 e 77 da Lei Uniforme. 498

Cf. arts. 47, terceiro parágrafo, 70, terceiro parágrafo, e 77, todos da Lei Uniforme. 499

Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 500

Cf. art. 33 da Lei nº 7.357/1985, e art. 11 da Resolução nº 1.682, de 1990. 501

Cf. art. 47, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 502

À vista do art. 47, § 3º, da Lei nº 7.357/1985, o credor-benefício pode perder o direito de executar até mesmo o emitente-sacador, se o mesmo tinha fundos disponíveis durante o prazo da apresentação, mas deixou de tê-los em razão de fato alheio à sua vontade.

183

183

ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não

prescrita a ação cambiária‖503.

A prescrição da ação cambiária ocorre com o decurso do prazo de seis

meses do término do prazo de apresentação, conforme o enquadramento do caso

concreto em uma ou em outra hipótese do art. 33 da Lei nº 7.357/1985. Se o local

do pagamento é o mesmo da emissão, o prazo de seis meses corre do término

dos trinta dias disponíveis para apresentação; se o lugar do pagamento for diverso

do local da emissão, o prazo de seis meses corre somente depois do decurso dos

sessenta dias para a apresentação. Por conseguinte, a data da emissão constante

do título tem enorme relevância para a conferência da prescrição da execução

fundada no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil, e nos arts. 47 e 59 da

Lei nº 7.357/1985. Imagine-se, por exemplo, que o cheque foi emitido no dia 19 de

janeiro de 2010, mês com trinta e um dias, para pagamento na mesma praça. O

termo inicial é o próprio dia 19, dia da emissão, o qual é excluído da contagem,

por força da combinação dos arts. 33 e 64, parágrafo único, ambos da Lei nº

7.357/1985, com o art. 132, caput, do Código Civil. Por conseguinte, a contagem

dos trinta dias previstos no art. 33 da Lei nº 7.357 começa no dia 20 de janeiro e

termina no dia 18 de fevereiro, dia útil bancário504. Resta saber qual é o termo

inicial do prazo de seis meses para a execução. À vista dos arts. 47 e 59 da Lei nº

7.357, o termo inicial do prazo prescricional coincide com o termo final do prazo de

apresentação do cheque, no exemplo, dia 18 de fevereiro. Como o prazo de seis

meses é contado à luz do § 3º do art. 132 do Código Civil, o termo final do prazo

prescricional reside no dia 18 de agosto, dia útil forense.

A execução pode ser movida contra o devedor principal, o emitente-sacador

do cheque, mas também contra todos, alguns ou um dos coobrigados, em

conjunto ou isoladamente, se assim desejar o credor-beneficiário, porquanto todos

são devedores solidários, ex vi do art. 51 da Lei nº 7.357/1985.

503

É o que também se depreende da combinação dos incisos I e II do art. 47, com o art. 59, ambos da Lei nº 7.357/1985. 504

Por força do § 1º do art. 132 do Código Civil, o termo final do prazo deve ser dia útil, vale dizer, dia com expediente bancário regular.

184

184

O cheque não precisa ser protestado para a propositura da imediata ação

de execução forçada contra o emitente-sacador e o respectivo avalista505. Em

contraposição, no que tange aos coobrigados (endossante e respectivos

avalistas), a execução depende do cumprimento de três exigências legais

cumulativas: 1ª) apresentação do cheque dentro do prazo legal506; 2ª) propositura

da ação executiva dentro de seis meses da expiração do prazo de apresentação

do cheque507; 3ª) comprovação da recusa do pagamento mediante protesto

cambial, por simples declaração escrita e datada proveniente do banco-sacado ou,

ainda, por declaração escrita e datada expedida na câmara de compensação508,

ressalvada a exceção consubstanciada na dispensa tanto do protesto quanto de

declaração equivalente, em relação ao cheque que contém a cláusula ―sem

protesto‖509.

Por fim, além da quantia determinada indicada no cheque510, o credor-

beneficiário também pode cobrar na ação cambial: – os juros de mora legais

cabíveis desde o dia da apresentação do cheque511; – as despesas em geral,

como as referentes ao eventual protesto cambial e as relativas ao processo

executivo512; – a correção monetária pela perda do valor aquisitivo da moeda, a

ser calculada a contar da respectiva apresentação do cheque513.

6. Ação cambial de duplicata e de triplicata

A duplicata e a respectiva triplicata são títulos executivos extrajudiciais que

autorizam a propositura de ação de execução forçada, com fundamento no art.

585, inciso I, do Código de Processo Civil, e nos arts. 15 e 18 da Lei nº

5.474/1968.

505

Cf. art. 47, inciso I, da Lei nº 7.357/1985, combinado com o art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. 506

Cf. arts. 33 e 47, inciso II, ambos da Lei nº 7.357/1985. 507

Cf. arts. 33, 47 e 59 da Lei nº 7.357/1985. 508

Cf. art. 47, inciso II e § 1º, da Lei nº 7.357/1985. 509

Cf. art. 50 da Lei nº 7.357/1985. 510

Cf. art. 52, inciso I, da Lei nº 7.357/1985. 511

Cf. art. 52, inciso II, da Lei nº 7.357/1985. 512

Cf. art. 52, inciso III, da Lei nº 7.357/1985, e arts. 19, 257, 598 e 652-A, caput, todos do Código de Processo Civil. 513

Cf. art. 52, inciso IV, da Lei nº 7.357/1985, combinado com o art. 1º, § 1º, da Lei nº 6.899, de 1981.

185

185

No que tange ao sacado-comprador e aos respectivos avalistas, a

prescrição da pretensão à execução da duplicata ocorre em três anos, contados

da data do vencimento do título, ex vi do art. 18, inciso I, da Lei nº 5.474/1968514.

Já em relação aos endossantes e respectivos avalistas, o prazo prescricional é de

apenas um ano, contado da data do protesto515, o qual é necessário516.

Além da observância do prazo prescricional, a execução depende do

cumprimento de outras exigências legais. Se a duplicata foi aceita e devolvida pelo

sacado-comprador, o título pode aparelhar a execução do mesmo (sacado-

comprador) e dos respectivos avalistas, no prazo de três anos,

independentemente de protesto cambial517. Ainda na hipótese de duplicata aceita

e devolvida pelo sacado-comprador, o título também pode aparelhar a execução

dos coobrigados (endossantes e respectivos avalistas), desde que efetuado o

protesto cambial dentro do prazo de trinta dias do vencimento da duplicata, e que

a execução seja ajuizada dentro do prazo de um ano da data do protesto518.

Já se a duplicata não é aceita, mas é devolvida pelo sacado-comprador, é

indispensável o protesto cambial do título devolvido sem aceite, com a

comprovação da entrega da mercadoria mediante recibo idôneo, para o posterior

ajuizamento da execução contra o sacado-comprador ou contra os coobrigados,

nos prazos de três anos e de um ano, respectivamente519. Não obstante, o recibo

da entrega da mercadoria só é imprescindível quando a execução fundada no

inciso II do art. 15 da Lei nº 5.474 tem em mira o sacado-comprador. Quando a

ação executiva tem como alvo algum coobrigado, basta o protesto cambial

tempestivo, tendo em vista a interpretação do § 1º do mesmo art. 15520.

514

De acordo, na jurisprudência: ―– De acordo com o art. 18, I, da Lei nº 5.474/68, a ação proposta pelo sacador da duplicata contra o sacado prescreve em 3 anos.‖ (Apelação nº 1.0702.05.246064-0/001, TJMG, Diário da Justiça de 15 de fevereiro de 2007). 515

Cf. art. 18, inciso II, da Lei nº 5.474/1968. 516

Cf. art. 13, § 4º, da Lei nº 5.474/1968. 517

Cf. arts. 13, § 4º, 15, inciso I, e 18, inciso I, da Lei nº 5.474/1968. 518

Cf. arts. 13, § 4º, 15, inciso I, e 18, inciso II, da Lei nº 5.474/1968. 519

Cf. arts. 15, inciso II, alíneas ―a‖ e ―b‖, e § 1º, e 18, incisos I e II, da Lei nº 5.474/1968. 520

De acordo, na jurisprudência: ―O comprovante de recebimento das mercadorias ou do serviço prestado somente é exigido quando a execução é movida contra o devedor principal.‖ (Apelação nº 2.0000.00.516493-2, 5ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 30 de novembro de 2005).

186

186

Por fim, se a duplicata não é aceita nem é devolvida pelo sacado-

comprador, é indispensável o protesto por meio da triplicata ou por simples

indicações do credor perante o tabelião do cartório de protesto, reforçado (o

protesto) com a comprovação da entrega da mercadoria vendida mediante recibo

idôneo, para a ulterior propositura da execução contra o sacado-comprador ou

contra os coobrigados, nos respectivos prazos521. Ainda em relação à negativa do

aceite, a execução não subsiste se o sacado-comprador comprova, na respectiva

ação de embargos, ter recusado o aceite dentro do prazo de dez dias, com a

observância da forma escrita exigida para a recusa e com fundamento em algum

dos motivos arrolados no art. 8º da Lei nº 5.474/1968522.

7. Ação cambial de debênture

À vista do artigo 52 da Lei nº 6.404, de 1976, com a redação conferida pela

Lei nº 10.303, de 2001, a debênture é título de crédito cuja emissão se dá pelas

sociedades empresárias anônimas, na busca de capitalização, por meio de

modalidade especial de empréstimo conferido por terceiro. Como não há preceito

especial naquele diploma, incide a regra geral consagrada no artigo 206, § 3º,

inciso VIII, do Código Civil, razão pela qual a execução deve ser proposta dentro

do prazo de três anos, a partir do vencimento523.

8. Polo passivo na ação cambial

Como já ressaltado, a ação cambial pode ser movida contra o devedor

principal do respectivo título de crédito, bem assim contra todos os coobrigados,

em litisconsórcio passivo facultativo, à vista dos arts. 43, 47 e 77 da Lei Uniforme

521

Cf. arts. 13, § 1º, in fine, 15, inciso II, alíneas ―a‖ e ―b‖, e § 1º, e 18, incisos I e II, da Lei nº 5.474/1968. 522

Cf. art. 15, inciso II, alínea ―c‖. 523

De acordo, na jurisprudência: ―Como visto, as debêntures são títulos executivos que possuem natureza jurídica de título de crédito, e como tal podem ser executados diretamente, não necessitando da ação cognitiva, valendo por si só. Omissis. No que se refere ao prazo prescricional, de acordo com o inciso VIII, § 3º, do artigo 206, do CC, prescreve em três anos ‗a pretensão para haver o pagamento de título de crédito, a contar do vencimento, ressalvado disposição de lei especial‘. Este artigo refere-se à ação cambial na modalidade de execução (artigo 585, I, do CPC), porque findo o prazo desta, remanesce a possibilidade de exigir o crédito por outra via processual‖. (Apelação nº 1.0433.06.179018-7/002, 13ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 14 de junho de 2008, sem os grifos no original).

187

187

de Genebra, do art. 18, §§ 1º e 2º, da Lei nº 5.474/1968, e dos arts. 47 e 51, caput

e §§ 1º, 2º e 3º, da Lei nº 7.357/1985. Com efeito, o credor pode acionar tanto o

devedor principal quanto os coobrigados, em conjunto ou isoladamente, porquanto

o credor pode mover a execução contra todos ou contra aquele que bem preferir.

9. Procedimento da ação cambial

A ação cambial segue o procedimento previsto nos arts. 646 a 724 do

Código de Processo Civil, por ser verdadeira execução por quantia certa contra

devedor solvente524.

10. Juízo competente para a ação cambial

A competência para a execução cambial é do juízo do foro do local do

cumprimento da obrigação, qual seja, o lugar no qual deve ocorrer o pagamento

do título de crédito525. É a regra extraída da combinação dos arts. 100, inciso IV,

alínea ―d‖, 576 e 598, todos do Código de Processo Civil, com os arts. 1º, número

5, e 75, número 4, ambos da Lei Uniforme de Genebra, e o art. 17 da Lei nº

5.474/1968.

11. Propositura da ação cambial

O acionamento da cobrança judicial de título de crédito se dá em razão da

propositura da ação cambial, por meio de petição inicial de execução, nos termos

do Código de Processo Civil. 524

Na eventualidade da insolvência do devedor, há lugar para a ação de falência, prevista nos arts. 94 e seguintes da Lei nº 11.101, de 2005, ou para a ação de insolvência civil, prevista nos arts. 748 a 786-A do Código de Processo Civil, conforme o devedor seja empresário (falência) ou civil (insolvência civil). 525

De acordo, na jurisprudência: ―Execução com base em título executivo extrajudicial (nota promissória). Competência. Hipótese de competência do foro onde a obrigação deve ser satisfeita (local de pagamento). Conflito conhecido e declarado competente o suscitado.‖ (CC nº 1.422/MG, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 1º de abril de 1991, p. 3.412). ―PROCESSUAL CIVIL. Conflito negativo de competência. 1. Execução por quantia certa, nota promissória (título executivo extrajudicial). 2. Competência do foro do local de pagamento da obrigação. 3. Precedentes.‖ (CC nº 1.218/MG, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 21 de outubro de 1991, p. 14.727). ―COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO. DUPLICATA. PROTESTO. É competente para a execução lastreada em duplicata o foro da praça de pagamento constante do título (art. 17, da L. 5.474/68). Irrelevante que o protesto tenha sido tirado no local em que estabelecida a devedora. Agravo não provido.‖ (AGI nº 2007.00.2.004505-5, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 14 de junho de 2007, p. 168).

188

188

À vista dos arts. 2º, 262 e 598 do Código de Processo Civil, cabe ao

jurisdicionado acionar a execução, se e quando desejar a satisfação da obrigação

estampada no título de crédito, desde que dentro do prazo prescricional.

Considera-se proposta a execução com o deferimento da petição inicial

pelo juiz, com a consequente interrupção da prescrição da pretensão executiva,

em virtude da combinação do art. 617 do Código de Processo Civil com o art. 202,

inciso I, do Código Civil.

12. Petição inicial da ação cambial

Como já anotado, a execução cambial deve ser acionada mediante petição

inicial, endereçada ao juízo competente, com a observância das formalidades

previstas nos arts. 39, inciso I, 282, 283 e 614, todos do Código de Processo Civil.

Além de outros elementos constitutivos indispensáveis, a petição inicial deve

conter a qualificação completa das partes e o pedido de citação do executado,

deve ser instruída com o documento representativo do título de crédito526 e com a

memória dos cálculos527, bem como deve revelar o valor atribuído à causa,

correspondente ao montante executado.

O inciso III do art. 614 do Código de Processo Civil exige que o exequente

instrua a petição inicial da execução com a prova do cumprimento da condição ou

da ocorrência do termo, conforme o caso. Por exemplo, na eventualidade de

vencimento antecipado do título de crédito por falta de aceite, o exequente deve

instruir a petição inicial com o respectivo instrumento de protesto cambial. Enfim,

sempre que o caso exigir a demonstração do cumprimento da condição ou a

526

Não obstante, a regra consubstanciada na necessidade da apresentação do original do título de crédito não é absoluta. Se o original do título constar dos autos de outro processo judicial, o credor pode requerer certidão de inteiro teor, a fim de instruir a petição inicial da execução, como bem autorizam o art. 9º, parágrafo único, última parte, e o art. 94, § 3º, ambos da Lei nº 11.101, de 2005. À vista do art. 17 da Lei nº 9.492/1997, também é admissível a propositura de execução aparelhada em certidão de inteiro teor expedida pelo escrivão do tabelionato no qual o título original foi apresentado para protesto. Outra exceção reside no art. 15, § 2º, da Lei nº 5.474/1968, com a redação determinada pela Lei nº 6.458, de 1977, porquanto é admissível a execução sem o título original quando a duplicata não é aceita nem é devolvida, hipótese na qual a petição inicial da execução pode ser instruída com o instrumento de protesto mediante indicações. Por tudo, nem sempre a execução depende da apresentação do título extrajudicial original. 527

Cf. art. 614, inciso II, do Código de Processo Civil.

189

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ocorrência do termo, o exequente deve instruir a petição inicial com a respectiva

documentação.

A petição inicial também deve ser instruída com a procuração outorgada ao

advogado constituído pelo exequente ou pelo menos conter o pedido de futura

juntada, nos termos do art. 37 do Código de Processo Civil, porquanto o advogado

é o titular da capacidade postulatória, ex vi do art. 36 daquele diploma.

À vista do § 2º do art. 652 do Código de Processo Civil, o exequente tem a

faculdade de indicar, na petição inicial, bens penhoráveis do executado, para a

eventualidade de o executado não pagar a quantia devida no prazo legal de três

dias.

Ao distribuir a petição inicial, o exequente pode requerer a expedição de

certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com a referência às partes

do processo e ao valor da cobrança, para solicitar as anotações nos cartórios

imobiliários, nos departamentos de trânsito de veículos automotores dos Estados

e do Distrito Federal, nas juntas comerciais e em outros órgãos públicos e

privados de bens em geral, tudo nos termos do art. 615-A do Código de Processo

Civil. À vista do enunciado nº 375 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, é

conveniente que o exequente tome a providência prevista no art. 615-A, para

assegurar futura declaração judicial de fraude de execução, no próprio processo,

na eventualidade da posterior transferência de bens do executado para terceiros.

Por fim, as custas processuais devem ser adiantadas pelo exequente, com

a juntada da respectiva guia de recolhimento ao final da petição inicial, em

cumprimento ao caput do art. 19 do Código de Processo Civil528. Se o exequente

não instruir a petição inicial com a guia de custas, deve recolher e comprovar o

depósito no prazo de trinta dias, sob pena de cancelamento da distribuição da

execução, salvo deferimento de pedido de assistência judiciária529.

528

Aliás, vale notar que o caput do art. 19 do Código de Processo Civil é explícito acerca da respectiva incidência ―na execução‖. 529

Cf. arts. 19, caput, e 257, ambos do Código de Processo Civil.

190

190

13. Juízo de admissibilidade da petição inicial da ação cambial

Distribuída a petição inicial da execução, compete ao juiz proferir o juízo de

admissibilidade da mesma, com o exame oficial das condições da ação, dos

pressupostos processuais e da prescrição executiva.

Se a petição inicial contiver algum vício sanável, em razão, por exemplo, da

falta de indicação do valor da causa, o juiz deve determinar a intimação do

exequente, por intermédio do respectivo advogado, para a correção da petição

inicial, no prazo de dez dias, sob pena de indeferimento, tudo com fundamento no

art. 616 do Código de Processo Civil.

Em contraposição, se o juiz constar a carência da ação executiva530, a

prescrição executiva ou algum defeito insanável na petição inicial da execução,

deve proferir sentença de indeferimento liminar da petição, com fundamento nos

arts. 267, inciso I, 269, inciso IV, 295 e 598, todos do Código de Processo Civil.

Por fim, se a petição inicial for apta, o juiz deve fixar os honorários

advocatícios à luz do § 4º do art. 20 do Código de Processo Civil e determinar a

citação do executado, para efetuar o pagamento em três dias, sob pena de

constrição mediante arresto e penhora, tudo nos termos dos arts. 652 e 652-A

daquele diploma.

14. Citação

Os arts. 213, 214, 598, 616 e 652 do Código de Processo Civil revelam que

a citação é o ato processual por meio do qual pelo qual a parte ocupante do polo

passivo da relação processual é chamada, pela vez primeira, para participar do

processo. O executado é citado para pagar a quantia objeto da execução cambial

530

Por exemplo, um vício formal no ―título de crédito‖, como na hipótese do precedente jurisprudencial resumido na seguinte ementa: ―APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSO DE EXECUÇÃO - REQUISITOS DE FORMALIDADE - NOTA PROMISSÓRIA - RASURA NO VALOR NUMÉRICO - OBSTÁCULO INTRANSPONÍVEL. I - Em se tratando de processo de execução, pode e deve o julgador cercar-se da certeza de estarem presentes os requisitos de formalidade inerentes aos títulos cambiais, independentemente da matéria argüida em sede de embargos.‖ (Apelação nº 51.223/99, 2ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 1999, p. 13, sem o grifo no original).

191

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no prazo de três dias. Em regra, a citação do executado se dá por oficial de

justiça, em cumprimento de mandado de citação subscrito pelo juiz.

Na eventualidade de o oficial de justiça não localizar o executado para

efetuar a citação pessoal, deve arrestar os bens do mesmo que encontrar, tantos

quantos bastem para garantir a execução, em cumprimento ao art. 653 do Código

de Processo Civil. Nos dez dias seguintes à efetivação do arresto, o oficial de

justiça deve procurar o executado três vezes em dias distintos. Se não encontrar o

executado, o oficial deve certificar a dificuldade da localização do mesmo ou até a

impossibilidade de fazê-lo, a fim de que o juiz autorize a citação por hora certa ou

a citação por edital, conforme o caso. À vista do art. 654 do Código de Processo

Civil, portanto, a citação do executado pode se dar por hora certa e até por edital,

em razão da dificuldade ou da impossibilidade da citação pessoal.

Por fim, a citação do executado não pode ser efetuada mediante os

correios, em razão da vedação prevista na alínea ―d‖ do art. 222 do Código de

Processo Civil.

15. Atitudes possíveis do executado citado

15.1. Pagamento voluntário

A primeira atitude possível – e esperada – do executado citado é a

realização do pagamento da quantia cobrada, no prazo de três dias da juntada aos

autos do mandado de citação531.

Na eventualidade do pagamento integral do valor executado dentro do

tríduo legal, a verba honorária fixada em prol do advogado do exequente é

reduzida pela metade, ex vi do parágrafo único do art. 652-A do Código de

Processo Civil. Por conseguinte, ao invés dos honorários advocatícios fixados na

531

No caso de citação por edital, o tríduo legal só tem início após o decurso do prazo assinado no edital. Cf. art. 241, inciso V, do Código de Processo Civil.

192

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decisão interlocutória de admissão da petição inicial da execução, o executado

tem o benefício da redução pela metade da verba de patrocínio.

15.2. Requerimento de parcelamento, com depósito prévio de pelo menos

trinta por cento do valor total

Ao invés de efetuar o pagamento integral da quantia cobrada, o executado

também pode efetuar o depósito de apenas trinta por cento do valor total532, no

prazo de quinze dias da juntada do mandado de citação, junto com o requerimento

de parcelamento do restante em até seis parcelas mensais, com incidência de

correção monetária e de juros de um por cento, tudo com fundamento no art. 745-

A do Código de Processo Civil.

Formulado o requerimento de parcelamento pelo executado, deve o juiz

abrir vista em prol do exequente, por iguais quinze dias, em respeito aos princípios

constitucionais da isonomia e do contraditório. O exequente pode discordar do

requerimento de parcelamento, mas apenas com fundamento no descumprimento

de alguma exigência prevista no caput do art. 745-A do Código de Processo Civil:

intempestividade do requerimento de parcelamento e ausência do depósito prévio

mínimo de trinta por cento, por exemplo. Colhida a manifestação de anuência ou

de discordância do exequente, o juiz resolve o incidente mediante decisão

interlocutória agravável.

Deferido o requerimento de parcelamento pelo juiz, o processo de execução

é suspenso. Não obstante, se o executado não efetuar o pagamento de alguma

das parcelas mensais, há o vencimento antecipado de todas as parcelas

remanescentes e o prosseguimento da execução, com a imediata aplicação de

multa de dez por cento sobre o valor pendente e a subsequente penhora de bens

do executado. Com efeito, na eventualidade de alguma parcela não ser

depositada no mês correspondente, há o vencimento antecipado de todas as

demais, com a imposição de multa adicional de dez por cento sobre o valor das

532

Vale dizer, incluídos os honorários advocatícios e as custas processuais adiantadas pelo exequente, nos termos do art. 19, caput, do Código de Processo Civil.

193

193

prestações pendentes e o imediato prosseguimento da execução forçada contra o

executado, tudo nos termos do § 2º do art. 745-A do Código de Processo Civil.

Além do imediato prosseguimento da execução forçada, o executado

inadimplente também perde a oportunidade de embargar a execução, por força do

mesmo § 2º do art. 745-A. Na verdade, o executado que requer o parcelamento

previsto no art. 745-A sempre perde a oportunidade de embargar a execução. Há

preclusão lógica: o executado que requer o parcelamento não pode ajuizar

embargos à execução, porquanto os dois atos processuais são incompatíveis

entre si533. Se o executado descumprir a decisão interlocutória autorizadora do

parcelamento, com maior razão não pode embargar a execução, por força da

preclusão lógica e também da preclusão temporal, em razão do decurso do prazo

previsto no art. 738 do Código de Processo Civil.

No que tange ao depósito inicial realizado pelo executado534, cujo

comprovante já deve instruir a petição de requerimento do parcelamento, pode ser

levantado pelo exequente, assim que o juiz deferir o requerimento do

executado535.

Resta saber se o parcelamento previsto no art. 745-A do Código de

Processo Civil é direito subjetivo do executado ou se o juiz pode indeferir o

requerimento de parcelamento, ainda que cumpridas as exigências previstas

naquele preceito, especialmente se o exequente não concordar com o pleito. À

evidência, trata-se de direito subjetivo do executado536: cumpridas as exigências

insertas no caput do art. 745-A, o executado tem direito subjetivo ao

parcelamento, independentemente da anuência do exequente. Não pode o juiz,

portanto, indeferir o requerimento por outro fundamento que não seja o

descumprimento de exigência prevista no caput do art. 745-A; e o preceito legal

não condiciona o deferimento do parcelamento ao consentimento do exequente.

533

De acordo, na jurisprudência: ―A apresentação de embargos de devedor é atitude incompatível com o pedido de parcelamento do débito constante no art. 745-A do CPC.‖ (Apelação nº 1.0707.09.179423-0/001, 15ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 14 de setembro de 2009). 534

Em regra correspondente a trinta por cento (cf. art. 745-A, caput, do Código de Processo Civil). 535

Cf. art. 745-A, § 1º, do Código de Processo Civil. 536

De acordo, na jurisprudência: ―- O parcelamento constitui um direito subjetivo do executado, impondo-se o seu deferimento, mesmo diante de oposição do credor, na hipótese de o devedor preencher os requisitos legais.‖ (Agravo nº 2009.002.13546, 9ª Câmara Cível do TJRJ).

194

194

Pouco importa se há anuência do exequente, ou não. Satisfeitas as formalidades

estampadas no caput do art. 745-A, o executado tem direito ao parcelamento.

15.3. Ajuizamento de embargos à execução

A terceira atitude que o executado pode tomar é aviar embargos à

execução, mediante o exercício do direito de ação contra o exequente, com

fundamento nos arts. 736, 738 e 745 todos do Código de Processo Civil.

15.4. Inércia do executado

Por fim, o executado citado pode permanecer inerte, em silêncio absoluto,

sem comparecer ao processo. Se a citação se deu de forma pessoal, a execução

forçada segue rumo à penhora e à alienação judicial dos bens, para a satisfação

do crédito em favor do exequente.

Se, todavia, a citação se deu por hora certa ou por edital, a inércia do

executado atrai a incidência do art. 9ª do Código de Processo Civil, por força do

enunciado nº 196 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―Ao executado que,

citado por edital ou por hora certa, permanecer revel, será nomeado curador

especial, com legitimidade para apresentação de embargos‖.

16. Arresto

16.1. Conceito de arresto

O arresto previsto no art. 653 do Código de Processo Civil é o ato

processual consubstanciado na apreensão forçada de bens de executado em

lugar incerto, para garantir o resultado útil de execução por quantia, após a

conversão em penhora e a alienação dos bens constritos. Por conseguinte, são

arrestáveis os bens penhoráveis, à vista do art. 655 do Código de Processo Civil,

com as ressalvas insertas nos arts. 648 e 649 do mesmo diploma.

195

195

16.2. Procedimento do arresto

Na falta de citação pessoal do executado, o oficial de justiça deve promover

o imediato arresto dos bens que encontrar, a fim de garantir a execução,

consoante o disposto no art. 653 do Código de Processo Civil.

Realizado o arresto, o oficial de justiça deve, nos dez dias seguintes,

procurar o executado por três vezes, em dias distintos, para tentar realizar a

citação537. Se não o encontrar, o oficial deve certificar o arresto e o

desaparecimento do executado. Em seguida, o oficial deve devolver o mandado

judicial na secretaria do juízo da execução.

Após, o exequente é intimado da constrição dos bens do executado. Para

preservar a eficácia da constrição, cabe ao exequente protocolizar petição, no

prazo de dez dias da respectiva intimação do arresto, com o requerimento de

citação do executado mediante edital, à vista do art. 654 do Código de Processo

Civil. Se o exequente deixar o decêndio legal correr in albis, o arresto não

subsiste.

Veiculado o requerimento de citação por edital, o juiz assina prazo de vinte

a sessenta dias, com fundamento no art. 232, inciso IV, do Código de Processo

Civil. Decorrido o prazo, o executado é considerado citado, com o início do tríduo

legal previsto no art. 652, para o pagamento da quantia objeto da execução. Se o

executado pagar o montante cobrado, levanta o arresto. Em contraposição, se o

executado permanecer inerte, o juiz converte o arresto em penhora, com

fundamento no art. 654, in fine, do Código de Processo Civil. Com efeito, o arresto

é convertido em penhora, a fim de que os bens apreendidos possam ser

alienados, para a satisfação do crédito em prol do exequente.

Por fim, decorridos in albis todos os prazos legais, o juiz nomeia curador

especial em prol do executado, com fundamento no art. 9º do Código de Processo

537

Cf. art. 653, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

196

196

Civil e no enunciado nº 196 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, com

legitimidade para ajuizar embargos à execução.

17. Penhora

17.1. Conceito de penhora

A penhora é o ato processual consubstanciado na apreensão de bens do

executado que não efetua o pagamento no prazo do art. 652 do Código de

Processo Civil, para a posterior alienação dos mesmos, a fim de satisfazer a

obrigação pecuniária em prol do exequente. Com efeito, se o executado não

efetua o pagamento da quantia cobrada no tríduo legal, há a penhora, ato de

constrição de bens do executado necessários à satisfação do crédito do

exequente.

17.2. Bens impenhoráveis

Impenhoráveis são os bens que não estão sujeitos à execução, nos termos

dos arts. 648, 649 e 650 do Código de Processo Civil. A impenhorabilidade pode

ser absoluta ou relativa: os bens absolutamente impenhoráveis estão arrolados no

art. 649 do Código de Processo Civil. Já os bens relativamente impenhoráveis

constam do art. 650 do mesmo diploma.

À vista dos arts. 648 e 649 do Código de Processo Civil, são absolutamente

impenhoráveis os bens inalienáveis e os declarados, por ato voluntário, não

sujeitos à execução, como o bem de família538, nos termos dos arts. 1.711 e 1.715

do Código Civil, da Lei nº 8.009, de 1990, e do enunciado nº 364 da Súmula do

Superior Tribunal de Justiça, e os bens gravados por força de testamento com

538

Pouco importa o valor do bem de família, tendo em vista o veto presidencial ao parágrafo único do art. 650 do Código de Processo Civil, preceito que autorizaria a penhora do valor do bem que família que ultrapassasse mil salários mínimos. Eis o teor do parágrafo vetado: ―Parágrafo único. Também pode ser penhorado o imóvel considerado bem de família, se de valor superior a 1000 (mil) salários mínimos, caso em que, apurado o valor em dinheiro, a quantia até aquele limite será entregue ao executado, sob cláusula de impenhorabilidade‖.

197

197

cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade. Com efeito, os bens

gravados em virtude de cláusulas de inalienabilidade e de impenhorabilidade não

são passíveis de constrição judicial.

Na esteira do bem de família, os bens móveis que guarnecem a residência

do executado também são impenhoráveis. Não obstante, os bens móveis de

elevado valor e os que ultrapassem as necessidades comuns correspondentes a

um médio padrão de vida são passíveis de penhora, em virtude do disposto na

segunda parte do inciso II do art. 649 do Código de Processo Civil.

Segundo o art. 649, inciso III, do Código de Processo Civil, os vestuários e

os pertences de uso pessoal do executado também não são passíveis de penhora,

ressalvados, entretanto, os de elevado valor.

À vista do art. 649, inciso IV e § 2º, do Código de Processo Civil, os

vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de

aposentadoria, pensões, honorários de profissional liberal e ganhos de trabalhador

autônomo também são impenhoráveis, salvo para pagamento de prestação

alimentícia. Pouco importa o valor dos vencimentos, subsídios, soldos, salários,

remunerações, proventos de aposentadoria, pensões etc: a impenhorabilidade

sempre alcança o valor integral, porquanto o § 3º do art. 649 foi vetado pelo

Presidente da República539. Não obstante, a despeito da vedação legal, há

precedentes jurisprudenciais em favor da penhora de vencimentos, subsídios,

soldos, salários, remunerações, para a satisfação dos créditos em geral, até

mesmo sem caráter alimentar, desde que o desconto não ultrapasse o equivalente

a trinta por cento do total percebido pelo executado, conforme dispõe o enunciado

nº 13.18 aprovado nas Turmas Recursais do Paraná: ―Não existindo outros bens a

satisfazer o crédito exequendo, possível a penhora de conta-salário no limite de

30%‖540. Ainda que muito respeitável, a orientação jurisprudencial não se coaduna

539

Eis o teor do parágrafo vetado: ―§ 3o Na hipótese do inciso IV do caput deste art., será considerado

penhorável até 40% (quarenta por cento) do total recebido mensalmente acima de 20 (vinte) salários mínimos, calculados após efetuados os descontos de imposto de renda retido na fonte, contribuição previdenciária oficial e outros descontos compulsórios‖. 540

No mesmo diapasão, ainda na jurisprudência: "AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO - PENHORA ON LINE - DESCONTOS NA CONTA BANCÁRIA - DEPÓSITO DE SALÁRIO - LIMITE DE 30%.- A parte devedora deve responder por seus débitos sem, no entanto, comprometer o seu sustento e de sua família.

198

198

com o disposto no Código de Processo Civil vigente, especialmente em razão do

vetado presidencial oposto ao § 3º do artigo 649, motivo pelo qual a vedação

estampada no inciso IV subsiste in totum, ressalvada apenas a exceção do § 2º

acerca da execução alimentícia.

Segundo o art. 649, inciso V, do Código de Processo Civil, os livros, as

máquinas, as ferramentas, os utensílios, os instrumentos de trabalho e outros

bens móveis necessários ou úteis ao exercício de qualquer profissão são

absolutamente impenhoráveis.

À vista do art. 649, inciso VI, do Código de Processo Civil, o seguro de vida

também é impenhorável. Na verdade, tanto o título representativo do seguro de

vida quanto o valor proveniente do seguro já pago também são impenhoráveis.

Por força do art. 649, inciso VII, do Código de Processo Civil, os materiais

necessários para obras em andamento também são impenhoráveis, salvo se o

imóvel em construção é penhorável e foi objeto de constrição.

A pequena propriedade rural explorada por família também é bem

impenhorável, em virtude do art. 649, inciso VIII, do Código de Processo Civil: ―VIII

- a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela

família‖.

Os recursos públicos recebidos por instituições particulares para aplicação

obrigatória em educação, saúde e assistência social também são impenhoráveis,

ex vi do art. 649, inciso IX, do Código de Processo Civil.

Legítima a penhora sobre 30% do valor depositado em conta bancária onde a parte recebe salário." (Agravo de Instrumento n° 1.0024.08.097406-6/001, TJMG). ―AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. PENHORA 30% SALÁRIO. POSSIBILIDADE. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DECISÃO MANTIDA. Aplicando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, possível é a penhora de 30% do salário do devedor, em função da segurança das relações jurídicas e para se evitar a inadimplência" (Agravo n° 1.0090.06.012523-5/001, TJMG). "AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO FISCAL - AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL - BLOQUEIO DE VALORES EM CONTA CORRENTE - SALÁRIO - POSSIBILIDADE - RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE - LIMITAÇÃO - PENHORA DE 30% DO SALÁRIO. Considerando-se os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, além das particularidades inerentes ao caso, a penhora incidente sobre valores não superiores a 30% (trinta por cento) do salário, tem o condão de ponderar a menor onerosidade possível a ser imposta ao devedor com a efetividade da execução." (Agravo n° 1.0024.08.076643-9/001, TJMG).

199

199

À vista do art. 649, inciso X, do Código de Processo Civil, o montante

equivalente a até quarenta salários mínimos depositados em caderneta de

poupança não é passível de constrição judicial.

Por fim, os recursos financeiros do fundo partidário recebidos por partido

político são impenhoráveis por força do art. 649, inciso XI, do Código de Processo

Civil, acrescentado pela Lei nº 11.694, de 2008.

17.3. Bens penhoráveis

Os bens penhoráveis estão arrolados no art. 655 do Código de Processo

Civil, em ordem de preferência. A gradação legal, entretanto, não é absoluta,

como bem assentou o Superior Tribunal de Justiça ao aprovar o enunciado nº 417,

à vista do art. 655 do Código de Processo Civil. Com efeito, o juiz pode determinar

a incidência da penhora sobre bem que, a despeito de constar entre os primeiros

bens passíveis de penhora, seja o único localizado no foro da execução ou o único

bem livre de gravame, por exemplo541.

À vista do inciso I do art. 655 do Código de Processo Civil, o dinheiro é o

primeiro e principal bem passível de penhora, seja dinheiro em espécie, seja

dinheiro depositado ou aplicado em instituição financeira, quando há lugar para o

bloqueio eletrônico dos valores, na forma prevista no art. 655-A do mesmo

diploma. Em virtude da regra estampada no art. 612 do Código de Processo Civil,

a penhora sobre dinheiro prevalece como primeira opção, a despeito do art. 620

daquele diploma. Daí o acerto do enunciado nº 117 do Tribunal de Justiça do Rio

de Janeiro: ―A penhora on line, de regra, não ofende o princípio da execução

menos gravosa para o devedor‖. Enfim, a penhora em dinheiro do executado é a

primeira e principal opção prevista no art. 655 do Código de Processo Civil, como

bem revela o enunciado nº 417, inciso I, da Súmula do Tribunal Superior do

Trabalho: ―I - Não fere direito líquido e certo do impetrante o ato judicial que

determina penhora em dinheiro do executado, em execução definitiva, para

garantir crédito exeqüendo, uma vez que obedece à gradação prevista no art. 655

541

Cf. art. 656, incisos III e IV, do Código de Processo Civil.

200

200

do CPC‖. Por oportuno, vale ressaltar que no conceito de dinheiro também deve

ser incluída a carta de fiança bancária, em virtude da liquidez e da segurança da

mesma, como bem revela a orientação jurisprudencial nº 59 da Segunda

Subseção do Tribunal Superior do Trabalho: ―A carta de fiança bancária equivale a

dinheiro para efeito da gradação dos bens penhoráveis, estabelecida no art. 655

do CPC‖.

Em segundo lugar, são penhoráveis os ―veículos de via terrestre‖542, como

as motocicletas e os automóveis em geral.

Em terceiro lugar, são penhoráveis os ―bens móveis em geral‖543, como os

semoventes544 e os títulos de crédito, como bem revela o art. 672 do Código de

Processo Civil: ―Art. 672. A penhora de crédito, representada por letra de câmbio,

nota promissória, duplicata, cheque ou outros títulos, far-se-á pela apreensão do

documento, esteja ou não em poder do devedor‖.

Em quarto lugar, são penhoráveis os ―bens imóveis‖545. Na eventualidade

de a penhora recair sobre bem imóvel, o cônjuge do executado também deve ser

intimado da constrição, em cumprimento ao disposto no § 2º do art. 655 do Código

de Processo Civil: ―§ 2º. Recaindo a penhora em bens imóveis, será intimado

também o cônjuge do executado‖. Não obstante, o direito de meação do cônjuge

alheio à execução não impede a penhora nem a alienação de bem imóvel do

casal. Com efeito, à vista do art. 655-B, o produto da alienação do bem responde

pela meação do cônjuge do executado.

Em quinto lugar, são penhoráveis os navios e as aeronaves do

executado546.

Em sexto lugar, são penhoráveis as ações e as cotas de sociedades

empresárias547.

542

Cf. art. 655, inciso II, do Código de Processo Civil. 543

Cf. art. 655, inciso III, do Código de Processo Civil. 544

Cf. art. 677 do Código de Processo Civil. 545

Cf. art. 655, inciso IV, do Código de Processo Civil. 546

Cf. art. 655, inciso V, do Código de Processo Civil. 547

Cf. art. 655, inciso VI, do Código de Processo Civil.

201

201

Em sétimo lugar, há possibilidade da penhora sobre o faturamento da

sociedade empresária executada548. Não obstante, à vista do art. 620 do Código

de Processo Civil, a penhora sobre o faturamento deve alcançar percentual que

não coloque em risco a subsistência da própria sociedade executada, conforme a

atividade empresarial exercida pela mesma. Em abono, merece ser prestigiada a

orientação jurisprudencial nº 93 da Segunda Subseção do Tribunal Superior do

Trabalho: ―É admissível a penhora sobre renda mensal ou faturamento de

empresa, limitada a determinado percentual, desde que não comprometa o de

desenvolvimento regular de suas atividades‖. Na mesma esteira, vale conferir o

preciso enunciado nº 100 da Súmula do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: ―A

penhora de receita auferida por estabelecimento comercial, industrial ou agrícola,

desde que fixada em percentual que não comprometa a respectiva atividade

empresarial, não ofende o princípio da execução menos gravosa, nada impedindo

que a nomeação do depositário recaia sobre o representante legal do devedor‖.

Por fim, mais do que a penhora sobre o faturamento, o art. 677 do Código de

Processo Civil autoriza a penhora até mesmo do estabelecimento comercial ou

empresarial, com o reforço do enunciado nº 451 da Súmula do Superior Tribunal

de Justiça: ―É legítima a penhora da sede do estabelecimento comercial‖.

Em oitavo lugar, são penhoráveis as ―pedras e metais preciosos‖549, como

diamantes, ouro, prata e bronze.

Em nono lugar, são penhoráveis os títulos da dívida pública da União, dos

Estados-membros e do Distrito Federal, com cotação no mercado550.

Em décimo lugar, são penhoráveis os títulos e valores mobiliários com

cotação no mercado de capitais551.

Por fim, são penhoráveis ―outros direitos‖552 com conteúdo econômico,

passíveis de alienação.

548

Cf. art. 655, inciso VII, do Código de Processo Civil. 549

Cf. art. 655, inciso VIII, do Código de Processo Civil. 550

Cf. art. 655, inciso IX, do Código de Processo Civil. 551

Cf. art. 655, inciso X, do Código de Processo Civil. 552

Cf. art. 655, inciso X, do Código de Processo Civil.

202

202

17.4. Efetivação da penhora

Quando o executado citado não efetua o pagamento no prazo legal de três

dias, o oficial de justiça ou meirinho, munido da segunda via do mandado, realiza

a penhora dos bens. À vista do § 1° do art. 652, portanto, cabe ao oficial de justiça

efetuar a penhora dos bens do executado, com a utilização da segunda via do

mesmo mandado judicial, porquanto a primeira via do mandado fica nos autos do

processo executivo, já que a mesma é utilizada para a realização da citação

prevista no caput do mesmo art. 652.

Na verdade, a penhora deve ser determinada pelo juiz e efetuada pelo

oficial de justiça, à vista do eventual pedido do exequente553 e do rol inserto no art.

655 do Código de Processo Civil.

Lavrado o auto de penhora pelo oficial de justiça, o executado deve ser

intimado por intermédio do respectivo advogado ou pessoalmente, se ainda não

tiver constituído advogado nos autos do processo, para que possa requerer a

substituição da penhora, tudo nos termos dos arts. 652, §§ 1º e 5º, e 656, ambos

do Código de Processo Civil. Na verdade, o exequente também deve ser intimado

da lavratura do auto de penhora, porquanto tem igual legitimidade para requerer a

substituição, com fundamento no mesmo art. 656.

Em contraposição, se o oficial de justiça não encontrar bem algum, também

deve certificar a falta na segunda via do mandado, a ser juntada aos autos, para

conclusão ao juiz. À vista do princípio da cooperação ou princípio da colaboração,

o juiz pode determinar a intimação do executado, para que indique bens passíveis

de penhora, com fundamento nos arts. 600, inciso V, e 652, § 3º, do Código de

Processo Civil.

17.5. Penhora de bem penhorado e princípio da anterioridade

À vista do art. 613 do Código de Processo Civil, o bem penhorado pode

sofrer novas penhoras, mas a primeira tem preferência em relação às demais – e

553

Cf. art. 652, § 2º, do Código de Processo Civil.

203

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assim por diante: a segunda penhora em relação à terceira, a terceira penhora em

relação à quarta etc.

Na verdade, não só o bem já penhorado, mas também o bem gravado com

ônus real554 é passível de penhora.

Em suma, a penhora pode incidir sobre bem já penhorado e também sobre

bem gravado com ônus real, sem prejuízo do direito de preferência de cada titular,

à vista do princípio da anterioridade.

17.6. Consequências jurídicas da penhora

A primeira consequência jurídica da penhora é a garantia da execução, a

segurança do juízo: a execução está segura rumo à satisfação da obrigação. Para

a efetiva garantia do juízo, os bens penhorados ficam sob a guarda de depositário,

auxiliar do juízo responsável pela guarda dos bens, nos termos dos arts. 148 a

150 do Código de Processo Civil.

Outra importante consequência da penhora é tornar o exequente

privilegiado em relação aos bens apreendidos e ao produto dos mesmos. É o

direito de preferência consagrado nos arts. 612 e 613 do Código de Processo

Civil. Com efeito, diante da possibilidade de um mesmo bem sofrer duas ou mais

penhoras, tem preferência o exequente do processo no qual houve a primeira

penhora – ou o primeiro arresto, depois convertido em penhora. Enquanto o

executado for solvente, não há paridade entre os credores, mas, sim, preferência

do exequente com penhora anterior.

Não obstante, a regra da preferência do exequente com penhora anterior

não subsiste na eventualidade da decretação de falência ou da insolvência civil do

executado. Com efeito, os credores só concorrem em igualdade de condições, nas

respectivas classes, se e quando ocorrer a decretação da falência ou da

insolvência civil do executado. Tanto a falência quanto a insolvência ocasionam a

abertura de concurso universal de credores, mediante verdadeiro processo

554

Vale dizer, penhor, anticrese ou hipoteca, nos termos do art. 1.419 do Código Civil.

204

204

coletivo destinado ao rateio proporcional entre os credores, com a insubsistência

da penhora como garantia individual.

Ressalvadas eventuais falência e insolvência civil supervenientes, portanto,

a penhora tem o condão de vincular o bem apreendido ao respectivo processo

executivo, com a individualização do bem sujeito à execução. A penhora,

entretanto, não torna o bem indisponível. O executado pode alienar o bem

penhorado com validade, na qualidade de proprietário. Embora seja válida a

alienação, a mesma não tem eficácia em relação processo no qual o bem foi

penhorado555.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a penhora não retira a

propriedade do executado, mas apenas a posse direta do bem penhorado. Com

efeito, a posse direta passa a ser exercida pelo Estado-juiz, por intermédio do

respectivo auxiliar, vale dizer, o depositário, após assumir o encargo previsto no

art. 148 do Código de Processo Civil. Não obstante, o executado preserva a posse

indireta do bem penhorado, na qualidade de proprietário do mesmo. Só há a

transferência da propriedade com a expropriação do bem penhorado, por meio de

adjudicação, de alienação particular ou hasta pública.

17.7. Destino dos bens penhorados

No que tange ao destino dos bens penhorados, os mesmos podem ser

adjudicados pelo executado ou alienados a terceiro, para a satisfação do valor

devido, com o resultado do produto da alienação.

17.8. Ausência de bens penhoráveis

Por fim, na falta de bens penhoráveis do executado, há a suspensão do

processo de execução. Com efeito, se não for encontrado bem a ser penhorado,

suspende-se a execução, com fundamento no art. 791, inciso III, do Código de

555

A despeito de o Superior Tribunal de Justiça exigir a averbação da penhora, com fundamento no enunciado nº 375.

205

205

Processo Civil556. A suspensão da execução por falta de bens penhoráveis do

executado implica ―execução frustrada‖, com a possibilidade de novo acionamento

do executado, agora por meio de falência557 ou de insolvência558, conforme seja

empresário ou civil, respectivamente.

18. Modalidades de expropriação e de pagamento

18.1. Generalidades

À vista dos arts. 647 e 708 do Código de Processo Civil, a expropriação dos

bens penhorados do executado e o posterior pagamento do exequente podem ser

realizados pelas seguintes formas, conforme a preferência do exequente:

- adjudicação dos bens penhorados, nos termos dos arts. 647, inciso I, 685-

A e 708, inciso II, todos do Código de Processo Civil;

- alienação particular por iniciativa do exequente, com a posterior entrega

do dinheiro resultante da alienação dos bens penhorados do executado, nos

termos dos arts. 647, inciso II, 685-C e 708, inciso I, todos do Código de Processo

Civil;

- alienação em hasta pública dos bens penhorados do executado, com a

posterior entrega do dinheiro ao exequente, nos termos dos arts. 647, inciso III,

686 e 708, inciso I, todos do Código de Processo Civil;

- usufruto de bem do executado, com o gradual pagamento do exequente,

tudo nos termos dos arts. 647, inciso IV, 708, inciso III, 716 e 717, todos do

Código de Processo Civil.

Por fim, cabe ao exequente a escolha da modalidade de expropriação e de

pagamento da quantia devida, em virtude do disposto no art. 612 do Código de

Processo Civil.

556

De acordo, na jurisprudência: - Não encontrados bens do devedor, suspende-se a execução (art. 791, III, do CPC).‖ (REsp nº 327.293/DF, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de novembro de 2001, p. 285). 557

Cf. art. 94, inciso II e § 4º, da Lei nº 11.101, de 2005. 558

Cf. art. 750, inciso I, do Código de Processo Civil.

206

206

18.2. Adjudicação

A adjudicação é a modalidade de expropriação consubstanciada na

transferência do próprio bem penhorado em favor do exequente, para a satisfação

da obrigação pecuniária. Com efeito, a adjudicação consiste na transferência do

bem penhorado para o patrimônio do exequente, no lugar do recebimento da

quantia devida pelo executado. À vista dos arts. 647, inciso I, e 685-A, ambos do

Código de Processo Civil, é a primeira modalidade de expropriação e de

satisfação da obrigação, na ordem de preferência estabelecida pelo legislador,

mas se assim também desejar o exequente.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não só o exequente pode

requer a adjudicação dos bens penhorados. O exequente, sem dúvida, é quem

legitimidade em primeiro lugar, à vista do caput do art. 685-A do Código de

Processo Civil.

Não obstante, o mesmo direito à adjudicação pode ser exercido pelos

eventuais credores com garantia real, pelos eventuais credores em outro processo

no qual houve a posterior penhora do mesmo bem, o cônjuge, os descendentes e

os ascendentes do executado, desde que efetuem o imediato depósito do valor da

avaliação dos bens penhorados, para o posterior levantamento do dinheiro pelo

exequente.

Em virtude da possibilidade da adjudicação dos bens penhorados pelo

cônjuge, por descendentes e por ascendentes do executado, os arts. 787, 788,

789 e 790 do Código de Processo Civil foram revogados pela Lei nº 11.382/2006,

tendo em vista a ampliação da legitimidade para requerer a adjudicação. Por

conseguinte, o instituto da ―remição de bens‖ em prol do cônjuge, dos

descendentes e dos ascendentes do executado foi extinto do Direito Processual

Civil brasileiro. Se desejar impugnar a adjudicação, o executado dispõe de cinco

dias para ajuizar embargos à adjudicação, com fundamento no art. 746 do Código

de Processo Civil.

207

207

Se é certo que o instituto da ―remição de bens‖ foi extinto, a ―remição da

execução‖ subsiste no art. 651 do Código de Processo Civil. A remição da

execução pode ser requerida pelo executado, desde que antes da adjudicação ou

da alienação dos bens penhorados. Com efeito, à vista do art. 651, o executado

pode remir a execução, por meio do pagamento ou da consignação do valor

atualizado da dívida, mais juros, custas e honorários advocatícios.

18.3. Alienação particular por iniciativa do exequente

Ao invés da adjudicação, o exequente pode preferir a satisfação da quantia

devida por meio do valor obtido como produto da alienação dos bens penhorados.

Com efeito, o exequente pode requerer ao juiz, com fundamento no art.

685-C do Código de Processo Civil, que a alienação seja realizada de forma

particular, por iniciativa do próprio exequente ou por intermédio de corretor

credenciado perante a autoridade judiciária.

Não obstante, o executado dispõe de cinco dias para impugnar a alienação

mediante embargos, com fundamento no art. 746 do Código de Processo Civil.

Não ajuizados ou julgados improcedentes os embargos à alienação, o juiz

autoriza o levantamento do dinheiro resultante da alienação dos bens penhorados,

até a satisfação integral do valor devido, em prol do exequente, tudo nos termos

do art. 709 do Código de Processo Civil.

18.4. Alienação em hasta pública

Se o exequente não requerer a adjudicação dos bens penhorados nem a

realização da alienação particular dos mesmos, o juiz determina a expedição de

edital de hasta pública, para a alienação mediante praça dos bens imóveis e o

leilão dos móveis, tudo nos termos do art. 686 do Código de Processo Civil.

208

208

Ainda à luz do art. 686 do Código de Processo Civil, constata-se que a

expressão ―hasta pública‖ é gênero do qual a ―praça‖ e o ―leilão‖ são espécies,

para a alienação de bens imóveis e móveis, respectivamente.

Realizada a alienação pública em virtude da arrematação dos bens do

executado, o arrematante deve efetuar o pagamento, na forma do art. 690 do

Código de Processo Civil.

Não obstante, o executado dispõe de cinco dias para impugnar a

arrematação mediante embargos, com fundamento no art. 746 do Código de

Processo Civil.

Não ajuizados ou julgados improcedentes os embargos à arrematação, o

juiz autoriza o levantamento, em prol do exequente, do dinheiro resultante da

arrematação dos bens penhorados, até a satisfação integral do valor devido pelo

executado559.

18.5. Usufruto de bem do executado

O usufruto de bem é a modalidade de ―expropriação temporária‖ para o

pagamento da quantia devida, por meio dos frutos e rendimentos provenientes do

bem de propriedade do executado, até a satisfação da obrigação pecuniária.

A combinação dos arts. 647, inciso IV, 708, inciso III, 716 e 717 revela que

o usufruto pode ter como objeto bem móvel, bem imóvel e até o estabelecimento

empresarial. O bem objeto do usufruto pode ser arrendado e alugado, nos termos

dos arts. 723 e 724, ―até que o exeqüente seja pago do principal, juros, custas e

honorários advocatícios‖560.

19. Embargos à execução, embargos do executado ou ―embargos de

primeira fase‖

559

Cf. art. 709 do Código de Processo Civil. 560

Cf. art. 717 do Código de Processo Civil.

209

209

19.1. Natureza jurídica dos embargos e petição inicial

Por meio dos embargos o executado pode acionar o exequente, em razão

do inconformismo com a execução promovida, no todo ou em parte. A natureza

dos embargos à execução, portanto, é de demanda contraposta de cunho

cognitivo-constitutivo561. Ajuizados os embargos, portanto, há a instauração de

novo processo de conhecimento, para a desconstituição do título ou para a

extinção do processo executivo, no todo ou em parte.

À vista da natureza jurídica, os embargos devem ser propostos mediante

petição inicial, com os elementos constitutivos indispensáveis arrolados no art. 282

do Código de Processo Civil. Em cumprimento aos arts. 283 e 736, parágrafo

único, a petição inicial deve ser instruída com fotocópias das peças processuais

dos autos principais necessárias para o desate dos embargos, como, por exemplo,

da petição inicial da execução, do título extrajudicial, da procuração outorgada ao

advogado do exequente, da memória de cálculos, do mandado de citação e da

certidão de juntada. As fotocópias devem ser declaradas autenticas pelo

advogado do executado-embargante, com fundamento no parágrafo único do art.

736 do Código de Processo Civil.

No que tange ao valor dos embargos, em regra corresponde ao valor da

execução. Se, entretanto, os embargos forem parciais, o valor da causa deve ser

proporcional. Daí o acerto da conclusão nº 51 do 6º Encontro Nacional dos

Tribunais de Alçada: ―Nos embargos à execução e nos de terceiro, o valor da

causa não é obrigatoriamente o mesmo atribuído à causa principal‖.

19.2. Prazo para os embargos

No que tange ao prazo, os embargos à execução devem ser propostos em

quinze dias562, contados da data da juntada do mandado de citação563. O termo

561

De acordo, na jurisprudência: ―1. Os embargos à execução constituem verdadeira ação autônoma de conhecimento, incidente à execução, como instrumento de defesa do executado.‖ (REsp nº 985.324/AM, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça Eletrônico de 8 de junho de 2009). 562

Vale lembrar que o prazo para o ajuizamento dos embargos era de dez dias. Com o advento da Lei nº 11.382, de 2006, o prazo foi majorado para quinze dias. 563

Cf. art. 738, caput, do Código de Processo Civil.

210

210

inicial, portanto, é o mesmo para o pagamento, o requerimento de parcelamento e

o ajuizamento dos embargos. Para realizar o pagamento, o executado tem três

dias. Já para requerer o parcelamento ou para ajuizar os embargos, o executado

tem quinze dias. O termo inicial, entretanto, é o mesmo.

Na eventualidade de o executado se antecipar à juntada do mandado de

citação e depositar o valor em juízo, para pode ajuizar os embargos com pedido

suspensão da execução, o prazo de quinze dias é contado a partir do depósito,

cuja data passa a ser o termo inicial, o qual, entretanto, é excluído da contagem,

por força do caput do art. 184 do Código de Processo Civil, aplicável à execução

em virtude do art. 598 do mesmo diploma.

Resta saber se o art. 191 do Código de Processo Civil é aplicável aos

embargos à execução movida contra dois ou mais litisconsortes passivos, com

diferentes advogados. Em outros termos, há a duplicação do prazo para os

embargos na eventualidade de litisconsórcio passivo, cujos executados têm

advogados distintos? A resposta é negativa, por força do § 3º do art. 738 do

Código de Processo Civil, acrescentado pela Lei nº 11.382/2006, in verbis: ―§ 3º

Aos embargos do executado não se aplica o disposto no art. 191 desta Lei‖. À

evidência, a Lei nº 11.382 encampou a tradicional orientação jurisprudencial

consagrada no enunciado nº 8 do antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São

Paulo: ―A lei processual civil não enseja prazo em dobro para embargar, mesmo

quando diversos os procuradores das partes‖.

Na eventualidade de intempestividade dos embargos à execução, incide o

art. 739, inciso I, do Código de Processo Civil, razão pela qual o juiz deve proferir

sentença de indeferimento liminar dos embargos intempestivos.

Por fim, ainda que decorrido o prazo legal para propositura dos embargos, o

executado ainda pode veicular contraposição à execução, por meio de simples

petição avulsa endereçada ao juízo da execução, para ser juntada aos próprios

autos do processo executivo. Embora seja conhecida na prática forense pela

211

211

expressão ―exceção de pré-executividade‖, trata-se, na verdade, de ―objeção de

não-executividade‖, porquanto só tem lugar diante de matéria de ordem pública564.

19.3. Desnecessidade de prévia segurança do juízo

À vista do revogado art. 737 do original Código de Processo Civil de 1973, a

admissibilidade dos embargos dependia da prévia segurança do juízo por meio de

penhora ou de depósito. Hoje, entretanto, os embargos não estão condicionados à

prévia garantia da execução, quer mediante penhora, quer por depósito ou por

qualquer outro título de caução.

Sem dúvida, à vista do art. 736 do Código de Processo Civil vigente, a

admissibilidade dos embargos à execução não depende de penhora, de depósito

da quantia, muito menos de caução, real ou fidejussória.

Nada impede, todavia, que o executado realize o depósito da quantia, se

assim desejar, na busca da suspensão da execução, com fundamento no art. 739-

A, § 1º, in fine, do Código de Processo Civil. Não há mais, entretanto, a

necessidade da garantia do juízo para a admissibilidade dos embargos à

execução.

19.4. Distribuição ao juízo da execução e autuação em apartado

À vista do parágrafo único do art. 736 do Código de Processo Civil, os

embargos devem ser distribuídos por dependência ao juízo competente da

execução. A petição inicial dos embargos deve ser autuada em apartado, com as

fotocópias juntadas pelo executado-embargante. Apensados os autos, sobem

conclusos ao juiz, para a admissão dos embargos e a fixação dos efeitos do

recebimento.

19.5. Embargos e suspensão do processo de execução: regra e exceção

564

Por exemplo, a prescrição executiva e a carência da ação podem ser suscitadas mediante simples petição de ―exceção de pré-executividade‖, independentemente de prazo e de forma legais.

212

212

Como já anotado, os embargos à execução não ocasionam a suspensão

automática da execução. Sem dúvida, não há suspensão ex vi legis, em razão do

simples ajuizamento dos embargos à execução. A regra, portanto, é a seguinte: os

embargos não suspendem o processo de execução565.

Não obstante, o juiz pode determinar a suspensão do processo executivo, à

vista de requerimento do executado-embargante fundado no § 1º do art. 739-A do

Código de Processo Civil. Sem dúvida, se a execução já estiver garantida por

penhora, depósito ou caução, e o prosseguimento do processo implicar dano de

difícil ou incerta reparação, é possível conferir efeito suspensivo aos embargos

ajuizados a tempo e modo pelo executado566.

Ainda que recebidos os embargos com efeito suspensivo, a suspensão do

processo de execução não impede a realização de alguns atos processuais, como

a penhora e a avaliação dos bens constritos, em virtude do disposto no § 6º do art.

739-A do Código de Processo Civil: ―§ 6o A concessão de efeito suspensivo não

impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens‖. Não é só: o

juiz também pode determinar a realização de atos processuais urgentes, com

fundamento no art. 793, in fine, daquele diploma.

19.6. Matérias passíveis de embargos

As matérias passíveis de embargos à execução estão arroladas no art. 745

do Código de Processo Civil.

19.6.1. Nulidade da execução, por não ser executivo o título

Em primeiro lugar, o executado pode suscitar a nulidade da execução, por

não ser executivo o título apresentado pelo exequente, com fundamento nos arts.

580, 586, 618, inciso I, e 745, inciso I, todos do Código de Processo Civil, em

razão da incerteza, da iliquidez ou da inexigibilidade da obrigação estampada no

565

Cf. art. 739-A, caput, do Código de Processo Civil. 566

Cf. art. 791, inciso I, do Código de Processo Civil, combinado com o caput do art. 739-A do mesmo diploma.

213

213

documento. Em todos os casos (incerteza, iliquidez e inexigibilidade), há carência

da execução, por falta de título executivo, com a consequente extinção do

processo, por meio de sentença.

Na verdade, a carência da ação cambial por ser o documento título de

crédito pode ser suscitada mediante embargos à execução, por simples petição,

denominada ―exceção de pré-executividade‖, e até mesmo de ofício pelo juiz,

quando da prolação do juízo de admissibilidade da petição inicial567.

19.6.2. Penhora incorreta ou avaliação errônea

À vista do art. 745, inciso II, do Código de Processo Civil, o executado pode

suscitar nos embargos a erronia tanto da penhora quanto da avaliação dos bens

penhorados. Por exemplo, o executado pode evocar os arts. 648 e 649 do Código

de Processo Civil para suscitar a impenhorabilidade dos bens penhorados.

Na eventualidade do acolhimento dos embargos fundados no inciso II do

art. 745 do Código de Processo Civil, não há extinção do processo; o processo

segue, após o levantamento da penhora indevida, após a realização de nova

penhora com a observância das formalidades legais568 ou após a determinação da

realização de nova avaliação, conforme o caso.

19.6.3. Excesso de execução ou cumulação indevida de execuções

O inciso III do art. 745 do Código de Processo Civil dispõe sobre duas

hipóteses distintas: o excesso de execução e a cumulação indevida de execuções.

19.6.3.1. Excesso de execução

567

De acordo, na jurisprudência: ―APELAÇÃO CÍVEL - PROCESSO DE EXECUÇÃO - REQUISITOS DE FORMALIDADE - NOTA PROMISSÓRIA - RASURA NO VALOR NUMÉRICO - OBSTÁCULO INTRANSPONÍVEL. I - Em se tratando de processo de execução, pode e deve o julgador cercar-se da certeza de estarem presentes os requisitos de formalidade inerentes aos títulos cambiais, independentemente da matéria argüida em sede de embargos.‖ (Apelação nº 51.223/99, 2ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 1º de dezembro de 1999, p. 13, sem o grifo no original). 568

Cf. art. 661 do Código de Processo Civil.

214

214

À vista do art. 745, inciso III, do Código de Processo Civil, o executado

pode embargar a execução em razão de excesso por parte do exequente.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o conceito de ―excesso

de execução‖ não está restrito à hipótese de excesso em relação ao valor cobrado

por meio da execução. Esta é a principal hipótese de excesso de execução, mas

não é a única. Com efeito, o art. 743 do Código de Processo Civil arrola cinco

diferentes hipóteses de excesso de execução: ―I - quando o credor pleiteia quantia

superior à do título; II - quando recai sobre coisa diversa daquela declarada no

título; III - quando se processa de modo diferente do que foi determinado na

sentença; IV - quando o credor, sem cumprir a prestação que Ihe corresponde,

exige o adimplemento da do devedor (art. 582); V - se o credor não provar que a

condição se realizou‖. Como é perceptível primo ictu oculi, o fundamento

consubstanciado no ―excesso de execução‖ é muito mais amplo do que pode

parecer à primeira vista.

Resta saber se o excesso de execução implica nulidade ou extinção do

processo. A resposta depende do fundamento evocado pelo embargante. Se os

embargos estão fundamentos no inciso I do art. 743 do Código de Processo Civil,

o processo segue em relação ao valor devido, após o decote do excesso. A

propósito, merece ser prestigiado antigo verbete sumular aprovado pela Primeira

Câmara Cível do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―9. O excesso de

execução não importa em nulidade desta, mas no acolhimento (total ou parcial,

conforme o caso) dos embargos‖. Por conseguinte, constado o excesso do valor

objeto da execução, os embargos devem ser julgados procedentes, no todo ou em

parte, conforme o caso, mas sem a extinção do processo de execução, o qual

prossegue em relação ao valor julgado devido pelo juiz. Não obstante, se os

embargos estão fundamentos nos incisos II, III, IV ou V do art. 743 do Código de

Processo Civil, há lugar para a extinção do processo executivo, na eventualidade

de acolhimento dos embargos mediante sentença de procedência dos mesmos

(embargos).

215

215

19.6.3.2. Cumulação indevida de execuções

À vista do art. 573 do Código de Processo Civil569 e do enunciado nº 27 da

Súmula do Superior Tribunal de Justiça570, é admissível a cumulação, em um só

processo, de execuções fundadas em diferentes títulos executivos extrajudiciais,

desde que o executado, o juízo competente e o procedimento adequado sejam o

mesmo.

Na eventualidade de cumulação indevida de execuções, há lugar para

embargos, com fundamento no art. 745, inciso III, in fine, do Código de Processo

Civil.

19.6.4. Qualquer matéria de defesa passível de alegação em processo de

conhecimento

O inciso V do art. 745 do Código de Processo Civil revela que o executado

pode suscitar todas as matérias de defesa disponíveis no processo de

conhecimento, como, por exemplo, prescrição, transação, renúncia,

compensação, pagamento, novação, além de todas as defesas arroladas no art.

301 daquele diploma, como a incompetência absoluta, a falta ou a nulidade de

citação, a inépcia da petição inicial. Enfim, é amplo o rol de matérias passíveis de

alegação nos embargos à execução.

No que tange às matérias de ordem pública, quais sejam, aquelas que

podem ser conhecidas de ofício pelo juiz, em razão da predominância do interesse

público em relação ao interesse particular, podem ser alegadas mediante

embargos e também por meio de simples petição, a qualquer tempo. Tal petição

avulsa é a chamada ―exceção de pré-executividade‖ e autoriza a arguição de

todas as questões de ordem pública, como a prescrição, a carência da ação

executiva, a incompetência absoluta e a falta de outros pressupostos processuais.

569

―Art. 573. É lícito ao credor, sendo o mesmo o devedor, cumular várias execuções, ainda que fundadas em títulos diferentes, desde que para todas elas seja competente o juiz e idêntica a forma do processo.‖ (sem o grifo no original). 570

―Pode a execução fundar-se em mais de um título extrajudicial relativos ao mesmo negócio.‖ (sem o grifo no original).

216

216

Em abono, merece ser prestigiado o enunciado sumular nº 25 aprovado pelos

Desembargadores da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas

Gerais, in verbis: ―A arguição de prescrição é matéria passível de apreciação em

exceção de pré-executividade, não sendo necessária a oposição de embargos de

devedor‖.

19.7. Embargos à execução e exceção ritual de incompetência relativa, de

suspeição ou de impedimento

À vista do art. 742 do Código de Processo Civil, a incompetência relativa do

juízo, a suspeição do juiz e o impedimento do juiz ensejam exceção ritual, em

petição distinta, mas que deve ser protocolizada no mesmo momento do

ajuizamento dos embargos à execução, ex vi da expressão contida no bojo do art.

742: ―juntamente com os embargos‖.

19.8. Indeferimento liminar dos embargos à execução

Distribuídos e autuados os embargos, há a conclusão ao juiz da execução,

para a prolação do juízo de admissibilidade dos embargos.

Constatada a intempestividade dos embargos, o juiz profere sentença de

indeferimento liminar, com fundamento no art. 739, inciso I, do Código de

Processo Civil: ―O juiz rejeitará liminar os embargos: I - quando intempestivos;‖.

À vista dos arts. 295 e 739, inciso II, ambos do Código de Processo Civil,

também há indeferimento liminar na hipótese de inépcia da petição inicial dos

embargos.

A terceira hipótese de indeferimento liminar reside no inciso III do art. 739

do Código de Processo Civil: embargos manifestamente protelatórios. Embargos

manifestamente protelatórios são os veiculados com intuito meramente

procrastinatório, evidenciado pela total improcedência das alegações, perceptível

primo ictu oculi.

217

217

A quarta hipótese de indeferimento liminar dos embargos à execução reside

no § 5º do art. 739 do Código de Processo Civil: os embargos veiculados com

fundamento em excesso de execução devem ser indeferidos liminarmente se o

executado-embargante não indica o valor que considera devido na respectiva

petição inicial ou deixa de instruir a mesma com a planilha de cálculos, quando os

embargos versam apenas sobre o excesso de execução.

Em todas as hipóteses, há a prolação de sentença de indeferimento liminar,

contra a qual cabe recurso de apelação, mas sem efeito suspensivo, tendo em

vista o disposto no art. 520, inciso V, do Código de Processo Civil.

19.9. Admissão e procedimento dos embargos à execução

Recebidos os embargos, com ou sem a suspensão da execução, o

exequente-embargado deve ser citado571, por intermédio do respectivo advogado,

pelo Diário da Justiça Eletrônico ou pessoalmente, na secretaria do juízo ou até

por carta, a fim de que possa impugnar (rectius, contestar) os embargos, em

quinze dias, tudo nos termos do art. 740 do Código de Processo Civil.

Não obstante, a ausência de impugnação (rectius, contestação) não implica

presunção da veracidade dos fatos narrados nos embargos à execução. Com

efeito, é firme a orientação jurisprudencial contrária à aplicação do art. 319 do

Código de Processo Civil no processo instaurado por força dos embargos, como

bem revela o enunciado nº 13 aprovado pela Primeira Câmara Cível do antigo

Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―Nos embargos à execução não se verificam

os efeitos da revelia‖.

Ainda à vista do art. 740 do Código de Processo Civil, não há lugar para

reconvenção, ação declaratória incidental, denunciação da lide nem chamamento

ao processo nos embargos à execução, em razão da celeridade e da

especialidade que marcam o respectivo procedimento. Por oportuno, vale conferir

571

Citado, e não apenas intimado, porquanto os embargos instauram novo processo. De acordo, na jurisprudência: ―2. A intimação para que a parte embargada apresente impugnação aos embargos à execução trata-se, em verdade, de citação, sendo nulo o processo que deixa de promovê-la.‖ (REsp nº 657.387/RS, 2ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 30 de maio de 2006, p. 136, sem o grifo no original).

218

218

o preciso enunciado nº 8 aprovado pela Primeira Câmara Cível do antigo Tribunal

de Alçada de Minas Gerais: ―Nos embargos à execução não são admitidos o

chamamento ao processo, a denunciação da lide e a declaratória incidental‖. Na

mesma esteira, a Primeira Câmara Civil do extinto Tribunal de Alçada de Minas

Gerais também aprovou o correto enunciado nº 11: ―Não cabe reconvenção nos

processos executivo e cautelar‖. Com igual teor, há a conclusão nº 13 aprovada

no 6º Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada: ―Não cabe reconvenção nos

processos executivo e cautelar‖. Enfim, embora os embargos à execução

ocasionem a instauração de verdadeiro processo de conhecimento, a celeridade e

a especialidade que marcam o respectivo procedimento, ex vi do art. 740 do

Código de Processo Civil, impedem a utilização de institutos processuais que são

próprios do rito ordinário, como a reconvenção, a ação declaratória incidental, a

denunciação da lide e o chamamento ao processo.

Apresentada a impugnação (rectius, contestação) do exequente-

embargado, o juiz pode determinar a produção de provas pericial e testemunhal,

com a designação de audiência de instrução e julgamento, se julgar necessária

dilação probatória. No mais das vezes, entretanto, a prova documental já é

suficiente para o desate dos embargos desde logo, por meio de sentença.

19.10. Julgamento mediante sentença, recorribilidade por apelação e

prosseguimento da execução

Os arts. 520, inciso IV, e 740, caput, ambos do Código de Processo Civil,

revelam que os embargos à execução são julgados mediante sentença, contra a

qual cabe recurso de apelação, sem efeito suspensivo.

Proferida sentença de rejeição liminar ou de improcedência ao final,

portanto, a execução prossegue, já que o recurso apelatório não produz efeito

suspensivo. Sem dúvida, a execução por quantia certa proveniente de título

extrajudicial prossegue com força definitiva, em virtude da regra consagrada no

219

219

proêmio do art. 587 do Código de Processo Civil e no enunciado nº 317 da

Súmula do Superior Tribunal de Justiça572.

Não obstante, se o juiz conferiu efeito suspensivo aos embargos, quando

do recebimento, com fundamento no § 1º do art. 739-A do Código de Processo

Civil, a execução prossegue, mas de forma provisória, tendo em vista o disposto

na segunda parte do art. 587 do mesmo diploma573. Sem dúvida, a regra

consagrada no enunciado nº 317 do Superior Tribunal de Justiça não é absoluta; o

verbete sumular subsiste, mas com a ressalva da exceção proveniente da

combinação do art. 587, segunda parte, com o § 1º do art. 739-A, ambos do

Código de Processo Civil.

19.11. ―Embargos de segunda fase‖

Além dos embargos à execução admissíveis no prazo de quinze dias

contados da citação do executado, também conhecidos como ―embargos de

primeira fase‖, o art. 746 do Código de Processo Civil dispõe sobre os ―embargos

de segunda fase‖, admissíveis no prazo de cinco dias da adjudicação, da

alienação ou da arrematação, com fundamento na nulidade da execução ou em

causa extintiva da obrigação, desde que superveniente à penhora.

Aos embargos de segunda fase são aplicáveis as regras gerais relativas aos

embargos à execução, tendo em vista o disposto no art. 746, caput, in fine, do

Código de Processo Civil.

Findo o processamento dos embargos, o juiz profere sentença, contra a qual

cabe recurso de apelação, em quinze dias. À vista dos arts. 520, inciso V, e 746,

caput, in fine, ambos do Código de Processo Civil, a apelação interposta de

sentença prolatada em embargos à arrematação não produz efeito suspensivo,

572

―É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes os embargos.‖ (sem o grifo no original). 573

Vale notar que a referência ao art. 739 existente ao final do art. 587 deve ser entendida como ao § 1º do art. 739-A, em razão das alterações promovidas pela Lei nº 11.382, de 2006. Leia-se, portanto, ao final do art. 587, a expressão ―(art. 739-A, § 1º)‖, no lugar de ―(art. 739)‖. Eis mais um dos muitos erros de referência existentes no Código de Processo Civil vigente, após as dezenas de atualizações legais efetuadas desde 1973.

220

220

como bem revela o preciso enunciado nº 331 da Súmula do Superior Tribunal de

Justiça: ―A apelação interposta contra sentença que julga embargos à

arrematação tem efeito meramente devolutivo‖.

20. ―Exceção de pré-executividade‖ ou objeção de não-executividade

20.1. Generalidades

A objeção de não-executividade, conhecida na linguagem forense como

―exceção de pré-executividade‖, é o incidente processual admissível nas

execuções em geral, para a arguição de matéria de conhecimento oficial,

independentemente de prazo, de penhora, de depósito ou de caução.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a objeção de não-

executividade subsistiu ao advento das Leis nºs 11.232/2005 e 11.382/2006,

porquanto as matérias de ordem pública podem ser suscitadas mediante simples

petição, independentemente da observância do prazo legal disponível para a

impugnação à execução e para os embargos à execução, conforme o caso. Em

abono, merece ser prestigiado o preciso enunciado nº 25 aprovado pela Quarta

Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais: ―A arguição de prescrição é

matéria passível de apreciação em exceção de pré-executividade, não sendo

necessária a oposição de embargos de devedor‖.

20.2. Recorribilidade

Fixada a premissa da subsistência da objeção de não-executividade como

incidente processual adequado para a veiculação, mediante simples petição, de

matéria de ordem pública, já é possível analisar a problemática relativa ao recurso

cabível contra o pronunciamento referente à objeção de não-executividade.

Mutatis mutandis, aplica-se à espécie o mesmo raciocínio consagrado no art.

475-M, § 3º, do Código de Processo Civil. Com efeito, se o juiz extinguir a

221

221

execução em virtude do acolhimento integral da objeção de não-executividade, há

a prolação de sentença apelável. Em contraposição, se o juiz de primeiro grau

resolver a objeção sem extinguir a execução, com o consequente prosseguimento

do processo, ainda que em parte, há a prolação de decisão interlocutória

agravável por instrumento. Na verdade, tanto a rejeição quanto o acolhimento

apenas parcial da objeção não-executividade ocasionam a prolação decisão

interlocutória agravável; só há sentença passível de apelação quando o juiz acolhe

a objeção de não-executividade in totum e extingue o processo.

Um exemplo pode facilitar a compreensão do raciocínio: movida a execução

contra dois executados, um deles veicula objeção de não executividade fundada

na respectiva ilegitimidade passiva. Se o juiz reconhecer a ilegitimidade passiva

de ambos os executados, extingue o processo mediante sentença apelável. Em

contraposição, se o juiz acolher a objeção somente em relação ao executado

peticionário, profere decisão interlocutória passível de agravo de instrumento. Da

mesma forma, se o juiz rejeitar a objeção de não executividade, também profere

decisão interlocutória agravável.

Em suma, só cabe recurso de apelação quando há o acolhimento integral da

objeção de não executividade; no mais, cabe recurso de agravo de instrumento.

Incide, portanto, o disposto no art. 475-M, § 3º, do Código de Processo Civil,

aplicável à espécie por força do art. 126 do mesmo diploma.

21. Suspensão do processo de execução

21.1. Conceito de suspensão do processo

A suspensão é a paralisação temporária do processo, no todo ou em parte. A

suspensão total é denominada ―suspensão própria‖, porquanto há a paralisação

do processo por inteiro, ressalvados apenas os atos urgentes. Já a ―suspensão

imprópria‖ ocasiona a paralisação parcial do processo, para o prévio julgamento

222

222

dos embargos recebidos com efeito suspensivo574 ou de algum incidente

processual, como, por exemplo, alguma exceção ritual575 ou o incidente de

falsidade do título de crédito576.

21.2. Suspensão do processo e prática de atos urgentes: possibilidade

Como já anotado no tópico anterior, a suspensão não ocasiona a

paralisação do processo de forma absoluta, tendo em vista a possibilidade da

prática de atos processuais urgentes, autorizados por força do art. 793, in fine, do

Código de Processo Civil. Daí a existência, a validade e a eficácia jurídicas dos

atos urgentes praticados durante a suspensão do processo, como, por exemplo, o

arresto de bens do executado não localizado. Em contraposição, são nulos os atos

ordinários praticados durante a suspensão do processo.

21.3. Suspensão do processo e eficácia das medidas cautelares:

subsistência

Como já estudado no tópico anterior, é lícita a prática de atos urgentes

durante a suspensão do processo, como, por exemplo, a determinação de

medidas acautelatórias, como o arresto577 e o sequestro578. Resta saber se a

eficácia da medida cautelar já concedida em processo cautelar autônomo ou no

próprio processo executivo subsiste durante a suspensão do processo.

Em regra, a eficácia da medida cautelar concedida subsiste até mesmo

quando há suspensão do processo, seja o cautelar ou o principal. Com efeito, a

regra da subsistência da eficácia da medida cautelar durante a suspensão do

processo está consagrada nos arts. 793, in fine, e 807, parágrafo único, ambos do

Código de Processo Civil. Sem dúvida, a cessação da eficácia da medida cautelar

por superveniência de suspensão do processo cautelar ou executivo depende da

574

Cf. art. 739-A, § 1º, do Código de Processo Civil. 575

Cf. arts. 265, inciso III, e 791, inciso III, ambos do Código de Processo Civil. 576

Cf. arts. 390 e 394 do Código de Processo Civil. 577

Cf. arts. 813 a 821 do Código de Processo Civil. 578

Cf. arts. 822 a 825 do Código de Processo Civil.

223

223

prolação de decisão judicial específica, como bem revela o parágrafo único do art.

807 do Código de Processo Civil: ―Salvo decisão judicial em contrário, a medida

cautelar conservará a eficácia durante o período de suspensão do processo‖.

21.4. Hipóteses de suspensão do processo de execução

As principais hipóteses de suspensão do processo executivo estão

arroladas no art. 791 do Código de Processo Civil. Não obstante, o rol não é

taxativo, porquanto há outros casos de suspensão do processo de execução. Sem

dúvida, além das hipóteses arroladas no art. 791, também há suspensão do

processo executivo nos casos dos arts. 394, 792 e 1.052 todos do Código de

Processo Civil.

21.4.1. Suspensão por recebimento de embargos com efeito suspensivo

Em regra, os embargos do executado não ocasionam a suspensão do

processo de execução. Não obstante, o juiz pode conferir efeito suspensivo aos

embargos, com fundamento no art. 739-A, § 1º, do Código de Processo Civil, com

a consequente suspensão do processo de execução, até o julgamento dos

embargos. É a hipótese de suspensão que consta do art. 791, inciso I, daquele

diploma: ―Art. 791. Suspende-se a execução: I - no todo ou em parte, quando

recebidos com efeito suspensivo os embargos à execução (art. 739-A)‖.

Ainda que recebidos os embargos com efeito suspensivo, a suspensão do

processo de execução não impede a realização de alguns atos processuais, como

a penhora e a avaliação dos bens constritos, em virtude do disposto no § 6º do art.

739-A do Código de Processo Civil: ―§ 6o A concessão de efeito suspensivo não

impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens‖.

21.4.2. Suspensão nas hipóteses do art. 265, incisos I a III, do C.P.C.

224

224

O inciso II do art. 791 do Código de Processo Civil dispõe sobre a

suspensão do processo de execução nas hipóteses do art. 265, incisos I, II e III,

do mesmo diploma, em razão do falecimento ou da perda da capacidade

processual de alguma das partes, dos representantes ou dos procuradores, de

convenção das partes e de oferecimento de exceção ritual, respectivamente.

21.4.2.1. Suspensão por falecimento ou perda da capacidade processual

O inciso I do art. 265 e o inciso II do art. 791 do Código de Processo Civil

dispõem sobre a suspensão do processo por motivo de falecimento ou perda da

capacidade processual das partes, dos representantes legais ou dos respectivos

procuradores.

Tanto na hipótese de falecimento quanto na de perda da capacidade

processual, é imediata a suspensão do processo, desde o momento em que se dá

o falecimento ou a perda da capacidade processual. A regra, portanto, é a

declaração judicial da suspensão com efeito retroativo, vale dizer, ex tunc, a partir

do falecimento ou da perda da capacidade processual das partes, dos

representantes legais ou dos advogados, conforme o caso.

Estudados os aspectos gerais do inciso I do art. 265, já é possível examinar

as peculiaridades de cada hipótese inserta no preceito.

No que tange ao falecimento de alguma das partes, incidem os arts. 43,

1.055 a 1.062, todos do Código de Processo Civil, com a suspensão do processo

para a habilitação dos sucessores e a consequente substituição do falecido pelos

respectivos sucessores.

No caso de falecimento do único advogado de alguma das partes, também

há a suspensão do processo, mas para que sejam tomadas as providências

previstas no § 2º do art. 265 do Código de Processo Civil.

Resta saber se o falecimento do advogado substabelecente também

ocasiona a suspensão do processo. A despeito do disposto no art. 682, inciso II,

do Código Civil, doutrina e jurisprudência sustentam que não há necessidade de

225

225

suspensão do processo, ao fundamento de que o substabelecimento subsiste por

si só, razão pela qual o advogado substabelecido pode dar seguimento ao

processo, independentemente do falecimento do advogado substabelecente.

Estudada a suspensão proveniente do falecimento, voltam-se os olhos para

a segunda parte do inciso I do art. 265 do Código de Processo Civil.

Sob outro prisma, a ―capacidade processual‖ é a capacidade de estar em

juízo, vale dizer, a legitimação para o processo: legitimatio ad processum. Trata-se

de pressuposto processual indispensável para a prática de atos válidos em juízo,

em virtude da capacidade civil plena.

Com efeito, nem toda pessoa que pode ser parte pode praticar atos válidos

em processo judicial. Daí a distinção entre a capacidade de ser parte e a

capacidade processual. A capacidade processual depende da capacidade de ser

parte, mas também da capacidade civil plena, à vista da combinação dos arts. 7º,

8º e 12 do Código de Processo Civil, com os arts. 3º, 4º e 5º do Código Civil.

Assim, por exemplo, os menores podem ser partes, mas não têm capacidade

processual, porquanto não têm capacidade civil plena. Necessitam, por

consequência, de assistência ou de representação, conforme o caso, para que

possam praticar atos válidos em juízo.

Por ser pressuposto processual, a eventual incapacidade processual deve

ser conhecida de ofício pelo juiz. Aliás, a eventual incapacidade processual deve

ser conhecida de ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição. Trata-se de

pressuposto processual de validade do processo, razão pela qual a incapacidade

pode ser suscitada na pendência do processo, por meio de embargos e até

mesmo por simples petição (―exceção de pré-executividade‖).

Reconhecida a incapacidade processual na pendência do processo, o juiz

deve suspender o mesmo e marcar prazo para a respectiva sanação. Com efeito,

a incapacidade processual ocasiona a suspensão do processo, tendo em vista a

combinação do art. 13, caput, com o art. 265, inciso I, e com o art. 791, inciso II,

todos do Código de Processo Civil.

226

226

Estudada a capacidade processual, com a respectiva distinção da

capacidade de ser parte, resta saber se o inciso I do art. 265 deve ser interpretado

de forma literal, já que cuida apenas da ―perda da capacidade processual‖. A

despeito da literalidade do preceito, deve ser prestigiada a interpretação extensiva,

a fim de alcançar não só a capacidade processual, mas também a capacidade de

ser parte e até mesmo a capacidade postulatória, à vista da interpretação

teleológica do art. 265, inciso I e § 2º, do Código de Processo Civil.

No que tange à capacidade de ser parte, a mesma já consta do proêmio do

inciso I, porquanto o falecido não tem capacidade de ser parte, razão pela qual já

há a suspensão do processo para a substituição prevista no art. 43: ―Ocorrendo a

morte de qualquer das partes, dar-se-á a substituição pelo seu espólio ou pelos

seus sucessores, observado o disposto no art. 265‖.

Já a capacidade postulatória – ou ius postulandi – é o pressuposto

processual consubstanciado na possibilidade de postular em juízo, ou seja, de

patrocinar causa perante os órgãos do Poder Judiciário. Diante da superveniente

incapacidade postulatória, como nas hipóteses dos arts. 28, 30, 37 e 38 da Lei nº

8.906, de 1994, o juiz também deve suspender o processo e abrir prazo para a

sanação da incapacidade, nos termos dos arts. 13 e 265, § 2º, ambos do Código

de Processo Civil.

Daí a conclusão: ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o inciso

I do art. 265 não trata apenas da ―perda da capacidade processual‖; na verdade, o

preceito também alcança a perda da capacidade de ser parte e da capacidade

postulatória.

21.4.2.2. Suspensão por convenção das partes

O inciso II do art. 265 e o inciso II do art. 791 do Código de Processo Civil

versam sobre a suspensão do processo em virtude de convenção das partes,

para, por exemplo, a tentativa de transação.

227

227

Quanto ao prazo da suspensão fundada no inciso II do art. 265, a

paralisação do processo não pode exceder seis meses, tendo em vista o disposto

no § 3º do art. 265: ―§ 3o A suspensão do processo por convenção das partes, de

que trata o no Il, nunca poderá exceder 6 (seis) meses; findo o prazo, o escrivão

fará os autos conclusos ao juiz, que ordenará o prosseguimento do processo‖.

Por fim, a hipótese prevista no inciso II do art. 265 não se confunde com a

inserta no art. 792 do Código de Processo Civil. A suspensão por convenção das

partes fundada no inciso II do art. 265 está sujeita ao prazo máximo de seis

meses, o que não ocorre com a suspensão prevista no art. 792, porquanto as

partes podem estabelecer prazo maior para a suspensão do processo de

execução, a fim de que o executado cumpra voluntariamente a obrigação.

Ademais, como já anotado, a suspensão fundada no art. 792 tem finalidade

específica: o cumprimento voluntário da obrigação pelo executado. Já a

suspensão prevista no inciso II do art. 265 é genérica, razão pela qual as partes

podem requerer a suspensão do processo para diversos fins, como, por exemplo,

para a simples tentativa de transação. Daí a explicação para a coexistência dos

dois preceitos no Código de Processo Civil.

21.4.2.3. Suspensão por exceções rituais

À vista do art. 742 do Código de Processo Civil, a incompetência relativa do

juízo, a suspeição do juiz e o impedimento do juiz ensejam exceção ritual, em

petição distinta, mas que deve ser protocolizada no mesmo momento do

ajuizamento dos embargos à execução, ex vi da expressão contida no bojo do art.

742: ―juntamente com os embargos‖.

Já o inciso III do art. 265 e o inciso II do art. 791 do mesmo Código revelam

que há suspensão da execução em razão do oferecimento de exceção de

incompetência relativa do juízo, de exceção de suspeição do juiz ou de exceção

de impedimento do juiz.

Apresentada a exceção, há a imediata suspensão da execução, para o

julgamento da exceção ritual. Julgada a exceção ritual, a execução volta a ter

228

228

seguimento no mesmo ou em outro juízo, sob a direção do mesmo juiz ou de outro

magistrado, conforme o resultado da exceção veiculada.

21.4.3. Suspensão pela ausência de bens penhoráveis do executado

À vista do art. 791, inciso III, do Código de Processo Civil, também há a

suspensão do processo de execução por ausência de bens penhoráveis do

executado579.

Resta saber se o prazo prescricional volta a correr durante a suspensão do

processo, por falta de bens penhoráveis. Prestigia-se, no presente compêndio, a

interpretação firmada na jurisprudência: o prazo prescricional não corre durante a

suspensão da execução proveniente da inexistência de bens penhoráveis580. A

combinação do inciso I do art. 202 Código Civil com a parte final do parágrafo

único do mesmo art. conduz ao seguinte raciocínio: a prescrição interrompida pelo

ato processual por meio do qual a citação é ordenada pelo juiz só recomeça a

correr da data do último ato do respectivo processo, vale dizer, com o trânsito em

julgado da sentença extintiva do processo; como a suspensão não é o último ato

do processo, já que não se confunde com a extinção, o prazo prescricional não

recomeça a correr após a suspensão.

Sob outro prisma, o exequente não tem a obrigação de indicar bens

penhoráveis do executado; trata-se de mera faculdade, porquanto o exequente

―poderá‖ indicar os bens, ex vi do § 2º do art. 652 do Código de Processo Civil. Na

verdade, o inciso IV do art. 600 revela que quem tem a obrigação de indicar os

bens penhoráveis é o executado. Ademais, o instituto da prescrição tem em mira a

inércia do titular da pretensão, o que não ocorre na hipótese do inciso III do art.

791, porquanto a paralisação processual se dá em razão de omissão imputável ao

executado, e não ao exequente.

579

De acordo, na jurisprudência: - Não encontrados bens do devedor, suspende-se a execução (art. 791, III, do CPC).‖ (REsp nº 327.293/DF, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 19 de novembro de 2001, p. 285). 580

―II - Estando suspensa a execução a requerimento do credor, pela inexistência, em nome do devedor, de bens penhoráveis, não tem curso o prazo de prescrição. Inteligência dos arts. 791, III e 793, do Código de Processo Civil.‖ (REsp nº 154.782/PR, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 29 de março de 1999, p. 166).

229

229

Por fim, a suspensão do processo não torna a obrigação imprescritível: o

executado pode requerer a respectiva insolvência civil, com fundamento nos arts.

750, inciso I581, e 757, ambos do Código de Processo Civil, a fim de que a

prescrição das obrigações tenha lugar à luz dos arts. 777 e 778582 do mesmo

diploma. Já o executado que é empresário ou sociedade empresária pode acionar

a falência, com fundamento nos arts. 97, inciso I, 105, 106 e 107 da Lei nº

11.101/2005, para que a prescrição das obrigações tenha lugar à luz dos arts.

157, 158 e 159 do mesmo diploma. Enfim, qualquer que seja o executado, civil ou

empresarial, a obrigação objeto da execução suspensa não é imprescritível,

embora a prescrição não tenha fluência durante a suspensão do processo

executivo; cabe ao executado requerer a respectiva insolvência civil ou falência,

com as consequências jurídicas daí provenientes.

21.4.4. Suspensão para o cumprimento voluntário da obrigação pelo

executado

O art. 792 do Código de Processo Civil autoriza a suspensão do processo

em virtude de convenção das partes, pelo prazo concedido pelo exequente, para

que o executado possa cumprir voluntariamente a obrigação objeto da execução,

no prazo acordado.

Trata-se de hipótese diversa da prevista no inciso II do art. 265 do Código

de Processo Civil, por duas razões: a uma, porque a suspensão autorizada pelo

art. 792 não está sujeita ao prazo previsto no § 3º do art. 265; a duas, porque a

suspensão objeto do art. 792 se dá em virtude de convenção com finalidade

específica, qual seja, o cumprimento da obrigação por parte do executado.

Findo in albis o prazo concedido ao executado, o processo executivo

retoma o curso, rumo à satisfação forçada da obrigação, ex vi do art. 792,

parágrafo único, do Código de Processo Civil.

581

―Art. 750. Presume-se a insolvência quando: I – o devedor não possuir outros bens livres e desembaraçados para nomear à penhora;‖. 582

―Art. 778. Consideram-se extintas todas as obrigações do devedor, decorrido o prazo de 5 (cinco) anos, contados da data do encerramento do processo de insolvência‖.

230

230

21.4.5. Suspensão por embargos de terceiro

À vista dos arts. 1.046 e 1.052 do Código de Processo Civil, o recebimento

de embargos de terceiro relativos a todos os bens penhorados ocasiona a

suspensão do processo de execução.

21.4.6. Suspensão por incidente de falsidade

À vista dos arts. 390 e 394 do Código de Processo Civil, a arguição de

falsidade do título de crédito ocasiona a suspensão do processo executivo, até o

julgamento do incidente.

21.4.7. Suspensão por motivo de força maior

O inciso V do art. 265 do Código de Processo Civil versa sobre a

suspensão do processo por motivo de força maior. Força maior é o acontecimento

coletivo alheio à vontade das partes como, por exemplo, os terremotos, as

enchentes, as guerras, as revoluções, os golpes de estado, enfim, todo evento

transindividual que impede ou dificulta a prática de atos processuais.

Diante do evento de força maior, o processo executivo deve ser suspenso.

Na verdade, a declaração da suspensão do processo tem efeito ex tunc, ou seja,

retroage até a data do acontecimento coletivo que impediu ou dificultou a prática

de atos processuais.

22. Extinção do processo de execução

22.1. Conceito

231

231

A extinção é o encerramento do processo, quando o mesmo chega ao fim no

primeiro grau de jurisdição. A extinção do processo de execução se dá mediante

sentença, conforme revelam os arts. 794 e 795 do Código de Processo Civil.

22.2. Hipóteses de extinção do processo de execução

As principais hipóteses de extinção do processo executivo estão arroladas

no art. 794 do Código de Processo Civil. Não obstante, o rol não é taxativo,

porquanto há outros casos de extinção do processo de execução. Sem dúvida,

além das hipóteses arroladas no art. 794, também há extinção do processo

executivo à vista dos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil, aplicáveis à

execução por força do art. 598 do mesmo diploma.

22.2.1. Extinção por satisfação da obrigação

Em primeiro lugar, há extinção do processo de execução em virtude da

satisfação da obrigação pelo executado. É o que dispõe o art. 794, inciso I, do

Código de Processo Civil: ―Extingue-se a execução quando: I - o devedor satisfaz

a obrigação;‖.

À vista do art. 659 do Código de Processo Civil e do art. 389 do Código

Civil, a extinção da obrigação só se dá mediante o pagamento integral da dívida,

com correção monetária, juros, custas processuais e honorários advocatícios.

Sem dúvida, a extinção do processo executivo só se dá diante do efetivo

pagamento integral da obrigação pecuniária objeto da execução.

22.2.2. Extinção por remissão total da dívida e por outros casos de extinção

da obrigação

À vista do art. 794, inciso II, do Código de Processo Civil, a remissão total

da dívida pelo exequente ocasiona a extinção da obrigação e do respectivo

processo de execução. Remissão significa perdão da dívida. Não se confunde,

232

232

portanto, com a ―remição da execução‖, prevista no art. 651 do Código de

Processo Civil, muito menos com a extinta ―remição de bens‖, instituto que

constava dos revogados arts. 787 a 790 do original Código de 1973.

Na verdade, o inciso II do art. 794 revela que a extinção do processo de

execução também pode se dar mediante transação. É lícito às partes terminarem

o litígio quanto a direitos patrimoniais de caráter privado mediante concessões

mútuas583. Pouco importa se a transação conduz à remissão da dívida, ou não. Se

as partes transigirem, o juiz profere sentença, com fundamento nos arts. 267,

inciso III, 598 e 794, inciso II, todos do Código de Processo Civil, e no art. 842, in

fine, do Código Civil.

A interpretação dos arts. 360 e 364 do Código Civil revela que a novação

acerca da dívida também ocasiona a extinção da obrigação e da consequente

execução sobre a mesma.

Por fim, o processo executivo também deve ser extinto quando há confusão

entre exequente e executado. Há a confusão quando uma mesma pessoa é, a um

só tempo, credora e devedora da obrigação, com a consequente extinção da

mesma, ex vi do art. 381 do Código Civil. Daí a explicação para a extinção do

processo de execução, em virtude da combinação do art. 267, inciso X, com o art.

598, ambos do Código de Processo Civil.

22.2.3. Extinção por renúncia ao crédito

Na esteira do inciso II do art. 794 do Código de Processo Civil, também há

extinção do processo executivo quando o exequente renuncia ao crédito sobre o

qual versa a execução, com fundamento no inciso III do art. 794: ―III – o credor

renunciar ao crédito‖.

A renúncia não se confunde com a desistência, porquanto aquela (renúncia)

ocasiona a prolação de sentença de mérito, com produção de coisa julgada

material. Já a desistência ocasiona a prolação de simples sentença terminativa,

583

Cf. arts. 840 e 841 do Código Civil.

233

233

sem produção de coisa julgada material, tanto que o exequente que promover

nova execução contra o executado.

Diante da diferença estudada, a renúncia não depende da anuência do

executado, nem mesmo após o ajuizamento de embargos do executado.

22.2.4. Extinção por desistência da ação cambial

A desistência é o ato unilateral de vontade por meio do qual o exequente

abdica da execução em curso, mas não do direito material subjacente. A

desistência pode ser declarada oralmente pelo próprio exequente, em

audiência584, ou por petição, subscrita por advogado com procuração com poder

especial para ―desistir‖585.

À vista do caput do art. 569 do Código de Processo Civil, o exequente pode

desistir da execução livremente, desde que o faça antes do ajuizamento de

embargos do executado.

Na verdade, a desistência da execução também pode se dar até mesmo

depois do ajuizamento de embargos do executado, mas com as ressalvas das

alíneas ―a‖ e ―b‖ do parágrafo único do art. 569 do Código de Processo Civil: os

processos de execução e de embargos são extintos, às custas do exequente586,

se os embargos versarem apenas sobre questões processuais; se os embargos

versarem sobre questões de mérito, há a extinção da execução, mas a

homologação da desistência dos embargos depende da anuência do executado-

embargante.

Em todas as hipóteses, a desistência da execução só produz o efeito

extintivo do processo executivo após a homologação pelo juiz, tendo em vista a

combinação dos arts. 158, parágrafo único, 267, inciso VIII, 569 e 598, todos do

Código de Processo Civil.

584

À vista do art. 599, inciso I, do Código de Processo Civil, o juiz da execução também designar audiência, para o comparecimento do exequente e do executado. 585

Cf. art. 38 do Código de Processo Civil. 586

Na verdade, o exequente que desiste depois do ajuizamento dos embargos do executado arcar tanto com as despesas processuais quanto com os honorários advocatícios, por força do art. 569, inciso I, alínea ―a‖, do Código de Processo Civil.

234

234

Por fim, a desistência da execução não se confunde com a renúncia ao

crédito, razão pela qual o exequente desistente pode acionar nova execução

aparelhada no mesmo título executivo, para a cobrança da dívida. Já o exequente

renunciante não pode acionar o executado, porquanto a renúncia extingue a

obrigação.

22.2.5. Extinção por indeferimento da petição inicial e por prescrição da

pretensão executiva

À vista dos arts. 598 e 616, in fine, ambos do Código de Processo Civil, o

processo de execução também é extinto quando o juiz indefere a petição inicial,

com fundamento nos arts. 267, inciso I, e 295, daquele diploma.

Em regra, o indeferimento da petição inicial ocasiona a prolação de

sentença terminativa, com fundamento processual. Não obstante, quando o

indeferimento da petição inicial tem lugar por força da prescrição, à vista dos arts.

219, § 5º, 220, 295, inciso IV, e 598, todos do Código de Processo Civil, incide o

art. 269, inciso IV, razão pela qual a sentença é de mérito. A respeito da exceção,

merece ser prestigiada a conclusão nº 14 do Simpósio de Direito Processual Civil

de Curitiba: ―Quando o juiz indefere a petição inicial, por motivo de decadência ou

prescrição, há encerramento do processo com julgamento do mérito‖. Sem dúvida,

a pronúncia da prescrição da pretensão executiva implica extinção do processo de

execução, em razão da incidência do art. 269, inciso IV, do Código de Processo

Civil.

Resta saber se a admissão da petição inicial pelo juiz impede a posterior

extinção do processo, em razão da inépcia da petição ou por outro fundamento

arrolado no art. 295 do Código de Processo Civil.

Ainda que a petição inicial tenha sido admitida pelo juiz da execução, nada

impede a posterior extinção do processo com fundamento na inépcia da petição

inicial ou por qualquer outro fundamento arrolado no art. 295 do mesmo diploma.

Em abono, vale transcrever o verbete nº 18 da Primeira Câmara Cível do antigo

Tribunal de Alçada de Minas Gerais: ―A circunstância de não ter o juiz indeferido

235

235

liminarmente a inicial não o impede de extinguir posteriormente o processo‖. Na

esteira do verbete nº 18, houve a posterior aprovação da conclusão nº 23 durante

o 6º Encontro Nacional dos Tribunais de Alçada: ―A circunstância de não ter o juiz

indeferido liminarmente a inicial não o impede de extinguir posteriormente o

processo‖. As proposições merecem ser prestigiadas, porquanto a petição inicial

apta é pressuposto processual passível de conhecimento oficial em qualquer

tempo e grau de jurisdição, razão pela qual não há preclusão, nos termos do art.

267, inciso IV e § 3º, do Código de Processo Civil. Por conseguinte, a posterior

sentença deve ser fundamentada no inciso IV, e não no inciso I do art. 267.

Em suma, só é possível falar que há indeferimento da petição inicial quando

o juiz profere sentença in limine litis, antes da citação do executado, como se dá

na hipótese do art. 616, in fine, do Código de Processo Civil. Em contraposição, se

o juiz constatar a inépcia da petição inicial após a citação do executado, não há

mais lugar para o indeferimento da petição inicial, mas, sim, para a extinção do

processo com fundamento nos arts. 267, inciso IV e § 3º, e 598, porquanto a

petição inicial apta é pressuposto processual de validade do processo.

22.2.6. Extinção por paralisação do processo por negligência das partes

Quando ambas as partes deixam o processo paralisado por mais de um

ano, o mesmo de ser extinto, com fundamento no inciso II do art. 267 do Código

de Processo Civil, aplicável ao processo de execução por força do art. 598, como

bem assentou o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao aprovar o enunciado nº

133, in verbis: ―Aplica-se supletivamente e no que couber o art. 267, II e II do

Código de Processo Civil ao processo de execução e ao cumprimento de

sentença‖.

Antes da prolação da sentença, todavia, o juiz deve ordenar a intimação

pessoal das partes, em cumprimento ao disposto no § 1º do mesmo art. 267,

236

236

porquanto a extinção só tem lugar quando ambas as partes deixam o processo

paralisado sem justificativa plausível587.

A propósito da intimação pessoal, a mesma pode ser realizada tanto por

oficial de justiça quanto pelo correio588, desde que a carta com aviso de

recebimento seja subscrita pela própria parte intimada. A propósito, merece ser

prestigiada a proposição nº 67 do Centro de Estudos do Tribunal de Justiça do Rio

de Janeiro: ―A intimação pessoal, de que trata o art. 267, § 1º, do CPC, pode ser

realizada sob a forma postal‖.

Resta saber, entretanto, se o juiz pode agir de ofício na hipótese do inciso

II, ao constatar que o processo está paralisado por mais de um ano, por

negligência das partes.

Sim, o juiz pode agir de ofício na hipótese do inciso II, como bem revela a

conclusão nº 14 aprovada durante o Simpósio de Direito Processual Civil de

Curitiba: ―A extinção do processo, sem julgamento do mérito, poderá ser

decretada de ofício, na hipótese do item II do art. 267‖.

22.2.7. Extinção por paralisação do processo por abandono da causa pelo

exequente

O processo deve ser extinto com fundamento no art. 267, inciso III, do

Código de Processo Civil, quando o demandante abandona a causa por mais de

trinta dias. À vista do art. 598 do mesmo diploma, o disposto no inciso III do art.

267 também é aplicável ao processo de execução, como bem assentou o Tribunal

de Justiça do Rio de Janeiro ao aprovar o enunciado nº 133, in verbis: ―Aplica-se

587

Uma justificativa plausível reside no inciso III do art. 791 do Código de Processo Civil, quando o processo deve ser suspenso, e não extinto. De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO. SUSPENSÃO. NÃO LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHORÁVEIS. ART. 791-III, CPC. PRAZO. VINCULAÇÃO À PRESCRIÇÃO DO DÉBITO. PRECEDENTES. ORIENTAÇÃO DO TRIBUNAL. RECURSO PROVIDO. - Sem estar em discussão a prescrição do débito, a execução suspensa com base no art. 791-III, CPC não pode ser extinta por negligência do exeqüente, nem por abandono da causa (arts. 267, II e III, CPC), principalmente se restaram atendidas todas as intimações para o prosseguimento do feito.‖ (REsp nº 327.173/DF, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de setembro de 2001, p. 316). 588

Vale lembrar que a ―citação‖ da execução não pode se dar pelo correio. Não obstante, a vedação estampada na alínea ―d‖ do art. 222 do Código de Processo Civil não alcança a ―intimação‖.

237

237

supletivamente e no que couber o art. 267, II e II do Código de Processo Civil ao

processo de execução e ao cumprimento de sentença‖.

Não obstante, o juiz não atua de ofício na hipótese do inciso III, ex vi do

enunciado nº 240 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―A extinção do

processo, por abandono da causa pelo autor, depende de requerimento do réu‖. À

vista do requerimento do executado, o juiz deve determinar a intimação pessoal do

exequente, em cumprimento ao § 1º do art. 267 do Código de Processo Civil.

Como já anotado no tópico anterior, a intimação pessoal pode ser realizada

por oficial de justiça e também por carta com aviso de recebimento.

Se o exequente permanecer silente após ser intimado pessoalmente, o juiz

deve proferir sentença extintiva da execução e condenar o exequente a pagar as

despesas processuais e os honorários do advogado do executado, com

fundamento no art. 28 do Código de Processo Civil.

Por fim, o exequente só pode ajuizar nova execução contra o executado

após comprovar o pagamento das despesas processuais e dos honorários

advocatícios589.

22.2.8. Extinção por ausência de pressupostos processuais

Os pressupostos processuais são requisitos formais necessários para a

constituição e para o desenvolvimento de todo e qualquer processo, até mesmo

do processo executivo.

Diante das finalidades dos pressupostos processuais, os mesmos são

classificados em pressupostos de constituição e em pressupostos de validade. Os

pressupostos de constituição ou de existência são a jurisdição, a propositura da

demanda, a capacidade postulatória e a citação. Já os pressupostos de validade

são a petição inicial apta, a capacidade de ser parte, a capacidade processual, a

competência do juízo e a imparcialidade do juiz.

589

Cf. art. 28, in fine, do Código de Processo Civil.

238

238

Resta saber se a ausência de pressuposto processual ocasiona a extinção

do processo. Em regra, a resposta é afirmativa: a falta de pressuposto processual

gera a extinção do processo, à vista da combinação do inciso IV do art. 267 com o

art. 598 do Código de Processo Civil.

Não obstante, a regra não é absoluta. A incompetência, por exemplo, não

ocasiona a extinção do processo, mas, sim, a remessa dos autos ao juízo

competente, com a nulidade das decisões proferidas no juízo incompetente, tudo

nos termos do § 2º do art. 113 do Código de Processo Civil. O mesmo raciocínio

alcança a suspeição e o impedimento, tendo em vista o disposto no art. 314, in

fine, do Código de Processo Civil. Daí a conclusão: em regra, a ausência de

pressuposto processual ocasiona a extinção do processo, mas não na totalidade

dos casos.

Por fim, os pressupostos processuais ensejam apreciação oficial em

qualquer tempo e grau de jurisdição. É a regra consagrada no § 3º do art. 267 do

Código de Processo Civil, também aplicável à execução por força do art. 598 do

mesmo diploma. Não obstante, a regra não é absoluta: a incompetência relativa e

a suspeição são pressupostos processuais que dependem de provocação da

parte.

22.2.9. Extinção por carência da ação

O inciso VI do art. 267 do Código de Processo Civil versa sobre as

condições da ação, quais sejam, a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes

e o interesse processual, indispensáveis também para a ação de execução, por

força do art. 598 daquele diploma.

A primeira condição da ação é a possibilidade jurídica do pedido, rectius,

possibilidade jurídica da demanda, já que tanto o pedido quanto a causa de pedir

não podem ser vedados por lei e devem ser compatíveis com ordenamento

jurídico. Daí a impossibilidade jurídica da execução de dívida de jogo590 e da

590

Cf. art. 814, primeira parte, do Código Civil.

239

239

execução de honorários advocatícios de parte beneficiária da assistência

judiciária.

A segunda condição da ação é a legitimidade das partes ou legitimidade ad

causam. A legitimidade é aferida à luz da relação de direito material: é essencial

que os fatos narrados na petição inicial revelem que há alguma relação de direito

material entre as partes em litígio.

A terceira condição da ação é o interesse processual ou interesse de agir.

O interesse processual é aferido à luz da necessidade da prestação jurisdicional,

da utilidade da mesma para a obtenção do fim almejado e da adequação da via

acionada para a obtenção do fim.

À vista do § 3º do art. 267, as condições da ação devem ser apreciadas de

ofício em qualquer tempo e grau de jurisdição, porquanto são matérias de ordem

pública, não passíveis de preclusão, portanto. Daí o acerto da conclusão nº 15

aprovada durante o Simpósio de Direito Processual Civil de Curitiba: ―A preclusão

não se opera quanto às matérias enumeradas nos nºs IV, V e VI do art. 267 do

CPC‖. Na mesma esteira, merece ser prestigiada a conclusão nº 9 do 6º Encontro

Nacional dos Tribunais de Alçada: ―Em se tratando de condições da ação não

ocorre preclusão, mesmo existindo explícita decisão a respeito (CPC, art. 267, §

3º)‖.

Por fim, a aferição da carência da ação deve ser realizada pelo juiz à luz

das asserções lançadas pelo exequente na petição inicial da execução. Se os

termos da petição inicial já revelarem a impossibilidade jurídica, a ilegitimidade das

partes ou a falta de interesse de agir, o juiz deve proferir sentença extintiva do

processo desde logo.

22.2.10. Extinção por acolhimento de embargos à execução

A procedência dos embargos do executado também pode ocasionar a

extinção do processo de execução, como nos casos do art. 618 do Código de

Processo Civil: ―Art. 618. É nula a execução: I - se o título executivo extrajudicial

240

240

não corresponder a obrigação certa, líquida e exigível (art. 586); II - se o devedor

não for regularmente citado; III - se instaurada antes de se verificar a condição ou

de ocorrido o termo, nos casos do art. 572‖.

Na verdade, os embargos também servem para a arguição da prescrição da

pretensão executiva, da carência da ação, da falta de pressupostos processuais,

matérias que também podem ser suscitadas mediante petição avulsa (―exceção de

pré-executividade‖) e até mesmo de ofício pelo juiz.

Na eventualidade da procedência dos embargos do executado em razão da

nulidade do título executivo, da inexistência de título executivo, da nulidade do

processo de execução, da prescrição da pretensão executiva, o processo deve ser

extinto, por meio de sentença.

Por tudo, além das hipóteses arroladas no art. 794 do Código de Processo

Civil, há outros tantos casos de extinção do processo de execução.

22.3. Sentença extintiva do processo de execução

À vista do art. 795 do Código de Processo Civil, só há a extinção do

processo de execução com a prolação de sentença pelo juiz de primeiro grau, com

fundamento em alguma das hipóteses legais acima estudadas, como, por

exemplo, as arroladas no art. 794 do mesmo diploma.

Não obstante, a sentença extintiva do processo de execução é passível de

recurso de apelação, em quinze dias, com fundamento nos arts. 162, § 1º, 508,

513, 598 e 795, todos do Código de Processo Civil.

241

241

CAPÍTULO VII – AÇÃO MONITÓRIA

1. Preceitos de regência e enunciados sumulares

A ação monitória está prevista nos arts. 1.102-A a 1.102-C do Código de

Processo Civil, acrescentados pela Lei nº 9.079/1995. Além dos preceitos legais,

há vários enunciados da Súmula do Superior Tribunal de Justiça sobre a ação

monitória591, em virtude da enorme importância do instituto na prática forense,

especialmente em relação aos títulos de crédito prescritos.

2. Conceito e natureza jurídica

A monitória é um procedimento especial de processo cognitivo592,

porquanto tem início sem título executivo algum e permite ampla discussão593

acerca da existência do direito sub iudice, na busca da formação do título

executivo judicial passível de execução. Com efeito, na eventualidade de o réu

não oferecer defesa mediante embargos, ou de os embargos monitórios

veiculados serem rejeitados, incide o disposto no Capítulo X do Título VIII do Livro

I do Código de Processo Civil, destinado ao cumprimento de sentença por meio da

execução padrão que tem lugar após a fase cognitiva de todo processo594. São,

em suma, as justificativas que conduzem à conclusão em favor da predominância

da natureza cognitiva do processo sujeito ao procedimento monitório.

Por tudo, a denominada ―ação monitória‖595 é o processo cognitivo que se

desenvolve sob procedimento especial marcado pela celeridade rumo à execução,

591

Cf. enunciados nºs 247, 282, 292, 299 e 339, por exemplo. 592

De acordo, na jurisprudência: ―I - O procedimento monitório, também conhecido como injuntivo, introduzido no atual processo civil brasileiro, largamente difundido e utilizado na Europa, com amplo sucesso, tem por objetivo abreviar a formação do título executivo, encurtando a via procedimental do processo de conhecimento. II - A ação monitória tem a natureza de processo cognitivo sumário e a finalidade de agilizar a prestação jurisdicional, sendo facultada a sua utilização, em nosso sistema, ao credor que possuir prova escrita do débito, sem força de título executivo, nos termos do art. 1.102a, CPC.‖ (REsp nº 220.887/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 3 de novembro de 1999, p. 118). 593

Tanto que há lugar para a conversão do procedimento em ordinário, ex vi do art. 1.102-C, § 2º, do Código

de Processo Civil. 594

Cf. art. 1.102-C, caput e § 3º, combinados com os arts. 475-I e seguintes, todos do Código de Processo Civil. 595

Cf. art. 1.102-A do Código de Processo Civil.

242

242

em prol do portador de prova escrita sem eficácia de título executivo, para a

obtenção de pagamento de soma em dinheiro, da entrega de coisa fungível ou de

bem móvel.

3. Facultatividade do procedimento monitório

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a adoção do

procedimento monitório é facultativa. Com efeito, cabe ao portador do documento

sem eficácia de título executivo escolher entre a cobrança judicial por meio de

processo cognitivo sob o rito monitório ou sob o procedimento comum, ordinário

ou sumário, conforme o valor da causa e a natureza da causa596. Em reforço, o §

1º do art. 1.102-C do Código de Processo Civil revela a facultatividade do

procedimento monitório, porquanto o autor pode desejar o pagamento não só do

principal, mas também das custas judiciais recolhidas597 e dos honorários

advocatícios598. Daí a conclusão: cabe ao credor a escolha entre o procedimento

comum ou o monitório para a cobrança judicial599.

Em contraposição, se o documento tiver eficácia executiva, a cobrança

judicial deve ocorrer mediante execução forçada, cuja admissibilidade conduz à

carência da ação sob o procedimento monitório, pela ausência do interesse

processual. Com efeito, à vista do art. 267, inciso VI, do Código de Processo Civil,

só é admissível a demanda mediante o procedimento monitório quando não há

lugar para execução forçada600.

596

Cf. art. 275, incisos I e II, do Código de Processo Civil. 597

Cf. art. 257 do Código de Processo Civil. 598

Cf. art. 20 do Código de Processo Civil. 599

De acordo, na jurisprudência: ―II - A ação monitória tem a natureza de processo cognitivo sumário e a finalidade de agilizar a prestação jurisdicional, sendo facultada a sua utilização, em nosso sistema, ao credor que possuir prova escrita do débito, sem força de título executivo, nos termos do art. 1.102a, CPC.‖ (REsp nº 220.887/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 3 de novembro de 1999, p. 118). 600

De acordo, na doutrina: ―Obviamente, porque se tivesse título teria execução e faltar-lhe-ia o interesse processual necessário ao provimento monitório.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 262 e 263). Ainda na melhor doutrina, o Professor Sergio Bermudes também sustenta ―o estreitamento do âmbito de incidência da ação monitória, que não pode ser usada, se couber a ação executiva.‖ (Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de

direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 271). Por fim, há precedentes do Superior Tribunal de Justiça que reforçam a lição da doutrina: REsp nº 167.618/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 14 de junho de 1999, p. 202; e Ag nº 216.816/DF – AgRg, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 31 de maio de 1999, p. 149: ―1. Constituindo as

243

243

4. Hipóteses de admissibilidade do procedimento monitório

A primeira hipótese de admissibilidade do rito monitório diz respeito à

cobrança de soma em dinheiro comprovada mediante prova escrita sem eficácia

executiva. É indispensável que o credor seja portador de documento escrito

comprobatório do valor a ser cobrado. O exemplo mais frequente na prática

forense reside na cobrança judicial de títulos de crédito prescritos, como bem

atesta o enunciado nº 299 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―É

admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito‖. Aliás, a tese

consagrada no enunciado nº 299 pode ser aplicada aos títulos de crédito em geral,

como a nota promissória601, as duplicatas602, por exemplo. Enfim, todos os títulos

de crédito prescritos servem como prova escrita necessária para o ajuizamento de

ação monitória.

Outro importante exemplo de prova escrita idônea para a cobrança

mediante o procedimento monitório reside no contrato de abertura de crédito em

conta-corrente, acompanhado do extrato bancário demonstrativo do débito. Com

efeito, o contrato bancário de abertura de crédito em conta-corrente não goza de

certeza, razão pela qual não pode ser considerado título executivo extrajudicial603.

Não obstante, o contrato é idôneo para a cobrança judicial sob o rito monitório: é

prova escrita, não tem eficácia executiva e versa sobre soma em dinheiro. Daí a

admissibilidade da cobrança judicial sob o procedimento monitório, como bem

revela o enunciado nº 247 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―O contrato

atas de assembleias e as convenções condominiais títulos executivos extrajudiciais, cabível é a via executiva e não o ajuizamento de ação monitória‖. Contra, entretanto, também há forte corrente jurisprudencial: ―AÇÃO MONITÓRIA. Título executivo. O credor que tem em mãos título executivo pode dispensar o processo de execução e escolher a ação monitória. Precedentes.‖ (REsp nº 435.319/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de março de 2003, p. 231). Conforme revela a ementa, o acórdão está fundamentado em precedentes da Corte, com igual orientação: REsp nº 182.084/MG e REsp nº 210.030/RJ. 601

De acordo, na jurisprudência: ―IV. Cabível o uso da monitória para a cobrança de valores alusivos a nota promissória alcançada pela prescrição.‖ (REsp nº 437.136/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 9 de junho de 2008). 602

Assim, na jurisprudência: ―2. Cópias de duplicatas são documentos hábeis para instruir ação monitória.‖ (REsp nº 819.329/RJ, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de dezembro de 2006, p. 391). 603

Cf. enunciado nº 233 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, enunciado nº 49 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e enunciado nº 14 do Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

244

244

de abertura de crédito em conta-corrente, acompanhado do demonstrativo de

débito, constitui documento hábil para o ajuizamento da ação monitória‖.

Na verdade, toda prova documental que não tenha eficácia de título

executivo e que seja idônea para demonstrar a existência de obrigação pecuniária

pode instruir a petição inicial de demanda sob o procedimento monitório, para a

cobrança judicial de soma em dinheiro604. Aliás, à luz do art. 1.102-A do Código de

Processo Civil, não há necessidade de que a prova escrita tenha sido assinada

pelo devedor605, nem mesmo que o documento esteja assinado606. Nada impede,

portanto, que a prova escrita tenha sido constituída de forma unilateral607. Não

obstante, compete ao juiz, à vista da espécie, avaliar a prova documental

604

Em sentido conforme, na doutrina: ―Prova escrita é a documental, não necessariamente o instrumento do negócio jurídico. Podemos citar, entre outras: o documento assinado pelo devedor, mas sem testemunhas, os títulos cambiários após o prazo de prescrição, a duplicata não aceita antes do protesto ou a declaração de venda de um veículo, por exemplo.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 263). O Professor Sergio Bermudes também formula didático exemplo: ―Imagine-se a carta na qual um amigo agradece ao outro o empréstimo de dinheiro, enuncia o montante da soma e declara que irá pagá-la num determinado dia.‖ (Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In

Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 271). 605

Por exemplo, duplicata sem aceite, quando não há prova da entrega da mercadoria ou da prestação do serviço. Assim, na jurisprudência: ―AÇÃO MONITÓRIA. DUPLICATA SEM ACEITE, ACOMPANHADA DA NOTA FISCAL/FATURA E DO INSTRUMENTO DE PROTESTO. PROVA ESCRITA. DOCUMENTO QUE NÃO PRECISA SER OBRIGATORIAMENTE EMANADO DO DEVEDOR. - O documento escrito a que se refere o legislador não precisa ser obrigatoriamente emanado do devedor, sendo suficiente, para a admissibilidade da ação monitória, a prova escrita que revele razoavelmente a existência da obrigação. Recurso especial conhecido e provido.‖ (REsp nº 167.618/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 14 de junho de 1999, p. 202). ―Ação monitória. Duplicata de prestação de serviço sem aceite. Ausência de documento comprovando o recebimento do serviço. 1. Afirmando o Acórdão recorrido que, no caso, não há documento comprovando o recebimento dos serviços, e admitindo a jurisprudência da Corte que a duplicata sem aceite é título executivo se acompanhado de tal documento, não é possível impedir o autor de exercer o seu direito de credor pela via da ação monitória. 2. Recurso especial não conhecido.‖ (REsp nº 167.222/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de outubro de 1999, p. 55). 606

Assim, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO MONITÓRIA - INSTRUÇÃO DA INICIAL POR NOTAS FISCAIS - MATÉRIA DE FATO. I - Não é imprescindível que o documento esteja, para embasar a inicial da Monitória, assinado, podendo mesmo ser acolhido o que provém de terceiro ou daqueles registros, como os do comerciante ou dos assentos domésticos que não costumam ser assinados, mas aos quais se reconhece natural força probante (CPC, art. 371).‖ (REsp nº 164.190/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 14 de junho de 1999, p. 186). 607

Ao julgar incidente de uniformização de jurisprudência, o Conselho Especial do TJDF aprovou a seguinte orientação jurisprudencial: ―O documento unilateral emitido por condomínio é eficiente para instruir ação monitória‖. O respectivo acórdão contém a seguinte ementa: ―PROCESSUAL CIVIL - UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA - ADMISSIBILIDADE - AÇÃO MONITÓRIA - COBRANÇA DE TAXAS CONDOMINIAIS - DOCUMENTO UNILATERAL - POSSIBILIDADE. VERIFICADA A DIVERGÊNCIA DE POSICIONAMENTOS ACERCA DA APLICABILIDADE DE DETERMINADO DIREITO, IMPÕE-SE A ADMISSÃO DO INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. CABÍVEL A AÇÃO MONITÓRIA DESDE QUE A PROVA ESCRITA APRESENTADA PREENCHA OS REQUISITOS DO ART. 1.102-A, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E, AINDA, ESTEJA CLARA A RELAÇÃO JURÍDICA DE CRÉDITO E DÉBITO ENTRE AS PARTES, MESMO QUE A REFERIDA PROVA SEJA CONSTITUÍDA UNILATERALMENTE. PRECEDENTES DO COLENDO STJ.‖ (UNJ nº 2007.00.2.011888-7, Conselho Especial do TJDF, Diário da Justiça de 6 de março de 2009, p. 47).

245

245

acostada à petição inicial, para formar a respectiva convicção acerca da

demonstração dos fatos, ou não. Se a prova documental for julgada suficiente

para demonstrar o quadro fático delineado pelo autor, o juiz deve admitir a petição

inicial e determinar a expedição do mandado inicial de citação, já com a ordem de

pagamento da quantia, tudo nos termos do art. 1.102-B do Código de Processo

Civil. Em contraposição, se o juiz formar convencimento contrário à luz da petição

inicial e da respectiva documentação, deve proferir sentença extintiva do processo

sob o procedimento monitório.

Exposta a primeira – e mais importante – hipótese de admissibilidade do

procedimento monitório, passa-se ao estudo das demais hipóteses previstas no

art. 1.102-A do Código de Processo Civil.

A segunda e a terceira hipóteses de admissibilidade do procedimento

monitório têm lugar nas obrigações para a entrega de coisa608, com igual

demonstração mediante prova escrita, conforme revela o art. 1.102-A do Código

de Processo Civil: ―A ação monitória compete a quem pretender, com base em

prova escrita sem eficácia de título executivo, pagamento de soma em dinheiro,

entrega de coisa fungível ou de determinado bem móvel‖. Quanto ao alcance da

expressão legal ―bem móvel‖, incidem os arts. 82 a 84 do Código Civil de 2002. No

que tange ao significado de ―coisa fungível‖, incide o art. 85 do Código Civil. A

coexistência das duas alternativas (―coisa fungível‖ ou ―bem móvel‖) amplia o

alcance do procedimento monitório, com a possibilidade da cobrança da entrega

de coisas fungíveis609, assim como de bens móveis que não são fungíveis610. Em

608

A propósito, vale conferir didático exemplo de autoria do Professor Sergio Bermudes: ―Pense-se no bilhete, deixado pelo fazendeiro, na propriedade vizinha, onde afirma que apanhou certo número de sacas de café, que devolverá, impreterivelmente, em igual dia da semana seguinte.‖ (Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado

Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 271). 609

Por exemplo, semoventes, navios, aeronaves. No mesmo sentido, na doutrina: Sergio Bermudes. Ação

monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 274. 610

Por exemplo, um quadro de famoso pintor já falecido, os originais de antigo livro escrito por importante autor, o instrumento musical utilizado por músico de fama internacional em concerto humanitário de significativa importância histórica.

246

246

contraposição, o procedimento monitório não é admissível para a veiculação de

pretensões de entrega de imóveis, de fazer e de não fazer611.

5. Legitimidade ativa e passiva

O procedimento monitório pode ser acionado por toda pessoa, tanto a

pessoa natural quanto a pessoa jurídica, quer seja pública, quer seja privada. A

amplitude da legitimidade ativa é fruto da expressão genérica inserta no art. 1.102-

A: ―quem pretender‖.

O polo passivo da demanda também pode ser ocupado pelas pessoas

física e jurídica, tanto a privada quanto a pública. Aliás, após o advento do

enunciado nº 339 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça612, não há mais

dúvida acerca da admissibilidade da adoção do rito monitório em processo movido

contra pessoa jurídica de direito público interno. Não incidem, entretanto, ao final

do processo sob rito monitório contra a Fazenda Pública, os arts. 475-I a 475-R do

Código de Processo Civil, ou seja, a regra prevista no art. 1.102-C, mas, sim, os

arts. 730, 731 e 741, preceitos específicos para a execução contra a Fazenda

Pública.

6. Prazo

O Código de Processo Civil não estabelece prazo algum para a propositura

da denominada ―ação monitória‖; e a razão é simples: monitório é o procedimento,

e não a ação destinada ao exercício de uma pretensão. A pretensão, sim, é

passível de prazo, o qual tem natureza prescricional, tendo em vista o disposto no

art. 189 do Código Civil. Assim, por exemplo, é prescritível a pretensão de

enriquecimento sem causa exercida mediante demanda sob o procedimento

611

De acordo, na doutrina: ―Conforme expressa previsão legal, as obrigações de fazer, não fazer e entrega de coisa imóvel não podem ser objeto de demanda monitória, pois esta é limitada às obrigações de pagar e entregar coisas móveis, pouco importando se a pretensão se funda em direito das obrigações ou em direito real.‖ (Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de direito processual civil. 2009, p. 1.312). 612

―É cabível ação monitória contra a Fazenda Pública‖.

247

247

comum ou sob o procedimento monitório613. Sem dúvida, é a pretensão de

enriquecimento sem causa que sofre a incidência da prescrição, à vista dos

diferentes prazos prescricionais existentes para cada caso: por exemplo, dois

anos, no caso do cheque, por força do art. 61 da Lei nº 7.357/1985, e três anos,

nos casos da letra de câmbio, da nota promissória e das duplicatas, à vista do art.

206, § 3º, inciso IV, do Código Civil.

Além da pretensão de enriquecimento sem causa fundamentada no título

de crédito prescrito que não foi honrado, a pretensão causal também pode ser

veiculada mediante o procedimento monitório, mas com fundamento na causa

debendi, vale dizer, na origem da dívida, a qual precisa ser declinada na petição

inicial614. Por conseguinte, a prescrição deve ser observada à luz da pretensão

causal, tendo em vista o disposto nos arts. 205 e 206 do Código Civil615.

Em suma, a ―ação monitória‖ em si não está sujeita a prazo algum; na

verdade, a prescrição diz respeito à pretensão exercida mediante a ação, por meio

de demanda cujo procedimento pode ser o monitório. O prazo prescricional deve

ser aferido à luz da espécie, em cada caso concreto, tendo em vista a pretensão

objeto da demanda sob o procedimento monitório.

7. Petição inicial

A petição inicial da demanda sob o procedimento monitório deve ser

elaborada à luz dos arts. 39, inciso I, 258, 282, todos do Código de Processo Civil.

613

Em reforço ao entendimento defendido no presente compêndio, vale conferir o didático voto do Desembargador Alexandre Freitas Câmara: ―A demanda de enriquecimento, a ser proposta pelo credor, poderá levar à utilização do procedimento monitório ou de procedimento comum (ordinário ou sumário, conforme o caso), por opção do demandante. Impende, pois, considerar que a assim chamada ‗ação monitória‘ não é figura distinta da ‗ação de enriquecimento‘ mas, tão somente, o nome dado pela lei processual a um dos procedimentos que podem ser usados para o desenvolvimento do processo instaurado pela propositura da ‗ação de enriquecimento‘.‖ (Apelação nº 2009.001.07855, 2ª Câmara Cível do TJRJ). 614

Tal exigência não se dá quando a ação monitória veicula pretensão de enriquecimento sem causa, porquanto a simples juntada do título de crédito prescrito que não foi pago já é suficiente para revelar a ocorrência do locupletamento indevido. 615

Não obstante, segundo forte corrente jurisprudencial, a pretensão causal enseja demanda de cobrança sujeita ao prazo prescricional de cinco anos, previsto no art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil. Foi o que assentou o Tribunal de Justiça de São Paulo ao aprovar o verbete sumular nº 18, em 2010: ―Súmula 18: Exigida ou não a indicação da causa subjacente, prescreve em cinco anos o crédito ostentado em cheque de força executiva extinta (Código Civil, art. 206, § 5º, I)‖. Ainda que muito respeitável o entendimento predominante, defende-se no presente compêndio raciocínio diverso, segundo o qual a prescrição da pretensão causal depende de cada caso concreto, ou seja, de cada causa debendi.

248

248

Como toda causa, também ser conferido valor à submetida ao

procedimento monitório, em cumprimento ao art. 258 do Código de Processo Civil.

Ao contrário do que ocorre no procedimento comum, cujo valor da causa pode

interferir na adoção do rito ordinário ou sumário, o mesmo não ocorre no

procedimento monitório, o qual pode ter ser adotado em causas com valores

inferiores e superiores a sessenta salários mínimos.

Em cumprimento aos arts. 283 e 1.102-B, a petição inicial deve ser

―devidamente instruída‖ com a prova documental elucidativa do valor ou da coisa

objeto da cobrança judicial. À luz da prova escrita juntada pelo autor, o juiz realiza

cognição perfunctória acerca da pertinência do pedido monitório, para indeferir ou

admitir a petição inicial616. Indeferida a petição inicial, cabe apelação, em quinze

dias, nos termos dos arts. 267, inciso I, 295, 296, 508 e 513, todos do Código de

Processo Civil.

Não obstante, se a petição inicial estiver incompleta, incide o art. 284 do

Código de Processo Civil, a fim de que o autor emende a inicial, em dez dias, sob

pena de indeferimento.

8. Admissibilidade da petição inicial e expedição do mandado inicial

Se a petição estiver regular à luz dos arts. 39, inciso I, 258, 282, 283, 1.102-

A e 1.102-B, todos do Código de Processo Civil, e também for adequado o rito

monitório, à vista da cobrança de soma em dinheiro, da entrega de coisa fungível

ou de bem móvel com lastro em prova documental, o juiz admite a inicial e

determina a expedição do mandado de citação, com a ordem de pagamento ou da

entrega da coisa, conforme o caso. Com efeito, o mandado monitório contém a

determinação de citação do réu, com a ordem de pagamento ou da entrega da

coisa, no prazo de quinze dias, tudo nos termos do art. 1.102-B, in fine, do Código

616

De acordo, na doutrina: ―Depois de cognição sumária, o juiz defere a expedição do mandado de cumprimento da obrigação.‖ (Sergio Bermudes. Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José

Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 272). ―No procedimento monitório, há cognição desenvolvida pelo juiz, consubstanciada no convencimento de que há verossimilhança nas alegações do autor. Somente após tal cognição deverá o juiz proferir o pronunciamento inicial positivo, com a expedição do mandado monitório.‖ (Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de direito processual civil. 2009, p. 1.315).

249

249

de Processo Civil. Nada dispõe, entretanto, sobre honorários advocatícios nem

custas processuais, até mesmo em razão da isenção legal617 existente em prol do

réu que paga ou entrega a coisa no prazo de quinze dias da citação. A

condenação ao pagamento de honorários advocatícios e das custas processuais

se dá apenas ao final da fase cognitiva, no momento da prolação da sentença pelo

juiz.

No que tange à natureza do pronunciamento previsto no art. 1.102-B, trata-

se de verdadeira decisão interlocutória618, porquanto o juiz decide acerca da

regularidade da petição inicial e também profere juízo de delibação acerca da

própria admissibilidade do procedimento monitório.

Resta saber se há lugar para recurso de agravo contra a decisão

interlocutória proferida à luz do art. 1.102-B. Segundo o entendimento

predominante na doutrina e na jurisprudência, a decisão interlocutória prevista no

art. 1.102-B é irrecorrível, por falta de interesse recursal619.

Coerente com o raciocínio sustentado em trabalho específico sobre

recursos620, prestigia-se no presente compêndio a doutrina minoritária que

defende o cabimento do recurso de agravo de instrumento621, porquanto a

617

Cf. art. 1.102-C, § 1º, do Código de Processo Civil. 618

De acordo, na doutrina: Antônio Raphael Silva Salvador. Da ação monitória e da tutela jurisdicional antecipada: comentários à Lei nº 9.079, de 14.7.95. 1995, p. 23 e 24: ―Quando o juiz defere a inicial, fundamentando a sua decisão, para determinar a expedição do mandado de pagamento ou de entrega de coisa, está proferindo decisão interlocutória, capaz de atingir o direito do réu‖. Também no mesmo sentido, ainda na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 263: ―Esse ato é decisão interlocutória, contra a qual cabe agravo de instrumento‖. Contra, entretanto, há autorizada doutrina: Sergio Bermudes. Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 275 (―Ao menos por enquanto, vejo o pronunciamento, que defere a expedição do mandado, como ato de prestação jurisdicional. Trata-se, no meu sentir, de sentença condenatória condicional, proferida na forma de despacho (ou de decisão interlocutória, para os que, como não penso, só admitem a existência de despachos de mero expediente.‖). 619

Cf. Sergio Bermudes. Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 275: ―Não me parece que o réu da ação monitória possa recorrer do ato de deferimento da expedição do mandado. Faltar-lhe-ia interesse recursal, porquanto a lei põe ao seu dispor, no art. 1.102 c, embargos com efeito suspensivo da eficácia daquela ordem‖. 620

Cf. Bernardo Pimentel Souza. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 8ª ed., 2011. 621

Cf. Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 263; e Antônio Raphael Silva Salvador. Da ação monitória e da tutela jurisdicional antecipada: comentários à Lei nº 9.079, de 14.7.95. 1995, p. 23 e 24: ―Quando o juiz defere a inicial, fundamentando a sua decisão, para determinar a expedição do mandado de pagamento ou de entrega de coisa, está proferindo decisão interlocutória, capaz de atingir o direito do réu. Este, se o desejar, poderá agravar de instrumento, mesmo ainda não citado, pois pode

250

250

admissão da petição inicial da ação monitória pode causar gravame até mesmo ao

autor, que pode não concordar com algum dos termos da decisão interlocutória622.

9. Citação do réu

A citação do réu no procedimento monitório pode ser realizada por todas as

formas arroladas no art. 221 do Código de Processo Civil.

A respeito da possibilidade da citação pela forma prevista no inciso III do

art. 221, o enunciado nº 282 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça autoriza a

citação por edital: ―Cabe a citação por edital em ação monitória‖. Na eventualidade

de citação por edital e da posterior ocorrência de revelia, o juiz deve nomear

curador especial para exercer a defesa do réu mediante embargos, em

observância ao disposto no art. 9º, inciso II, in fine, do Código de Processo Civil623.

Mutatis mutandis, aplica-se à espécie o mesmo raciocínio consagrado no

enunciado nº 196 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

Por fim, em virtude da natureza cognitiva da demanda veiculada sob o

procedimento monitório, não incide a vedação contida no inciso ―d‖ do art. 222 do

Código de Processo Civil, razão pela qual a citação pelo correio também é

compatível com o procedimento monitório.

preferir atacar desde logo a decisão, não aguardando o momento em que poderia discutir o direito do autor através dos chamados embargos‖. 622

A propósito, o antigo Tribunal de Alçada de Minas Gerais conheceu e deu provimento a recurso de agravo de instrumento interposto pelo autor contra a decisão interlocutória de admissão da petição inicial, por não concordar com todos os termos do pronunciamento proferido em primeiro grau de jurisdição: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO MONITÓRIA - DESPACHO INICIAL - CONTEÚDO DECISÓRIO - RECORRIBILIDADE - MODIFICAÇÃO INICIAL DOS JUROS E DA CORREÇÃO MONETÁRIA COBRADOS - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO PROVIDO. O despacho que manda expedir o mandado monitório tem conteúdo eminentemente decisório, equiparando-se a uma verdadeira decisão interlocutória, que desafia o recurso de agravo. Ao despachar a inicial da ação monitória, o juiz, além de verificar os requisitos da peça, as condições da ação e os pressupostos processuais comuns a qualquer procedimento, deverá fazer um prévio juízo de valor a respeito da prova escrita ofertada. Todavia, uma vez aceita esta prova e admitida como verdadeira a assunção da obrigação, não pode o Magistrado alterar os encargos que sobre ela se fizeram incidir, posto que tais questões pertinem à matéria de defesa dos embargos monitórios.‖ (AGI nº 307.730-7, 7ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 23 de agosto de 2000). 623

Assim, na jurisprudência: ―AÇÃO MONITÓRIA. Citação por edital. É possível a citação por edital do réu em ação monitória; sendo ele revel, nomear-se-á curador especial para exercer a sua defesa através de embargos (art. 1.102 do CPC). Recurso conhecido e provido.‖ (REsp nº 175.090/MS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 28 de fevereiro de 2000, p. 87).

251

251

10. Cumprimento do mandado inicial pelo réu

Após a citação, o réu tem a opção de cumprir o mandado inicial previsto no

art. 1.102-B do Código de Processo Civil, quando fica isento do pagamento das

custas processuais adiantadas pelo autor, bem assim dos honorários advocatícios,

em virtude do disposto no § 1º do art. 1.102-C do mesmo diploma.

Como é perceptível primo ictu oculi, o § 1º do art. 1.102-C tem como

escopo estimular o réu a cumprir o mandado inicial, mediante o pagamento da

quantia ou a entrega da coisa, conforme o caso, dentro dos quinzes dias

posteriores à citação.

Cumprido o mandado inicial pelo réu, o juiz profere sentença extintiva do

processo, em virtude do pagamento da soma em dinheiro ou da entrega da coisa,

conforme o caso624.

11. Inércia do réu: descumprimento do mandado monitório e ausência de

embargos

Apesar de citado, o réu pode permanecer silente, sem aviar embargos à

monitória na quinzena legal. Diante da omissão do réu, incide a segunda parte do

caput do art. 1.102-C, com a imediata conversão ex vi legis do mandado inicial em

mandado executivo, independentemente de sentença do juiz. É a interpretação

prevalecente tanto na doutrina625 quanto na jurisprudência626.

624

De acordo, na doutrina: ―Cumprido o mandado, só lhe resta declarar extinto o processo pela satisfação do direito do credor. Ocorrerá, aqui, embora não se trate de execução no sentido próprio, a hipótese do art. 794, I, do Código, na qual o devedor satisfaz a obrigação, cabendo ao juiz proferir declaratória da extinção semelhante à referida no art. 795.‖ (Sergio Bermudes. Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 272 e 273). 625

Conferir, na doutrina: Alexandre Freitas Câmara. Lições de direito processual civil. Volume III, 12ª ed., 2007, p. 543: ―É de se notar que a conversão do provimento inicial em título executivo se dá, nos termos da lei, de pleno direito, o que significa afirmar que não há necessidade de prolação de qualquer provimento judicial declarando ter-se constituído o título executivo‖. Assim, ainda na doutrina: Antônio Raphael Silva Salvador. Da ação monitória e da tutela jurisdicional antecipada: comentários à Lei nº 9.079, de 14.7.95. 1995, p. 36: ―Portanto, independe a formação desse título de qualquer decisão judicial, podendo o autor, diante da inércia do réu, iniciar a execução, com petição inicial nos mesmos autos, pedindo a entrega da coisa certa (arts. 621 e ss.) ou o pagamento de quantia certa contra o devedor solvente (arts. 646 e ss.). Esta execução assim se iniciará, evitando-se que o juiz precise proferir qualquer ato jurisdicional antes, quando possibilitaria ao réu procrastinar a chegada à execução, com o recurso que pudesse interpor‖. Também com igual opinião, na doutrina: Elaine Harzheim Macedo. Do procedimento monitório. 1999, p. 153: ―Na prática, isso significa que o magistrado, constatando o decurso do prazo para o oferecimento de embargos sem sua interposição,

252

252

Ainda que muito respeitável o entendimento predominante na doutrina e na

jurisprudência, prestigia-se, no presente compêndio, a tese minoritária, segundo a

qual o juiz deve proferir sentença de conversão do mandado inicial em mandado

executivo, para constituir o título executivo judicial, quando poderá627 reexaminar

as matérias de ordem pública, como a prescrição e a incompetência absoluta do

juízo, por exemplo. Com efeito, à vista da parte final do art. 1.102-C do Código de

Processo Civil, incidem os arts. 475-I a 475-R do mesmo diploma, os quais

versam sobre o ―cumprimento da sentença‖. É imprescindível, portanto, a prolação

de uma sentença, ainda que concisa, a fim de que a ―execução‖ prevista no art.

475-I esteja aparelhada em ―sentença‖, tal como exige o preceito legal628 aplicado

por força da parte final do art. 1.102-C.

Ademais, o art. 475-L restringe as matérias passíveis de impugnação, na

certeza de que outras tantas (muitas delas de conhecimento oficial, como a

prescrição e a incompetência absoluta do juízo) já foram julgadas na sentença.

Daí a necessidade da prolação de sentença, até mesmo para faça sentido o

ouvindo o autor ou mesmo de ofício, determinará o prosseguimento do feito como execução para entrega de coisa ou para pagamento de quantia certa, independente de qualquer ato decisório. Despacho ordinatório, irrecorrível, que marca o início da execução forçada, a fim de atuar o direito de crédito, agora adjetivado pela certeza decorrente não de uma sentença condenatória típica, mas de um comando sumário, emitido condicionalmente, cuja condição verificou-se frente à não oposição do demandado‖. 626

Conferir, na jurisprudência: ―MONITÓRIA - APELAÇÃO - HIPÓTESE DE NÃO CABIMENTO - EMBARGOS NÃO OFERTADOS - CONVERSÃO DO MANDADO DE PAGAMENTO EM TÍTULO EXECUTIVO. - A revelia do executado constitui, de pleno direito, o mandado inicial em título executivo, independentemente de sentença, hipótese em que, por consequência, não cabe apelação.‖ (Apelação nº 343.723-8, 6ª Câmara Cível do TAMG, Diário da Justiça de 23 de outubro de 2001). ―AÇÃO MONITÓRIA - NÃO OPOSIÇÃO DE EMBARGOS - CONVERSÃO DO MANDADO INICIAL EM MANDADO EXECUTIVO - APELAÇÃO - HIPÓTESE INICIAL EM MANDADO EXECUTIVO - APELAÇÃO - HIPÓTESE DE NÃO CABIMENTO. Quando não há o oferecimento de embargos - que reclamou ato decisório -, a conversão do mandado inicial de pagamento em mandado executivo, nos moldes do art. 1.102c, caput, do CPC, independe de sentença, ou de qualquer outra formalidade, tratando-se unicamente de um despacho ordinatório de conversão.‖ (Apelação nº 1.0016.05.488737-6/001, 16ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 11 de agosto de 2006). ―AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO MONITÓRIA -APELAÇÃO - HIPÓTESE DE NÃO CABIMENTO. 1 — Na ação monitória, se, no prazo de quinze dias, não são opostos embargos pelo réu, constitui-se de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em mandado executivo, independentemente de sentença ou qualquer outra formalidade, hipótese em que não é cabível apelação‖ (AGI nº 8.434/97, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 1998, p. 63). Colhe-se do voto condutor: ―Se não são opostos embargos, constituir-se-á, de pleno direito, o título executivo judicial, convertendo-se o mandado inicial em título executivo, independentemente de sentença ou de qualquer outra formalidade, conforme Theotônio Negrão (ob. cit). ‗Trata-se de um estranho título executivo judicial, porque prescinde de sentença. Ao que parece, tal natureza lhe é atribuída pela lei para evitar que o réu oponha, posteriormente, embargos à execução com fundamento no art. 745, em vez de ficar restrito às hipóteses do art. 741.‘ (apud Theotônio Negrão, ob. cit). Segue-se daí que, não sendo oferecido embargos, o mandado inicial é convertido em título

executivo independentemente de sentença ou qualquer outra formalidade. A decisão, da qual se apelou, sequer era, portanto, necessária. Não é cabível dela, assim, apelação‖. 627

Rectius, deverá! 628

Vale dizer, o art. 475-I do Código de Processo Civil.

253

253

disposto na parte final do inciso VI do art. 475-L: ―omissis ou prescrição, desde

que superveniente à sentença‖.

Por tudo, parece ser necessária a prolação de sentença, para o juiz julgar o

pedido monitório e converter o mandado inicial em mandado executivo, com a

constituição do título executivo629.

Não obstante, como já anotado, prevalece o entendimento segundo o qual

a inércia do réu diante da citação ocasiona a imediata conversão do mandado

inicial em mandado executivo por força de lei, sem a prolação de sentença pelo

juiz.

Por fim, a despeito do silêncio anterior, o réu, agora executado, pode aviar

impugnação na fase de cumprimento da sentença, ainda que a respectiva defesa

fique limitada às matérias arroladas no art. 475-L do Código de Processo Civil.

Sem dúvida, o fato de o réu não ter veiculado embargos à monitória não gera

preclusão em relação à impugnação do art. 475-L do Código de Processo Civil.

Não obstante, quando a demanda sob o procedimento monitório é movida contra

pessoa jurídica de direito público interno, incidem o art. 100 da Constituição

Federal e os arts. 730, 731 e 741 do Código de Processo Civil. Por conseguinte,

no lugar da impugnação prevista no art. 475-L, são admissíveis os embargos à

execução dos arts. 730 e 741 daquele diploma.

12. Contraposição mediante embargos

629

De acordo, na doutrina: ―Resta indagar se, igualmente, se faz necessário algum ato judicial, na hipótese de faltarem os embargos, ou de virem eles intempestivamente. Parece-me que sim, e por mais de um motivo. Diferente do processo de execução, com o qual não se confunde porque relação cognitiva, dependerá de uma sentença, como acontece em qualquer outro processo. Seria temerário proceder-se à execução sem um ato judicial de reconhecimento da constituição do título – título executivo judicial, como está no art. 1.102c, criado pela atividade jurisdicional pelo Estado – porque a ausência dos embargos não implica, necessariamente, a consolidação do título provisório, representado pelo mandado. Pense-se, por exemplo, na citação inexistente, ou nula, que acarreta a invalidade do processo e impede a configuração da contumácia do réu. Por conseguinte, urge que se profira uma sentença declaratória positiva de que se operou, de pleno direito, a constituição aludida no art. 1.102c. Essa sentença completa a formação do título executivo judicial, consolidando-o, tanto quanto a sentença de rejeição dos embargos, prevista no § 3º.‖ (Sergio Bermudes. Ação monitória: primeiras impressões sobre a Lei nº 9.079, de 14.7.1995. In Estudos de direito processual em memória de Luiz Machado Guimarães. Coordenação de José Carlos Barbosa Moreira, 1ª ed., 2ª tiragem, 1999, p. 276 e 277). Com igual opinião, também na doutrina: ―Não embargada a ação monitória, será proferida sentença (constituição do título executivo judicial), prosseguindo o feito com o cumprimento da sentença. O mesmo ocorre quando os embargos monitórios forem julgados improcedentes.‖ (Bianca Oliveira de Farias e Milton Delgado Soares. Direito processual civil. Volume I, 2009, p. 286).

254

254

Citado, o réu pode discordar e apresentar defesa mediante embargos,

dentro da quinzena disponível para o pagamento da soma em dinheiro ou para a

entrega da coisa. Com efeito, é de quinze dias o prazo disponível para a

veiculação dos embargos à monitória, com fundamento nos arts. 1.102-B, in fine, e

1.102-C, proêmio, ambos do Código de Processo Civil.

Os embargos são veiculados mediante simples petição, endereçada ao

mesmo juízo do processo sob o rito monitório. Feito o protocolo, a petição já é

juntada no bojo dos autos do mesmo processo, consoante o disposto no art.

1.102-C, § 2º, do Código de Processo Civil. Com efeito, a petição dos embargos à

monitória não passa pela distribuição nem depende de recolhimento de custas. Os

embargos à monitória também não dependem da segurança do juízo, ex vi do

mesmo art. 1.102-C, § 2º. Sem dúvida, não há necessidade de penhora nem do

depósito da quantia ou da coisa objeto do processo.

Veiculados os embargos pelo réu, há a imediata suspensão da eficácia do

mandado inicial, com a consequente conversão do procedimento monitório em

ordinário, por força do art. 1.102-C, § 2º, do Código de Processo Civil. Com efeito,

a simples apresentação de embargos tempestivos suspende a eficácia do

mandado inicial previsto no art. 1.102-B, até o posterior julgamento pelo juiz, já

sob o procedimento ordinário, com a possibilidade de ampla discussão e de

dilação probatória630.

No que tange à natureza jurídica, os embargos à monitória não se

confundem com os embargos à execução previstos nos arts. 736 e 738 do Código

de Processo Civil. Os embargos à execução têm natureza jurídica de ação

autônoma e formam novo processo, porquanto são veiculados mediante petição

inicial631, têm autonomia procedimental632 e são julgados em sentença própria633.

Já os embargos à monitória têm natureza jurídica de resposta defensiva do réu,

630

De acordo, na jurisprudência: ―IV - Em relação à liquidez do débito e à oportunidade de o devedor discutir os valores, a forma de cálculo e a própria legitimidade da dívida, assegura-lhe a lei a via dos embargos, previstos no art. 1102c, que instauram amplo contraditório e levam a causa para o procedimento ordinário.‖ (REsp nº 218.459/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 20 de setembro de 1999, p. 68). 631

Cf. arts. 295 e 739, inciso II, ambos do Código de Processo Civil. 632

Cf. art. 736, parágrafo único, do Código de Processo Civil. 633

Cf. art. 740 do Código de Processo Civil.

255

255

porquanto são veiculados em petição simples e não têm autonomia procedimental,

já que são juntados aos próprios autos do mesmo processo, o qual passa a seguir

o procedimento ordinário, tudo nos termos do art. 1.102-C, § 2º, do Código de

Processo Civil. Daí a conclusão: os embargos à monitória têm natureza de

contestação.

Por fim, vale anotar que a natureza de contestação não é peculiaridade dos

embargos monitórios; os embargos previstos no art. 755 do Código de Processo

Civil têm igual natureza jurídica. Na verdade, o termo ―embargos‖ é equívoco no

direito brasileiro e pode significar ―ação‖, ―recurso‖ ou ―contestação‖, conforme o

disposto na legislação. No que tange aos ―embargos‖ previstos no art. 1.102-C,

caput e §§, do Código de Processo Civil, o instituto é verdadeira contestação634.

13. Indeferimento liminar dos embargos monitórios

Como anotado no tópico anterior, os embargos monitórios são a via

processual defensiva à disposição do réu citado em demanda monitória, para

impedir a conversão do mandado monitório em executivo e para converter o

procedimento monitório em ordinário, com o prosseguimento da cognição de

forma ampla.

A dúvida surge quando o juiz de primeiro grau indefere os embargos

monitórios in limine litis, por intempestividade. Discute-se se há a prolação de

decisão interlocutória agravável ou de sentença apelável. Autorizada doutrina

sustenta a primeira tese: decisão interlocutória agravável por instrumento635. À

vista da lição doutrinária transcrita na nota anterior, o Tribunal de Justiça de Minas

634

Em abono, na jurisprudência: ―Segundo a mens legis os embargos na ação monitória não têm ‗natureza jurídica de ação‘, mas se identificam com a contestação. Não se confundem com os embargos do devedor, em execução fundada em título judicial ou extrajudicial, vez que, inexiste ainda título executivo a ser desconstituído.‖ (REsp nº 222.937/SP, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 2 de fevereiro de 2004, p. 265). No mesmo sentido, na doutrina: Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume II, 3ª ed., 2007, p. 427; e Rodrigo Mazzei. Reforma do CPC. Volume I, 2006, p. 323. 635

Cf. Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. 4ª ed., 1999, p. 1.380, nota 5: ―Indeferidos liminarmente os embargos, essa decisão se caracteriza como interlocutória, desafiando o recurso de agravo de instrumento (não retido).‖ ―O ato que indefere liminarmente os embargos não é sentença, porque não encerra nenhum processo, já que os embargos são defesa e não se processam em separado‖.

256

256

Gerais não conheceu de recurso de apelação636. Assim também decidiu o Tribunal

de Justiça de Goiás, em acórdão, todavia, reformado pelo Superior Tribunal de

Justiça637.

Ainda que muito respeitável o entendimento contrário, merece ser prestigiada

a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça638, porquanto o

indeferimento liminar dos embargos monitórios ocasiona o encerramento da

cognição na demanda sob o procedimento monitório, com o início da execução

mediante cumprimento de sentença, tudo consoante o disposto nos arts. 475-I,

475-J e 1.102-C, caput, todos do Código de Processo Civil.

Com efeito, o indeferimento liminar dos embargos à monitória implica

encerramento do conhecimento e início da execução, com a conclusão em favor

da procedência do pedido objeto da demanda, em razão da conversão prevista no

caput do art. 1.102-C. Daí a compatibilidade com o disposto nos arts. 162, § 1º, e

269, inciso I, com o consequente cabimento do recurso de apelação, sem prejuízo,

entretanto, da aplicação da fungibilidade recursal, com a igual admissibilidade de

eventual recurso de agravo de instrumento, à vista do art. 579, caput e parágrafo

único, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 126 do Código de

Processo Civil.

636

Cf. Apelação nº 2.0000.00.486880-4/001, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 21 de outubro de 2005: ―AÇÃO MONITÓRIA - EMBARGOS - INTEMPESTIVIDADE - APELAÇÃO - RECURSO INADEQUADO - AGRAVO DE INSTRUMENTO. O ato do MM. juiz que rejeita liminarmente os embargos monitórios, por intempestividade, é decisão interlocutória, pois não põe fim ao processo. O agravo de instrumento é recurso próprio para atacar decisão que resolve questão incidente no curso do processo‖. Como anotado, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais prestigiou a autorizada lição dos Professores Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, conforme revela o seguinte trecho extraído do voto-vencedor proferido pela Desembargadora-Relatora, in verbis: ―Nesse sentido, é também pertinente o entendimento de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery: ‗Indeferidos liminarmente os embargos, essa decisão se caracteriza como interlocutória, desafiando o recurso de agravo de instrumento (não retido). (...) O ato que indefere liminarmente os embargos não é sentença, porque encerra nenhum processo, já que os embargos são defesa e não se processam em separado. (...)‘ (Código de Processo Civil Comentado, 8ª ed, 2004, p. 1314) (grifo nosso). Mediante tais considerações, não conheço da apelação, uma vez que se mostra recurso inadequado para atacar a r. decisão interlocutória proferida.‖ (cf. Apelação nº 2.0000.00.486880-4/001, 11ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 21 de outubro de 2005). 637

Cf. REsp nº 803.418/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de outubro de 2006, p. 300. 638

Cf. REsp nº 803.418/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de outubro de 2006, p. 300: ―Recurso especial. Ação monitória. Recurso cabível contra decisão que rejeita liminarmente os embargos. Apelação. - Deve ser interposta apelação contra a decisão que rejeita liminarmente os embargos à monitória ou os julga improcedentes, pois, nesta hipótese, há extinção do processo de conhecimento com resolução de mérito em razão do acolhimento do pedido do autor, sendo inaugurada a fase executória. Recurso especial conhecido e provido‖.

257

257

14. Reconvenção

Fixadas as premissas de que os embargos à monitória têm natureza de

contestação e ocasionam a conversão do procedimento em ordinário, não há

dúvida de que o réu também pode aviar reconvenção, nos termos dos arts. 297 e

299 do Código de Processo Civil. Em abono à conclusão defendida no presente

compêndio, vale conferir o enunciado nº 292 da Súmula do Superior Tribunal de

Justiça: ―A reconvenção é cabível na ação monitória, após a conversão do

procedimento em ordinário‖.

Na eventualidade de o juiz indeferir a petição inicial da reconvenção, cabe

recurso de agravo de instrumento, tendo em vista a natureza interlocutória do

pronunciamento, porquanto o indeferimento se dá no bojo do mesmo processo, o

qual prossegue na fase cognitiva por força da demanda primitiva.

Além da contestação e da reconvenção, também há lugar para as outras

respostas disponíveis aos réus em geral: impugnação ao valor da causa, exceção

de incompetência relativa, exceção de suspeição e exceção de impedimento, tudo

nos termos dos arts. 261 e 297 do Código de Processo Civil639.

15. Julgamento dos embargos admitidos

Opostos e admitidos os embargos à monitória pelo juiz, há a suspensão do

mandado de pagamento ou entrega, com a conversão do procedimento em

ordinário, a fim de que o réu tenha assegurada a ampla defesa, com dilação

probatória.

Findo o processamento sob o rito ordinário, o juiz profere sentença, quando

julga os embargos mediante sentença. Da sentença cabe apelação640, em quinze

dias, nos termos dos arts. 508 e 513 do Código de Processo Civil.

639

Assim, na jurisprudência: ―- A ação monitória, com a impugnação do réu através de embargos, se torna ação normal de conhecimento regida pelo procedimento ordinário podendo, assim, dar ensejo a exceções processuais, reconvenção inclusive.‖ (REsp nº 147.945/MG, 5ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de novembro de 1998, p. 133). 640

De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO. AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS. RECURSO CABÍVEL. APELAÇÃO. I. Cabe apelação da decisão que rejeita os embargos opostos em ação monitória. II. Agravo improvido.‖ (AG nº 539.424/DF – AgRg, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 29 de

258

258

Rejeitados os embargos mediante sentença de procedência do pedido

monitório, forma-se o título judicial idôneo para a execução à luz dos arts. 475-I a

475-R, todos do Código de Processo Civil, consoante a regra consagrada no art.

1.102-C, § 3º, do mesmo Código. Não obstante, a regra comporta exceção: na

eventualidade de a monitória ter sido movida contra a Fazenda Pública, incidem

os arts. 730, 731 e 741 do Código de Processo Civil e o art. 100 da Constituição

Federal.

16. Efeito suspensivo e apelação contra sentença em embargos à monitória

Consoante anotado no tópico anterior, após o oferecimento pelo réu e a

admissão para processamento pelo juiz, os embargos monitórios são julgados

mediante sentença apelável. Resta saber quais os efeitos do recebimento da

apelação.

O antigo Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo assentou que a

exceção ao efeito suspensivo prevista no inciso V do art. 520 do Código de

Processo Civil não alcança a apelação interposta contra sentença proveniente de

embargos à monitória, nos termos do enunciado nº 47: ―A apelação interposta da

sentença que julga os embargos ao mandado monitório será recebida, também,

no efeito suspensivo‖.

À vista das premissas fixadas no anterior tópico 12, o enunciado nº 47

merece ser prestigiado. Com efeito, os embargos à monitória não se confundem

com os embargos à execução previstos nos arts. 520, inciso V, e 736, ambos do

Código de Processo Civil. Os embargos à execução têm natureza jurídica de ação

autônoma e formam novo processo, porquanto são veiculados mediante petição

inicial, têm autonomia procedimental e são julgados em sentença própria. Já os

embargos à monitória têm natureza jurídica de defesa do réu, de verdadeira

contestação, porquanto são veiculados em petição simples e não têm autonomia

março de 2004, p. 248). ―PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS. JULGAMENTO. RECURSO CABÍVEL. APELAÇÃO. CPC, ARTS. 162, § 1º, 515 E 1.102C, § 2º. I. Cabe apelação da decisão que rejeita os embargos opostos pelo réu em ação monitória.‖ (REsp nº 171.350/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 2002, p. 367).

259

259

procedimental, tanto que os embargos à monitória são juntados aos próprios autos

do processo já em curso, o qual passa a seguir o procedimento ordinário, tendo

em vista o disposto no art. 1.102-C, § 2º, do Código de Processo Civil.

Ora, se os embargos à monitória são julgados em processo sob o

procedimento ordinário, ou seja, o procedimento comum adotado como regra pelo

Código de Processo Civil641, também deve incidir a regra consagrada no proêmio

do caput do art. 520, qual seja, o recebimento da apelação também no efeito

suspensivo, porquanto uma regra atrai a incidência da outra.

Ademais, a combinação do § 3º do art. 1.102-C com o art. 475-I642 não

permite a conclusão de que a sentença tem eficácia imediata, porquanto o

proêmio do § 1º do próprio art. 475-I é compatível com a regra consagrada no

caput do art. 520, segundo a qual a apelação também é recebida no efeito

suspensivo, sem possibilidade de execução antes do trânsito em julgado. Ainda à

luz do § 1º do art. 475-I, só há a execução imediata na excepcional pendência de

algum recurso sem efeito suspensivo. Não obstante, tal como a segunda parte e

os incisos do art. 520 são exceções no sistema, a segunda parte do § 1º do art.

475-I também é excepcional. A regra reside no proêmio tanto do § 1º do art. 475-I

quanto do caput do art. 520: em regra, a apelação produz efeito suspensivo e não

há lugar para execução alguma antes do trânsito em julgado. O raciocínio também

alcança a apelação proveniente dos embargos à monitória, porquanto o § 3º do

art. 1.102-C atrai a incidência do art. 475-I, cujo § 1º está em harmonia com os

arts. 520 e 521 do mesmo diploma.

Sopesados todos os argumentos, exsurge a conclusão de que a apelação

interposta contra a sentença proveniente dos embargos à monitória também tem

efeito suspensivo643. Aliás, o recebimento do recurso também no efeito suspensivo

641

Cf. arts. 271, 272, parágrafo único, segunda parte, e 274, todos do Código de Processo Civil. 642

Preceito que deve ser aplicado por força do § 3º do art. 1.102-C. 643

Assim, na jurisprudência: ―AÇÃO MONITÓRIA. EMBARGOS JULGADOS IMPROCEDENTES. RECEBIMENTO DA APELAÇÃO NO DUPLO EFEITO. Inaplicabilidade da regra inscrita no art. 520, inc. V, do CPC, uma vez que, tratando-se de norma de exceção, deve ser interpretada restritivamente.‖ (REsp nº 170.482/SC, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de abril de 1999, p. 160). ―AÇÃO MONITÓRIA. Embargos. Apelação. Efeitos. Tem duplo efeito a apelação interposta de sentença que julga improcedentes os embargos opostos na ação monitória. Interpretação restritiva do disposto no art. 520, V, do CPC. Precedente. Recurso conhecido e provido.‖ (REsp nº 207.750/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 23 de agosto de

260

260

alcança a apelação interposta da sentença de improcedência do pedido monitório

(ou seja, de acolhimento dos embargos à monitória), bem como a apelação

interposta da sentença de procedência do pedido monitório (ou seja, de rejeição

dos embargos à monitória). Diante do duplo efeito da apelação interposta contra a

sentença, não há lugar para execução alguma, nem mesmo provisória, na

pendência do recurso apelatório, em virtude da subsistência da suspensão

ocasionada pela oposição dos embargos à monitória644.

1999, p. 133). De acordo, na doutrina: ―Com efeito, por não ter ocorrido (ainda) alteração no rol do art. 520 do CPC, deverá prevalecer o entendimento (já sedimentado) de que o recurso que desafia a decisão de rejeição dos embargos monitórios deve ser recebido no duplo efeito, isto é, conferindo-se efeito suspensivo. Sem a retificação no art. 520 do CPC, não nos parece possível, diante do quadro atual e apenas com a sistemática introduzida pela Lei 11.232/2005, afirmar que será possível a execução provisória em título decorrente de ação monitória, caso a decisão que rejeitar os embargos seja impugnada via recurso de apelação.‖ (Rodrigo Mazzei. Ação monitória. Reforma do CPC. Volume I, 2006, p. 337 e 338 e nota 18). Também com igual opinião, ainda na doutrina: ―omissis, merecendo elogios a corrente doutrinária que defende o recebimento da

apelação no duplo efeito, pelo menos até modificação legislativa.‖ (Daniel Amorim Assumpção Neves. Manual de direito processual civil. 2009, p. 1.328). 644

Contra, todavia, há respeitável doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 264.

261

261

TOMO II

FALÊNCIAS E

RECUPERAÇÕES

EMPRESARIAIS

262

262

CAPÍTULO I – TEORIA GERAL DO DIREITO FALIMENTAR

1. Conceito

O direito falimentar é o sub-ramo do direito empresarial que trata das

falências dos empresários e das sociedades empresárias que não revelaram

aptidão ou idoneidade para o exercício da atividade empresarial, e também versa

sobre as recuperações empresariais que são cabíveis diante de crise econômico-

financeira daqueles (empresários e sociedades empresárias). Enquanto as

recuperações são processos destinados à subsistência do empresário ou da

sociedade empresária, a partir do restabelecimento da normalidade da atividade

empresarial, as falências são processos de execução coletiva para o pagamento

dos credores em concurso, com a alienação dos bens do empresário ou da

sociedade empresária insolvável645-646. O direito falimentar versa as falências, mas

também sobre as recuperações empresariais647.

2. Falência versus execução civil

A regra da vida em sociedade é a quitação das dívidas pelos devedores em

prol dos credores. Na eventualidade de inadimplemento do devedor, o credor pode

acionar o Poder Judiciário, a fim de que o patrimônio daquele (devedor) seja

constrito e ocorra a satisfação do crédito, mediante a respectiva execução forçada,

a qual pode ser individual ou concursal, e pode ter natureza civil ou comercial,

conforme o caso.

Diante da existência de várias dívidas, sem o correspondente lastro no

patrimônio do devedor, a regra da execução individual dá lugar à concursal,

marcada pela execução coletiva, com a presença de todos os credores do

645

De acordo, na doutrina: ―Quando um devedor comerciante não paga suas obrigações, instaura-se contra ele execução coletiva:‖ (Celso Agrícola Barbi. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume I, 9ª ed., 1994, p. 86, nº 126). 646

Vale ressaltar, que a insolvabilidade que interessa para o direito falimentar é a jurídica. Daí a possibilidade de um empresário com solvabilidade econômico-financeira sofrer a decretação da falência, nos casos arrolados no inciso III do art. 94 da Lei nº 11.101/2005. 647

Aliás, a expressão ―direito recuperativo falimentar‖ é a que melhor retrata os institutos sub examine.

263

263

devedor. Ao invés de inúmeras execuções singulares em face do mesmo devedor

insolvente, há apenas um processo de execução, com a igualdade de tratamento

entre os credores da mesma classe, a fim de que tenham as mesmas

oportunidades na tentativa da satisfação dos respectivos créditos, em homenagem

ao princípio par conditio creditorum, consagrado nos arts. 91, parágrafo único,

115, 126 e 149, §§ 1º e 2º, todos da Lei nº 11.101/2005.

Com efeito, a execução do devedor depende da respectiva solvabilidade ou

insolvabilidade e da natureza civil ou empresarial do devedor. A execução singular

do devedor civil ou empresarial que seja solvável ocorre em processo singular, à

vista dos artigos 646 e seguintes do Código de Processo Civil. Constatada,

todavia, a insolvabilidade do devedor civil, há lugar para a execução universal ou

concurso de credores em processo de insolvência civil648.

Além da execução coletiva em face do devedor civil insolvente, há a

falência propriamente dita, a qual tem em mira o empresário individual, a empresa

individual de responsabilidade limitada e a sociedade empresária insolvente.

Sem dúvida, a execução concursal de empresário ou sociedade empresária

é denominada falência ou quebra, terminologia utilizada no antigo Código

Comercial de 1850, cuja Parte Terceira tinha o seguinte título: ―DAS QUEBRAS‖.

É certo que os respectivos arts. 797 a 913 do Código de 1850 foram revogados

com o advento do Decreto-lei nº 7.661/1945, intitulado ―Lei de Falências‖. Em

seguida, com a superveniência da Lei nº 11.101/2005, houve a revogação do

Decreto-lei nº 7.661/1945. Assim, a Lei nº 11.101/2005 é o atual diploma de

regência da falência e da recuperação de empresário individual, de empresa

individual de responsabilidade limitada e de sociedade empresária.

Vale ressaltar que a Lei nº 11.101/2005 revela uma nova opção do

legislador brasileiro: a falência só deve ser decretada quando não há chance de

recuperação do empresário individual, da empresa individual de responsabilidade

limitada ou da sociedade empresária649. Com efeito, o atual diploma tem como

648

Cf. arts. 748 e 751, inciso III, ambos do Código de Processo Civil. 649

De acordo, na jurisprudência: ―III - No moderno Direito falimentar, o interesse social preponderante é manter a empresa em atividade (L. 11.101/05, Art. 1º).‖ (REsp nº 971.215/RJ, 3ª Turma do STJ, Diário da

264

264

escopo principal a recuperação do empresário individual, da empresa individual de

responsabilidade limitada e da sociedade empresária cujas dívidas contraídas

prejudicam ou até impossibilitam o regular exercício da respectiva atividade

econômica, na busca, se possível for, do restabelecimento da normalidade

empresarial e da solvabilidade. Diante do escopo consubstanciado na preservação

da empresa, a Lei nº 11.101/2005 apresenta três formas para evitar a decretação

da falência: recuperação judicial (arts. 47 a 69), recuperação especial (arts. 70 a

72) e recuperação extrajudicial (arts. 161 a 167). São modernos institutos jurídicos

que consagram o princípio da preservação da empresa, em razão da importância

da respectiva subsistência para os empregados, os consumidores, para o

mercado financeiro e até mesmo para o fisco.

Resta saber qual é a execução concursal mais favorável ao devedor: a civil

ou a falimentar? Não há dúvida de que há importantes vantagens na Lei nº

11.101/2005, em relação à legislação civil650. Em primeiro lugar, o empresário e a

sociedade empresária são beneficiados pela recuperação, instituto por meio do

qual é possível ampliar o prazo para o pagamento de dívidas e até mesmo reduzir

o valor a ser pago. Sob outro prisma, o empresário individual, a empresa individual

de responsabilidade limitada e a sociedade empresária são favorecidos pela

extinção das obrigações em virtude do pagamento de mais de cinquenta por cento

dos créditos quirografários, com o ativo disponível do devedor (art. 158, inciso

II)651. Daí a importância da discussão quanto aos sujeitos excluídos da incidência

da Lei nº 11.101/2005, total ou parcialmente, tema do tópico subsequente.

Justiça de 15 de outubro de 2007, p. 268). Assim, na doutrina: ―A preservação da atividade negocial é o ponto mais delicado do regime jurídico de insolvência. Só deve ser liquidada a empresa inviável, ou seja, aquele que não comporta uma reorganização eficiente ou não justifica o desejável resgate.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 629). 650

De acordo, na doutrina: ―Ao empresário, quando insolvente, o direito nacional destina um regime jurídico próprio. Excepcionando o concurso de credores previsto no CPC (arts. 751 e ss), submete-o ao sistema falimentar. Este lhe confere a possibilidade de obter recuperação. Pode solucionar seu passivo obrigacional em condições mais vantajosas que aquelas proporcionadas ao devedor civil e, conforme o caso, até escapar do exício negocial.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 59). 651

Vale ressaltar, após o pagamento integral dos créditos preferenciais aos créditos quirografários, à vista da ordem de preferência estabelecida no art. 83 da Lei nº 11.101/2005. Sem dúvida, só há a extinção das obrigações do falido que efetua o pagamento de mais de cinquenta por centro dos créditos quirografários, após o prévio pagamento integral dos créditos preferenciais.

265

265

3. Sujeitos da recuperação empresarial e da falência

Como revelam tanto o comando inicial quanto o art. 1º da Lei nº

11.101/2005, o diploma versa sobre a recuperação e a falência do empresário

individual e da sociedade empresária652. Daí a incidência do art. 966 do Código

Civil de 2002: ―Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade

econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços‖.

Com efeito, o conceito de empresário é extraído do art. 966 do Código Civil,

combinado com os arts. 967 e 982 do mesmo diploma de 2002. Por conseguinte,

o conceito de empresário tem sentido amplo, de forma a alcançar não só o

empresário individual (arts. 966 e 967), mas também a sociedade empresária

(arts. 967 e 982, caput, primeira parte) e até mesmo a denominada ―empresa

individual de responsabilidade limitada‖ (art. 980-A, caput e § 6º).

Como é perceptível primo ictu oculi, o art. 966 do Código Civil de 2002

revela a adoção da ―teoria da empresa‖, consagrada no direito italiano, no lugar da

antiga ―teoria dos atos de comércio‖, proveniente do direito francês, cujo Código

Comercial Napoleônico de 1808 inspirou a redação do Código Comercial brasileiro

de 1850653.

À luz do art. 966 do Código Civil de 2002, só é considerado empresário

aquele que tem como profissão alguma atividade econômica organizada relativa à

produção ou à circulação de bens ou serviços, na busca de lucro. A ideia de

profissão pressupõe o exercício habitual654, por intermédio de outras pessoas

contratadas para concretizarem a produção ou a circulação de bens ou serviços

em relação aos quais o empregador tem conhecimento específico. É possível

resumir, portanto, o requisito do profissionalismo no binômio habitualidade-

pessoalidade: exercício frequente da atividade econômica na busca do lucro, por

652

Deve-se acrescentar também a denominada ―Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI‖, ainda que se considere que o instituto ―não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária‖ (enunciado nº 3 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal). Daí a conclusão: a empresa individual de responsabilidade limitada não se confunde com o empresário individual, nem com a sociedade empresária. Trata-se de pessoa jurídica especial, constituída por apenas uma pessoa física. 653

Cf. César Fiúza. Direito Civil: curso completo. 11ª ed., 2008, p. 72. 654

Vale dizer, ―a profissionalidade habitual da mercancia‖, consoante a expressão do Professor Waldo Fazzio Júnior (Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 50).

266

266

intermédio de empregados contratados e que trabalham sob orientação e

supervisão do empresário. Ademais, a atividade econômica deve ser organizada,

em razão da interligação do capital, com a mão-de-obra (empregados), com os

insumos (matéria-prima) e com a tecnologia (conhecimentos específicos para a

produção de bens, a prestação de serviços ou a circulação de ambos). Por fim, a

produção consiste na fabricação de bens e na prestação de serviços, enquanto a

circulação significa intermediação, ou seja, fazer a ligação entre o produtor e o

consumidor (dos bens ou serviços)655.

O empresário pode ser pessoa física ou pessoa jurídica; ambas são

consideradas empresárias para os fins da Lei nº 11.101/2005. A pessoa física ou

natural é o empresário individual, o empresário unipessoal, o empresário

singular656. Já a pessoa jurídica por excelência é a sociedade empresária,

constituída por duas ou mais pessoas naturais unidas na busca do lucro comum,

denominadas sócios. Por fim, há uma pessoa jurídica especial, qual seja, a

―empresa individual de responsabilidade limitada‖, novo ente jurídico instituído por

força da Lei nº 12.441/2011657, ―distinto da pessoa do empresário e da sociedade

empresária‖ (enunciado nº 3 aprovado na Jornada de Direito Comercial do

Conselho da Justiça Federal).

Como já anotado, o empresário individual (incluído o respectivo espólio658),

a sociedade empresária (com os respectivos sócios de responsabilidade

ilimitada659) e a ―empresa individual de responsabilidade limitada‖ são sujeitos da

recuperação empresarial e da falência, em razão da incidência da Lei nº

11.101/2005.

655

Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 247; e Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios Gonçalves e Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito falimentar. 5ª ed., 2012, p. 11, 12 e 13. 656

É certo que há inscrição do empresário individual no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, tendo em vista o disposto no art. 150, caput e § 1º, do Decreto 3.000/1999. Não obstante, o empresário individual não é pessoa jurídica, porquanto não consta do rol do artigo 44 do Código Civil de 2002. Sem dúvida, o empresário individual é pessoa natural, razão pela qual pode ingressar em juízo em nome próprio, a despeito da inscrição no CNPJ. 657

Com igual opinião, na doutrina: ―A Lei n. 12.441/2011 alterou dispositivos do Código Civil, criando a figura da ‗empresa individual de responsabilidade limitada‘ (pessoa jurídica), que também se submete às regras falimentares.‖ (Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios Gonçalves e Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito falimentar. 5ª ed., 2012, p. 10, sem o grifo no original). 658

Cf. arts. 48, parágrafo único, 97, inciso II, e 125, todos da Lei nº 11.101, de 2005. 659

Cf. arts. 81 e 190 da Lei nº 11.101, de 2005.

267

267

O mesmo não ocorre, entretanto, com as pessoas físicas e jurídicas regidas

pelo direito civil, como as sociedades simples, antes denominadas ―sociedades

civis‖660. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 49 da Súmula do Tribunal

de Justiça de São Paulo: ―A lei nº 11.101/2005 não se aplica à sociedade simples‖.

Na mesma esteira, as sociedades cooperativas também não são alcançadas pela

Lei nº 11.101/2005, porquanto as sociedades cooperativas jamais são

empresariais, ex vi dos arts. 982, in fine e parágrafo único, segunda parte, 1.093 e

1.096, todos do Código Civil, e do art. 4º da Lei nº 5.764, de 1971661. Daí a

conclusão: tal como a sociedade simples, a sociedade cooperativa também não

está sujeita ao regime da Lei n° 11.101/2005662.

Algumas atividades econômicas também são consideradas civis por força

de lei. Não são empresários, por exemplo, os profissionais intelectuais que

exercem atividades de natureza científica, literária ou artística, ainda que com a

participação e com o auxílio de empregados. É o que revela a primeira parte do

parágrafo único do art. 966 do Código Civil de 2002: ―Não se considera

empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou

artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores‖. Não obstante,

se a atividade econômica perder o caráter individual e o profissional deixar de ser

o centro da atividade, incide a exceção contida na parte final do mesmo parágrafo

660

O art. 786 do Código de Processo Civil de 1973 revela que as sociedades civis (melhor dito, sociedades simples) em insolvência estão sujeitas ao regime de execução civil previsto nos arts. 748 a 786-A daquele diploma. 661

Assim, na jurisprudência: ―3. As sociedades cooperativas não se sujeitam à falência, dada a sua natureza civil e atividade não-empresária, devendo prevalecer a forma de liquidação extrajudicial prevista na Lei 5.764/71, que não prevê a exclusão da multa moratória pleiteada pela recorrente, nem a limitação dos juros moratórios, posteriores à data da liquidação judicial, à hipótese de existência de saldo positivo no ativo da sociedade. 4. A Lei de Falências vigente à época - Decreto-lei nº 7.661/45 – em seu art. 1º, considerava como sujeito passivo da falência o comerciante, assim como a atual Lei 11.101/05, que a revogou, atribui essa condição ao empresário e à sociedade empresária. No mesmo sentido, a norma insculpida no art. 982, § único c/c art. 1093, do Código Civil de 2002, corroborando a natureza civil das referidas sociedades, razão pela qual não lhes são aplicáveis os preceitos legais da Lei de Quebras às cooperativas.‖ (REsp nº 770.861/SP, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 8 de outubro de 2007, p. 214). 662

De acordo, na jurisprudência: ―Agravo de instrumento. Ação de recuperação judicial. Art. 1º, da Lei nº 11.101, de 2005. Cooperativa. Sociedade simples. Recuperação judicial de empresa inviável. Recurso provido. 1. O art. 1º da Lei nº 11.101, de 2005, descreve com clareza o rol de quem tem direito à recuperação judicial de empresa, quais sejam, o empresário e a sociedade empresária. 2. A cooperativa é sociedade simples de pessoas, nos termos do parágrafo único do art. 982 do Código Civil de 2002. Logo, não tem direito à recuperação judicial, circunstância que torna o pedido juridicamente impossível. 3. Agravo de instrumento conhecido e provido para indeferir o pedido da recuperação judicial da agravada, preliminar rejeitada.‖ (Agravo N° 1.0019.11.000925-5/003, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 20 de janeiro de 2012).

268

268

único do art. 966663, razão pela qual deixa de ser profissional civil e passa a ser

empresário sujeito à incidência da Lei nº 11.101/2005.

No que tange ao profissional que exerce atividade rural, a distinção entre

aquele que é considerado empresário para o civil depende exclusivamente da

inscrição perante a Junta Comercial, o órgão de Registro Público das Empresas

Mercantis. À vista do art. 971 do Código Civil, o profissional rural que efetuar a

inscrição na Junta Comercial passa a ser considerado empresário, razão pela qual

fica submetido ao regime da Lei nº 11.101/2005. Em contraposição, o profissional

rural sem inscrição na Junta Comercial é considerado civil e fica sujeito apenas ao

disposto nos Códigos Civil e de Processo Civil, até mesmo na eventualidade de

insolvência.

Além da exclusão das sociedades simples, das sociedades cooperativas e

dos profissionais civis arrolados nos arts. 966, parágrafo único, primeira parte, 971

e 982 do Código Civil, o art. 2º da Lei nº 11.101/2005 também afasta outras

sociedades do regime especial da recuperação e da falência, a despeito da

natureza empresarial. Resta saber quais são as sociedades empresárias

excluídas da incidência da Lei nº 11.101/2005.

Em primeiro lugar, o art. 2º da Lei nº 11.101 afasta a incidência do regime

recuperativo-falimentar em relação às empresas públicas e às sociedades de

economia mista, porquanto são entidades da administração pública indireta, razão

pela qual ficam totalmente excluídas daquele regime jurídico (recuperativo-

falimentar). Com efeito, embora sejam pessoas jurídicas submetidas ―ao regime

jurídico próprios das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e

obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias‖664, as empresas públicas e

as sociedades de economia mista foram excluídas da incidência da Lei nº

11.101/2005. Com maior razão, as pessoas jurídicas – de direito público interno –

arroladas no artigo 41 do Código Civil também não estão sujeitas ao regime

recuperativo-falimentar.

663

In verbis: ―salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa‖. 664

Cf. art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal.

269

269

Em seguida, o art. 2º também afasta a incidência da Lei nº 11.101/2005 em

relação às instituições financeiras privadas, cooperativas de crédito665, consórcios,

entidades de previdência complementar, sociedades operadoras de plano de

assistência à saúde, sociedades seguradoras, sociedades de capitalização e

outras entidades legalmente equiparadas, todas submetidas ao regime especial de

liquidação extrajudicial previsto em leis específicas666. A exclusão do regime

consagrado na Lei nº 11.101/2005, todavia, não é absoluta, porquanto aquelas

sociedades podem ser atingidas pela falência, em razão do disposto no art. 197 da

Lei nº 11.101/2005: ―esta Lei aplica-se subsidiariamente‖. Tanto que os arts. 1º, 12

e 21 da Lei nº 6.024/1974 dispõem sobre a ―falência‖ de ―instituições financeiras

privadas‖667 e ―cooperativas de crédito‖.

Situação peculiar é a dos empresários e das sociedades empresárias

irregulares, ou seja, que exercem atividade empresarial sem o cumprimento do

disposto nos arts. 967 e 1.150, primeira parte, ambos do Código Civil. Os

empresários e as sociedades irregulares não são beneficiados pela recuperação

empresarial, mas podem ser alcançados pela falência668, até mesmo em razão da

possibilidade do requerimento da autofalência669.

Por fim, vale ressaltar que as classificações existentes na legislação

tributária não têm relevância para a incidência da Lei nº 11.101/2005; importa

apenas o disposto no Código Civil e na própria Lei nº 11.101/2005, como restou

bem assentado no enunciado nº 475 aprovado na Quinta Jornada de Direito Civil

do Conselho da Justiça Federal: ―Eventuais classificações conferidas pela lei

tributária às sociedades não influem para sua caracterização como empresárias

ou simples, especialmente no que se refere ao registro dos atos constitutivos e à 665

Vale ressaltar que as cooperativas de crédito não se confundem com as sociedades cooperativas. As sociedades cooperativas são regidas pela Lei nº 5.764/1971, cujo art. 4º afasta a aplicação da legislação falimentar por inteiro. Já as cooperativas de crédito são regidas pela Lei nº 6.024/1974, cujo art. 1º equipara as cooperativas de créditos às instituições financeiras, até mesmo em relação à excepcional possibilidade de decretação de falência. 666

Cf. Decreto nº 22.456, de 1993, Decreto-lei nº 73, de 1966, Lei nº 5.768, de 1971, Lei nº 6.024, de 1974, Lei nº 9.656, de 1998, Lei nº 10.190, de 2002. 667

Por exemplo, o Banco Santos S.A. teve a falência decretada em setembro de 2005. 668

De acordo, na doutrina: ―A falência incide tanto sobre o empresário ou sociedade empresária regular, como sobre o empresário de fato, mas a recuperação só alcança os que praticam a empresa conforme a lei‖. ―Para fins falitários, a inscrição no registro do comércio não é, pois, requisito indispensável à qualificação do empresário.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 637). 669

Cf. art. 105, inciso IV, segunda parte, da Lei nº 11.101/2005.

270

270

submissão ou não aos dispositivos da Lei nº 11.101/2005‖. É o que se dá, por

exemplo, com o empresário individual, o qual é pessoa natural, vale dizer, pessoa

física, a despeito de a legislação tributária revelar que a inscrição do empresário

individual no Ministério da Fazenda ocorre no Cadastro Nacional de Pessoas

Jurídicas – CNPJ670.

670

Sem dúvida, é certo que há inscrição do empresário individual no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, tendo em vista o disposto no art. 150, caput e § 1º, do Decreto 3.000/1999. Não obstante, o empresário individual não é pessoa jurídica, porquanto não consta do rol do artigo 44 do Código Civil de 2002. Na verdade, o empresário individual é pessoa natural, razão pela qual pode ingressar em juízo em nome próprio, a despeito da inscrição no CNPJ.

271

271

CAPÍTULO II – INSTITUTOS COMUNS

ÀS RECUPERAÇÕES JUDICIAIS E ÀS FALÊNCIAS

1. Administração da recuperação judicial e da falência

1.1. Conceito de administrador judicial

O administrador judicial é o auxiliar do juízo nomeado pelo juiz da

recuperação ou da falência, para zelar pelo regular seguimento do processo e pela

conservação dos bens sujeitos à sua guarda, sob a fiscalização do próprio juiz e

do Comitê de Credores (se e quando constituído o órgão). Na verdade, o atual

administrador judicial da Lei nº 11.101/2005 ocupa o lugar dos anteriores

comissário e síndico do antigo Decreto-lei nº 7.661/1945, na concordata e na

falência, respectivamente.

Em suma, o juiz preside, dirige o processo; já o administrador judicial,

auxiliar daquele, é o administrador da recuperação ou da falência, porquanto

exerce as atribuições insertas no art. 148 do Código de Processo Civil, além das

arroladas no art. 22 da Lei nº 11.101/2005.

1.2. Nomeação

Compete ao juiz nomear o administrador judicial, com a observância do

disposto no art. 21 da Lei nº 11.101/2005. O administrador judicial deve ser

profissional idôneo, da confiança do juiz. Sempre que possível, o administrador

judicial deve ser nomeado entre algum dos seguintes profissionais, observada a

ordem de preferência do art. 21: advogado, economista, administrador de

empresas ou contador. O juiz pode, entretanto, optar pela nomeação de pessoa

jurídica especializada (em prestação de serviços de consultoria empresarial). Em

suma, tanto pessoa natural quanto pessoa jurídica podem ser nomeadas pelo juiz.

A nomeação pelo juiz, todavia, não obriga o profissional designado, o qual

pode recusar a respectiva nomeação.

272

272

1.3. Impedidos

Não pode ser nomeado administrador judicial o profissional que exerceu o

cargo de administrador judicial ou foi membro de Comitê em processo de

recuperação ou de falência nos últimos cinco anos, se foi destituído, deixou de

prestar contas ou teve a prestação desaprovada (art. 30).

Também não pode ser nomeado administrador judicial o profissional que

tiver relação de parentesco até o terceiro grau671 ou afinidade672 com o empresário

individual, os administradores, os controladores ou representantes legais da

sociedade empresária, bem assim o profissional que tiver relação de amizade,

inimizade ou dependência com qualquer deles (art. 30, § 1º).

1.4. Arguição do impedimento do administrador

O empresário individual, os representantes legais da sociedade empresária,

qualquer credor e o Ministério Público têm legitimidade para suscitar o

impedimento mediante simples petição endereçada ao juiz, a fim de que o

administrador judicial impedido seja substituído. Suscitado e juntado no próprio

processo673, o incidente de impedimento deve ser decidido pelo juiz no prazo de

vinte e quatro horas após a conclusão674. Trata-se, à evidência, de prazo

impróprio, isto é, não sujeito à preclusão. Da respectiva decisão interlocutória cabe

recurso de agravo de instrumento, em dez dias675.

671

Na linha reta, os pais e os filhos são parentes de primeiro grau, os avós e os netos são parentes de segundo grau e os bisavós e os bisnetos são parentes de terceiro grau. Já na linha colateral, os irmãos são parentes de segundo grau, enquanto os tios e os sobrinhos são parentes de terceiro grau. 672

Os afins são os parentes do cônjuge ou companheiro; o grau da afinidade se dá à luz do grau de parentesco com o cônjuge ou companheiro. Por exemplo, o sogro e a sogra são afins de primeiro grau, enquanto os cunhados e as cunhadas são afins de segundo grau. À vista do art. 1.595, § 1º, do Código Civil, a ―afinidade limita-se aos ascendentes, aos descendentes e aos irmãos do cônjuge ou companheiro‖. Por conseguinte, não há afinidade em relação aos tios e sobrinhos do cônjuge ou companheiro. 673

Com efeito, não incide o disposto no art. 299, in fine, do Código de Processo Civil, porquanto o impedimento não é veiculado mediante exceção, mas, sim, por simples petição. 674

Cf. art. 30, §§ 2º e 3º, da Lei nº 11.101/2005. 675

Cf. art. 189 da Lei nº 11.101/2005, combinado com os arts. 522 e 524 do Código de Processo Civil.

273

273

1.5. Assinatura do termo de compromisso

Após a nomeação pelo juiz, o administrador judicial será intimado

pessoalmente676 para assinar o termo de compromisso, quando assume a

responsabilidade de desempenhar o cargo ―bem e fielmente‖ (art. 33).

O termo de compromisso deve ser assinado na sede do juízo, dentro das

quarenta e oitos horas seguintes à intimação da nomeação. Se o profissional

nomeado não assinar o termo de compromisso no prazo de quarenta e oito horas,

o juiz deve nomear outro profissional, em substituição ao nomeado em primeiro

lugar (art. 34).

Também é admissível a posterior substituição do administrador judicial. A

substituição pode ocorrer por determinação do juiz ou por renúncia do próprio

administrador judicial. Em regra, o administrador substituído tem direito à

remuneração proporcional ao trabalho desempenhado. Em contraposição, se

renunciar sem razão relevante ou for destituído (pelo juiz) por dolo, culpa ou

qualquer descumprimento das obrigações legais, o administrador perde o direito à

remuneração677.

1.6. Responsabilidade do administrador

Ao assinar o termo de compromisso, o administrador judicial assume todas

as responsabilidades pelo bom e fiel desempenho do munus678. Daí a

responsabilidade do administrador pelos prejuízos que causar ao empresário679 ou

aos respectivos credores, em razão de dolo ou de culpa680. Por força do art. 22 da

Lei nº 11.101/2005, tanto o juiz quanto o eventual Comitê de Credores exercem a

fiscalização do administrador judicial.

1.7. Atribuições do administrador judicial

676

Por exemplo, por oficial de justiça, munido de mandado judicial. 677

Cf. art. 24, § 3º, da Lei nº 11.101/2005, e art. 150, primeira parte, do Código de Processo Civil. 678

Cf. art. 32 da Lei nº 11.101/2005, e art. 150 do Código de Processo Civil. 679

Rectius, empresário individual ou sociedade empresária. 680

Vale dizer, em razão de imprudência, de negligência ou de imperícia do administrador.

274

274

Ao assinar o termo de compromisso, o administrador judicial passa a ter

várias atribuições, as quais são realizadas sob a fiscalização do juiz e do Comitê

de Credores (se existente o último, por ser órgão de constituição facultativa).

As atribuições do administrador estão arroladas no art. 22. O rol, todavia,

não é exaustivo, porquanto há ―outros deveres‖, como a obrigação de verificar e

classificar os créditos (art. 7º, § 2º). O art. 28 reforça a conclusão de que as

atribuições arroladas no art. 22 não são exaustivas, porquanto também cabe ao

administrador exercer as atribuições do Comitê de Credores, quando não

constituído o órgão. O proêmio do art. 37 indica outra importante atribuição do

administrador judicial: presidir a Assembleia-Geral dos Credores. Não é só. Na

eventualidade de afastamento do empresário individual ou do administrador da

sociedade empresária da direção da atividade empresarial (art. 64), o

administrador judicial ainda exerce a função de gestor até a Assembleia-Geral

deliberar sobre o nome do gestor judicial (art. 65), oportunidade na qual o

administrador judicial assume de forma provisória a condução da atividade

empresarial.

À luz do art. 22, a primeira obrigação do administrador – depois de assinar

o termo de compromisso – é enviar correspondência aos credores constantes da

relação nominal que acompanha a petição inicial, com a comunicação acerca do

processo (recuperacional ou falimentar, conforme o caso) e da classificação inicial

conferida aos créditos681.

O administrador judicial também deve fornecer todas as informações

adicionais solicitadas pelos credores, sempre com a máxima presteza possível

(art. 22, inciso I, alínea ―b‖). O administrador ainda deve conceder aos

interessados os extratos dos livros comerciais e fiscais do empresário individual ou

da sociedade empresária, a fim de permitir tanto a habilitação quanto a

impugnação dos créditos (art. 22, inciso I, letra ―c‖). Para cumprir tais obrigações,

o administrador judicial pode exigir dos credores, do empresário individual e dos

administradores da sociedade empresária todas as informações que julgar

681

Cf. arts. 22, inciso I, alínea ―a‖, 51, inciso III, e 52, § 1º, inciso II, todos da Lei nº 11.101/2005.

275

275

necessárias (art. 22, inciso I, letra ―d‖). Denegadas as informações exigidas, o

administrador judicial apresenta requerimento endereçado ao juiz, a fim de que as

informações sejam prestadas pessoalmente pelo devedor em juízo, sob pena de

crime de desobediência, em audiência com a presença do administrador judicial

(art. 22, § 2º).

Apresentadas eventuais habilitações ou divergências (art. 7º, § 1º), cabe ao

administrador judicial elaborar a Relação de Credores682. Em seguida, o

administrador deve providenciar a publicação de edital com a Relação de

Credores e a indicação do local e do horário para que os credores, o Ministério

Público, o empresário individual, os sócios da sociedade empresária e o Comitê

tenham acesso aos documentos utilizados na elaboração daquela relação, para

que possam veicular as eventuais impugnações (art. 8º). Após as impugnações e

as respectivas decisões do juiz da recuperação ou da falência, conforme o caso,

cabe ao administrador consolidar o Quadro-Geral dos Credores à luz da anterior

Relação de Credores e das posteriores decisões proferidas pelo juiz nas

impugnações oferecidas683.

À vista do art. 22, inciso I, letra ―g‖, compete ao administrador judicial

requerer a convocação da Assembleia-Geral dos Credores, a qual também pode

ser requerida ao juiz sempre que o administrador julgar necessária a oitiva da

assembleia.

No exercício das respectivas obrigações, o administrador judicial pode,

após autorização judicial, contratar profissionais e empresas especializadas para

auxiliá-lo684, os quais são remunerados pelo empresário individual ou pela

sociedade empresária (art. 25). As remunerações dos auxiliares do administrador

serão fixadas pelo juiz, em razão da complexidade dos trabalhos a serem

executados e dos valores praticados no mercado para o desempenho de

atividades semelhantes (art. 22, § 1º).

682

Cf. arts. 7º, § 2º, e 22, inciso I, alínea ―e‖, ambos da Lei nº 11.101/2005. 683

Cf. arts. 18 e 22, inciso I, alínea ―f‖, ambos da Lei nº 11.101/2005. 684

Cf. art. 22, inciso I, alínea ―h‖, da Lei nº 11.101/2005, e art. 149, parágrafo único, do Código de Processo Civil.

276

276

Outra importante atribuição do administrador judicial é a de fiscalização: o

administrador deve sempre fiscalizar as atividades do empresário individual ou da

sociedade empresária em recuperação judicial, bem assim o cumprimento do

plano de recuperação (art. 22, inciso II, alínea ―a‖). Na eventualidade de

descumprimento do plano de recuperação pelo empresário individual ou pela

sociedade empresária, cabe ao administrador judicial requerer a decretação da

falência pelo juiz (art. 22, inciso II, letra ―b‖). Daí a legitimidade ativa do

administrador judicial para acionar a falência do empresário.

Em decorrência da atividade de fiscalização que exerce, o administrador

judicial deve apresentar ao juiz relatório mensal das atividades do empresário

individual ou da sociedade empresária (art. 22, inciso II, alínea ―c‖). Não é só. No

prazo de quinze dias da sentença de encerramento da recuperação judicial, o

administrador deve apresentar ao juiz relatório final sobre a execução do plano

(arts. 22, inciso II, letra ―d‖, e 63, inciso III). Se o administrador judicial deixar de

apresentar algum relatório, será intimado pessoalmente a fazê-lo no prazo de

cinco dias, sob pena de crime de desobediência (art. 23).

Por fim, o administrador judicial também tem a obrigação de prestar contas

ao juiz, no prazo de trinta dias do encerramento da recuperação (art. 63, inciso I),

sob pena de crime de desobediência (art. 23); na eventualidade, todavia, de

substituição ou destituição no curso do processo, o administrador deve prestar as

respectivas contas desde logo.

1.8. Remuneração do administrador judicial

Em compensação às responsabilidades e às atribuições assumidas, o

administrador judicial tem direito à remuneração fixada pelo juiz685.

Após sopesar o grau de complexidade do trabalho, os valores praticados no

mercado de trabalho para o desempenho de atividades similares e a capacidade

de pagamento da empresa, cabe ao juiz indicar tanto o valor quanto a forma de

685

Cf. art. 24, caput, da Lei nº 11.101/2005, e art. 149, caput, do Código de Processo Civil.

277

277

pagamento da remuneração do administrador judicial. Trata-se de decisão

interlocutória passível de impugnação mediante agravo de instrumento, recurso

que pode ser interposto pelo empresário individual, pela sociedade empresária,

bem assim pelos demais legitimados previstos no art. 499 do Código de Processo

Civil (por exemplo, algum credor, o Ministério Público).

Quanto ao valor, a remuneração jamais pode ser superior a cinco por cento

dos créditos pendentes686.

No que tange à forma, não é admissível o imediato pagamento integral da

remuneração ao administrador judicial. Quarenta por cento ficam reservados para

pagamento somente depois da apresentação do relatório final do administrador

judicial, da aprovação do relatório final pelo juiz, da prestação de contas pelo

administrador e do julgamento das contas pelo juiz687

A propósito, o administrador judicial que tiver suas contas desaprovadas

pelo juiz perde o direito de remuneração688. Ainda em relação à sentença de

rejeição das contas, o juiz também deve fixar a responsabilidade civil do

administrador judicial, pode determinar a indisponibilidade e até o sequestro689 de

bens do administrador, bem assim determinar a remessa de fotocópias dos autos

ao Ministério Público, para a apuração de eventual responsabilidade penal do

administrador690. A sentença de rejeição das contas serve como título executivo

para a execução da indenização devida pelo administrador judicial (art. 154, § 5º).

Tal como o administrador com contas rejeitadas, também perde o direito à

remuneração o administrador substituído por renúncia sem razão relevante ou

destituído pelo juiz por dolo, culpa, desídia ou descumprimento de qualquer

obrigação legal. Em contraposição, se a renúncia ao munus for considerada

686

Cf. art. 24, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. 687

Cf. arts. 24, § 2º, 63, inciso I, e 154 da Lei nº 11.101/2005. 688

Cf. art. 24, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, e art. 919, in fine, do Código de Processo Civil. 689

Rectius, arresto. Sem dúvida, a despeito da literalidade do preceito legal, na verdade, trata-se de arresto, porquanto a condenação ao pagamento de indenização enseja execução por quantia certa. Com a mesma opinião, na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 176, sem o grifo no original: ―Entre eles se encontra o do já comentado art. 653, inserido na execução, e o do art. 154, § 5º, da Lei de Falências (a lei refere-se a sequestro, mas o caso é de arresto)‖. Por oportuno, o capítulo VII do presente tomo versa sobre as cautelares de sequestro e de arresto. 690

Cf. arts. 179, 184, caput, e 188, todos da Lei nº 11.101/2005, combinados com o art. 40 do Código de Processo Penal.

278

278

justificada pelo juiz, subsiste o direito à remuneração em prol do administrador

judicial, mas apenas proporcional ao trabalho realizado691.

Quanto à natureza do crédito relativo à remuneração do administrador

judicial, trata-se de crédito extraconcursal, conforme revela o art. 84, inciso I, da

Lei nº 11.101/2005. Daí a respectiva preferência de pagamento em relação a

outros créditos, como os arrolados no art. 83.

Por fim, a responsabilidade pelo pagamento da remuneração do

administrador judicial é do empresário individual ou da sociedade empresária,

conforme o caso692.

1.9. Prestação de contas pelo administrador judicial

Por força dos arts. 24, § 2º, e 63, inciso I, ambos da Lei nº 11.101/2005, o

administrador judicial tem o dever de prestar contas ao juiz, no prazo de trinta dias

da sentença de encerramento do processo (de recuperação judicial ou de falência,

conforme o caso), com a observância do disposto nos arts. 154 e 155, preceitos

aplicáveis à vista do § 2º do art. 24.

Com efeito, cabe ao próprio administrador efetuar a prestação mediante

petição instruída com os documentos comprobatórios das contas, no prazo de

trinta dias da sentença de encerramento do processo (arts. 63, caput e inciso I,

154, caput e § 1º).

Na eventualidade de inércia, cabe ao juiz determinar a intimação pessoal do

administrador, a fim de que preste as contas em cinco dias, sob pena de crime de

desobediência (art. 23 da Lei nº 11.101/2005).

Ainda em relação à omissão do administrador judicial, a ação de prestação

de contas também pode ser proposta por quem tem o direito de exigi-las, como o

empresário individual e a sociedade empresária, em razão do pagamento da

remuneração em prol do administrador (art. 25 da Lei nº 11.101/2005).

691

Cf. art. 24, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. 692

Cf. art. 25 da Lei nº 11.101/2005.

279

279

Prestadas as contas pelo administrador judicial, a petição deve ser autuada

em separado. Em seguida, o juiz determina a publicação do aviso de que as

contas estão disponíveis aos interessados, os quais têm dez dias para

oferecimento de impugnação (art. 154, §§ 1º e 2º, da Lei nº 11.101/2005).

Decorrido o decêndio de impugnação ou, impugnadas as contas, realizadas

as eventuais diligências necessárias à apuração dos fatos, o juiz intima o

Ministério Público para apresentação de parecer, em cinco dias (art. 154, § 3º, da

Lei nº 11.101/2005).

Apresentada impugnação por algum interessado693 ou manifestação

contrária do Ministério Público, é aberta vista ao administrador judicial, a fim de

que seja ouvido, em cinco dias694.

Após, o juiz profere sentença, com o julgamento das contas, com

fundamento no art. 154, § 4º, da Lei nº 11.101/2005. Na eventualidade da rejeição

das contas, o juiz deve fixar a responsabilidade civil do administrador judicial,

quando também pode determinar a indisponibilidade e até o sequestro695 de bens

na própria sentença de rejeição, a qual serve como título executivo contra o

administrador judicial responsável pela indenização696.

Ainda em relação à sentença de rejeição das contas, se constatar algum

delito cometido pelo administrador judicial, cabe ao juiz determinar a remessa de

fotocópias dos autos ao Ministério Público, para a apuração de eventual

responsabilidade penal do administrador judicial697.

A sentença é impugnável mediante apelação, em quinze dias698. Após o

trânsito em julgado, os autos da prestação de contas devem ser apensados aos

autos do processo de recuperação ou de falência (art. 154, § 1º).

693

Por exemplo, pelo empresário individual, pela sociedade empresária, por algum credor. 694

Cf. arts. 154, § 3º, e 189, ambos da Lei 11.101, de 2005, e art. 185 do Código de Processo Civil. 695

Melhor dito, arresto. Com a mesma opinião, na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 176: ―Entre eles se encontra o do já comentado art. 653, inserido na execução, e o do art. 154, § 5º, da Lei de Falências (a lei refere-se a sequestro, mas o caso é de arresto)‖. 696

Cf. art. 154, § 5º, da Lei nº 11.101/2005. 697

Cf. arts. 179, 184 e 188, todos da Lei nº 11.101/2005, combinados com o art. 40 do Código de Processo Penal. 698

Cf. arts. 154, § 6º, e 189, da Lei 11.101, de 2005, e art. 508 do Código de Processo Civil.

280

280

1.10. Exoneração do administrador judicial

Proferida a sentença de encerramento da recuperação judicial, aprovado o

relatório final da recuperação, prestadas as contas pelo administrador e paga a

parcela remanescente da respectiva remuneração, há a exoneração do

administrador judicial pelo juiz, ato derradeiro que marca o término da atuação do

administrador no processo de recuperação (art. 63, inciso IV). Mutatis mutandis, o

mesmo ocorre no processo de falência, com a prolação da sentença de

encerramento da falência (art. 156), com a consequente exoneração do

administrador judicial.

2. Classificação, verificação e habilitação dos créditos

2.1 Conceito

A classificação dos créditos consiste na elaboração do rol de preferência de

recebimento dos credores consoante a espécie da obrigação e a capacidade de

pagamento do empresário individual ou da sociedade empresária em recuperação

judicial ou com a falência decretada, conforme o caso. A ordem de prioridade é

extraída dos arts. 83 e 84 da Lei nº 11.101/2005. No que tange ao processo de

recuperação judicial, há lugar para alteração do rol legal; já no processo de

falência, a ordem legal de preferência é taxativa, de observância obrigatória.

2.2. Existência da classificação dos créditos na recuperação judicial

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a classificação dos

créditos não diz respeito apenas ao processo de falência, mas também ao

processo de recuperação judicial, no qual há a igual necessidade da classificação

para pagamento dos credores, como bem revelam os arts. 22, inciso I, alínea ―a‖,

51, inciso III, e 52, § 1º, inciso II, todos da Lei nº 11.101/2005, in verbis:

―classificação de cada crédito‖. A ordem de pagamento, todavia, pode ser

modificada no plano de recuperação a ser submetido à deliberação dos credores.

281

281

É certo, entretanto, que a classificação dos créditos tem maior importância

no processo de falência, em razão da impossibilidade de alteração da ordem legal,

a qual só é possível no processo de recuperação judicial. Diante do caráter

absoluto do rol de créditos no processo falimentar, os respectivos preceitos de

regência foram incluídos no bojo do capítulo V da Lei nº 11.101, de 2005,

destinado à falência, mas isto não significa que a classificação só tenha lugar no

processo falimentar699.

2.3. Ordem legal de classificação dos créditos

Os arts. 83 e 84 trazem a ordem de classificação dos créditos, a qual,

entretanto, enseja modificação no processo de recuperação judicial, consoante o

disposto no plano de recuperação a ser aprovado em assembleia. De qualquer

forma, as classificações dos créditos realizadas antes da aprovação do plano

devem seguir o disposto nos arts. 83 e 84 da Lei nº 11.101/2005.

Antes de qualquer outro pagamento, devem ser pagos, em prazo não

superior a trinta dias, os créditos trabalhistas dos últimos três meses anteriores ao

ajuizamento da recuperação judicial, até o limite de cinco salários mínimos por

trabalhador (arts. 54, parágrafo único, e 151).

Em seguida, devem ser pagas as restituições em dinheiro determinadas

mediante sentenças proferidas em eventuais processos de restituição (arts. 86,

parágrafo único, 149 e 151)700.

Após, devem ser pagos os créditos extraconcursais, consoante a ordem

estabelecida no art. 84: a remuneração do administrador judicial e dos respectivos

auxiliares contratados mediante autorização judicial (art. 84, inciso I); as quantias

699

Com igual opinião, na doutrina: ―O procedimento de verificação e habilitação dos créditos é o mesmo na falência e na recuperação judicial. Na primeira, entretanto, o pagamento deve ser feito de acordo com uma ordem de preferência já estabelecida na própria lei (arts. 83 e 84), enquanto na recuperação a ordem legal não é obrigatória, pois a lei permite que outra seja pactuada entre as partes, desde que respeitada a prevalência dos créditos trabalhistas.‖ ―Na falência, todavia, a ordem para o pagamento dos credores deve ser aquela expressamente descrita na lei (art. 83), enquanto na recuperação judicial outra ordem pode ser proposta pelo devedor no plano por ele apresentado.‖ (Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios Gonçalves e Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito falimentar. 5ª ed., 2012, p. 31 e 101, respectivamente). 700

O posterior capítulo VIII versa sobre a ação de restituição.

282

282

fornecidas pelos credores ao empresário individual ou à sociedade empresária

durante o processo (art. 84, inciso II); as despesas com a arrecadação, a

administração, a realização do ativo e a distribuição do passivo entre os credores

(art. 84, inciso III); as custas judiciais em geral (art. 84, incisos III e IV); e as

obrigações resultantes de atos jurídicos praticados durante a recuperação judicial

(arts. 67 e 84, inciso V).

Após o pagamento dos créditos extraconcursais, há a incidência do art. 83,

com a observância da ordem de preferência dos créditos concursais. Em primeiro

lugar, são pagos os créditos trabalhistas e os acidentários701, embora com a

limitação do pagamento preferencial daqueles (créditos trabalhistas) até o valor de

cento e cinquenta salários mínimos (art. 83, inciso I), porquanto o crédito

trabalhista superior remanescente passa a integrar a classe destinada aos créditos

quirografários (art. 83, inciso VI, alínea ―c‖)702.

Em segundo lugar, são pagos os créditos com garantia real703, mas apenas

até o limite do bem gravado (art. 83, inciso II e § 1º), porquanto o crédito superior

remanescente passa a integrar a classe destinada aos créditos quirografários (art.

83, inciso VI, letra ―b‖). Em abono, vale conferir o enunciado nº 51 aprovado na

Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―51. O saldo do

crédito não coberto pelo valor do bem e/ou garantia dos contratos previstos no §

3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005 é crédito quirografário, sujeito à recuperação

judicial‖. Dentro do limite do valor do bem gravado, todavia, os créditos com

garantia real têm preferência em relação aos créditos tributários, privilegiados

(especial e geral), quirografários etc.

701

Vale dizer, créditos decorrentes de acidente de trabalho. 702

O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 83, incisos I e IV, da Lei nº 11.101, de 2005, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.934, cujo acórdão foi publicado com a seguinte ementa: ―AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, E 141, II, DA LEI 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 1º, III, E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I – Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial. II – Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão dos créditos trabalhistas. III – Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. IV – Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho. V – Ação direta julgada improcedente.‖ (ADI nº 3.934DF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 5 de novembro de 2009). 703

Cf. art. 1.419 do Código Civil.

283

283

Em terceiro lugar, são pagos os créditos tributários (art. 83, inciso III), mas

não as multas tributárias, as quais integram a classe destinada às multas e são

pagas depois dos créditos quirografários (art. 83, inciso VII).

Em quarto lugar, são pagos os créditos com privilégio especial (art. 83,

inciso IV), assim considerados os arrolados no art. 964 do Código Civil704, sem

prejuízo de outros créditos com privilégio especial ex vi legis, como o Decreto-lei

nº 167, de 1967, em prol dos credores de nota promissória rural705 e de duplicata

rural706.

Em quinto lugar, são pagos os créditos com privilégio geral (art. 83, inciso

V), assim considerados os previstos no art. 965 do Código Civil, além de outros

créditos com privilégio geral previstos em lei, como os honorários advocatícios

arbitrados em decisão judicial (art. 24, caput, da Lei nº 8.906, de 1994)707.

Em sexto lugar, são pagos os créditos quirografários, como os títulos de

crédito em geral708, os contratos comerciais, os créditos não satisfeitos pela

alienação de bem gravado com garantia real, os créditos trabalhistas superiores a

cento e cinquenta salários mínimos e os créditos trabalhistas cedidos a terceiros

(art. 83, inciso VI e § 4º).

Vale ressaltar que os eventuais créditos trabalhistas objeto de contrato de

cessão também são considerados quirografários, ainda que iguais ou inferiores ao

equivalente a cento e cinquenta salários mínimos. Com efeito, o § 4º do art. 83 da

704

Por exemplo, o crédito proveniente de aluguel de imóvel por parte do empresário falido ou da sociedade empresarial falida: ―3. Crédito com privilégio especial é aquele que incide sobre um determinado bem ou conjunto de bens, mas sem a natureza de direito real de garantia (art. 102, I a IV e § 2º, do DL 7661/45 - classificação). Implica no direito de um credor de executar com preferência sobre outros uma parte específica do patrimônio do devedor. Assim, por exemplo, o credor de aluguel tem privilégio especial, pois tem direito de ser pago com o resultado da venda dos móveis que guarneciam o estabelecimento falido, salvo outro crédito com privilégio ou preferência superior. Neste sentido é que o crédito tem privilégio especial, ou seja, não é apenas ordem de pagamento preferencial (privilégio geral), mas sim direito de fazer a execução incidir sobre bem específico.‖ (Apelação nº 2001.38.00.007341-6 / MG, 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Diário da Justiça de 5 de outubro de 2007, p. 66, sem o grifo no original). 705

―Art 45. A nota promissória rural goza de privilégio especial‖. 706

―Art 53. A duplicata rural goza de privilégio especial‖ 707

De acordo, na jurisprudência: ―FALÊNCIA. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PRIVILÉGIO GERAL. O crédito oriundo de honorários advocatícios, proveniente de decisão judicial, com trânsito em julgado, possui privilégio geral e não especial.‖ (Apelação nº 70005595095, 5ª Câmara Cível do TJRS, Diário da Justiça de 18 de junho de 2003). 708

Ressalvadas as exceções consubstanciadas na nota promissória rural e na duplicata rural, títulos de crédito que têm privilégio especial.

284

284

Lei nº 11.101/2005 estabelece, sem ressalva alguma, que os ―créditos trabalhistas

cedidos a terceiros serão considerados quirografários‖.

Em sétimo lugar, são pagas as multas em geral, até mesmo as tributárias

(art. 83, inciso VII). Com efeito, as multas em geral só são pagas depois dos

créditos quirografários.

Por fim, são pagos os créditos subordinados, assim considerados os

créditos dos sócios e dos administradores sem vínculo empregatício, além de

outros previstos em lei (art. 83, inciso VIII).

É certo, entretanto, que a classificação dos créditos provenientes dos arts.

83 e 84 tem maior importância no processo de falência, no qual é de observância

obrigatória. Não obstante, também tem utilidade no processo de recuperação

judicial, ainda que para a elaboração da petição inicial, da posterior Relação de

Credores pelo administrador judicial, com repercussão na elaboração do Quadro-

Geral de Credores. A ordem de pagamento, todavia, segue o disposto no plano de

recuperação judicial, no qual é possível modificar não só a ordem, mas também a

forma e até o valor dos créditos, sempre sob a condição da aprovação pelos

credores em assembleia.

2.4. Classificação inicial

A petição inicial da recuperação judicial e da autofalência deve ser instruída

com a relação nominal dos credores, acompanhada da classificação inicial e do

valor dos créditos, conforme determinam o inciso III do art. 51 e o inciso II do art.

105 da Lei nº 11.101/2005.

Com efeito, a classificação inicial deve instruir a petição inicial tanto da

recuperação judicial quanto da autofalência, isto é, da falência requerida pelo

empresário individual ou pela sociedade empresária.

É certo que nas demais falências a classificação inicial dos credores

também deve ser apresentada pelo empresário individual ou pela sociedade

285

285

empresária, mas posteriormente, no prazo de cinco dias após a intimação da

decretação da quebra (art. 99, inciso III).

2.5. Primeiro edital

Se admitir o processamento da recuperação judicial, o juiz determina a

publicação do primeiro edital no Diário da Justiça, com a relação nominal de

credores e a classificação inicial dos créditos previstas no inciso III do art. 51 (art.

52, § 1º, inciso II). Não basta, entretanto, a publicação do edital com a relação no

Diário da Justiça; à vista da Lei 11.101/2005, o administrador judicial deve enviar

correspondência a cada um dos credores constantes da relação nominal, com a

comunicação da classificação inicial dos créditos (art. 22, inciso I, alínea ―a‖).

Mutatis mutandis, o mesmo procedimento tem lugar na falência e na

autofalência, tendo em vista o disposto nos arts. 22, inciso I, letra ―a‖, 99, inciso III

e parágrafo único, e 105, inciso II, todos da Lei nº 11.101/2005.

2.6. Prazo de quinze dias para habilitações e divergências

Como consequência da publicação do primeiro edital com a relação nominal

dos credores e a classificação inicial dos créditos709, há o início do prazo de

quinze dias para que os credores e demais interessados710 apresentem as

respectivas divergências e habilitações711.

2.7. Diferença entre divergência e habilitação

Os institutos da divergência e da habilitação não se confundem: a

divergência versa sobre créditos já relacionados na classificação inicial, enquanto

a habilitação veicula créditos não relacionados na classificação inicial (art. 7º, §

1º).

709

Cf. arts. 52, § 1º, inciso II, e 99, incisos III e IV, e parágrafo único, ambos da Lei nº 11.101/2005. 710

Por exemplo, credores não relacionados na classificação inicial. 711

Cf. arts. 7º, § 1º, e 52, § 1º, inciso III, primeira parte, ambos da Lei nº 11.101/2005.

286

286

Outra diferença importante reside na consequência jurídica da ausência de

habilitação e da inexistência de divergência na quinzena legal: a ausência de

habilitação de créditos não ocasiona a preclusão, em razão da inexistência de

intimação pessoal ao requerente, porquanto o mesmo não integra a relação

nominal de credores que acompanha a petição inicial. Há o recebimento de

habilitação retardatária como impugnação, a fim de que seja julgado o pedido de

inclusão do crédito do até então terceiro em relação ao processo (art. 10, § 5º). O

mesmo raciocínio não tem aplicação ao credor que deixa de apresentar

divergência na quinzena legal, porquanto o credor foi intimado por

correspondência enviada pelo administrador judicial (art. 22, inciso I, letra ―a‖). Daí

a impossibilidade da aplicação do art. 10, § 5º, em prol do credor omisso:

dormientibus non succurrit ius.

2.8. Forma da habilitação e da divergência

As habilitações de crédito devem ser veiculadas na quinzena legal mediante

requerimento endereçado ao administrador judicial, com a indicação do nome e do

endereço do credor, bem assim do endereço em que o credor deseja ser intimado

dos atos do processo (arts. 7º, § 1º, e 9º, caput e inciso I, todos da Lei nº

11.101/2005).

O requerimento de habilitação também deve conter o valor, a origem do

crédito e a respectiva classificação. O requerimento também deve ser instruído

com os documentos comprobatórios do crédito, sem prejuízo da produção de

outras provas para a demonstração do crédito (art. 9º, incisos II e III, da Lei nº

11.101/2005).

Em regra, a habilitação deve ser instruída com os documentos e títulos

originais, salvo se estiverem em autos de outro processo, hipótese na qual é

permitida a apresentação de fotocópia autenticada (art. 9º, parágrafo único, da Lei

nº 11.101/2005).

287

287

Na eventualidade da existência de crédito com garantia, o credor também

deve apresentar o instrumento da garantia, com a petição de habilitação (art. 9º,

incisos IV e V, da Lei nº 11.101/2005).

Vale ressaltar que a petição de habilitação não precisa ser subscrita por

advogado; o próprio credor pode subscrever o requerimento de habilitação, em

virtude da interpretação extraída do art. 9º da Lei nº 11.101/2005712. Só haverá

necessidade de contratação de advogado se o pedido de habilitação for indeferido

pelo administrador judicial e o credor desejar impugnar a relação de credores. É

que a impugnação tem natureza jurídica de incidente processual da competência

do juiz do processo de recuperação ou de falência, o que explica a necessidade

de representação do credor mediante advogado713. Com maior razão, também é

imprescindível a representação por advogado na eventualidade de interposição de

recurso de agravo de instrumento contra a decisão judicial denegatória

impugnação.

Mutatis mutandis, o art. 9º também é aplicável por analogia às eventuais

divergências dos credores já relacionados, salvo em relação às informações já

existentes nos autos do processo de recuperação judicial ou de falência714, as

quais não precisam ser reiteradas no requerimento de divergência.

712

De acordo, na doutrina: ―2. No sistema anterior, e a partir do exame conjunto dos arts. 31 e 82 daquela lei, a jurisprudência pacificou-se no sentido de ser desnecessária a contratação de advogado, para a habilitação de crédito. No sistema da nova lei, não há necessidade de que o credor se valha de advogado para habilitar-se, podendo ele mesmo, credor, assinar a petição e indicar o melhor meio de ser mantido informado do andamento do processo, até porque a habilitação se inicia extrajudicialmente.‖ (Manoel Justino Bezerra Filho. Nova lei de recuperação e falências comentada. 3ª ed., Revista dos Tribunais, p. 71). Com igual opinião, na doutrina: ―Publicado o edital, os credores terão o prazo de 15 dias para manifestar, perante o administrador judicial, divergências quanto o seu conteúdo ou requerer a habilitação de algum crédito ausente (art. 7º, § 1º). Nas ‗divergências‘ os credores podem, por exemplo, contestar a presença de outros credores na lista, o valor atribuído a um crédito, a classificação a ele dada etc. Nos termos do art. 7º, caput, da lei, caberá ao administrador decidir a respeito do que tiver sido requerido. Nesse momento, o procedimento não está sujeito ao crivo do juiz, de modo que não é necessário que o credor se manifeste por meio de advogado.‖ (Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios Gonçalves e Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito falimentar. 5ª ed., 2012, p. 31 e 32). 713

Assim, na doutrina: ―Apresentada a impugnação, deverá ela ser autuada em separado, como incidente processual, para não tumultuar o andamento da ação principal. Como se trata de procedimento submetido ao crivo judicial, deve ser feito por meio de advogado.‖ (Maria Gabriela Venturoti Perrotta Rios Gonçalves e Victor Eduardo Rios Gonçalves. Direito falimentar. 5ª ed., 2012, p. 32). 714

Por exemplo, nome e endereço do credor.

288

288

Por fim, tanto as habilitações quanto as divergências devem ser juntadas

aos próprios autos principais do processo de recuperação judicial ou de falência,

conforme o caso.

2.9. Elaboração da relação de credores pelo administrador judicial

Decorrido o prazo de quinze dias para as divergências e as habilitações, o

administrador judicial realiza a verificação dos créditos715, com a consideração da

classificação inicial e dos respectivos documentos que acompanharam a petição

inicial, bem assim das divergências e das habilitações apresentadas pelos

credores e interessados. À vista das informações e documentos já existentes nos

autos e das supervenientes divergências e habilitações dos credores e

interessados, portanto, o administrador judicial elabora a relação de credores, com

a respectiva classificação dos créditos, dentro de quarenta e cinco dias do término

da quinzena destinada às habilitações e divergências716.

2.10. Segundo edital

Dentro dos mesmos quarenta e cinco dias do término da quinzena

destinada às habilitações e divergências, o administrador judicial também deve

providenciar a publicação do segundo edital no Diário da Justiça, com a relação de

credores e a respectiva classificação. O edital deve conter o local, o horário e o

prazo comum para que o Ministério Público, o Comitê, os credores, o empresário

individual ou os sócios da sociedade empresária tenham acesso e conhecimento

dos documentos à vista dos quais o administrador judicial realizou a verificação

dos créditos e elaborou a relação de credores, com a respectiva classificação dos

créditos (art. 7º, § 2º).

2.11. Prazo de dez dias para impugnações contra a relação de credores

715

Cf. art. 7º, caput, da Lei nº 11.101/2005. 716

Cf. arts. 7º, §§ 1º e 2º, e 22, inciso I, alínea ‖e‖, da Lei nº 11.101/2005.

289

289

Publicado o edital com a relação de credores, o Ministério Público, o

Comitê, os credores e o empresário individual ou os sócios da sociedade

empresária têm dez dias para a apresentarem as respectivas impugnações contra

a relação elaborada pelo administrador judicial (art. 8º, caput).

2.12. Ausência de impugnação e homologação da relação de credores pelo

juiz

Decorrido in albis o decêndio legal para impugnação da relação de

credores, o juiz profere decisão homologatória, quando aquela relação é

homologada já na qualidade de Quadro-Geral de Credores (art. 14).

2.13. Apresentação de impugnação

Apresentada alguma impugnação no decêndio legal, deve ser autuada em

separado (art. 8º, parágrafo único). Na eventualidade da veiculação de mais de

uma impugnação sobre o mesmo crédito, as impugnações devem ser autuadas

em conjunto, mas também em apenso (art. 13, parágrafo único).

As impugnações devem ser oferecidas mediante petição endereçada ao

mesmo juízo do processo, com fundamentação na ausência de algum crédito, na

ilegitimidade, no excesso, na insuficiência ou na irregularidade da ordem de

classificação de crédito relacionado (art. 8º).

Além de fundamentadas, as petições devem ser instruídas com os

documentos comprobatórios das respectivas impugnações, sem prejuízo da

possibilidade da produção de outras provas (art. 13).

2.14. Habilitação retardatária convertida em impugnação

A habilitação de crédito retardatária, isto é, apresentada depois do prazo de

quinze dias da publicação do primeiro edital (art. 7º, § 1º), é recebida e

290

290

processada como se impugnação fosse, desde que tenha sido veiculada antes da

homologação do Quadro-Geral de Credores (art. 10, § 5º)717.

2.15. Intimação dos credores para contestação das impugnações

Os credores com créditos impugnados são intimados e têm cinco dias para

contestarem as impugnações (art. 11). As contestações podem ser instruídas com

os documentos que os credores considerarem relevantes para a comprovação dos

respectivos créditos, sem prejuízo do requerimento de produção de outras provas.

As contestações devem ser juntadas aos autos separados das respectivas

impugnações.

2.16. Intimação do empresário, da sociedade empresária e do Comitê

Em seguida, são intimados o empresário individual ou a sociedade

empresária, conforme o caso, bem assim o Comitê, se constituído, para

manifestação no prazo comum718 de cinco dias (art. 12).

2.17. Parecer do administrador

Depois da intimação do empresário, da sociedade empresária e do Comitê,

há a intimação do administrador judicial, para emitir parecer circunstanciado no

prazo de cinco dias (art. 12, parágrafo único).

2.18. Última fase do processamento das impugnações

Após o parecer do administrador judicial, os autos das impugnações sobem

conclusos ao juiz, para a fixação dos pontos controvertidos e a determinação da

717

De acordo, na jurisprudência: ―O credor deverá observar os requisitos do art. 9º para proceder a sua habilitação e aquelas consideradas retardatárias, se apresentadas antes da homologação do quadro-geral de credores, serão recebidas como impugnação e processadas na forma dos artigos 13 a 15 daquela Lei.‖ (Agravo nº 1.0148.09.068089-0/001, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 5 de abril de 2011). 718

Vale dizer, todos os intimados têm o mesmo prazo, em conjunto, simultaneamente, e não sucessivamente.

291

291

produção de provas adicionais. Na mesma oportunidade, o juiz também deve

designar a audiência de instrução e julgamento. Na eventualidade, todavia, de

instrução já suficiente, o juiz pode julgar desde logo as impugnações (art. 15).

2.19. Decisão interlocutória agravável

No que tange à natureza do pronunciamento por meio do qual o juiz resolve

as impugnações contra a relação dos credores elaborada pelo administrador

judicial, o parágrafo único do art. 18 da Lei nº 11.101/2005 conduz o intérprete em

falsa pista em razão do termo ―sentença‖, in verbis: ―sentença que houver julgado

as impugnações‖719. À vista do preceito legal, poder-se-ia imaginar que o

pronunciamento tem natureza sentencial. Não obstante, trata-se de verdadeira

decisão interlocutória, porquanto há a resolução de mero incidente processual.

Com efeito, a interpretação sistemática dos arts. 17, 18 e 189 da Lei nº

11.101/2005, combinados com o art. 162, §§ 1º e 2º, do Código de Processo Civil,

conduz ao raciocínio segundo o qual o pronunciamento não é sentença, mas, sim,

decisão interlocutória.

Por conseguinte, a decisão interlocutória é impugnável mediante agravo de

instrumento, como bem revela o art. 17 da Lei nº 11.101/2005. É o recurso cabível

na hipótese sub examine. O agravo de instrumento deve ser interposto no prazo

de dez dias, por meio de petição endereçada ao tribunal de justiça competente,

tendo em vista a combinação dos arts. 522, 524 e 525 do Código de Processo

Civil com o art. 189 da Lei nº 11.101/2005.

Em suma, à vista dos arts. 17, 18 e 189 da Lei nº 11.101/2005, o

pronunciamento por meio do qual o juiz resolve impugnação é decisão

719

Com igual crítica à terminologia empregada na parte final do parágrafo único do art. 18 da Lei nº 11.101/2005, na doutrina: ―Aqui o legislador, além de cair em contradição, acabou por cometer grave equívoco técnico, pois, embora tenha reconhecido a natureza jurídica da decisão que acolhe ou rejeita os incidentes de impugnação, habilitação ou reserva de créditos como decisão interlocutória, tanto que indicou o manejo de recurso de agravo de instrumento, acabou por denominá-la, indevidamente, de sentença, na parte final do parágrafo único.‖ (Luiz Guerra. Falências e recuperações de empresas. Volume I, 2011, p. 471, sem o grifo no original).

292

292

interlocutória agravável720 – e não sentença agravável721, muito menos sentença

apelável.

2.20. Consolidação do quadro-geral de credores pelo administrador

Proferidas todas as decisões acerca das impugnações aviadas contra a

Relação dos Credores elaborada pelo administrador judicial, cabe ao mesmo

consolidar o quadro-geral de credores, com a consideração daquela relação e das

decisões prolatadas pelo juiz ao julgar as impugnações (art. 18, caput).

720

De acordo com a opinião defendida no presente compêndio, na jurisprudência: ―APELAÇÃO CÍVEL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO RETARDATÁRIA. IMPUGNAÇÃO. DECISÃO JUDICIAL. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. O recurso cabível contra decisão judicial que julga habilitação retardatária em sede de recuperação judicial de empresas é o agravo de instrumento, forte nas disposições do art. 10, § 5º, c/c art. 17, ambos da Lei nº 11.101/05, de 09 de fevereiro de 2005. Precedentes da Corte. 2. Constitui erro grosseiro a interposição de recurso de apelação quando cabível agravo de instrumento, razão pela qual incabível ao caso sub judice o princípio da fungibilidade recursal. RECURSO NÃO CONHECIDO. UNÂNIME.‖ (Apelação nº 70028841872, 5ª Câmara Cível do TJRS, julgamento em 31 de março de 2010). Em abono, na jurisprudência: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO – HABILITAÇÃO DE CRÉDITO RETARDATÁRIA AJUIZADA ANTES DA HOMOLOGAÇÃO DO QUADRO-GERAL DE CREDORES – MANEJO DO RECURSO DE APELAÇÃO – RECURSO MANIFESTAMENTE INCABÍVEL – NEGATIVA DE SEGUIMENTO – DECISÃO QUE DESAFIA AGRAVO DE INSTRUMENTO SEGUNDO O ART. 17 C/C § 5º DO ART. 10 DA LEI 11.101/2005 – ERRO GROSSEIRO – PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE – INAPLICABILIDADE. – O agravo de instrumento é o recurso cabível contra decisão proferida em habilitação retardatária de crédito apresentada antes da homologação do quadro-geral de credores, por se tratar de impugnação, conforme dispõe o art. 17 e o § 5º do art. 10 da Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005).‖ (Apelação nº 1.0024.09.644879-0/001, 6ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 17 de fevereiro de 2012). Também no mesmo diapasão, ainda na jurisprudência: ―FALÊNCIA - HABILITAÇÃO DE CRÉDITO - DECISÃO - RECURSO - AGRAVO DE INSTRUMENTO. Das decisões proferidas em habilitação de crédito falimentar, o recurso cabível é o agravo, em correta aplicação do art. 17 da Lei nº 11.101/2005.‖ (Apelação nº 1.0024.08.072473-5/001, 4ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 25 de agosto de 2009). No último precedente, o recurso de apelação não foi conhecido, pelos seguintes fundamentos veiculados no voto do desembargador-relator: ―Primeiramente, suscito de ofício, preliminar de não conhecimento do feito, por inadequabilidade da via eleita. Reza o art. 17 da nova Lei de Falência nº 11.101/2005, que; ‗da decisão judicial sobre a impugnação caberá agravo. Recebido o agravo, o relator poderá conceder efeito suspensivo à decisão que reconhece o crédito ou determinar a inscrição ou modificação do seu valor ou classificação no quadro-geral de credores, para fins de exercício de direito de voto em assembléia-geral‘. A lei atual modificou o sistema recursal. O art. 97 da lei anterior, na verdade estabelecia um sistema confuso, fixava o cabimento do recurso de apelação contra a sentença que julgava o crédito impugnado, determinando, porém, que o prazo para o recurso fosse contado do dia em que viesse a ser publicado o quadro-geral de credores, o que poderia ocorrer anos depois da prolação da sentença. Entretanto, o art. 17, de forma objetiva, estabelece o cabimento do recurso de agravo, sendo que o prazo será contado da forma normal estabelecida no art. 522 do Código de Processo Civil. É certo, que o art. 18, em seu parágrafo único, fala expressamente em ‗sentença‘, todavia, em análise da natureza jurídica da decisão que examina a habilitação de crédito, não se pode concebê-la como terminativa ou mesmo extintiva, que põe fim ao processo falimentar. Ante o exposto, não conheço do recurso.‖ (sem os grifos no original). 721

Contra a opinião defendida no presente compêndio, autorizada doutrina sustenta a respeitável tese da natureza sentencial do pronunciamento, ainda que passível de recurso de agravo: ―Contra a sentença proferida na impugnação de crédito cabe agravo.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 343, sem os grifos no original). ―Da sentença que versar sobre verificação de crédito caberá agravo,‖ (Waldo Fazzio Júnior. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 3ª ed., p. 87, sem os grifos no original).

293

293

Por oportuno, vale ressaltar que o quadro-geral de credores deve conter o

montante e a classificação de cada crédito (art. 18, parágrafo único).

2.21. Homologação do quadro-geral pelo juiz

Em seguida, o juiz homologa o quadro-geral de credores consolidado pelo

administrador judicial e juntado aos autos do processo, bem assim determina a

imediata publicação do inteiro teor do quadro-geral no Diário da Justiça eletrônico

(art. 18, caput e parágrafo único).

O pronunciamento homologatório do quadro-geral de credores também tem

natureza de decisão interlocutória. A propósito, enquanto a decisão sobre o

incidente de impugnação é proferida nos respectivos autos separados, a decisão

homologatória do quadro-geral de credores é prolatada nos próprios autos do

processo de recuperação judicial ou de falência, conforme o caso, com a posterior

publicação (art. 18, parágrafo único).

2.22. Ação anulatória

Decorrido o prazo de dez dias para interposição de agravo de instrumento

contra a decisão interlocutória, a homologação não poderá mais ser discutida no

processo de recuperação judicial nem no processo falimentar, conforme o caso.

Há, todavia, a possibilidade do ajuizamento de ação anulatória sob o

procedimento ordinário perante juiz de primeiro grau, consoante a combinação dos

arts. 19 e 189 da Lei nº 11.101/2005, com os arts. 352, inciso II, e 486, ambos do

Código de Processo Civil. Com efeito, a ação prevista no art. 19 da Lei nº 11.101

não é a rescisória722 do art. 485 do Código de Processo Civil, mas, sim, a

722

Não obstante, autorizada doutrina ensina que a ação prevista no art. 19 é ―rescisória‖, ou seja, ―ação de rescisão‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 344). Ainda que muito respeitável a denominação sugerida pela melhor doutrina, a ação sub examine não tem

ligação com a ação rescisória do art. 485 do Código de Processo Civil, mas, sim, com a ação anulatória do art. 486. Daí a opção pela segunda denominação: ação anulatória. A respeito das diferenças entre a ação rescisória e a ação anulatória: Bernardo Pimentel Souza. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 8ª ed., 2011.

294

294

anulatória do art. 486, porquanto tem como alvo a decisão homologatória do

Quadro-Geral de Credores do art. 18.

Em regra, a ação anulatória deve ser proposta perante o juízo do processo

de recuperação judicial ou de falência, conforme o caso, salvo quando o crédito for

de natureza trabalhista ou proveniente de ação por quantia ilíquida, hipóteses nas

quais a ação anulatória deve ser proposta no juízo de origem (art. 19, § 1º).

Quanto aos legitimados, a ação anulatória pode ser ajuizada pelo Ministério

Público, pelo administrador judicial, pelo Comitê e também por qualquer credor,

até o encerramento do processo de recuperação judicial ou da falência, conforme

o caso, tudo à luz dos arts. 19, 63 e 156.

A ação anulatória tem como escopo a exclusão, outra classificação ou a

retificação de qualquer crédito, em razão da descoberta de falsidade, dolo,

simulação, fraude, erro essencial, bem assim de documentos ignorados no

momento do julgamento do crédito ou da respectiva inclusão no Quadro-Geral de

Credores.

Proposta a ação anulatória, o titular do crédito questionado somente pode

levantar o pagamento da respectiva importância mediante caução no mesmo valor

(art. 19, § 2º).

2.23. Ação de retificação do quadro-geral de credores

O crédito não habilitado até a homologação judicial do Quadro-Geral de

credores só pode ser pleiteado mediante ação própria, intitulada ação de

retificação, também sob o procedimento ordinário previsto no Código de Processo

Civil, a ser proposta perante o mesmo juízo da recuperação judicial ou da falência,

conforme o caso, a fim de que seja retificado o quadro-geral de credores, com a

inclusão do crédito não habilitado, tudo consoante o disposto no art. 10, § 6º, da

Lei nº 11.101/2005.

3. Assembleia-Geral de Credores

295

295

3.1. Conceito

A Assembleia-Geral é o órgão coletivo de constituição obrigatória723 que

congrega todos os credores classificados nos processos de recuperação judicial e

de falência.

3.2. Atribuições

A Assembleia-Geral de Credores tem várias atribuições tanto no processo

de recuperação judicial quanto no processo falimentar.

No que tange ao processo de recuperação judicial, compete à Assembleia-

Geral (art. 35, inciso I):

— deliberar sobre a aprovação, a rejeição e até sobre a modificação do

Plano de Recuperação Judicial apresentado pelo empresário individual

ou pela sociedade empresária (art. 35, inciso I, alínea ―a‖, combinado

com o art. 53, caput). A deliberação sobre do Plano de Recuperação

ocorre em cada uma das classes de credores arroladas no art. 41 da Lei

nº 11.101/2005, com a observância do quorum qualificado previsto no

art. 45 da mesma lei.

— deliberar sobre a conveniência da existência do Comitê de Credores e,

se aprovada a constituição, escolher os respectivos membros, bem

assim os eventuais substitutos (art. 35, inciso I, letra ―b‖), sempre em

votação separada em cada classe (art. 44).

— deliberar sobre o pedido de desistência da recuperação judicial após a

decisão concessiva do processamento (art. 35, inciso I, alínea ―d‖,

combinado com o art. 52, § 4º). Com efeito, proposta a ação de

recuperação judicial e deferido o respectivo processamento pelo juiz,

não é admissível a desistência pelo empresário individual ou sociedade

723

Assim, na doutrina: ―Como se percebe, as mais relevantes questões relacionadas ao processo de recuperação judicial inserem-se na esfera de competência da Assembleia dos Credores. Simplesmente não tramita a recuperação judicial sem a atuação desse colegiado.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. 7ª ed., 2007, p. 393).

296

296

empresária, ressalvada a hipótese de a Assembleia-Geral de Credores

aprovar a desistência.

— deliberar sobre o nome do gestor judicial, na eventualidade do

excepcional afastamento do empresário individual ou do administrador

da sociedade empresária da direção da respectiva atividade empresarial

(arts. 35, inciso I, letra ―e‖, 64 e 65).

— deliberar sobre qualquer outra matéria que possa afetar os interesses

dos credores, por ser a Assembleia-Geral o órgão representativo dos

credores na recuperação judicial (art. 35, inciso I, alínea ―f‖).

Por fim, em razão do veto presidencial que atingiu a alínea ―c‖ do inciso I do

art. 35 do Projeto da Lei nº 11.101/2005, a Assembleia-Geral de Credores não tem

competência para deliberar sobre a substituição do administrador judicial nomeado

pelo juiz. Tanto a nomeação quanto a substituição do administrador judicial são da

competência exclusiva do juiz. É certo, todavia, que os credores em geral e o

Comitê de Credores podem requerer a substituição do administrador judicial (art.

30, § 2º), mas a decisão cabe ao juiz, e não à Assembleia-Geral de Credores,

muito menos ao Comitê de Credores.

3.3. Competência para convocar e legitimidade para requerer a convocação

da Assembleia-Geral

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, só o juiz do processo tem

competência para convocar a Assembleia-Geral de Credores (art. 36, caput). O

juiz pode efetuar a convocação de ofício (por exemplo, nas hipóteses dos arts. 56

e 65) ou em virtude de requerimento dos legitimados (por exemplo, nas hipóteses

dos arts. 22, inciso I, alínea ―g‖, 27, inciso I, letra ―e‖, e 36, § 2º).

Com efeito, o administrador judicial, o eventual Comitê e os credores com

pelo menos vinte e cinco por cento dos créditos de alguma classe têm legitimidade

para requerer a convocação da Assembleia-Geral ao juiz, mas não para convocar

297

297

desde logo a Assembleia-Geral, porquanto a convocação é atribuição exclusiva do

juiz do processo (art. 36, caput).

3.4. Classes de credores na Assembleia-Geral

Em regra, as deliberações assembleares são feitas em plenário, sem a

separação dos votos em classes, com a consideração apenas da proporção do

valor do crédito de cada credor presente (arts. 38, caput, primeira parte, e 42,

primeira parte). A regra, todavia, comporta exceções, nas quais há votações

separadas em diferentes classes de credores.

Para a aprovação e qualquer outra deliberação acerca do Plano de

Recuperação Judicial (art. 45), os credores são divididos nas três classes

previstas no art. 41: titulares de créditos trabalhistas em geral, incluídos os

decorrentes de acidentes de trabalho, independentemente do valor dos

respectivos créditos (art. 41, inciso I e § 1º); titulares de créditos com garantia real,

os quais, todavia, votam na presente classe até o limite do valor do bem gravado,

quando passam a votar na classe subsequente, em relação aos créditos

remanescentes (art. 41, inciso II e § 2º); e titulares de créditos quirografários,

subordinados, com privilégio especial, com privilégio geral, bem assim os com

garantia real, mas apenas em relação aos créditos superiores ao valor do bem

gravado (art. 41, inciso III e § 2º).

No que diz respeito à aprovação da constituição do Comitê de Credores e a

escolha dos respectivos membros, os credores também são separados em

classes (arts. 42, segunda parte, e 44), mas com outra composição. Com efeito,

no que tange às deliberações referentes ao Comitê, os credores são distribuídos

nas classes arroladas no art. 26: titulares dos créditos trabalhistas em geral (art.

26, inciso I); titulares dos créditos com garantia real e privilégios especiais (arts.

26, inciso II, e 83, incisos II e IV, da Lei nº 11.101/2005, arts. 964 e 1.149 do

Código Civil, e Decreto-lei nº 167, de 1967); e titulares dos créditos quirografários

e com privilégios gerais (arts. 26, inciso III, e art. 83, incisos V e VI, da Lei nº

11.101/2005, e art. 965 do Código Civil).

298

298

Por fim, as demais deliberações da Assembleia-Geral relativas ao processo

de recuperação judicial são tomadas em plenário724, com a observância do

disposto no proêmio do caput do art. 38 e na primeira parte do art. 42.

3.5. Convocação e instalação da Assembleia-Geral

Se o juiz do processo constatar a necessidade da oitiva da Assembleia-

Geral725 ou for apresentado requerimento de convocação pelo administrador

judicial, pelo Comitê ou pelos credores que representam ao menos vinte e cinco

por cento dos créditos de alguma das classes do art. 41, há a convocação da

Assembleia-Geral pelo juiz.

Com efeito, a convocação é sempre feita pelo juiz, mediante a publicação

de edital no órgão oficial de imprensa e em jornais de grande circulação nas

localidades do estabelecimento empresarial principal e das eventuais filiais (art.

36). Além da publicação do edital, fotocópias do aviso de convocação também

devem ser afixadas de forma ostensiva tanto no estabelecimento empresarial

principal quanto nas eventuais filiais (art. 36, § 1º).

O edital deve ser publicado com pelo menos quinze dias de antecedência

da data designada para a Assembleia-Geral, com a indicação do dia, da hora e do

local da reunião, da pauta dos trabalhos, com a respectiva ordem do dia, além do

local no qual os credores podem ter prévio acesso ao Plano de Recuperação

Judicial a ser submetido à deliberação da assembleia, se a reunião for versar

sobre a aprovação ou a rejeição do Plano (art. 36, incisos I, II e III).

Para a instalação da Assembleia-Geral em primeira convocação há a

necessidade da presença de credores titulares de mais da metade dos créditos de

cada uma das três classes previstas no art. 41 (art. 37, § 2º). A apuração é

realizada com a consideração dos valores dos créditos pendentes, e não pelo

número de credores presentes. A regra consagrada no caput do art. 38 revela que

724

De acordo, na doutrina: ―Sempre que a matéria não disser respeito à constituição do Comitê ou não se tratar do plano de reorganização, cabe a deliberação ao plenário.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 397). 725

Por exemplo, nas hipóteses dos arts. 56 e 65 da Lei nº 11.101, de 2005.

299

299

os créditos (e não os credores) é que são considerados tanto na apuração do

quorum para a instalação dos trabalhos quanto nas deliberações em geral726.

Na eventualidade de ausência do quorum previsto no § 2º do art. 37 para a

instalação da assembleia na primeira convocação, ocorre a instalação da

assembleia em segunda convocação, a qual só pode ser realizada em prazo igual

ou superior a cinco dias da primeira convocação (art. 36, inciso I). Ao contrário da

primeira convocação, não há fixação de quorum mínimo para a realização da

Assembleia-Geral em segunda convocação, conforme revela o art. 37, § 2º, in

fine: ―em 2ª (segunda) convocação, com qualquer número‖.

Resta saber se o juiz deve determinar a publicação de novo edital destinado

à segunda convocação ou se a data da segunda convocação deve ser fixada no

primeiro edital, já com a observância do prazo mínimo de cinco dias da primeira

convocação. Autorizada doutrina727 sustenta a tese consubstanciada na

publicação de novo edital para a segunda convocação. Ainda que muito

respeitável o entendimento favorável à publicação de novo edital específico para a

segunda convocação, o comando do art. 36 permite a conclusão de que há a

publicação de apenas um ―edital‖, já com as datas tanto da primeira convocação

quanto da segunda convocação, e com a observância do lapso mínimo de cinco

dias entre as duas datas. A conclusão extraída da literalidade do caput do art. 36

(―edital‖) é reforçada pelos princípios processuais da economia e da celeridade,

consagrados no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal, e no art. 75,

parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005. Por tudo, o edital (frise-se, único!) deve

conter as duas datas para a primeira e a segunda convocações, com a

observância do prazo mínimo exigido pelo inciso I do art. 36.

3.6. Despesas com as convocações e com a realização da Assembleia-

Geral

726

Há, todavia, a exceção prevista no § 2º do art. 45 da Lei nº 11.101, de 2005, ressalvada no próprio art. 38. 727

―Caso não seja alcançado ou mesmo se a Assembleia não se realizar por qualquer outra razão, o anúncio da segunda convocação deverá ser publicado com a antecedência mínima de 5 dias da data programada para a realização da reunião.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. 7ª ed., 2007, p. 393).

300

300

Em regra, as despesas com as convocações e com a realização das

assembleias correm por conta do empresário individual ou da sociedade

empresária em recuperação judicial ou já em falência, conforme o caso. Em duas

hipóteses, entretanto, as despesas são pagas pelos credores. Com efeito, quando

o requerimento de convocação parte do Comitê (arts. 27, inciso I, alínea ―e‖, e 36,

§ 3º) ou de credores que representam pelo menos vinte e cinco por cento dos

créditos de alguma classe (arts. 36, §§ 2º e 3º, e 41), as despesas com a

convocação são pagas pelos próprios credores.

3.7. Presidência da Assembleia-Geral

Em regra, cabe ao administrador judicial exercer a presidência da

Assembleia-Geral de Credores (art. 37). Não obstante, quando a deliberação

assemblear versar sobre alguma matéria em relação à qual há incompatibilidade

com a presidência do administrador judicial, o titular do maior crédito assume a

presidência da Assembleia-Geral (art. 37, § 1º).

É certo que a principal hipótese de incompatibilidade do administrador

judicial (qual seja, a deliberação sobre a substituição do administrador judicial) não

subsistiu à sanção presidencial, conforme revela o veto oposto pelo Presidente da

República à alínea ―c‖ do inciso I e à letra ―a‖ do inciso II do art. 35 da Lei nº

11.101, de 2005. Não obstante, ainda há possibilidade de incompatibilidade entre

o exercício da presidência da assembleia pelo administrador judicial à vista de

alguma matéria sob deliberação assemblear. Imagine-se, por exemplo, que o

nome do administrador tenha sido incluído em lista tríplice apresentada pelos

credores para discussão, votação e eleição do gestor judicial. Na hipótese, a

presidência da assembleia deve ser exercida pelo credor titular do maior crédito.

3.8. Lista de presença

Em regra, só pode participar da assembleia, com direito de voz e voto, o

credor cujo nome constar da lista de presença elaborada à luz da última

301

301

classificação vigente na data da reunião (arts. 37, § 3º, e 39, caput, proêmio). Com

efeito, há três classificações ao longo do processo de recuperação judicial e

também no processo falimentar: 1ª) a classificação que acompanha a petição

inicial (art. 51, inciso III, e art. 105, inciso II); 2ª) a classificação do administrador

judicial consubstanciada na Relação de Credores (art. 7º, § 2º); 3ª) a classificação

consolidada no Quadro-Geral de Credores (art. 18). Por conseguinte, a lista de

presença para a assembleia depende da última classificação vigente, conforme a

fase processual na qual se encontra a recuperação judicial ou a falência, no

momento da realização da assembleia (arts. 37, § 3º, e 39, caput, proêmio).

Além dos credores incluídos na classificação vigente no momento da

assembleia, também as pessoas com habilitações sub iudice na data da

realização da assembleia e as beneficiadas por decisão judicial têm direito de voz

e voto na Assembleia-Geral (art. 17, parágrafo único, e 39, caput).

Para participar das deliberações assembleares com direito de voz e de

voto, o credor deve assinar a lista de presença, a qual será encerrada no

momento da instalação da respectiva assembleia (art. 37, § 3º).

Por fim, na eventualidade de posterior alteração da classificação dos

créditos, as deliberações da Assembleia-Geral já tomadas à luz da classificação

vigente na data da reunião não podem ser invalidadas por posterior decisão

judicial (art. 39, § 2º)728.

3.9. Interpretação sistemática dos arts. 17, parágrafo único, e 40 da Lei nº

11.101/2005

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não há contradição entre

o disposto no parágrafo único do art. 17 e o teor do art. 40, ambos da Lei nº

11.101/2005. Enquanto o último preceito (art. 40) veda a prolação de decisão

728

Assim, na doutrina: ―Note-se de nenhuma deliberação da assembleia geral será invalidada caso uma decisão judicial posterior venha a desconstituir, reduzir o valor ou reclassificar qualquer dos créditos que serviram de base para o cálculo dos quóruns de instalação ou deliberação. Se tais decisões pudessem interferir no resultado de assembleias passadas, o processo de recuperação judicial estaria exposto a significativos entraves.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. 7ª ed., 2007, p. 397).

302

302

judicial para suspender a realização e para adiar a assembleia em razão de

discussão sobre a classificação dos créditos, aquele dispositivo (art. 17) permite a

prolação de decisão judicial apenas para impedir ou para garantir a efetiva

participação de algum credor na assembleia, conforme o caso. Ainda que de

forma implícita, o art. 17 confirma o disposto no art. 40: ambos revelam que a

assembleia não deve ser suspensa nem adiada; mas é possível a concessão de

tutela jurisdicional para impedir ou garantir a participação de algum credor na

assembleia, a qual, todavia, deve ser realizada na data designada pelo juiz.

3.10. Admissibilidade da representação de credor por procurador

O credor pode ser representado por procurador constituído para atuar em

seu nome durante a assembleia. A representação do credor mediante procurador,

entretanto, depende da apresentação do respectivo instrumento de mandato ou da

indicação das folhas dos autos do respectivo processo, até vinte e quatro horas

antes da data designada no edital de convocação da Assembleia-Geral (art. 37, §

4º).

3.11. Deliberações da Assembleia-Geral

Em regra, são aprovadas as propostas que alcançam mais da metade do

valor total dos créditos cujos titulares participam da assembleia, sem a

consideração das respectivas classes. Com efeito, à vista dos arts. 38, caput,

início, e 42, primeira parte, ambos da Lei nº 11.101/2005, todos os credores

presentes participam com votos proporcionais ao valor dos respectivos créditos,

sem a consideração das classes. A regra, todavia, não é absoluta. Há três

hipóteses — previstas nos arts. 44, 45 e 46 — nas quais o critério de votação é de

tal forma diferenciado que pode ser denominado qualificado. Enquanto a primeira

(art. 44) tem lugar nos processos de recuperação judicial e de falência, a segunda

(art. 45) é própria da recuperação judicial, e a última (art. 46) é exclusiva do

processo falimentar.

303

303

A propósito da primeira exceção, a votação sobre a constituição e a

composição do Comitê de Credores não segue o padrão previsto no proêmio do

art. 42. Ao invés da deliberação plenária padrão, a votação é feita em separado,

em cada classe (arts. 26 e 44); e basta a aprovação da constituição em uma

classe para a formação do Comitê de Credores (art. 26).

A segunda exceção diz respeito ao Plano de Recuperação Judicial. As

deliberações sobre o Plano de Recuperação devem ocorrer em cada uma das três

classes previstas no art. 41, ou seja, em separado. Na classe relativa aos créditos

trabalhistas (inciso I), basta a aprovação por maioria simples dos credores

presentes à assembleia, sem a consideração do valor dos respectivos créditos

(art. 45, § 2º). Já nas outras duas classes (incisos II e III), há a necessidade da

aprovação pela maioria simples dos credores presentes à assembleia e que

também representem mais da metade do valor total dos créditos de titulares

presentes (art. 45, § 1º).

Por fim, a terceira exceção reside no processo falimentar. Com efeito, a

adoção de forma alternativa de alienação do ativo da massa falida depende do

voto favorável de dois terços dos créditos presentes à assembleia (arts. 46 e 145).

3.12. Credores impedidos de votar nas deliberações da Assembleia-Geral

Os titulares de créditos excetuados não são considerados para a verificação

do quorum de instalação nem podem participar de deliberação alguma (art. 39, §

1º, combinado com os arts. 49, §§ 3º e 4º, e 86, inciso II).

3.13. Possibilidade de participação do empresário individual e de sócios da

sociedade empresária na Assembleia-Geral

O empresário individual, os sócios da sociedade empresária, as sociedades

coligadas, controladoras, controladas e as que tenham sócio ou acionista com

participação superior a dez por cento do capital social da sociedade empresária

304

304

podem participar da assembleia, mas sem direito de voto e sem a consideração

para a apuração do quorum de instalação e de deliberação (art. 43).

O art. 43 da Lei nº 11.101/2005 está em perfeita harmonia com o art. 5º,

inciso LV, da Constituição Federal, porquanto assegura o empresário individual e

aos sócios da sociedade empresária o contraditório no processo de recuperação

judicial e a ampla defesa no processo falimentar. A ausência do direito de voto é

lógica e jurídica, porquanto a assembleia deve refletir a vontade dos credores, e

não do devedor.

3.14. Credor impedido de votar na deliberação sobre o Plano de

Recuperação

O credor cujo crédito não sofrer alteração alguma no que tange ao valor e

às condições originais de pagamento não participa da votação acerca da

aprovação do Plano de Recuperação. Aliás, nem há a consideração do respectivo

credor para a apuração de quorum (art. 45, § 3º).

3.15. Ata da Assembleia-Geral

Finda a assembleia, é lavrada a respectiva ata, com o relato do ocorrido e

das deliberações. A ata é assinada pelo presidente (em regra, o administrador

judicial), pelo empresário individual ou pelo representante da sociedade

empresária, bem assim por dois representantes de cada uma das classes

votantes. Lançadas as assinaturas, a respectiva ata e a lista de presença devem

ser entregues ao juiz dentro das quarenta e oito horas do término da assembleia,

mediante petição de juntada da ata da assembleia aos autos do processo (art. 37,

§ 7º).

3.16. Rejeição do Plano de Recuperação

305

305

Na eventualidade de o Plano de Recuperação Judicial ter sido rejeitado na

assembleia (art. 56, § 4º), há lugar para a decretação da falência do empresário

individual ou da sociedade empresária mediante decisão judicial de convolação da

recuperação em falência (art. 73, inciso III, combinado com o art. 56, § 4º)729.

Trata-se de decisão interlocutória, razão pela qual é impugnável por meio de

agravo de instrumento (art. 100, primeira parte), em dez dias (art. 189 da Lei nº

11.101/2005, combinado com o art. 522 do Código de Processo Civil), endereçado

ao tribunal de segundo grau competente (art. 524 do Código de Processo Civil).

Com efeito, rejeitado o plano, a regra é a convolação da recuperação

judicial em falência, mas há a excepcional possibilidade de divergência

qualificada, quando o juiz pode conceder a recuperação judicial, a despeito da

rejeição do plano pela Assembleia-Geral (art. 58, § 1º).

4. Comitê de Credores

4.1. Conceito

O Comitê é o órgão de constituição facultativa para a fiscalização e defesa

dos interesses dos credores no processo de recuperação judicial e também de

falência.

4.2. Constituição do Comitê

O Comitê é formado em razão da aprovação de qualquer uma das classes

de credores do art. 26 da Lei nº 11.101/2005. A constituição do Comitê, todavia, é

facultativa; mas basta a votação majoritária favorável em alguma classe de

credores para a instalação do órgão.

4.3. Composição do Comitê

729

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a regra consagrada no § 4º do art. 56 e no inciso III do art. 73 está sujeita à exceção prevista no § 1º do art. 58, consoante reforça o parágrafo posterior do próprio texto principal.

306

306

Em regra, o Comitê tem três membros titulares. Cada titular é escolhido em

conjunto com dois suplentes, para a eventualidade do não-comparecimento ou até

da destituição daquele (art. 31, § 1º). Os representantes titulares e suplentes são

escolhidos pelas respectivas classes de credores, assim divididas para a

indicação dos componentes do Comitê: classe de credores trabalhistas; classe de

credores com direitos reais de garantia e com privilégios especiais; e classe de

credores quirografários e com privilégios gerais.

Por força do art. 44, apenas os respectivos credores podem votar na

escolha dos representantes de cada classe no Comitê. Assim, os credores

trabalhistas têm um representante titular e dois suplentes. Da mesma forma, os

credores com direitos reais de garantia e privilégios especiais escolhem um titular

e dois suplentes. Por fim, os credores quirografários e com privilégios gerais

escolhem um titular e dois suplentes.

4.4. Presidência do Comitê

Os próprios membros do Comitê de Credores escolhem o respectivo

presidente entre si (art. 26, § 3º).

4.5. Comitê com menos de três membros

Embora a regra seja a composição do Comitê com três membros titulares, o

§ 1º do art. 26 autoriza o funcionamento do órgão com número inferior, na

eventualidade da ausência de indicação da respectiva representação por alguma

classe. Aliás, é até mesmo possível o funcionamento do Comitê com a

representação de apenas uma classe de credores.

4.6. Impedidos

O credor que foi membro de Comitê ou administrador judicial nos últimos

cinco anos e foi destituído, deixou de prestar as contas devidas nos prazos legais

307

307

ou teve as contas prestadas rejeitadas não pode integrar o Comitê. Também está

impedido de integrar o Comitê o credor com relação de parentesco até o terceiro

grau ou de afinidade com o empresário individual ou os administradores,

controladores ou representantes legais da sociedade empresária em recuperação

judicial (ou em falência, conforme o caso). Da mesma forma, o credor que tiver

relação de amizade, inimizade ou dependência com qualquer um deles também

não pode integrar o Comitê (art. 30, caput e § 1º, da Lei nº 11.101/2005).

Qualquer credor, o Ministério Público, o empresário individual, bem assim

os administradores, controladores e representantes legais da sociedade

empresária têm legitimidade para suscitar o impedimento de algum membro do

Comitê nomeado em desobediência ao disposto no art. 30 da Lei nº 11.101/2005.

Suscitado o impedimento de algum membro do Comitê, o juiz deve proferir

a respectiva decisão no prazo impróprio de vinte e quatro horas da conclusão dos

autos, com a confirmação da nomeação ou a destituição do nomeado e a

convocação do primeiro suplente escolhido pela mesma classe (arts. 26, § 2º, 31,

§ 1º, e 44, todos da Lei nº 11.101/2005). Da respectiva decisão interlocutória cabe

agravo de instrumento, em dez dias (art. 189 da Lei nº 11.101/2005, combinado

com o art. 522 do Código de Processo Civil).

4.7. Destituição dos membros do Comitê

O juiz pode determinar a destituição dos membros do Comitê mediante

requerimento de qualquer interessado ou até mesmo de ofício, quando verificar

que houve nomeação de credor impedido ou que o membro do Comitê não

cumpre os respectivos deveres, é omisso, negligente ou age de forma lesiva às

atividades do empresário individual, da sociedade empresarial ou contra terceiros

(art. 31 da Lei nº 11.101/2005). Destituído o titular de alguma classe, o juiz

convocará o primeiro suplente para recompor o Comitê (art. 31, § 1º).

4.8. Representação superveniente e substituição da representação

308

308

A classe ainda não representada no Comitê de Credores pode apresentar

requerimento endereçado ao juiz, com a indicação dos respectivos

representantes: tanto o titular quanto os suplentes. O requerimento deve ser

subscrito pelos credores com maioria dos créditos da respectiva classe. À luz do

requerimento com as indicações dos escolhidos, compete ao juiz efetuar a

nomeação dos representantes titular e suplentes, sem a necessidade da oitiva da

Assembleia-Geral (art. 26, § 2º, inciso I, da Lei nº 11.101/2005).

A substituição dos representantes mediante deliberação de cada classe

segue o mesmo procedimento, com a posterior nomeação, pelo juiz, do titular e

dos suplentes substitutos escolhidos pela respectiva classe de credores. Com

efeito, o juiz leva em consideração o requerimento subscrito pelos credores com

maioria dos créditos da classe cuja representação será substituída, no todo ou em

parte (art. 26, § 2º, inciso II).

4.9. Assinatura do termo de compromisso

Nomeados pelo juiz os escolhidos pelas respectivas classes de credores,

os futuros membros do Comitê são desde logo intimados pessoalmente para a

assinatura do termo de compromisso na sede do juízo, dentro das quarenta e oito

horas posteriores à intimação (art. 33). A propósito, o mesmo raciocínio alcança os

membros do Comitê nomeados em substituição, consoante o disposto no inciso II

do § 2º do art. 26.

4.10. Responsabilidade dos membros do Comitê

Assinado o termo do compromisso, os membros do Comitê passam a ser

responsáveis pelos eventuais prejuízos causados ao empresário individual, à

sociedade empresária ou aos credores, em decorrência de atos dolosos e

culposos. A responsabilidade se dá tanto no campo penal quanto no plano cível.

Por conseguinte, na eventualidade de um membro do Comitê não concordar com

alguma deliberação dos demais, deve consignar a divergência em ata, a fim de

309

309

afastar as possíveis responsabilidades pelo ato danoso doloso ou culposo

praticado pelo Comitê (art. 32 da Lei nº 11.101/2005).

4.11. Atribuições do Comitê

O Comitê de Credores tem várias atribuições arroladas no art. 27, além de

outras tantas previstas nos demais preceitos da Lei nº 11.101/2005. Por exemplo,

o art. 8º versa sobre a legitimidade do Comitê para impugnar a Relação de

Credores elaborada pelo administrador judicial. Outro exemplo reside no art. 66:

após a distribuição da petição inicial da recuperação judicial, o empresário

individual ou a sociedade empresária em recuperação judicial não pode alienar ou

onerar bens ou direitos do ativo sem a prévia audiência do Comitê730. Daí a

conclusão: a relação das atribuições do art. 27 não é exaustiva.

Em primeiro lugar, o Comitê de Credores tem várias atribuições de

fiscalização. Com efeito, cabe ao Comitê fiscalizar as atividades e examinar as

contas do administrador judicial (arts. 27, inciso I, alínea ―a‖, e 63, inciso I). Ao

Comitê também compete fiscalizar e elaborar relatórios mensais acerca das

atividades administrativas e mercantis do empresário individual ou da sociedade

empresária (arts. 27, inciso II, letra ―a‖, e 64). Ainda no tocante à fiscalização, cabe

ao Comitê acompanhar a execução do Plano de Recuperação Judicial (arts. 27,

inciso II, alínea ―b‖, 53, caput).

O Comitê também deve zelar pela regularidade do processo, a fim de que

as determinações legais sejam observadas (art. 27, inciso I, letra ―b‖). Tanto que

cabe ao Comitê comunicar ao juiz eventual prejuízo aos interesses dos credores

ou algum desrespeito aos respectivos direitos (art. 27, inciso I, alínea ―c‖). Aliás,

diante de alguma reclamação dirigida ao Comitê, compete ao órgão apurar e

elaborar o respectivo parecer (art. 27, inciso I, letra ―d‖).

730

Ressalvados aqueles bens e direitos em relação aos quais o plano de recuperação aprovado já indica a alienação ou a constituição de ônus (art. 66, in fine).

310

310

Também cabe ao Comitê requerer ao juiz a convocação da Assembleia,

quando for necessária ou conveniente a manifestação dos credores em geral (art.

27, inciso I, alínea ―e‖).

Por fim, na eventualidade do afastamento do empresário individual ou dos

administradores da sociedade empresária da direção das respectivas atividades

(arts. 64 e 65), cabe ao Comitê submeter à autorização do juiz a alienação de

bens do ativo, a constituição de ônus reais ou outras garantias, e o endividamento

indispensáveis à continuação da atividade empresarial no período anterior à

aprovação do Plano de Recuperação (art. 27, inciso II, alínea ―c‖).

4.12. Deliberações do Comitê

Em regra, as deliberações do Comitê são tomadas em votação majoritária

dos três membros titulares – ou unânime, quando convergentes todos os votos.

Na eventualidade de empate na votação, porquanto o Comitê pode funcionar com

menos de três membros (art. 26, § 1º), cabe ao administrador judicial resolver o

impasse. Diante de eventual incompatibilidade do administrador judicial, cabe ao

juiz solucionar a divergência. Em todas as hipóteses, as decisões tomadas pelo

Comitê devem ser consignadas no livro de atas, a ser rubricado pelo juiz em

seguida. O livro de atas é guardado na secretaria do juízo, mas fica disponível

para consulta do administrador judicial, dos credores em geral, do empresário

individual ou dos administradores, controladores ou representantes legais da

sociedade empresária (art. 27, §§ 1º e 2º).

4.13. Remuneração dos membros do Comitê

A remuneração dos membros do Comitê deve ser objeto de deliberação na

Assembleia-Geral, porquanto são os próprios credores os responsáveis pelo

eventual pagamento, por ser o órgão constituído para representar os interesses

dos credores. Com efeito, ao contrário do administrador judicial e dos respectivos

auxiliares, cujas remunerações são provenientes do empresário individual ou da

311

311

sociedade empresária (art. 25), os membros do Comitê não são remunerados pelo

empresário nem pela sociedade empresária em recuperação judicial (art. 29).

Quando muito, são remunerados pelos próprios credores, se assim decidirem em

assembleia731.

Diante de eventual dificuldade para a composição do Comitê em razão da

aprovação de ingresso voluntário (ou seja, sem remuneração alguma), o órgão

pode não ser constituído, por falta de credor interessado em assumir o munus. Já

a constituição mediante remuneração só encontra justificativa em processos de

grandes sociedades empresárias (especialmente as sociedades anônimas), com

credores com capacidade econômico-financeira para arcar com a remuneração

dos membros do Comitê. Fora daí, não há explicação para a existência do Comitê,

até mesmo por ser o órgão de constituição facultativa.

4.14. Ressarcimento de despesas do Comitê

Ao contrário do que ocorre com a remuneração, as despesas relacionadas

aos atos do Comitê no exercício das atribuições legais (como as arroladas no art.

27) devem ser ressarcidas pelo empresário individual ou pela sociedade

empresária, conforme o caso, após a comprovação e a autorização do juiz. Na

verdade, o ressarcimento depende não só da comprovação das despesas e da

autorização do juiz, mas também da disponibilidade de caixa (art. 29).

4.15. Ausência de Comitê

Na eventualidade de ausência de Comitê, consoante deliberações

negativas de todas as classes de credores, as atribuições do órgão são desde

731

De acordo, na doutrina: ―A função dos membros do Comitê pode ou não ser remunerada. Depende da deliberação adotada pela Assembleia dos Credores. Se deliberado que a função é gratuita, aquele que não se interessar por exercê-la nessas condições deve simplesmente não aceitar a indicação para compor o órgão. Se, por outro lado, a Assembleia dos Credores aprovar alguma remuneração aos membros do Comitê, ela deve também votar o valor e quem deverá arcar com o pagamento. Quanto a esse último aspecto, proíbe a lei que a remuneração dos membros do Comitê seja paga pelo devedor em recuperação ou pela massa falida. Quer dizer, os credores devem se cotizar para levantar os recursos necessários ao pagamento que a Assembleia aprovou.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Comentários à nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas. 2007, p. 79).

312

312

logo exercidas pelo administrador judicial. Diante de incompatibilidade do

administrador, cabe ao juiz exercer as atribuições destinadas ao Comitê de

Credores (art. 28).

313

313

CAPÍTULO III – RECUPERAÇÃO JUDICIAL

1. Conceito, natureza jurídica e escopo da recuperação judicial

A recuperação judicial é o processo instaurado perante o Poder Judiciário,

por meio de ação proposta por empresário individual, empresa individual de

responsabilidade limitada, sociedade empresária, cônjuge sobrevivente, herdeiros,

inventariante ou sócio remanescente, diante de crise econômico-financeira, na

busca do restabelecimento da normalidade da atividade empresarial, em prol não

só do empresário e dos sócios, mas também dos empregados, dos credores, dos

consumidores e até mesmo do Estado, tanto em razão da arrecadação fiscal

quanto em virtude do fortalecimento da economia nacional. A propósito, reforça o

art. 47 da Lei nº 11.101/2005: ―A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a

superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir

a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses

dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e

o estímulo à atividade econômica‖.

2. Legitimidade ativa

À luz da combinação dos arts. 1º e 48 da Lei nº 11.101/2005, a ação de

recuperação judicial pode ser proposta por empresário individual, por empresa

individual de responsabilidade limitada e por sociedade empresária regulares, no

exercício da atividade econômica organizada há mais de dois anos, bem assim

pelo cônjuge sobrevivente, pelos herdeiros do empresário falecido, pelo

inventariante e pelo sócio remanescente, conforme autoriza o parágrafo único do

art. 48 daquele diploma.

Por fim, o concordatário com pedido formulado na vigência do Decreto-lei nº

7.661, de 1945, também pode requerer a recuperação judicial com fundamento na

Lei nº 11.101/2005, consoante autoriza o § 2º do art. 192. Deferido o

processamento da recuperação judicial, o anterior processo de concordata é

314

314

extinto e os respectivos créditos são inscritos na recuperação judicial, com a

observância do valor original, menos as eventuais parcelas já pagas pelo

concordatário (art. 192, § 3º).

3. Requisitos para a propositura da recuperação judicial

Além da legitimidade ativa e do exercício da atividade econômica há mais

de dois anos, o art. 48 da Lei nº 11.101 arrola outros requisitos para a propositura

da recuperação judicial, os quais devem ser preenchidos cumulativamente:

— não ser falido ou, se o foi, ter a declaração da extinção das

responsabilidades mediante sentença transitada em julgado (art. 48,

inciso I, combinado com os arts. 158 e 159). Quanto ao falido, é

imprescindível que não tenha cometido crime falimentar732, em razão da

restrição prevista no inciso IV do art. 48. Com efeito, ainda que

reabilitado por força dos arts. 158 e 159, o falido que cometeu crime

falimentar não tem direito à recuperação empresarial, em razão do

disposto no inciso IV do art. 48;

— não ter sido já beneficiado pela concessão da recuperação judicial há

menos de cinco anos (art. 48, inciso II);

— não ter sido já beneficiado pela concessão da recuperação judicial

especial para microempresas e empresas de pequeno porte há menos

de oito anos (art. 48, inciso III, combinado com os arts. 70, 71 e 72);

— não ter sido condenado por crime concursal empresarial733, o

empresário individual, algum administrador ou sócio controlador da

sociedade empresarial (art. 48, inciso IV, combinado com os arts. 168 e

seguintes da Lei nº 11.101/2005). Ao contrário do que pode parecer à

732

O Título XI do Decreto-lei nº 7.661 era assim intitulado: ―DOS CRIMES FALIMENTARES‖. O atual diploma de regência, qual seja, a Lei nº 11.101, de 2005, todavia, não prestigiou aquela expressão. Por outro lado, os arts. 168 e seguintes versam sobre os crimes cometidos no processo falimentar, mas também nos processos de recuperação judicial e extrajudicial. Por fim, o comando e o art. 1º da Lei nº 11.101 revelam a adoção de nova terminologia, em consonância com o disposto nos arts. 966 e seguintes do Código Civil de 2002. Daí a explicação em prol da expressão ―crimes concursais empresariais‖. 733

Cf. nota anterior.

315

315

primeira vista, não há contradição entre o inciso IV do art. 48 e o inciso I

do art. 64. O inciso IV do art. 48 versa sobre a ilegitimidade ativa do

empresário individual condenado mediante decisão transitada em

julgado e da sociedade empresária cujo administrador ou sócio

controlador foi condenado por crime concursal empresarial. Já o inciso I

do art. 64 tem lugar quando o processamento da recuperação judicial já

foi admitido. Com efeito, o inciso I do art. 64 incide quando há o

superveniente trânsito em julgado da condenação no curso do processo

de recuperação judicial, bem assim quando há mudança do

administrador na recuperação judicial já em processamento (arts. 1.062,

1.063 e 1.071, incisos II e III, do Código Civil, e art. 50, inciso IV, da Lei

nº 11.101/2005). Em contraposição, o inciso IV do art. 48 conduz ao

indeferimento liminar da petição inicial da recuperação judicial, em

razão da ilegitimidade ativa. Tanto quanto sutil, a diferença é relevante,

porquanto o art. 64 permite o seguimento da recuperação judicial, com a

nomeação de gestor judicial.

A ausência de algum dos requisitos ocasiona o indeferimento liminar da

petição inicial, com a prolação de sentença terminativa, fundada nos arts. 267,

inciso VI, e 295, ambos do Código de Processo Civil, combinados com o art. 189

da Lei nº 11.101/2005. Com efeito, trata-se de sentença terminativa, porquanto a

hipótese não se enquadra no disposto no art. 73 da Lei nº 11.101/2005, quando há

a prolação de decisão interlocutória (agravável) de decretação da falência, em

razão da convolação da recuperação judicial, por improcedência da última (art. 72,

parágrafo único). No caso sob comento, todavia, não há convolação da

recuperação em falência, mas, sim, mera extinção do processo de recuperação

judicial por carência da ação, com prolação de sentença (arts. 267, inciso VI, e

295, ambos do Código de Processo Civil).

316

316

Da sentença cabe apelação, em quinze dias734. Diante da natureza

terminativa da sentença, nada impede a propositura de nova ação de recuperação

judicial, tão logo esteja satisfeito o requisito formal antes ausente. Com efeito, a

combinação do art. 268 do Código de Processo Civil com o art. 48 da Lei nº

11.101 conduz ao raciocínio de que o posterior cumprimento do requisito formal

antes ausente permite a propositura de nova ação de recuperação judicial.

4. Créditos alcançados pela recuperação judicial

Por força do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, ―todos‖ os créditos existentes na

data da propositura são alcançados pela recuperação judicial, até mesmo os ainda

não vencidos. Com efeito, a recuperação judicial não alcança apenas os créditos

vencidos, mas também os vincendos.

Como regra, as obrigações anteriores à recuperação judicial preservam as

condições originais contratadas ou estabelecidas em lei, mas há a possibilidade

de modificação no plano de recuperação735.

Ainda em relação aos créditos alcançados pela recuperação judicial, os

credores preservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, como os

fiadores e os avalistas736. Daí a possibilidade do acionamento dos coobrigados

mediante ação e execução individuais, cujos processos não são alcançados pela

regra estampada no caput do art. 6º da Lei nº 11.101/2005, como bem revela o

enunciado nº 43 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da

Justiça Federal: ―43. A suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da

Lei n. 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor‖.

5. Créditos excetuados da recuperação judicial: créditos protegidos

A regra (da sujeição de todos os créditos à recuperação judicial) inserta no

caput do art. 49 da Lei nº 11.101/2005, entretanto, comporta exceções, porquanto

734

Cf. arts. 508 e 513 do Código de Processo Civil, combinados com o art. 189 da Lei nº 11.101, de 2005. 735

Cf. art. 49, § 2º, da Lei n° 11.101, de 2005. 736

Cf. art. 49, § 1º, da Lei n° 11.101, de 2005.

317

317

alguns créditos não são alcançados pela recuperação judicial. Alguns créditos

estão protegidos, como os créditos excetuados objeto deste tópico.

A importância entregue ao empresário individual ou à sociedade empresária

decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação não é

alcançada pela recuperação judicial737. Por conseguinte, o credor poderá pedir a

imediata restituição em dinheiro da importância adiantada em razão de contrato de

câmbio para exportação, mediante ação de restituição738.

Quanto ao credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens

móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente

vendedor de imóvel cujos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou

irretratabilidade, até mesmo em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em

contrato de venda com reserva de domínio, os créditos não se submetem aos

efeitos da recuperação judicial, porquanto prevalecem os direitos de propriedade

sobre a coisa e as condições contratuais originais, tendo em vista a legislação

respectiva. Não se permite, contudo, durante o prazo de suspensão de cento e

oitenta dias, a venda ou a retirada dos bens de capital essenciais à atividade

empresarial do estabelecimento do empresário individual ou da sociedade

empresária (§ 3º do art. 49).

Como são créditos excetuados da recuperação judicial, os processos

singulares – como as ações de restituição ou de embargos de terceiro – não são

suspensos em razão do deferimento do processamento da recuperação judicial

(art. 52, inciso III, in fine). Daí a conclusão: os créditos excetuados são créditos

protegidos da recuperação judicial – e também da falência.

6. Créditos inexigíveis na recuperação judicial: créditos desprotegidos

O art. 5º da Lei nº 11.101/2005 arrola créditos que também não são

incluídos no processo recuperativo, nem podem ser cobrados no curso daquele

737

Cf. art. 49, § 4º, da Lei nº 11.101, de 2005. 738

Cf. art. 86, inciso II, da Lei nº 11.101, de 2005, combinado com o art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.728, de 1965

318

318

processo – e também do processo falimentar. São os créditos inexigíveis por força

de lei, como os provenientes de obrigações a título gratuito, cujo melhor exemplo é

a doação, e as despesas que os credores tiveram para tomar parte na

recuperação judicial, como os honorários do advogado contratado739.

Em suma, os créditos inexigíveis previstos no art. 5º da Lei nº 11.101/2005

são créditos desprotegidos, porquanto não podem ser cobrados nem incluídos no

bojo do processo de recuperação judicial – nem no processo falimentar. Só

poderão ser cobrados mediante execução singular após o decurso do prazo de

cento e oitenta dias previsto no § 4º do art. 6º ou depois do encerramento do

processo de falência, conforme o caso.

7. Meios de recuperação judicial

Os meios de recuperação são as soluções empresariais propostas pelo

empresário individual ou pela sociedade empresária em crise econômico-

financeira, na tentativa de restabelecer a lucratividade da atividade empresarial.

O art. 50 da Lei 11.101 arrola os meios disponíveis para a obtenção da

recuperação do empresário individual e da sociedade empresária. O rol, todavia,

não é exaustivo, porquanto o preceito de regência não afasta a utilização de

outros meios (―dentre outros‖). Os principais meios, entretanto, são os seguintes:

– concessão de prazos adicionais e condições favorecidas para pagamento

tanto de dívidas já vencidas quanto das vincendas;

– cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição

de subsidiária integral, ou cessão de quotas ou ações;

– mudança do controle societário;

– substituição dos administradores ou em seus órgãos administrativos;

739

Não obstante, as eventuais custas decorrentes do anterior processo cognitivo movido em face do empresário ou da sociedade empresária para o reconhecimento do crédito são passíveis de inclusão na recuperação judicial – e também na falência. A propósito da distinção conceitual entre despesas e custas processuais: cf. Bernardo Pimentel Souza. Despesas processuais, honorários advocatícios e assistência judiciária. In Revista de Direito. Número 4, p. 25 a 48. Viçosa, Universidade Federal de Viçosa, Abril de 2011 (www.dpd.ufv.br).

319

319

– outorga aos credores da escolha de administradores e também do poder

de veto nas hipóteses estabelecidas pelo plano de recuperação;

– aumento do capital social;

– trespasse (isto é, transferência) ou simples arrendamento do

estabelecimento, até mesmo para sociedade constituída pelos respectivos

empregados;

– redução salarial, compensação de horários e redução da jornada de

trabalho, tudo mediante acordo ou convenção coletiva740;

– dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo; – constituição

de sociedade de credores;

– venda parcial dos bens;

– equalização (isto é, alinhamento, equilíbrio, isonomia) dos encargos

financeiros relativos a todos os débitos;

– usufruto da empresa;

– administração compartilhada;

– emissão de valores mobiliários para participação de cotação em Bolsa de

Valores, como ações, debêntures, bônus de subscrição;

– constituição de sociedade para adjudicar ativos do empresário individual

ou da sociedade empresária, como forma de realizar pagamentos dos créditos.

São os meios de recuperação arrolados no art. 50 da Lei nº 11.101/2005,

sem prejuízo de outras soluções empresariais que podem ser apresentadas pelo

empresário ou pela sociedade empresária.

8. Petição inicial

740

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o meio de recuperação empresarial inserto no art. 50, inciso VIII, da Lei nº 11.101, de 2005, está em harmonia com o disposto no art. 7º, inciso VI, da Constituição Federal: ―VI – irredutibilidade de vencimentos, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;‖.

320

320

Além das exigências comuns previstas no art. 282 do Código de Processo

Civil, cuja aplicação encontra sustentação no art. 189 da Lei nº 11.101/2005, a

petição inicial da recuperação judicial deve conter a exposição das causas

concretas da situação patrimonial do empresário individual ou da sociedade

empresária, bem assim as razões da crise econômico-financeira741.

A inicial deve ser instruída com as demonstrações contábeis dos três

últimos exercícios, incluídos o balanço patrimonial, a demonstração de resultados

acumulados, a demonstração do resultado desde o último exercício social, o

relatório gerencial do fluxo de caixa e de sua projeção para o futuro742.

A exordial também deve ser instruída com a relação nominal e a

qualificação completa dos credores e dos empregados743.

A petição inicial precisa ser acompanhada da certidão comprobatória da

regularidade da inscrição no Registro Público de Empresas, ou seja, na Junta

Comercial, consoante a combinação do art. 51, inciso V, da Lei nº 11.101/2005,

com os arts. 967 e 1.150 do Código Civil744.

Além da certidão obtida na Junta Comercial, a inicial também deve ser

instruída com os atos constitutivos (por exemplo, contrato de firma individual do

empresário individual, contrato social da sociedade limitada, estatuto da sociedade

por ações), bem assim com as atas de nomeação dos atuais administradores.

Não é só. A exordial ainda deve ser instruída com a relação dos bens

particulares dos sócios controladores e dos administradores, com os extratos

atualizados das contas bancárias do empresário individual ou da sociedade

empresária, com as eventuais aplicações financeiras de qualquer modalidade, até

mesmo em fundos de investimento ou em bolsas de valores, emitidos pelas

respectivas instituições financeiras745.

741

Cf. art. 51, inciso I, da Lei nº 11.101/2005. 742

Cf. art. 51, inciso II, da Lei nº 11.101/2005. 743

Cf. art. 51, incisos III e IV, da Lei nº 11.101/2005. 744

―Art. 967. É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público das Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade‖. ―Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais‖. 745

Cf. art. 51, incisos VI e VII, da Lei nº 11.101/2005.

321

321

A petição inicial também deve ser acompanhada das certidões dos cartórios

de protesto da comarca do domicílio do empresário individual ou da sede da

sociedade empresária, bem assim das certidões dos cartórios de protesto das

comarcas das respectivas filiais746.

A inicial ainda deve ser instruída com a relação dos processos nos quais o

empresário individual ou a sociedade empresária é parte, até mesmo os

processos trabalhistas747.

No que tange aos livros comerciais, embora seja dispensável a instrução

imediata da petição inicial, ficam à disposição do juiz que preside o processo e

também do administrador judicial, bem como podem ser consultados por qualquer

interessado, após autorização judicial748. Aliás, o juiz pode determinar o depósito

em cartório dos livros comerciais ou de fotocópias749.

Por fim, vale ressaltar que a petição inicial não precisa ser instruída com o

plano de recuperação empresarial; o plano poderá ser apresentado pelo

empresário ou pela sociedade empresária no prazo de sessenta dias da

publicação da decisão de deferimento do processamento da recuperação

judicial750.

9. Juízo competente

É competente para deferir a recuperação judicial o juízo cível ou

empresarial existente na comarca do local do ―principal estabelecimento‖ do

empresário individual ou sociedade empresária nacional, ou da filial de empresa

que tenha sede fora do país.

A propósito do conceito de ―principal estabelecimento‖, não importa o

indicado no contrato ou no estatuto, conforme o caso, mas, sim, o estabelecimento

no qual reside o comando da atividade empresarial, ainda que não seja o maior do

746

Cf. art. 51, inciso VIII, da Lei nº 11.101/2005. 747

Cf. art. 51, inciso IX, da Lei nº 11.101/2005. 748

Cf. art. 51, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. 749

Cf. art. 51, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. 750

Cf. art. 53 da Lei nº 11.101/2005.

322

322

ponto de vista físico. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 465 aprovado

na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―Para fins do

Direito Falimentar, o local do principal estabelecimento é aquele de onde partem

as decisões empresariais, e não necessariamente a sede indicada no registro

público‖.

No que tange às sociedades multinacionais, com sede fora do país, a

recuperação empresarial pode ser proposta no juízo cível ou empresarial existente

na comarca do local da filial nacional.

Ainda em relação à competência prevista no art. 3º da Lei nº 11.101/2005,

tem natureza absoluta, pode ser declarada de ofício pelo juiz, bem como pode ser

suscitada na contestação ou veiculada a qualquer tempo mediante simples

petição751.

Ademais, a distribuição da ação de recuperação judicial previne a

competência do juízo para qualquer outro pedido de recuperação judicial, relativo

ao mesmo empresário individual ou à mesma sociedade empresarial752. É a

denominada força atrativa ou vis attractiva da recuperação judicial.

Não obstante, o juízo da recuperação judicial não é competente para

processar e julgar embargos de terceiro nem outras ações que versem sobre a

constrição de bens alheios ao plano de recuperação, como bem revela o

enunciado nº 480 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―O juízo da

recuperação judicial não é competente para decidir sobre a constrição de bens

não abrangidos pelo plano de recuperação da empresa‖.

10. Possibilidade de emenda da petição inicial: aplicabilidade do art. 284 do

C.P.C.

751

De acordo, na jurisprudência: ―Por envolver questão que diz respeito à competência absoluta (ratione materiae), tendo sido deferido no juízo de origem o processamento da ação em aparente desconformidade com o disposto no artigo 3º da Lei nº 11.101/2.005, o exame pode ser feito nesta Instância, por via do recurso de Agravo de Instrumento. O foro competente para o processamento da ação de Recuperação Judicial, por expressa previsão em lei de regência, é aquele onde ocorrem as principais atividades econômicas da empresa, centro de suas decisões administrativas. Inteligência do artigo 3º da Lei nº 11.101/2.005.‖ (Agravo nº 1.0015.11.004724-6/001, 1ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça Eletrônico de 13 de julho de 2012). 752

Cf. art. 6º, § 8º, da Lei nº 11.101/2005.

323

323

Em virtude da compatibilidade do art. 284 do Código de Processo Civil com

a Lei nº 11.101/2005, cujo art. 189 determina a aplicação subsidiária daquele

diploma, a petição inicial incompleta é passível de emenda, em dez dias, contados

da intimação do advogado subscritor da exordial.

Ao determinar a emenda da petição inicial da recuperação judicial, cabe ao

juiz arrolar as omissões a serem sanadas. Em abono, vale conferir o preciso

enunciado nº 56 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―Na recuperação

judicial, ao determinar a complementação da inicial, o juiz deve individualizar os

elementos faltantes‖.

11. Pronunciamento acerca do processamento da recuperação judicial

Se a petição inicial estiver completa, o juiz defere o processamento da

recuperação judicial, oportunidade na qual também nomeia o administrador

judicial. Com efeito, há a nomeação do administrador judicial no mesmo

pronunciamento de admissão da petição inicial e do processamento da

recuperação judicial753.

Na mesma oportunidade, o juiz dispensa o empresário individual ou a

sociedade empresária da apresentação de certidões negativas para o exercício

das respectivas atividades, salvo para contratação com pessoas jurídicas de

direito público interno754 e para o recebimento de incentivos fiscais ou creditícios.

Não obstante, em todos os atos, contratos e documentos firmados pelo

empresário individual ou pela sociedade empresarial em recuperação judicial

devem ser acrescidos os termos "em Recuperação Judicial", após o nome

empresarial755.

Discute-se se o juiz também já deve determinar a anotação correspondente

na Junta Comercial logo ao deferir o processamento da recuperação judicial.

Autorizada doutrina756 sustenta que a anotação da recuperação judicial no

753

Cf. arts. 21 e 52, inciso I, ambos da Lei 11.101/2005. 754

Cf. art. 41 do Código Civil. 755

Cf. art. 52, inciso II, combinado com o art. 69, ambos da Lei nº 11.101/2005. 756

Cf. Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 685 e 687.

324

324

Registro de Empresas é consequência da decisão sobre o plano, a qual consta

dos arts. 58 e 59 da Lei nº 11.101/2005. Ainda que muito respeitável a lição

doutrinária, a combinação do inciso II do art. 52 com o parágrafo único do art. 69

permite a conclusão de que a anotação na Junta Comercial deve ser ordenada

pelo juiz desde logo, já com a admissão do processamento da recuperação

judicial, até mesmo para conferir maior segurança jurídica e evitar prejuízos

provenientes de eventual conluio fraudulento. À vista da combinação dos arts. 52,

inciso II, in fine, e 69, parágrafo único, portanto, o juiz deve determinar a imediata

anotação do deferimento da recuperação judicial, no registro do empresário

individual ou da sociedade empresária perante a Junta Comercial.

Em contraposição, o deferimento do processamento da recuperação judicial

não tem o condão de cancelar protestos tirados em face do empresário individual

ou da sociedade empresária, nem de sobrestar anotações existentes nos órgãos

de proteção do crédito, como bem revela o enunciado nº 54 da Jornada de Direito

Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―54. O deferimento do processamento

da recuperação judicial não enseja o cancelamento da negativação do nome do

devedor nos órgãos de proteção ao crédito e nos tabelionatos de protesto‖.

No que tange às ações movidas em face do empresário individual, a

sociedade empresária e o sócio solidário, são suspensas pelo juiz na própria

decisão de deferimento do processamento da recuperação judicial, com a

permanência dos processos nos respectivos juízos de origem757. Por conseguinte,

os processos cognitivos e executivos singulares movidos em face do empresário,

da sociedade empresária ou de sócio solidário devem ser suspensos758 – e não

extintos759.

757

Cf. arts. 6º, caput e § 4º, e 52, inciso III e § 3º, ambos da Lei nº 11.101, de 2005. 758

De acordo, na jurisprudência: ―O artigo 6º, caput, da Lei nº 11.101/05 determina a suspensão de todas as ações e execuções ajuizadas contra a sociedade empresária que teve o pedido de recuperação judicial deferido. Com relação à suspensão das execuções individuais, o § 4º do art. 6º da lei em comento determina o prazo de 180 (cento e oitenta) dias.‖ (Agravo nº 20090020095296, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça Eletrônico de 14 de setembro de 2009, p. 134). 759

Assim, na jurisprudência: ―3. O deferimento da recuperação judicial, conquanto afete as bases negociais originalmente estabelecidas entre a empresa e seus credores, não implicando a deflagração de execução concursal, não enseja a extinção das ações e execuções individuais promovidas em desfavor da devedora, irradiando, de acordo com a regulação que lhe é conferida, simplesmente o efeito de ensejar a suspensão do curso das demandas promovidas em seu desfavor pelo prazo assinado pelo legislador, que, inclusive, cuidara de estabelecer que, expirado o interregno que assinalara, o direito de os credores retomarem ou aviarem

325

325

A propósito do período de suspensão dos processos singulares, a despeito

de o legislador ter estabelecido o prazo máximo de cento e oitenta dias, prevalece

o entendimento segundo o qual há lugar para excepcional prorrogação, conforme

revela o enunciado nº 42 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho

da Justiça Federal: ―42. O prazo de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n.

11.101/2005 pode excepcionalmente ser prorrogado, se o retardamento do feito

não puder ser imputado ao devedor‖.

No que tange à comunicação da suspensão aos juízos dos processos

cognitivos e executivos nos quais o autor ocupa o polo passivo, a iniciativa cabe

ao próprio empresário ou à sociedade empresária, por intermédio do respectivo

responsável legal, conforme o caso760.

Não obstante, a regra da suspensão não é absoluta. Com efeito, o

deferimento do processamento da recuperação judicial não tem o condão de

suspender alguns processos específicos. Por exemplo, as ações que versam

sobre quantia ilíquida devem prosseguir no mesmo juízo de origem (art. 6º, § 1º,

da Lei nº 11.101/2005). As execuções fiscais e as correlativas ações de embargos

às execuções fiscais também não são suspensas pelo deferimento do

processamento da recuperação judicial (art. 6º, § 7º, da Lei nº 11.101/2005, e arts.

5º e 29 da Lei nº 6.830, de 1980). As ações de natureza trabalhista também

devem prosseguir perante a Justiça do Trabalho, com a posterior inclusão, no

quadro-geral de credores, do valor estipulado na sentença do juiz do trabalho (art.

6º, § 2º, da Lei nº 11.101/2005). Igualmente não são suspensas as ações relativas

aos créditos excetuados da recuperação judicial761, ou seja, as ações sobre

importâncias entregues ao empresário individual ou à sociedade empresária como

adiantamento a contrato de câmbio para exportação762, bem assim as ações

movidas por credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou

imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de

ações em desfavor da obrigada é restabelecido (Lei nº 11.101/05, art. 6º e § 4º). 4. Agravo conhecido. Preliminar rejeitada. Desprovido. Unânime.‖ (Agravo nº 20100020069527AGI, Acórdão n. 439739, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 23 de agosto de 2010). 760

Cf. arts. 6º, caput e § 4º, e 52, inciso III e § 3º, ambos da Lei nº 11.101, de 2005. 761

Cf. art. 49, §§ 3º e 4º, da Lei nº 11.101, de 2005. 762

Por exemplo, ação de restituição e ação de embargos de terceiro.

326

326

imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou

irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em

contrato de venda com reserva de domínio (art. 52, inciso III, in fine, combinado

com o art. 49, §§ 3º e 4º). São, em suma, as exceções à regra da suspensão

temporária (por cento e oitenta dias) das ações movidas em face do empresário

individual ou sociedade empresária em recuperação judicial.

De volta ao pronunciamento de deferimento da recuperação judicial, o juiz

também determina, ao empresário individual ou à sociedade empresária, a

apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar o processo

(art. 52, inciso IV).

Ainda em virtude do deferimento do processamento da recuperação judicial,

o juiz ordena a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às

Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios nos quais o

empresário individual ou a sociedade empresarial tiver estabelecimento

empresarial principal ou filial (art. 52, inciso V).

Por fim, o juiz ordena a expedição do edital763 previsto no § 1º do art. 7º da

Lei nº 11.101/2005, para publicação no Diário da Justiça eletrônico, com a

observância das exigências arroladas nos incisos do § 1º do art. 52.

12. Impossibilidade da desistência da ação: regra e exceção

Proposta a ação de recuperação judicial e deferido o respectivo

processamento pelo juiz, não é admissível a desistência pelo empresário

individual ou sociedade empresária, conforme o caso, ressalvada a hipótese

excepcional de a Assembleia-Geral de Credores aprovar a desistência (art. 52, §

4º, da Lei nº 11.101/2005).

13. Natureza jurídica do pronunciamento do art. 52 da Lei nº 11.101/2005

763

É o denominado ―primeiro edital‖.

327

327

À primeira vista, o pronunciamento de deferimento do processamento da

recuperação judicial tem natureza de despacho, razão pela qual seria irrecorrível,

em virtude da combinação do art. 189 da Lei nº 11.101/2005, com o art. 504 do

Código de Processo Civil.

Uma segunda reflexão, entretanto, conduz à conclusão de que o

pronunciamento previsto no art. 52 tem conteúdo decisório, porquanto ocasiona a

suspensão das outras ações em geral764 movidas contra o empresário individual

ou a sociedade empresária, conforme o caso, pelo prazo de cento e oitenta dias

(art. 6º, caput e § 4º, da Lei nº 11.101/2005). Daí a verdadeira natureza de decisão

interlocutória, como bem revelam o inciso I do § 1º do art. 52 e o caput do art. 53

da Lei nº 11.101/2005, in verbis: ―decisão que defere o processamento da

recuperação judicial‖; ―decisão que deferir o processamento da recuperação

judicial‖. Por conseguinte, cabe recurso de agravo de instrumento, com

fundamento no art. 522 do Código de Processo Civil765, como bem revela o

enunciado nº 52 aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da

Justiça Federal: ―52. A decisão que defere o processamento da recuperação

judicial desafia agravo de instrumento‖.

14. Plano de Recuperação

14.1. Responsabilidade pela apresentação do plano de recuperação

A apresentação da proposta inicial do plano de recuperação judicial cabe ao

empresário individual ou à sociedade empresária, conforme o caso (art. 53 da Lei

nº 11.101/2005).

14.2. Prazo para a apresentação do plano de recuperação

764

Ressalvadas as exceções insertas na parte final do inciso III do art. 52 da Lei nº 11.101, de 2005. 765

Por exemplo, o recurso de agravo de instrumento pode ser interposto pelo terceiro prejudicado pela suspensão da respectiva ação movida contra o empresário individual ou a sociedade empresária. O recurso de agravo também pode ser interposto pelo Ministério Público, como custos legis, na eventualidade de a petição inicial admitida pelo juiz não cumprir as exigências legais.

328

328

A proposta referente ao plano de recuperação judicial deve ser apresentada

dentro do prazo de sessenta dias, da intimação da decisão de deferimento do

processamento da recuperação judicial (arts. 50 e 53 da Lei nº 11.101/2005).

14.3. Consequência jurídica do decurso do prazo: decretação da falência

O decurso in albis do prazo destinado à apresentação do plano de

recuperação ocasiona a convolação em falência (arts. 53, caput, e 73, inciso II).

Com efeito, o juiz deve decretar a falência se o plano de recuperação não for

apresentado pelo empresário individual ou pela sociedade empresária dentro do

prazo legal de sessenta dias.

Vale ressaltar que não há intimação específica do empresário individual ou

da sociedade empresária, para a apresentação do plano de recuperação, sob

pena de falência. A omissão quanto ao prazo de sessenta dias conduz à imediata

convolação em falência, tendo em vista o disposto nos arts. 53, caput, e 73, inciso

II, ambos da Lei nº 11.101/2005, os quais revelam que não há nova intimação do

empresário individual ou da sociedade empresária silente, mas, sim, a imediata

decretação da quebra pelo juiz.

Não obstante, a decisão de convolação da recuperação em falência é

impugnável mediante recurso de agravo de instrumento (art. 100, proêmio),

porquanto a falibilidade humana pode ocasionar erro na contagem do prazo legal

pelo juiz e até mesmo erro de percepção do juiz acerca da apresentação do plano.

14.4. Elementos do plano de recuperação

A proposta apresentada pelo empresário individual ou pela sociedade

empresária deve conter a discriminação pormenorizada dos meios de recuperação

escolhidos para tentar restabelecer a normalidade das atividades empresárias e

vencer a atual crise econômico-financeira. Além dos meios de recuperação

arrolados no art. 50, há possibilidade de indicação de outras soluções imaginadas

pelo empresário individual ou pelos administradores da sociedade empresária.

329

329

Após a exposição analítica dos meios de recuperação escolhidos, a proposta

também deve conter o respectivo resumo, em cumprimento ao disposto no art. 53,

inciso I, da Lei nº 11.101/2005.

Além da exposição analítica e do resumo dos meios de recuperação, a

proposta ainda deve conter a demonstração da viabilidade econômica, nos termos

do art. 53, inciso II, da Lei nº 11.101/2005.

Por fim, o projeto de plano de recuperação deve ser instruído com laudo

econômico-financeiro subscrito por profissional legalmente habilitado766, com a

avaliação dos bens e ativos do empresário individual e da sociedade empresária

em recuperação judicial767.

14.5. Aviso de recebimento do plano em juízo e prazo para objeções dos

credores

Apresentada a proposta com o plano de recuperação judicial, o juiz deve

ordenar a publicação de edital no Diário da Justiça eletrônico768, com a notícia do

recebimento do plano na secretaria do juízo, a fim de que os credores possam

suscitar as respectivas objeções, no prazo de trinta dias769.

Na verdade, a contagem do prazo de trinta dias depende da já ocorrência

da publicação da relação de credores elaborada pelo administrador judicial770, ou

não.

Se o edital com o aviso de recebimento do plano tiver sido publicado antes

da divulgação da relação dos credores, o prazo de trinta dias para as objeções

dos credores é contado da publicação do edital previsto no § 2º do art. 7º, isto é,

do edital com a relação dos credores771.

766

Por exemplo, contador, economista, administrador de empresas. 767

Cf. art. 53, inciso III, da Lei nº 11.101/2005. 768

Na mesma oportunidade, o edital também deve ser afixado na sede do juízo, em virtude da interpretação sistemática do artigo 189 da Lei nº 11.101/2005, do artigo 232, inciso II, do Código de Processo Civil, e do artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. 769

Cf. arts. 53, parágrafo único, e 55, ambos da Lei nº 11.101/2005. 770

Cf. art. 7º, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 771

Cf. arts. 53, parágrafo único, e 55, caput, da Lei nº 11.101/2005.

330

330

Em contraposição, se o aviso de recebimento do plano em juízo ainda não

estiver publicado no momento da disponibilização da relação de credores, o prazo

de trinta dias corre do edital referente ao aviso do recebimento do plano de

recuperação772. É que os credores não têm como apresentar as respectivas

objeções antes da entrega do plano em juízo.

Em suma, o prazo de trinta dias para objeções só começa a correr depois

da publicação do último edital, seja o referente ao aviso de recebimento do

plano773, seja o edital com a relação de credores774.

14.6. Restrições legais ao plano de recuperação judicial

A proposta do empresário individual ou da sociedade empresária não pode

estabelecer prazo superior a um ano para o pagamento de todos os créditos

trabalhistas e provenientes de acidentes do trabalho já vencidos no momento da

propositura da recuperação judicial775.

A proposta do plano também não pode prever prazo superior a trinta dias

para o pagamento dos créditos de natureza estritamente salarial776 vencidos nos

últimos três meses antes do ajuizamento da recuperação, mas somente até o

limite de cinco salários mínimos por trabalhador777. Os créditos salariais

excedentes ficam sujeitos à regra do caput do art. 54 da Lei nº 11.101/2005:

previsão de pagamento no prazo máximo de um ano.

14.7. Existência de objeção e convocação da assembleia-geral de credores

Apresentada alguma objeção por qualquer credor, o juiz deve convocar a

assembleia-geral, a fim de que as três classes de credores deliberem sobre a

aprovação, a modificação ou a rejeição do plano de recuperação judicial. A

772

Cf. art. 55, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005. 773

Cf. art. 53 da Lei nº 11.101/2005. 774

Cf. art. 7º, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 775

Cf. art. 54 da Lei nº 11.101/2005. 776

Somente os créditos provenientes dos contratos de trabalho, sem a inclusão dos créditos referentes aos acidentes do trabalho. 777

Cf. art. 54, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005.

331

331

assembleia deve ser realizada dentro dos cento e cinquenta dias do deferimento

do processamento da recuperação judicial778.

Aprovado o plano de recuperação, os credores também podem decidir pela

constituição do Comitê, bem assim escolher os respectivos membros, tudo na

mesma oportunidade. A escolha dos membros do Comitê, entretanto, deve

observar o disposto nos arts. 26 e 44, com votações separadas em cada uma das

classes de credores779.

14.8. Modificação do plano de recuperação: plano alternativo

A proposta apresentada pelo empresário individual ou sociedade

empresária é passível de alteração durante as deliberações na assembleia.

Não obstante, o plano alternativo dos credores depende da anuência

expressa do empresário individual ou do representante legal da sociedade

empresária780.

Também não é possível a modificação da proposta original em prejuízo

somente dos credores ausentes à assembleia; é admissível o plano alternativo

que implique diminuição e restrição aos credores em geral, mas não apenas em

prejuízo dos credores ausentes781.

14.9. Rejeição do plano de recuperação

Se a proposta de plano apresentada pelo empresário individual ou pela

sociedade empresária em recuperação for rejeitada por alguma das classes de

credores, há a convolação da recuperação em falência782, ressalvada a hipótese

excepcional de divergência qualificada, quando o juiz pode conceder a

778

Cf. arts. 35, inciso I, letra ―a‖, 45, e 56, todos da Lei nº 11.101/2005. 779

Cf. art. 56, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 780

Na eventualidade de abuso de direito, todavia, o juiz pode desconsiderar a manifestação de vontade do empresário devedor, como bem revela o enunciado nº 45 da Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―45. O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso de direito‖. 781

Cf. arts. 35, inciso I, letra ―a‖, e 56, § 3º, ambos da Lei nº 11.101/2005. 782

Cf. arts. 56, § 4º, e 73, inciso III, ambos da Lei nº 11.101/2005.

332

332

recuperação judicial783. Em regra, portanto, rejeitado o plano de recuperação

judicial, compete ao juiz decretar a falência do empresário individual ou da

sociedade empresária, por meio de decisão interlocutória, a qual, todavia, é

impugnável mediante agravo de instrumento784.

15. Procedimento final do processo de recuperação judicial

15.1. Deliberação judicial sobre o requerimento de recuperação

Decorrido o prazo de trinta dias sem objeção alguma ou aprovado o plano

de recuperação em assembleia, em razão da improcedência da objeção veiculada

por algum credor, o juiz concede a recuperação judicial mediante decisão

interlocutória passível de agravo de instrumento785.

Na verdade, a concessão da recuperação judicial não é automática; cabe

ao juiz do processo verificar a legalidade do plano de recuperação, à vista das

exigências e restrições legais, como, por exemplo, as previstas no caput e no

parágrafo único do art. 54 da Lei nº 11.101/2005. Daí o acerto do enunciado nº 44

aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―44. A

homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está

sujeita ao controle judicial de legalidade‖.

Por fim, questiona-se se a concessão da recuperação judicial depende da

apresentação de certidões negativas de débitos tributários. A despeito do teor do

art. 57 da Lei nº 11.101/2005, a resposta é negativa, ex vi do enunciado nº 55

aprovado na Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―55. O

parcelamento do crédito tributário na recuperação judicial é um direito do

contribuinte, e não uma faculdade da Fazenda Pública, e, enquanto não for

editada lei específica, não é cabível a aplicação do disposto no art. 57 da Lei n.

11.101/2005 e no art. 191-A do CTN‖786.

783

Cf. art. 58, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. 784

Cf. art. 100, proêmio, da Lei nº 11.101/2005. 785

Cf. arts. 58, caput, e 59, § 2º, ambos da Lei nº 11.101/2005. 786

Assim, na jurisprudência: ―EMPRESARIAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - RECUPERAÇÃO JUDICIAL - DEFERIMENTO - AUSÊNCIA DE CERTIDÃO FISCAL NEGATIVA - POSSIBILIDADE - INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR SOBRE PARCELAMENTO DO

333

333

15.2. Decisão concessiva da recuperação e rejeição do plano

A decisão concessiva também pode ser proferida até mesmo quando plano

não obtém aprovação integral, ou seja, não alcança o quorum qualificado do art.

45 da Lei nº 11.101/2005.

Com efeito, mesmo que o plano não tenha alcançado aprovação em todas

as classes, há lugar para a concessão da recuperação pelo juiz. A prolação da

decisão concessiva, entretanto, depende da ocorrência de divergência qualificada,

em virtude da existência de uma corrente significativa de credores em prol da

aprovação do plano. Por conseguinte, o juiz pode conceder o benefício da

recuperação quando o plano tenha alcançado de forma cumulativa na assembleia:

– voto favorável de credores titulares de mais da metade dos créditos presentes à

assembleia, sem consideração das classes; – voto favorável de pelo menos duas

das três classes arroladas no art. 41 da Lei nº 11.101/2005787 ou, na

eventualidade da ausência de alguma classe durante a assembleia, que uma das

duas classes presentes tenha optado pela aprovação do plano; – voto favorável de

pelo menos um terço dos credores da classe contrária à aprovação. Satisfeitas

todas as exigências mínimas arroladas no § 1º do art. 58, de forma cumulativa, o

juiz pode conceder a recuperação judicial.

Por fim, vale ressaltar que o juiz do processo também pode desconsiderar

os votos de credores provenientes de abuso de direito, para conceder a

recuperação judicial, com fundamento no enunciado nº 45 da Jornada de Direito

Comercial do Conselho da Justiça Federal: ―45. O magistrado pode desconsiderar

DÉBITO TRIBUTÁRIO - RISCO DE LESÃO AO PRINCÍPIO NORTEADOR DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - IMPROVIMENTO DA IRRESIGNAÇÃO - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 47, 57 E 68 TODOS DA LEI Nº 11.101/2005 E ART. 155-A, §§ 2º E 3º DO CTN. A recuperação judicial deve ser concedida, a despeito da ausência de certidões fiscais negativas, até que seja elaborada Lei Complementar que regule o parcelamento do débito tributário procedente de tal natureza, sob risco de sepultar a aplicação do novel instituto e, por conseqüência, negar vigência ao princípio que lhe é norteador‖ (Agravo nº 1.0079.06.288873-4/001, 5ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 6 de junho de 2008). No mesmo diapasão, ainda na jurisprudência: ―A exigência do art. 57 da Lei de Recuperação de Empresas deve ser mitigada tendo em vista o princípio de viabilização da empresa de que trata o art. 47, bem como diante da inexistência de lei específica que regule o parcelamento de débitos fiscais das empresas em recuperação (art. 68 da Lei 11.101/05)‖ (Agravo nº 1.0079.07.371306-1/002, 7ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 16 de outubro de 2009). 787

Cf. art. 45 da Lei nº 11.101/2005.

334

334

o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso

de direito‖.

15.3. Consequências jurídicas da concessão da recuperação judicial

Homologado o plano e concedida a recuperação judicial, há a novação dos

créditos anteriores, com a obrigação do empresário individual ou da sociedade

empresária em recuperação, bem assim de todos os credores submetidos ao

processo788. A decisão concessiva da recuperação é título executivo judicial, razão

pela qual poderá fundamentar futura execução civil ou falencial789.

15.4. Recorribilidade da decisão concessiva

Cabe agravo de instrumento contra a decisão concessiva da recuperação

judicial790, recurso que deve ser interposto no prazo de dez dias e endereçado ao

tribunal de segundo grau competente791.

15.5. Prazo máximo do processo de recuperação

O processo de recuperação judicial pode durar até dois anos, prazo que

somente é computado depois da decisão concessiva da recuperação. Com efeito,

ainda que o plano contenha parcelamento por prazo superior792, o processo de

recuperação deve ser encerrado no prazo máximo de dois anos, em cumprimento

ao disposto no art. 61 da Lei nº 11.101/2005.

15.6. Desrespeito ao plano no curso do biênio legal 788

Cf. arts. 49 e 59 da Lei nº 11.101/2005. Vale ressaltar que até mesmo os credores vencidos na deliberação da assembleia-geral são alcançados pela decisão judicial homologatória do plano de recuperação empresarial. 789

Cf. arts. 59, § 1º, e 62, ambos da Lei nº 11.101/2005, combinado com o art. 475-N, inciso III, do Código de Processo Civil vigente. Por oportuno, vale ressaltar que

o art. 584 do original Código de Processo Civil de

1973 foi revogado, com a transposição da matéria para o art. 475-N do Código vigente. É preciso ler, portanto, ―art. 475-N, inciso III‖, no lugar de ―art. 584, inciso III‖, no § 1º do art. 59 da Lei nº 11.101/2005. 790

Cf. art. 59, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 791

Cf. arts. 522 e 524 do Código de Processo Civil, aplicáveis à vista do art. 189 da Lei nº 11.101/2005. 792

Por exemplo, sessenta meses.

335

335

O descumprimento ao disposto no plano de recuperação durante o prazo de

dois anos ocasiona a imediata falência, decretada em razão da convolação da

recuperação793. Sem dúvida, a convolação em falência pode ocorrer por

desrespeito a qualquer obrigação assumida no plano de recuperação judicial794.

Vale ressaltar, entretanto, que os atos empresariais795 praticados durante a

recuperação judicial com a observância das formalidades legais são considerados

válidos e eficazes, até mesmo quando a recuperação é convolada em falência.

Com efeito, o art. 74 da Lei nº 11.101/2005 revela que são válidos e eficazes os

atos empresariais realizados à vista da legislação, ainda que a recuperação

judicial seja convolada em falência.

Na eventualidade de decretação da falência por qualquer das hipóteses

legais de convolação796, os créditos de obrigações supervenientes ao ajuizamento

da recuperação serão considerados extraconcursais no processo falimentar, razão

pela qual têm preferência e serão pagos antes dos créditos concursais797.

Resta saber se o deferimento da recuperação judicial no curso do processo

falimentar798 impede a posterior convolação em falência. Não: é irrelevante se a

recuperação judicial foi concedida na pendência da falência799; o descumprimento

do plano de recuperação sempre autoriza a convolação em falência800, ainda que

a recuperação judicial tenha sido concedida em virtude de resposta veiculada pelo

empresário individual ou pela sociedade empresária no bojo de processo

falimentar.

15.7. Desrespeito ao plano depois do biênio legal

No que tange às obrigações previstas no plano com vencimento somente

depois do biênio legal, o descumprimento pode ocasionar a propositura de

793

Cf. arts. 61, § 1º, e 73, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005. 794

Cf. art. 94, inciso III, letra ―g‖, da Lei nº 11.101/2005. 795

Por exemplo, alienação, oneração de bens, endividamento. 796

Cf. art. 73 da Lei nº 11.101/2005. 797

Cf. arts. 67, 83 e 84, inciso V, todos da Lei nº 11.101/2005. 798

Cf. art. 96, inciso VII, da Lei nº 11.101/2005. 799

Cf. fundamental legal exposto na nota anterior. 800

Cf. arts. 73, inciso IV, e 94, inciso III, alínea ―g‖, ambos da Lei nº 11.101/2005.

336

336

execução civil fundada na decisão concessiva da recuperação judicial ou a

propositura da falência, desde que preenchidas as exigências legais801.

15.8. Satisfação das obrigações constantes do plano durante o biênio legal

Cumpridas todas as obrigações previstas no plano de recuperação durante

o biênio legal, há a prolação de sentença pelo juiz, com o encerramento do

processo recuperativo.

A despeito do encerramento da recuperação, há ainda a necessidade da

observância das providências finais, as quais são tomadas depois da prolação da

sentença802.

Por fim, a sentença prevista no art. 63 da Lei nº 11.101 é impugnável

mediante apelação, em quinze dias803.

801

Cf. arts. 59, § 1º, 62 e 94, inciso III, letra ―g‖, todos da Lei nº 11.101/2005, e art. 475-N, inciso III, do Código de Processo Civil vigente. 802

Cf. art. 63 da Lei nº 11.101/2005. 803

Cf. arts. 508 e 513 do Código de Processo Civil, combinados com o art. 189 da Lei nº 11.101/2005.

337

337

CAPÍTULO IV– RECUPERAÇÃO JUDICIAL ESPECIAL

1. Conceitos de microempresa e empresa de pequeno porte

Por força dos arts. 170, inciso IX, e 179, da Constituição Federal de 1988,

as microempresas e as empresas de pequeno porte devem receber tratamento

privilegiado, com o recebimento de incentivos e a simplificação das obrigações

tributárias, creditícias, previdenciárias e administrativas.

Na mesma esteira, o art. 970 do Código Civil de 2002 também assegura o

tratamento privilegiado, nos termos da legislação especial.

A regulamentação específica reside na Lei Complementar nº 123, de 2006,

e na Lei Complementar nº 139, de 2011, diplomas que indicam os conceitos de

microempresário e de empresário de pequeno porte. À luz do art. 3º da Lei

Complementar nº 123, com a redação conferida pela Lei Complementar nº 139,

microempresa é a firma mercantil individual, a empresa individual de

responsabilidade limitada ou a sociedade empresária que tiver receita bruta anual

igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais). Já a empresa de

pequeno porte é a firma mercantil individual, a empresa individual de

responsabilidade limitada ou a sociedade empresária que tiver receita bruta anual

superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), desde que não seja

superior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais)804.

2. Facultatividade do plano especial

804

Por oportuno, merece ser conferido o disposto no art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 2006, com a redação determinada pela Lei Complementar nº 139, de 2011: ―Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei n

o 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de

Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que: I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e II - no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais)‖.

338

338

A adoção do plano especial é facultativa, em prol apenas das

microempresas e das empresas de pequeno porte805.

No que tange às microempresas e às empresas de pequeno porte

concordatárias na vigência do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, podem requerer a

recuperação judicial, mas não a recuperação especial806.

3. Oportunidade para a escolha entre o plano especial e o plano comum

A escolha do plano entre o especial807 e o comum808 deve ser indicada na

petição inicial da recuperação judicial809.

4. Créditos alcançados pelo plano especial: créditos quirografários

O plano especial abrange apenas credores quirografários. Com efeito, não

são todos os créditos alcançados, mas apenas os quirografários810.

Por conseguinte, os credores que não são quirografários não participam do

processo, porquanto os respectivos créditos não podem ser habilitados na

recuperação judicial fundada em plano especial811.

5. Inexistência de suspensão dos processos cujos créditos não constam do

plano especial

Apenas as ações e execuções cujos créditos foram alcançados pelo plano

especial são atingidas pela recuperação judicial especial; as demais têm curso

normal812.

805

Cf. arts. 70, § 1º, e 72, caput, ambos da Lei nº 11.101/2005. 806

Cf. art. 192, § 2º, in fine, da Lei nº 11.101/2005. 807

Cf. arts. 70 a 72 da Lei nº 11.101/2005. 808

Cf. arts. 49 a 54 da Lei nº 11.101/2005. 809

Cf. art. 70, § 1º, combinado com o art. 51, ambos da Lei nº 11.101/2005. 810

Cf. art. 71, inciso I, da Lei nº 11.101/2005. 811

Cf. art. 70, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 812

Cf. art. 71, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005.

339

339

6. Prazo para a apresentação do plano especial: sessenta dias

Tal como o plano comum de recuperação judicial, o plano especial deve ser

apresentado no prazo de sessenta dias da intimação da decisão de admissão do

processamento da recuperação813.

7. Parcelamento máximo dos créditos: trinta e seis meses

Os créditos quirografários alcançados pelo plano especial podem ser

divididos em até trinta e seis meses, em parcelas mensais iguais, com correção

monetária e juros de doze por cento ao ano814.

8. Prazo máximo para o pagamento da primeira parcela: cento e oitenta

dias

A primeira parcela deve ser paga no prazo máximo de cento e oitenta dias

da distribuição da petição inicial da ação de recuperação especial815.

9. Aumento de despesas e contratação de empregados: necessidade de

autorização judicial

O empresário individual e a sociedade empresária em recuperação judicial

pelo regime especial previsto nos arts. 70 a 72 só podem aumentar despesas e

contratar empregados mediante expressa autorização do juiz, com a prévia

manifestação do administrador judicial e do eventual Comitê de Credores816.

10. Aprovação do plano especial pelo juiz: inexistência de convocação de

assembleia

813

Cf. arts. 53, caput, e 71, caput, ambos da Lei nº 11.101/2005. 814

Cf. art. 71, inciso II, da Lei nº 11.101/2005. 815

Cf. art. 71, inciso III, da Lei nº 11.101/2005. 816

Cf. art. 71, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005.

340

340

Ainda que apresentadas objeções pelos credores, não há a convocação de

assembleia de credores para a aprovação do plano especial, porquanto a

competência para a respectiva aprovação é do juiz. Com efeito, cabe apenas ao

juiz julgar o pedido de recuperação especial817.

11. Improcedência da recuperação especial em razão de objeções

Na eventualidade de credores titulares de mais da metade dos créditos

apresentarem objeções ao plano especial, o juiz deve julgar improcedente a

recuperação judicial especial, com a imediata decretação da falência818.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o pronunciamento judicial

previsto no parágrafo único do art. 72 não é sentença apelável, mas, sim, decisão

interlocutória agravável, em razão da conversão do processo de recuperação

especial em falência819.

12. Proibição de novo benefício no prazo de oito anos

A microempresa e a empresa de pequeno porte já beneficiadas pela

concessão da recuperação com base no plano especial não podem requerer nova

recuperação dentro do prazo de oito anos820.

13. Aplicação subsidiária das regras da recuperação judicial fundada em

plano comum

No que for omissa a Seção V do Capítulo III da Lei nº 11.101/2005,

específica sobre o plano especial, incidem as regras gerais relativas à

recuperação fundada em plano comum.

817

Cf. art. 72, caput, da Lei nº 11.101/2005. 818

Cf. art. 72, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005. 819

Cf. art. 100, proêmio, da Lei nº 11.101/2005. 820

Cf. art. 48, inciso III, da Lei nº 11.101/2005.

341

341

CAPÍTULO V – RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

1. Conceito e natureza jurídica da recuperação extrajudicial

A recuperação extrajudicial é o processo no qual o empresário individual ou

a sociedade empresária em crise econômico-financeira busca a homologação

judicial de plano de recuperação empresarial proveniente de prévia negociação

extrajudicial com os respectivos credores, a fim de que as dívidas possam ser

pagas em prol dos credores, mas em condições também favoráveis ao devedor.

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a recuperação

extrajudicial é um processo judicial, o qual, todavia, é precedido por uma fase

extrajudicial, consubstanciada na negociação extrajudicial do empresário individual

ou da sociedade empresária com os respectivos credores821.

2. Legitimados ativos

A legitimidade ativa para requerer a homologação judicial do plano de

recuperação extrajudicial é extraída da combinação dos arts. 48 e 161 da Lei nº

11.101/2005.

Em primeiro lugar, só o empresário individual e a sociedade empresária

com regular registro na Junta Comercial há mais de dois anos têm legitimidade

para propor a homologação da recuperação extrajudicial822.

Em contraposição, não tem legitimidade ativa o empresário individual ou a

sociedade empresária ainda sob a pecha da falência, ou seja, que ainda não teve

as respectivas obrigações e responsabilidades declaradas extintas mediante

821

Ainda a respeito do conceito e da natureza jurídica da recuperação extrajudicial, merece ser prestigiada a lição da doutrina: ―A recuperação extrajudicial é um procedimento concursal preventivo que contém uma fase preambular de livre contratação e outra final ancorada à formalização judicial. A validade do pacto celebrado envolvendo credores e devedor é condicionada à homologação judicial.‖ ―A recuperação extrajudicial é, sobretudo, um negócio plurilateral. Com efeito, trata-se de um acordo celebrado entre o devedor e alguns credores ou entre o devedor e todos os credores que, consubstanciado formalmente num plano de recuperação do devedor, é levado à homologação judicial.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 668 e 669). 822

Cf. arts. 48, caput, e 161, caput, da Lei nº 11.101/2005.

342

342

sentença transitada em julgado em processo de reabilitação empresarial823. Com

maior razão, não tem legitimidade ativa o empresário individual ou a sociedade

empresária cujo administrador foi condenado por crime concursal empresarial824.

Por fim, a legitimidade ativa do empresário individual ou da sociedade

empresária depende da inexistência de processo de recuperação judicial em curso

e que também não tenha ocorrido a concessão da recuperação judicial ou a

homologação da recuperação extrajudicial nos últimos dois anos825.

A falta de algum dos requisitos legais826 conduz à carência da ação, com a

prolação de sentença terminativa ou processual fundada no art. 267, inciso VI, do

Código de Processo Civil. Incide, por conseguinte, o art. 268 do Código de

Processo Civil, com a possibilidade da propositura de outra ação, com novo

pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial, desde que

cumpridos os requisitos legais827.

3. Vedações ao plano

O plano de recuperação extrajudicial não pode estabelecer o pagamento

antecipado de dívidas, nem conferir tratamento desfavorável aos credores cujos

créditos não foram alcançados, sob pena de a homologação judicial ser denegada

pelo juiz828.

4. Inexistência de suspensão das ações

A propositura do requerimento de homologação judicial do plano de

recuperação extrajudicial não suspende os processos em curso, nem mesmo as

execuções829. Não incide, por conseguinte, o disposto no art. 6º, preceito que

alcança apenas os processos de falência e de recuperação judicial, mas não o

823

Cf. art. 48, inciso I, combinado com os arts. 158 e 159, todos da Lei nº 11.101/2005. 824

Cf. art. 48, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005. 825

Cf. art. 161, § 3º, da Lei nº 11.101/2005. 826

Cf. arts. 48, caput e incisos I e IV, e 161, caput e § 3º, ambos da Lei nº 11.101, de 2005. 827

Cf. art. 164, § 8º, da Lei nº 11.101/2005. 828

Cf. art. 161, § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 829

Cf. art. 161, § 4º, da Lei nº 11.101/2005.

343

343

processo de homologação do plano de recuperação extrajudicial, cujo preceito de

regência é o art. 161.

5. Regra da impossibilidade de desistência dos credores que aderiram ao

plano

Em regra, os credores que participaram da prévia negociação e aderiram ao

plano de recuperação extrajudicial não podem desistir. Só é possível a desistência

com a concordância expressa de todos os subscritores do plano, até mesmo do

empresário individual ou do representante legal da sociedade empresária,

conforme o caso830.

Com efeito, ao contrário do que ocorre em vários preceitos831 da Lei nº

11.101/2005, não há, no § 5º do art. 161, referência somente ao ―devedor‖, nem

apenas aos ―credores‖, mas, sim, aos ―signatários‖. Daí a conclusão: só é

admissível a desistência de algum credor quando há a anuência do devedor832,

bem como dos outros credores subscritores do plano.

6. Possibilidade de propositura de falência pelos credores não sujeitos ao

Plano

Os credores titulares de créditos não alcançados pelo plano de recuperação

extrajudicial podem requerer a falência do empresário individual ou da sociedade

empresária, ainda que na pendência do processo de homologação extrajudicial

daquele plano833.

7. Créditos excluídos da recuperação extrajudicial

830

Cf. art. 161, § 5º, da Lei nº 11.101/2005. 831

Por exemplo, no art. 161, caput e §§ 2º, 3º e 4º, da Lei nº 11.101, de 2005, são encontrados os vocábulos ―devedor‖ e ―credores‖. 832

Vale dizer, empresário individual ou sociedade empresária, à vista do art. 1º da Lei nº 11.101/2005. 833

Cf. art. 161, § 4º, in fine, da Lei nº 11.101/2005.

344

344

Não são todos os créditos que são compatíveis com a recuperação

extrajudicial, a qual não alcança créditos tributários, trabalhistas, acidentários e

alguns créditos contratuais especiais834.

Sem dúvida, a recuperação extrajudicial não é admissível em relação aos

créditos de natureza tributária, trabalhista, acidentária. Também não podem ser

incluídos os créditos de adiantamento em razão de contrato de câmbio para

exportação835 e os relativos aos contratos de alienação fiduciária, arrendamento

mercantil836 e de promessa de compra e venda de imóvel com cláusulas de

irrevogabilidade e de irretratabilidade837.

8. Créditos incluídos no plano extrajudicial: créditos com garantia real, com

privilégio especial, com privilégio geral, quirografários e subordinados

À vista da interpretação a contrario sensu do § 1º do art. 161 da Lei nº

11.101, todos os créditos das classes arroladas nos incisos II838, IV839, V840, VI841 e

VIII842 do art. 83 podem ser incluídos no plano de recuperação extrajudicial. Aliás,

é possível a inclusão de todos os créditos de uma determinada classe, bem assim

de apenas um grupo dos respectivos credores843.

Não obstante, somente os créditos incluídos no plano são considerados na

apuração da existência de maioria qualificada de três quintos (ou seja, de

sessenta por cento), quando há divergência por parte de credores em relação ao

plano proposto pelo empresário individual ou pela sociedade empresária,

conforme o caso844.

834

Cf. art. 161, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. 835

Cf. arts. 49, § 4º, 86, inciso II, e 161, § 1º, todos da Lei nº 11.101/2005, combinados com o art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.728, de 1965. 836

Isto é, leasing. 837

Cf. art. 49, § 3º, combinado com o art. 161, § 1º, ambos da Lei nº 11.101/2005. 838

Créditos com garantia real. 839

Créditos com privilégio especial. 840

Créditos com privilégio geral. 841

Créditos quirografários. 842

Créditos subordinados. 843

Cf. art. 163, § 1º, primeira parte, da Lei nº 11.101/2005. 844

Cf. art. 163, §§ 1º e 2º, da Lei nº 11.101/2005.

345

345

Subscrito o plano extrajudicial por pelo menos três quintos dos credores

titulares de créditos de uma mesma classe845, os demais credores incluídos no

plano também ficam obrigados à vista do caput e do § 1º do art. 163 da Lei nº

11.101/2005.

9. Petição inicial

A petição inicial da ação de homologação do plano de recuperação

extrajudicial sem divergência com os credores alcançados deve ser

fundamentada, ―juntando sua justificativa‖846, e instruída com o documento no qual

constam os termos e condições do plano extrajudicial, com as assinaturas dos

credores que aderiram.

Além das exigências gerais previstas no art. 162, a petição inicial da ação

de homologação de plano extrajudicial com divergência também deve conter

elementos adicionais, à vista da interpretação do § 6º do art. 163, combinado com

aquele preceito:

– a exposição da situação patrimonial do empresário individual ou da

sociedade empresária;

– as demonstrações contábeis relativas ao último exercício social;

– os documentos comprobatórios dos poderes especiais de novação e

transação conferidos aos subscritores do plano;

– a relação nominal completa dos credores;

– a classificação e o valor atualizado dos créditos;

– o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros

contábeis de cada transação pendente.

À evidência, é muito mais complexa a petição inicial da ação de

homologação de pedido extrajudicial com divergência com credor alcançado pelo

plano. 845

Vale dizer, ao menos sessenta por cento dos créditos de igual natureza sujeitos ao plano. 846

Cf. art. 162 da Lei nº 11.101/2005.

346

346

10. Procedimento único para as recuperações extrajudiciais sem e com

divergência

Recebidas as petições iniciais com os pedidos de homologações dos

planos de recuperação extrajudicial sem e com divergência847, o juiz deve ordenar

a publicação de edital no Diário da Justiça eletrônico e também em jornal de

grande circulação nacional ou na localidade do estabelecimento empresarial, a fim

de que os credores possam tomar ciência da abertura do prazo de trinta dias, para

impugnações ao plano848.

11. Prazo para impugnação ao plano de recuperação extrajudicial: trinta

dias

Os credores podem apresentar impugnações no prazo de trinta dias,

contados da publicação do edital849. Como é necessária a veiculação do edital no

Diário da Justiça eletrônico e em jornal impresso de grande circulação, o prazo só

começa a correr da última publicação. É o que se infere da interpretação

sistemática do art. 164, caput e § 2º, à vista dos arts. 53, parágrafo único, e 55,

caput e parágrafo único, todos da Lei nº 11.101/2005.

Ainda no mesmo prazo de trinta dias, deve ser comprovada a remessa de

correspondência a todos os credores sujeitos ao plano extrajudicial. A postagem

que fica a cargo do empresário individual ou da sociedade empresária, conforme o

caso850.

12. Matérias passíveis de veiculação na impugnação ao plano de

recuperação extrajudicial

847

Cf. arts. 162 e 163 da Lei nº 11.101/2005, respectivamente. 848

Cf.art. 164, caput, da Lei nº 11.101/2005. 849

Cf. art. 164, caput e § 2º, da Lei nº 11.101/2005. 850

Cf. art. 164, § 1º, da Lei nº 11.101/2005.

347

347

A impugnação só pode versar sobre as matérias arroladas no § 3º do art.

164 da Lei nº 11.101/2005. Em primeiro lugar, o credor pode suscitar preliminares

referentes ao descumprimento dos requisitos legais previstos nos arts. 48, 161 e

163 da Lei nº 11.101/2005. No mérito, o credor pode apontar atos fraudulentos e

simulados arrolados nos arts. 94, inciso III, e 130 do mesmo diploma.

Ao contrário do que ocorre com a impugnação cabível contra a relação de

credores, a qual é autuada em separado por força dos arts. 8º e 13, o mesmo não

ocorre com a impugnação ao plano de recuperação extrajudicial. Com efeito, a

impugnação ao plano é juntada nos próprios autos do processo de recuperação

extrajudicial.

13. Réplica

Protocolizada alguma impugnação, é aberta vista ao empresário individual

ou à sociedade empresária, com a oportunidade de réplica, em cinco dias851.

14. Julgamento das impugnações

As eventuais impugnações são decididas pelo juiz mediante sentença, com

a concessão ou a denegação da homologação, conforme o caso. Tanto a

sentença concessiva quanto a sentença denegatória da homologação são

impugnáveis mediante apelação, sem efeito suspensivo, ex vi dos arts. 161, § 6º,

e 164, §§ 5º, 6º e 7º, todos da Lei nº 11.101/2005. Por conseguinte, a sentença

homologatória do plano de recuperação tem eficácia desde logo, como bem revela

o caput do art. 165 da Lei nº 11.101/2005852.

Por fim, vale ressaltar que o efeito suspensivo inexistente ex vi legis pode

ser concedido pelo juiz de primeiro grau, desde que solicitado pelo apelante nas

razões do recurso, com fundamento nos arts. 518, caput, 520 e 558, parágrafo

851

Cf. art. 164, § 4º, da Lei nº 11.101/2005. 852

De acordo, na doutrina: ―Qualquer decisão judicial sobre o plano, positiva ou negativa, o recurso cabível será sempre de apelação sem efeito suspensivo. De tal arte que, se o juiz homologar o plano, embora haja recurso do Ministério Público ou de algum credor discordante, o que foi homologado começa a produzir efeitos.‖ (Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 674).

348

348

único, todos do Código de Processo Civil, combinados com o art. 189 da Lei nº

11.101, de 2005853. Ainda que denegado o pleito pelo juiz de origem, há lugar para

a concessão em agravo de instrumento endereçado ao tribunal ad quem

competente854.

15. Natureza jurídica do pronunciamento de homologação: sentença

Ainda em relação ao pronunciamento referente ao plano de recuperação

extrajudicial, será sempre sentença, independentemente da existência de

impugnação, ou não, e da homologação judicial ou da respectiva denegação855.

Em todas as hipóteses, há a prolação de sentença, a qual é impugnável mediante

recurso de apelação, em quinze dias.

Por fim, a sentença homologatória do plano de recuperação extrajudicial

constitui título executivo judicial, a ensejar o requerimento de cumprimento da

sentença previsto no art. 475-I do Código de Processo Civil856.

16. Inexistência de coisa julgada em decorrência da sentença denegatória

Ao contrário da sentença concessiva da homologação do plano de

recuperação extrajudicial, a qual tem natureza de título executivo judicial e

ocasiona a formação da coisa julgada material, o mesmo não ocorre com a

sentença denegatória da homologação. Daí a possibilidade da propositura de novo

requerimento de homologação judicial do plano extrajudicial, tão logo sejam

cumpridas as exigências legais pelo empresário individual ou pela sociedade

empresária, conforme o caso857.

853

Cf. Bernardo Pimentel Souza. Introdução aos recursos cíveis e à ação rescisória. 9ª ed., 2013, p. 284 e 285. 854

Cf. arts. 522, in fine, 527, inciso III, e 558, caput, todos do Código de Processo Civil, combinados com o art. 189 da Lei nº 11.101, de 2005. 855

Cf. arts. 161, § 6º, e 164, §§ 5º, 6º e 7º, da Lei nº 11.101/2005, e art. 475-N, inciso III, do Código de Processo Civil. 856

Cf. art. 161, § 6º, da Lei nº 11.101/2005. 857

Cf. art. 164, § 8º, da Lei nº 11.101/2005.

349

349

17. Possibilidade de acordos privados supervenientes

A pendência do processo de recuperação extrajudicial e até mesmo a

prolação da respectiva sentença homologatória não impedem a realização de

acordos privados entre os credores e o empresário individual ou a sociedade

empresária, ainda que os acordos sejam supervenientes à propositura da ação de

recuperação extrajudicial ou à prolação da sentença homologatória858.

858

Cf. art. 167 da Lei nº 11.101/2005.

350

350

CAPÍTULO VI – FALÊNCIA

1. Conceito de falência

A falência é o processo judicial consubstanciado na execução concursal –

ou coletiva859 – movida contra o empresário individual ou a sociedade empresária,

a fim arrecadar o ativo para liquidar o respectivo passivo em favor dos credores,

com o imediato afastamento do empresário, da sociedade e dos respectivos

sócios ilimitadamente responsáveis das atividades empresárias (arts. 1º, 75, 81,

115 e 190 da Lei nº 11.101/2005).

2. Etimologia

As raízes históricas do termo ―falência‖ residem no latim ―fallere‖, cujo

significado (falhar, faltar, enganar) revela a essência do instituto jurídico: omissão

do empresário individual ou da sociedade empresária em relação ao pagamento

das obrigações com os respectivos credores, por falta de recursos financeiros ou

por conduta fraudulenta na administração empresarial860.

859

De acordo, na doutrina: ―Quando um devedor comerciante não paga suas obrigações, instaura-se contra ele execução coletiva:‖ (Celso Agrícola Barbi. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume I, 9ª ed., 1994, p. 86, nº 126). 860

De acordo, na doutrina: ―Convém, nestes estudos preliminares, indagarmos da origem etimológica do vocábulo falência ou, mais precisamente, do verbo falir. Proveio, sem dúvida, do verbo latino fallere – faltar,

enganar. Significa falta do cumprimento de uma obrigação ou do que foi prometido. De expressão comum o verbo passou, tecnicamente, no meio jurídico, a expressar a impossibilidade do devedor pagar suas dívidas, em conseqüência da falta de meios decorrentes de escasso e insuficiente patrimônio.‖ (Rubens Requião. Curso de direito falimentar. Volume I, 14ª ed., 1991, p. 3, com os destaques em itálico no original).

351

351

Com efeito, a execução concursal – ou coletiva – de empresário ou

sociedade empresária é denominada ―falência‖, tendo em vista o disposto na Lei

nº 11.101/2005. Não obstante, o sinônimo ―quebra‖ é o termo encontrado no

antigo Código Comercial de 1850, cuja Parte Terceira tinha o seguinte título: ―DAS

QUEBRAS‖. É certo que os respectivos arts. 797 a 913 do Código de 1850 foram

revogados com o advento do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, diploma intitulado ―Lei

de Falências‖. Consagrou-se, a partir daí, o termo ―falência‖, prestigiado na atual

Lei nº 11.101/2005.

Além dos vocábulos ―falência‖ e ―quebra‖, o antigo termo ―bancarrota‖

também pode ser utilizado para designar a falência861, com bem revela o art. 263

do Código Criminal de 1830: ―A bancarrôta que for qualificada de fraudulenta, na

conformidade das Leis do Comércio, será punida com a prisão com trabalho por

oito annos.‖862.

Já o termo ―insolvência‖ não pode ser considerado sinônimo de ―falência‖,

tendo em vista o disposto no direito positivo brasileiro. Com efeito, o vocábulo

―insolvência‖ designa instituto do direito processual civil, como bem revelam os

arts. 748 e seguintes do Código de Processo Civil. Em suma, os termos ―quebra‖ e

―bancarrota‖ são sinônimos de ―falência‖, mas não o vocábulo ―insolvência‖,

porquanto o mesmo tem lugar no direito processual civil, para designar o processo

contra o devedor civil cujas dívidas superam os bens pessoais.

Por fim, os vocábulos ―falimentar‖ e ―falencial‖ também podem ser utilizados

para designar a falência e o respectivo processo.

3. Princípios do processo falimentar

O processo falimentar é norteado pelos princípios da celeridade e da

economia processual (art. 75, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005). Aliás, mais

do que princípios do processo falimentar, os princípios da celeridade e da

861

É preciso reconhecer, entretanto, que a doutrina clássica ensina que o termo ―bancarrota‖ significa falência fraudulenta: cf. Rubens Requião. Curso de direito falimentar. Volume I, 14ª ed., 1991, p. 3 e 4. Não obstante, o art. 263 do Código Criminal de 1830 permite sustentar que há sinonímia com o termo ―falência‖. 862

Texto transcrito com a redação original.

352

352

economia são princípios constitucionais norteadores dos processos em geral (arts.

5º, LXXVIII, e 93, inciso XV, ambos da Constituição Federal vigente).

No que tange ao processo falimentar, é possível encontrar a influência dos

princípios da celeridade e da economia processual em vários preceitos da Lei nº

11.101/2005. Por exemplo, o art. 79 assegura a preferência863 de julgamento das

ações, dos incidentes e dos recursos relativos à falência em todos os graus de

jurisdição, em razão da celeridade que marca o processo falimentar. Já a

economia processual é encontrada no art. 80, preceito segundo o qual os créditos

incluídos no Quadro-Geral de Credores durante a recuperação judicial já são

considerados habilitados na falência. Outro exemplo de incidência do princípio da

economia processual reside na segunda parte do § 3º do art. 159, em virtude da

possibilidade da declaração da extinção das obrigações do falido na própria

sentença de encerramento da falência, sem a necessidade da prolação de

sentença específica para a reabilitação.

4. Distribuição imediata e obrigatória

Além da distribuição imediata garantida às ações em geral à vista do inciso

XV do art. 93 da Constituição Federal vigente, a distribuição da ação falimentar

também é obrigatória. Por conseguinte, o disposto no art. 257 do Código de

Processo Civil não alcança a ação falimentar, porquanto prevalece o preceito

específico, qual seja, o art. 78, caput, da Lei nº 11.101/2005, segundo o qual a

distribuição é obrigatória, vale dizer, a distribuição da falência não está sujeita ao

pagamento de custas iniciais. À luz da combinação do art. 84, inciso III, in fine,

com o art. 149, caput, ambos da Lei nº 11.101/2005, as custas processuais

somente são pagas depois da arrecadação dos bens e da realização do ativo e

das restituições, quando são pagos os créditos extraconcursais.

863

O art. 79 da Lei nº 11.101, entretanto, deve ser interpretado conforme a Constituição Federal, porquanto as ações constitucionais de habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e ação popular têm preferência em relação à ação de falência.

353

353

5. Juízo competente

À vista do art. 3º da Lei nº 11.101/2005, é competente para processar e

julgar a falência o juízo cível ou empresarial existente na comarca do local do

―principal estabelecimento‖ do empresário individual ou da sociedade empresária

nacional. Trata-se de competência absoluta864, a qual pode ser declarada de ofício

pelo juiz, bem como pode ser suscitada na contestação ou veiculada a qualquer

tempo mediante simples petição.

No que tange ao conceito de ―principal estabelecimento‖, não importa o

indicado no contrato ou no estatuto, conforme o caso, mas, sim, o estabelecimento

no qual reside o comando da atividade empresarial, ainda que não seja o maior do

ponto de vista físico. Em abono, vale conferir o preciso enunciado nº 465 aprovado

na Quinta Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal: ―Para fins do

Direito Falimentar, o local do principal estabelecimento é aquele de onde partem

as decisões empresariais, e não necessariamente a sede indicada no registro

público‖865.

Já em relação às sociedades empresárias estrangeiras, a competência é do

juízo do local da filial existente no país, ex vi do art. 3º, in fine, da Lei nº

11.101/2005.

864

De acordo, na jurisprudência: ―FALÊNCIA. FORO DO ESTABELECIMENTO PRINCIPAL DO DEVEDOR. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. Conforme prescrição expressa no art. 7º do Decreto-Lei nº 7.661/45, bem como no art. 3º da nova Lei de Falências – Lei nºº 11.101/05 -, o foro competente para declaração da falência é aquele onde o devedor mantém o seu principal estabelecimento.‖ (AGI nº 2004.00.2.003330-5, Acórdão registrado sob o nº 218.531, 2ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 4 de agosto de 2005, 63). ―- A competência do juízo falimentar é absoluta.‖ (CC nº 37.736/SP, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 16 de agosto de 2004). Ainda em sentido semelhante, também na jurisprudência: RE nº 98.928/RJ, 1ª Turma do STF, Diário da Justiça de 12 de agosto de 1983, p. 11.766. 865

No mesmo diapasão, na jurisprudência: ―II - Consoante entendimento jurisprudencial, respaldado em abalizada doutrina, ‗estabelecimento principal é o local onde a atividade se mantém centralizada‘, não sendo, de outra parte, ‗aquele a que os estatutos conferem o título principal, mas o que forma o corpo vivo, o centro vital das principais atividades do devedor‘.‖ (CC nº 32.988/RJ, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 4 de fevereiro de 2002, p. 269). De acordo, também na jurisprudência: CJ nº 6.025/SP, Pleno do STF, Diário da Justiça de 18 de fevereiro de 1977, Revista Trimestral de Jurisprudência, volume 81, p. 705. Por fim, ainda na jurisprudência: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE FALÊNCIA. COMPETÊNCIA. SEDE DESIGNADA NOS ESTATUTOS. PREVALÊNCIA DO PRINCIPAL ESTABELECIMENTO. I - É competente para declarar a falência o juízo do local em cuja jurisdição o devedor tem o seu principal estabelecimento ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil. Inteligência do art. 3° da Lei n° 11.101/2005. II - Consoante entendimento jurisprudencial, respaldado em abalizada doutrina, ‗estabelecimento principal é o local onde a atividade se mantém centralizada‘, não sendo, de outra parte, ‗aquele a que os estatutos conferem o título principal, mas o que forma o corpo vivo, o centro vital das principais atividades do devedor‘ (CC 32.988/RJ, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, SEGUNDA SEÇÃO‘. III – Deu-se provimento.‖ (AGI nº 2007.00.2.007081-3, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 30 de agosto de 2007, p. 106).

354

354

Por fim, a distribuição da ação de falência previne a competência do juízo

para qualquer outro pedido de falência relativo ao mesmo empresário individual ou

à mesma sociedade empresarial (art. 6º, § 8º, da Lei nº 11.101/2005)866.

6. Juízo universal da falência

Em regra, as ações sobre bens, negócios e interesses em geral do

empresário individual e da sociedade empresária também são processadas

perante o juízo da falência, o qual é universal. Com efeito, além da ação de

falência, o juízo falimentar tem competência para a generalidade das ações

relacionadas aos bens, negócios e interesses do empresário individual e da

sociedade empresária. É a regra extraída do proêmio do art. 76 da Lei nº

11.101/2005.

7. Distribuição por dependência das ações sujeitas ao juízo universal da

falência

Na esteira da ação de falência, as inúmeras ações conexas devem ser

distribuídas no mesmo juízo da falência, por dependência ao processo falimentar

já instaurado (art. 78, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005). A ação de

retificação do art. 10, § 6º, a ação de responsabilização do art. 82, a ação de

restituição do art. 85, a ação de embargos de terceiro do art. 93, a ação de

recuperação judicial dos arts. 95 e 96, inciso VII, a ação revocatória dos arts. 130

e 132, a ação de prestação de contas do art. 154 e a ação de reabilitação do art.

159, por exemplo, devem ser propostas no juízo da falência e distribuídas por

dependência ao processo falimentar.

Ainda em relação às ações conexas, o administrador judicial nomeado pelo

juiz no processo falimentar deve ser intimado para participar de todas as ações,

866

Assim, na jurisprudência: AGI nº 2005.00.2.007098-9, 2ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 7 de março de 2006, p. 90: ―1. A fixação da competência para o conhecimento e julgamento de ações falimentares se opera quando da distribuição da primeira ação manejada com esse mister, estando prevento o juízo que primeiro cuidou da matéria‖.

355

355

sob pena de nulidade dos respectivos processos (art. 76, parágrafo único, com o

reforço do art. 22, inciso III, alínea ―c‖).

8. Exceções ao juízo universal da falência

O art. 76 da Lei nº 11.101 indica as ações que não são processadas

perante o juízo da falência, porquanto a regra da universalidade não é absoluta.

Em primeiro lugar, a combinação do art. 6º, § 2º, segunda parte, com o art.

76 da Lei nº 11.101 revela que as ações de natureza trabalhista não são

processadas perante o juízo falimentar, ainda que ajuizadas depois da decretação

da falência. À vista do art. 114 da Constituição Federal, a competência é da

Justiça do Trabalho.

Por força da combinação do art. 6º, § 7º, com o art. 76, ambos da Lei nº

11.101, as ações de execução fiscal e de embargos à execução fiscal também

não são processadas perante o juízo da falência. Em reforço, o art. 187 do Código

Tributário Nacional e os arts. 5º e 29 da Lei nº 6.830 estabelecem que a cobrança

judicial do crédito tributário não está sujeita a concurso de credores nem

habilitação na falência. Com efeito, como as execuções fiscais e as correlativas

ações de embargos não são da competência do juízo da falência, devem ser

distribuídas segundo os princípios da alternatividade, do sorteio e da

publicidade867 perante os juízos especializados da Fazenda Pública ou, na falta

dos mesmos, entre os juízos cíveis, sem dependência alguma ao processo

falimentar868. Nada impede, entretanto, que a pessoa jurídica de direito público

interno titular do crédito tributário opte pela habilitação do mesmo no processo

falimentar, quando fica sujeita ao juízo da falência869.

867

Cf. arts. 252 e 256 do Código de Processo Civil. 868

Assim, na jurisprudência: ―CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. FALÊNCIA DA EXECUTADA. A teor do disposto no art. 187, do Código Tributário Nacional e na Lei de Execuções Fiscais, não há obrigação, por parte da Fazenda Pública, em habilitar-se perante o juízo universal da falência, uma vez que a cobrança judicial de crédito tributário não está sujeita ao concurso de credores. Precedentes jurisprudenciais. CONFLITO ACOLHIDO.‖ (CC nº 70014787964, 5ª Câmara Cível do TJRS, Diário da Justiça de 31 de maio de 2007). 869

Assim, na jurisprudência: ―CRÉDITO TRIBUTÁRIO. HABILITAÇÃO NA FALÊNCIA. POSSIBILIDADE. IMPUGNAÇÃO. 1- O crédito tributário – cuja cobrança judicial se faz por meio de procedimento próprio, a execução fiscal – não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência. 2- No entanto, poderá a

356

356

Também não compete ao juízo da falência processar as ações não

reguladas pela Lei nº 11.101, quando movidas pelo empresário individual, pela

sociedade empresária ou pelos sócios com responsabilidade ilimitada, na

qualidade de autor ou de litisconsórcio ativo (art. 76, caput, in fine). Com efeito, as

ações propostas pelo empresário individual, pela sociedade empresária ou pelos

sócios com responsabilidade ilimitada não são da competência do juízo da

falência870.

Salvo a ação de falência, não compete ao juízo falimentar processar e

julgar as ações em geral nas quais a União, as autarquias e as empresas públicas

federais participam na qualidade de autoras, rés, opoentes ou assistentes, ainda

que movidas contra o empresário individual ou a sociedade empresária em regime

falimentar. À vista do art. 109, inciso I, da Constituição, trata-se de competência da

Justiça Federal871.

Não obstante, as ações trabalhistas, fiscais e cíveis processadas fora do

juízo da falência são acompanhadas pelo administrador judicial, o qual deve ser

intimado, sob pena de nulidade dos respectivos processos (art. 76, parágrafo

único, com o reforço do art. 22, inciso III, alínea ―c‖, da Lei nº 11.101/2005).

Sob outro prisma, as ações penais também não são da competência do

juízo da falência (art. 183 da Lei nº 11.101/2005). Com efeito, compete ao juízo

criminal conhecer da ação penal pelos crimes previstos na Lei nº 11.101/2005. A

ação penal só é processada perante o mesmo juízo da falência nas comarcas de

interior com vara única. Nas demais comarcas, a ação penal é processada perante

o juízo criminal.

Fazenda Pública optar pela habilitação de seu crédito na falência, caso em que a competência para eventual impugnação será do juízo falimentar. 3 - Agravo provido‖ (AGI nº 2008.00.2.001657-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 2 de abril de 2008, p. 110). 870

A propósito, merece ser prestigiada a lição do Professor Waldo Fazzio Júnior: ―A lei não menciona, mas também prosseguem contra o devedor mesmo as ações tangentes com o direito de família (ação de divórcio, de nulidade matrimonial etc), visto que personalíssimas.‖ (Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 648). 871

Assim, na jurisprudência: ―COMPETÊNCIA. CONFLITO. AÇÃO AJUIZADA POR EMPRESA PÚBLICA FEDERAL CONTRA MASSA FALIDA. PRECEDENTES DA SEÇÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. — Não se tratando de causa de falência, assim entendida aquela em que se pede a decretação da quebra ou é regulada pela lei respectiva, a competência para as ações em que figure como autora, ré, assistente ou opoente a União, autarquia ou empresa pública federal, é da Justiça Federal, ainda que movimentada contra massa falida.‖ (CC nº 16.115/RS, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 24 de fevereiro de 2003, p. 179).

357

357

Por fim, as ações que versam sobre quantia ilíquida iniciadas antes da

falência têm prosseguimento no mesmo juízo no qual foram propostas, ainda que

movidas contra o empresário individual ou a sociedade empresária (art. 6º, § 1º,

da Lei nº 11.101/2005)872. Com a superveniência da falência, o administrador

judicial assume a representação judicial da massa falida, no juízo original no qual

a ação tramita, sem deslocamento para o juízo falimentar (art. 22, inciso III, alínea

―c‖, da Lei nº 11.101/2005).

9. Legitimados ativos para a falência

A falência do empresário individual ou da sociedade empresária pode ser

requerida por qualquer um dos legitimados arrolados no art. 97 da Lei nº

11.101/2005.

Em primeiro lugar, há a possibilidade da denominada autofalência,

porquanto o empresário individual e a sociedade empresária podem requerer as

respectivas falências (arts. 97, inciso I, 105 a 107).

O cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro e o inventariante do processo de

inventário do empresário individual também têm legitimidade ativa para o

requerimento da falência do espólio do empresário individual falecido (art. 97,

inciso II). Com efeito, o espólio do empresário individual falecido cujo passivo

supera o ativo é rateado mediante processo de falência, segundo a classificação

dos créditos e o princípio da par conditio creditorum (arts. 97, inciso II, e 125,

todos da Lei nº 11.101/2005). O requerimento de falência, entretanto, não pode

872

Em abono, na doutrina: ―Em cinco hipóteses, contudo, abrem-se exceções ao princípio da universalidade do juízo falimentar: omissis; b) ações que demandam quantia ilíquida, independentemente da posição da massa falida na relação processual, também não são atraídas pelo juízo universal da falência, caso já estivessem em tramitação ao tempo da decretação desta; nesse caso, elas continuam se processando no juízo no qual haviam sido distribuídas; imagine que o culpado pelo acidente de trânsito era o motorista empregado da sociedade empresária e que a ação de indenização proposta pela vítima já corria quando foi decretada a falência da demandada; como se trata de ação referente a quantia ilíquida, o juízo falimentar não terá força atrativa.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 262 e 263).

358

358

ser apresentado após um ano do falecimento do empresário individual (art. 96, §

1º, in fine)873.

Os cotistas e acionistas de sociedade empresária também têm legitimidade

para o requerimento da falência, na forma da lei, do estatuto ou do contrato social

(art. 97, inciso III).

À vista do art. 97, inciso IV, da Lei nº 11.101/2005, tanto o credor civil

quanto o credor empresário podem requerer a falência do empresário individual ou

da sociedade empresária. Sem dúvida, o credor civil também tem legitimidade

ativa para a propositura da ação falimentar. Em abono, vale conferir o preciso

enunciado nº 47 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―O credor não

comerciante pode requerer a quebra do devedor‖874.

Vale ressaltar que cada credor – civil ou empresário – tem legitimidade ativa

por si só. Não há necessidade, portanto, de pluralidade de credores para que a

ação falimentar seja admissível. Daí o acerto do enunciado nº 44 da Súmula do

Tribunal de Justiça de São Paulo: ―A pluralidade de credores não constitui

pressuposto da falência‖.

No que tange especificamente ao credor empresário, o pedido de

decretação da falência deve ser instruído com a certidão comprobatória da

regularidade da atividade empresarial do requerente, obtida perante a Junta

Comercial875.

Já o credor domiciliado no exterior deve cumprir o disposto nos arts. 97, §

2º, e 101, ambos da Lei nº 11.101/2005: o pedido de decretação da falência

depende da prestação de caução, para a eventualidade de condenação do autor

ao pagamento de indenização por requerimento doloso, além das custas

873

À vista do art. 983 do Código de Processo Civil, o processo de inventário deve ser iniciado dentro de sessenta dias da abertura da sucessão e deve ser concluído nos doze meses subsequentes. 874

De acordo com o texto do parágrafo, na jurisprudência: REsp nº 237.419/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de julho de 2004. 875

Cf. art. 97, § 1º, da Lei nº 11.101, de 2005, combinado com o proêmio do art. 1.150 do Código Civil de 2002.

359

359

processuais876. Trata-se de caução similar à prevista no art. 835 do Código de

Processo Civil, denominada cautio pro expensis e cautio iudicatum solvi877.

O credor domiciliado no exterior deve oferecer a caução já na petição inicial

da falência. Na eventualidade de omissão, o autor deve ser intimado para prestar

a caução, ex vi do art. 284 do Código de Processo Civil, combinado com o art. 189

da Lei nº 11.101/2005. Se a omissão subsistir, o juiz deve indeferir a petição inicial

da falência, por meio de sentença.

Embora a Lei nº 11.101/2005 seja omissa em relação ao montante da

caução, o artigo 18 do Código de Processo Civil pode ser aplicado por analogia,

com destaque para o § 2º, motivo pelo qual cabe ao juiz exigir a prestação de

caução correspondente a vinte por cento do valor objeto da falência.

Ainda em relação à admissibilidade de falência acionada por credor,

prevalece o entendimento segundo o qual a Fazenda Pública credora não tem

legitimidade nem interesse processual para ajuizar falência em face de empresário

e de sociedade empresária devedores, tendo em vista a previsão de processo

especial na Lei nº 6.830/1980 para a cobrança dos respectivos créditos. Daí a

justificativa para a aprovação do enunciado nº 56 na Jornada de Direito Comercial

do Conselho da Justiça Federal: ―56. A Fazenda Pública não possui legitimidade

ou interesse de agir para requerer a falência do devedor empresário‖878.

Por fim, além dos legitimados arrolados no art. 97 da Lei nº 11.101/2005, há

outros legitimados ativos por força de leis especiais. Por exemplo, os arts. 12 e 21 876

De acordo, na jurisprudência: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO - REQUERIMENTO DE FALÊNCIA – CREDOR NÃO DOMICILIADO NO BRASIL - PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO - INTELIGÊNCIA DO ART. 97, §2º, LEI 11.101/05 - RECURSO IMPROVIDO. - O credor que requer a falência de empresa brasileira terá, conforme dispõe o art. 97, §2º, da lei de falências, que prestar caução a título de eventual indenização decorrente do art. 101 da mesma lei.‖ (Agravo nº 1.0035.10.017011-3/001, 2ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça eletrônico de 19 de julho de 2011). 877

De acordo, na doutrina: ―Os arts. 835 a 838 tratam de uma caução especial, a cautio judicatum solvi, exigida do autor, nacional ou estrangeiro, que residir fora do Brasil ou dele se ausentar na pendência da demanda, para garantia das custas e honorários de advogado da parte contrária, se não tiver no Brasil bens imóveis que lhe assegurem o pagamento. Idêntica caução é exigida do credor que não tenha domicílio no Brasil para requerer a falência (art. 97, § 2º, da Lei Falimentar).‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 19ª ed., 2008, p. 193 e 194). 878

Assim, na jurisprudência: ―FALÊNCIA. LEGITIMIDADE. FAZENDA PÚBLICA. A Fazenda Pública não tem legitimidade para requerer a falência.‖ (REsp nº 138.868/MG, 4ª Turma do STJ). ―É defeso à Fazenda Pública cobrar seus créditos fiscais através do processo falimentar, pois a ela são conferidos diversos privilégios que dispensam e suplantam esta necessidade, ocorrendo, ‗in casu‘, a falta de interesse de agir e a ilegitimidade ativa para a causa.‖ (Apelação nº 000.246.591-2/00, 6ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 1º de outubro de 2002).

360

360

da Lei nº 6.024/1976 conferem legitimidade ativa ao interventor e ao liquidante

para o ajuizamento de falência em face de instituição financeira privada e de

cooperativa de crédito, após prévia autorização do Banco Central.

10. Causas de pedir da falência

O art. 94 arrola inúmeras causas que autorizam a decretação da falência do

empresário individual ou da sociedade empresária, quais sejam: impontualidade

injustificada, execução frustrada e atos de falência.

10.1. Impontualidade injustificada: inteligência do inciso I do art. 94 da Lei nº

11.101

Com efeito, a primeira causa de pedir reside na impontualidade

injustificada, isto é, a falta de pagamento de obrigação líquida proveniente de título

protestado cujo valor supera o equivalente a quarenta salários mínimos, sem

relevante razão de direito879. É líquida a obrigação de valor determinado

proveniente de título executivo judicial ou extrajudicial880 (arts. 475-N e 585 do

Código de Processo Civil). Não obstante, ainda que líquidos, créditos provenientes

de obrigações a título gratuito e eventuais despesas881 realizadas para

reconhecimento de crédito não autorizam a propositura da ação falimentar (arts. 5º

e 94, § 2º, da Lei nº 11.101/2005).

879

São exemplos de falta de pagamento por relevante razão de direito: — queda das ações da sociedade anônima na Bolsa de Valores em razão de crise econômica internacional; — restrições internacionais às mercadorias nacionais produzidas pela sociedade empresária acionada; — bloqueio governamental de ativos do empresário individual ou da sociedade empresária; — liquidação extrajudicial do banco no qual estão depositados os respectivos ativos (os últimos dois exemplos são de autoria do Professor Fábio Ulhoa Coelho). 880

Como os títulos de crédito insertos no art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil. Assim, na jurisprudência: Apelação nº 2004.01.1.107170-5, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 27 de março de 2007, p. 80: ―– O pagamento parcial da dívida não pode afastar o direito de ajuizar pedido de falência, com base em cheque devolvido por insuficiência de fundos, pois o mesmo configura título líqüido, certo e inexigível‖. Em contraposição, títulos de crédito prescritos não autorizam a propositura da falência, em razão da perda do atributo da executividade: ―O cheque prescrito não é título hábil para embasar o pedido de falência, assim como a duplicata sem aceite, protestada, mas sem a necessária prova da efetiva prestação de serviços. Precedentes.‖ (Apelação nº 2004.01.1.068011-4, 4ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 21 de março de 2006, p. 106). 881

Por exemplo, com honorários advocatícios, com perito judicial.

361

361

No que tange ao valor mínimo para a imediata propositura da ação

falimentar, é possível a formação de litisconsórcio ativo de credores, com a soma

dos respectivos créditos, a fim de alcançar quantia superior ao piso de quarenta

salários mínimos (art. 94, § 1º, da Lei nº 11.101/2005).

A petição inicial da falência deve ser instruída com o título executivo

original; no lugar do título executivo original, entretanto, é igualmente admissível a

juntada da respectiva reprodução autenticada em juízo882.

Ainda em relação à petição inicial da falência, também deve ser instruída

com o instrumento comprobatório do protesto, em razão do disposto no art. 94, §

3º, da Lei nº 11.101/2005, e no art. 23, parágrafo único, da Lei nº 9.492/1997. Com

efeito, a petição da ação falimentar precisa ser acompanhada do ―protesto

especial‖ ou ―protesto falimentar‖, previsto no parágrafo único do art. 23 da Lei nº

9.492/1997, ou pelo menos do protesto comum, consoante autoriza o enunciado

nº 41 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―O protesto comum

dispensa o especial para o requerimento de falência‖.

Tanto no protesto falimentar quanto no protesto comum, todavia, a validade

da notificação depende da identificação da pessoa que a receber no

estabelecimento empresarial, como bem revelam o enunciado nº 361 da Súmula

do Superior Tribunal de Justiça e o enunciado nº 52 da Súmula do Tribunal de

Justiça de São Paulo, respectivamente: ―A notificação do protesto, para

requerimento de falência da empresa devedora, exige a identificação da pessoa

que a recebeu‖; ―Para a validade do protesto basta a entrega da notificação no

estabelecimento do devedor e sua recepção por pessoa identificada‖.

Não obstante, há lugar para cautelar de sustação protesto com esteio no

art. 17 da Lei nº 9.492/1997, para impedir a lavratura do protesto indispensável

para a propositura da ação de falência fundada na impontualidade, quando existir

justo motivo para a não realização do pagamento883.

882

Cf. art. 9º, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005. 883

Em sentido conforme, na doutrina: ―São freqüentes, por exemplo, as cauções fixadas em ações cautelares de sustação de protesto, com liminar inaudita altera parte‖. ―Na sustação de protesto, em regra a caução é exigida para demonstrar a solvência do requerente, mormente quando se trata de empresa que pode postular

362

362

10.2. Execução frustrada: inteligência do inciso II do art. 94 da Lei nº 11.101

A segunda causa de pedir da ação falimentar é a execução frustrada, assim

considerada a falta de pagamento dentro do prazo legal de três dias pelo

executado, somada à ausência de bens penhoráveis, em execução por quantia

líquida movida contra o empresário individual ou a sociedade empresária,

conforme o caso884-885.

Com efeito, decorrido o prazo de três dias, o oficial de justiça efetua a

penhora de bens (art. 652, § 1º, do Código de Processo Civil). Não encontrados

bens penhoráveis pelo oficial, o juiz, de ofício ou a requerimento do exeqüente,

pode determinar a intimação do executado, para indicar bens passíveis de

penhora (arts. 600, inciso IV, e 652, § 3º, do Código de Processo Civil). Na falta de

bens penhoráveis, suspende-se o processo executivo civil (art. 791, inciso III, do

Código de Processo Civil). Diante da execução frustrada, há lugar para a

propositura da falência pelo exeqüente, após a obtenção de certidão

comprobatória da frustração da execução civil perante o juízo competente (art. 94,

§ 4º, da Lei nº 11.101/2005)886.

Ainda a respeito da segunda causa de pedir, a ação de falência proveniente

de execução frustrada independe do valor da obrigação líquida, a qual pode até

ser inferior ao piso legal de quarenta salários mínimos do inciso I do art. 94 da Lei

nº 11.101/2005. Com efeito, frustrada a execução, há lugar para a falência, a medida para impedir o ajuizamento de pedido de quebra ou a retroação dos termos legais desta.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 290). 884

Cf. art. 94, inciso II, da Lei nº 11.101/2005, combinado com o art. 652, caput, do Código de Processo Civil, com a redação conferida pela Lei nº 11.328/2006. 885

Em abono, na jurisprudência: ―APELAÇÃO – PEDIDO DE FALÊNCIA – EXECUÇÃO FRUSTRADA – AUSÊNCIA DE REQUISITO ESSENCIAL - CITAÇÃO – PESSOA JURÍDICA – REPRESENTANTE PROCESSUAL. 1. Para decretação da falência com fundamento no art. 94, inciso II, da Lei 11.101/2005, faz-se necessário que a empresa, devidamente citada na pessoa do representante legal, não tenha pago, depositado ou indicado bens em valor suficiente ao adimplemento da obrigação executada.‖ (Apelação nº 2006.01.1.026514-2, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 5 de setembro de 2007, p. 144). 886

Em sentido semelhante, na jurisprudência: ―É possível o pedido de certidão falimentar quando evidenciada a inadimplência da devedora (art. 94 da Lei nº 11.101/05).‖ (ÀGI nº 2007.00.2.008520-4, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 27 de setembro de 2007, p. 95). Colhe-se do didático voto condutor proferido pelo Desembargador-Relator: ―Evidenciou-se a inadimplência da agravante, pois, não obstante a determinação pelo magistrado de origem para o cumprimento da obrigação de pagar quantia certa ou indicar bens à penhora, permaneceu a mesma inerte. Foi, ainda, requerido pelo agravado e autorizado o bloqueio via Bacen Jud, sem a obtenção de êxito. Logo, o pedido de certidão falimentar está em consonância com o disposto no §4º do art. 94 da Lei n º 11.101/05‖.

363

363

independentemente do valor objeto da execução. Em abono, vale conferir o

preciso enunciado nº 39 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―No

pedido de falência fundado em execução frustrada é irrelevante o valor da

obrigação não satisfeita‖.

Além dos requisitos gerais previstos nos arts. 282 e 283 do Código de

Processo Civil, bem assim nos §§ 1º e 2º do art. 97 da Lei nº 11.101/2005, a

petição inicial da falência fundada no inciso II do art. 94 deve ser instruída com

certidão expedida no juízo da execução (art. 94, § 4º, da Lei nº 11.101/2005). A

execução individual proposta contra o empresário individual ou a sociedade

empresária à luz do Código de Processo Civil, entretanto, fica suspensa com a

decretação da falência, até a ulterior prolação da sentença de encerramento do

processo falimentar (arts. 6º, caput, 99, inciso V, e 157, da Lei nº 11.101/2005,

combinados com o art. 265, inciso IV, alínea ―a‖, do Código de Processo Civil)887.

Por fim, não há necessidade de protesto para a propositura da ação de

falência fundada na causa arrolada no inciso II888 do art. 94 da Lei nº 11.101/2005,

porquanto o § 3º do art. 94 exige o protesto falimentar apenas na quebra requerida

com esteio no inciso I. Com igual conclusão, vale conferir o preciso enunciado nº

50 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―No pedido de falência com

fundamento na execução frustrada ou nos atos de falência não é necessário o

protesto do título executivo‖.

887

Em abono, ainda que na jurisprudência construída à luz do anterior Decreto-lei nº 7.661, de 1945: ―EXECUÇÃO. PEDIDO DE FALÊNCIA SUPERVENIENTE FORMULADO COM ARRIMO NO ART. 2º, INC. I, DA LEI DE QUEBRAS. SUSPENSÃO DO PROCESSO EXECUTIVO. EXTINÇÃO DO FEITO AFASTADA. É permitido ao credor requerer a suspensão do processo de execução, quando por ele ajuizado pedido de falência contra o executado comerciante nos termos do art. 2º, inc. I, do Dec. Lei nº 7.661, de 21.06.45. Recurso especial conhecido pela letra ‗c‘ e provido.‖ (REsp nº 146.648/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 29 de junho de 1998). Ainda no mesmo sentido: ―A execução contra devedor falido fica suspensa desde que seja declarada a falência até o seu encerramento.‖ (REsp nº 196.303/MG, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 9 de setembro de 2002). ―III – Aforado pelo credor exeqüente o requerimento de falência, a execução singular ajuizada deverá pelo menos ficar suspensa, sendo viciados os atos que nela vierem a ter lugar a partir de então.‖ (REsp nº 6.782/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 22 de março de 1993). 888

A respeito da dispensa do protesto falimentar quando a quebra é requerida com esteio no inciso II do art. 94 da Lei nº 11.101, de 2005, na jurisprudência: ―2 - O pedido de falência fundado em título executivo judicial pode ser instruído apenas com a certidão do juízo da execução, sendo dispensável o protesto especial para fins de falência. Não há porque exigir-se o protesto especial de um título judicial, porquanto, em sede de execução, a inadimplência e o descumprimento da obrigação já são suficientemente provadas.‖ (AGI nº 2006.00.2.012704-5, 3ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 27 de novembro de 2007, p. 253).

364

364

10.3. Atos de falência: inteligência do inciso III do art. 94 da Lei nº 11.101

A terceira e última causa de pedir reside na prática de algum ato de falência

arrolado na Lei nº 11.101/2005. Trata-se, na verdade, de amplo rol de atos que

não versam sobre impontualidade nem execução frustrada, mas que igualmente

permitem a decretação da falência.

Com efeito, salvo quando constar do plano de recuperação judicial, a

prática de algum dos atos arrolados no inciso III do art. 94 autoriza a decretação

da falência, independentemente da impontualidade do empresário individual ou da

sociedade empresária. Eis os atos que também ensejam a decretação da falência:

liquidação precipitada dos ativos ou utilização de meios ruinosos ou fraudulentos

para a realização de pagamentos por parte do empresário individual ou da

sociedade empresária (art. 94, inciso III, letra ―a‖); realização de negócio simulado

ou alienação de ativos, para retardar pagamentos ou fraudar credores (art. 94,

inciso III, alínea ―b‖); transferência ou simulação de transferência do

estabelecimento empresarial (art. 94, inciso III, letras ―c‖ e ―d‖); concessão ou

reforço de garantia em prol de algum credor, em prejuízo dos demais (art. 94,

inciso III, alínea ―e‖); abandono do estabelecimento empresarial ou do domicílio

pessoal (art. 94, inciso III, letra ―f‖); descumprimento de obrigação assumida no

plano de recuperação judicial (art. 94, inciso III, alínea ―g‖, combinado com o art.

73, inciso IV).

Em qualquer caso arrolado no inciso III do art. 94, a petição inicial deve

conter a descrição analítica do ato ilegal, a especificação das provas a serem

produzidas, bem como já deve ser instruída com as provas documentais

disponíveis no momento da propositura da ação falimentar (art. 94, § 5º, da Lei nº

11.101/2005).

Por fim, também não há necessidade de protesto para a propositura da

ação de falência fundada em ato de falência previsto no inciso III do art. 94 da Lei

nº 11.101/2005, porquanto o § 3º do art. 94 exige o protesto falimentar apenas na

quebra requerida com esteio no inciso I. Com igual conclusão, vale conferir o

preciso enunciado nº 50 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―No

365

365

pedido de falência com fundamento na execução frustrada ou nos atos de falência

não é necessário o protesto do título executivo‖.

11. Emenda da petição inicial

Se a petição inicial contiver algum defeito passível de correção (por

exemplo, ausência de indicação das provas), o juiz deve conceder ao autor o

prazo de dez dias para a emenda da inicial, tal como dispõe o art. 284 do Código

de Processo Civil, aplicável ao processo falimentar à vista do art. 189 da Lei nº

11.101/2005.

12. Citação, contestação e depósito elisivo

12.1. Citação para contestar em dez dias

Após a admissão da petição inicial pelo juiz da falência, há a citação do

empresário individual, da sociedade empresária e até dos sócios com

responsabilidade ilimitada, com a abertura de prazo de dez dias para a

contestação à ação falimentar (arts. 81, caput, e 98, caput, ambos da Lei nº

11.101/2005)889.

12.2. Formas de citação no processo falimentar

A citação na falência é realizada à vista dos arts. 221 a 231 do Código de

Processo Civil. Em regra, a citação é feita por oficial de justiça, mas também é

admissível a citação por edital, como bem revela o preciso enunciado nº 51 da

Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―No pedido de falência, se o devedor

não for encontrado em seu estabelecimento será promovida a citação editalícia

889

Não há citação nem contestação na hipótese de autofalência, isto é, quando o pedido de falência é formulado à luz do art. 105, pelo próprio empresário individual ou pela sociedade empresária.

366

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independentemente de quaisquer outras diligências‖890. Na eventualidade de o réu

citado por edital permanecer revel, o juiz deve nomear curador especial, nos

termos do art. 9º do Código de Processo Civil, aplicável ao processo falimentar por

força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005. Em abono, vale conferir o preciso

enunciado nº 38 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―No pedido de

falência, feita citação por editais e ocorrendo a revelia é necessária de curador

especial ao devedor‖.

Por fim, vale ressaltar que não é admissível a citação pelo correio, em

razão da restrição contida na alínea d do art. 222 do Código de Processo Civil,

porquanto a falência é verdadeira espécie de processo de execução.

12.3. Contagem do decêndio legal

A contagem do prazo de dez dias para a contestação segue o disposto nos

arts. 184, 240 e 241 do Código de Processo Civil, aplicáveis ao processo

falimentar por força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005.

Em contraposição, o art. 191 do Código de Processo Civil não é aplicável

ao processo falimentar, por ser incompatível com o princípio da celeridade

processual consagrado no parágrafo único do art. 75 da Lei nº 11.101/2005. Daí o

acerto do enunciado nº 58 da Súmula do Tribunal de Justiça de São Paulo: ―Os

prazos previstos na lei nº 11.101/2005 são sempre simples, não se aplicando o

artigo 191, do Código de Processo Civil‖.

12.4. Possibilidade de depósito elisivo

Se a causa de pedir da falência versar sobre impontualidade injustificada

(inciso I do art. 94) ou execução frustrada (inciso II do art. 94)891, o réu pode

890

De acordo, na jurisprudência: ―II – Não encontrada a empresa no domicílio constante de seus cadastros, válida é a citação por edital.‖ (REsp nº 63.669/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 17 de junho de 2002, p. 254). 891

A despeito da explícita restrição legal prevista no parágrafo único do art. 98 da Lei nº 11.101, de 2005, autorizada doutrina sustenta outra interpretação dos preceitos, em prol da admissibilidade do depósito elisivo até mesmo quando há ato de falência, nas hipóteses do inciso III do art. 94 da Lei nº 11.101, de 2005: ―Embora a lei não preveja expressamente, deve ser admitido o depósito elisivo também nos pedidos de credor

367

367

efetuar o depósito elisivo892 do valor da dívida, com o acréscimo de correção

monetária, juros e honorários advocatícios, dentro do prazo de dez dias para a

contestação (art. 98, parágrafo único). A respeito do tema, merece ser prestigiado

o enunciado nº 29 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―No pagamento em

juízo para elidir falência, são devidos correção monetária, juros e honorários de

advogado‖. Reforça o preciso enunciado nº 1 da Súmula do Tribunal de Justiça do

Mato Grosso do Sul: ―Nos casos de elisão de falência pelo depósito da quantia

devida com finalidade de efetuar o pagamento, cabe a condenação do devedor em

honorários advocatícios, bem como a atualização do débito mediante correção

monetária, a partir do vencimento do título, na forma da Lei nº 6.889/81‖893.

Além da hipótese consubstanciada no depósito elisivo integral (isto é, do

principal e das verbas acessórias), a decretação da falência também não tem

lugar quando o réu apresenta contestação fundada em alguma das defesas

arroladas no art. 96 da Lei nº 11.101/2005, com a respectiva comprovação do

alegado. Com efeito, não há a decretação da falência requerida com base no art.

94, inciso I, quando o réu contesta e prova a falsidade do título, a ocorrência de

prescrição, a nulidade da obrigação ou do título, o pagamento da dívida, a

ocorrência de qualquer outro fato extintivo ou suspensivo da obrigação ou da

respectiva cobrança, a existência de vício no protesto ou no respectivo

instrumento, a propositura de ação de recuperação judicial, ou a cessação da

atividade empresarial mais de dois anos antes da propositura da falência,

demonstrada mediante documento hábil da Junta Comercial (art. 96, caput e

incisos, da Lei nº 11.101/2005). A propósito do ajuizamento de ação de

recuperação judicial, ainda que não decretada a falência em virtude do

deferimento da recuperação em prol do empresário individual ou da sociedade

fundados em ato de falência, já que ele afasta a legitimidade do requerente. Assegurado, pelo depósito, o pagamento do crédito por ele titularizado, não tem interesse legítimo na instauração do concurso falimentar.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 264 e 265). ―A lei não prevê o depósito elisivo se o fundamento do pedido diz respeito a prática de ato de falência. Mas deve ser admitido também nessa hipótese, porque com o depósito do valor do seu crédito, perde o requerente o interesse na instauração do concurso de credores.‖ (Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 324). 892

―O depósito elisivo nada mais é do que a possibilidade à falida de evitar o decreto de quebra com base na impontualidade de pagamento.‖ (AGI nº 2005.00.2.010110-1, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 20 de abril de 2006, p. 158). 893

Súmulas. Associação dos Advogados de São Paulo – AASP, volume 2, São Paulo, 1995, p. 77.

368

368

empresária (art. 96, inciso VII), nada impede a posterior decretação da quebra,

porquanto a concessão da recuperação judicial não afasta a possibilidade da

ulterior convolação da mesma em falência (arts. 73, inciso IV, e 94, inciso III,

alínea ―g‖).

O réu também pode contestar mediante a arguição de preliminar prevista no

art. 301 do Código de Processo Civil, em virtude da incidência do art. 189 da Lei

nº 11.101/2005. Daí a possibilidade de o réu suscitar, por exemplo, a

incompetência absoluta do juízo na contestação à ação falimentar.

O réu, entretanto, não precisa depositar e contestar. O empresário

individual e a sociedade empresária têm a opção entre depositar e também

contestar, depositar e não contestar, ou contestar e não depositar, porquanto as

três alternativas podem evitar a decretação da falência. Basta, portanto, o depósito

integral (do principal e dos acessórios) para elidir a decretação da falência, ainda

que não contestada a ação falimentar. Se o réu apenas contestar, a falência só

não será decretada se alguma defesa veiculada na contestação for acolhida pelo

juiz894.

12.5. Outras respostas

Além da contestação e do depósito elisivo, o réu ainda pode apresentar

outras respostas. Com efeito, também são admissíveis a impugnação ao valor da

causa e as exceções processuais de impedimento e de suspeição, as quais

podem ser veiculadas em petições distintas e devem ser autuadas em apenso

(arts. 261 e 299 do Código de Processo Civil). Quanto ao prazo para a

apresentação das outras respostas admissíveis, deve ser observado o disposto no

art. 98 da Lei nº 11.101/2005, ou seja, o prazo de dez dias, e não o prazo previsto

894

Em abono ao raciocínio sustentado no presente compêndio, há respeitável precedente jurisprudencial: ―II – No prazo da defesa do processo falimentar, três caminhos surgem para o comerciante: a) pagar a quantia cobrada, com os seus consectários, com conseqüente extinção do feito; b) fazer o depósito juntamente com a contestação sobre a validade do crédito, impedindo a decretação de falência e proporcionando uma apuração das alegações das partes pelo juiz; c) simplesmente contestar, sem o mencionado depósito. Destarte, a oferta pura e simples de defesa, desacompanhada de caução, é possível, não obstante seja um risco para a devedora, tendo em vista que o não-acatamento das razões de contestação leva à decretação de sua falência.‖ (REsp nº 30.536/PB, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 18 de março de 1996).

369

369

no art. 297 do Código de Processo Civil, em homenagem aos princípios da

celeridade e da economia processual, consagrados no parágrafo único do art. 75

da legislação específica (Lei nº 11.101/2005).

Por fim, não há previsão de reconvenção no processo falimentar. O réu

pode, entretanto, dentro do prazo de dez dias para a contestação, ajuizar a ação

de recuperação judicial, com a distribuição por dependência ao processo

falimentar (arts. 51, 78, parágrafo único, 95 e 96, inciso VII, todos da Lei nº

11.101/2005).

13. Intimação do Ministério Público na fase pré-falencial: obrigatoriedade

O Presidente da República vetou o art. 4ª do Projeto que deu lugar à Lei nº

11.101/2005. O preceito vetado versaria sobre a obrigatoriedade da intervenção

do Ministério Público nos processos de recuperação judicial e de falência, bem

assim nas ações movidas pela e contra a massa falida. À vista da literalidade da

Lei nº 11.101/2005, o Ministério Público só é intimado da existência do processo

após a decretação da falência (cf. art. 99, inciso XIII).

A despeito do veto presidencial, há séria controvérsia acerca da

necessidade da intimação do representante do Ministério Público já na primeira

fase do processo falimentar, ou seja, antes da decretação da falência. Predomina

a correta tese de que o juiz deve determinar a intimação do Ministério Público já

na fase pré-falimentar, isto é, antes da prolação da decisão de decretação da

quebra, sob pena de nulidade895. De outro lado, entretanto, há respeitável

895

Cf. AGI nº 2006.00.2.013721-9, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 15 de maio de 2007, p. 180: ―DIREITO COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. FALÊNCIA. SENTENÇA. OITIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Em virtude do relevante interesse social nessa espécie de demanda, necessária a oitiva do Ministério Público mesmo na fase preliminar, ou seja, antes do decreto de falência (art. 82, III, do Código de Processo Civil). 2. Recurso provido‖. No mesmo sentido: AGI nº 2006.00.2.013013-8, 2ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 21 de junho de 2007, p. 87: ―PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO FALIMENTAR. INTERESSE PÚBLICO. MINISTÉRIO PÚBLICO. INTERVENÇÃO. INDISPENSABILIDADE. OMISSÃO DA LEI ESPECÍFICA (LEI Nº 11.101/05). IRRELEVÂNCIA. APLICAÇÃO DA REGRA GERAL (CPC, ART. 82, III). FALÊNCIA. DECRETAÇÃO. SENTENÇA. NULIDADE INSANÁVEL. AGRAVO. INSTRUMENTO. FORMAÇÃO ADEQUADA. Omissis 2. A

falência, redundando na paralisação das atividades da quebrada e na liquidação dos seus ativo e passivo de forma a ser preservado o exercitamento da livre iniciativa de conformidade com os primados que governam o regime capitalista, prevenindo-se que empreendimento desprovido de viabilidade continue operando em detrimento da ordem jurídica e com menosprezo para com o crédito e fé públicos, reveste-se de evidente

370

370

entendimento jurisprudencial contrário à necessidade da intimação do Ministério

Público antes da decretação da falência896.

Ainda que muito respeitável o entendimento contrário, tudo indica que é

necessária a intimação do Ministério Público ainda na fase pré-falencial, para

tomar conhecimento do processo e oferecer parecer na qualidade de fiscal da lei,

antes mesmo da prolação do julgamento acerca da falência, em razão do

interesse público em jogo, porquanto os empregados, os consumidores, o fisco e

até a economia (nacional, regional ou local, conforme o caso) são prejudicados

pela quebra.

Com efeito, o Ministério Público deve ser intimado ainda na fase pré-

falimentar, quando poderá intervir no processo, logo após as manifestações das

partes, mas antes da decisão do juiz, tendo em vista o disposto no art. 83 do

Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005.

interesse público, irradiando essa natureza aos processos falimentares. 3. Conquanto a nova Lei de Falências – Lei nº 11.101/05 – tenha ficado desprovida de disposição específica acerca da indispensabilidade de o Ministério Público ser ouvido nas ações que a têm como estofo, o parquet, valendo-se da legitimação ordinária que lhe é conferida – CPC, art. 82, IIII – ante a natureza das disposições que nela estão impregnadas e do interesse público de que se revestem as ações de insolvência civil e comercial, deve necessariamente delas participar, velando pela correta aplicação do legalmente prescrito, resguardando o direito dos credores e do próprio falido e fiscalizando a atuação do administrador nomeado à massa. 4. Aferido que o itinerário procedimental não fora percorrido de conformidade com o legalmente delineado ante a omissão havida quanto à necessária intervenção do Ministério Público na ação falimentar, o processo resta maculado por vício insanável, afetando, por conseguinte, a intangibilidade da sentença que afirmara a quebra, determinando sua anulação, independentemente da ocorrência de prejuízo para as partes diretamente envolvidas na relação processual, pois da simples omissão havida emerge a nulidade (CPC, arts. 84 e 246). 5. Recurso conhecido e provido. Unânime‖. Também no mesmo sentido: AGI nº 2006.00.2.010808-7, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 17 de abril de 2007, p. 130: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO – FALÊNCIA – MINISTÉRIO PÚBLICO – AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO – NULIDADE. 1. A Lei de Falências em vigor não prevê a intervenção do Ministério Público em todos os atos do procedimento falimentar, mas o parquet deverá ser intimado deste o início do procedimento, mesmo que opte por não se manifestar, por força

do art. 82, inciso III, do Código do Código de Processo Civil. O fiscal da Lei é que dirá se há ou não interesse público. 2. Não se trata de derrubar o veto presidencial ao art. 4º da novel Lei de Falência, mas de reconhecer a presença de interesse público nas ações falimentares e de recuperação judicial, o que implica a impossibilidade de afastar o Ministério Público, já que fiscal da lei e guardião de todos os interesses indisponíveis. 3. Recurso do Ministério Público provido. Recurso da empresa prejudicado‖. 896

Cf. AGI nº 2006.00.2.006521-8, 6ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 21 de junho de 2007, p. 123: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO. FALÊNCIA. DECISÃO QUE DECRETA A QUEBRA. FALTA DE INTIMAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NA FASE PRÉ-FALIMENTAR. IRRELEVÂNCIA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Inexiste nulidade na sentença que decretou a falência sem a manifestação prévia do Ministério Público, vez que a nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101, de 09.02.2005) não prevê a atuação ministerial na fase pré-falimentar. 2. Segundo o magistério de FÁBIO ULHOA COELHO (in Comentários à Nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas, Saraiva, 3ª ed., p.

30), ‗O Ministério Público só começa a participar do processo falimentar depois da sentença declaratória da falência. A lei prevê sua intimação apenas no caso de o juiz decretar a quebra do devedor insolvente (art.99, XIII). Durante a tramitação do pedido de falência, não há sentido nenhum em colher sua manifestação‘. 3. Agravo conhecido e improvido‖.

371

371

A ausência de efetiva intervenção do Ministério Público, todavia, não

ocasiona nulidade alguma no processo falimentar, em virtude do veto presidencial

ao art. 4º do projeto que deu lugar à Lei nº 11.101/2005. Para a regularidade do

processo, basta a intimação do promotor de justiça que oficia perante o juízo

competente, independentemente da existência de efetiva intervenção ministerial

no processo falimentar.

14. Decisão de decretação da falência: natureza e recorribilidade

Improcedentes as defesas suscitadas na contestação e inexistente,

insuficiente ou intempestivo o depósito elisivo, o juiz decreta a falência do

empresário individual ou da sociedade empresária.

A rigor, o pronunciamento de decretação da falência não tem natureza de

sentença, nem é apelável. Trata-se de decisão interlocutória agravável, consoante

revelam o parágrafo único do art. 99 e o proêmio do art. 100, ambos da Lei nº

11.101/2005.

Não obstante, autorizada doutrina897 sustenta que há a prolação de

sentença agravável quando o juiz decreta a falência do empresário individual ou

da sociedade empresária, hipótese que é considerada exceção ao binômio

sentença-apelação, segundo o entendimento predominante na literatura

especializada898.

Ainda que muito respeitável a lição da doutrina, o pronunciamento de

decretação da falência não tem natureza de sentença. Trata-se de decisão

interlocutória agravável, consoante revelam o parágrafo único do art. 99 e o

proêmio do art. 100, ambos da Lei nº 11.101/2005. Além da combinação dos

preceitos da Lei nº 11.101, outros motivos também sustentam a conclusão

defendida no presente compêndio: a de que não há a prolação de sentença, mas,

897

Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Curso de direito comercial: direito de empresa. Volume III, 7ª ed., 2007, p. 267 e 270; Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha. Curso de direito processual civil. 3ª ed., 2007, p. 35, 95, 96 e 97; e Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 735, 736 e 742. 898

Cf. nota anterior.

372

372

sim, de decisão interlocutória, a qual é compatível com o cabimento do recurso de

agravo de instrumento.

No que tange ao argumento de que há resolução de mérito quando o juiz

decreta a falência, sem dúvida, merece ser prestigiado. Não obstante, não é a

existência de resolução de mérito no pronunciamento que revela a sua natureza

jurídica. Tanto que o direito brasileiro reconhece a existência de sentença de

mérito (art. 269 do Código de Processo Civil) e de sentença processual (art. 267

do mesmo diploma). Não é, portanto, a existência de resolução de mérito que

esclarece se o pronunciamento proferido pelo juiz é sentença, ou não. Vale

relembrar, há sentença sem resolução do mérito (art. 267). Outro, portanto, é o

critério para a identificação da sentença.

Com efeito, o critério distintivo adotado no direito pátrio é o casuístico-legal:

só é sentença o pronunciamento de autoria de juiz de primeiro grau assim

considerado pelo legislador, independentemente da resolução do mérito no

provimento jurisdicional. É possível perceber que o critério legal vigente no direito

brasileiro é pragmático, sem preocupação científica. Assim, por exemplo, se o juiz

de primeiro grau reconhece a existência de prescrição, há sentença apelável. Em

contraposição, se o juiz afasta a mesma alegação de prescrição, há decisão

interlocutória agravável, a despeito de versar sobre matéria de mérito. Vale o que

dispõe a lei: no exemplo, o disposto nos arts. 162, § 1º, 269, inciso IV, e 513,

todos do Código de Processo Civil. O mesmo critério casuístico-legal também é

adotado no art. 100 da Lei nº 11.101/2005: a decisão de decretação da falência é

agravável e a sentença de improcedência é apelável. Com efeito, se o juiz

reconhece a prescrição suscitada com esteio no art. 96, inciso II, da Lei nº 11.101,

profere sentença apelável (cf. arts. 96, caput, e 100, in fine); se o juiz afasta a

mesma alegação de prescrição, profere decisão interlocutória agravável (art. 100,

primeira parte). Bem examinadas as hipóteses, constata-se que a Lei nº 11.101

segue o padrão consagrado no Código de Processo Civil, em harmonia, aliás, com

o disposto no art. 189 daquela lei.

373

373

Sob outro enfoque, a decisão de decretação da falência é similar à decisão

igualmente agravável prevista no art. 475-M, § 3º, do Código de Processo Civil,

porquanto a falência também é um processo de execução, ainda que de natureza

concursal e que tem lugar contra empresário individual ou sociedade empresária.

A falência é execução concursal fundada em título executivo já constituído (arts.

94 e 97 da Lei nº 11.101/2005), o que afasta a analogia à fase cognitiva do

processo sincrético, destinada à formação do título executivo, para a posterior

execução. Na falência, como dito, o título executivo já existe; não há uma fase

autônoma de conhecimento, mas, sim, a possibilidade da contraposição incidental,

da mesma forma que ocorre na execução no processo sincrético (cf. arts. 475-L e

475-M do Código de Processo Civil). Daí a explicação para a igual solução

extraída do art. 100, primeira parte, da Lei nº 11.101/2005, e do art. 475-M, § 3º,

do Código de Processo Civil: cabimento do recurso de agravo de instrumento

contra a decisão interlocutória de resolução do incidente proveniente da

contraposição (mediante ―contestação‖, na falência, ou por meio de ―impugnação‖,

na fase executiva do processo sincrético). Ambas as hipóteses partem da mesma

premissa: existência de título executivo. Há um simples incidente processual no

qual o juiz resolve se a execução (empresarial ou civil, conforme o caso) deve

prosseguir, ou não. Se a resposta for positiva, decreta-se a falência, com o

prosseguimento da execução e o cabimento de recurso de agravo de instrumento

(art. 100, primeira parte). Se a resposta for negativa, extingue-se a execução

falimentar, com o cabimento do recurso de apelação (art. 100, segunda parte).

Mutatis mutandis, igual solução é encontrada no art. 475-M, § 3º, do Código de

Processo Civil, porquanto ambas as hipóteses partem da mesma premissa: título

executivo já existente. Em suma, as duas hipóteses são de execução (civil ou

falimentar, conforme o executado), o que explica a igual solução acerca da

recorribilidade.

Por fim, além da hipótese inserta na primeira parte do art. 100, há outro

exemplo de decisão interlocutória de mérito passível de agravo na mesma Lei nº

11.101/2005. Com efeito, o caput e os §§ 1º e 2º do art. 59 revelam a possibilidade

jurídica da prolação de decisão interlocutória de mérito impugnável mediante

374

374

recurso de agravo de instrumento. Daí a conclusão: é juridicamente possível a

prolação de decisão interlocutória de mérito, sem que o conteúdo (de mérito) da

decisão interfira na respectiva recorribilidade.

Sob todos os prismas, a decretação da falência se dá mediante decisão

interlocutória agravável; só há sentença apelável quando o juiz indefere a petição

inicial, denega a falência e encerra o processo falimentar899. Não obstante o

entendimento defendido no presente compêndio em favor da existência de

decisão interlocutória agravável, prevalece outra orientação na doutrina e na

jurisprudência predominantes: sentença agravável.

15. Decisão de decretação da falência: conteúdo

Como toda decisão jurisdicional, a decisão de decretação da falência

também deve ser fundamentada (art. 93, inciso IX, da Constituição Federal). À

vista o inciso I do art. 99 da Lei nº 11.101/2005, além da fundamentação, a

decisão de decretação da falência também deve conter relatório, com a síntese do

pedido falimentar, a identificação do falido e os nomes dos respectivos

administradores, porquanto os últimos também podem ser responsabilizados tanto

no plano civil (art. 82) quanto na esfera penal (arts. 99, inciso VII e 179).

Na mesma oportunidade, o juiz já decide acerca do ―termo legal da

falência‖, o qual pode alcançar período correspondente a até noventa dias antes

do primeiro protesto, da distribuição da recuperação judicial ou da distribuição da

falência, conforme o caso (art. 99, inciso II). O termo legal da falência é o período

anterior à decretação da quebra no qual são ineficazes os atos, contratos e

pagamentos contrários aos credores em geral (art. 129, incisos I, II e III).

Ao proferir a decisão de decretação da falência, o juiz deve determinar que

o falido apresente, no prazo máximo de cinco dias, sob pena de crime de

desobediência, a relação nominal de credores, bem assim a respectiva

classificação analítica dos créditos, para a posterior publicação de edital no órgão

899

Cf. arts. 267, inciso I, 295, 296 e 513, do Código de Processo Civil, e arts. 100, segunda parte, 156, caput e parágrafo único, e 189, da Lei nº 11.101/2005.

375

375

oficial de imprensa, com a veiculação do inteiro teor da decisão de decretação da

falência, da relação nominal de credores e da respectiva classificação dos

créditos. A publicação do edital marca a abertura de prazo de quinze dias para as

eventuais habilitações e as divergências dos credores (arts. 7º, § 1°, 99, incisos III

e IV, e parágrafo único, e 104, inciso XI e parágrafo único).

Ao decretar a falência, o juiz também deve ordenar a suspensão das ações

e execuções movidas contra o falido, ressalvadas as ações trabalhistas e as cíveis

que versam sobre quantia ilíquida (arts. 6º, §§ 1º e 2º, e 99, inciso V)900. Ainda

como consequência da decretação da falência, também há a suspensão do

inventário do empresário individual falecido, com a posterior intervenção do

administrador judicial (art. 125).

O juiz ainda deve nomear o administrador judicial (arts. 22, inciso III, e 99,

inciso IX). Em virtude do veto presidencial à alínea ―a‖ do inciso II do art. 35, a

Assembleia-Geral de Credores não tem competência para deliberar sobre a

substituição do administrador judicial nomeado pelo juiz, porquanto não subsiste a

parte final do inciso IX do art. 99. Por outro lado, ressalvada a existência do

Comitê de Credores na anterior recuperação judicial convertida em falência, o juiz

também deve determinar a convocação da Assembleia-Geral dos Credores, a fim

de que ocorra a deliberação sobre a constituição do Comitê (art. 99, inciso XII).

Ainda em relação à decisão de decretação da falência, o juiz também deve

proibir a prática de atos de alienação e oneração dos bens do falido (arts. 99,

inciso VI, e 103, caput), bem como resolver entre a lacração do estabelecimento

empresarial ou a continuação provisória das atividades sob a direção do

administrador judicial (arts. 99, inciso XI, e 109).

Na mesma oportunidade, o juiz deve determinar a anotação da falência e

da inabilitação empresarial do falido perante a Junta Comercial (arts. 99, inciso

VIII, e 102). O juiz também deve ordenar a expedição de ofícios aos órgãos 900

Em abono, na doutrina: ―Discute-se se a decretação da quebra ou a liquidação extrajudicial do réu seria causa para a suspensão do processo, pois que caberia ao credor habilitar o seu crédito no juízo universal. Se o processo for de execução, haverá suspensão, já que o crédito deverá ser habilitado no concurso de credores. Se o processo for de conhecimento, porém, não há razão para que o juiz determine a suspensão, pois, para que o crédito seja habilitado, é preciso que ele seja primeiro reconhecido por sentença.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume I, 4ª ed., 2007, p. 281).

376

376

públicos em geral (art. 99, inciso X), a intimação pessoal do Ministério Público e a

comunicação das Fazendas Públicas Federal, Estadual, Distrital e Municipal

mediante carta, para dar ciência da decretação da falência e permitir eventuais

intervenções no respectivo processo falimentar (art. 99, inciso XIII).

Por fim, constatada a ocorrência de crime falimentar, o juiz pode ordenar a

prisão do falido e dos administradores na própria decisão de decretação da

falência (art. 99, inciso VII). Trata-se de prisão preventiva fundada em crime

falimentar, razão pela qual não há lugar para a incidência do enunciado nº 280 da

Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Com efeito, o verbete nº 280 versa sobre

a antiga prisão administrativa prevista no art. 35 do revogado Decreto-lei nº 7.661,

de 1945, preceito que não encontra similar na atual Lei nº 11.101/2005. Na

verdade, a prisão autorizada pelo inciso VII do art. 99 tem natureza penal, ainda

que preventiva. Daí a compatibilidade do preceito com o art. 5º, inciso LXVII, da

Constituição Federal de 1988.

16. Efeitos jurídicos da decretação da falência

A decretação da falência produz vários efeitos jurídicos. Muitos deles já

foram apontados no anterior tópico 14, destinado ao estudo do art. 99 da Lei nº

11.101/2005. Não obstante, além dos arrolados no art. 99 da Lei nº 11.101, há

muitos outros efeitos jurídicos provenientes da decretação da falência.

À vista do art. 77, a decretação da falência ocasiona o vencimento

antecipado de todas as dívidas do empresário individual, da sociedade

empresária, bem assim dos sócios com responsabilidade ilimitada, os quais ficam

sujeitos aos mesmos efeitos jurídicos produzidos em relação à sociedade falida

(cf. art. 81).

Ainda por força do art. 77, a decretação da falência também ocasiona a

conversão de todos os créditos em moeda estrangeira para a moeda nacional,

observado o câmbio do dia da decisão judicial.

377

377

Sob outro prisma, a decretação da falência suspende o curso da prescrição

em face do empresário individual, da sociedade empresária e dos sócios com

responsabilidade ilimitada (cf. arts. 6º e 81, caput, ambos da Lei nº 11.101/2005).

O prazo prescricional só volta a correr a partir do dia em que transitar em julgado a

sentença de encerramento da falência (cf. art. 157 da Lei nº 11.101/2005)901.

Outro importante efeito da decretação da falência é proveniente do princípio

par conditio creditorum902, consagrado no art. 115 da Lei nº 11.101/2005. Após a

decretação da falência, todos os credores só podem exercer os respectivos

direitos no processo falimentar, com a impossibilidade da execução individual, a

qual dá lugar à execução concursal da falência. Por conseguinte, não subsistem

as penhoras realizadas nas execuções civis individuais processadas à vista do

Código de Processo Civil903, porquanto todos os bens são arrecadados para a

formação da massa objetiva904, também denominada ―massa ativa‖905, para o

posterior pagamento dos credores (massa subjetiva), consoante a ordem de

classificação dos créditos e as forças daquela (massa objetiva).

Ex vi do art. 6º da Lei nº 11.101/2005, a decretação da falência também é

causa impeditiva da propositura de execuções individuais previstas no Código de

Processo Civil906.

No que tange aos processos executivos individuais pendentes, devem ser

suspensos durante todo o processamento da falência. Sem dúvida, o caput do art.

6º da Lei nº 11.101/2005 revela que a decretação de falência ocasiona a

suspensão dos processos executivos individuais acionados em face do

901

Assim, na jurisprudência: ―A afirmação da falência enseja a suspensão do curso da prescrição e todas as execuções promovidas em desfavor da falida, inclusive aquelas aviadas pelos credores particulares do sócio solidário, devendo o fluxo das ações ser suspenso desde o momento da decretação da quebra até o encerramento do processo falimentar (Lei nº 11.101/05, art. 6º).‖ (AGI nº 2006.00.2.015007-6 – AGR, 2ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 9 de agosto de 2007, p. 76). 902

Paridade de condições dos créditos. 903

De acordo, na doutrina: ―Recompôs o Código vigente a precedência do credor que primeiro penhorar, preferência essa que desaparece, dando lugar à igualdade entre os credores de igual categoria perante a lei civil (par conditio creditorum), se for decretada sua insolvência, como, aliás, acontece na falência.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 12). 904

Cf. art. 108 da Lei nº 11.101, de 2005. 905

Cf. Celso Agrícola Barbi. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume I, 9ª ed., 1994, p. 86, nº 126: ―Quando um devedor comerciante não paga suas obrigações, instaura-se contra ele execução coletiva: os seus bens são arrecadados, formando uma massa ativa‖. 906

Assim, na doutrina: Barbosa Moreira. O novo processo civil brasileiro. 25ª ed., 2007, p. 199.

378

378

empresário ou da sociedade empresária, conforme o caso. Vale ressaltar que a

hipótese é de suspensão, e não de extinção dos processos individuais de

execução907.

Sob outro prisma, a decretação da falência afasta a exigibilidade de juros

posteriores à quebra, ainda que previstos em contrato ou até mesmo em lei. É a

regra consagrada no art. 124, caput, da Lei nº 11.101/2005. Não obstante, há

lugar para a exigência de juros na excepcional hipótese de o ativo do falido ser

suficiente para o pagamento até mesmo dos titulares de créditos subordinados.

Por outro lado, são sempre exigíveis da massa falida os juros provenientes das

debêntures908 e dos créditos com garantia real (art. 124, parágrafo único).

No que tange aos eventuais contratos, se o falido for locador, a locação

subsiste; se o falido for locatário, a locação também subsiste, salvo quando o

contrato é denunciado pelo administrador judicial (art. 119, inciso VII). Já o

mandato outorgado pelo empresário individual ou pelo representante legal da

sociedade empresária antes da falência, não subsiste à decretação da quebra (art.

120).

Por fim, a decretação da falência ocasiona a inabilitação para o exercício da

atividade empresarial, bem como a perda do direito de administração e de

disposição em relação aos bens (arts. 102 e 103). Tanto que as contas correntes

do falido são encerradas ex vi legis, no momento da decretação da falência, com a

apuração do respectivo saldo (art. 121).

17. Pessoas alcançadas pela decretação da falência

907

De acordo, na jurisprudência: ―DECLARAÇÃO DE FALÊNCIA - EXECUÇÃO INDIVIDUAL - CAUSA DE SUSPENSÃO - ART. 6º DA LEI 11.101/2005 - EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO - IMPOSSIBILIDADE. - A declaração de falência é causa é suspensão da execução individual e não de extinção desta, nos termos do art. 6º da Lei 11.101/2005.‖ (Apelação nºs 1.0271.02.014903-2/001 e 0149032-40.2002.8.13.0271, 18ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 16 de janeiro de 2012). 908

A debênture é o título de crédito (executável à vista do art. 585, inciso I, do Código de Processo Civil) proveniente de contrato de mútuo a médio ou longo prazo (com vencimento de três a cinco anos) que confere àquele que emprestou à companhia o crédito correspondente constante da escritura de emissão, perante a companhia beneficiada pelo empréstimo (arts. 52 e 54, § 2º, e 55, todos da Lei nº 6.404, de 1976). Trata-se de importante mecanismo de captação de recursos financeiros em prol das sociedades anônimas. A debênture tem valor nominal expresso geralmente em moeda nacional (art. 54 da Lei nº 6.404, de 1976) e pode ser convertida em ação da companhia emissora consoante o disposto na escritura de emissão (art. 57 da Lei nº 6.404, de 1976).

379

379

A decretação da falência alcança o empresário individual, a sociedade

empresarial e os sócios com responsabilidade ilimitada (arts. 1º, 81, caput, e 190

da Lei nº 11.101), quais sejam, todos os sócios de sociedade em nome coletivo

(art. 1.039 do Código Civil), os sócios comanditados de sociedade em comandita

simples (arts. 1.045 do Código Civil) e o sócio ostensivo de sociedade em conta

de participação (art. 991 do Código Civil).

18. Ação de responsabilização

No que tange aos sócios de responsabilidade limitada, aos controladores e

administradores da sociedade empresária falida, todos podem ser

responsabilizados pessoalmente, à vista do art. 28 do Código do Consumidor909 e

do art. 50 do Código Civil.

Com efeito, as eventuais responsabilidades pessoais sócios de

responsabilidade limitada, aos controladores e administradores podem ser

apuradas em processo próprio, instaurado por força de ―ação de

responsabilização‖, a qual é processada sob o rito ordinário previsto no Código de

Processo Civil (cf. art. 82 da Lei nº 11.101/2005).

No que tange ao juízo competente, a ação de responsabilização é

processada perante o juízo falimentar, após a distribuição por dependência ao

processo de falência (cf. arts. 78, parágrafo único, e 82, ambos da Lei nº

11.101/2005).

Quanto ao prazo, a pretensão de responsabilização dos sócios, dos

controladores e dos administradores pelos danos provocados prescreve em dois

anos do trânsito em julgado da sentença de encerramento da falência (cf. arts. 82,

§ 1º, e 156, ambos da Lei nº 11.101/2005). Por conseguinte, o biênio prescricional

não é contado da decisão de decretação da falência prevista no proêmio do art.

100, mas apenas da sentença de encerramento do processo falimentar (cf. art.

156). Vale ressaltar que a prescrição pode ser pronunciada de ofício pelo juiz,

909

Com efeito, o caput do art. 28 do Código do Consumidor é expresso acerca da possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica em caso de ―falência‖ causada por má administração.

380

380

tendo em vista a combinação dos arts. 219, § 5º, e 295, IV, do Código de

Processo Civil, com o art. 189 da Lei nº 11.101/2005.

Por fim, o juiz do processo da ação de responsabilização pode determinar a

indisponibilidade dos bens particulares dos réus até a resolução daquele

(processo) por meio de sentença. Vale ressaltar que a indisponibilidade de bens

particulares dos réus autorizada no § 2º do art. 82 da Lei nº 11.101/2005 pode ser

determinada até mesmo de ofício pelo juiz. Com maior razão, a indisponibilidade

também pode ser ordenada pelo juiz mediante provocação do autor da ação de

responsabilização, sem prejuízo do igual requerimento de outros interessados na

preservação do patrimônio pessoal dos réus, como outros credores além do autor,

o administrador judicial da falência, o Ministério Público, por exemplo. No que

tange à natureza do pronunciamento por meio do qual o juiz ordena a

indisponibilidade dos bens dos réus até a resolução do processo de

responsabilização, trata-se de decisão interlocutória passível de impugnação

mediante recurso de agravo de instrumento, em dez dias, tudo nos termos do art.

522 do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 189 da Lei n.

11.101/2005.

19. Sentença denegatória da falência

Elidida a falência pelo depósito ou procedente alguma das defesas

veiculadas na contestação do réu (empresário individual, sociedade empresária ou

sócio com responsabilidade ilimitada), o juiz extingue o processo falimentar. A

improcedência da falência é proferida mediante sentença (cf. art. 100, segunda

parte). Além de julgar improcedente a falência, o juiz também pode condenar o

autor que agiu com dolo ao ajuizar a ação falimentar, à vista do art. 101 da Lei nº

11.101/2005.

20. Fungibilidade recursal

381

381

Ainda em relação ao cabimento dos recursos de agravo de instrumento e

de apelação, há o problema da contradição existente entre os arts. 99 e 100. Com

efeito, o proêmio do art. 99 contém a seguinte expressão: ―A sentença que

decretar a falência‖. Reforça a primeira parte do art. 180: ―A sentença que decreta

a falência‖. Em contraposição, dispõe o proêmio do art. 100: ―Da decisão que

decreta a falência cabe agravo‖. Na mesma esteira, o parágrafo único do art. 99

trata ―da decisão que decreta a falência‖. Assim também dispõe o proêmio do art.

81: ―Da decisão que decreta a falência‖.

Diante da contradição legislativa, a melhor opção é a fungibilidade recursal,

a fim de que eventual apelação interposta seja recebida e processada como

agravo de instrumento, recurso correto contra a verdadeira decisão interlocutória

de decretação da falência. Com efeito, o art. 579 do Código de Processo Penal

merece ser prestigiado, até mesmo em razão do disposto no art. 188 da Lei nº

11.101/2005.

Não obstante, prevalece na jurisprudência o entendimento contrário à

aplicação da fungibilidade recursal910.

21. Prazos dos recursos falimentares

Da decisão de decretação da falência cabe agravo de instrumento, em dez

dias (art. 100, primeira parte, da Lei nº 11.101/2005); já a sentença denegatória da

falência é passível de apelação, em quinze dias (art. 100, segunda parte, da Lei nº

11.101/2005). Ademais, sempre há lugar para embargos de declaração, em cinco

dias (art. 536 do Código de Processo Civil, combinado com o art. 189 da Lei nº

11.101/2005).

910

Conferir: ―DIREITO COMERCIAL. FALÊNCIA. SENTENÇA DECLARATÓRIA. RECURSO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. APELAÇÃO. INADMISSIBILIDADE. FUNGIBILIDADE. ERRO GROSSEIRO. Deve ser mantida a decisão que, em sede de ação de falência, não conhece da apelação interposta contra a sentença que declara a quebra, porquanto aquela desafia o recurso de agravo de instrumento. Para que seja aplicado o princípio da fungibilidade recursal é necessário que o recorrente não tenha incidido em erro grosseiro.‖ (Agravo nº 1.0433.02.046435-3/001, 6ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 14 de maio de 2004). ―APELAÇÂO CÍVEL. FALÊNCIA. DECRETAÇÃO DE QUEBRA. RECURSO DE APELAÇÃO. DESCABIMENTO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. INAPLICABILIDADE. EXPRESSA PREVISÃO LEGAL. Havendo expressa determinação legal quanto ao cabimento do agravo de instrumento para atacar sentença que decretou a quebra, não há como ser conhecido o recurso de apelação interposto.‖ (Apelação nº 70013291950, 6ª Câmara Cível do TJRS, julgamento em 31 de agosto de 2006).

382

382

Independente do recurso a ser interposto, o prazo está atrelado à intimação

da decisão ou da sentença, diante da incidência dos arts. 184, 240, 242 e 506 do

Código de Processo Civil, prestigiados no enunciado nº 25 da Súmula do Superior

Tribunal de Justiça.

Por fim, são duplicados todos os prazos dos recursos interpostos pelo

Ministério Público, tendo em vista a aplicação subsidiária do art. 188 do Código de

Processo Civil, por força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005.

22. Preparo dos recursos falimentares

No que tange ao preparo, a regra reside no caput do art. 511 do Código de

Processo Civil, aplicável aos recursos falimentares por força do art. 189 da Lei nº

11.101/2005.

Tal como a regra inserta no caput do art. 511, as exceções consagradas

nos parágrafos são igualmente aplicáveis. Daí a dispensa do preparo quando o

recorrente é o Ministério Público.

Resta saber se aos recursos interpostos pela massa falida deve ser

aplicada a regra inserta no caput do art. 511 do Código de Processo Civil ou se há

preceito específico na legislação de regência do processo falimentar.

Consoante a jurisprudência consolidada no Tribunal Superior do Trabalho

sob a égide do art. 208 do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, os recursos interpostos

pela massa falida não estão sujeitos à regra do preparo imediato, conforme revela

o proêmio do enunciado nº 86 da Súmula daquela Corte Superior: ―Não ocorre

deserção de recurso da massa falida por falta de pagamento de custas ou de

depósito do valor da condenação‖. Com efeito, o art. 208 do Decreto-lei nº 7.661

ensejava a efetuação do ―preparo‖ ―oportunamente‖, com o conseqüente

afastamento da pena de deserção, em razão da dispensa provisória911.

911

Assim, na doutrina: ―Também goza do privilégio da dispensa provisória do pagamento de custas a massa falida (Súmula nº 86 do TST)‖ (Júlio César Bebber. Recursos no processo do trabalho. p. 147).

383

383

À luz do mesmo art. 208 do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, entretanto, o

Superior Tribunal de Justiça firmou jurisprudência em favor da dispensa provisória

do preparo apenas em relação aos recursos interpostos pela massa falida no

processo falimentar propriamente dito912.

Revogado o antigo Decreto-lei nº 7.661, de 1945, com o advento da Lei nº

11.101/2005, a vexata quaestio agora deve ser solucionada à luz da nova

legislação que versa sobre a recuperação empresarial e a falência.

À vista dos incisos III e IV do art. 84 da Lei nº 11.101/2005, é possível

concluir que a orientação consagrada no proêmio do enunciado nº 86 da Súmula

do Tribunal Superior do Trabalho subsiste à luz da atual legislação, porquanto os

incisos III e IV do art. 84 e o caput do art. 149 revelam que o pagamento das

custas processuais relativas às ações em geral da massa falida só são pagas ao

final do processo falimentar, ou seja, depois da realização do ativo e das

restituições. Por conseguinte, a regra prevista no caput do art. 511 do Código de

Processo Civil não alcança os recursos interpostos nos processos em geral nos

quais a massa falida é vencida. Com efeito, diante da existência de legislação

específica (arts. 84, incisos III e IV, e 149, caput, da Lei nº 11.101/2005) em prol

da massa falida, não há lugar para a incidência do preceito genérico do Código de

Processo Civil, ou seja, do caput do art. 511. Daí a dispensa do preparo recursal

imediato em favor da massa falida nas ações em geral, na mesma linha do

proêmio do enunciado nº 86 da Súmula do Tribunal Superior do Trabalho: ―Não

ocorre deserção de recurso da massa falida por falta de pagamento de custas ou

de depósito do valor da condenação‖. 912

Cf.: ―Processual civil. Ação de indenização. Massa falida. Custas. Deserção. I. - O art. 208 da Lei de Falências só incide sobre o processo principal da falência, sendo excluída a sua aplicação em ações autônomas de que a massa seja parte. Não efetuado o preparo quando do recurso de apelação em ação de indenização, a deserção se impunha.‖ (REsp nº 400.342/MG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 17 de maio de 2004, p. 214;). ―COMERCIAL. FALÊNCIA. MASSA FALIDA. AÇÃO REVOCATÓRIA. APELAÇÃO. PREPARO. ART. 208 DO DECRETO-LEI Nº 7.661/45. NÃO INCIDÊNCIA. 1 - O art. 208 do Decreto-Lei nº 7.661/45 ao autorizar o pagamento de preparo em momento oportuno, somente se aplica ao processo falimentar propriamente dito, não alcançando os incidentes a ele correlatos, como por exemplo, na espécie, a ação revocatória. Precedente desta Corte.‖ (REsp nº 254.558/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de novembro de 2003, p. 308). No mesmo sentido, também na jurisprudência: ―MASSA FALIDA - AÇÃO ORDINÁRIA - APELAÇÃO - ART. 208 DO DECRETO-LEI Nº 7.661/45 - NÃO INCIDÊNCIA - PREPARO - NECESSIDADE - PENA DE DESERÇÃO - APELAÇÃO ADESIVA - NÃO CONHECIMENTO. O art. 208 do Decreto-Lei nº 7.661/45, ao autorizar o pagamento de preparo em momento oportuno, somente se aplica ao processo falimentar propriamente dito, não alcançando as demais ações em que a Massa Falida litiga.‖ (Apelação nº 1.0024.98.077804-7/001, 1ª Câmara Cível do TJMG, Diário da Justiça de 20 de maio de 2005).

384

384

23. Cabimento de embargos infringentes no processo falimentar

No que tange ao cabimento de embargos infringentes em apelação no

processo falencial (por exemplo, art. 100, segunda parte), a ausência de restrição

no art. 530 do Código de Processo Civil permite a conclusão em prol da

admissibilidade do recurso contra todas as apelações, desde que cumpridas as

outras exigências do preceito legal. Com efeito, diante da inexistência de vedação

no texto codificado e na legislação especial de regência do processo falimentar, é

possível concluir pela igual adequação do recurso do art. 530 do Código. Aliás, na

mesma esteira do antigo caput913 do art. 207 do revogado Decreto-lei nº 7.661, o

art. 189 da novel Lei nº 11.101 também sugere a incidência do Código de

Processo Civil: ―Aplica-se a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de

Processo Civil, no que couber, aos procedimentos previstos nesta Lei‖. Subsiste,

por conseguinte, o preciso enunciado nº 88 da Súmula do Superior Tribunal de

Justiça: ―São admissíveis embargos infringentes em processo falimentar‖. Por

tudo, cabem embargos infringentes contra acórdão de provimento por maioria em

apelação interposta de sentença de mérito no processo falencial.

24. Arrecadação dos bens

Após ser nomeado pelo juiz na decisão de decretação da falência (art. 99,

inciso IX), o administrador judicial deve ser intimado pessoalmente para assinar o

termo de compromisso (art. 33). Em seguida, o administrador judicial deve efetuar

a arrecadação dos bens e dos documentos do falido, bem como elaborar o

respectivo laudo de arrecadação e de avaliação dos bens (arts. 22, inciso III,

alíneas ―f‖ e ―g‖, e 108, caput).

O falido pode acompanhar a arrecadação e a avaliação realizadas pelo

administrador judicial (art. 108, § 2º). Se constatar, entretanto, a existência de

risco para a efetivação da arrecadação ou para a preservação dos bens, o

913

Com a redação dada pela Lei nº 6.014, de 1973.

385

385

administrador judicial pode requerer ao juiz da falência a lacração do

estabelecimento empresarial (arts. 99, incisos XI, e 109).

25. Bens impenhoráveis

Durante a arrecadação, o administrador judicial deve levar em consideração

a impenhorabilidade de alguns bens ex vi legis (art. 108, § 4º), como, por exemplo,

os bens arrolados no art. 649 do Código de Processo Civil, com a redação

conferida pela Lei nº 11.382/2006.

Por força do art. 1º da Lei nº 8.009, de 1990, o bem de família também é

impenhorável, razão pela qual não é alcançado por dívidas de natureza civil,

comercial, fiscal e previdenciária. Ressalvadas as exceções arroladas no art. 3º

daquele diploma, a impenhorabilidade subsiste in totum, independente do valor do

bem de família, porquanto o Presidente da República vetou o parágrafo único que

seria acrescentado ao art. 650 do Código de Processo Civil, a fim de limitar a

impenhorabilidade até o valor correspondente a mil salários mínimos.

26. Custódia dos bens

Os bens arrecadados ficam sob a guarda do administrador judicial ou de

pessoa escolhida pelo mesmo, sob a responsabilidade do administrador (art. 108,

§ 1º, proêmio, da Lei nº 11.101/2005, e do art. 148 do Código de Processo Civil).

Para a melhor guarda e conservação, os bens arrecadados podem ser

removidos para depósito, mas continuam sob a responsabilidade do administrador

(art. 112 da Lei nº 11.101/2005).

Não obstante, não é absoluta a regra da custódia dos bens pelo

administrador judicial ou por pessoa de sua confiança, sob a sua

responsabilidade. Com efeito, o falido e os representantes da sociedade

empresária falida também podem ser nomeados depositários dos bens (art. 108, §

1º, in fine). Não obstante, tanto o falido quanto os respectivos representantes da

sociedade empresária falida só passam a ser responsáveis quando assumem

386

386

expressamente o encargo, mas não podem sofrer prisão civil, ex vi do enunciado

vinculante nº 26 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―É ilícita a prisão civil de

depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito‖.

27. Auto de arrecadação e laudo de avaliação

O auto de arrecadação deve conter o inventário dos bens e o respectivo

laudo de avaliação, bem como deve ser assinado pelo administrador judicial, pelo

falido ou seus representantes, bem assim por outras pessoas (por exemplo, oficial

de justiça) que auxiliarem ou presenciarem o ato (art. 110). Em seguida, o auto de

arrecadação é juntado aos autos do processo de falência (art. 139).

Se não for possível, todavia, a avaliação imediata dos bens no momento da

arrecadação, o administrador judicial pode requerer ao juiz a concessão de prazo

adicional de até trinta dias, para apresentar o laudo de avaliação em separado

(art. 110, § 1º). Concluído o laudo de avaliação, o mesmo também deve ser

juntado aos autos do processo de falência.

28. Término da arrecadação e início da realização do ativo

Findas a arrecadação e a avaliação dos bens, e juntados o auto de

arrecadação e o laudo de avaliação aos autos do processo falimentar, tem início a

realização do ativo, com a alienação dos bens arrecadados e o pagamento dos

credores (art. 139).

29. Alienação e adjudicação antecipadas em favor de credores

É admissível, todavia, a alienação e a adjudicação antecipadas, isto é,

antes mesmo do término da arrecadação e da avaliação de todos os bens do

falido. Com efeito, sopesados os custos de conservação dos bens, o interesse da

massa falida e a preferência na ordem legal de classificação dos créditos, o juiz da

falência, ouvido o Comitê de Credores (se constituído!), pode autorizar tanto a

387

387

alienação quanto a adjudicação de bens arrecadados, pelo valor da respectiva

avaliação, em favor de credores interessados, com a compensação dos

respectivos créditos (art. 111). O eventual remanescente da alienação entrará

para a massa falida (art. 108, § 3º).

30. Alienação antecipada para terceiros

Além da alienação e da adjudicação antecipadas de bens em prol de

credores, também é admissível a imediata alienação para terceiros, especialmente

em relação aos bens perecíveis, deterioráveis ou de conservação dispendiosa. Em

qualquer caso, a alienação depende de decisão do juiz da falência, após a

concessão de vista ao Comitê de Credores (se constituído!) e ao falido, pelo prazo

comum de quarenta e oito horas (art. 113).

31. Formas de alienação ordinária

Ressalvadas as excepcionais alienações antecipadas (ou extraordinárias)

previstas nos arts. 111 e 113, a alienação dos bens pode ser realizada pelas

formas previstas no art. 140, observada a seguinte ordem de preferência: –

alienação dos estabelecimentos empresariais em bloco; – alienação isolada dos

estabelecimentos empresariais, filiais ou unidades produtivas; – alienação em

bloco dos bens de cada um dos estabelecimentos; – alienação isolada dos bens.

32. Consequências jurídicas da alienação

A alienação dos bens do falido produz as seguintes consequências

jurídicas: – sub-rogação de todos os credores (massa falida subjetiva) no produto

da alienação (arts. 108, § 3º, proêmio, e 141, inciso I); – o objeto da alienação fica

livre de ônus (art. 141, inciso II, proêmio); – não há sucessão do arrematante nas

obrigações do falido, até mesmo em relação às obrigações tributárias, trabalhistas

388

388

e acidentárias (art. 141, inciso II, segunda parte, e § 2º, in fine)914; – os

empregados contratados pelo arrematante são admitidos mediante novos

contratos de trabalho (art. 141, § 2º).

33. Modalidades de alienação pública

Após a manifestação do administrador judicial e do eventual Comitê de

Credores, o juiz determina a alienação por uma das seguintes modalidades: –

leilão, por lances orais; – propostas fechadas; – pregão. Com efeito, compete ao

juiz ordenar a alienação do ativo do falido após a manifestação do administrador

judicial e consoante a orientação do Comitê de Credores (art. 142, caput).

Além das três modalidades arroladas no art. 142, o juiz pode autorizar a

alienação por outra modalidade sugerida pelo administrador judicial ou pelo

Comitê de Credores (art. 144).

Independente da modalidade de alienação determinada pelo juiz, o

Ministério Público deve ser sempre intimado pessoalmente, sob pena de nulidade

da alienação (art. 142, § 7º).

A divulgação da alienação pública ocorre mediante edital de anúncio da

venda, publicado em jornal de grande circulação, com pelo menos quinze ou trinta

dias de antecedência, conforme a alienação alcance bens móveis ou imóveis,

respectivamente (art. 142, § 1º). No que tange ao conteúdo, o edital deve conter o

dia, o horário, o local e outras informações relativas à alienação do ativo do falido.

As quantias recebidas em razão da alienação do ativo do falido devem ser

depositadas em conta remunerada em favor da massa falida (arts. 108, § 3º,

914

O Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 141, inciso II, da Lei nº 11.101, de 2005, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.934, cujo acórdão foi publicado com a seguinte ementa: ―AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, E 141, II, DA LEI 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTS. 1º, III, E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I – Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial. II – Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão dos créditos trabalhistas. III – Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. IV – Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho. V – Ação direta julgada improcedente.‖ (ADI nº 3.934DF, Pleno do STF, Diário da Justiça eletrônico de 5 de novembro de 2009).

389

389

primeira parte, e 147), sob administração do administrador judicial e fiscalização

do juiz.

34. Leilão

A primeira modalidade de alienação pública prevista no art. 142 é o leilão

por lances orais, com a alienação pelo maior valor oferecido, ainda que inferior ao

valor da avaliação (art. 142, § 2º).

O leilão por lances orais segue o disposto na Lei nº 11.101/2005, no Código

de Processo Civil (art. 142, § 3º, da Lei nº 11.101) e no edital de anúncio da

alienação (art. 142, § 1º, da Lei nº 11.101).

O leilão do processo falimentar não se confunde com o leilão do processo

civil, porquanto aquele (falimentar) alcança todos os bens do falido, tanto os

móveis quanto os imóveis. Não há, portanto, no processo falimentar, a distinção

terminológica entre leilão (para bens móveis) e praça (para bens imóveis), própria

do direito processual civil.

35. Propostas fechadas

Segundo a modalidade de alienação pública por propostas fechadas, os

interessados na aquisição de bens do falido devem apresentar as respectivas

propostas em envelopes lacrados perante o cartório do juízo da falência, sob

recibo (art. 142, § 4º).

As propostas são abertas pelo juiz, no dia, hora e local indicados no edital

de anúncio da alienação (art. 142, inciso II e § 4º).

Tal como o leilão, a alienação mediante propostas fechadas também ocorre

pelo maior valor, ainda que inferior ao da avaliação (art. 142, § 2º).

36. Pregão

390

390

O pregão é uma modalidade constituída pela soma das anteriores

(propostas fechadas e leilão por lances orais). A primeira fase do pregão consiste

na apresentação das propostas (art. 142, § 5º, inciso I). Em seguida, há o leilão

por lances orais, do qual participam apenas os proponentes que apresentaram

propostas iguais ou superiores a noventa por cento da maior proposta (art. 142, §

5º, inciso II).

37. Impugnação

Independente da modalidade de alienação ordenada pelo juiz, há lugar para

apresentação de impugnação pelo Ministério Público, pelo falido e por qualquer

credor, no prazo comum de quarenta e oito horas da arrematação (art. 143). A

impugnação deve ser juntada aos próprios autos do processo falimentar, para

posterior decisão do juiz, no prazo impróprio de cinco dias (art. 143). Julgada

improcedente a impugnação, o juiz ordena a entrega do bem ao arrematante,

observadas as condições previstas no edital de anúncio da alienação pública. A

decisão interlocutória acerca da impugnação é agravável por instrumento, no

prazo de dez dias, com possibilidade de requerimento de efeito suspensivo ao

relator no tribunal, a fim de evitar a imediata entrega do bem ao arrematante (arts.

522, 527, inciso III, e 558, todos do Código de Processo Civil, aplicados por força

do art. 189 da Lei nº 11.101/2005).

38. Pagamento aos credores

Tão logo exista disponibilidade de caixa em favor da massa falida, deve ser

realizado o pagamento imediato dos créditos trabalhistas provenientes de salários

vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até o limite de cinco

salários mínimos por trabalhador (art. 151).

Após, são realizadas as restituições em dinheiro (arts. 86, parágrafo único,

e 149). Depois, são pagos os créditos extraconcursais (arts. 84 e 149). Em

seguida, há o pagamento dos credores arrolados no Quadro-Geral, consoante a

391

391

ordem de classificação dos créditos prevista no art. 83 (art. 149). Pagos todos os

credores, o eventual saldo remanescente deve ser entregue ao falido (art. 153).

Por fim, se ficar evidenciado dolo ou má-fé de algum credor na constituição

do respectivo crédito ou garantia, deverá restituir em dobro as quantias recebidas,

acrescidas de juros legais, em favor da massa ou do falido, conforme o caso.

39. Prestação de contas

Após a alienação do ativo e a distribuição do produto entre os credores

arrolados no Quadro-Geral, o administrador deve prestar suas contas ao juiz, no

prazo de trinta dias (arts. 22, inciso III, alínea ―r‖, primeira parte, e 154).

Se o administrador judicial deixar de apresentar suas contas no prazo

previsto no art. 154, o juiz deve determinar a intimação pessoal do administrador

para apresentar as respectivas contas em cinco dias, sob pena de crime de

desobediência (art. 23 da Lei nº 11.101/2005, combinado com o art. 330 do

Código Penal). Nada impede, por outro lado, que a ação de prestação de contas

seja proposta pelo Comitê, por qualquer credor e pelo falido, contra o

administrador judicial (art. 914, inciso I, do Código de Processo Civil).

Na eventualidade de o administrador judicial tomar a iniciativa que lhe cabe,

deve instruir a petição inicial com os documentos comprobatórios da prestação

das contas (art. 154, § 1º, da Lei nº 11.101/2005). A prestação de contas deve ser

feita de forma mercantil, ou seja, contábil, com uma coluna para as despesas e

outra para as receitas, as quais devem ser demonstradas mediante documentos

acostados à petição, em virtude da incidência do art. 917 do Código de Processo

Civil, aplicável por força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005.

A prestação de contas do administrador judicial deve ser distribuída por

dependência ao processo falimentar, com a autuação em separado da petição

inicial e dos respectivos documentos, para posterior apensação aos autos da

falência (arts. 78, parágrafo único, e 154, § 1º, ambos da Lei nº 11.101/2005, e art.

919 do Código de Processo Civil).

392

392

Em seguida, o juiz ordena a publicação de aviso de que as contas do

administrador judicial estão disponíveis para consulta e impugnação, em dez dias

(art. 154, § 2º, da Lei nº 11.101/2005). Na eventualidade de impugnação quanto

aos fatos, o juiz pode ordenar a conversão em diligência (art. 154, § 3º), para, por

exemplo, a realização de perícia contábil.

Após, o juiz determina a intimação do membro do Ministério Público, para

apresentação de parecer, no prazo de cinco dias (art. 154, § 3º). Veiculada

alguma impugnação às contas ou apresentado parecer contrário à aprovação pelo

Ministério Público, o administrador judicial é intimado para oferecer réplica (art.

154, § 3º, in fine), em cinco dias (art. 185 do Código de Processo Civil, aplicado

por força do art. 189 da Lei nº 11.101/2005).

Findo o processamento, o juiz profere sentença de procedência ou

improcedência da prestação das contas do administrador (art. 154, § 4º).

Rejeitadas as contas, o juiz já fixa na própria sentença de improcedência as

responsabilidades do administrador judicial, condena o administrador a indenizar a

massa e pode determinar a indisponibilidade ou o sequestro (melhor dito,

arresto915) de bens do administrador (art. 154, § 5º).

Por fim, da sentença (de improcedência ou de procedência) cabe apelação,

em quinze dias, com efeito suspensivo (arts. 154, § 6º, e 189, ambos da Lei nº

11.101/2005, combinados com os arts. 508 e 520, primeira parte, do Código de

Processo Civil).

40. Relatório final do administrador judicial

Julgadas as contas, o administrador judicial deve apresentar relatório final

da falência, no prazo de dez dias (art. 155). O relatório final deve conter a

indicação do valor do ativo, do produto da respectiva alienação, do valor do

915

A despeito da literalidade do § 5º do art. 154 (―sequestro de bens‖), trata-se, na verdade, de arresto, porquanto o preceito dispõe sobre futura execução por quantia certa, em razão da condenação do administrador judicial ao pagamento de indenização à massa falida.

393

393

passivo, dos pagamentos feitos aos credores, bem assim das responsabilidades

do falido que subsistem (art. 155).

Se o administrador judicial deixar de apresentar o relatório final no prazo

legal (de dez dias), o juiz deve determinar a intimação pessoal daquele

(administrador judicial), a fim de que apresente o relatório final no prazo adicional

de cinco dias, sob pena de crime de desobediência (art. 23).

41. Sentença de encerramento do processo falimentar

Apresentado o relatório final pelo administrador judicial, o juiz encerra o

processo de falência mediante sentença, a qual deve ser publicada por edital no

órgão oficial de imprensa (art. 156, caput e parágrafo único, da Lei nº

11.101/2005).

Da sentença de encerramento da falência cabe apelação, em quinze dias,

com efeito suspensivo (arts. 156, caput e parágrafo único, e 189 da Lei nº

11.101/2005, combinados com os arts. 508 e 520, primeira parte, do Código de

Processo Civil).

Quanto aos prazos prescricionais que estavam suspensos desde a decisão

de decretação da falência (ou da decisão de deferimento do processamento da

recuperação judicial, se a falência foi decretada mediante convolação da

recuperação), voltam a correr a partir do trânsito em julgado da sentença de

encerramento da falência (arts. 6º, caput, e 157, ambos da Lei nº 11.101/2005).

42. Extinção das obrigações do falido pelo pagamento

As obrigações do falido são extintas mediante o pagamento de todos os

créditos (art. 158, inciso I), bem assim pelo pagamento de mais de cinquenta por

cento dos créditos quirografários, depois de realizado todo o ativo (art. 158, inciso

II, primeira parte). Não alcançada a percentagem extintiva das obrigações após a

integral liquidação do ativo, o falido ainda pode efetuar o depósito da quantia

necessária para ultrapassar o piso de cinquenta por cento dos créditos

394

394

quirografários, a fim de obter a extinção das obrigações (art. 158, inciso II,

segunda parte).

43. Extinção das obrigações do falido pelo decurso de prazo

Além da extinção das obrigações em virtude do pagamento total ou parcial,

o decurso de prazo também é fato extintivo das obrigações do falido. Com efeito,

há a extinção das obrigações após o decurso do prazo de cinco anos do

encerramento do processo de falência, desde que o falido não tenha sido

condenado por crime falimentar (art. 158, inciso III). Na hipótese de condenação

do falido por crime falimentar, a extinção das obrigações só ocorre após o decurso

do prazo de dez anos do encerramento do processo de falência (art. 158, inciso

IV).

44. Reabilitação

Configurada alguma das hipóteses previstas no art. 158 (isto é, pagamento

total, pagamento parcial ou decurso de prazo), o falido pode ajuizar a ação de

reabilitação, com o requerimento da declaração da extinção das obrigações (art.

159, caput).

A ação de reabilitação é distribuída por dependência ao processo falimentar

(art. 159, caput), com a posterior autuação em separado da petição inicial e dos

respectivos documentos (art. 159, § 1º, primeira parte). Admitida a petição inicial,

há a publicação de edital de citação no órgão oficial de imprensa e também em

jornal de grande circulação (art. 159, § 1º, in fine). Qualquer credor pode

contestar, no prazo próprio de trinta dias, cuja contagem só tem início após a

última publicação do edital (art. 159, §§ 1º e 2º). Em seguida, o juiz profere

sentença no processo de reabilitação, no prazo impróprio de cinco dias (art. 159, §

3º, primeira parte). Da sentença cabe apelação (art. 159, § 5º), em quinze dias

(art. 508 do Código de Processo Civil). Transitada em julgado a sentença da

395

395

reabilitação, os respectivos autos são apensados aos autos do processo

falimentar (art. 159, § 6º).

Na eventualidade de reabilitação ajuizada ainda na pendência do processo

falimentar, o juiz pode declarar a extinção das obrigações do falido na própria

sentença de encerramento da falência (art. 159, § 3º, in fine), com igual cabimento

de recurso de apelação (arts. 156, caput, e 159, § 5º).

Em qualquer caso, da sentença de declaração da extinção das obrigações

do falido sempre devem ser comunicadas todas as pessoas e entidades

informadas da decretação da falência, especialmente a Junta Comercial, a fim de

que proceda à anotação da reabilitação no registro do empresário ou da

sociedade empresária (arts. 99, incisos VIII e X, e 159, § 4º, da Lei nº

11.101/2005).

396

396

CAPÍTULO VII – AÇÃO REVOCATÓRIA

1. A revogação e a ineficácia à luz da Lei nº 11.101

A Lei nº 11.101 dispõe sobre a revogação e a ineficácia de atos916

praticados pelo empresário individual e pela sociedade empresária em prejuízo

aos credores. A despeito da existência de diferenças entre a revogação e a

ineficácia, ambas têm como escopo comum a proteção da massa falida subjetiva,

ou seja, dos credores.

A primeira diferença entre os institutos é de cunho processual. A revogação

só pode ser alcançada em ação própria, denominada ―ação revocatória‖ (art. 132).

Já a ineficácia pode ser declarada no curso do processo falimentar, até mesmo de

ofício, bem assim mediante petição avulsa veiculada no próprio processo falencial.

Além da possibilidade da declaração incidental no curso do processo de falência,

a ineficácia pode ser objeto de ação própria, de natureza declaratória (art. 129,

parágrafo único).

A segunda diferença reside na causa de pedir. A revocatória tem causa de

pedir subjetiva. Com efeito, a ação de revogação tem em mira atos praticados com

a intenção de prejudicar os credores, pelo conluio entre o empresário individual ou

a sociedade empresária (por intermédio dos seus controladores ou

administradores) e o terceiro participante do contrato causador de prejuízo à

massa falida (art. 130). Já a ineficácia tem causa de pedir objetiva, isto é, não está

atrelada à intenção de fraudar credores, mas apenas ao ato em si, independente

do conhecimento do estado de crise econômico-financeira pelo terceiro

contratante e da intenção fraudulenta do empresário individual ou dos

administradores, diretores, sócios-controladores da sociedade empresária, em

prejuízo da massa falida. Para a declaração da ineficácia basta a incidência do ato

praticado pelo empresário individual ou pela sociedade empresária em alguma das

916

Por exemplo, doação, contrato de compra e venda, contrato de cessão civil.

397

397

hipóteses legais arroladas no art. 129, sem necessidade alguma de comprovação

da intenção de prejudicar os credores.

Por fim, a terceira diferença diz respeito ao prazo. A revocatória é uma ação

constitutiva negativa com prazo decadencial de três anos (art. 132). Em

contraposição, a Lei nº 11.101 não estabelece prazo para a declaração da

ineficácia, em razão da natureza declaratória (art. 129, parágrafo único, 136 e

138), cuja eventual ação não está sujeita a prazo algum.

2. Ação revocatória

A revocatória é a ação de natureza constitutiva sujeita a prazo decadencial

de três anos, adequada para a revogação dos atos fraudulentos praticados em

razão do conluio do empresário individual ou da sociedade empresária com

terceiro, a fim de prejudicar os credores do empresário ou da sociedade insolvente

(arts. 130 e 132, ambos da Lei nº 11.101/2005).

A ação revocatória, também denominada ―ação pauliana falimentar‖, pode

ser ajuizada pelo Ministério Público, pelo administrador judicial ou por qualquer

credor, porquanto todos são legitimados ativos à vista do art. 132. Com efeito,

além do administrador judicial e dos credores, também o Ministério Público tem

legitimidade ativa para promover a ação revocatória, a fim de evitar a perpetuação

da fraude à lei.

No que tange à legitimidade passiva, a revocatória pode ser ajuizada em

face de todos os contratantes, inclusive os respectivos herdeiros e legatários (art.

133). Com efeito, a ação revocatória pode ser movida contra todos os que

participaram do ato fraudulento, bem assim contra outras pessoas beneficiadas

pelo mesmo.

A ação revocatória é da competência do próprio juízo da falência e é

processada sob o rito ordinário (art. 134). Com efeito, trata-se de ação da

competência do juízo falimentar e processada sob o procedimento ordinário do

Código de Processo Civil.

398

398

Ademais, o autor da ação revocatória pode requerer medida cautelar de

sequestro do bem objeto do ato fraudulento cuja revogação é pleiteada (art. 137

da Lei nº 11.101/2005)917. A medida cautelar pode ser requerida antes (mediante

ação cautelar antecedente ou preparatória), no curso (por meio de ação cautelar

incidental) ou até mesmo no bojo do próprio processo da revocatória (por

intermédio de simples petição avulsa, consoante autoriza o art. 273, § 7º, do

Código de Processo Civil).

Por fim, a sentença proferida na ação revocatória ocasiona a

desconstituição dos atos fraudulentos. Da sentença proferida na revocatória,

entretanto, cabe apelação (art. 135 da Lei nº 11.101/2005), com efeito suspensivo

(art. 520, caput, proêmio, do Código de Processo Civil). Já da sentença no

eventual processo cautelar de sequestro também cabe apelação, mas sem efeito

suspensivo, por força do art. 520, inciso IV, do Código de Processo Civil, razão

pela qual a efetivação da apreensão do bem é imediata.

3. Declaração de ineficácia

A ineficácia dos atos praticados pelo empresário individual ou pela

sociedade empresária (por intermédio dos respectivos administradores ou

controladores) pode ser declarada no bojo do próprio processo falimentar ou em

ação própria, independente da existência de prévio conhecimento do estado de

crise econômico-financeira por parte do terceiro contratante com o empresário

individual ou com a sociedade empresária, ainda que sem a ocorrência de conluio

fraudulento para prejudicar os credores (art. 129, caput e parágrafo único).

Na verdade, a declaração da ineficácia depende apenas do enquadramento

do ato praticado em alguma das hipóteses objetivas previstas nos incisos do art.

129, como a ocorrência de pagamento de dívidas não vencidas, pelo empresário

917

O Professor Vicente Greco Filho sustenta que o caso do art. 137 da Lei nº 11.101 não é de sequestro, mas de arresto (cf. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 178). Ainda que muito respeitável a douta lição do eminente processualista, sustenta-se no presente compêndio que a hipótese prevista no art. 137 é de sequestro, porquanto tem em mira bem determinado objeto de litígio proveniente de ação revocatória, para a posterior entrega do bem à massa falida, tal como determinam os arts. 130, 132 e 136, todos da Lei nº 11.101, de 2005. Daí o perfeito enquadramento no conceito de sequestro, estudado em capítulo específico do presente compêndio.

399

399

individual ou pela sociedade empresária, dentro do termo legal, período de até

noventa dias antes do primeiro protesto, da propositura da recuperação judicial ou

do ajuizamento da falência, fixado pelo juiz na decisão de decretação da falência

(arts. 99, inciso II, e 129, inciso I), salvo quando há previsão do respectivo

pagamento no plano de recuperação judicial (art. 131).

Também é ineficaz o pagamento, dentro do termo legal, de dívidas já

vencidas e exigíveis, salvo quando o pagamento se dá mediante o disposto no

prévio contrato (art. 129, inciso II) ou consta do plano de recuperação judicial (art.

131).

Da mesma forma, não tem eficácia a constituição de direito real de garantia

dentro do termo legal (art. 129, inciso III), salvo quando há previsão específica no

plano de recuperação judicial (art. 131).

É igualmente ineficaz qualquer ato a título gratuito praticado nos dois anos

anteriores à decretação da falência (art. 129, inciso IV). Pelo mesmo motivo, não

tem eficácia a renúncia à herança918 ou a legado919 nos dois anos anteriores à

decretação da falência (art. 129, inciso V)920.

Não têm eficácia a venda e a transferência do estabelecimento empresarial

sem o consentimento ou o prévio pagamento de todos os credores (art. 129, inciso

VI), salvo quando há previsão da venda ou da transferência no plano de

recuperação judicial (art. 131).

Também são ineficazes os registros de direitos reais e de transferência de

propriedade entre vivos921 após a decretação da falência, ressalvada anterior

prenotação (art. 129, inciso VII).

Em suma, salvo quando constar do plano de recuperação judicial (art. 131),

o ato previsto no art. 129 deve ser declarado ineficaz mediante decisão judicial,

918

Universalidade de bens cuja transferência ocorre em razão do falecimento de uma pessoa natural (arts. 1.784 e 1.791 do Código Civil de 2002). 919

Bem certo e especificado deixado pelo falecido em favor de outrem mediante testamento (art. 1.912 do Código Civil). 920

O inciso V do art. 129 da Lei nº 11.101, de 2005, tem o mesmo escopo do art. 1.813 do Código Civil, a fim de que os credores não sejam prejudicados pela renúncia à herança, razão pela qual aqueles (credores) podem aceitar a herança no lugar do renunciante. 921

Por exemplo, doação.

400

400

independente do prévio conhecimento do estado de crise econômico-financeira

por parte do terceiro participante do ato e da existência de conluio fraudulento

para prejudicar os credores.

401

401

CAPÍTULO VIII – ARRESTO E SEQUESTRO

Nota explicativa

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, o direito empresarial não

prescinde do estudo do arresto e do sequestro, em razão da importância dos

institutos para a compreensão dos arts. 103, caput, 137 e 154, § 5º, todos da Lei

nº 11.101/2005. Daí a explicação para a abertura de um capítulo específico para o

estudo do arresto e do sequestro, a fim de que aqueles preceitos tantas vezes

citados ao longo do presente compêndio possam ser interpretados sob o prisma

técnico-processual.

1. Arresto

1.1. Conceito de arresto

Arresto é a medida cautelar admissível em prol do credor, destinada à

apreensão de bens indeterminados do devedor, a fim de afastar sério risco de

dilapidação do patrimônio e resguardar o resultado útil de execução por quantia

certa.

1.2. Arresto: natureza do processo principal

Como o arresto está diretamente relacionado à execução por quantia certa,

questiona-se se a cautelar pode ser ajuizada na pendência de processo de

conhecimento. Sem dúvida, o arresto cautelar também pode ser requerido no

curso de um processo de conhecimento, como bem revela o art. 814, parágrafo

único, in fine, do Código de Processo Civil. Com efeito, quando o processo de

conhecimento for a fonte da futura execução por quantia certa, não há dúvida da

admissibilidade do arresto cautelar. Por fim, a futura ou atual execução por quantia

402

402

certa autorizadora do arresto cautelar pode ser civil ou falimentar. Com efeito, o

arresto cautelar também tem lugar na falência922.

1.3. Arresto antecedente e arresto incidental

À vista dos arts. 796 e 812 do Código de Processo Civil, o arresto cautelar

pode ser antecedente ou incidental, exercido mediante ação cautelar específica,

consubstanciada em petição inicial própria, autuada em separado (art. 809).

Não obstante, o arresto cautelar incidental também pode ser requerido no

bojo dos autos do processo principal. Com efeito, após o advento da Lei nº

10.444/2002, as cautelares incidentais podem ser concedidas até mesmo dentro

do próprio processo principal, em virtude do art. 273, § 7º, do Código de Processo

Civil. Aliás, o arresto pode ser determinado até de ofício pelo juiz do processo

principal, em virtude do poder geral de cautela consagrado no art. 798 do Código

de Processo Civil.

1.4. Hipóteses de arresto: inteligência do art. 813 do C.P.C.

O art. 813 do Código de Processo Civil arrola as principais hipóteses de

arresto923, todas à luz da mesma premissa: resguardar o resultado útil de

execução por quantia certa diante do risco de dilapidação do patrimônio pelo

devedor. O preceito, entretanto, não é exaustivo. Aliás, o inciso IV do próprio art.

813 revela a existência de outros tantos casos de arresto: art. 154, § 5º, da Lei nº

922

De acordo, na jurisprudência: ―AGRAVO DE INSTRUMENTO – CAUTELAR DE ARRESTO – DEFERIMENTO DE LIMINAR – DETERMINAÇÃO DE QUE O AGRAVADO FIQUE COMO DEPOSITÁRIO FIEL DOS BENS ARRESTADOS – LEI DE FALÊNCIA – ART. 666 DO CPC.‖ (AGI nº 2003.00.2.006965-1, 5ª Turma do TJDF, Diário da Justiça de 10 de dezembro de 2003, p. 62). 923

―Art. 813. O arresto tem lugar: I - quando o devedor sem domicílio certo intenta ausentar-se ou alienar os bens que possui, ou deixa de pagar a obrigação no prazo estipulado; II - quando o devedor, que tem domicílio: a) se ausenta ou tenta ausentar-se furtivamente; b) caindo em insolvência, aliena ou tenta alienar bens que possui; contrai ou tenta contrair dívidas extraordinárias; põe ou tenta pôr os seus bens em nome de terceiros; ou comete outro qualquer artifício fraudulento, a fim de frustrar a execução ou lesar credores; III - quando o devedor, que possui bens de raiz, intenta aliená-los, hipotecá-los ou dá-los em anticrese, sem ficar com algum ou alguns, livres e desembargados, equivalentes às dívidas; IV - nos demais casos expressos em lei‖.

403

403

11.101/2005924, art. 731 do Código de Processo Civil925, art. 45, caput e § 2º, da

Lei nº 6.024, de 1974, art. 16, caput e § 1º, da Lei nº 8.429, de 1992926, e arts.

136, 137, 138, 139, 141, 143 e 144, todos do Código de Processo Penal. Em

suma, além das hipóteses arroladas no art. 813 do Código de Processo Civil, há

lugar para arresto cautelar em outros casos927, sempre que o credor demonstrar, a

um só tempo, a plausibilidade do respectivo direito (fumus boni iuris) e o perigo da

demora (periculum in mora)928.

1.5. Dívida em dinheiro, certeza acerca da existência e vencimento:

desnecessidade

À primeira vista, os arts. 813 e 814 do Código de Processo Civil

condicionam a concessão do arresto ao prévio reconhecimento da dívida e ao

vencimento da obrigação pecuniária.

Não obstante, fixada a premissa de que as hipóteses arroladas no art. 813

não são taxativas, o arresto pode ter lugar antes do vencimento da dívida e até

mesmo antes do reconhecimento da obrigação pecuniária, desde que

comprovados o fumus boni iuris, à luz da plausibilidade do direito do requerente, e

o periculum in mora, à vista do risco iminente de dilapidação do patrimônio por

parte do devedor.

924

Com a mesma opinião, na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 176: ―Entre eles se encontra o do já comentado art. 653, inserido na execução, e o do art. 154, § 5º, da Lei de Falências (a lei refere-se a sequestro, mas o caso é de arresto)‖. 925

Em sentido conforme, na doutrina: Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. Volume II, 27ª ed., 1999, nº 1.057, p. 444. 926

Em erudito voto proferido no julgamento do REsp nº 206.222/SP, o Ministro Teori Albino Zavascki sustenta a respeitável tese de que o sequestro previsto no art. 16 da Lei nº 8.429, de 1992, ora tem natureza de arresto, ora tem natureza de sequestro. Ainda que muito respeitável a tese do eminente Professor, o sequestro inserto no art. 16 da Lei nº 8.429 tem natureza de arresto, porquanto alcança bens indeterminados como garantia de execução por quantia certa, conforme se infere do art. 7º da mesma lei. 927

No mesmo sentido, na jurisprudência: ―- O art. 813 do CPC deve ser interpretado sob enfoque ampliativo, sistemático e lógico, de sorte a contemplar outras hipóteses que não somente as expressamente previstas no dispositivo legal.‖ (REsp nº 909.478/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de agosto de 2007, p. 249). ―- As hipóteses numeradas no art. 813, do CPC, são meramente exemplificativas, de forma que é possível ao juiz deferir cautelar de arresto fora dos casos enumerados.‖ (REsp nº 709.479/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de fevereiro de 2006, p. 548). 928

No mesmo sentido, na jurisprudência: ―II - Considerando que a medida cautelar de arresto tem a finalidade de assegurar o resultado prático e útil do processo principal, é de concluir-se que as hipóteses contempladas no art. 813, CPC, não são exaustivas, mas exemplificativas, bastando, para a concessão do arresto, o risco de dano e o perigo da demora.‖ (REsp nº 123.659/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de setembro de 1998, p. 175).

404

404

Com efeito, o arresto é admissível mesmo antes da propositura da

execução, ainda que na pendência do processo de conhecimento, como autoriza o

parágrafo único do art. 814. A propósito, merece ser prestigiada a conclusão nº 71

aprovada no Simpósio de Processo Civil de Curitiba, sob a relatoria do Professor

Cândido Dinamarco: ―ARRESTO E EXIGIBILIDADE DA DÍVIDA – A exigibilidade

da dívida não é requisito indispensável à concessão do arresto‖929.

Em suma, o arresto não depende do vencimento da dívida nem do

reconhecimento da existência da obrigação mediante sentença transitada em

julgado, mas apenas do fumus boni iuris e do periculum in mora, ou seja, a

probabilidade da existência da dívida somada com o sério risco de dissipação de

bens pelo requerido. Em outros termos, dispensa-se a prova literal da dívida

líquida e certa para a efetivação do arresto nas hipóteses do art. 813 do Código de

Processo Civil.

1.6. Bens arrestáveis

O arresto pode ocasionar a apreensão de bens móveis, semoventes e

imóveis do devedor. Não obstante, à vista dos arts. 818 e 821 do Código de

Processo Civil, somente os bens penhoráveis podem ser objeto da constrição

mediante arresto. Por conseguinte, os bens impenhoráveis arrolados no art. 649

do Código de Processo Civil, no art. 1.715 do Código Civil e na Lei nº 8.009, de

1990, não são passíveis de arresto.

O arresto deve incidir em tantos bens quantos bastem para a satisfação da

execução por quantia, com o pagamento do principal atualizado, juros, custas e

honorários advocatícios (arts. 659, caput, e 821, ambos do Código de Processo

Civil).

929

Cf. Revista Forense, volume 252, p. 23 e 28: ―40. CÂNDIDO DINAMARCO apresentou esta dúvida: é necessário que a dívida esteja vencida para possibilitar o arresto? (arts. 586 e 814 – I). CÂNDIDO DINAMARCO: exigibilidade não é requisito para arresto. A medida, entretanto, perderia a finalidade se não proposta a ação dentro de trinta dias. E se a dívida, nestes trinta dias, ainda não estiver vencida? LUÍS RENTATO PEDROSO: parece que houve cochilo do legislador neste caso. GALENO LACERDA: não se restringe o direito do credor ao prazo fatal de trinta dias. Isto não seria compreensível. MOURA ROCHA: nem todas as medidas cautelares são preparatórias. Decisão do SIMPÓSIO: o arresto pode ser concedido antes de vencida a dívida, permanecendo a sua eficácia até trinta dias após a exigibilidade da mesma (arts. 814 e 586).‖ (Edson Prata. Simpósio de Processo Civil. Revista Forense, volume 252, p. 23).

405

405

1.7. Petição inicial do arresto

Em regra, a medida cautelar de arresto é requerida mediante ação própria,

especialmente quando a medida é solicitada antes da propositura da ação

principal. Daí a regra: a ação cautelar de arresto é veiculada mediante petição

inicial, a qual deve ser elaborada à luz dos arts. 39, inciso I, 258, 282, 283 e 801,

todos do Código de Processo Civil. As formalidades tradicionais somente podem

ser relevadas quando a medida cautelar é incidental e é requerida no bojo do

próprio processo principal, quando o arresto pode ser solicitado mediante simples

petição, como autoriza o art. 273, § 7º, do Código de Processo Civil.

1.8. Arresto cautelar liminar

À vista dos arts. 804 e 812 do Código de Processo Civil, é admissível a

concessão do arresto cautelar in limine litis, mediante decisão interlocutória

proferida pelo juiz. Tanto a decisão concessiva quanto a denegatória do arresto

liminar são passíveis de impugnação mediante recurso de agravo de instrumento,

no prazo de dez dias (art. 522).

1.9. Audiência de justificação: inteligência do art. 815 do C.P.C.

Se a prova documental juntada com a petição de arresto não for suficiente

para o convencimento do juiz em prol da imediata concessão da medida cautelar,

o magistrado pode designar audiência de justificação prévia, a fim de colher outras

provas requeridas na petição de arresto. Com efeito, ao contrário do que pode

parecer à primeira vista, a necessidade da medida cautelar de arresto pode ser

demonstrada por outros meios de prova além da documental. Daí a possibilidade

da oitiva de testemunhas e até mesmo de prova pericial na audiência de

justificação prévia. Colhidas as provas adicionais, o juiz decide se concede ou

denega o arresto liminar, conforme o caso concreto.

406

406

1.10. Exigência da caução para a concessão da liminar: faculdade do juiz

A combinação dos arts. 804 e 816, inciso II, do Código de Processo Civil,

revela que o juiz pode condicionar a concessão do arresto liminar à prestação de

caução pelo requerente da cautelar. Trata-se de caução facultativa e poderá ser

exigida ou dispensada pelo juiz, à vista do caso concreto930. A caução prevista no

inciso II do art. 816 tem natureza de contracautela, porquanto tem como escopo

mitigar os eventuais danos causados por um eventual arresto indevido (cf. arts.

804 e 811).

1.11. Efetivação da medida, auto de arresto e nomeação do depositário

A medida cautelar de arresto pode ser efetiva em qualquer dia, até mesmo

nos feriados, tendo em vista o disposto no art. 173, inciso II, do Código de

Processo Civil.

À vista do art. 821 do Código de Processo Civil, a efetivação do arresto

segue o disposto nos arts. 659 e seguintes do mesmo diploma. Não há execução

propriamente dita, mas apenas a expedição de mandado judicial para a efetivação

da medida cautelar. O arresto é efetivado mediante a apreensão e o depósito dos

bens, com a lavratura do auto de arresto. Na eventualidade de mais de arresto,

também há mais de um auto, um para cada arresto.

Se o devedor oferecer resistência, incidem os arts. 579, 660, 661, 662 e

663 do Código de Processo Civil, com a requisição de força policial para a

efetivação do arresto.

Os bens arrestados ficam sob a guarda do depositário, nomeado pelo juiz.

Na nomeação do depositário dos bens móveis e imóveis, tem preferência o

depositário judicial931. Nada impede, entretanto, que o depositário seja um dos

litigantes, até mesmo o devedor, desde que o credor concorde com a nomeação.

Qualquer que seja o depositário nomeado pelo juiz, o encargo só é assumido com

930

De acordo, na jurisprudência: ―- Nas hipóteses do art. 813 do CPC, é facultativa a exigência de caução pelo juiz da causa, da mesma forma como o é em relação ao art. 804, do CPC.‖ (REsp nº 709.479/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 1º de fevereiro de 2006, p. 548). 931

Cf. art. 666, inciso II, do Código de Processo Civil.

407

407

a assinatura do depositário no auto de arresto, quando os bens arrestados

passam à guarda do depositário, responsável pela conservação, nos termos do

art. 148 do Código de Processo Civil.

Por fim, vale ressaltar que o art. 819 do Código de Processo Civil determina

a suspensão da efetivação do arresto quando o devedor paga ou deposita em

juízo a importância da dívida, os honorários advocatícios e as custas, presta

caução para garantir a dívida, os honorários e as causas, e também quando o

devedor indica fiador idôneo. Além das hipóteses de suspensão do arresto

previstas no art. 819, também há casos de cessão do arresto, arrolados no art.

820: cessa o arresto pelo pagamento, pela novação e pela transação.

1.12. Efeitos do arresto

O arresto cautelar produz alguns importantes efeitos jurídicos. O primeiro

efeito do arresto é vincular o bem apreendido ao processo principal. Na

eventualidade de o bem arrestado ser alienado a terceiro, a alienação não tem

eficácia alguma em relação ao processo acautelado mediante o arresto.

Realmente, o arresto não gera a imediata perda da propriedade, razão pela qual o

devedor ainda pode alienar o bem arrestado. Não obstante, a alienação não tem

eficácia alguma em relação ao processo principal ao qual o bem arrestado está

vinculado, o que explica a possibilidade de o bem ser penhorado e alienado no

processo principal, com o pagamento do credor.

Ademais, o arresto ocasiona a perda da posse direta do bem pelo

proprietário do mesmo, ou seja, o devedor. Com o arresto, o Estado-juiz assume a

posse direta do bem arrestado. Daí a nomeação do depositário pelo juiz, auxiliar

do juízo que fica pela guarda e pela conservação do bem arrestado (art. 148 do

Código de Processo Civil). O devedor cujo bem foi arrestado ainda tem a

propriedade e a posse indireta, tanto que é possível a alienação do bem a terceiro,

mas sem eficácia em relação ao processo garantido por meio do arresto.

408

408

1.13. Art. 806 do C.P.C.: incidência na cautelar de arresto

Diante da natureza constritiva do arresto, incide o art. 806 do Código de

Processo Civil. Por conseguinte, o requerente deve ajuizar a ação principal no

prazo de trinta dias da efetivação da cautelar concedida in limine litis, sob pena de

perda da eficácia da medida (art. 808, inciso I).

1.14. Procedimento do arresto

Estudados os atos processuais em tópicos específicos, resta fechar o

procedimento do arresto cautelar, após a síntese da soma daqueles (atos

processuais).

Após a distribuição da petição inicial de arresto, perante o juízo competente

para o processo principal (cf. art. 800), o juiz decide acerca do pedido liminar.

Pode o juiz designar audiência de justificação prévia, a fim de colher provas

testemunhal e pericial, antes de decidir o pleito liminar. Trata-se de faculdade

conferida ao juiz, se a prova documental juntada com a petição inicial não permitir

a formação do convencimento ao juiz. Deferido o arresto liminar, há a imediata

efetivação da medida. Na mesma oportunidade ou logo em seguida, o requerido é

citado para contestar, em cinco dias (art. 802). Se houver necessidade de dilação

probatória, o juiz designa audiência de instrução e julgamento (art. 803). Na

mesma oportunidade ou logo em seguida, o juiz profere sentença (arts. 456 e

803), quando julga procedente ou improcedente o pedido cautelar,

independentemente de ter concedido ou denegado o pleito liminar. É, em suma, o

procedimento do arresto cautelar.

1.15. Coisa julgada: inteligência dos arts. 810 e 817 do C.P.C.

Em regra, a sentença proferida no processo cautelar de arresto não produz

coisa julgada material (ou seja, substancial), tendo em vista o disposto nos arts.

810 e 817 do Código de Processo Civil. À vista de ambos os preceitos, só há coisa

julgada material se o juiz pronunciar a prescrição da pretensão principal ou a

409

409

decadência do direito em si. Ressalvadas as duas exceções, a sentença de

procedência do arresto cautelar só produz coisa julgada formal, apenas com o

impedimento de renovação da discussão no mesmo processo já sentenciado.

1.16. Subsistência do arresto e conversão em penhora

À vista dos arts. 807 e 818 do Código de Processo Civil, o arresto subsiste

durante a pendência do processo principal, com a posterior conversão em

penhora, para a satisfação da execução por quantia certa.

2. Sequestro

2.1. Conceito de sequestro

O sequestro é a medida cautelar típica de proteção de execução para

entrega de coisa e que ocasiona a apreensão judicial de bem determinado, objeto

do litígio. Daí das duas características que marcam o sequestro cautelar:

apreensão de bem específico, determinado, litigioso; e proteção de execução para

entrega de coisa.

2.2. Sequestro e arresto: diferenças e fungibilidade

Sequestro e arresto são espécies do mesmo gênero, razão pela qual têm

em comum a finalidade de resguardar o resultado útil de uma execução, atual ou

futura. Não obstante, os institutos não se confundem: enquanto o sequestro diz

respeito a execução para entrega de coisa e tem em mira bem determinado, o

arresto está relacionado a execução por quantia certa e que tem como alvo bens

indeterminados, mas passíveis de conversão em dinheiro.

A despeito das diferenças entre o arresto e o sequestro, o requerimento de

um no lugar do outro é erro escusável, passível de fungibilidade. Com efeito, à

vista dos arts. 154, caput, 798 e 823, todos do Código de Processo Civil, incide o

princípio da fungibilidade das cautelares, segundo o qual a cautelar inadequada

410

410

deve ser recebida como se fosse a correta para a espécie. Nada justifica o

indeferimento liminar da petição inicial do sequestro, ao fundamento de que a

cautelar adequada é o arresto, porquanto o inciso V do art. 295 do Código de

Processo Civil só autoriza o indeferimento da petição quando não for possível

adaptar a inicial ao tipo de procedimento legal, obstáculo que não alcança as

cautelares de sequestro e de arresto, como bem revela o art. 823 do Código de

Processo Civil. Aliás, por vezes o próprio legislador conduz o intérprete em falsa

pista, ao chamar de sequestro o que é verdadeiro arresto, como, por exemplo, no

art. 154, § 5º, da Lei nº 11.101/2005932, no art. 731 do Código de Processo Civil,

no art. 45, caput e § 2º, da Lei nº 6.024, de 1974933, art. 16, caput e § 1º, da Lei nº

8.429, de 1992, e nos arts. 136 e 137 do Código de Processo Penal de 1941934,

antes das correções feitas pela Lei nº 11.435, de 2006. Por tudo, há lugar para

fungibilidade entre as cautelares de sequestro e de arresto935.

2.3. Aplicação subsidiária das regras do arresto em relação ao sequestro

Como estudado no tópico anterior, o art. 823 do Código de Processo Civil

determina a aplicação subsidiária das regras do arresto em relação ao sequestro,

porquanto ambos os institutos são medidas cautelares protetivas de execução

932

Com a mesma opinião, na doutrina: Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 176: ―Entre eles se encontra o do já comentado art. 653, inserido na execução, e o do art. 154, § 5º, da Lei de Falências (a lei refere-se a sequestro, mas o caso é de arresto)‖. 933

Assim, na doutrina: ―Outro exemplo é o do art. 45 da Lei nº 6.024, de 13 de janeiro de 1974, que trata da liquidação extrajudicial das instituições financeiras e prevê o arresto de bens dos ex-administradores que não tenham sido atingidos pela indisponibilidade, prevista no art. 36 dessa lei. Conquanto o dispositivo mencione sequestro, trata-se de verdadeiro arresto, porque não recai sobre um bem determinado, mas sobre bens suficientes para a efetivação da garantia da responsabilidade desses administradores.‖ (Marcus Vinicius Rios Gonçalves. Novo curso de direito processual civil. Volume III, 2008, p. 307). 934

Com igual opinião, na doutrina: Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. Volume II, 27ª ed., 1999, nº 1.062, p. 447: ―Também o Código de Processo Penal, arts. 136 e 137, embora usando indevidamente a expressão sequestro, prevê casos de arresto contra o indiciado para garantir o ressarcimento do dano sofrido pela vítima do delito, antes da condenação, caso em que, também, não há, previamente, liquidez da obrigação, nem mesmo certeza dela‖. ―Esses casos tanto podem aparecer nas leis processuais como nas substanciais, que muitas vezes não usam linguagem rigorosamente técnica, já que é comum encontrar-se em diplomas legais extravagantes o emprego da palavra sequestro para designar hipóteses que, a rigor, seriam de arresto, como, por exemplo, se dá com o Código de Processo Penal, quando regula a medida cautelar de garantia da ação de indenização civil pelo dano oriundo do crime (arts. 136 e 137).‖ (Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil. Volume II, 27ª ed., 1999, nº 1.083, p. 460). 935

De acordo, na jurisprudência: ―- O erro na indicação da medida cautelar não pode levar o Poder Judiciário a simplesmente afirmar que o expediente jurídico é inadequado. Cabe ao juiz, com base na fungibilidade das medidas cautelares, processar o pedido da forma que se mostrar mais apropriada.‖ (REsp nº 909.478/GO, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de agosto de 2007, p. 249).

411

411

mediante apreensão e depósito judicial de bens. Por conseguinte, todas as

omissões existentes na Seção do Código de Processo Civil destinada ao

sequestro são sanadas pela incidência dos preceitos referentes ao arresto.

2.4. Hipóteses de sequestro: inteligência do art. 822 do C.P.C.

O art. 822 do Código de Processo Civil arrola os principais casos de

sequestro cautelar936, todos à vista da mesma premissa: apreensão judicial de

bens litigiosos determinados para a posterior entrega da coisa na respectiva

execução. O art. 822, todavia, não contém rol exaustivo, mas, sim, exemplos de

sequestro, sem prejuízo de outros casos, como bem revela o inciso IV do próprio

art. 822, in verbis: ― IV – nos demais casos expressos em lei‖. Sem dúvida, o art.

822 arrola alguns casos de sequestro cautelar, mas não todos. O art. 137 da Lei

nº 11.101/2005, por exemplo, traz importante caso de sequestro, in verbis: ―O juiz

poderá, a requerimento do autor da ação revocatória, ordenar, como medida

preventiva, na forma da lei processual civil, o sequestro dos bens retirados do

patrimônio do devedor que estejam em poder de terceiros‖937. Os arts. 125, 126 e

127 do Código de Processo Penal versam sobre outro importante exemplo de

sequestro cautelar. De volta ao Código de Processo Civil, os arts. 1.016, § 1º, e

1.039 revelam a admissibilidade de sequestro cautelar de bem objeto de inventário

litigioso. Daí a conclusão: os casos previstos no art. 822 do Código de Processo

Civil não são as únicas hipóteses de sequestro cautelar no direito brasileiro. Na

verdade, sempre que existir risco iminente de um litigante dissipar, dilapidar,

danificar bens determinados, o outro litigante prejudicado ou ameaçado de sofrer o

prejuízo proveniente da dissipação, dilapidação ou danificação dos bens litigiosos

936

―Art. 822. O juiz, a requerimento da parte, pode decretar o sequestro: I - de bens móveis, semoventes ou imóveis, quando lhes for disputada a propriedade ou a posse, havendo fundado receio de rixas ou danificações; II - dos frutos e rendimentos do imóvel reivindicando, se o réu, depois de condenado por sentença ainda sujeita a recurso, os dissipar; III - dos bens do casal, nas ações de desquite (rectius, de

separação judicial) e de anulação de casamento, se o cônjuge os estiver dilapidando; IV - nos demais casos expressos em lei‖. 937

O Professor Vicente Greco Filho sustenta que o caso do art. 137 da Lei nº 11.101 não é de sequestro, mas de arresto (cf. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 178). Ainda que muito respeitável a lição do eminente processualista, sustenta-se no presente compêndio que a hipótese do art. 137 é de sequestro, porquanto tem em mira bem determinado objeto de litígio proveniente de ação revocatória, para a posterior entrega do bem à massa falida, tal como determinam os arts. 130, 132 e 136, todos da Lei nº 11.101, de 2005. Daí o perfeito enquadramento no conceito de sequestro.

412

412

pode requerer o sequestro cautelar dos mesmos. Em suma, demonstrados o

periculum in mora e o fumus boni iuris, há lugar para sequestro cautelar,

independentemente de a espécie constar do rol do art. 822, ou não.

Por fim, quanto ao objeto, o sequestro pode alcançar os mais diversos

bens: móveis, semoventes e imóveis (art. 822, inciso I). Aliás, por serem bens

móveis, os títulos de créditos são passíveis de apreensão mediante sequestro.

2.5. Sequestro antecedente e sequestro incidental

À vista do art. 796 do Código de Processo Civil, as cautelares podem ser

antecedentes ou incidentais em relação ao processo principal. Incidentais são as

cautelares requeridas na pendência do processo principal. Antecedentes são as

cautelares ajuizadas antes mesmo da propositura da ação principal, razão pela

qual também são denominadas ―preparatórias‖. Por conseguinte, o sequestro

cautelar pode ser tanto antecedente quanto incidental em relação ao processo

principal.

Em regra, o sequestro é exercido mediante ação cautelar autônoma,

consubstanciada em petição inicial, autuada em separado – ainda que apensados

os respectivos autos aos do processo principal (art. 809). A despeito da regra da

autonomia, com o advento da Lei nº 10.444/2002, passou a ser possível o

requerimento de cautelar incidental no bojo do próprio processo principal,

mediante simples petição, como autoriza o art. 273, § 7º, do Código de Processo

Civil938. Daí a conclusão: em regra, o sequestro cautelar é exercido mediante ação

cautelar autônoma, a qual pode ser antecedente ou incidental ao processo

principal; nada impede, todavia, que o requerimento de sequestro incidental

mediante simples petição veiculada no próprio processo principal.

No que tange ao processo principal, o sequestro busca garantir execução

de entrega de coisa. Não obstante, o sequestro pode ser – e geralmente é –

938

De acordo, na jurisprudência: ―Não há, porém, qualquer impedimento a que seja formulado o mesmo pedido de medida cautelar de sequestro incidentalmente, inclusive nos próprios autos da ação principal, como permite o art. 273, § 7º, do CPC.‖ (REsp nº 206.222/SP, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 13 de fevereiro de 2006, p. 661).

413

413

antecedente em relação à execução, até mesmo para garantir o resultado útil da

mesma. Por conseguinte, o sequestro cautelar pode ser requerido antes ou no

curso de processo de conhecimento como, por exemplo, de ação possessória (art.

822, inciso I, do Código de Processo Civil), de ação reivindicatória (art. 822,

incisos I e II, do Código de Processo Civil), de ação de separação judicial (art. 822,

inciso III, do Código de Processo Civil), de ação de anulação de casamento (art.

822, inciso III, do Código de Processo Civil), de ação revocatória (art. 137 da Lei

nº 11.101/2005), ação de inventário (arts. 1.016, § 1º, e 1.039, do Código de

Processo Civil). Por tudo, é possível concluir que o processo principal da cautelar

de sequestro pode ser a própria execução para entrega de coisa, mas também o

processo de conhecimento pretérito à execução para entrega de coisa.

2.6. Petição inicial e liminar

Como estudado no tópico anterior, subsiste a regra de que o sequestro é

exercido mediante ação cautelar autônoma, consubstanciada em petição inicial. A

inicial do sequestro cautelar deve ser elaborada à luz dos arts. 39, inciso I, 258,

282, 283 e 801, todos do Código de Processo Civil. A petição inicial deve ser

endereçada ao juízo competente para o processo principal, tendo em vista a regra

do art. 800.

À vista dos arts. 258 e 282, inciso V, ambos do Código de Processo Civil, a

petição inicial da ação cautelar de sequestro deve conter valor da causa, tendo em

vista o valor do bem a ser sequestrado.

Na eventualidade de o sequestro cautelar ser antecedente, o requerente

deve indicar o processo principal na petição inicial, com a respectiva exposição

(art. 801, inciso III e parágrafo único).

Ainda em relação à petição inicial, o requerente pode pedir a concessão do

sequestro liminar (art. 804). Diante do periculum in mora e do fumus boni iuris

comprovados in limine litis, o juiz pode proferir imediata decisão interlocutória, com

a ordem de sequestro dos bens litigiosos. Contra a decisão, entretanto, cabe

agravo de instrumento (arts. 522 e 558).

414

414

Resta saber se o juiz pode decretar o sequestro de ofício, ou seja,

independentemente de requerimento na petição inicial. Trata-se de vexata

quaestio. À vista da combinação dos arts. 798 e 804, ambos do Código de

Processo Civil, é lícito concluir em prol do sequestro cautelar até mesmo de ofício

pelo juiz939.

2.7. Efetivação da medida

Não há execução propriamente dita no processo cautelar, mas, sim, a

efetivação da medida cautelar mediante mandado judicial. Daí a imediata

expedição de mandado de sequestro dos bens determinados.

A medida cautelar de sequestro pode ser efetiva em qualquer dia, até

mesmo nos feriados, tendo em vista o disposto no art. 173, inciso II, do Código de

Processo Civil.

Se o requerido oferecer resistência à ordem judicial de sequestro dos bens,

cabe ao juiz requisitar força policial (arts. 579, 662 e 825, parágrafo único, todos

do Código de Processo Civil).

Compete ao juiz nomear o depositário dos bens, tendo em vista o disposto

nos arts. 666 e 824 do Código de Processo Civil. A regra reside na nomeação do

depositário público (art. 666, inciso II), mas o juiz pode nomear um dos litigantes,

até mesmo o devedor (art. 824, inciso II).

Os bens sequestrados ficam sob a guarda do depositório nomeado pelo

juiz, tão logo o depositário assine o compromisso940. Cabe ao depositário a guarda

e a conservação dos bens941.

2.8. Substituição do sequestro por caução

939

Em abono, há antigo precedente jurisprudencial da Corte Suprema: MS nº 9.535/DF, Pleno do STF, Diário da Justiça de 12 de julho de 1962, p. 1.714. Colhe-se da ementa a tese prestigiada no presente compêndio: ―O juiz pode decretar ex officio o sequestro, para evitar rixas ou a dilapidação da coisa‖. 940

Cf. art. 825, caput, do Código de Processo Civil. 941

Cf. art. 148 do Código de Processo Civil.

415

415

À vista do art. 805, o requerido pode solicitar ao juiz a substituição do

sequestro por caução, real ou fidejussória (art. 826).

2.9. Propositura da ação principal

Se o sequestro for antecedente, o requerente deve ajuizar a ação principal

dentro do prazo legal de trinta dias da efetivação da medida, sob pena de perda

da eficácia da cautelar. Com efeito, diante da natureza constritiva do sequestro,

incide a regra do art. 806 do Código de Processo Civil.

2.10. Efeitos do sequestro cautelar

O sequestro cautelar produz alguns efeitos, como a vinculação jurídica do

bem sequestrado em relação ao processo principal por ele garantido. Daí a

possibilidade da expedição de mandado judicial contra o eventual terceiro

adquirente do bem, com a ordem de depósito do bem em juízo. Sem dúvida, o

sequestro cautelar não significa perda da propriedade, mas apenas da posse

direta, a qual é transferida ao Estado-juiz, por intermédio do depositário nomeado

pelo juiz. Por conseguinte, o requerido preserva o domínio e a posse indireta,

tanto que pode alienar o bem sequestrado a terceiro. Não obstante, a alienação

não tem eficácia jurídica em relação ao processo principal garantido por meio do

sequestro (art. 626).

416

416

CAPÍTULO IX – AÇÃO DE RESTITUIÇÃO

1. Conceito

A restituição é a ação incidental ao processo falimentar por meio da qual o

proprietário pode pedir a devolução de bem arrecadado pelo administrador judicial

no processo de falência942, de bem que se encontre em poder do empresário

individual ou da sociedade empresária na data da decretação da quebra (art. 85,

caput) e de coisa vendida a crédito, desde que tenha sido entregue ao empresário

individual ou à sociedade empresária nos quinze dias anteriores à distribuição da

falência, mas não alienada a terceiro (art. 85, parágrafo único).

2. Alcance do vocábulo legal ―bem‖

O vocábulo ―bem‖ inserto no art. 85 da Lei nº 11.101 deve ser interpretado

em sentido amplo, a fim de alcançar dinheiro, coisas em geral e demais bens

arrolados no art. 655 do Código de Processo Civil.

3. Legitimidade ativa

À vista do caput do art. 85 da Lei nº 11.101/2005, somente o proprietário

pode ajuizar a ação de restituição; ao mero possuidor resta a ação de embargos

de terceiro943, consoante a combinação do art. 93 da Lei nº 11.101 com o art.

1.046 do Código de Processo Civil.

4. Causas de pedir da ação de restituição

O art. 85 da Lei nº 11.101 arrola três causas de pedir para a restituição. A

primeira causa autorizadora da restituição protege o proprietário de bem

942

Na verdade, a ação de restituição também é admissível na pendência de recuperação judicial: cf. arts. 49, § 4º, e 86, inciso II, ambos da Lei nº 11.101, de 2005. 943

Cf. enunciado nº 84 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça.

417

417

injustamente arrecadado pelo administrador judicial, no processo de falência (arts.

22, inciso III, alínea ―f‖, 85, caput, e 108, caput).

A segunda causa autorizadora da restituição protege o proprietário de bem

que se encontra em poder do empresário individual ou da sociedade empresária,

na data da prolação da decisão de decretação da falência (art. 85, caput, in fine).

É o caso, por exemplo, de arrecadação pelo administrador judicial de bem objeto

de alienação fiduciária na qual figura como devedor o empresário individual ou a

sociedade empresária, conforme autoriza o art. 7º do Decreto-lei nº 911, in verbis:

―Art. 7º Na falência do devedor alienante, fica assegurado ao credor ou

proprietário fiduciário o direito de pedir, na forma prevista em lei, a restituição do

bem alienado fiduciariamente‖.

Por fim, pode ser objeto de ação de restituição a coisa vendida a crédito e

entregue ao empresário individual ou à sociedade empresária nos quinze dias

anteriores à distribuição da falência, desde que ainda não tenha sido alienada (art.

85, parágrafo único). Com efeito, não há lugar para a restituição quando a coisa

vendida a crédito na quinzena anterior à distribuição da falência já tiver sido

alienada pelo empresário individual ou pela sociedade empresária, a quem cabe o

ônus da prova da respectiva alienação. Se a coisa vendida a crédito não é

encontrada, mas não é comprovada a respectiva alienação pelo empresário

individual ou sociedade empresária, a restituição deve ser feita em dinheiro,

consoante o enunciado nº 495 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―A

restituição em dinheiro da coisa vendida a crédito, entregue nos quinze dias

anteriores ao pedido de falência ou de concordata, cabe, quando, ainda que

consumida ou transformada, não faça o devedor prova de haver sido alienada a

terceiro‖.

No que tange ao prazo de quinze dias, conta-se da efetiva entrega da coisa,

e não da simples remessa ao empresário individual ou à sociedade empresária.

Cabe ao autor da ação de restituição o ônus da prova da entrega da coisa na

quinzena anterior à distribuição da falência. A respeito do tema, merece ser

prestigiado o enunciado nº 193 da Súmula do Supremo Tribunal Federal: ―Para a

418

418

restituição prevista no art. 76, § 2º, da LF, conta-se o prazo de quinze dias da

entrega da coisa e não de sua remessa‖. Embora o enunciado nº 193 tenha sido

aprovado na vigência do antigo Decreto-lei nº 7.661, de 1945, subsiste a

orientação jurisprudencial, porquanto o atual parágrafo único do art. 85 da Lei nº

11.101 tem redação similar à do anterior § 2º do art. 76 do Decreto-lei nº 7.661.

Daí a possibilidade da aplicação do enunciado nº 193 mesmo após o advento da

Lei nº 11.101/2005.

5. Formas de restituição: própria coisa ou dinheiro

A primeira forma de restituição consiste na devolução da própria coisa, tal

como determina o caput do art. 88: ―A sentença que reconhecer o direito do

requerente determinará a entrega da coisa no prazo de 48 (quarenta e oito)

horas‖.

Quando o bem injustamente arrecadado ou que se encontre em poder do

empresário individual ou da sociedade empresária na data da decretação da

falência for dinheiro, também a restituição deve ser feita em dinheiro, como bem

assentou o Supremo Tribunal Federal no enunciado nº 417: ―Pode ser objeto de

restituição, na falência, dinheiro em poder do falido, recebido em nome de outrem,

ou do qual, por lei ou contrato, não tivesse ele a disponibilidade‖. É o que ocorre,

por exemplo944, na hipótese do parágrafo único do art. 51945 da Lei nº 8.212, de

1991, em relação aos valores descontados pelo empresário individual ou pela

sociedade empresária dos respectivos empregados e não recolhidos ao Instituto

Nacional de Seguro Social. Ainda a respeito do tema, merece ser prestigiado o

enunciado nº 21 da Súmula do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro: ―É passível

de restituição, na falência, a contribuição previdenciária arrecadada dos

empregados, da qual é depositário o falido, não tendo dela disponibilidade‖.

944

Cf. REsp nº 501.643/RS, 2ª Turma do STJ, Informativo nº 334. 945

―Art. 51. O crédito relativo a contribuições, cotas e respectivos adicionais ou acréscimos de qualquer natureza arrecadados pelos órgãos competentes, bem como a atualização monetária e os juros de mora, estão sujeitos, nos processos de falência, concordata ou concurso de credores, às disposições atinentes aos créditos da União, aos quais são equiparados. Parágrafo único. O Instituto Nacional do Seguro Social-INSS reivindicará os valores descontados pela empresa de seus empregados e ainda não recolhidos‖.

419

419

A restituição também deve ser feita em dinheiro nas três hipóteses previstas

no art. 86. Em primeiro lugar, a restituição deve ser feita em dinheiro quando a

coisa arrecadada injustamente ou que se encontre em poder do empresário

individual ou da sociedade empresária na data da decretação da falência não mais

existir quando a ação restituição for ajuizada, ainda que a coisa tenha sido

alienada (art. 86, inciso I). Com efeito, no que tange às duas hipóteses previstas

no caput do art. 85, é irrelevante se a inexistência da coisa decorre de alienação,

ou não. Em ambas as hipóteses, a restituição deve ser feita em dinheiro logo

depois de realizado o pagamento previsto no art. 151 (art. 86, parágrafo único). A

restituição em dinheiro da coisa inexistente deve ser feita à luz da avaliação e, no

caso de ter ocorrido alienação, pelo respectivo preço, sempre com a atualização

monetária (art. 86, inciso I). Situação bem diferente é a prevista no parágrafo único

do art. 85: se a coisa não mais existir em razão de alienação comprovada da

mesma, não há lugar para a restituição em dinheiro, mas, sim, para a mera

habilitação do credor consoante a classificação do respectivo crédito946. Se,

entretanto, a coisa não mais existir, mas não for comprovada a alienação da

mesma pelo empresário individual ou pela sociedade empresária, deve ser feita a

restituição em dinheiro, na esteira do enunciado nº 495 da Súmula do Supremo

Tribunal Federal.

À vista da segunda hipótese arrolada no art. 86, deve ser realizada a

restituição em dinheiro da importância entregue, ao empresário individual ou à

sociedade empresária, em moeda corrente nacional, em razão de adiantamento a

contrato de câmbio para exportação, previsto no art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº

4.728, de 1965 (art. 86, inciso II, da Lei nº 11.101/2005). Aliás, a importância

entregue ao empresário individual ou à sociedade empresária decorrente de

adiantamento a contrato de câmbio para exportação também não é alcançada

pela recuperação judicial (art. 49, § 4º, da Lei nº 11.101/2005). Por conseguinte, o

credor poderá pedir a restituição em dinheiro da importância adiantada em razão

946

Assim, na jurisprudência: ―CONCORDATA. Coisa vendida a crédito. Entrega quinze dias antes do requerimento. A venda a crédito de mercadoria entregue menos de quinze dias antes do ajuizamento do pedido de concordata, alienada a terceiros, não autoriza a restituição, devendo o crédito ser habilitado como quirografário. Precedentes do STJ. Recurso conhecido e provido.‖ (REsp nº 437.596/RS, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 10 de fevereiro de 2003, p. 221).

420

420

de contrato de câmbio para exportação, ainda que na pendência tanto de

processo de recuperação quanto de processo de falência947.

A restituição da importância adiantada deve ser feita com a correção

monetária correspondente, na esteira do enunciado nº 36 da Súmula do Superior

Tribunal de Justiça: ―A correção monetária integra o valor da restituição, em caso

de adiantamento de câmbio, requerida em concordata ou falência‖. A propósito,

não incide a exigência da quinzena prevista no parágrafo único do art. 85 em

relação importância decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para

exportação, porquanto aquele lapso só precisa ser observado para a restituição de

coisa vendida a prazo, como bem assentou o Superior Tribunal de Justiça no

enunciado nº 133: ―A restituição da importância adiantada, a conta de contrato de

câmbio, independe de ter sido a antecipação efetuada nos quinze dias anteriores

ao requerimento da concordata‖.

Resta saber se o enunciado nº 307 da Súmula do Superior Tribunal de

Justiça subsiste em sua totalidade. Dispõe o verbete sumular: ―A restituição de

adiantamento de contrato de câmbio, na falência, deve ser atendida antes de

qualquer crédito‖. Consoante o parágrafo único do art. 86, todavia, a restituição

em dinheiro somente pode ocorrer após o pagamento dos créditos trabalhistas de

natureza salarial vencidos nos três meses anteriores à decretação da falência, até

o limite de cinco salários mínimos por trabalhador. Com efeito, por força do art.

151, tão logo haja disponibilidade de caixa, devem ser pagos em primeiro lugar os

trabalhadores com salários vencidos nos três últimos meses anteriores à

decretação da falência, dentro do limite de cinco salários mínimos por trabalhador.

Só após tem lugar a restituição em dinheiro prevista no art. 86. Por conseguinte, o

enunciado nº 307 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça aprovado em 6 de

dezembro de 2004 deve ser interpretado cum grano salis, com a ressalva da

exceção contida no parágrafo único do art. 86 da Lei nº 11.101/2005948.

947

Cf. arts. 49, § 4º, e 86, inciso II, da Lei nº 11.101, de 2005, combinados com o art. 75, §§ 3º e 4º, da Lei nº 4.728, de 1965. 948

Não obstante, a ressalva defendida no presente compêndio não foi prestigiada em recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça. A Corte não seguiu acolheu a ressalva contida no parágrafo único do art. 86 da Lei nº 11.101, de 2005, e aplicou a tese consagrada no enunciado nº 307, porquanto ―reafirmou que as contribuições previdenciárias descontadas dos salários dos empregados pelo empregador falido que deixaram

421

421

Por fim, o art. 86 versa sobre a restituição em dinheiro também tem lugar

em relação aos valores entregues ao empresário individual ou à sociedade

empresária pelo contratante de boa-fé, na eventualidade da declaração da

ineficácia (art. 129) ou da revogação de contrato (art. 130). Com efeito, a

combinação do inciso III do art. 86 com o caput do art. 136 revela a

admissibilidade da restituição em dinheiro em prol daquele que contratou de boa-

fé e é surpreendido pela declaração da ineficácia ou pela revogação do contrato,

no que tange aos valores entregues ao empresário individual ou à sociedade

empresária.

6. Petição inicial da ação de restituição

A ação de restituição deve ser proposta mediante petição inicial, com a

observância do art. 282 do Código de Processo Civil. A petição inicial também

deve conter a descrição do bem reclamado e a fundamentação que sustenta o

pedido de restituição (art. 87, caput, da Lei nº 11.101/2005).

7. Distribuição por dependência

A petição da ação de restituição deve ser distribuída por dependência ao

processo de falência (art. 78, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005).

8. Autuação em separado aos autos do processo falimentar

Após a distribuição por dependência, o juiz da falência deve determinar a

autuação em separado da petição inicial, com os respectivos documentos que a

acompanham (art. 87, § 1º, proêmio).

9. Indisponibilidade do bem

de ser repassadas aos cofres previdenciários não integram o patrimônio do falido. Por isso devem ser restituídas antes do pagamento de qualquer crédito, ainda que trabalhista.‖ (REsp nº 501.643/RS, 2ª Turma do STJ, Informativo nº 334).

422

422

O art. 91 da Lei nº 11.101 revela a suspensão ex vi legis da disponibilidade

do bem reclamado até o trânsito em julgado da sentença proferida na ação de

restituição, independentemente de pronunciamento específico do juiz. A eventual

alienação do bem litigioso não tem eficácia algum e pode ser reconhecida perante

o juízo da falência.

10. Intimações

O juiz deve determinar a ―intimação‖ do empresário individual ou do

representante da sociedade empresária, para eventual manifestação, em cinco

dias. A despeito da literalidade do § 1º do art. 87 da Lei nº 11.101, vale dizer, do

vocábulo ―intimação‖, trata-se de verdadeira citação do empresário individual ou

da sociedade empresária, conforme o caso, para ocupar o polo passivo do

processo instaurado por força da ação de restituição.

Em seguida, o juiz deve determinar a intimação do Comitê de Credores,

para possível manifestação, em cinco dias. Com efeito, como o § 1º do art. 87

estabelece que o prazo é sucessivo, os cinco dias só correm após a intimação do

Comitê, na pessoa do respectivo presidente.

Depois, há a intimação de cada um dos credores arrolados na relação

nominal prevista nos arts. 99, inciso III, e 105, inciso II, ambos da Lei nº

11.101/2005. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista pela existência da

expressão ―prazo sucessivo‖ no bojo do § 1º do art. 87, o prazo de cinco dias dos

credores é comum, ou seja, corre para todos os credores de uma só vez. Com

efeito, a expressão ―prazo sucessivo‖ diz respeito às classes de legitimados

passivos: 1) empresário individual ou sociedade empresária, conforme o caso; 2)

Comitê de Credores; 3) Credores; e 4) Administrador Judicial. Aliás, os credores já

podem estar representados pelo Comitê, quando têm, a rigor, duas oportunidades

de manifestação. Sob outro prisma, a interpretação do § 1º do art. 87 na linha de

raciocínio de que o prazo de cinco dias referente aos credores é comum a todos

encontra sustentação nos princípios da celeridade e da economia processual

consagrados no parágrafo único do art. 75. Embora o prazo seja comum, o

423

423

quinquídio só começa a correr após a intimação do último credor, em virtude da

incidência do art. 241, inciso III, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art.

189 da Lei nº 11.101/2005.

Por fim, há a intimação do administrador judicial, na qualidade de

representante judicial da massa falida (art. 22, inciso III, alínea ―c‖), para a

respectiva manifestação, em cinco dias.

11. Natureza jurídica da manifestação contrária: contestação

Eventual manifestação contrária à restituição vale como contestação (art.

87, § 1º, in fine).

12. Instrução

Contestada a restituição, o juiz deve decidir sobre as provas requeridas e

designar audiência de instrução e julgamento, se considerar necessária a

produção de provas em audiência (art. 87, § 2º).

13. Conclusão para sentença

Não solicitada prova alguma além da documental ou indeferidas as provas

adicionais requeridas pelas partes, os autos devem ser conclusos ao juiz para

sentença (art. 87, § 3º).

Na eventualidade de deferimento e produção de provas além da

documental, finda a instrução, o juiz pode proferir sentença desde logo ou

determinar a conclusão dos autos para posterior prolação da sentença (arts. 454 e

456 do Código de Processo Civil).

14. Sentença de procedência da restituição

424

424

Julgado procedente o pedido de restituição, o juiz deve determinar a

entrega da coisa reclamada, em quarenta e oito horas (art. 88, caput).

No caso condenação de restituição em dinheiro, o juiz deve determinar o

depósito tão logo seja realizado o pagamento previsto no art. 151 (art. 86,

parágrafo único), ou seja, com preferência em relação aos créditos

extraconcursais e concursais (arts. 83, 84 e 149).

Por fim, o juiz deve condenar a massa em honorários advocatícios, salvo

quando não há contestação, vale dizer, manifestação contrária à restituição (art.

88, parágrafo único).

15. Sentença de improcedência parcial

Denegada a restituição na sentença, mas reconhecido o crédito, o juiz

determina a inclusão do nome do autor no quadro-geral de credores, na

classificação que lhe couber (art. 89).

16. Sentença de total improcedência

Denegada a restituição e nem sequer reconhecido o crédito pelo juiz, há a

prolação de sentença de total improcedência, sem inclusão do nome do autor no

quadro-geral de credores.

17. Recorribilidade da sentença

Em qualquer caso, da sentença cabe apelação (art. 90, caput). Na esteira

do enunciado nº 25 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, o prazo de quinze

dias para a interposição da apelação corre das respectivas intimações das partes,

representadas por seus advogados (arts. 184, 242, 506 e 508 do Código de

Processo Civil, combinados com o art. 189 da Lei nº 11.101/2005).

O recurso apelatório, todavia, não tem efeito suspensivo (art. 90, caput),

razão pela qual é admissível a execução provisória da sentença.

425

425

Ainda a respeito da apelação, contra o respectivo acórdão majoritário de

provimento cabe o recurso de embargos infringentes (enunciado nº 88 da Súmula

do Superior Tribunal de Justiça, art. 189 da Lei nº 11.101/2005, e art. 530 do

Código de Processo Civil).

18. Execução provisória e caução

A execução da sentença na pendência de recurso depende da prestação de

caução, a fim de que o autor possa efetuar desde logo o levantamento da coisa ou

da quantia reclamada (art. 90, parágrafo único).

19. Insuficiência dos valores

Na eventualidade de restituição em dinheiro, deve ser feito o rateio

proporcional do disponível, se insuficiente o saldo existente (art. 91, parágrafo

único). Tal rateio, todavia, só tem lugar depois do pagamento dos salários

vencidos dos empregados, na forma prevista no art. 151.

20. Ação de restituição e de embargos de terceiro

À luz do caput do art. 85, a restituição só pode ser proposta por proprietário,

em razão da natureza reivindicatória da ação. Já o possuidor tem apenas a ação

de embargos de terceiro, porquanto o § 1º do art. 1.046 do Código de Processo

Civil autoriza a propositura dos embargos tanto por proprietário quanto por

possuidor. Por conseguinte, além do possuidor, o proprietário também pode

ajuizar ação de embargos de terceiro; já aquele (possuidor) não tem legitimidade

para a ação de restituição, mas, sim, para a ação de embargos de terceiro949.

Resta saber se o proprietário pode escolher entre as duas ações ou se

alguma tem caráter subsidiário. Por força do art. 93, os embargos de terceiro são

949

Por exemplo, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. Quem exerce o comércio em prédio que lhe foi locado pela falida tem legitimidade para opor embargos de terceiro contra o ato de arrecadação do imóvel, impedindo o prosseguimento da atividade empresarial.‖ (REsp nº 579.490/MA, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 17 de outubro de 2005, p. 291).

426

426

admissíveis quando ―não couber pedido de restituição‖. Daí a conclusão: a ação

de embargos de terceiro tem caráter subsidiário, ou seja, só é admissível quando

não for adequada a ação de restituição.

Segundo autorizada doutrina950, há outro critério distintivo entre a

admissibilidade da restituição e dos embargos de terceiro, conforme a existência

de relação jurídica com o empresário individual ou à sociedade empresarial, ou

não. Se a indevida apreensão do bem decorre da existência de alguma relação

jurídica, é admissível a restituição do art. 85. Se a apreensão ocorreu a despeito

da inexistência de relação jurídica alguma, são admissíveis embargos de terceiro.

Por fim, em virtude da importância dos embargos de terceiro na falência, o

próximo capítulo é destinado ao estudo do instituto.

950

Cf. Fábio Ulhoa Coelho. Manual de direito comercial: direito de empresa. 18ª ed., 2007, p. 344.

427

427

CAPÍTULO X – EMBARGOS DE TERCEIRO

1. Admissibilidade em processos de recuperação e de falência

À vista do art. 351º, número 2, do Código de Processo Civil de Portugal,

com a redação conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A, de 1995, não são admissíveis

embargos de terceiro quando a apreensão de bens de terceiro tem lugar em

processos de recuperação empresarial e de falência, in verbis: ―2. Não é admitida

a dedução de embargos de terceiro relativamente à apreensão de bens realizada

no processo especial de recuperação de empresa e de falência‖951.

Em contraposição, o direito brasileiro admite a propositura de embargos de

terceiro até mesmo quando a apreensão de bens se dá nos processos de

recuperação e de falência, como bem revela o art. 93 da Lei nº 11.101/2005: ―Nos

casos em que não couber pedido de restituição, fica resguardado o direito dos

credores de propor embargos de terceiros, observada a legislação processual

civil‖. Sem dúvida, ressalvados os casos de ação de restituição952, são admissíveis

embargos de terceiro referentes a bens apreendidos em processos de

recuperação e de falência, quer pelo administrador judicial nomeado pelo juiz,

quer por ordem do próprio juiz953.

951

Como bem ensina a melhor doutrina lusitana, os embargos de terceiro são inadmissíveis quando a apreensão de bens ocorre em processos de recuperação e de falência, em razão da vedação inserta no art. 351º, número 2, do Código de Processo Civil de Portugal, bem assim da existência de via própria para a restituição de bens na legislação especial dos processos de recuperação e de falência: ―2. A restituição e separação de bens no âmbito do processo especial de recuperação de empresa e de falência rege-se pelo disposto nos arts. 201º e ss. do CPEREF, aprovado pelo DL nº 132/93, de 23-4.‖ (Abílio Neto. Código de Processo Civil anotado. 15ª ed., 1999, p. 473 e 474). 952

Cf. arts. 85 e 86 da Lei nº 11.101, de 2005. 953

Por exemplo, na jurisprudência: ―PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. Quem exerce o comércio em prédio que lhe foi locado pela falida tem legitimidade para opor embargos de terceiro contra o ato de arrecadação do imóvel, impedindo o prosseguimento da atividade empresarial.‖ (REsp nº 579.490/MA, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 17 de outubro de 2005, p. 291). ―PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. AÇÃO POSSESSÓRIA. COMPETÊNCIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. LEI 11.101/05, ART. 66. 1. O Juízo que determinou a reintegração de posse da INFRAERO em áreas aeroportuárias que eram ocupadas pela VASP tem competência para o processamento e julgamento dos embargos de terceiro opostos sob a alegação de turbação na posse de bens que se encontram na referida área (CPC, art. 1.049). 2. A regra prevista no art. 66 da Lei 11.101/05 não impõe a remessa dos autos dos embargos de terceiro ao Juízo em que tramita o processo de recuperação judicial da VASP, uma vez que, no caso, não se cogita a alienação de bens da empresa aérea. 3. O pedido de substituição do fiel depositário não foi objeto de deliberação pelo Juiz a quo e, portanto, o seu exame pelo Tribunal configuraria supressão de instância. 4. Agravo de instrumento a que se dá parcial provimento.‖ (AGI nº 2006.01.00.046041-6/AM, 6ª Turma do TRF da 1ª Região, Diário da Justiça de 2 de abril de 2007, p. 135).

428

428

2. Embargos de terceiro: preceitos de regência e enunciados sumulares

Os embargos de terceiro estão previstos nos arts. 173, inciso II, 1.046 a

1.054, todos do Código de Processo Civil, bem assim no art. 93 da Lei nº

11.101/2005.

Além dos preceitos legais, os embargos de terceiro também constam de

alguns enunciados das Súmulas do Superior Tribunal de Justiça954, do antigo

Tribunal Federal de Recursos955 e do extinto Tribunal de Alçada Civil do Rio de

Janeiro956, em razão da grande importância do instituto na prática forense.

3. Embargos de terceiro: nomen iuris e objeto

Além da denominação consagrada nos preceitos de regência, os embargos

de terceiro também são denominados ―embargos de separação‖, porquanto

ensejam a exclusão de bem de terceiro de injusta constrição judicial. Daí o objeto

dos embargos de terceiro: a proteção tanto da posse quanto da propriedade em

prol de pessoa que sofre apreensão indevida de bem em processo no qual não é

parte, a fim de que o bem seja excluído da injusta constrição judicial. Não versam

os embargos de terceiro, entretanto, sobre o objeto do processo originário, mas

apenas sobre a exclusão de bem de terceiro indevidamente apreendido no

processo primitivo.

4. Embargos de terceiro: natureza jurídica e conceito

O termo ―embargos‖ tem vários significados à vista da legislação brasileira.

Há ações de embargos957, recursos de embargos958 e até mesmo embargos com

natureza de contestação959.

954

Cf. enunciados nºs 84, 134, 195 e 303. 955

Cf. enunciados nºs 33 e 184. 956

Cf. enunciado nº 17. 957

Por exemplo, os embargos à execução (cf. arts. 736 e seguintes do Código de Processo Civil) e os embargos de terceiro (cf. arts. 1.046 do Código de Processo Civil) são ações.

429

429

No que tange aos embargos de terceiro, não há dúvida de que têm

natureza de ação, porquanto formam um novo processo distinto do anterior

processo no qual houve a apreensão de bem de terceiro. Aliás, a existência de

―contestação‖960 como forma de contraposição aos embargos de terceiro reforça a

conclusão acerca da natureza do instituto: ação961.

Estudada a natureza jurídica, já é possível conceituar os embargos de

terceiro: ação cognitiva, de cunho constitutivo962, processada sob procedimento

especial de jurisdição contenciosa.

Sob outro prisma, os embargos de terceiro são, a um só tempo, ação

autônoma e incidental: autônoma, em razão da formação de um novo processo

diverso daquele no qual houve a apreensão judicial de bem de terceiro, com

petição inicial, autuação, citação, contestação e sentença próprias; incidental, em

razão da distribuição por dependência ao processo anterior, com o apensamento

dos autos dos embargos aos autos do processo originário, por força do art. 1.049

do Código de Processo Civil.

Por tudo, os embargos de terceiros são a ação autônoma de impugnação

que tem em mira apreensão judicial de bem de terceiro alheio ao processo no qual

houve a constrição indevida.

5. Embargos de terceiro e classificações

Ao contrário das demandas petitórias típicas e das demandas possessórias

específicas, os embargos de terceiro não podem ser incluídos em nenhuma das

classes, porquanto podem ser fundados na propriedade, mas também podem ser

958

Por exemplo, os embargos infringentes (cf. arts. 496 e 530 do Código de Processo Civil), os embargos de divergência (cf. arts. 496 e 546 do Código de Processo Civil), os embargos de declaração (cf. arts. 496, 535, 538 e 554 do Código de Processo Civil) e os embargos infringentes de alçada (cf. art. 34 da Lei nº 6.830, de 1980) têm natureza recursal. 959

Por exemplo, os embargos previstos nos arts. 755 e 1.102-C do Código de Processo Civil têm natureza de contestação. 960

Cf. art. 1.053 do Código de Processo Civil. 961

Assim, na jurisprudência: CC nº 54.437/SC, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 6 de fevereiro de 2006, p. 189: ―Tendo os embargos de terceiro natureza de ação‖. 962

Melhor dito, constitutiva negativa, porquanto os embargos desconstituem, desfazem o ato judicial de apreensão indevida de bens do terceiro.

430

430

veiculados pelo possuidor. Daí a dificuldade da inclusão dos embargos de terceiro

em alguma das classes tradicionais.

Com efeito, embora possam ser veiculados com fundamento na posse, os

embargos de terceiro também podem ser fundados na propriedade, razão pela

qual não são verdadeiros interditos possessórios.

Ademais, os embargos de terceiro só têm mira esbulho, turbação e ameaça

provenientes de ato judicial, ao contrário dos verdadeiros interditos possessórios,

admissíveis contra esbulho, turbação e ameaça provenientes de pessoas naturais

ou jurídicas em geral.

À vista das distinções apontadas, os embargos de terceiro não são

interditos possessórios; mas também não têm natureza petitória, em virtude da

admissibilidade fundada apenas na posse, à vista do § 1º do art. 1.046 do Código

de Processo Civil.

6. Alvo dos embargos de terceiro

A ação de embargos tem em mira ato de constrição judicial de bem de

terceiro, como a arrecadação, o sequestro, o arresto, a alienação judicial e

qualquer outra modalidade de apreensão judicial de bem de terceiro em relação

ao processo no qual houve a constrição indevida, tendo em vista o caráter

exemplificativo do caput do art. 1.046 do Código de Processo Civil.

7. Embargos de terceiro e recurso de terceiro

Os embargos de terceiro não se confundem com o recurso de terceiro.

Segundo o art. 1.046 do Código de Processo Civil, os embargos são ação

autônoma de impugnação em favor de terceiro alheio ao processo no qual foi

exarado o ato judicial lesivo. Por conseguinte, os embargos de terceiro ocasionam

a formação de novo processo, tendo como alvo o ato de apreensão judicial

praticado em processo anterior. Já o recurso de terceiro tem, à vista do art. 499 do

Código de Processo Civil, verdadeira natureza recursal, porquanto a impugnação

431

431

tem lugar no bojo do mesmo processo no qual foi proferido o julgamento contrário

ao terceiro.

Resta saber se o terceiro ao processo no qual houve a prolação de decisão

judicial que ocasiona a apreensão de bem pode recorrer no mesmo processo ou

se necessita instaurar outro processo mediante a ação de embargos de terceiro.

Trata-se de vexata quaestio, com opiniões antagônicas na melhor doutrina.

Com efeito, autorizada doutrina963 sustenta que o terceiro que dispõe dos

embargos do art. 1.046 do Código de Processo Civil pode optar pela interposição

do recurso de terceiro previsto no art. 499, caput e § 1º, do mesmo diploma. O

terceiro, portanto, tem liberdade de escolha, desde que observe os respectivos

prazos legais.

Em contraposição, doutrina964 muito abalizada sustenta a incompatibilidade

das vias impugnativas previstas nos arts. 499, caput e § 1º, e 1.046, ambos do

Código de Processo Civil, ao fundamento de que o terceiro não pode agregar nova

demanda na angusta via recursal.

Ainda que muito respeitáveis ambas as teses antagônicas, tudo indica que

há lugar para uma solução intermediária: o terceiro não pode agregar nova

demanda mediante recurso de terceiro, tendo em vista a impossibilidade jurídica

da modificação do pedido e da causa de pedir em grau de recurso, ex vi do

parágrafo único do art. 264 do Código de Processo Civil; mas há lugar para a livre

escolha entre o recurso de terceiro e os embargos de terceiro quando a

impugnação do terceiro suscitar questão diretamente relacionada ao processo

originário e que necessite apenas de julgamento à luz do conjunto probatório

963

Cf. Pontes de Miranda. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo VII, 3ª ed., 1999, p. 59: ―Assim, o art. 499 e § 1º funcionam como espécie de evitador da inovação dos arts. 56-61 e 1.046-1.054; quer dizer: quem apela, ou, em geral, recorre, como terceiro prejudicado, evita a oposição de terceiro, e os embargos de terceiro contra a futura sentença ou contra a execução judicial (no mais amplo sentido). Quem poderia opor embargos de terceiro pode recorrer como terceiro prejudicado, porém nem todo terceiro prejudicado pode opor embargos de terceiro‖. 964

Cf. Fredie Didier Jr. Recurso de terceiro. 2002, p. 120 e 121: ―Consideramos, entretanto, inadmissível a possibilidade de o possível opoente e, a fortiori, o embargante, recorrer como terceiro prejudicado. O recurso de terceiro é modalidade interventiva que não amplia objetivamente a causa; adere, o terceiro, a pretensão de umas das partes, com intuito de que esta prevaleça. Não exerce, o terceiro, ação de direito material, pelo recurso‖.

432

432

disponível nos próprios autos965. Imagine-se, por exemplo, o avalista cujo bem foi

constrito em execução movida apenas contra o avalizado, a despeito da nulidade

formal do título de crédito que aparelhou a execução. Ora, a nulidade formal do

título de crédito e a nulidade da respectiva execução cambial podem ser

veiculadas mediante recurso de terceiro e também por embargos de terceiro,

conforme a livre escolha do avalista. Daí a conclusão: o terceiro com legitimidade

para ajuizar embargos de terceiro pode interpor recurso de terceiro, desde que a

impugnação recursal não veicule demanda nova; para tanto, ou seja, para veicular

demanda nova, o terceiro deve optar pela propositura dos embargos do art. 1.046

do Código de Processo Civil.

Em suma, o recurso de terceiro e os embargos de terceiro são institutos

distintos, tendo em vista a natureza jurídica de cada: recurso e ação autônoma de

impugnação, respectivamente. Não obstante, é admissível a interposição de

recurso de terceiro por quem tem legitimidade para ajuizar embargos de terceiro,

desde que o recurso não traga nova demanda ao processo em curso, mas, sim,

verse sobre a própria demanda que é o objeto do processo em curso.

8. Admissibilidade dos embargos de terceiro em geral

A admissibilidade da ação de embargos de terceiro está sujeita às

seguintes condições específicas: – apreensão judicial de bem ou ameaça de

constrição; – condição de possuidor ou de proprietário do bem apreendido; –

condição de terceiro em relação ao processo no qual houve a apreensão; –

observância do prazo legal.

8.1. Apreensão judicial de bem

Os embargos de terceiro têm em mira ato judicial que já ocasionou a

constrição de algum bem. Além dos embargos repressivos, entretanto, também

965

Em reforço, no julgamento do REsp nº 656.498/PR, a 3ª Turma do STJ reformou acórdão do TJPR, para determinar o conhecimento de recurso interposto por terceiro com igual legitimidade para ajuizar embargos de terceiro.

433

433

são admissíveis embargos preventivos, em razão de iminente ameaça de

apreensão indevida de bens de terceiro.

Com efeito, a regra reside nos embargos repressivos, ajuizados após a

efetiva ocorrência da apreensão judicial indevida de bem de terceiro; mas também

são admissíveis embargos preventivos, propostos antes mesmo da constrição,

mas diante da real ameaça de apreensão, a qual também enseja proteção judicial

à vista do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

8.2. Legitimidade ativa: condição de possuidor ou de proprietário do bem

No que tange à legitimidade ativa, os embargos de terceiro podem ser

ajuizados por quem tem a qualidade de possuidor ou de proprietário do bem

apreendido. Com efeito, tanto o possuidor quanto o senhor têm legitimidade ativa

para o ajuizamento dos embargos de terceiro. É o que se infere do § 1º do art.

1.046 do Código de Processo Civil: ―Os embargos podem ser de terceiro senhor e

possuidor, ou apenas possuidor‖.

A propósito da legitimidade ativa do apenas possuidor, o Superior Tribunal

de Justiça aprovou o correto enunciado nº 84: ―É admissível a oposição de

embargos de terceiro fundados em alegação de posse advinda do compromisso

de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido do registro‖. Na esteira do

enunciado nº 84, o antigo Tribunal de Alçada Cível do Rio de Janeiro aprovou o

preciso enunciado nº 17, in verbis: ―São cabíveis os embargos de terceiro,

fundamentados na posse, ainda que decorrente de título não registrado‖. Com

igual orientação, também merece ser prestigiado o verbete sumular nº 52 da

Advocacia-Geral da União: ―É cabível a utilização de embargos de terceiros

fundados na posse decorrente do compromisso de compra e venda, mesmo que

desprovido de registro‖. Daí a conclusão: os embargos podem ser veiculados com

fundamento apenas na posse do terceiro, por não ser procedimento exclusivo de

proprietário, à vista do § 1º do art. 1.046 do Código de Processo Civil.

Ainda a respeito da legitimidade ativa, há na doutrina a lição da

inadequação dos embargos por quem é senhor sem posse, ao fundamento de que

434

434

o § 1º do art. 1.046 do Código confere legitimidade ao senhor que é possuidor e

ao possuidor que não é senhor; não, entretanto, ao senhor que não é possuidor do

bem. Embora a tese seja muito respeitável, o § 1º do art. 1.046 não enseja

interpretação restritiva. Com efeito, o § 1º confere a máxima proteção possível em

favor do terceiro prejudicado pela constrição judicial, até mesmo ao terceiro

―apenas possuidor‖. Com maior razão, ao proprietário também deve ser conferida

legitimidade ativa para a ação de embargos de terceiro, independentemente de

ser possuidor, ou não. Basta que seja proprietário.

8.3. Condição de terceiro

Sob outro prisma, a ação de embargos é outorgada em prol de quem não é

parte no processo no qual houve a constrição judicial do bem. Só é parte quem

tem o nome inserto na petição inicial e é citado, ou então comparece de forma

espontânea ao processo, quando supre a falta da citação. Por outro lado, não é

parte quem é apenas intimado de algum ato processual, ainda que a intimação

seja da própria constrição judicial, como nas hipóteses previstas nos arts. 615,

inciso II, 655, § 2º, e 698, todos do Código de Processo Civil. Daí a

admissibilidade da ação de embargos de terceiro por quem foi apenas intimado (e

não citado!) no processo no qual houve a apreensão judicial. Assim dispõe o

preciso enunciado nº 134 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―Embora

intimado da penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor

embargos de terceiro para defesa de sua meação‖.

Já quem foi citado (e não apenas intimado!) no processo no qual houve a

apreensão de bens atua na qualidade de parte, razão pela qual não tem

legitimidade para aviar embargos de terceiro966. A propósito, merece ser

prestigiado o enunciado nº 184 da Súmula do antigo Tribunal Federal de

Recursos: ―Em execução movida contra sociedade por quotas, o sócio-gerente,

966

Assim, na jurisprudência: ―1. Os embargos a serem manejados pelo sócio-gerente contra quem se redirecionou ação executiva, regularmente citado e, portanto, integrante do pólo passivo da demanda, são os de devedor.‖ (EREsp nº 98.484/ES, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 17 de dezembro de 2004, p. 394).

435

435

citado em nome próprio, não tem legitimidade para opor embargos de terceiro,

visando livrar da constrição judicial seus bens particulares‖.

Por tudo, é possível concluir que os embargos de terceiro podem ser

propostos tanto pelo proprietário quanto pelo possuidor, desde que não tenham

sido citados no processo no qual houve a apreensão judicial dos bens.

8.4. Propositura da ação dentro do prazo legal

Quanto ao prazo dos embargos de terceiro, depende do processo originário

no qual houve a indevida apreensão judicial do bem do terceiro. Com efeito, a

injusta constrição judicial pode ter lugar em processos cognitivos, executivos e

cautelares. Daí a explicação para a existência de prazos diferenciados no art.

1.048 do Código de Processo Civil.

No que tange à apreensão judicial de bens em processo cognitivo, os

embargos de terceiro podem ser propostos a qualquer tempo, desde que antes do

trânsito em julgado da decisão judicial final967.

Diante de apreensão judicial indevida em processo de execução ou na fase

de execução de processo sincrético, o prazo dos embargos de terceiro é de até

cinco dias depois da adjudicação, da alienação ou da arrematação, desde que

antes da assinatura da respectiva carta de adjudicação968, de alienação969 ou de

arrematação970, conforme o caso.

Com efeito, à vista do art. 1.048, in fine, do Código de Processo Civil, a

tempestividade dos embargos de terceiro em sede de execução deve ser aferida

sob dois enfoques: em primeiro lugar, a ação de embargos de terceiro deve ser

proposta até cinco dias depois da adjudicação, da alienação ou da arrematação;

em segundo lugar, a ação de embargos deve ser ajuizada antes da assinatura da

carta de adjudicação, de alienação ou de arrematação, ainda que a carta tenha

sido assinada no curso do quinquídio posterior à adjudicação, à alienação ou à

967

Cf. art. 1.048, proêmio, do Código de Processo Civil. 968

Cf. art. 685-B do Código de Processo Civil. 969

Cf. art. 685-C, § 2º, do Código de Processo Civil. 970

Cf. art. 693 do Código de Processo Civil.

436

436

arrematação, conforme o caso. Daí a conclusão: são intempestivos os embargos

de terceiro ajuizados depois da assinatura da carta, ainda que dentro do

quinquídio previsto no art. 1.048.

Quanto ao processo cautelar, o prazo dos embargos de terceiro segue a

mesma regra do processo principal, conforme o caso. Por conseguinte, se a

apreensão judicial ocorreu em processo cautelar cujo processo principal é

cognitivo, os embargos de terceiros são tempestivos se propostos antes do

trânsito em julgado da sentença do processo de conhecimento. Já a constrição

judicial em processo cautelar de proteção de execução pode ser impugnada

mediante embargos de terceiro dentro do prazo de cinco dias da adjudicação, da

alienação ou da arrematação, desde que antes da assinatura da respectiva carta.

No que tange à natureza do prazo previsto no art. 1.048 do Código de

Processo Civil, trata-se de prazo decadencial, o qual ocasiona a perda apenas do

direito de embargar como terceiro mediante procedimento especial marcado pela

celeridade. Com efeito, a perda do prazo previsto no art. 1.048 não interfere no

direito à desconstituição do ato judicial de apreensão indevida dos bens do

terceiro. Daí a possibilidade da propositura da ação anulatória consagrada no art.

486 do Código de Processo Civil, sob o procedimento comum.

9. Admissibilidade dos embargos de terceiro para a defesa da meação do

cônjuge

À vista do § 3º do art. 1.046 do Código de Processo Civil, os embargos de

terceiro são adequados para que um cônjuge defenda a respectiva meação diante

de constrição judicial indevida efetuada em anterior processo movido apenas

contra o outro cônjuge.

Ainda a respeito do § 3º do art. 1.046 do Código de Processo Civil, a

legitimidade ativa para os embargos de terceiro subsiste ainda que o cônjuge

tenha sido intimado da constrição judicial realizada no processo movido somente

contra o outro cônjuge. A propósito, merece ser prestigiado o enunciado nº 134 da

Súmula do Superior Tribunal de Justiça: ―Embora intimado da penhora em imóvel

437

437

do casal, o cônjuge do executado pode opor embargos de terceiro para defesa de

sua meação‖. Em contraposição, se ambos os cônjuges foram citados no

processo no qual houve a apreensão indevida, não há lugar para embargos de

terceiro, porquanto são partes, em litisconsórcio passivo.

Ainda que procedentes os embargos para a defesa da meação do terceiro,

se o bem constrito for indivisível, a apreensão judicial deve ser preservada, com a

posterior entrega ao terceiro do produto da alienação do bem correspondente à

meação, ex vi do art. 655-B do Código de Processo Civil.

Por fim, a despeito da legitimidade ativa do cônjuge não citado, a

apreensão judicial dos bens deve ser mantida quando a dívida objeto da cobrança

por meio do processo originário foi contraída em benefício do casal ou da família,

à vista de prova a cargo do embargado.

10. Embargos de terceiro e defesa de garantia real

À vista dos arts. 615, inciso II, e 698, combinados com os arts. 1.047, inciso

II, e 1.054, todos do Código de Processo Civil, o credor cuja garantia real for

objeto de apreensão judicial em processo alheio deve ser intimado da constrição,

a fim de que possa ajuizar embargos de terceiro, para a defesa do direito de

preferência em virtude da garantia real, como a hipoteca, o penhor e a anticrese.

11. Parte equiparada a terceiro

O § 2º do art. 1.046 do Código de Processo Civil versa sobre hipótese

peculiar de embargos de terceiro: os embargos podem ser ajuizados por quem já

é parte no processo no qual houve a indevida apreensão judicial, quando a

constrição alcança bem que não poderia ter sido apreendido, tendo em vista o

título da aquisição ou a qualidade da posse. Imagine-se, por exemplo, uma

demanda de despejo movida contra o locatário de dois imóveis contíguos

alugados mediante contratos distintos, ambos do mesmo locador. Não obstante, a

demanda de despejo por falta de pagamento teve como objeto apenas um imóvel

438

438

locado, em relação ao qual foi proferida a sentença de procedência. Na

eventualidade de o mandado judicial de despejo compulsório ter em mira o outro

imóvel, que não foi objeto da demanda, o réu poderá ajuizar embargos de terceiro,

com fundamento no § 2º do art. 1.046 do Código de Processo Civil. Os embargos

seriam igualmente admissíveis por parte do réu em processo de reintegração de

posse, se a ordem judicial de desocupação compulsória tivesse em mira imóvel

contíguo ao objeto da demanda971.

12. Petição inicial

A petição inicial dos embargos de terceiro deve ser elaborada à vista dos

arts. 39, inciso I, 258, 282, 283 e 1.050, todos do Código de Processo Civil.

Por conseguinte, a petição inicial deve conter a indicação do valor da

causa, à vista dos arts. 258 e 282, inciso V, ambos do Código de Processo Civil.

971

De acordo, na doutrina: ―A admissibilidade dos embargos de terceiro, manifestados por quem seja parte no processo principal, está condicionada à distinção entre os títulos que tenha sobre a coisa objeto dos embargos ou da constrição judicial. Assim, o vencido na ação, ou o obrigado, pode manifestar embargos de terceiro quanto aos bens que, pelo título, ou qualidade em que os possuir, não devem ser atingidos pela diligência judicial constritiva. A mesma pessoa física ou jurídica pode ser simultaneamente parte e terceiro no mesmo processo, se são diferentes os títulos jurídicos que justificam esse duplo papel. A palavra ter significa não só a pessoa física ou jurídica que não tenha participado do feito, como também a pessoa que participou do processo, mas que, aqui, nos embargos, é titular de um direito diferente, outro que não o que foi objeto da decisão judicial. Assim, por exemplo, o condômino que seja também proprietário do prédio contíguo, mesmo participando da ação de divisão, pode embargar, como terceiro, se a linha do perímetro invadir a propriedade que é sua. Do mesmo modo, a viúva meeira e inventariante tem qualidade para oferecer embargos de terceiro à arrecadação dos bens deixados pelo marido, se, por exemplo, argüir sua qualidade de comerciante e quanto aos bens de seu ramo comercial‖. ―A pessoa que foi parte na ação possessória poderá valer-se dos embargos de terceiro, quando a restituição a que for condenada na ação possessória, ou a que foi obrigada em consequência da ação – como nas liminares –, compreende bens sobre que não versa a demanda. É a mesma pessoa, mas agindo com outros títulos, ou seja, vindo a juízo noutro processo e com outra qualidade e litigando sobre outros bens.― (Hamilton de Moraes e Barros. Comentários ao Código de Processo Civil. Volume IX, 294 e 295). No mesmo sentido, ainda na doutrina: ―É o caso, por exemplo, de ato de apreensão judicial numa possessória que vem atingir um bem do réu, mas que não foi objeto da ação.‖ (Vicente Greco Filho. Direito processual civil brasileiro. Volume III, 17ª ed., 2005, p. 256). Também em sentido conforme, ainda na doutrina: ―A parte, no processo principal, poderá ter apreendidos bens que possui, mas, dependendo da qualidade de sua posse, fica ela equiparada a terceiro, podendo opor embargos, quando, em razão da mesma posse, ditos bens não puderem ser apreendidos (art. 1.046, § 2º). É o caso, por exemplo, do locatário que, executado, vê penhorado o bem locado; ou o do devedor fiduciante que teve arrestada ou seqüestrada a coisa alienada fiduciariamente. Em ambas as hipóteses, o equiparado a terceiro poderá defender-se, alegando domínio alheio, ficando também o possuidor indireto, no caso o locador e credor fiduciário, com o direito de opor embargos. A coisa, pelo título de aquisição, não pode, às vezes, receber o ato de constrição judicial. Exemplo comum é o da coisa recebida com cláusula de inalienabilidade e penhorada em execução. Da mesma forma, o herdeiro poderá ser demandado pelas dívidas da herança, depois de feita a partilha, mas apenas os bens que recebeu é que respondem pela execução e não os primitivamente seus. Em ambos os casos, pelo título de aquisição, poderão o executado e os herdeiros embargar como terceiros, embora sejam partes no processo de onde se originou a apreensão (art. 1.050, § 2º).‖ (Ernane Fidélis dos Santos. Manual de direito processual civil. Volume III, 10ª ed., 2006, p. 140).

439

439

Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a valor da causa dos embargos

não está vinculado ao valor da causa do processo originário no qual houve a

apreensão indevida de bem do terceiro. A propósito, merece ser prestigiado o

verbete nº 51 da Primeira Câmara Civil do antigo Tribunal de Alçada de Minas

Gerais: ―Nos embargos à execução e nos de terceiro, o valor da causa não é

obrigatoriamente o mesmo atribuído à causa principal‖.

Diante da natureza jurídica dos embargos de terceiro, o autor deve formular

pedido específico de citação do réu, porquanto há a instauração de novo

processo.

Ainda que de forma perfunctória, o autor também já deve comprovar a

qualidade de terceiro e a respectiva posse ou propriedade, por meio de prova

documental, tendo em vista o disposto no caput do art. 1.050 do Código de

Processo Civil.

Por fim, a petição inicial deve ser instruída com o rol de testemunhas, para

a eventualidade de o juiz designar a audiência prevista no § 1º do art. 1.050 do

Código de Processo Civil.

13. Competência, distribuição e autuação

À vista do art. 1.049 do Código de Processo Civil, os embargos de terceiro

são da competência do mesmo juízo do processo primitivo no qual houve a

constrição judicial. Trata-se de competência funcional e, por consequência,

absoluta, razão pela qual é passível de apreciação oficial pelo juiz.

A petição inicial dos embargos de terceiro, portanto, deve ser distribuída ao

mesmo juízo, por dependência em relação ao processo original no qual houve a

indevida apreensão judicial. Diante de apreensão indevida na falência, os

embargos de terceiro devem ser distribuídos por dependência do processo

falimentar, ex vi da combinação do art. 78, parágrafo único, da Lei nº 11.101/2005,

com o art. 1.049 do Código de Processo Civil.

440

440

Após a distribuição, a petição inicial é autuada em separado972, mas os

autos dos embargos de terceiro são apensados aos autos originais.

Na eventualidade de apreensão judicial mediante carta precatória, os

embargos de terceiro podem ser oferecidos tanto no juízo deprecante quanto no

juízo deprecado, consoante autoriza o proêmio do art. 747 do Código de Processo

Civil, com a redação determinada pela Lei nº 8.953, de 1994. Em seguida, os

embargos são distribuídos, processados e julgados no juízo deprecado, salvo se o

bem constrito tiver sido indicado pelo próprio juiz deprecante, quando compete ao

mesmo (juízo deprecante) decidir os embargos de terceiro. A propósito, vale

conferir o enunciado nº 33 da Súmula do antigo Tribunal Federal de Recursos: ―O

juízo deprecado, na execução por carta, é o competente para julgar os embargos

de terceiro, salvo se o bem apreendido foi indicado pelo juízo deprecante‖973.

Reforça a precisa conclusão nº 74 do Simpósio de Curitiba, de 1975:

―EMBARGOS DE TERCEIRO: JUÍZO COMPETENTE EM EXECUÇÃO POR

CARTA – Os embargos de terceiro, na execução por carta, correm perante o juízo

deprecado, se a apreensão do bem foi por este determinada, mas se o juiz

deprecante indica o bem a ser apreendido, perante ele correrão os embargos‖974.

Com efeito, se o bem objeto da constrição judicial mediante carta precatória foi

designado pelo juiz deprecante, incide o art. 1.049, com a distribuição por

dependência ao processo originário975.

Por fim, na eventualidade de os embargos de terceiro serem ajuizados pela

União, por autarquia federal ou por empresa pública federal, incide o art. 109,

inciso I, da Constituição Federal, razão pela qual a competência passa a ser da

Justiça Federal. 972

Cf. art. 1.049 do Código de Processo Civil. 973

Em abono, na jurisprudência moderna: ―COMPETÊNCIA. EMBARGOS. JUÍZO DEPRECANTE. A Turma decidiu que compete ao juízo deprecante apreciar os embargos de terceiro opostos contra a penhora do imóvel por ele indicado (Súm. Nº 33-TFR).‖ (REsp nº 1.033.333/RS, 3ª Turma do STJ, Informativo nº 364). ―2 - Se, quando da expedição da carta precatória, o Juízo deprecante não especifica os bens a serem arrestados, a competência para apreciar os embargos de terceiro, visando à desconstituição da constrição, é do Juízo deprecado. Incidência da Súmula 33 do extinto TFR, verbis: ‗O juízo deprecado, na execução por carta, é o competente para julgar os embargos de terceiro, salvo se o bem apreendido foi indicado pelo juízo deprecante‘.‖ (CC nº 44.223/GO, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 1º de agosto de 2005, p. 313). 974

Cf. Revista Forense, volume 252, p. 28. 975

De acordo, na jurisprudência: ―EMBARGOS DE TERCEIRO - PRECATÓRIA. Se o juízo deprecante indicou precisamente qual o bem a ser penhorado, será o competente para os embargos de terceiro.‖ (CC nº 331/MG, 2ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 20 de novembro de 1989, p. 17.290).

441

441

14. Indeferimento liminar da petição inicial

Diante de embargos de terceiro fora do prazo976 ou com petição inicial

inepta, incidem os arts. 267, inciso I, e 295, ambos do Código de Processo Civil,

com a prolação de sentença de indeferimento liminar da petição inicial.

Indeferida a petição inicial dos embargos de terceiro, não há suspensão do

processo originário. Da sentença, entretanto, cabe apelação, com efeitos

devolutivo e suspensivo, em virtude da regra consagrada no proêmio do art. 520

do Código de Processo Civil. Ao contrário do que pode parecer à primeira vista, a

existência do efeito suspensivo na apelação não significa que a apreensão judicial

fica suspensa nem que o processo originário é suspenso.

Em síntese, o indeferimento da petição inicial não atrai a incidência dos

arts. 1.051 e 1.052, porquanto o indeferimento liminar significa que os embargos

de terceiros não produzem efeito jurídico algum. Por conseguinte, a produção do

efeito suspensivo do recurso apelatório não traz consequência alguma977.

15. Petição inicial com defeito sanável

Diante de petição inicial com defeito sanável978, o juiz determina a

respectiva emenda, à vista do art. 284 do Código de Processo Civil, sob pena de

indeferimento.

16. Fungibilidade

Na eventualidade da propositura de embargos de terceiro por quem, na

verdade, é parte no processo originário no qual houve a apreensão judicial, o juiz,

ao invés de indeferir a petição inicial in limine litis, deve examinar se há lugar para

976

Cf. art. 1.048 do Código de Processo Civil. 977

―A suspensão do não é nada, já que não se transforma em sim‖ (PET nº 513/ES – AgRg, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 22 de novembro de 1993). 978

Por exemplo, ausência de indicação do valor da causa.

442

442

a conversão dos embargos de terceiro na via processual cabível: embargos à

execução ou impugnação à execução, conforme o caso.

Cumpridos todos os requisitos legais, em especial o prazo do art. 1.048 do

Código de Processo Civil, o juiz deve converter os embargos de terceiro na via

processual adequada, em homenagem ao princípio da instrumentalidade das

formas consagrado nos arts. 154 e 295, inciso V, in fine, do Código de Processo

Civil979.

17. Admissão dos embargos e suspensão do processo originário

Diante de petição inicial apta, o juiz recebe os embargos de terceiro e

determina a citação do réu – ou dos réus, no caso de litisconsórcio passivo.

Além de ordenar a citação do réu, o juiz também determina a imediata

suspensão do processo originário no qual houve a constrição judicial, mas só se

os embargos recebidos versarem sobre todos os bens apreendidos, tudo nos

termos dos arts. 265, inciso IV, alínea ―a‖, e 1.052, primeira parte, ambos do

Código de Processo Civil. Se, entretanto, os embargos versarem apenas sobre

alguns dos bens apreendidos, o juiz determina o prosseguimento do processo

originário somente em relação aos bens não embargados980.

18. Decisão interlocutória liminar agravável

Se o juiz considerar suficiente a prova documental que instruiu a petição

inicial ou a prova testemunhal na audiência prevista no § 1º do art. 1.050 do

Código de Processo Civil, profere decisão interlocutória in limine litis à vista do art.

979

De acordo, na jurisprudência: "Os embargos a serem manejados pelo sócio-gerente contra quem se redirecionou ação executiva, regularmente citado e, portanto, integrante do pólo passivo da demanda, são os de devedor, e não por embargos de terceiros, adequados para aqueles que não fazem parte da relação processual. Todavia, em homenagem ao princípio da fungibilidade das formas, da instrumentalidade do processo e da ampla defesa, a jurisprudência admite o processamento de embargos de terceiro como embargos do devedor. Exige, para tanto, entre outras circunstâncias, a comprovação do implemento dos requisitos legais de admissibilidade, notadamente quanto à sua propositura dentro do prazo legal." (EREsp nº 98.484/ES, 1ª Seção do STJ, Diário da Justiça de 17 de dezembro de 2004). 980

Cf. art. 1.052, segunda parte, do Código de Processo Civil.

443

443

1.051, com a expedição de mandado judicial de manutenção ou de restituição dos

bens em favor do embargante.

Como a decisão interlocutória liminar ocasiona a antecipação da

manutenção ou da restituição da posse em favor do terceiro embargante, não

pode ser classificada como cautelar, mas, sim, como verdadeira antecipação da

tutela, tendo em vista o disposto no art. 273 do Código de Processo Civil981.

Não obstante, a restituição liminar dos bens apreendidos depende de prévia

prestação de caução pelo embargante, tendo em vista o disposto nos arts. 826 e

1.051 do Código de Processo Civil.

Por fim, a decisão interlocutória liminar é passível de agravo de

instrumento, em dez dias, com fundamento no art. 522 do Código de Processo

Civil.

19. Legitimidade passiva

No que tange ao polo passivo dos embargos de terceiro, a regra reside na

inclusão do autor da demanda originária na qual houve a indevida apreensão

judicial, na qualidade de embargado.

Não obstante, a regra comporta exceção: se a constrição judicial é

efetivada em razão de manifestação do demandado no processo originário, como

ocorre quando o executado indica bem de terceiro à penhora982, há a excepcional

formação de litisconsórcio passivo necessário entre o demandante e o demandado

do processo primitivo, os quais devem ser citados como litisconsortes passivos

nos embargos de terceiro. Trata-se, todavia, de exceção, porquanto a regra é a

citação apenas do demandante do processo originário, réu por excelência nos

embargos de terceiro.

981

De acordo, na doutrina: ―3. Antecipação da tutela. A medida liminar tem natureza de tutela antecipatória do provimento final (CPC 273), não se tratando de providência cautelar.‖ (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. 4ª ed., 1999, p. 1.356, nota 3 ao art. 1.051). 982

Cf. arts. 600, inciso IV, e 652, § 3º, ambos do Código de Processo Civil.

444

444

20. Citação

No que tange à citação, o § 3º do art. 1.050 do Código de Processo Civil,

acrescentado por força da Lei nº 12.125/2009 dispensa a citação pessoal do réu-

embargado na ação de embargos de terceiros, quando o mesmo já tem advogado

constituído nos autos do processo anterior no qual reside a constrição judicial: ―§

3o A citação será pessoal, se o embargado não tiver procurador constituído nos

autos da ação principal‖.

Com efeito, à vista do § 3º do art. 1.050 do Código de Processo Civil, a

citação do réu-embargado agora se dá na pessoa do respectivo advogado

constituído nos autos do processo originário.

Em suma, agora só há necessidade de citação pessoal do próprio réu-

embargado no processo de embargos se o mesmo não constituiu advogado

constituído nos autos do processo principal.

21. Citação, decisão interlocutória liminar e feriados

À vista do art. 173, inciso II, do Código de Processo Civil, há lugar para a

citação, para o cumprimento da decisão interlocutória concessiva da restituição

liminar e para a prática de outros atos processuais urgentes até mesmo em

feriados.

22. Contestação

À vista do art. 1.053 do Código de Processo Civil, o réu dispõe de apenas

dez dias para contestar os embargos de terceiro. Por conseguinte, não incide a

regra do art. 297, mas, sim, a exceção do art. 1.053, preceito específico acerca da

contestação dos embargos de terceiro. Na eventualidade de litisconsórcio passivo,

com procuradores diferentes, entretanto, o prazo é duplicado por força do art. 191

do Código de Processo Civil.

445

445

No que tange à matéria de defesa, o réu pode suscitar fraude de

execução983, porquanto o bem alienado a terceiro continua sujeito à execução,

tendo em vista o disposto no art. 592, inciso V, do Código de Processo Civil. Sem

dúvida, como ato atentatório à dignidade da justiça984, verdadeiro crime985, a

fraude de execução é passível de conhecimento oficial, razão pela qual pode ser

suscitada na contestação do exequente citado como réu nos embargos de

terceiro986.

Resta saber se também há lugar para veiculação de fraude contra credores

na contestação, tema do próximo tópico.

23. Fraude contra credores e contestação aos embargos de terceiro

Durante muitos anos perdurou séria divergência jurisprudencial acerca da

alegação de fraude contra credores pelo embargado, em sede de contestação aos

embargos de terceiro. A Colenda Primeira Câmara Civil do antigo Tribunal de

Alçada de Minas Gerais chegou até mesmo a aprovar orientação jurisprudencial

em favor da possibilidade da veiculação de fraude contra credores em sede de

embargos de terceiro, como revela o teor do verbete nº 10: ―A fraude contra

credores pode ser apreciada em embargos de terceiro, desde que todos os

interessados participem ou tenham sido convocados ao processo‖. Hoje,

entretanto, não há mais lugar para dúvida, em virtude da aprovação do enunciado

983

―A fraude à execução consiste na alienação de bens pelo devedor, na pendência de um processo capaz de reduzi-lo à insolvência, sem a reserva - em seu patrimônio - de bens suficientes a garantir o débito objeto de cobrança. Trata-se de instituto de direito processual, regulado no art. 593 do CPC, e que não se confunde com a fraude contra credores prevista na legislação civil.‖ (REsp nº 684.925/RS, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 24 de outubro de 2005, p. 191). ―Somente se caracteriza a fraude de execução quando a alienação é realizada já pendente aquela demanda que dá origem à penhora, contra a qual se insurge o adquirente mediante embargos de terceiro. Se a alienação é anterior a tal demanda, a hipótese somente pode ser entendida, em tese, como de fraude a credores, ainda que ao tempo da venda outras demandas afetassem o patrimônio do devedor-alienante.‖ (REsp nº 327/SP, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 20 de novembro de 1989, p. 17.302). 984

Cf. art. 600, inciso I, do Código de Processo Civil. 985

Cf. art. 179 do Código Penal. 986

Em sentido conforme, na doutrina: ―2. Fraude de execução. Pode ser alegada e proclamada nos embargos de terceiro, porque se caracteriza como ato atentatório à dignidade da justiça. É ineficaz relativamente ao processo fraudado, prescindindo de ação para ser reconhecida. Deve ser declarara ex officio pelo juiz e pode ser alegada por petição simples. A fortiori, na contestação dos embargos de terceiro, pode-se pedir, sua improcedência, tendo em vista o ato ter sido praticado em fraude de execução (CPC 593).‖ (Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. 4ª ed., 1999, p. 1.357, nota 2 ao art. 1.053).

446

446

nº 195 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, in verbis: ―Em embargos de

terceiro não se anula ato jurídico, por fraude contra credores‖.

Com efeito, não há lugar para veiculação de fraude contra credores em

embargos de terceiro, porquanto a discussão é incompatível com a celeridade

procedimental dos embargos, tendo em vista a aplicação subsidiária do

procedimento cautelar, em razão da combinação dos arts. 803 e 1.053 do Código

de Processo Civil.

Na verdade, a discussão acerca da fraude contra credores depende de

demanda específica a ser movida pelo credor acionado por meio dos embargos de

terceiro, tendo como réus o devedor e o terceiro beneficiado. Em suma, é

imprescindível a propositura da denominada ―ação pauliana‖.

Sob ambos os prismas, não há lugar para veiculação de fraude contra

credores em embargos de terceiro.

24. Impugnação ao valor da causa

Como noticiado no anterior tópico 12 do presente capítulo, a petição inicial

dos embargos de terceiro deve conter a indicação do valor da causa, à vista dos

arts. 258 e 282, inciso V, ambos do Código de Processo Civil.

Quanto ao critério de fixação, o valor da causa dos embargos de terceiro

deve ser atrelado ao valor do bem objeto da apreensão indevida, mas não pode

ser superior ao valor da dívida cobrada no processo originário no qual houve a

constrição judicial987.

987

De acordo, na jurisprudência: ―PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – EMBARGOS DE TERCEIRO – VALOR DA CAUSA – CORRESPONDÊNCIA DO VALOR DO BEM SOB CONSTRIÇÃO - IMPOSSIBILIDADE DE ULTRAPASSAR O VALOR DA DÍVIDA - SÚMULA 83/STJ. 1 - Nos embargos de terceiro, o valor da causa deve corresponder ao do bem objeto da constrição, não podendo, entretanto, exceder o valor do débito.‖ (REsp nº 787.674/PA, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 12 de março de 2007, p. 245). ―PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE TERCEIRO - VALOR DA CAUSA – CORRESPONDÊNCIA DO VALOR DO BEM SOB CONSTRIÇÃO. Nos embargos de terceiro, o valor da causa deve corresponder ao do bem objeto da constrição, não podendo exceder o valor do débito. Precedentes jurisprudenciais.‖ (REsp nº 323.384/MG, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 27 de agosto de 2001, p. 238).

447

447

Atribuído o valor da causa fora dos parâmetros apontados, há lugar para

impugnação pelo embargado, com fundamento no art. 261 do Código de Processo

Civil, no mesmo prazo da contestação aos embargos: dez dias.

25. Reconvenção e ação declaratória incidental

Não há lugar para reconvenção nem para ação declaratória incidental em

embargos de terceiro, tendo em vista o procedimento especial célere previsto para

os embargos.

Sem dúvida, o art. 1.053 do Código de Processo Civil revela a manifesta

inadmissibilidade de reconvenção e de ação declaratória incidental em sede de

embargos de terceiro, porquanto aquelas demandas pressupõem a adoção do

procedimento ordinário, enquanto os embargos de terceiro seguem procedimento

especial marcado pela celeridade, tendo em vista a combinação daquele preceito

com o art. 803 do Código de Processo Civil.

26. Exceções rituais

No que tange às exceções rituais, são admissíveis as exceções de

suspeição e de impedimento do juiz do processo dos embargos de terceiro. Não é

admissível, entretanto, exceção de incompetência, a qual só tem lugar diante de

incompetência relativa, incompatível com os embargos de terceiro, cuja

competência é funcional e, por consequência, absoluta.

27. Procedimento final

Após a citação e o decurso do prazo de contestação, os embargos de

terceiro seguem o célere procedimento padrão do processo cautelar, ex vi da

combinação do art. 1.053 com o art. 803, ambos do Código de Processo Civil.

448

448

Não contestados os embargos de terceiro, os fatos alegados pelo

embargante podem ser considerados verdadeiros, por força de ficção legal. À vista

da presunção relativa consagrada no art. 319, o juiz profere sentença desde logo.

Em contraposição, se o embargado contestar os embargos de terceiro

dentro do prazo do art. 1.048, o juiz, sem abrir vista para réplica, designa

audiência de instrução e julgamento, se necessária para a colheita de provas

adicionais. Em seguida, profere sentença, tudo nos termos do art. 803 do Código

de Processo Civil.

28. Sentença e ônus da sucumbência

Findo o processamento, os embargos de terceiro são julgados mediante

sentença, cuja natureza é controvertida na doutrina. A sentença de procedência

em embargos de terceiro repressivos tem natureza constitutiva (negativa988),

porquanto desfaz, desconstitui o ato judicial de apreensão indevida do bem do

terceiro. Já a sentença de procedência em embargos de terceiros preventivos tem

natureza condenatória, porquanto impõe obrigação de não fazer.

Resta estudar o problema dos honorários advocatícios nos embargos de

terceiro. Em homenagem ao princípio da causalidade, o Superior Tribunal de

Justiça aprovou o enunciado nº 303, in verbis: ―Em embargos de terceiro, quem

deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios‖. Daí

a possibilidade de o embargante vencedor ser condenado a pagar os honorários

advocatícios989.

988

De acordo, na doutrina: Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery. Código de Processo Civil comentado. 4ª ed., 1999, p. 1.347, nota 1 ao art. 1.046. 989

Cf. REsp nº 641.478/RS, 1ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 16 de abril de 2007, p. 168: ―Em se tratando de embargos de terceiro, deve o magistrado, na condenação dos ônus sucumbenciais, atentar-se aos princípios da sucumbência e da causalidade, pois há casos em que o embargante, embora vencedor na ação, é o responsável por seu ajuizamento, devendo sobre ele recair as despesas do processo e os honorários advocatícios. A respeito do tema, a Corte Especial editou a Súmula 303/STJ, consignando que ‗em embargos de terceiro, quem deu causa à constrição indevida deve arcar com os honorários advocatícios‘‖. ―Honorários. Hipótese em que, diante das peculiaridades do caso concreto e pela aplicação do princípio da causalidade, deverá o próprio embargante arcar com os honorários de seu advogado.‖ (REsp nº 165.332/SP, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 21 de agosto de 2000, p. 117). ―PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. SUCUMBÊNCIA. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. AUSÊNCIA DE CULPA DO CREDOR NA PENHORA. VERBA HONORÁRIA INDEVIDA. PRECEDENTES. DOUTRINA. RECURSO PROVIDO. I - Sem embargo do princípio da sucumbência, adotado pelo Código de Processo Civil vigente, é de atentar-se para

449

449

29. Apelação e efeitos

A sentença em embargos de terceiro desafia recurso de apelação, no prazo

de quinze dias, à vista dos arts. 508 e 513 do Código de Processo Civil.

O recurso apelatório produz tanto efeito devolutivo quanto efeito

suspensivo, porquanto incide a regra do caput do art. 520, e não a exceção do

inciso V, restrita aos embargos à execução. Daí a conclusão: a apelação

proveniente de embargos de terceiro tem efeitos devolutivo e suspensivo990. Por

conseguinte, se o processo originário foi suspenso quando da admissão da

petição inicial dos embargos de terceiro991, subsiste a suspensão até o julgamento

da apelação.

outro princípio, o da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo, ou ao incidente processual, deve arcar com os encargos daí decorrentes. II - Tratando-se de embargos de terceiro, imprescindível que se averigúe, na fixação dos honorários, quem deu causa à constrição indevida. III - O credor não pode ser responsabilizado pelos ônus sucumbenciais por ter indicado à penhora imóvel registrado no Cartório de Imóveis em nome dos devedores mas prometidos à venda aos terceiros-embargantes. A inércia dos embargantes-compradores, em não providenciar o registro do compromisso de compra e venda, deu causa à penhora indevida.‖ (REsp nº 264.930/PR, 4ª Turma do STJ, Diário da Justiça de 16 de outubro de 2000, p. 319). 990

De acordo, na jurisprudência: ―Processo civil. Embargos de terceiro. Efeitos da apelação. A apelação interposta contra sentença proferida em sede de embargos de terceiro deve ser recebida em seu duplo efeito.‖ (AG nº 643.347/SP – AGRG, 3ª Turma do STJ, Diário da Justiça eletrônico de 20 de novembro de 2008). ―Direito Processual Civil. Medida Cautelar. Embargos de Terceiro. Apelação Cível. Efeitos. A apelação cível interposta de sentença que rejeita ou acolhe embargos de terceiro deve ser recebida no duplo efeito. Inteligência do art. 520, 1ª parte, do CPC.‖ (MC nº 2003.00.2.008308-9, 2ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 14 de abril de 2004, p. 51). ―II - O Código de Processo Civil, em seu art. 520, I a VII, estabelece, taxativamente, os casos em que a apelação deverá ser recebida apenas no efeito devolutivo. Nesse rol não constam os embargos de terceiro, caso em que há de se aplicar a regra geral, esculpida no caput do mesmo artigo.‖ (AGI nº 2005.00.2.003639-7, 1ª Turma Cível do TJDF, Diário da Justiça de 6 de setembro de 2005, p. 96). ―1. Embargos de terceiro à execução de mandado possessório não acolhidos. 2. Recurso de apelação a ser recebido em ambos os efeitos.‖ (MSG nº 192.289, Câmara Cível do TJDF, Diário da Justiça de 13 de março de 1990, p. 1). 991

Cf. art. 1.052, primeira parte, do Código de Processo Civil.

450

450

CAPÍTULO XI – AÇÕES PENAIS

1. Nomen iuris

O Título XI do Decreto-lei nº 7.661 tinha a seguinte denominação: ―DOS

CRIMES FALIMENTARES‖. A Lei nº 11.101/2005, todavia, não prestigiou a

tradicional expressão. Com efeito, como os arts. 168 e seguintes versam sobre os

crimes cometidos não só no processo falimentar, mas também nos processos de

recuperação, aquela expressão não parece ser a melhor992. Na verdade, o

comando e o art. 1º da Lei nº 11.101 sugerem a adoção de nova terminologia, em

consonância com o disposto nos arts. 966 e seguintes do Código Civil de 2002.

Daí a explicação para a utilização da expressão ―crimes concursais empresariais‖

no presente compêndio.

2. Incidência subsidiária dos Códigos Penal e de Processo Penal

No que a Lei nº 11.101 for omissa, há a incidência subsidiária dos Códigos

Penal e de Processo Penal, aplicáveis também aos crimes concursais

empresariais, conforme revelam os arts. 182, 185 e 188 da Lei nº 11.101/2005.

3. Condição objetiva de punibilidade dos crimes empresariais

Ex vi do art. 180 da Lei nº 11.101, a existência de provimento judicial de

decretação da falência ou de concessão da recuperação (judicial, especial ou

extrajudicial) é condição objetiva para a punibilidade dos crimes concursais

empresariais.

4. Fase investigatória

992

A melhor doutrina (cf. Waldo Fazzio Júnior. Manual de direito comercial. 7ª ed., 2006, p. 671), entretanto, ainda prestigia a tradicional expressão ―crimes falimentares‖.

451

451

Intimado da decretação da falência ou da concessão da recuperação, o

Ministério Público tem a oportunidade de verificar a ocorrência de crime concursal

empresarial, quando deve requisitar a abertura de inquérito policial ou promover

desde logo a ação penal, se desnecessário o inquérito. Com efeito, o art. 187 da

Lei nº 11.101 revela que o inquérito policial é facultativo e pode ser requisitado

pelo Ministério Público, quando necessário.

Na verdade, em qualquer fase processual da falência ou da recuperação,

se surgir indício da prática de crime concursal empresarial, o juiz da falência ou da

recuperação deve intimar o Ministério Público, consoante determinam o art. 187, §

2º, da Lei nº 11.101/2005, e o art. 40 do Código de Processo Penal.

5. Natureza da ação penal

É pública incondicionada a ação penal adequada para os crimes concursais

empresariais (art. 184, caput); deve, portanto, ser ajuizada mediante denúncia do

Ministério Público, independente de representação.

6. Prazo para oferecimento da denúncia

O prazo para o oferecimento da denúncia pelo Ministério Público depende

da ocorrência de prisão, ou não. Se o réu estiver preso (por exemplo, com

fundamento no art. 99, inciso VII), o Ministério Público deve oferecer a denúncia

em cinco dias, da data do recebimento do inquérito policial (art. 187, § 1º, da Lei nº

11.101/2005, combinado com o art. 46 do Código de Processo Penal). Em

contraposição, se o réu estiver solto ou afiançado, o prazo para o oferecimento da

denúncia é de quinze dias, da data do recebimento do inquérito policial ou, se

preferir, da apresentação do relatório do administrador judicial, com exposição

circunstanciada (arts. 22, inciso III, alínea ―e‖, 186 e 187, § 1º, todos da Lei nº

11.101/2005).

7. Ação penal privada subsidiária

452

452

Decorrido in albis o prazo legal para oferecimento da denúncia pelo

Ministério Público, há a abertura da ação penal subsidiária em favor do

administrador judicial e de todos os credores habilitados no processo falimentar ou

recuperativo. Com efeito, trata-se de ação penal privada a ser oferecida mediante

queixa-crime do administrador judicial ou de qualquer credor habilitado. A queixa-

crime deve ser oferecida no prazo de seis meses do término do prazo ministerial,

sob pena de decadência (arts. 184, parágrafo único, e 187, § 1º, ambos da Lei nº

11.101/2005, combinados com o art. 46 do Código de Processo Penal).

8. Juízo competente: criminal

No que tange ao juízo competente para a ação penal por crime concursal

empresarial, tanto para a ação pública quanto para a ação privada subsidiária, a

competência é sempre do juízo criminal da mesma comarca na qual a falência foi

decretada ou a recuperação foi concedida (art. 183).

9. Indeferimento da denúncia ou da queixa

Na eventualidade do não-recebimento da denúncia (proveniente da ação

penal pública) ou da queixa-crime (proveniente da ação privada subsidiária) pelo

juiz criminal, cabe recurso em sentido estrito (art. 581, inciso I, do Código de

Processo Penal), no prazo de cinco dias (art. 586 do Código de Processo Penal),

com a possibilidade da apresentação das razões recursais nos dois dias

posteriores (art. 588 do Código de Processo Penal).

10. Sujeitos

Quanto aos sujeitos alcançados pela Lei nº 11.101/2005, além do

empresário individual, os sócios, diretores, gerentes, administradores e

conselheiros da sociedade empresária podem ser processados por crimes

empresariais. Não é só. O art. 179 estabelece que até mesmo o administrador

judicial pode ser processado por crime empresarial. Por fim, os contadores,

453

453

técnicos contábeis, auditores, outros profissionais e até mesmo credores que

concorrerem para as condutas criminosas também são passíveis de condenação

por crime concursal empresarial (arts. 168, § 3º, e 172, parágrafo único).

11. Penas

No que tange às penas, todos os crimes arrolados nos arts. 168 a 178

ensejam a condenação mediante imposição de multa. Em relação à pena restritiva

de liberdade, a regra é a reclusão (arts. 168 a 177); só o crime previsto no art. 178

dá lugar à detenção.

12. Efeitos da condenação

Além da pena principal imposta, também há os efeitos da condenação

criminal arrolados no art. 181 da Lei nº 11.101/2005: – a inabilitação para o

exercício da atividade empresarial; – o impedimento para o exercício de cargo ou

função em conselho de administração, diretoria ou gerência de sociedades

empresárias; – a impossibilidade gerir sociedade empresária por mandato ou por

gestão de negócio.

Não obstante, os efeitos arrolados no art. 181 não são automáticos,

porquanto o § 1º exige manifestação judicial e fundamentação explícitas na

sentença condenatória. Os efeitos previstos no art. 181 subsistem por até cinco

anos após a extinção da punibilidade, mas podem cessar antes na eventualidade

de reabilitação penal.

13. Prescrição

A prescrição dos crimes empresariais segue o disposto no Código Penal

(art. 182 da Lei nº 11.101/2005, combinado com os arts. 108 a 110 do Código

Penal).

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14. Início da contagem da prescrição

Sob a égide do Decreto-lei nº 7.661, de 1945, o Supremo Tribunal Federal

aprovou o enunciado nº 147, em relação ao início da contagem do prazo

prescricional: ―A prescrição de crime falimentar começa a correr da data em que

deveria estar encerrada a falência, ou do trânsito em julgado da sentença que a

encerrar ou que julgar cumprida a concordata‖.

Com o advento da Lei nº 11.101/2005, houve a modificação do termo inicial

do prazo prescricional dos crimes empresariais. Por força do art. 182, a prescrição

dos crimes começa a correr do dia da decretação da falência, da concessão da

recuperação judicial ou da homologação do plano de recuperação extrajudicial,

conforme o caso. Por conseguinte, o enunciado nº 147 da Súmula do Supremo

Tribunal Federal está superado, por ser incompatível com a Lei nº 11.101/2005.

15. Interrupção da prescrição

A Lei nº 11.101 indica apenas uma hipótese de interrupção da prescrição

dos crimes empresariais, qual seja, a prevista no parágrafo único do art. 182: ―A

decretação da falência do devedor interrompe a prescrição cuja contagem tenha

iniciado com a concessão da recuperação judicial ou com a homologação do plano

de recuperação extrajudicial‖. No mais, consoante orientação jurisprudencial

consolidada no enunciado nº 592 da Súmula do Supremo Tribunal Federal e no

verbete nº 13 do Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça de Minas

Gerais, as causas interruptivas da prescrição previstas no Código Penal também

incidem em relação aos crimes empresariais.

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