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1 DIREITOS DE PERSONALIDADE E DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CONTEXTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO *Denis Domingues Hermida O objetivo da presente pesquisa é apontar a forma como os direitos de personalidade e os direitos fundamentais de uma forma geral atuam na relação jurídica empregatícia, investigando os inexoráveis focos de tensão entre os direitos fundamentais do empregado e o exercício, pelo empregador, do poder diretivo como instrumento de exercício da livre iniciativa prevista na Constituição Federal de 1988. A leitura do tema será feita sob a ótica do direito positivo brasileiro atual. Objetivando o alcance do objetivo fixado, abordaremos os seguintes temas, diretamente concatenados: - Direitos Fundamentais e Direitos da Personalidade. Conceitos, características e princípios aplicáveis; - Os Direitos Fundamentais do Trabalhador - Os Direitos Fundamentais do Trabalhador e o Poder Diretivo do Empregador; Passamos, a seguir, à análise de cada um dos tópicos acima especificados: I- DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS DE PERSONALIDADE. CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E PRINCÍPIOS APLICÁVEIS Da análise doutrinária e jurisprudencial verifica-se que os termos “direitos fundamentais” e “direitos de personalidade” são utilizados com os mais variados significados, ora como sinônimos (identidade entre direitos fundamentais e direitos de personalidade), ora sob a relação classe/espécie (direitos da personalidade como espécie do classe dos direitos fundamentais). É importante, entendemos, com vistas, especialmente, à análise do tema proposto, fixarmos os conceitos de cada um desses institutos, bem como questionarmos se os mesmos encontram-se subordinados aos mesmos princípios.

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DIREITOS DE PERSONALIDADE E DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CONTEXTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO *Denis Domingues Hermida O objetivo da presente pesquisa é apontar a forma como os direitos de personalidade e os direitos fundamentais de uma forma geral atuam na relação jurídica empregatícia, investigando os inexoráveis focos de tensão entre os direitos fundamentais do empregado e o exercício, pelo empregador, do poder diretivo como instrumento de exercício da livre iniciativa prevista na Constituição Federal de 1988. A leitura do tema será feita sob a ótica do direito positivo brasileiro atual. Objetivando o alcance do objetivo fixado, abordaremos os seguintes temas, diretamente concatenados: - Direitos Fundamentais e Direitos da Personalidade. Conceitos, características e princípios aplicáveis; - Os Direitos Fundamentais do Trabalhador - Os Direitos Fundamentais do Trabalhador e o Poder Diretivo do Empregador; Passamos, a seguir, à análise de cada um dos tópicos acima especificados: I- DIREITOS FUNDAMENTAIS E DIREITOS DE PERSONALIDADE. CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E PRINCÍPIOS APLICÁVEIS Da análise doutrinária e jurisprudencial verifica-se que os termos “direitos fundamentais” e “direitos de personalidade” são utilizados com os mais variados significados, ora como sinônimos (identidade entre direitos fundamentais e direitos de personalidade), ora sob a relação classe/espécie (direitos da personalidade como espécie do classe dos direitos fundamentais). É importante, entendemos, com vistas, especialmente, à análise do tema proposto, fixarmos os conceitos de cada um desses institutos, bem como questionarmos se os mesmos encontram-se subordinados aos mesmos princípios.

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I.1. Direitos fundamentais. Conceito, gerações, características e princípios incidentes. Desde já afirmamos que utilizaremos a expressão “direitos fundamentais” como gênero onde se encontram os “direitos humanos” (sob o enfoque de direitos inerentes ao ser humano, independentemente da necessidade de qualquer positivação) e os “direitos fundamentais positivados” (direitos inerentes ao ser humano e que foram positivados pelo ordenamento jurídico vigente). Entendemos ser insuficiente, para fins conceituais, a simples afirmação de serem os direitos humanos um conjunto de direitos inerentes a todos os seres humanos, não podendo deles se desvincular. Buscamos uma raiz conceitual mais objetiva, sendo que encontramos tal qualidade no conceito de direitos fundamentais apresentado por Pietro de Jesús Lora Alarcón em sua obra “Patrimônio Genético Humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988” quando afirma que os direitos fundamentais são normas jurídicas que objetivam tutelar as mais diversas acepções do direito à vida. Estando vinculados à proteção da vida (humana, desde já especifica-se) os direitos fundamentais devem ser manter em constante evolução, vez que conforme evolui a sociedade, novos valores e necessidades se agregam ao elemento “vida”, surgindo novos direitos fundamentais, novas concepções de vida a serem protegidas. Se num primeiro momento falava-se somente em vida como integridade física, hoje, como veremos, o Direito trata de vida digna, vida social, vida privada, vida do ponto de vista genético etc1. A leitura da evolução do significado termo “vida” no Direito certamente nos fará compreender, com mais profundidade, o caráter dos direitos fundamentais, bem como as peculiaridades de cada uma das suas dimensões. I.1.1. A evolução do termo “vida” no Direito

O conceito que temos hoje de “vida” na Constituição Federal

de 1988 é produto da evolução da sociedade, não se restringindo ao conceito então pensado pelo Poder Constituinte Originário, mas se ampliando a cada dia.

Pietro de Jesús Lora Alarcón2 aponta a existência de 4(quatro)

acepções de “vida” na constituição de 1988, dividindo-as em “acepções tradicionais” e “acepção inovadora”.

O Autor apresenta como acepções “tradicionais”3 aquelas já

amplamente estudadas pela doutrina e já sedimentadas no mundo jurídico, quais sejam:

1 HERMIDA, Denis Domingues. As normas de proteção mínima da integridade física do trabalhador. São Paulo: LTr, 2007, p.28 2 ALARCÓN, Pietro de Jesús Lora. Patrimônio Genético Humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Método, 2004, p. 167-219. 3 Ibidem, p. 190-218.

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- a integridade física do ser humano; - o homem como sujeito livre e autodeterminado; - o homem como sujeito social.

E aponta Alarcón, como acepção “inovadora”4, a tutela da

vida humana a partir da ótica genética. Não podemos também deixar de observar que a doutrina também acrescenta entre as acepções inovadoras à tutela da vida, além da tutela pela ótica genética, também a tutela frente à cibernética e à informática, além da proteção em relação à globalização5.

É verdadeiro que todas essas acepções de vida não surgiram

ao acaso, mas foram resultados de um longo processo histórico em que foi se dilatando o conceito de vida e, conseqüentemente, viu-se a necessidade de uma proteção mais ampla pelo direito.

A proteção da vida humana é dialética, não se confundindo a

sua evolução com a do Direito e, particularmente, com a evolução do Direito Constitucional, o que se comprova examinando-se a preocupação da positivação constitucional, a partir da Magna Carta, passando pelas Declarações de Direitos por Constituições consideradas marcos na história jurídica do mundo com a Constituição soviética e a Constituição de Weimar, finalizando com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, com a proteção do direito à vida6. Pode-se até dizer que o conjunto positivado de liberdades e garantias forma o desdobramento do direito a viver, seja direito a existir, direito a conviver, ou direito a viver protegido dos impactos e choques do convulsionado mundo contemporâneo7.

Francisco Pedro Jucá, dissertando sobre os direitos

fundamentais do trabalhador, conceitua direitos fundamentais como um conjunto de direitos que, por sua natureza e papel desempenhado no contexto, servem de fundamento para a construção do ser qualificado como humano, isto é, aqueles sem os quais não se pode entender a condição humana desse ser8 e acrescenta, a respeito da variação do conteúdo do direito à vida no tempo, que:

“... os valores, especial e destacadamente o Justo, sobrepairam, integram o universo fundamentalmente da organização cultural da sociedade, pertinindo ao seu imaginário, ao seu caldo de cultura como categoria ideal e, em razão disto, serve de referência a matriz na formulação das normas de conduta que são obrigatórias aos membros daquela comunidade, na medida em que estas normas buscam, com maior ou menor fidelidade, materializar, como representação,

4 Ibidem, p. 219-240. 5 Arion Sayão Romita, Direitos fundamentais nas relações de trabalho, p. 107-117. 6 Pietro de Jesús Lora Alarcón, op.cit .p.85. 7 Idem. 8 Os direitos individuais fundamentais do trabalhador. In : Amauri Mascaro Nascimento (coord.), A

transição do direito do trabalho no Brasil, p. 264.

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este valor nas suas repercussões e rebatimentos às necessidades da vida social.”9 Temos, pois, o conceito de direitos fundamentais como sendo

o conjunto de normas jurídicas que têm por objetivo a proteção do direito à vida em todas as suas acepções absorvidas pelo direito, contendo no seu antecedente normativo a descrição abstrata de um comportamento, obrigatório, proibido ou permitido, que realiza a proteção do direito à vida.

Passamos, agora, a analisar tal evolução semântica da vida em

seu tratamento jurídico, esclarecendo que a abordagem será aquela suficiente à delimitação e compreensão da matéria específica objeto dessa dissertação, não se pretendendo traçar minúcias ou reflexões aprofundadas a respeito de cada uma das gerações de direitos fundamentais.

I.1.1.1. A proteção da integridade física do ser humano Inicialmente, cultuava-se a manutenção da existência humana,

proibindo-se a interrupção do processo vital, isto é, da vida biológica. Nesse momento, a acepção jurídica de vida tem relação de identidade como “existência biológica”.

Como afirma Marconi do Ó Catão, o significado de

“integridade física”, que também é denominada de “direito à vida”, “direito à integridade corporal” e “direito à saúde”, refere-se à completude ou perfeição, ou seja, o que não sofreu redução e é suscetível de se manter íntegro ou de se desenvolver normalmente, porque está ileso, logo, o bem da integridade física é definido como lado de ser físico da pessoa, perceptível mediante os sentidos, estando esse bem na hierarquia dos bens mais elevados, o bem da vida10.

É de inequívoca relevância para o ser humano o direito à

integridade física, através do qual se protege a incolumidade do corpo e da mente, por meio da conservação da higidez física e da lucidez mental da pessoa, opondo-se a qualquer ato que venha a comprometê-las e, assim, condenam-se os atos contra a integridade física, rejeitando-se, social e individualmente, lesões causadas à normalidade funcional do corpo humano, sob os pontos de vista anatômico, fisiológico e psíquico11.

Assim, entendemos como integridade física a manutenção da

anatomia (forma e estrutura dos elementos que compõem o corpo humano12), da 9 Ibidem, p. 266. 10 Biodireito: transplante de órgãos e direitos de personalidade, p. 168-169. 11 Ibidem, p. 168. 12 Antonio Houaiss (coord.), Houaiss Dicionário da Língua Portuguesa.

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fisiologia (processos físico-químicos que ocorrem nas células, tecidos, órgãos e sistemas e que são responsáveis pelo funcionamento normal dos seres humanos13) e da psique (estrutura mental ou psíquica do ser humano14) humanos, sendo que a ofensa à integridade física humana recebe o nome de “lesão corporal”, conceituada por Delton Croce e Delton Croce Júnior como “qualquer dano ocasionado à normalidade do corpo humano, quer do ponto e vista anatômico, quer do fisiológico ou mental”15.

Quanto às formas de ofensa à integridade física humana, a

medicina legal utiliza o termo “ofensa à integridade física” para os danos de natureza anatômica e “ofensa à saúde” para danos fisiológicos e mentais, como destaca o clássico magistério da medicina legal de Almeida Júnior e J.B. de Oliveira Costa Júnior:

“A ofensa à integridade corporal objetiva-se pelo dano anatômico : escoriação, equimose, ferida incisa, ferida lácero-contusa, ferida penetrante, luxação, fratura, cicatriz, mutilação, amputação, etc. Existe lesão, ainda que ao dano anatômico não corresponda a nenhum dano funcional, como pode suceder no caso de escoriações ou de equimoses (...) A ofensa à saúde se expressa mediante perturbações funcionais: alterações na sensibilidade geral ou específica, na motricidade, nas funções vegetativas (digestão, respiração, circulação, excreções), atividade sexual, no psiquismo. As perturbações funcionais às vezes alcançam intensidade e duração suficiente para caracterizar uma doença. Existe lesão mesmo que o dano funcional não acompanhar-se de alteração anatômica (como em perturbações mentais provindas de traumas psíquicos).”16 No que tange à integridade mental, este é um dos direitos da

personalidade, impondo a todos o dever de respeitar a estrutura psíquica de outrem, seja por ações diretas ou indiretas, seja em tratamentos psicológicos, seja, ainda, em atos repressivos, sendo preciso resguardar os componentes identificadores da estrutura interna da pessoa, suas convicções, idéias, modo de pensar etc, de forma que a ofensa à integridade psicofísica representa muitas variações, por abranger gravame à saúde, à estética, à mente, entre outros17.

A importância da integridade física do ser humano é

indiscutível, vez que é através do corpo humano, formado de aparelhos, sistemas, tecidos e células que o estruturam18, que a pessoa humana realiza a sua missão no 13 Idem. 14 Idem. 15 Manual de Medicina Legal, p. 115. 16 Lições de medicina legal, p. 221. 17 Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito, p. 160-161. 18 Marconi do Ó Catão, op. cit.,, p. 174.

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mundo fático19, que atua no mundo corpóreo, deixando a sua marca e realizando o seu destino.

I.1.1.2. Os direitos fundamentais de primeira geração Em especial após a revolução francesa, passou o conceito

jurídico de vida a agregar a característica de autodeterminação humana, de liberdade. A partir daí, a vida somente é integral quando se tem liberdade. Surgiu, então, a necessidade de se especificar aquilo que é de domínio público e o que é de domínio privado, regulando-se o quantum que o Estado pode interferir na particularidade humana, na liberdade do cidadão. Surgem daí os direitos fundamentais de primeira geração20. A autodeterminação do homem, transladada especialmente para a “liberdade de contratar”, era vista como uma forma de “igualar” os homens. Isto é, somente seriam iguais aqueles que possuíssem liberdade.

Trata-se de uma acepção que, à época, compatibilizava-se

com o sistema liberal que preconizava, fundamentalmente, a liberdade individual, prendendo-se à idéia de que o poder central deve se afastar de tudo aquilo que não seja essencial para manter os direitos individuais do ser humano, passando a ter importância o indivíduo e o individualismo, a liberdade e a propriedade21, como narra Manoel Gonçalves Ferreira Filho:

“ Desde a revolução de 1789, o regime constitucional é associado à garantia dos direitos fundamentais. Não é ocioso recordar que a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (art. 16) condicionou à proteção dos direitos individuais a própria existência da Constituição.

Tal exagero tinha uma significação profunda. Indicava em alto e bom som o objetivo do governo em prol da Constituição escrita, qual seja, o estabelecimento em favor do indivíduo de uma esfera autônoma de ação, delimitando assim

19 Carlos Alberto Bittar, Os direitos da personalidade, p. 78. 20 A doutrina costuma utilizar-se das expressões “geração” e “dimensão” para caracterizar cada uma das

acepções jurídicas da “vida”. Trata-se de expressões já consolidadas, motivo pelo qual as utilizamos no presente trabalho, sem, entretanto, deixar de enfatizar a existência de alguma polêmica quanto à utilização das mesmas, como aponta Aryon Sayão Romita, que prefere adotar as expressões “famílias”, “naipes” ou “grupos” de direitos fundamentais, sob a argumentação de que “Usual é o emprego do vocábulo gerações para designar as famílias (naipes ou grupos) de direitos fundamentais. Não se trata, porém, de gerações, estas se sucedem com o passar do tempo, umas tomam o lugar das outras. Não é o que ocorre, porém, com os direitos fundamentais. A revelação dos direitos de determinado naipe não faz desaparecer os anteriores. Os diferentes grupos de direitos fundamentais existem simultaneamente, concomitantemente, sendo impensável a supressão dos direitos de primeira e segunda “gerações” pelo fato de se revelar uma terceira “geração”. E acrescenta o Sayão Romita que não se justifica a denominação “dimensões”, vez que a mesma só adquire legitimidade quando alusiva a certo e determinado direito, mas se revela imprópria para designar os grupos de direitos fundamentais. Cf. Arion Sayão Romita, op. cit. p. 89-90.

21 João Marcos Castilho Morato, Globalismo e Flexibilização Trabalhista, p. 17-20.

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o campo de interferência legítima do Estado com qualquer um.”22 A vida, nesse momento histórico, reiteramos, era vista como

sinônimo de liberdade, como sinônimo de limitação da atuação estatal sobre o homem, agora considerado como “cidadão”, como ensina Francisco Teixeira, citado por João Marcos Castilho Morato:

“O Estado não pode violar estes direitos. Ao contrário,

deve reconhecê-los e assegurar o seu exercício por cada indivíduo. Isto transforma o indivíduo em um cidadão, na medida em que ele é reconhecido como portador de direitos e pode, assim, cobrar do Estado a liberdade de exercê-los contra todo e qualquer poder arbitrário imposto a ele sem seu consentimento.”23

I.1.1.3. Os direitos fundamentais de segunda geração

Quando da Revolução Industrial, no início do século XX,

surgiu a visão de necessidade de manutenção da subsistência do Homem, agregando-se ao conceito jurídico de vida a “vida com qualidade”, a vida com dignidade, a necessidade de intervenção do Estado nas relações jurídicas no sentido de tentar igualar os pólos diversos dessas relações, municiando o hipossuficiente24 de condições para se manter socialmente vivo. Dessa necessidade surgem os direitos fundamentais de segunda geração.

O panorama vivido durante a revolução industrial destacava-

se pela exploração do ser humano. A introdução da máquina a vapor e dos modernos sistemas de produção em série, com a redução do número de trabalhadores na planta das fábricas e conseqüente aumento do desemprego, criou um horizonte perfeito para a exploração da mão-de-obra, bem descrito por Sebastião Geraldo de Oliveira:

“ A Revolução Industrial veio alterar o cenário e gerar

novos e graves problemas. O incremento da produção em série deixou à mostra a fragilidade do homem na competição desleal com a máquina; ao lado dos lucros crescentes e da

22 Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de Direito Constitucional, p. 286. 23 Op. cit. p. 19. 24 O termo “hipossuficiente” é aqui utilizado para designar a classe genérica formada pelas pessoas que, por

questões econômicas, sociais ou culturais possuem, em determinadas relações jurídicas, inferioridade em relação a outras pessoas que ocupam pólo oposto da relação, cuja superioridade lhes permite impor unilateralmente cláusulas contratuais, que o hipossuficiente não tem condições de discutir, cabendo-lhe aceitá-las ou recusá-las em bloco. Cf. Luiz de Pinho Pedreira da Silva, Principiologia do Direito do Ttrabalho, p.22-24.

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expansão capitalista aumentavam paradoxalmente a miséria, o número de doentes e mutilados, dos órfãos e das viúvas, nos sombrios ambientes de trabalho.

Contando com a sorte ou com o instinto de sobrevivência, cabia ao próprio trabalhador zelar pela sua defesa diante do ambiente de trabalho agressivo e perigoso, porque as engrenagens aceleradas e expostas das engenhocas de então estavam acima da saúde ou da vida “desprezível” do operário. Segundo as concepções da época (o laissez-faire), os acidentes, as lesões e as enfermidades eram subprodutos da atividade empresarial e a prevenção era incumbência do próprio trabalhador.”25 O homem, frente ao capitalismo já bastante

desenvolvido e munido pelas diretrizes do sistema liberal, via-se como mero “instrumento de produção”, num cenário onde as máquinas, os bens produzidos e os lucros dos detentores dos meios de produção tinham valor superior à própria vida humana.

A tão batalhada liberdade contratual, fruto em especial da

Revolução Francesa, tornou-se uma arma contra o próprio homem. A doutrina do laissez-faire26, com a não intervenção estatal nos contratos, transformou-se no punhal que levava o ser humano à sua própria destruição, exposto a condições de trabalho degradantes, como relata o saudoso Orlando Teixeira da Costa:

“Com a invenção da máquina, a ferramenta que era

usada pelo trabalhador foi por ela substituída, daí decorrendo a concentração dos meios de produção, principalmente no setor industrial. Ao mesmo tempo em que se operava essa mudança, a produção aumentava e barateava, desestimulando as atividades meramente artesanais, o que resultou na privação dos instrumentos de trabalho dos antigos artesãos, pois o custo da maquinaria só se tornou acessível a quem podia dispor de capital acumulado ou associado. Concomitantemente, os proprietários das máquinas só puderam operá-las recrutando a mão-de-obra indispensável. Como, entretanto, ela era abundante, a contratação passou a ser feita a preço vil, pois sujeita à lei da oferta e da procura, em que o trabalho humano é visto como uma mercadoria. As condições e os locais de trabalho, outrossim, eram os piores possíveis, o que implicava em verdadeira afronta à

25 Proteção jurídica à saúde do trabalhador, p. 62-63. 26 Doutrina alimentada pelo liberalismo, cujo precursor foi Adam Smith, e que tinha como premissa que a

busca do auto-interesse pelos indivíduos (individualismo) beneficiaria a todos (coletividade), pregando que a liberdade do mercado, afastada a intervenção do Estado nas relações jurídicas de direito privado, produziria o bem-estar de todos.

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dignidade da pessoa humana do trabalhador. Com isso, o nível de vida do obreiro baixou a níveis nunca antes atingidos. A tudo isso o Estado assistia impassível, como mero espectador encarregado de manter a ordem quando necessário, pois o seu papel resumia-se a garantir o livre exercício da economia, segundo os padrões liberais vigentes na época.” 27 A diferença de poderes econômico, político e cultural entre as

partes componentes da relação de trabalho era um despropósito. O trabalhador, hipossuficiente, passou a viver à mercê da vontade do empregador.

Nascia, na terceira década do século XX, em razão da

necessidade de solucionar tal desequilíbrio nas relações laborais, o Estado Social em substituição ao Estado Liberal, sendo que o advento desse novo modelo de Estado, identificado doutrinariamente como Estado Social de Direito, iniciou-se em virtude dos narrados acontecimentos políticos, sociais e econômicos e tinha entre suas funções a intervenção do Estado na relação jurídica trabalhista, fixando direitos mínimos aos trabalhadores, buscando equilibrar o vínculo entre os cidadãos trabalhadores e os detentores dos meios de produção28. Segadas Vianna narra com detalhes a queda do modelo liberal:

“ O sistema liberal, que se julgava construído sobre o subjetivismo dos direitos individuais, ‘começou a perder em altanaria e em importância à medida que se ia escoando o momento político e econômico em que fora possível a sua formação, combatido por uma nova realidade que se desenvolvera, e uma realidade onde já não achava apoio a antiga doutrina’. Se o liberalismo (...) não é, por si só, gerador de desigualdade, é certo entretanto que, graças a ele, e à sua sombra, havia sido cometidos os maiores abusos dos fortes contra os fracos, havido sido anulada a liberdade, e o próprio Estado, em vez de simples assistente dos acontecimentos, passara, sob o domínio do capitalismo, a ser um instrumento de opressão contra os menos favorecidos. A afirmação de Palacios definia bem o que sucedera: “A liberdade sem freios será a causa da brutalidade e da usurpação se há desigualdade nas forças individuais”, e reafirmava o preceito de Lacordaire: “Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, é a liberdade que escraviza, é a lei que liberta”.”29

27 O direito do trabalho na sociedade moderna, p. 18-19. 28 Pietro de Jesús Lora Alarcón, op. cit. p. 78-79. 29 Arnaldo Süssekind et al, Instituições de direito do trabalho, p. 36.

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Como expõe Maurício Godinho Delgado - destacando essa nova visão de proteção do direito à vida tem origens em fatores econômicos, sociais e políticos- :

“ Do ponto de vista econômico, são fatores que propiciaram as condições favoráveis (...): de um lado, a utilização da força de trabalho livre mas subordinada como instrumento central da relação de produção pelo novo sistema produtivo emergente; de outro lado, a circunstância de esse novo sistema produtivo também gerar e desenvolver uma distinta modalidade de organização do processo produtivo, a chamada grande indústria. Essa nova modalidade suplantou as formas primitivas de organização da produção, consubstanciadas no artesanato e na manufatura (...) Do ponto de vista social, são fatores (...) : a concentração proletária nas sociedades européia e norte-americana em torno das grandes cidades industriais; o surgimento de uma inovadora identificação profissional entre as grandes massas obreiras, a partir de um mesmo universo de exercício de sua força de trabalho – universo consubstanciado no estabelecimento ou empresa. Finalmente, do ponto de vista político, são fatores que conduziram ao surgimento do Direito do Trabalho as ações gestadas e desenvolvidas no plano da sociedade civil e do Estado, no sentido de fixar preceitos objetivos para a contratação e gerenciamento da força de trabalho componente do sistema produtivo então estruturado.”30

I.1.1.4. Direitos fundamentais de terceira geração

Os avanços tecnológicos, com a maior capacidade do homem de intervir na natureza, explorando-a, juntamente com uma realidade retratada pela irresponsabilidade do homem em seu ato de exploração dos recursos naturais fez com que surgisse a preocupação com a proteção da própria humanidade, uma proteção que tem por objetivo a manutenção da existência humana, mas não somente sob um referencial individual, mas sob toda a humanidade. Surgem dessa nova preocupação os direitos fundamentais de terceira geração, conforme descrito por José Francisco Rezek:

“ Vieram a qualificar-se como de “segunda geração” os direitos econômicos, sociais e culturais de que cuida a parte final da Declaração de 1948. A idéia contemporânea dos direitos humanos de “terceira geração” lembra o enfoque dado à matéria pelos teóricos marxistas,

30 Maurício Godinho Delgado, Curso de direito do trabalho, p. 87-88.

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pouco entusiasmados com o zelo – alegadamente excessivo – por direitos individuais, e propensos a concentrar sua preocupação nos direitos da coletividade a que pertença o indivíduo, notadamente no plano do desenvolvimento sócio-econômico. Vanguardas do pensamento ocidental alargam o horizonte desses direitos humanos societários, trazendo à mesa teses novas, como a do direito à paz, ao meio ambiente, à co-propriedade do patrimônio comum do gênero humano. O problema inerente a esses direitos de terceira geração é, como pondera Pierre Dupuy, o de identificar seus credores e devedores. Com efeito, quase todos os direitos individuais de ordem civil, política econômica, social e cultural são operacionalmente reclamáveis, por parte do indivíduo, à administração e aos demais poderes constituídos em seu Estado patrial, ou em seu Estado de residência ou trânsito. As coisas se tornam menos simples quando se cuida de saber de quem exigiremos que garanta nosso direito ao desenvolvimento, à paz ou ao meio ambiente.”31 Os direitos fundamentais de terceira geração ainda se

encontram em fase de maturação e têm como referência a proteção de direitos denominados metaindividuais, isto é, aqueles que transcendem o indivíduo isoladamente considerado32, que excedem o âmbito estritamente individual mas não chegam a constituir interesse público, onde se incluem os direitos difusos – que são os interesses de grupos menos determinados de pessoas, entre as quais inexiste vínculo jurídico muito preciso33-, coletivos - que compreendem direitos de uma categoria determinada, ou pelo menos determinável de pessoas34 - e individuais homogêneos - que decorrem de uma origem comum35, compreendendo os integrantes determinados ou determináveis de grupo, categoria ou classe de pessoas que compartilhem prejuízos divisíveis, oriundos das mesmas circunstâncias36 - .

Como afirma Vasak, citado por Lora Alarcón37, são

identificados cinco direitos chamados de fraternidade, ou de terceira geração, a saber: o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.

31 Direito internacional público : curso elementar, p. 222-223. 32 Rodolfo de Camargo Mancuso, Interesses difusos: conceito e legitimação para agir, p. 22. 33 Ibidem, p. 21. 34 Idem. 35 José Geraldo Brito Filomeno, Manual de direitos do consumidor, p. 39. 36 Hugo Nigro Mazilli, A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor e outros

interesses difusos e coletivos, p.6. 37 Op. cit. p. 80.

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I.1.1.5. As mais novas gerações de direitos fundamentais e o atual conceito constitucional de direito à vida

A doutrina aponta, atualmente, para a existência de mais três espécies de direitos fundamentais, que são os de quarta, quinta e sexta gerações.

No que tange aos direitos fundamentais de quarta geração, as mais recentes descobertas na área da biologia, mais especificamente no campo da genética, com as conseqüentes preocupações quanto à forma como o homem pode intervir no patrimônio genético humano, à problemática do direito de privacidade e aos efeitos da publicidade do patrimônio genético de determinado ser humano, a forma como o direito deve tutelar as novas formas de “geração” de seres humanos, entre outros assuntos ligados à biotecnologia38, levaram a mais uma ampliação do conteúdo jurídico da “vida”, agregando-lhe o caráter genético39. Daí surge mais uma geração de direitos fundamentais, a quarta geração.

Como direitos fundamentais de quinta geração, temos os

direitos relacionados à proteção da vida frente à utilização dos conhecimentos fornecidos pela cibernética e pela informática, compreendendo-se cibernética como a ciência que objetiva o estudo comparativo dos sistemas e mecanismos de controle automático, regulação e comunicação nos seres vivos e nas máquinas e a informática como o conjunto de conhecimentos científicos e técnicos que possibilitam o tratamento automático da informação por meio de equipamentos e procedimentos da área de processamento de dados (computadores e programas)40.

Sob a denominação de “direitos fundamentais de 6ª geração”,

temos a proteção do ser humano frente aos efeitos decorrentes da globalização, envolvendo os direitos à democracia, à informação correta e ao pluralismo (sociedade composta de vários grupos ou centros de poder)41.

Essa visão, de certa forma cronológica, do surgimento dos

direitos fundamentais nos possibilita não só a constatação de que todas as denominadas “gerações” de direitos fundamentais têm como origem a ampliação do conteúdo de “vida” para o direito e, consideradas globalmente, levam-nos à conclusão sobre o atual conteúdo constitucional de vida.

Em suma, o atual conceito constitucional de vida abrange as

seguintes concepções: integridade física do ser humano e os direitos fundamentais de primeira, segunda, terceira, quarta, quinta e sexta gerações.

38 Biotecnologia é conceituada como o conjunto de tecnologias que usam transferência de genes entre seres

vivos (microrganismos, plantas ou animais) nos processos industriais. Cf. Sérgio Olavo Pinto da Costa. Glossário de biotecnologia – 2004.

39 Pietro de Jesús Lora Alarcón, op. cit. p. 87-100. 40 Arion Sayão Romita, op. cit., p. 107-108. 41 Ibidem, p. 110-116

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E aqui ressaltamos mais uma delimitação material da presente

pesquisa, que focará especificamente a manutenção da vida como integridade física, analisando os limites materiais da negociação coletiva de trabalho frente às normas jurídicas estatais que têm por objetivo zelar pela manutenção da anatomia (forma e estrutura dos elementos que compõem o corpo humano), da fisiologia (processos físico-químicos que ocorrem nas células, tecidos, órgãos e sistemas que são responsáveis pelo funcionamento normal dos seres humanos) e da psique (estrutura mental ou psíquica do ser humano) do ser humano trabalhador. I.1.2. Os princípios incidentes na atuação da proteção jurídica ao bem “vida” Na atuação da proteção constitucional à “vida”, muitos choques são presenciados, alguns acontecem com outros bens juridicamente tutelados (com normas jurídicas que protegem outros bens jurídicos que não a vida diretamente), outros em relação ao próprio direito à vida (choques entre direitos fundamentais), seja de mais de um indivíduo42, seja de um mesmo indivíduo43.

São necessárias referências que dirijam o intérprete na solução desses choques de interesses jurídicos que deverão ser enfrentados no desenvolvimento dessa dissertação. Daí fazermos uso dos princípios, institutos esses que, como ensina Paulo César Conrado, são utilizados, no campo da Ciência do Direito, para denotar as diretrizes que iluminam a compreensão de setores normativos (mais ou menos abrangentes, segundo o caso), imprimindo-lhes caráter de unidade e servindo, em virtude dessa mesma unidade, de fator de agregação das normas integrantes dos apontados setores 44.

E o conceito apresentado por Paulo César Conrado, a despeito

de tratar especificamente de princípios jurídicos, compatibiliza-se, em seu âmago, com a definição genérica de princípio como sendo sinônimo de começo, de primeiro, de inaugural, de estrutura.

Luiz Alberto David Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior apontam que os princípios são regras-mestras dentro do sistema positivo, devendo ser identificados dentro da Constituição de cada Estado as estruturas básicas, os fundamentos e os alicerces desse sistema e que, realizando tais identificações,

42 Adotamos a expressão “choque entre direitos fundamentais de mais de um indivíduo” para nos referirmos à

situação em que direitos fundamentais de pessoas diferentes entram em choque em determinada situação concreta.

43 Adotamos a expressão “choque entre direitos fundamentais de um mesmo indivíduo” para referência à situação concreta de conflito entre gerações de direitos fundamentais de uma pesa pessoa .

44 Paulo César Conrado, Introdução à Teoria Geral do Processo Civil, p.25.

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estaremos identificando os princípios constitucionais45. E Carlos Ari Sundfeld, por sua vez, entende que os princípios são idéias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se46. Quanto à importância dos princípios, interessante a lição de Lenio Luiz Streck no sentido de que os princípios constitucionais assumem importância ímpar no Estado Democrático de Direito, sendo a própria condição de possibilidade da Constituição porque conformadores do seu núcleo político, naquilo que se denomina no contemporâneo constitucionalismo da relação de pertinência entre as normas47.

Para o objeto desta dissertação, que confrontará em várias

oportunidades a vida como integridade física com outros bens, em especial com os bens econômicos e as conseqüências do direito de propriedade, necessário é o estudo do princípio da dignidade da pessoa humana, do princípio da primazia do direito à vida e do princípio da concordância prática ou da harmonização.

I.1.2.1. O princípio da dignidade da pessoa humana Não se pode, logo de início, deixar de destacar a importância

do princípio da dignidade da pessoa humana na estrutura constitucional do Estado Brasileiro, definido como Estado Democrático de Direito pelo artigo 1o da CF/88, que aponta em seu inciso III a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.

A qualidade de “fundamento” da República Federativa do

Brasil só pode verdadeiramente ser valorizada quando buscamos o real significado do termo “fundamento” que, segundo Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, é “base, alicerce, razões em que se funda, razão, motivo”48.

Assim, não há como se admitir, seja política, seja

juridicamente, qualquer ato jurídico49 no Brasil que não cumpra o requisito de 45 Op. cit., p.59. 46 Fundamentos de direito público, p. 137. 47 Lenio Luiz Streck, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica – Uma nova crítica do Direito, p. 413. 48 Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, Minidicionário da Língua Portuguesa, p. 264. 49 Sobre o conceito de ato jurídico, Marcos Bernardes de Mello afirma existirem os conceitos lato sensu e

stricto sensu de ato jurídico, aquele como sendo “o fato jurídico cujo suporte fático tenha como cerne uma exteriorização consciente de vontade, dirigida a obter um resultado juridicamente protegido ou não-proibido e possível” e este como “fato jurídico que tem por elemento nuclear do suporte fático manifestação ou declaração unilateral de vontade cujos efeitos jurídicos são prefixados pelas normas jurídicas e invariáveis, não cabendo às pessoas qualquer poder de escolha da categoria jurídica ou de estruturação do conteúdo das relações jurídicas respectivas” ( Cf. Marcos Bernardes de Mello, Teoria do fato jurídico, p. 115 e 135). Custódio da Piedade Ubaldino Miranda esclarece que quando se fala em ato jurídico sem qulquer outra designação complementar, tanto se pode querer significar uma simples atuação da vontade, um comportamento de que resultam certos efeitos jurídicos por exclusiva obra da lei, ainda

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reconhecer e proteger a dignidade da pessoa humana e, partindo-se do princípio de que o funcionamento estatal não depende exclusivamente dos atos da administração pública, todos os atos dos cidadãos, em especial os caracterizados pela intersubjetividade (onde age o direito), devem, da mesma forma, zelar pela dignidade da pessoa humana.

A previsão do princípio da dignidade da pessoa humana nas

Constituições é tendência que tomou força no período pós-segunda guerra mundial, como forma de responder às atrocidades nazistas que até hoje marcam a consciência humana, como uma das maiores marcas da nocividade do homem contra o seu semelhante.

Aponta Edílson Pereira Nobre Júnior que, na atualidade, pauta

a tendência dos ordenamentos o reconhecimento do ser humano como o centro e o fim do Direito. Essa inclinação, reforçada depois da traumática barbárie nazi-fascista, encontra-se plasmada pela adoção, à guisa de valor básico do Estado Democrático de Direito, da dignidade da pessoa humana50. Mesmo ponto é ratificado por Ingo Wolfgang Sarlet no sentido de que apenas ao longo do século XX e, ressalvada uma ou outra exceção, tão somente a partir da Segunda Guerra Mundial, a dignidade da pessoa humana passou a ser reconhecida expressamente nas Constituições, notadamente após ter sido consagrada pela Declaração Universal da ONU de 194851.

Essa informação histórica é bastante relevante para

constatarmos que a proteção da dignidade da pessoa humana surge como uma resposta ao estigma da destruição humana patrocinada pelo nazismo, o que influenciará por demais quando da conceituação do princípio em discussão.

Atualmente, ganha vulto no mundo a importância da pessoa

humana – expressão que melhor evoca os valores éticos do que os termos indivíduo, cidadão, homem – como categoria filosófica porque muitas vezes é o próprio valor do ser humano que está sendo posto em causa. Assim, a pessoa humana é hoje considerada como o mais notável, senão raiz, de todos os valores, devendo, por isso mesmo e dentro de uma visão antropocêntrica, ser o objetivo final da norma jurídica, ser a base do direito, revelando, assim, critério essencial para conferir legitimidade a toda ordem jurídica52.

que o seu autor os não tenha querido ou previsto, como se pode querer significar o negócio jurídico, que consiste numa declaração que exterioriza um certo conteúdo de vontade e mediante a qual o seu autor se propõe obter determinados efeitos que a lei dota de juridicidade (Cf. Custódio da Piedade Ubaldino Miranda, Teoria geral do negócio jurídico, p. 21-22). Esclarece-se também que nesse trabalho utilizamos o termo ato jurídico tanto como ato jurídico lato sensu, quanto como ato jurídico stricto sensu ou negócio jurídico, envolvendo não só atos de particulares, como também os estatais, inclusive aqueles referentes à produção normativa.

50 O Direito brasileiro e o princípio da dignidade da pessoa humana, passim. 51 Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988, p. 65. 52 José Cabral Pereira Fagundes Júnior, Limites da ciência e o respeito à dignidade humana. In: Maria

Celeste Cordeiro Leite Santos, Biodireito: ciência da vida, os novos desafios, p. 271.

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Se de um lado é incontestável a importância do princípio da

dignidade da pessoa humana, de outro há que se destacar a abstração que circunda o conceito desse instituto, principalmente porque o artigo 1o da CF/88, a despeito de introduzi-lo como fundamento da República Federativa do Brasil, não apresenta o seu conceito, deixando ao intérprete essa função.

Aliás, esse modelo de omissão é adotado pelos Constituintes

de vários Estados. Para tal, basta leitura do artigo 3o da Constituição da República Italiana (“Tutti i cittadini hanno pari dignitá sociale e sono eguali davanti allá lege...53”), do artigo 1o da Constituição da República Portuguesa (“Portugal é uma República soberana, baseada, entre outros valores, na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”), do artigo 1º, item 1, da Constitução Alemã (“Die würde des Menschen ist unantastbar. Si zu achten and zu schützen ist verpflichtung aller staalichen Gewalt”54) e do artigo 10, item 1, Constituição Espanhola (“La dignidad de la persona, los derechos inviolables que le son inherentes, el libre desarrollo de la personalidad, el respeto a la ley y a los derechos de los demás son fundamento del orden político y de la paz sociale”55) 56.

Nesse sentido, cabe ao intérprete da constituição a busca do

real conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, não sendo fácil tal missão ante a polissemia da expressão ‘dignidade da pessoa humana’. Fernando Ferreira dos Santos apresenta a existência de 3(três) concepções da dignidade da pessoa humana : o individualismo, o transpersonalismo e o personalismo, com as seguintes características57 : O individualismo caracteriza-se pelo entendimento de que cada homem, cuidando dos seus interesses, protege e realiza, indiretamente, os interesses coletivos. Seu ponto de partida é, portanto, o indivíduo. Trata-se de uma concepção liberalista (individualismo burguês), onde os direitos fundamentais seriam inatos e anteriores ao Estado e impostos como limites à atividade estatal. Por essa concepção, interpretar-se-á a lei com o fim de salvaguardar a autonomia do indivíduo, preservando-o da autonomia do Poder Público. Num conflito entre o indivíduo e o Estado, privilegia-se o indivíduo. O transpersonalismo é uma concepção oposta ao individualismo, defendendo que é realizando o bem de todos que se salvaguardam os interesses individuais. Inexistindo harmonia espontânea entre o bem do indivíduo 53 Tradução nossa: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são protegidos perante a lei.”. 54 Tradução nossa: “A dignidade do ser humano é intangível. Todos os poderes públicos têm a obrigação de

a respeitar e a proteger.”. 55 Tradução nossa: “A dignidade da pessoa humana, os direitos invioláveis que lhe são inerentes, o livre

desenvolvimento da personalidade, o respeito pela lei e pelos direitos dos outros são fundamentos da ordem política e da paz social.”.

56 Os textos de Constituições estrangeiras transcritos foram extraídos do site <www.planalto.gov.br.>Acesso em: 07-12-2005

57 Princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, passim

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e o bem do todo, devem prosperar, sempre, os valores coletivos. Nega-se, por essa concepção, a pessoa humana como valor supremo, afirmando-se que a dignidade da pessoa humana é realizada no coletivo. Tem como conseqüência a tendência de, na interpretação do direito, limitar-se a liberdade em favor da igualdade58. O personalismo rejeita as concepções individualista e coletivista, negando a espontaneidade da harmonia entre indivíduo e sociedade. Busca a compatibilização entre valores individuais e valores coletivos partindo da distinção entre individuo e pessoa. Se no individualismo exalta-se o homem abstrato, típico do liberalismo-burguês, no personalismo o indivíduo “não é apenas uma parte. Como uma pedra-de-edifício no todo, ele é, não obstante, uma forma do mais alto gênero, uma pessoa, em sentido amplo – o que uma unidade coletiva jamais pode ser”59. A despeito de opiniões diversas, entendemos que a concepção individualista é a que melhor se compatibiliza com a dignidade da pessoa humana prevista na CF/88. Manoel Gonçalves Ferreira Filho relaciona a dignidade da pessoa humana como o reconhecimento de que, para o direito constitucional brasileiro, a pessoa humana tem uma dignidade própria e constitui um valor em si mesmo, que não pode ser sacrificado a qualquer interesse coletivo60. Nesse sentido, o conceito de dignidade da pessoa humana aproxima-se do direito que cada indivíduo tem de alcançar a própria ‘felicidade’, não de simplesmente existir, mas de lhe ser garantida a busca por uma existência feliz, como explica Luiz Alberto David Araujo :

“A vida em sociedade objetiva deve permitir que os indivíduos encontrem sua felicidade, seu bem-estar. E, no caso do transexual, a felicidade só poderá ser conquistada com a cirurgia para a mudança de sexo, caso seja do seu interesse. Ao analisar os pedidos, portanto, o Poder Judiciário deve interpretar a Constituição, conforme os princípios constitucionais, especialmente o fundamento do Estado Democrático de Direito, que tem como objetivo assegurar a dignidade da pessoa humana.”61

O conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana não gera como efeito somente um comportamento do Estado no sentido de prover a liberdade do cidadão, mas também atos comissivos que viabilizem a busca pelo cidadão de sua felicidade. 58 Idem. 59 Idem. 60 Comentários à Constituição do Brasil, p.19. 61 A proteção constitucional do transexual, p. 105.

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Marcus Vinicius Xavier de Oliveira destaca a relação entre a topografia do princípio da dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988 (art. 1o) e o seu grau de importância não só jurídica, como também política :

“O princípio da dignidade da pessoa humana está insculpido na mais emblemática norma da Constituição, o artigo 1o, norma que traz em si toda a carga de esperança que anos de ditadura não conseguiram sufocar. Se juridicamente ele delineia todo o arcabouço jurídico brasileiro, devendo servir de fonte primária para qualquer interpretação constitucionalmente adequada, já que veicula princípios indeclináveis como o princípio republicano, o princípio federativo, o princípio de estado constitucional, princípio da liberdade, princípio da soberania popular etc, politicamente ele significa a vitória da liberdade contra a opressão, da paz contra a belicosidade, do humanismo contra o tecnicismo desumanizante.”62

Nesse mesmo compasso, Luiz Alberto David Araujo, em seu estudo sobre a proteção constitucional do transexual, afirma que:

“O intérprete deve retirar do Texto Constitucional os valores para sua tarefa. A dignidade da pessoa humana deverá servir de farol para a busca da efetividade dos direitos constitucionais. Em relação à proteção constitucional do transexual, por exemplo, a dignidade da pessoa humana revestir-se-á de princípio necessário e básico para a sua proteção constitucional.”63 Sob o ponto de vista interpretativo, o princípio da dignidade

da pessoa humana impõe um valor interpretativo no sentido de que a construção da norma jurídica deve ter como elemento axiológico a busca da felicidade do ser humano, sendo que essa ‘busca da felicidade’ demanda não só a liberdade física da pessoa, como também a manutenção das condições materiais necessárias ao alcance dos objetivos individuais.

Assim, temos que, na solução de conflitos da proteção

constitucional à vida seja com outros bens juridicamente tutelados (com normas jurídicas que protegem outros bens jurídicos que não a vida diretamente), seja em relação ao próprio direito à vida (choques entre direitos fundamentais), envolvendo mais de um indivíduo ou um mesmo indivíduo, aplicaremos o princípio da

62 Considerações em torno do princípio da dignidade da pessoa humana, passim 63 Op. cit. p. 104.

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dignidade da pessoa humana sob o enfoque individualista, conforme posição já fixada.

Destaquemos, por fim, os ensinamentos de Maria Helena

Diniz que, enfrentando a influência do princípio da dignidade da pessoa humana na solução de questões do biodireito e da bioética, entende que:

“Urge (...) a imposição de limites à moderna medicina, reconhecendo-se que o respeito ao ser humano em todas as suas fases evolutivas (antes de nascer, no nascimento, no viver, no sofrer e no morrer) só é alcançado se se estiver atento à dignidade humana. (...) O respeito à vida humana digna, paradigma bioético, deve estar presente na ética e no ordenamento jurídico de todas as sociedades humanas. (...) A Convenção sobre Direitos Humanos e Biomedicina, que foi adotada pelo Conselho da Europa em 19 de novembro de 1996, após advertir no Preâmbulo que o mau uso da biologia e da medicina pode conduzir à prática de atos que colocam em risco a dignidade humana, prescreve em seu art. 2o que “os interesses e o bem-estar do ser humano devem prevalecer sobre o interesse isolado da sociedade ou da ciência”. Como então ficar inerte diante de agressões à dignidade de seres humanos ou do respeito à vida humana sob o pretexto de buscar novos benefícios para a humanidade?. Como silenciar diante de injustiças cometidas contra a pessoa humana, aceitando que os fins justificariam os meios?”64

I.1.2.2. O princípio do primado do direito à vida É óbvio que não há direito sem vida. Se o direito tem por

objetivo regrar o comportamento humano intersubjetivo a fim de garantir a manutenção da sociedade, não haveria razão para a existência do direito, para a existência de normas jurídicas, se não houvesse sujeito para aplicação dos mesmos, se não existissem seres humanos sobre os quais incidissem as normas.

Da mesma forma, não existiria sociedade sem vida humana, motivo pelo qual a proteção do bem “vida” é requisito sine qua non para a manutenção da sociedade e, por conseqüência (ubi societas, ibi jus), para a existência do direito, tornando-se tal proteção valor supremo para a sociedade e para o direito. Trata-se de uma conclusão lógica.

A supremacia da vida também tem fundamentação em sentido

material, revelando-se como valor supremo para o ser humano, além de 64 Maria Helena Diniz, O estado atual do biodireito. p. 18-19.

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fundamentação formal, vez que o Constituinte petrificou a inviolabilidade do direito à vida, através do artigo 60, parágrafo 4o, inciso IV, da Constituição Federal, consagrando-a com essa posição na escala normativa65.

Dessas letras iniciais surge o princípio do primado do direito

à vida, segundo o qual a vida tem prioridade sobre todas as coisas, uma vez que a dinâmica do mundo nela se contém e sem ela nada terá sentido e, por corolário, o direito à vida prevalecerá sobre qualquer outro, seja ele o de liberdade religiosa, de interesse econômico, de interesse político etc66.

Havendo conflito entre dois direitos, incidirá o princípio do

primado do mais relevante67, superando hierarquicamente o direito à vida, sob qualquer um de seus enfoques (integridade física e moral, direitos fundamentais de primeira, segunda, terceira, quarta, quinta e sexta gerações), qualquer outro bem jurídico. Sobre o valor do bem “vida”, citamos Marconi do Ó Catão:

“O direito à vida está inserido entre os direitos de personalidade de ordem física, ocupando posição de máxima importância como bem maior no âmbito jurídico, pois, ao seu redor e como conseqüência de sua existência, todos os demais bens gravitam.”68 A indisponibilidade do direito à vida também é uma

conseqüência da posição axiológica superior da “vida” sobre os demais bens jurídicos, o que é, inclusive, reforçado pela letra expressa do caput do artigo 5o. da Lei Fundamental de 1988 ( “...garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida...”).

Trata-se também de um direito de caráter negativo, impondo-

se pelo respeito e pela observância que a todos os membros da sociedade se exige, e, em virtude disso, tem-se a ineficácia de qualquer declaração de vontade de indivíduo que implique negação a esse direito, visto que não se pode tirar a vida humana, por si ou por outrem, mesmo sob consentimento em razão do caráter supremo do bem da vida, consagrado pela ordem jurídica brasileira69. Desse mesmo entendimento partilha Pietro de Jesús Lora Alarcón:

“Diz a norma [art. 5o., caput, da Constituição Federal de

1988]70 que o direito à vida é inviolável, portanto, ao abrigo de qualquer violência, intocável, intangível. Em homenagem à supremacia do Diploma Constitucional, e com fundamento no

65 Pietro de Jesús Lora Alarcón, op. cit., p. 182-183. 66 Maria Helena Diniz, op. cit. p. 25. 67 Idem. 68 Op. cit. p. 159. 69 Idem. 70 Observação nossa.

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art. 60, § 4o., inciso IV, pode-se inferir que qualquer projeto de emenda tendente a abolir a inviolabilidade do direito à vida seria inconstitucional. Também um projeto de lei, uma lei ou ato normativo, pode ser declarado inconstitucional quando se manifeste contrário ao postulado constitucional da inviolabilidade do bem jurídico.

Constata-se, assim, a originalidade que possui o direito à vida enquanto direito fundamental.”71

Portanto, do estudo do princípio do primado do direito à vida,

extraímos os seguintes pontos úteis para esta dissertação: - no confronto entre o bem “vida” e qualquer outro bem jurídico, sempre prevalecerá a vida, por ser axiologicamente superior, e; - o bem “vida” é indisponível, seja pelo titular desse bem, seja por terceiros, com ou sem o consentimento do seu titular. I.1.2.3. O princípio da concordância prática ou da harmonização

Necessário enfrentarmos a discussão sobre qual a condição do direito mais tradicional à vida, isto é, vida como integridade física frente aos demais direitos fundamentais.

Alguns autores apontam o direito à vida física72 como absoluto,

inafastável, intangível frente a qualquer situação. Tal visão afasta o real conteúdo do conceito constitucional de vida, como já exposto anteriormente.

Interessante como alguns Autores73 no início de suas

investigações apontam enfaticamente o caráter “absoluto” do direito à intangibilidade do direito à vida biológica e, no desenvolvimento de suas teses, findam por, chocando o direito à vida biológica (acepção biológica-existencial da vida, vida como integridade física) em determinadas situações extremas (como a do doente terminal), com outros direitos fundamentais como o princípio da dignidade da pessoa humana e o princípio da proibição da tortura ou de tratamento desumano

71 Op. cit. p. 182-183. 72 Utilizamos nesse trabalho as expressões “vida física”, “vida biológica” e “vida físico-biológica” no

sentido de vida sob a concepção de “integridade física”, de manutenção da anatomia, fisiologia e psique humanas.

73 Citamos como exemplo Maria Helena Diniz que, na sua obra “O Estado Atual do Biodireito”, defendo o princípio do primado do direito à vida (páginas 25 e 26 da citada obra), trata a vida como bem absoluto e, ao analisar o “direito à morte digna” (páginas 317 a 361 da obra), as espécies de abordo não criminalizadas pelo direito brasileiro (páginas 29 a 101 da obra), acaba por considerar relativa a vida em determinadas situações.

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ou degradante, vê-lo superado. Parece, às vezes, existir um certo estigma na afirmação da relativização do direito à vida física.

Ao mesmo tempo em que há esse estigma, há uma aceitação

ou até indiferença em relação a situações claras de relativização do direito à proteção à vida como integridade física, como no caso do aborto sentimental (permitido pelo ordenamento jurídico pátrio nas hipóteses de gravidez por estupro), da excludente de ilicitude do crime de homicídio pela existência de legítima defesa, etc.

Não se tem dúvida de que não há o que se falar em direitos

quando inexiste o ser humano, quando não há uma vida física a ser tutelada. Trata-se de premissa importante, mas não definitiva ou determinante para a análise da relativização ou não desse direito frente a outros direitos fundamentais.

Entendemos que a análise dos focos de tensão existentes entre

direitos fundamentais deve ser procedida sob dois enfoques:

a) quando existe concorrência de direitos fundamentais de mais de uma pessoa num mesmo caso concreto. Temos como exemplos dessa situação a legítima defesa e o estado de necessidade74, em que se admite o sacrifício da vida física de uma pessoa em prol da manutenção da vida física de outra pessoa numa determinada situação de fato em que somente poderia se manter a vida física de uma;

b) quando existe a concorrência de direitos fundamentais incidentes numa

mesma pessoa num determinado caso concreto. Temos como exemplo dessa modalidade a ortotanásia75 na hipótese de paciente terminal, em que se conflitam a integridade física e a dignidade da pessoa humana.

Em ambas as modalidades afirmamos que deve haver uma

interpretação das normas protetivas do “direito à vida” (observadas de uma forma global) levando em consideração o princípio interpretativo da concordância prática ou harmonização, pelo qual se impõe a coordenação e combinação dos bens jurídicos fundamentais em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros. Concorrendo várias normas constitucionais sobre um mesmo caso concreto, dever-se-á procurar a composição entre as mesmas, impondo-se

74 Figuras apontadas no Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848/40), em seu artigo 23, incisos I e II,

como causas excludentes da antijuridicidade. 75 A ortotanásia é a conduta de deixar que a morte ocorra no seu momento natural (momento em que ocorre a

falência de órgãos vitais para a manutenção da vida física) não submetendo o paciente a aparelhos mecânicos que substituem os órgãos vitais falidos.

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limites e condicionamentos recíprocos de forma a conseguir uma harmonização ou concordância prática entre as mesmas.

Afirmamos que o direito à vida como integridade física, como

também as demais dimensões do direito à vida (direitos fundamentais), são relativos frente a concorrência (focos de tensão que podem ser vistos como antinomias aparentes dentro do sistema jurídico constitucional) com outros direitos fundamentais. I.1.3. As características dos direitos fundamentais As características dos direitos fundamentais em geral são divididas pela doutrina em características intrínsecas e extrínsecas, com o seguintes conteúdos: I.1.3.1. Características intrínsecas dos direitos fundamentais

Os Direitos Fundamentais por constituírem uma categoria jurídica trazem

consigo algumas características, cuja essência os unificam e os diferenciam dos demais direitos expressos na Constituição.

As características intrínsecas dos Direitos Fundamentais são as seguintes:

a)historicidade; b) autogeneratividade; c) universalidade; d) limitabilidade; e)concorrência. Analisemos cada uma delas :

a) Historicidade: não existe consenso doutrinário em relação ao momento histórico.Mas é certo que os Direitos Fundamentais não surgiram nem surgem do nada, mas de um processo histórico evolutivo. É resultado da luta da humanidade, em diferentes momentos históricos e lugares para assegurar a dignidade da pessoa humana e com o passar dos séculos foram sendo positivados.

b) Autorgeneratividade: a autogeneratividade dos Direitos Fundamentais estão incluídos entre os elementos fundantes das Constituições. No entanto, na prática, elas só existem porque incorporam estes direitos juntamente com os elementos constitutivos do Estado ( população, governo, finalidade, território). c) Universalidade: a universalidade dos Direitos Fundamentais existe, porque sua razão de ser é o gênero humano. Por isso, é incompatível sua restrição a um grupo, categoria, casta, classe ou estamento de pessoas. Afirmar os Direitos Fundamentais é colocar o ser humano acima de e independente de qualquer outra configuração de caráter econômico, social, racial, político, origem, cultural. d) A limitabilidade dos direitos fundamentais significa que estes direitos não são absolutos, logo a norma jurídica não pode, na sua aplicação ao caso concreto ser aplicada em toda a sua extensão e alcance em decorrência do fenômeno da colisão

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de direitos. Existe o fenômeno de colisão de direitos quando duas pessoas ou grupos de pessoas têm direito ao mesmo direito, porém estão com reivindicações opostas um ao outro.

e) Irrenunciabilidade, posto que são intrínsecos aos seres humanos, a renúncia seria à própria condição de humanidade. f) Concorrência de direitos fundamentais significa que tais direitos são acumuláveis pelos indivíduos. Portanto,uma única conduta pode ser protegida simultaneamente por mais de uma norma constitucional. I.1.3.2. Características Extrínsecas dos Direitos Fundamentais

Lembramos que as características intrínsecas identificam a essência de um

direito fundamental. Já as extrínsecas são as características identificadas na Constituição, as quais podemos caracterizá-las nas seguintes: a)rigidez; b) imodificabilidade das cláusulas pétreas; c) aplicabilidade imediata . Analisemos cada uma : a) rigidez, neste caso suas normas submetem-se a um processo mais gravoso de modificação via o legislador ordinário e todas as normas infra-constitucionais guardam dever de compatibilidade vertical com elas. b) direitos e garantias individuais clausuladas em cláusulas pétreas, conforme o artigo 60, § 4º da Constituição, o que torna esta espécie de Direitos Fundamentais impermeável à eventuais modificações via o legislador ordinário; c) aplicabilidade imediata de seus preceitos, segundo o artigo 5º,§ 1º da Constituição Federal de 1988. I.2. Direitos da Personalidade. Conceito e características Partimos, inicialmente, do significado jurídico do termo personalidade, citando o magistério de Goffredo Telles Junior, para quem personalidade “é o conjunto dos caracteres próprios do indivíduo que é uma pessoa. É o conjunto dos elementos distintivos, que permitem o reconhecimento desse indivíduo, primeiramente como pessoa e, depois, como uma determinada pessoa”76. Carlos Henrique Bezerra Leite, buscando um conceito para o termo “Direitos da Personalidade”, afirma que muitos juristas englobam na expressão direitos da

76 TELLES jr. Goffredo. Direito subjetivo. Enciclopédia Saraiva de Direito. V. 28, p. 315

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personalidade os direitos personalíssimos e os direitos sobre o próprio corpo, sendo que outros estudiosos o separam77. Segundo referido Autor, os direitos personalíssimos são os direitos que pertencem ao homem pelo fato de ser uma pessoa humana. São os direitos do homem, também chamados de direitos inatos, absolutos, originários, naturais, imprescritíveis, direitos essenciais da pessoa: vida, liberdade, honra, direito de defesa, direito de existência, direito de associação78. Já os direitos sobre o próprio corpo são: direito à integridade física, direito ao próprio cadáver, direito ao nome, entre outros que designam também os direitos cujo exercício não se transmite por herança79. E, por fim, conclui Bezerra Leite que:

“Não há como negar que os direitos da personalidade são espécies de direitos humanos, razão pela qual podemos afirmar que todo direito da personalidade é um direito humano, pois inerente à pessoa. Todavia, nem todo direito humano é um direito da personalidade, pois no rol dos direitos humanos há os direitos políticos, os direitos sociais e os direitos metaindividuais.”80

Flávia Piovesan e Rômulo Russo Junior, considerando posições doutrinárias das mais diversas, sustentam que os direitos de personalidade compõem direitos inerentes à condição humana, amplamente considerada, tanto no plano físico como no plano moral81 e que o objeto dos direitos de personalidade não é o sujeito de direitos e obrigações, nem tampouco o bem material da vida, mas sim a personalidade física e moral82. Importante destacar também que a doutrina, ao pretender analisar os direitos de personalidade, normalmente se limita à leitura das seguintes espécies: vida e integridade física, nome, honra e intimidade, limitando os direitos de personalidade a tais grandes tópicos, enfatizando que tais direitos têm por objeto os bens e valores essenciais da pessoa, no seu aspecto físico, moral e intelectual. O próprio Código Civil ao, no Capítulo II do Título I do Livro I de sua Parte Geral (artigos 11 a 21), tratar “Dos Direitos da Personalidade”, limita-se a abordar os temas: - irrenunciabilidade dos direitos da personalidade (art. 11)

77 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Os direitos da personalidade na perspectiva dos direitos humanos e do direito constitucional do trabalho. In BRAMANTE, Ivani Contini e CALVO, Adriana (Coords.). “Aspectos polêmicos e atuais do Direito do Trabalho”. São Paulo: LTr, p. 42 78 Idem, p. 43 79 Ibidem 80 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Os Direitos da Personalidade na Perspectiva dos Direitos Humanos e do Direito Constitucional do Trabalho. In BRAMANTE, Ivani Contini e CALVO, Adriana (coord). “Aspectos polêmicos e Atuais do Direito do Trabalho”. São Paulo: Editora Ltr, p. 43 81 PIOVESAN, Flavia e RUSSO JUNIOR, Rômulo. Direitos Humanos, Dignidade humana e Direitos da Personalidade. In FILOMENO, José Geraldo Brito et alli (coord.). O Código Civil e sua interdisciplinariedade: os reflexos do Código Civil nos demais ramos do Direito. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 2004, p. 12 82 Ibidem, p. 13

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- cessação de ameação ou lesão a direitos de personalidade (art. 12) - indisponibilidade do próprio corpo (arts. 13, 14 e 15) - nome da pessoa (arts. 16, 17, 18 e 19) - limitações à divulgação de produção intelectual de terceiro (art. 20) - inviolabilidade da vida privada da pessoa (art. 21) Quanto às características dos direitos de personalidade, Alberto Fulio Luchi afirma que os direitos de personalidade são inalienáveis (porque não podem ser vendidos, doados, locados ou qualquer outra forma de separá-los do patrimônio moral da pessoa), imprescritíveis (vez que não se extinguem pelo seu uso ou exercício, nem sequer pela inércia de seu titular em defendê-los), intransmissíveis (em razão de não poderem sair ou passar da esfera jurídica do seu titular para outra pessoa), irrenunciáveis (porque a pessoa não pode simplesmente negá-los ou abrir mão dos mesmos), ilimitados (porque não exaustivamente enumerados) e inexpropriáveis (já que não nsão passíveis de serem retirados da pessoa que é titular enquanto ela viver).83 I.3. Conclusão. Da relação entre direitos fundamentais e direitos de personalidade Ante o todo exposto, concluímos que: - os direitos de personalidade são espécie de direitos fundamentais, limitando-se (os direitos de personalidade) aos termos relacionados à integridade física e moral da pessoa humana e mais especificamente (e geralmente ) aos temas: integridade física, nome, privacidade/intimidade e honra da pessoa humana; - sendo os “direitos de personalidade” espécie do gênero “direitos fundamentais”, têm os primeiros, por óbvio, as mesmas características intrínsecas (historicidade, autogeneratividade, universalidade, limitabilidade e concorrência) e extrínsecas (rigidez, imodificabilidade das cláusulas pétreas e aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais); - sendo os “direitos de personalidade” espécie do gênero “direitos fundamentais”, submetem-se os primeiros aos mesmos princípios gerais aplicáveis aos direitos fundamentais (princípio do primado do direito à vida, princípio da dignidade da pessoa humana e princípio da concordância prática ou da harmonização)

83 LUCHI, Alberto Fulio. Direitos da Personalidade Aplicados à Pessoa Jurídica. In FILOMENO, José Geraldo Brito et alli (Coords). Código Civil: análise doutrinária e jurisprudencial. São Paulo: Forense, 2008, p.8

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III. Os Direitos fundamentais do empregado

Como afirma Francisco Pedro Jucá, ao tratar de direitos

fundamentais do trabalhador, é preciso ter em mente que trabalhador e cidadão são espécies do mesmo gênero, posto que o trabalhador é, de certa forma, espécie de ser humano e, portanto, os direitos fundamentais que tocam o ser humano em sua generalidade também se referem à classe dos trabalhadores84.

Desse mesmo posicionamento partilha Mauricio Godinho

Delgado ao, tratando dos limites do poder diretivo patronal, afirmar a extensão aos trabalhadores dos direitos individuais previstos no artigo 5o da Lei Maior, conforme abaixo transcrito:

“... existem, na Constituição, regras impositivas enfáticas, que afastam a viabilidade jurídica de condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços que agridam a liberdade e dignidade básicas da pessoa natural do trabalhador. Ilustrativamente, a regra geral da igualdade de todos perante a lei e da “inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (art. 5o, caput, CF/88). Também a regra geral de que “ninguém será submetido... a tratamento desumano ou degradante” (art. 5o, III, CF/88). Ainda a regra que declara “invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (art. 5o, X, CF/88). Por fim as regras gerais clássicas no sentido de que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art.5o, LII e LIV, CF/88). Todas essas regras e princípios gerais, portanto, criam uma fronteira inegável ao exercício das funções fiscalizatórias e de controle no contexto empregatício, colocando na franca ilegalidade medidas que venham agredir ou cercear a liberdade e dignidade da pessoa que trabalha empregaticiamente no país.”85 Portanto, a existência de proteções específicas ao trabalhador

no artigo 7o da Constituição Federal não afasta a incidência, nas relações jurídicas empregatícias, dos dispositivos protetivos genéricos, extensíveis a todos os cidadãos, previstos no artigo 5o da Lei Maior e noutras normas jurídicas constitucionais.

Tal afirmação é enfrentada também pela lógica jurídica. Sabemos que a Constituição Federal de 1988 encontra-se logicamente dividida em “Títulos”, que contêm “Capítulos”, que contêm “artigos”, que contêm “incisos” e “parágrafos”. 84 Francisco Pedro Jucá, op.cit., p. 270. 85 Op. cit., p. 635-636.

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Essa divisão leva em consideração conceitos lógicos baseados na “teoria das classes”, no sentido de que uma classe é um conjunto de indivíduos que preenchem alguns requisitos de admissão e que fazem como que entre eles haja identidade em determinado aspecto. E a própria teoria das classes, traz-nos a noção de “subclasse”, como sendo um conjunto inserto em outro conjunto de maior dimensão, conjunto maior esse que abrange todos os elementos do conjunto menor. Sobre a teoria da classe, transcrevamos os ensinamentos de Alfred Tarski:

“ De las funciones proposicionales com uma variable libre se afirma a menudo, que expresan uma determinada propriedade de objetos, propriedad afecta a los objetos que la satisfacen y solo a éstos (por ejemplo, la función proposicional <x es divisible po 2> expressa del número x la propiedad de ser divisible por 2, o de ser par). La clase que corresponde a esta función contendrá, pues, como elementos, todos los objetos poseedores de la citada propiedad, ya a ningún otro. De esta forma, a toda propiedad de objetos se le podrá hacer corresponder una clase unívocamente determinada. Ahora bien, tambi’’en es verdadera la recíproca : a toda classe se le pude asignar una propiedad poseída exclusivamente por los elementos de dicha classe; a saber, la propiedad de pertenecer a ella. Por esto no es necessario, en la opinión de muchos logicos, distinguir entre los conceptos de clase y propiedad; en outra palabras, una <teoria de propiedades> especial sería inecesaria, siendo suficiente la tería de clases.”86

Em suma, a “classe” envolve todos os elementos que compõem as subclasses nela insertas. E não temos dúvida de que, seguindo a Constituição tal divisão lógica, temos, de uma formal global, os “títulos” como classes envolvendo os “capítulos” como subclasses.

Portanto, os elementos contidos nas subclasses de uma mesma classe ou, melhor dizendo, in casu, os artigos que compõem “capítulos” de um mesmo “título” devem ser harmônicos entre si, impossibilitando, assim, a contradição entre termos, a incompatibilidade entre tais elementos.

Analisando de forma mais específica os “Títulos” da

Constituição Federal de 1988, podemos verificar que o “Capítulo I” de cada Título tem, em si, regras genéricas, aplicáveis a todos os demais capítulos. Demonstremos: - No Título II – “Dos direitos e garantias fundamentais -, o capítulo I trata dos

“direitos e deveres individuais e coletivos”, que são regras de conteúdo genérico aplicáveis a todos os demais capítulos desse título;

86 Alfred Tarski. Introducción a la lógica, p. 97-98.

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- No Título III – Da organização do Estado -, o capítulo I trata “Da organização politico-administrativa”, que contém regras gerais sobre a organização e que serão aplicadas aos Capítulos de II a VII, que tratam de cada unidade da organização político-administrativa individualmente (Capítulo II – “Da União”; Capítulo III – “Dos Estados Federados”; Capítulo IV – “Dos Municípios”, Capítulo V – “Do Distrito Federal...”);

- No Título VII – “Da Ordem Econômica e Financeira”, o capítulo I trata “Dos

princípios gerais a atividade econômica”, que contém regras gerais sobre a atividade econômica e que serão aplicadas aos capítulos seguintes, mais específicos como o Capítulo “II” que normatiza a política urbana, o Capítulo III que normatiza a política agrícola e fundiária e o Capítulo IV que trata do sistema financeiro nacional;

- No Título VIII – “Da Ordem Social”, o Capítulo I trata das “Disposições

Gerais” da ordem social e que serão aplicados a temas específicos contidos nos capítulos seguintes, como no capítulo II – “Da seguridade social”, no capítulo III – “Da educação, da cultura e do desporto”, no capítulo IV – “Da ciência e tecnologia”, etc.

As exceções a tal constatação são somente os títulos I e IX,

que ante o teor dos mesmos, não possuem capítulos.

Tal demonstração tem como objetivo alcançar a conclusão de que os denominados “capítulo I” de cada “Título” da Constituição Federal exercem a função de emitir regras genéricas que serão aplicadas a todos os demais capítulos a ele pertencentes, que tratam de tema mais específicos, conforme raciocínio abaixo: - o artigo 7º da Constituição Federal de 1988 encontra-se inserto no Capítulo II (“Dos Direitos Sociais”) do Título II (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais); - o Capitulo I do Título II da CF/88, que trata “Dos direitos e deveres individuais e coletivos” (artigo 5º) emite regras gerais a serem aplicadas aos capítulos II (“Dos direitos sociais), III (“Da nacionalidade”), IV (“Dos Direitos Políticos”) e V (“Dos partidos políticos”); - os artigos que compõem o capítulo II (“Dos Direitos Sociais”) do Título II (“Dos direitos e garantias fundamentais) devem ser interpretados levando em consideração as regras genéricas contidas no capítulo I (“Dos direitos e deveres individuais e coletivos”). Além de que às relações jurídicas empregatícias são aplicáveis os dispositivos gerais de proteção do ser humano.

Aos trabalhadores, além da garantia da integridade física, também são aplicáveis todas as dimensões de direitos fundamentais.

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Respeitando os limites dessa dissertação, somos capazes, ante o todo analisado, de afirmar que a Constituição Federal de 1988 garante a integridade física do trabalhador, cabendo-nos investigar como essa integridade é protegida.

II- Os Direitos Fundamentais do Empregado e o Poder Diretivo do Empregador;

Nesse capítulo objetivamos traçar o conceito de trabalho, bem

como apontar a sua relação com o direito à vida. Especificamente, buscamos demonstrar que o trabalho ou, melhor dizendo, o “processo de trabalho”, tem potencial de agressão à integridade física do trabalhador, devendo o direito, através das suas normas jurídicas, proteger o equilíbrio físico do cidadão trabalhador no exercício do seu mister.

Surge daí uma relação direta entre o poder diretivo do empregador, isto é, o poder de organizar o processo do trabalho, e a potencial afronta a direitos fundamentais do empregado, havendo a necessidade de investigarmos a licitude ou ilicitude da referida afronta e, sendo lícita, quais são os seus limites.

II.1. O conceito de trabalho Variados são os conceitos de trabalho, cada um refletindo uma

realidade, um foco de análise. Sobre a origem etimológica da palavra “trabalho”, Orlando Teixeira da Costa lembra que a manifestação mais primitiva do trabalho subordinado encontra-se entranhada na própria origem da palavra, oriunda da raiz latina trabs, trabis, que designava a trave ou carga que se impunha aos escravos para obrigá-los ao serviço87. Os povos mais ligados ao regime da escravidão buscaram na raiz trabs, trabis, a denominação para o trabalho. Os demais, que associaram mais freqüentemente a atividade humana à força de animais irracionais, como o cavalo, o jumento ou o boi, optaram por outra raiz latina – labor, laboris -, associada às atividades nobres, daí labor, em inglês, e lavoro, em italiano88.

Para a filosofia marxista, trabalho é a ação dos homens sobre

a natureza, transformando-a intencionalmente, sendo que nesse processo os homens se relacionam uns com os outros e também transformam a si mesmos, imprimindo seus rostos na natureza e se fazendo89. Sobre o trabalho como forma de modificação da natureza, transcrevamos a reflexão de Raquel Maria Rigotto:

87 Op. cit. p. 15-16. 88 Idem. 89 Raquel Maria Rigotto, O homem e o trabalho, In : Lys Esther Rocha et al. Isto é trabalho de gente? : vida,

doença e trabalho no Brasil, p. 26.

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“ A complexidade anátomo-funcional do Homo Sapiens abre novas possibilidades para a espécie. Se, por um lado, continuamos fazendo parte da natureza e tendo que nos adaptar às modificações ambientais, por outro lado, podemos progressivamente, junto com os outros homens, realizar nossas potencialidades e modificar a natureza, possibilitando a sobrevivência, expansão e evolução da espécie. Esse processo, que é fruto da natureza criadora e social dos homens, inicia-se no período neolítico e prossegue até os dias de hoje, constituindo toda a nossa história. Representa um nível mais elevado de complexidade organizativa no qual os homens, dotados de intencionalidade, constroem a sociedade – e suas contradições (...) Os modos de relação do homem com a natureza e com os ouros homens modificam-se ao longo do tempo, tomando formas cada vez mais profundas e sofisticadas. É a evolução histórica do processo de trabalho, do artesanato à automação (...). Em seu curso, prossegue também a evolução biofisiológica da espécie, articulando o aumento do volume cerebral com o desenvolvimento da cultura humana, o aperfeiçoamento de aptidões, a comunicação e a organização social, numa delicada fronteira entre a biologia e as ciências sociais.” 90 Desse mesmo conceito comunga Francisco Pedro Jucá ao

ensinar que o trabalho é a capacidade de atuar na natureza e a partir dela produzir bens, coisas, utilidades, “manusear” idéias, e concepções, e, portanto, com os frutos desta ação ”construir” um mundo diverso, isto é, composto pelo dado, pré-existente na natureza, e o construído, tudo aquilo, material e imaterial, produzido pela atividade humana. Consiste, pois, o trabalho, numa ação criadora e transformadora da natureza, neste permanente processo de adequação do mundo dado pelo construído. É esta capacidade de produzir, de trabalhar, portanto, que distingue o homem do macaco.91.

A concepção de trabalho sob o enfoque social origina-se com

a formação da sociedade moderna, pós-revolução industrial, quando a base da organização da sociedade passou a ser o trabalho, ganhando, assim, um significado não de matriz unicamente produtiva ou econômica, mas, com e através destes dois elementos, alcançando outro significado. Este outro significado é ser o trabalho modo de inserção social dos indivíduos, porquanto é pelo trabalho, tipo, forma, qualidade e significação econômica, que os indivíduos se inserem na sociedade, adquirindo e desempenhando os papéis sociais a ele atribuídos, ocupando, enfim, o seu espaço social. Este novo significado do trabalho acarreta conseqüências. Evidentemente que tal modificação de significado implica em outras e variadas significações jurídicas também, inclusive rehierarquização destes mesmos significados. Assim, se o trabalho é qualificado social e referência de inserção, o

90 Idem. 91 Op. cit. p. 270-271.

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valor atribuído a ele pelo Direito tende a ser igualmente diferenciado, como também assim, a do sujeito que o exerce e pratica, o indivíduo 92.

José Augusto Rodrigues Pinto apresenta o conceito axiológico

de trabalho, segundo o qual o trabalho é compreendido como valor básico da vida humana, a consciência de estar ligado não só às necessidades materiais do homem, mas à satisfação de exigências metafísicas, ínsitas ao espírito humano93.

Sob o ponto de vista médico-biológico, trabalho é entendido

como todo esforço que o homem, no exercício de suas capacidades física e mental, executa para atingir seus objetivos em consonância com princípios éticos 94.

Paulo Sandroni afirma a existência de conceito econômico de

trabalho, que se revela como sendo um dos fatores da produção, constituindo-se em toda atividade humana voltada para a transformação da natureza, com o objetivo de satisfazer a uma necessidade95.

Sobre a relação entre atividade econômica e trabalho, interessante a transcrição do magistério de Láudio Camargo Fabretti:

“A empresa é uma unidade econômica organizada, portanto, um todo. Para exercer atividade econômica com objetivo de lucro, ela reúne os seguintes elementos: a) o capital, representado por aporte em dinheiro, ou bens

tangíveis (mercadorias, máquinas, equipamentos etc.); b) o estabelecimento, ou seja, local onde se realizam as operações

relativas à prática de sua atividade econômica de produção e circulação de bens e serviços;

c) o trabalho, com ou sem vínculo empregatício. Note-se que é

comum nas pequenas empresas que o trabalho seja prestado apenas por familiares;

d) objetivo, ou seja o tipo de atividade econômica que terá de ser

exercida para atingir o lucro, que é o fim para o qual, em última análise, organiza-se uma empresa.”96

E, continua Fabretti, afirmando que:

92 Idem. 93 José Augusto Rodrigues Pinto, O trabalho como valor social, Revista LTr, v.64, n. 12, p. 1490. 94 Daphnis Ferreira Souto, op. cit. p. 37. 95 Paulo Sandroni (org.), Novíssimo Dicionário de Economia, p. 609. 96 Láudio Camargo Fabretti, Direito de empresa no novo Código Civil, p. 35.

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“A empresa é a unidade econômica organizada que, combinando capital e trabalho, produz ou comercializa bens ou presta serviços, com a finalidade de lucro. (...) Combinando capital e trabalho e adotando tecnologia e métodos de administração eficientes, organiza sua atividade econômica, objetivando a produção ou circulação de bens ou a prestação de serviços, objetivando obter lucro que lhe permita desenvolver e remunerar adequadamente o capital nela investido.”97

É no marxismo que se encontra a base do conceito econômico de trabalho, vez que, segundo a análise marxista, a capacidade de trabalho recebe a denominação de trabalho abstrato, e a sua realização prática na produção é o trabalho concreto. A medida para avaliar o trabalho concreto, incorporado, é dada pelo tempo social necessariamente gasto na produção da mercadoria. Marx revela ainda outros aspectos do trabalho como elemento gerador de valor, sendo o caso do trabalho simples e do trabalho complexo. O trabalho simples abrange o trabalho não-especializado, que inclui apenas a energia corporal comum a todos os indivíduos. Já o trabalho complexo apresenta-se como inerente ao trabalho especializado, ao técnico, portador de trabalho multiplicador e concentrado 98.

Há também o trabalho produtivo e o trabalho improdutivo. Produtivo é o trabalho que produz um objeto para o mercado, sendo fonte de mais-valia. Ao contrário, o trabalho improdutivo conceitua-se como aquele que não produz valor de troca. O que é decisivo na caracterização do trabalho produtivo (e aqui leia-se trabalho produtivo para a economia) é que contribua para a realização do capital, ou seja, portanto fonte de mais valia99.

Importante para a compreensão do sentido econômico do

trabalho, o significado de “mais-valia”, que é conceito fundamental da economia política, que consiste no valor do trabalho não pago ao trabalhador, isto é, na exploração exercida pelos capitalistas sobre seus assalariados. Sendo a força de trabalho uma mercadoria cujo valor é determinado pelos meios de vida necessários à subsistência do trabalhador, se este trabalhar além de um determinado número de horas, estará produzindo não apenas o valor correspondente ao de sua força de trabalho (que lhe é pago pelo capitalista na forma de trabalho), mas também um valor a mais, um valor excedente sem contrapartida, denominado de mais-valia. É dessa fonte (o trabalho não pago) que são tirados os possíveis lucros dos detentores dos meios de produção, além da renda da terra, dos juros, etc100.

O trabalho sob o enfoque jurídico é o objeto das denominadas

relações jurídicas de trabalho, que designam um gênero muito amplo, que 97 Ibidem, p. 41. 98 Paulo Sandroni (org.), op. cit., p. 31. 99 Idem. 100 Idem.

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compreende o produto de todo trabalho pelo qual uma pessoa se obriga a uma prestação de “trabalho” (esforço físico e mental do próprio contratante ou de terceiro, com ou sem um fim certo ou determinado de destinação desse esforço) em favor de outra101. Délio Maranhão diferencia o contrato de trabalho stricto sensu, subordinado, do contrato lato sensu, autônomo:

“A distinção entre trabalho autônomo e trabalho subordinado

prendem-se as duas categorias de locação de serviço, vindas do Direito Romano: locatio operis e locatio operarum. Na primeira, é o resultado do trabalho que importa; na segunda, a própria força de trabalho. Enquanto na locatio operis o risco do resultado permanece a cargo de quem se obriga a realizar certa obra (empreiteiro), na locatio operarum recai sobre aquele que adquire o direito de dispor do trabalho alheio (empregador). O contrato de trabalho, porém (...) é um contrato com individualidade especial, distinta de todos os demais contratos de direito privado, não se ajustando, assim, aos moldes do Direito do Trabalho, a mesma importância que lhes emprestava a doutrina clássica do Direito Civil. Dentro do sistema da produção industrial – escreve Gallart Folch – “não existe diferença maior entre o que presta um serviço ou executa uma obra, sempre que o façam para um empregador e sob a dependência deste”. “102 Por relação de trabalho pode-se entender qualquer liame

jurídico que tenha por objeto a prestação de serviço de um determinado sujeito, pessoa física ou jurídica, a um determinado destinatário. Trata-se de categoria ampla, abrangendo inúmeras espécies, como a empreitada, o locador de serviço, o artífice, o trabalho prestado por profissional liberal, o trabalho avulso, o serviço eventual e autônomo, o temporário, o representante comercial, o funcionário público e, também, dentre outros, o trabalho do empregado subordinado103.

A relação de emprego é espécie do gênero relação de trabalho

e correspondente à prestação de serviço subordinado por uma determinada pessoa. O elemento subordinação é indissociável da relação de emprego104, não se podendo esquecer dos demais requisitos para a formação do vínculo empregatício, isto é, a habitualidade, a remuneração e a pessoalidade, como impõe o direito positivo brasileiro (artigos 2º e 3º da CLT). Analisemos tais requisitos essenciais:

A subordinação é oriunda da dependência do empregado em

relação ao seu empregador105. Como afirma Pedro Paulo Teixeira Manus, embora normalmente o empregado dependa economicamente de seu empregador, esta não é a subordinação que caracteriza o contrato de trabalho, já que o legislador, quando

101 Arnaldo Süssekind et al, op. cit., p. 235. 102 Idem. 103 José Afonso Dallegrave Neto, Contrato de trabalho individual: uma visão estrutural, p. 59. 104 Idem. 105 Amauri Mascaro Nascimento, Iniciação ao direito do trabalho, p. 101.

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menciona dependência do empregado ao patrão, refere-se à subordinação hierárquica, sendo esta fundamental para a caracterização do contrato de trabalho. Detém o empregador o chamado poder de comando, eis que dirige a prestação de serviços do empregado, materializando-se tal poder pela prerrogativa do tomador de serviços de dar ordens ao empregado, de tal modo a ser atribuição do empregador dizer o que deve o empregado fazer, onde deve o mesmo trabalhar e de que modo deverá desenvolver as suas atribuições106.

Quanto à remuneração, o empregado é um trabalhador

assalariado, portanto alguém que, pelo serviço que presta, recebe uma retribuição. Caso os serviços sejam executados gratuitamente pela sua própria natureza, não se configurará a relação de emprego107.

Necessária é a habitualidade, isto é, a não-eventualidade,

sendo que trabalhador não-eventual é aquele que exerce uma atividade de modo permanente108. Para que exista um contrato de trabalho é necessário que os serviços sejam prestados continuamente, de tal o modo a gerar a expectativa, tanto no empregado quanto no empregador, da prestação109.

A pessoalidade, por sua vez, impõe que o contrato de trabalho

seja de caráter pessoal (intuitu personae), pois no desenvolvimento de suas atribuições é o empregado insubstituível, não podendo ele deixar de trabalhar e se fazer representar por um terceiro, sob pena de, assim ocorrendo, desnaturar-se a relação de emprego110.

Importante nesse momento destacarmos que o foco de análise

dessa dissertação é o trabalho subordinado111, isto é, o objeto do negócio jurídico em que o empregado presta serviços ao empregador, mediante remuneração, subordinação, pessoalmente e com continuidade112.

Se de um lado a delimitação acima apontada é essencial para o

cumprimento do objetivo da dissertação, de outro lado não podemos esquecer da importância dos demais conceitos de “trabalho”:

- o conceito “social” de trabalho no sentido de valorizá-lo como forma de inserção do indivíduo na sociedade, o que é destacado como fundamento da República Federativa do Brasil na forma do inciso IV do artigo 1º da Constituição Federal de 1988, in verbis: 106 Direito do Trabalho, p.65. 107 Amauri Mascaro Nascimento, Iniciação ao direito do trabalho, op. cit., p. 101. 108 Ibidem, p. 100. 109 Pedro Paulo Teixeira Manus, op. cit., p. 64. 110 Idem. 111 A partir desse momento, quando utilizamos nesta dissertação a expressão “trabalho” e “trabalhador”,

estamos nos referindo, respectivamente, à relação jurídica de emprego e ao sujeito hipossuficiente dessa relação.

112 Sergio Pinto Martins, Direito do Trabalho, p. 91.

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“ Art. 1o. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento: (...) IV – os valores sociais do trabalho (...).”

- o conceito “axiológico” do trabalho a fim de se refletir sobre a necessidade de se tratar dignamente o valor básico da vida humana, o instrumento de evolução espiritual e de suprimento das necessidades materiais humanas. Esse conceito impõe que seja levado em consideração, pelo operador do direito, o princípio da dignidade da pessoa humana em qualquer análise jurídica da relação jurídica de trabalho, em especial o subordinado; - o conceito “biológico” que é essencial para um efetivo enfrentamento pelo Estado, através do direito, dos efeitos gerados sobre o ser humano pelo complexo de esforços físico e mental desempenhados na relação de trabalho subordinado, capazes de comprometer a vida do trabalhador, seja sob o aspecto de integridade física, seja sob a égide dos demais direitos fundamentais (vida em sua globalidade); - E, finalmente, o conceito econômico de trabalho, importante para que possamos nos localizar quanto às razões de exploração da mão-de-obra humana e a relação entre o trabalho e os bens “econômicos”.

II.2. O potencial efeito do trabalho na saúde do trabalhador Para uma boa compreensão dos efeitos do trabalho sobre a

integridade física do trabalhador, importante uma prévia análise dos institutos referentes à forma como o trabalho é executado, o que nos remete aos institutos do processo de trabalho, do posto de trabalho, da organização do trabalho e do ambiente de trabalho.

O termo “processo de trabalho” geralmente é entendido como

as relações do homem com a natureza, mas também significa as relações técnicas de produção ou processo de produção113, isto é, o conjunto de atos praticados com o objetivo de se realizar determinada tarefa, acepção que por nós é adotada nesta dissertação.

O processo de trabalho se desenvolve num posto de trabalho,

mediante uma determinada organização e oferece ao trabalhador certa condição de trabalho. O estudo da ergonomia114 nos apresenta dados importantes para a fixação 113 Dicionário de sociologia, p. 2. 114 A ergonomia é, conforme ensinamentos de Leda Leal Ferreira, Regina Heloisa Maciel e Ana Isabel

Paraguay, o conjunto de estudos que visam a organização metódica do trabalho em função do fim proposto e das relações entre o homem e a máquina, podendo também ser vista como um conjunto de

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dos elementos estruturantes do processo de trabalho, que podem ser divididos em três grandes grupos, quais sejam : posto de trabalho, organização do trabalho e ambiente de trabalho. Analisemos cada um deles115. II.2.1. Posto de trabalho

É conceituado como o local onde o trabalhador executa a sua

tarefa, bem como os componentes que formam a estrutura física do local e com os quais os obreiros interagem diretamente. Segundo Itiro Lida, o posto de trabalho “pode ser considerado como menor unidade produtiva, geralmente envolvendo um homem e o seu local de trabalho”116.

Nesse conceito se incluem o mobiliário, as máquinas, os

equipamentos, as ferramentas, os materiais, o layout do espaço dentro do qual o posto está inserido, entre outros117. Esclarece-se que layout é o arranjo especial dos postos de trabalho, nos seus ambientes, buscando um conjunto de relações ótimas entre pessoas, espaços físicos e componentes dos postos de trabalho, tendo por objetivo propiciar conforto, produtividade e prevenção de acidentes118.

Assim, uma fábrica, uma loja ou um escritório são geralmente

formados por um conjunto de postos de trabalho, podendo-se fazer uma analogia com a biologia, onde um posto de trabalho seria equivalente a uma célula, onde o homem é o seu núcleo. Um conjunto dessas células constitui o tecido e o órgão, questão equivalente a departamentos, fábricas ou escritórios119.

Há 2(dois) tipos de enfoques para analisar o posto de trabalho:

o tradicional e o ergonômico. O enfoque tradicional é baseado nos princípios de economia dos movimentos criando-se no estudo dos movimentos corporais necessários para executar um trabalho e na medida do tempo gasto em cada um desses movimentos, formulado a partir de uma série de conhecimentos empíricos, acumulados desde a época de Taylor (1856-1915). A seqüência de movimentos necessários para executar uma tarefa é baseada numa série de princípio de economia

conhecimentos científicos relativos ao homem e necessário para os engenheiros conceberem ferramentas, máquinas e conjuntos de trabalho que possam ser utilizados com o máximo de conforto, segurança e eficiência, utilizando conhecimentos de antropometria, de fisiologia, de psicologia e de sociologia. Cf. Leda Leal Ferreira et al. A contribuição da ergonomia . In : Lys Esther Rocha et al. Isto é trabalho de gente? : vida, doença e trabalho no Brasil, p. 215-229. Destaca-se a ergonomia por ter caráter multidisciplinar, o caráter aplicado destes conhecimentos, que visam mudanças na situação do trabalho e tem como objetivo final o conforto dos trabalhadores.

115 Ressaltamos que a análise que é realizada nessa dissertação a respeito de processo do trabalho não pretende ser exaustiva e completa, mas tão somente informativa no sentido do bom desenvolvimento da pesquisa jurídica realizada.

116 Ergonomia. Projeto e Produção, p. 146. 117 Rodrigo Pires Rio e Licínia Pires. Ergonomia: fundamentos da prática ergonômica., p. 149 e 189. 118 Idem, p. 189. 119 Itiro Lida, op cit., p. 146.

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de movimentos [vide tabela constante do apêndice 1], e o melhor método é escolhido pelo critério do menor tempo gasto120.

Já o enfoque ergonômico do posto de trabalho tende a

desenvolver postos de trabalho que reduzam as exigências biomecânicas, procurando colocar o operador numa boa postura de trabalho, os objetos dentro do alcance dos movimentos corporais e que haja facilidade de percepção de informações. Em outras palavras, o posto de trabalho deve envolver o operador como uma vestimenta bem adaptada, em que ele possa realizar o trabalho com conforto, eficiência e segurança. Diversos critérios podem ser adotados para avaliação da adequação de um posto de trabalho, sendo que o principal deles, do ponto de vista ergonômico, é a postura e o esforço físico exigido dos trabalhadores, determinando-se os principais pontos de concentração de tensões, que tendem a provocar dores nos músculos e tendões121. II.2.2. A organização do trabalho

A organização do trabalho volta-se para os diversos fatores que definem as formas como o trabalho é organizado, atento em termos de processos gerais, quanto em termos do trabalho que é executado individual ou coletivamente122. Podemos conceituá-lo como a forma pela qual o trabalho está distribuído no tempo e a maneira pela qual a prestação laboral deve ser executada, definindo quem faz o quê, como, quando e em que condições físicas, organizacionais e gerenciais. É ela que fixa as diretrizes gerais da organização, como aquelas referentes ao layout e o ambiente físico do posto de trabalho123.

Amelia Cohn e Regina G. Marsiglia, baseando-se nas lições

de Christophe Dejours, apresentam a distinção entre condições de trabalho e organização do trabalho da seguinte forma: - as condições de trabalho dizem respeito às condições físicas, químicas e biológicas no ambiente de trabalho – temperatura, vibrações, radiações, poeiras, ruídos, poeiras, entre outros – que repercutem sobre as condições físicas do trabalhador; - a organização do trabalho diz respeito à divisão técnica e social do trabalho como, por exemplo, à hierarquia interna dos trabalhadores, ao controle por parte da empresa do ritmo e pausas de trabalho (aqui se incluindo a determinação de prestação de jornada extraordinária, a concessão de intervalos intra e interjornadas, a concessão de descanso semanal remunerado, entre outros) e padrão de

120 Idem. 121 Ibidem, p. 149. 122 Rodrigo Pires Rio e Licínia Pires, op. cit. p. 149. 123 Ibidem, p. 191.

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sociabilidade interna – e repercute sobre a saúde mental do trabalhador, causando sofrimento psíquico, doenças mentais e físicas124.

Das áreas da ergonomia aplicada à prática do trabalho a

organização do trabalho se sobressai, fazendo as regulações do trabalho, tornando-o mais adequado às características psicofisiológicas dos seres humanos, ou não, indicando as formas de liderença, de gestão vertical e horizontal, isto é, os componentes essenciais para a criação do chamado clima organizacional125.

Quanto aos aspectos abrangentes da organização do trabalho,

temos os mais amplos e os mais restritos. Quanto aos aspectos mais abrangentes, trata-se daqueles que são considerados dentro dos estudos de metaergonomia ou quando a ergonomia faz interface com outras áreas da ciência, podendo-se citar, entre os fatores que direta e indiretamente se relacionam ao trabalho, os seguintes: políticas gerais de recursos humanos, metas organizacionais, momento vivido pelas organizações (reestruturação, desenvolvimento de novos negócios, impacto das flutuações do mercado), organograma, cargos e salários, status conferido aos cargos e às funções, liderança e autoridade, comunicação dentro da organzação, promoções, recrutamento e seleção, composição da mão-de-obra (idade, gênero e qualificação), forma de contratação (direta ou terceirizada) e o relacionamento humano na empresa126.

Como aspectos mais específicos da organização do trabalho temos aqueles diretamente ligados à execução das atividades, sendo que a análise desses aspectos deverá responder a perguntas como: o trabalho é predominantemente físico ou psíquico? Quais os segmentos musculoesqueléticos mais envolvidos? Que tipo de exigência é feita sobre o sistema óptico? E como é feita a estimulação sensorial127.

Os conceitos mais utilizados em organização do trabalho são: ciclo, ritmo, carga, duração, pausa e autonomia. Estudemos cada um deles:

O ciclo de trabalho consiste numa seqüência de passos, de

ações, para a execução de uma atividade. Existem ciclos claramente repetitivos, nos quais as mesmas ações se repetem a cada momento, como, por exemplo, num trabalho de linha de montagem no qual a mesma sequência de posturas e movimentos é adotada. De acordo com a duração e diversidade de ações, as atividades laborais podem ser consideradas como:

124 Amélia Cohn e Regina G. Marsiglia, Processo e organização do trabalho, In : Lys Esther Rocha et al. Isto é trabalho de gente? : vida, doença e trabalho no Brasil, p.71. 125 Ibidem, p. 90. 126 Ibidem, p. 192. 127 Ibidem, p. 192-193.

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- de alta repetitividade: ciclos de duração menor do que 30 segundos ou ciclos nos quais mais de 50% do tempo é ocupado com o mesmo tipo de movimento; - de baixa repetitividade: ciclos de duração maior do que 30 segundos, ou ciclos nos quais menos do que 50% do tempo é ocupado com o mesmo tipo de movimentos; - não claramente repetitivas: tividades que não tenham clara repetição dos mesmos movimentos a cada ciclo 128.

O balanceamento das atividades, visando tornar seus ciclos adequados às características físicas das pessoas, é de grande importância para a saúde e a produtividade humanas129.

O ritmo de trabalho é a velocidade com que as ações são

realizadas durante as atividades. Ritmos muito lentos tendem a produzir monotonia. Ritmos muito rápidos tendem a gerar sobrecarga. Há que se buscar ritmos adequados para que a saúde e a produtividade possam otimizar-se durante a execução dos trabalhos130.

A carga de trabalho representa a quantidade de exigências

que são impostas às pessoas, a partir da realização do seu trabalho. Essa carga é constituída por um conjunto de exigências que atuam como um todo, podendo ser subdividida em alguns tipos específicos como : carga sensorial, carga cognitiva, carga afetiva, carga visual e carga musculoesquelética : - carga sensorial: advém da quantidade de estímulos sensoriais-auditivos, visuais, táteis e gustativos recebidos pelo trabalhador; - carga afetiva: também chamada de carga de contato, resulta das exigências de interação afetiva próprias do trabalho. Atividades como atendimento ao público e as relacionadas à área da saúde são exemplos de trabalhos que podem impor alta carga afetiva; - carga visual : refere-se às exigências da atividade laboral sobre o aparelho óptico; - carga musculoesquelética: relaciona-se às exigências da atividade laboral sobre o sistema musculoesquelético (que envolve a estrutura óssea, as articulações, músculos, tendões e nervos)131. Apesar do corpo reagir como um todo aos estímulos, certos segmentos são mais diretamente exigidos durante as atividades132.

128 Ibidem, p. 193. 129 Idem. 130 Ibidem, p. 194. 131 Sobre as relações entre a atividade laboral e danos ao sistema músculo esquelético, citamos René Mendes,

para quem “é fácil de se perceber que a atividade laborativa deve causar danos às estruturas ósseas, articulares, musculares, tendinosas e nervosas, resultando em dores que o trabalhador, por falta de melhor denominação chama de dores reumáticas, artrite ou artrose (...). Como essa denominação não é adequada, foi sugerida a designação genérica de afecções músculo-esqueléticas para essas dores e incapacidades

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Sobre carga no trabalho, transcrevamos trecho da obra de

Rodrigo Pires do Rio e Licínia Pires:

“A carga de trabalho representa o nível de atividades física e psíquica exigido das pessoas na execução de suas atividades. Ela pode ser dividia em carga externa e carga interna. A carga externa é denominada em ergonomia como contrainte e representa impactos que vêm do meio externo sobre o indivíduo. Esses impactos são divididos genericamente em físicos e mentais. Os impactos físicos incluem os campos dos agentes propriamente físicos e dos agentes químicos e biológicos. A carga interna, a astreinte, constitui-se no efeito da contrainte sobre as características individuais de cada pessoa, ou seja, as reações internas decorrentes da contrainte, sendo de grande variabilidade e singularidade. Em abordagens ergonômicas, a carga mais passível de ser avaliada é, portanto, a contrainte. Ela avalia o quantum de exigência sobre o corpo humano (sistema musculoesquelético, sistema cardiovascular, sistema respeiratório, sistema de regulações térmicas do corpo com o ambiente externo, intensidade física de trabalho etc) e a “carga mental”, que pode derivar de exigências cognitivas (relacionadas à quantidade e qualidade de informações a serem processadas) ou emocionais (relacionadas a fatores psicossociais).”133

Já duração do trabalho é o tempo consumido com a atividade laboral e pode ser avaliado como um todo (duração total da jornada de trabalho) ou em partes (duração de certas partes específicas dessa jornada)134, inclusive no que tange aos intervalos intra e interjornadas, descansos semanais e férias. A autonomia significa a possibilidade que a pessoa tem de intervir no processo de seu trabalho, quer seja na utilização de componentes, quer na regulação do ambiente, na organização do trabalho etc. Em outras palavras, relaciona-se à forma como o empregado pode exercer controle sobre seu trabalho135.

O ambiente de trabalho também denominado “conforto ambiental”, refere-se às condições ambientais de natureza química, física e biológica a que está exposto o trabalhador na prática da sua atividade laboral, sendo que o estudo de tais condições e suas implicações para a saúde humana é feito pela higiene e pela engenharia do trabalho, pela patologia do trabalho e pela ergonomia.

físicas.”.Cf. José Dnoplich, Sistema Músculo-Esquelético: Coluna Vertebral, In: René Mendes (org.). Patologia do Trabalho, p. 215.

132 Rodrigo Pires Rio e Licínia Pires, op. cit. p. 194. 133Ibidem, p. 84. 134 Ibidem, pp. 194-195. 135 Idem.

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Entre os aspectos que interferem na condição ambiental, temos, entre outros, a iluminação, o ruído, a temperatura e a vibração136. II.2.3. Da relação entre a organização do trabalho e os demais fatores do

processo de trabalho

A razão da conclusão de Rodrigo Pires do Rio e Licínia Pires no sentido de que “das áreas da ergonomia aplicada à prática do trabalho sobressai a organização do trabalho” 137está no fato de que será a organização do trabalho que, na prática, formará as características do posto de trabalho e do ambiente de trabalho, isto é, formará as condições de trabalho que, como já exposto, dizem respeito às condições físicas, químicas e biológicas no ambiente de trabalho – temperatura, vibrações, radiações, poeiras, ruídos, poeiras, entre outros – que repercutem sobre as condições físicas do trabalhador.

Podemos, assim, afirmar que os elementos que compõem o processo do trabalho, e em especial a organização do trabalho, estão diretamente relacionados aos fatores que influenciam na saúde do ser humano trabalhador, isto é, na sua biologia, no meio ambiente e até mesmo nos hábitos de vida. Analisemos mais detalhadamente essa afirmação.

Daphnis Ferreira Souto afirma que os fatores que influenciam

a saúde podem ser esquematizados utilizando-se o modelo apresentado por Marc Lalonde, que limita a quatro os grupos de elementos condicionantes da saúde, quais sejam: a biologia humana, o meio ambiente, os hábitos de vida e a organização da assistência à saúde138.

Como biologia humana entendem-se todos os aspectos da

saúde, física e mental que têm origem no interior do organismo e que dependem da estrutura biológica e da constituição orgânica do indivíduo. Engloba o patrimônio genético individual, a maturação, a velhice e os diferentes sistemas internos complexos do organismo, notadamente o esqueleto e os sistemas nervoso, muscular, cardiovascular, endócrino e digestivo. A sorte do homem está lançada desde a concepção, suas tristezas e alegrias, suas realizações e seus fracassos, afinal, o estado de saúde é dependente dos genes das células reprodutoras que se unem ao acaso das circunstâncias da vida, o que significa que dependerá em parte das características genéticas adquiridas na concepção139.

O meio ambiente é o meio onde vive o homem, sendo o seu

estudo essencial para a completa compreensão da saúde e da história natural de uma doença determinada geneticamente. Sua influência se faz sentir em todas as etapas 136 Ibidem, p. 196. 137 Ibidem, p. 90. 138 Op.cit. p. 24. 139 Ibidem, p. 25.

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da existência humana, durante o crescimento do embrião e do feto, no momento da passagem da vida intra-uterina à vida aérea, após o nascimento até a morte. Não se tem dúvida de que o homem, geralmente, é influenciado pelas condições do meio ambiente em conjugação com suas características genéticas, não sendo somente a raça que determina a saúde da população, mas também suas condições de vida140.

No campo do meio ambiente agem fatores ecológicos,

envolvendo, dentre outros, os fatores geográficos, geológicos, climáticos ou meteorológicos, habitação, poluição, radiação, meios de transporte e uma série de fatores desencadeados pelo próprio homem, que podem ter uma ação direta ou indireta sobre a saúde humana141.

Antonio Silveira Ribeiro dos Santos afirma que com o

surgimento de décadas dos estudos ambientais, criou-se o conceito de meio ambiente, o qual se limitava a se relacionar apenas às condições naturais mas, após a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, o fator humano passou a integrá-lo, incluindo os problemas do homem como relacionados diretamente à problemática ambiental como a pobreza, o urbanismo, o trabalho etc e, assim, o conceito clássico perdeu sentido frente as novas proposições da referida conferência142.

Há autores que apresentam conceito bastante amplo de meio

ambiente, que reúne agentes físicos, químicos, biológicos e até mesmo sociais, como o faz, por exemplo, Julio César de Sá da Rocha, citado por João José Sady:

“ ... o conceito de meio ambiente como bem jurídico a ser defendido pelo Estado avulta-se pouco a pouco, gerando um grande tecido normativo, cujas malhas vão-se entrelaçando pelos demais troncos do Direito, de sorte a gerar intervenções normativas conjugadas, que exigem exame profundo. Para desvendar os mistérios dessa árvore frondosa é preciso que iniciemos por aclarar a natureza do bem que tal conjunto de normas pretende tutelar. Afinal, do que estamos falando ao mencionarmos a expressão meio ambiente? A doutrina aborda esse fenômeno como sendo um conjunto, um elenco de condições naturais e artificiais em que se insere a vida humana. Nessa tradição, podemos vislumbrar um cenário bastante amplo na pesquisa elaborada por Julio César de Sá da Rocha, que nos brinda com largo rol de definições doutrinárias: “O meio ambiente, academicamente, tem sido compreendido como: conjunto, em um dado momento, dos agentes físicos, químicos e biológicos e dos fatores sociais suscetíveis de terem efeito direto ou indireto, imediato ou a termo, sobre os seres vivos e as atividades humanas (Poutrel & Waserman, 1977); a soma das condições

140 Ibidem, p. 25. 141 Ibidem, p. 26. 142 Antônio Silveira Ribeiro dos Santos. Meio Ambiente do Trabalho: Considerações, p. 2.

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externas e influências que afetam a vida, o desenvolvimento e, em última análise, a sobrevivência de um organismo (...); o ambiente físico-natural e suas sucessivas transformações artificiais, assim como seu desdobramento espacial (...) todos os fatores (...) que atuam sobre um indivíduo, uma população ou comunidade...” 143 Ficamos, entretanto, por entendermos mais compatível com a

linguagem científica, evitando ambigüidade e conceitos por demais genéricos, com o conceito de que meio ambiente é o conjunto de fatores ecológicos, envolvendo, dentre outros, os fatores geográficos, geológicos, climáticos ou meteorológicos, habitação, poluição, radiação, meios de transporte e uma série de fatores desencadeados pelo próprio homem, que podem ter uma ação direta ou indireta sobre a saúde humana.

Os hábitos de vida representam as decisões que os indivíduos

tomam e que têm repercussões sobre sua própria saúde, como o uso de drogas, o fumo, o abuso de medicamentos, o excesso ou a deficiência de alimentação, a vida sedentária, entre outros. São riscos através dos quais o ser humano se expõe deliberadamente e que podem provocar, direta ou indiretamente, doença ou morte. Isto é, são fatores de comportamento ou culturais e, como sobre eles o indivíduo pode exercer certo controle, a redução de suas repercussões negativas sobre a saúde depende das decisões que o indivíduo tome sobre o meio ambiente e sobre os seus hábitos de vida144.

Os hábitos de vida podem gerar influência de fatores

biológicos e socioeconômicos na saúde do ser humano. Entre os fatores biológicos, animados ou inanimados, incluem

as coisas vivas e seus produtos, bem como os elementos nutritivos necessários à vida do homem. Os agentes patológicos formam o maior grupo e incluem os microorganismos como as bactérias e os vírus, sendo que uns agem diretamente, como as salmonelas, o vírus da febre amarela e da dengue, outros indiretamente, como os parasitas, cujo ciclo de vida se faz, em parte ou no todo, no hospedeiro humano ou no hospedeiro intermediário, como o parasita da malária, o esquistossomo, entre outros145.

Os fatores socioeconômicos, hoje considerados como os mais

importantes componentes do meio ambiente social, têm uma importância tão evidente na causalidade e no controle das doenças, que muitos sociólogos e pesquisadores médicos se inclinam a crer que as reformas políticas e sociais são o recurso mais promissor para melhorar a saúde das populações carentes e, conseqüentemente, a qualidade de vida146.

143 Direito ao meio ambiente de trabalho, p.14. 144 Daphnis Ferreira Souto, op.cit., p. 27-28. 145 Ibidem, p. 27. 146 Idem.

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A base social da doença pode ser considerada sob os seguintes

aspectos e condições sociais: podem criar ou favorecer uma predisposição para a doença, podem causar doença diretamente, podem facilitar as causas das doenças e podem influenciar a evolução de uma doença, sendo que a sua significação varia tanto em relação a um grupo particular de indivíduos e seu respectivo meio social, quanto em relação a doenças específicas147.

No caso de algumas doenças como a tuberculose, a silicose ou

a úlcera gástrica, a relação pode ser prontamente evidenciada, enquanto em outras não. As chamadas doenças de massa, de sujeira, como a febre tifóide, o tracoma, as diarréias e disenterias, são bons exemplos de doenças nas quais as condições sociais podem servir para facilitar as causas das doenças. As intoxicações crônicas por metais e solventes em certas indústrias é um outro exemplo dessa situação148.

A respeito dessa relação causal, transcrevamos as lições de Ana Paola Machado Diniz que, citando Amauri Mascaro Nascimento, Christophe Dejours e Júlio Céesar de Sá da Rocha, afirma:

“Amauri Mascaro Nascimento apregoa que a primeira condição a ser cumprida pelo empregador é proporcionar aos empregados desenvolvimento de suas atividades em ambiente moral, cercado de segurança e higiene. É formado pelo complexo máquina-trabalho, abrangendo desde as edificações, equipamentos de proteção individual, instalações elétricas, condições de iluminação, conforto térmico, salubridade até mecanismos de proteção da fadiga, jornadas de trabalho, intervalos para descanso, férias, sistema de movimentação, armazenagem e manuseio de materiais. Todos esses elementos foram, segundo o mestre paulista, o cojunto das condições de trabalho. É preciso complementar essa noção, acrescendo às condições de trabalho a definição do perfil da organização do trabalho. Christophe Dejours entende por organização do trabalho não apenas a divisão de tarefas entre os trabalhadores, os ritmos e modos de operação estabelecidos pelo empregador, mas, sobretudo, a divisão dos homens em face dessas tarefas. Está representada pelas hierarquias, pela distribuição de responsabilidades, pelo mecanismo de controle. A organização do trabalo quase sempre é responsável por exigências excessivas de produção, pela imposição de ritmos de trabalho intensos e jornadas extensas, por pressões da hierarqui, pela monotonia e repetitividade das tarefas, pela drástica redução da autonomia do trabalhador na execução do serviço, fatores que entram em conflito com o funcionamento físico e psíquico do homem e que podem, juntamente com as condições ambientais, constituir causa de adoecimento do trabalhador.

147 Ibidem, p. 27-28. 148 Idem.

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Júlio César de Sá da Rocha entende que há degradação no meio ambiente do trabalho quando das atividades na empresa resultam prejuízos à saúde, segurança e bem-estar dos trabalhadores. A poluição ambiental envolve situações que alteram o equilíbrio do ambiente. Assim, os gases, a poeira, as altas temperaturas, os produtos tóxicos, as radiações, os ruídos (...), o regime de trabalho, as condições estressantes podem ser impugados à responsabilidade do empregador.”149

Como se verifica do todo acima exposto, o trabalho em si não

é nocivo ou perigoso, como se intrinsecamente possuísse esses atributos. Em realidade, o que o torna nocivo é a forma como ele é organizado pelo próprio homem150, isto é, o processo de trabalho que normalmente é organizado pelo empregador, com a configuração de meio ambiente e de hábitos de vida que causam desequilíbrio nos diversos fatores que afetam a saúde humana. Sobre essa conclusão, citamos Eugenio Martins Neto:

“ O homem, em uma de suas atividades mais importantes – o trabalho – interage com um meio ambiente particular, que traz consigo algumas situações que vão estar diretamente relacionadas com seu corpo ou com parte dele. O trabalho consumindo algo em torno de um terço do dia de um indivíduo, ao longo de vários anos, faz com que as particularidades do meio ambiente tornem-se muito significativas, dependendo da forma como esta inter-relação se dá.”151 E continua : “... as repercussões podem ser não somente “imponderáveis”, como irreversíveis e “impagáveis”. Entre as repercussões imponderáveis situam-se aquelas de difícil caracterização objetiva, quer por sua natureza essencialmente subjetiva (diz-se de perdas ou danos “morais”), quer pelo impacto econômico impossível de ser reparado integralmente. Entre as repercussões impagáveis estão as incapacidades permanentes, em decorrência de graves lesões físicas e/ou danos funcionais (cegueira, seqüela neurológica, amputação de membros, deformidades etc) e, como expressão máxima de irreversibilidade e impossibilidade de reparação ao acidentado-vítima, a morte.”152

Com objetivo didático, para a certeza do bom entendimento do exposto neste item, apresentamos quadro relacionando os conceitos de processo de trabalho, organização do trabalho e condições de trabalho:

149 Op. cit., p. 47-48. 150 Amélia Cohn e Regina G. Marsiglia, op. cit.. p. 71. 151 Eugenio Martins Neto, Sistema imunológico. In: René Mendes (coord.). Op. Cit., p. 255. 152 Ibidem, p. 43.

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Instituto Conceito Processo de trabalho - processo de produção, conjunto de atos

praticados com o objetivo de se realizar determinada tarefa.

Organização do trabalho - forma pela qual o trabalho é distribuído no tempo e a maneira pela qual a prestação laboral deve ser executado, definindo quem faz o quê, como, quando, onde e em que condições físicas, organizacionais e gerenciais.

Condições de trabalho - são as condições físicas, químicas e biológicas a que estão expostos os trabalhadores durante o processo de trabalho, em razão de uma determinada organização do trabalho

II.2. O poder diretivo do empregador e a organização do processo de trabalho

Na forma dos ensinamentos de Sergio Pinto Martins, o empregador tem todo direito de organizar seu empreendimento, decorrente até mesmo do direito de propriedade, estabelecendo qual a atividade que será desenvolvida, a estrutura jurídica, e o processo de trabalho em geral, como os cargos, funções, jornadas, local de trabalho, entre outros153. Se a ele cabe os riscos da atividade, não se tem dúvida de que a ele deve ser concedido o direito de organizar a sua atividade, reduzindo-lhe os riscos o máximo possível.

Amauri Mascaro Nascimento trata esse poder como “poder de

direção”, conceituando-o como “a faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida” 154.

Esse poder genérico de organização ou “poder diretivo” pode

ser analisado sob os enfoques do “poder de controle”, consubstanciado no direito do empregador de fiscalizar e controlar as atividades de seus empregados, e do “poder disciplinar”, que consiste num complemento do poder de direção, no poder do empregador determinar ordens na empresa que, se não cumpridas, podem gerar penalidades ao empregado, que deve ater-se à disciplina e ao respeito ao seu patrão, por se encontrar sujeito a ordens de serviço, que devem ser cumpridas, salvo se

153 Direito do Trabalho, p. 181. 154 Curso de direito do trabalho: história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e

coletivas do trabalho, p. 433.

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ilegais ou imorais, sendo possível, pois, dentro dos limites legais, o estabelecimento de penalidades pelo empregador aos seus empregados155.

Aldacy Rachid Coutinho, por sua vez, entende que o poder na empresa é revelado, juridicamente, por um poder de organização, passando pela direção ou comando, regulamentação, fiscalização e, enfim, por um poder sancionador ou punitivo156. E, no estudo da gênese desse poder patronal, a mesma autora descreve que a empresa desponta, por excelência, como centro de emanação de poder, exteriorizando a tendência de fragmentação, reificação e pureza, acrescentando que, sobretudo a partir do século XVIII, com a transformação e complexidade da sociedade numa crescente industrialização, mediante processos de especialização de funções a serem desempenhadas de forma coordenada e integrada. Tais organizações se constituem hierarquicamente, distribuindo o trabalho157.

O poder, que em sua forma geral é a capacidade de seu

detentor de impor a sua vontade a outrem, do empregador na relação jurídica de emprego é instrumento que merece ser controlado pelo direito positivo, limitando-o, em especial quanto à forma de organização do processo de trabalho que, como será analisado adiante, pode ser potencialmente nocivo à integridade física do trabalhador.

II.2.1. Do poder diretivo como instrumento de exercício do princípio da livre iniciativa A Constituição Federal de 1988 concedeu aos “ valores sociais da livre iniciativa” o status de fundamento do Estado brasileiro, na forma do inciso IV do seu artigo 1º. E mais, no caput de seu artigo 170, a Lei Fundamental de 1988 incluiu a livre iniciativa como um dos fundamentos da ordem econômica brasileira, juntamente com a valorização do trabalho humano. É importante, portanto, buscarmos o conceito de “livre iniciativa”, o que encontramos no magistério de Fabio Ulhoa Coelho, no sentido de que tal expressão, encarada como “princípio”, relaciona-se tanto à constitucionalidade de preceitos de lei que visam a motivar os particulares à exploração de atividades empresariais, como também o reconhecimento do direito de se explorar atividades empresariais158. 155 Ibidem, p. 180-182. 156 Poder punitivo trabalhista. São Paulo: LTr, 1999, p. 9. 157 Idem 158 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Volume I. 9ª edição, revista e atualizada. São Paulo: Editora Saraiva, 2005, pp. 187-188

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Existindo um direito constitucional à exploração de atividades empresariais, necessário é investigarmos o que significa tal exploração. Ora, sendo atividade empresária a organização dos fatores de produção utilizada para transformar trabalho, insumo e capital em bens e serviços, é inerente à atividade empresária a organização dos fatores de produção, nesses incluindo-se o trabalho. Portanto, a simples possibilidade do exercício do poder diretivo (atividade de organização do trabalho como fator de produção) limitar direitos fundamentais dos empregados não é fundamento para afastar a licitude de tal poder diretivo, mesmo porque se impedida fosse o exercício do poder diretivo (e, por conseqüência, do exercício da atividade empresarial), estar-se-ia afrontando o princípio constitucional da livre iniciativa. II.2.2. Os efeitos do processo do trabalho na saúde e na intimidade do trabalhador

Como afirma René Mendes, há muito se sabe que o trabalho, quando executado sob determinadas condições, pode causar doenças, encurtar a vida ou matar os trabalhadores. É histórico o nexo de causalidade entre trabalho e sofrimento explícito, no entanto, mais recente é a conclusão de que o trabalho pode gerar formas mais sutis – até invisíveis -, mas não menos graves, de corrosão da saúde159.

A OMS declara que a saúde pode ser lesada não apenas pela

presença de fatores agressivos (fatores de risco), usualmente denominados “sobrecarga”, como, por exemplo, agentes tóxicos, ruído, poeira de sílica, mas também pela ausência ou deficiência de fatores ambientais (geralmente denominada “subcarga”), que podemos exemplificar como a falta de suficiente atividade muscular, falta de comunicação com outras pessoas, falta de diversificação em tarefas de trabalho (monotonia), falta de responsabilidade individual e falta de desafios intelectuais160.

Os efeitos, aqui entendidos como conseqüências negativas ao

trabalhador relacionadas com o processo de trabalho e que causam desequilíbrio nos fatores que compõem a saúde humana, podem ser classificados, quanto à certeza ou não do nexo de causalidade com o trabalho, em três espécies:

- efeitos unanimemente reconhecidos como adversos, como, por exemplo, a

exposição ao chumbo gera concentração uinária de ácido deltaaminolevulínico (ALA) superior a 20 mg/l e na exposição ao ruído, que causa acentuada queda da capacidade auditiva;

159 René Mendes, Aspectos Conceituais da Patologia do Trabalho, In: René Mendes (coord.), op. cit., p. 35. 160 Ibidem, p. 36.

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- efeitos que podem ser considerados com adversos, sem que haja provas

epidemológicas suficientes a respeito, como no caso da exposição ao ruído e a redução temporária do limiar da audição;

- e efeitos que podem guardar uma relação com uma exposição e com um dano à

saúde, porém, não há acordo sobre seu significado, como no caso da exposição ao ruído e a ocorrência de presbiacusia 161.

Elizabeth Costa Dias, em seu “Aspectos atuais da saúde do

trabalhador no Brasil”, ensina que, quando se pretende estudar o impacto do trabalho ou dos processos de trabalho particulares sobre a saúde dos trabalhadores, os danos podem ser classificados em dois grande grupos de ocorrências:

- danos que se manifestam de forma aguda: os acidentes de trabalho e as

intoxicações agudas; - danos que se manifestam de modo insidioso: as doenças profissionais típicas e as

doenças do trabalho ou doenças relacionadas ao trabalho.162

Quanto ao grau de gravidade, as lesões geradas pelo processo de trabalho classificam-se em deficiência, incapacidade e desvantagem, espécies essas que são diferenciadas da seguinte forma: - Deficiência: é qualquer perda ou anormalidade da estrutura ou função

psicológica, física ou anatômica. É determinada pelo médico, refletindo um julgamento profissional baseado no resultado do exame físico e de exames complementares. Reflete uma anormalidade anatômica ou funcional que persiste após o tratamento adequado, sem razoável perspectiva de melhora;

- Incapacidade : é qualquer redução ou falta (resultante de uma deficiência) da

capacidade para exercer determinada atividade dentro os limites considerados normais para o ser humano. É um termo legal, uma estimativa da extensão ou do efeito da deficiência sobre a vida de um paciente. Na determinação da incapacidade, outros fatores são também considerados, tais como : idade, sexo, escolaridade, ambiente social e econômico, entre outros; e

- Desvantagem: é um impedimento para determinada pessoa, resultante de uma

deficiência ou de uma incapacidade, que lhe limite ou impeça o desempenho de 161 Ibidem, p. 36. 162 Aspectos atuais da saúde do trabalhador no Brasil.. In : Lys Esther Rocha et al., op. cit., p. 144.

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uma atividade que é considerada normal (levando em consideração a idade, sexo e fatores socioeconômicos e culturais) 163.

A Organização Mundial de Saúde propôs que fossem

considerados “efeitos adversos à saúde” os seguintes: efeitos que indicassem fases iniciais de uma doença clínica, efeitos que não são facilmente reversíveis e indicam uma diminuição da capacidade corporal para manter a homeostase164, efeitos que tornam o indivíduo mais suscetível às conseqüências nocivas de outras influências ambientais, efeitos que fazem com que as medições pertinentes permaneçam fora do “normal”, se se considera que são uma indicação precoce de diminuição da capacidade funcional e, finalmente, efeitos que indicam alterações importantes de ordem metabólica e bioquímica165. Da proposta da Organização Mundial de Saúde tem-se que até o “incômodo”, isto é, resultados do processo de trabalho sobre o trabalhador que lhe causam desconforto, indisposição ou mal-estar, mas que não atingem o conceito de doença166, é descrito como efeito nocivo do trabalho e que deve ser evitado.

Quanto às causas desses efeitos, podem se classificar em acidente, doença inespecífica e doença específica ou profissional.

Trata-se da classificação mais tradicional, em que, por

acidente entende-se o acidente em si ou a disponibilidade do trabalhador para sofrer danos pela concomitância de diversos fatores nocivos. Doença inespecífica é uma classe formada por doenças físicas e psíquicas não diretamente associáveis a uma causa determinada, mas atribuível, ao menos em parte, a um ou mais fatores do ambiente de trabalho. E, finalmente, por doença específica ou profissional entende-se uma doença definida, cuja causa é diretamente identificável tanto para os trabalhadores como para a população geral167. E não é só em relação à integridade física do trabalhador que se vislumbram efeitos do processo do trabalho, mas também há potenciais efeitos à intimidade/privacidade e à honra do Obreiro. 163 Ibidem, p. 217. 164 Homeostase é processo de regulação pelo qual um organismo mantém constante o seu equilíbrio [Termo

criado pelo fisiologista americano Walter Cannon (1871-1945).]. Cf. Dicionário Houaiss da língua portuguesa.

165 René Mendes, op. cit. p. 36. 166 Conceituamos “doença” como alteração biológica do estado de saúde de um ser manifestada por um

conjunto de sintomas perceptíveis ou não e reconhecida e catalogada pela medicina ou “a morbid entity characterized usually by at least two of these criteria: recognized etiologic agent(s), identifiable group of signs and symptoms, or consistent anatomic alterations”. Cf. Stedman's Online Medical Dictionary, 27th Edition.

167 René Mendes, op. cit., p. 37.

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III- CONCLUSÕES FINAIS

Há, sim, não temos dúvida conflito aparente entre normas constitucionais. De um lado as normas constitucionais que inserem direitos fundamentais e de outro lado as normas constitucionais que privilegiam a livre iniciativa (como fundamento do Estado brasileiro e da ordem econômica). Há, assim, que se aplicar, in casu, o princípio da concordância prática ou da harmonização, chegando-se às seguintes conclusões (derivadas da incidência de tal princípio): - há que se ponderar o poder diretivo (como instrumento da livre iniciativa) com os direitos fundamentais dos trabalhadores, fazendo com que esses valores se componham nos casos concretos; - em tais ponderações não se poderá sacrificar seja o poder diretivo, sejam os direitos fundamentais dos trabalhadores, havendo, no entanto, a possibilidade de redução (não eliminação) desse valores (poder diretivo e direitos fundamentais) a fim de viabilizar a harmonização.

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CLT = Consolidação das Leis do Trabalho

OIT = Organização Internacional do Trabalho

PIB – Produto Interno Bruto

OMS – Organização Mundial da Saúde

CUT – Central Única dos Trabalhadores

CGT – Central Geral dos Trabalhadores

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