Direitos_Humanos - Resumo Do Livro Da Flavia Piovesan[1]

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Resumo do Livro Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional de Flvia Piovesan ndice PRIMEIRA PARTE A Constituio Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteo dos Direitos Humanos Captulo I Introduo Captulo II Delimitando e Situando o Objeto de Estudo Captulo III A Constituio Brasileira de 1988 e o Processo de Democratizao no Brasil A institucionalizao dos direitos e garantias fundamentais Captulo IV A Constituio Brasileira de 1988 e os Tratados Internacionais de Proteo aos Direitos Humanos SEGUNDA PARTE O Sistema Internacional de Proteo aos Direitos Humanos Captulo V Precedentes Histricos do Processo de Internacionalizao e Universalizao dos Direitos Humanos Captulo VI Estrutura Normativa do Sistema Global de Proteo Internacional dos Direitos Humanos Captulo VII Estrutura Normativa do Sistema Regional de Proteo dos Direitos Humanos O Sistema Interamericano TERCEIRA PARTE O Sistema Internacional de Proteo dos Direitos Humanos e a Redefinio da Cidadania no Brasil Captulo VIII O Estado Brasileiro e o Sistema Internacional de Proteo dos Direitos Humanos Captulo IX A Advocacia do Direito Internacional dos Direitos Humanos: Casos contra o Estado Brasileiro perante a Comisso Interamericana de direitos Humanos Captulo X Encerramento: O Direito Internacional dos Direitos Humanos e a Redefinio da Cidadania no Brasil

na sistemtica internacional de proteo e quais as conseqncias e seus impactos. Neste diapaso, o livro busca analisar o modo pelo qual a Constituio incorpora os tratados internacionais de proteo aos direitos humanos, atribuindo-lhes um status hierrquico diferenciado, bem como analisando o modo como os tratados internacionais de direitos humanos so capazes de fortalecer o constitucionalismo de direito no pas. Os tratado, apesar de serem direcionados aos Estados pactuantes, acabam por beneficiar os prprios indivduos. Deste modo, a comunidade internacional tenta obrigar os Estados a melhorar as condies de vida dos indivduos e a garantir a eles direitos fundamentais. A anlise sobre a incorporao dos tratados internacionais de direitos humanos, lanando mo do exame de suas peculiaridades, limites e possibilidades, adotar como ponto de partida a reflexo sobre os antecedentes histricos do movimento de internacionalizao dos direitos humanos. O estudo permitir perceber que as atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra Mundial foram as grandes impulsionadoras da universalizao dos discursos sobre direitos humanos. A comunidade internacional passou a perceber que a proteo aos direitos humanos constitui questo de legtimo interesse e preocupao internacional, sendo motivo de transcender e extrapolar o domnio reservado ao Estado ou a sua competncia nacional exclusiva. Sobre o tema, h a explanao de Richard B. Bilder, que assim expe: O movimento do Direito Humano baseado na concepo de que toda nao tem a obrigao de respeitar os direitos humanos de seus cidados e de que todas as naes e a comunidade internacional tm o direito e responsabilidade de protestar, se um Estado no cumprir suas obrigaes. O Direito Internacional dos Direitos Humanos consiste em um sistema de normas, procedimentos e instituies internacionais desenvolvidos para implementar esta concepo e promover o respeito dos direitos humanos em todos os pases, no mbito mundial. (...) Embora a idia de que os seres humanos tenham direitos e liberdades fundamentais, que lhe so inerentes, h muito tempo tenha surgido no pensamento humano, a concepo de que os direito humanos constituem objeto prprio de uma regulao internacional, por sua vez, bastante recente. (...) A anlise das normas internacionais buscar compreender a forma pela qual o sistema normativo de proteo internacional dos direitos humanos atribui aos indivduos status de sujeito internacional, conferindo-lhes diretamente direitos e obrigaes no plano internacional, com capacidade de possuir e exercer direitos e obrigaes de cunho internacional. As atrocidades perpetradas contra os cidados na Segunda Guerra significaram uma verdadeira ameaa paz e estabilidade internacional, gerando uma revoluo no direito internacional. Um novo Cdigo Internacional foi desenvolvido, enumerando e definindo direitos e garantias fundamentais para todos os seres humanos, sendo certo que esses direitos no mais puderam ser concebidos como generosidades dos Estados soberanos, passando a serem inerentes aos indivduos. O reconhecimento de que os indivduos tm os direitos humanos como direitos inerentes sua existncia, implica a mudana na noo de soberania nacional. O Estado que se mostra omissa ou falha na tarefa de proteger os direitos humanos internacionalmente assegurados deve ser responsabilizado na arena internacional, havendo um monitoramento por parte da comunidade internacional. O sistema de proteo internacional, ao constituir uma garantia adicional de proteo, invoca dupla dimenso, quais sejam: a) parmetro protetivo mnimo a ser observado pelos Estados, proporcionando avanos e evitando retrocessos no sistema nacional

PRIMEIRA PARTE A CONSTITUIO BRASILEIRA DE 1988 E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEO DOS DIREITOS HUMANOS CAPTULO I - INTRODUO A proposta do estudo do livro analisar o modo pelo qual o direito brasileiro incorpora os instrumentos internacionais de proteo dos direitos humanos, bem como em que sentido esses instrumentos podem contribuir para o reforo do sistema de implementao de direitos no Brasil, ou seja, verificar o modo pelo qual as normas de direito internacional podem, em dinmica com a Constituio Federal, contribuir para a efetivao dos direitos internacionais no Brasil. Assim, o primeiro passo do trabalho investigar a relao entre a Constituio Federal e os tratados internacionais de proteo dos direitos humanos, vislumbrando sempre que a Constituio um marco jurdico de transio democrtica e da institucionalizao dos direitos humanos no Brasil. Para se chegar ao objetivo do trabalho, importante se analisar se a Constituio, ao estabelecer novos princpios a reger as relaes internacionais do Brasil e ao conferir tratamento especial aos Direitos Humanos, contribuiu para uma nova insero do Brasil

de direitos humanos, e b) instncia de proteo dos direitos humanos, quando as instituies nacionais se mostram falhas ou omissas no dever de proteo desses direitos. Desse modo, a violao dos direitos humanos assegurados por meio de tratado internacional, anteriormente ratificado pelo Estado, matria de legtimo interesse internacional, acarretando a submisso autoridade das instituies internacionais, o que vem a flexibilizar a noo de soberania nacional. No basta para os princpios regedores dos direitos humanos apenas que o Estado cesse com as violaes, mas tambm que este seja responsabilizado, se garantido os remdios adequados para se assegurar a justia. Na parte final deste trabalho, passasse a analisar a posio do Brasil perante os tratados internacionais de direito humano, completandose o estudo com a observao sobre a advocacia do Direito Internacional dos Direitos Humanos no mbito brasileiro, com enfoque sobre as lides que tramitam perante a Comisso Internacional de Direito Humanos, analisando-se qual a advocacia exercida, quais os atores sociais envolvidos e quais os direitos humanos violados. CAPTULO II DELIMITANDO E SITUANDO O OBJETO DE ESTUDO a) Delimitando o Objeto de Estudo: A Constituio brasileira e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. O livro tem como objeto analisar a forma que a Constituio se relaciona com as normas de direito internacional de direitos humanos, a forma pela qual incorpora os tratados internacionais de direitos humanos e o status jurdicos que ela lhes atribui, sendo certo que o trabalho se interessa, ainda, pelo modo pelo qual as normas internacionais de direitos humanos contribuem para a implementao de direitos no mbito brasileiro, reforando, neste sentido, o constitucionalismo de direitos inaugurados pela Constituio de 1988. Adota-se no trabalho o entendimento contemporneo de que os direitos humanos so concebidos como uma unidade indivisvel, interdependente e inter-relacionada, na qual os valores de igualdade e liberdade se conjugam e se completam. Tendo a Constituio Federal como marco jurdico inicial da democratizao, ao institucionalizar os direitos humanos no pas, o estudo busca responder a 3 questes:

previstos e o prprio mecanismo de accountability, quando tais direitos so violados? A partir dessas questes centrais, este trabalho pretende enfocar a relao entre dois termos: a Constituio brasileira de 1988 e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. b) Situando o objeto de estudo: os delineamentos do direito constitucional internacional O tema que se desenvolve neste item visa a inserir o estudo do livro em um ramo do direito, ponderando se o ramo do direito internacional pblico ou no campo do direito constitucional. Ao tentar responder a questo mencionada, pondera, primeiramente, que, enquanto o Direito Internacional Pblico visa disciplinar relaes de reciprocidade e equilbrio entre Estados, por meio de negociaes e concesses recprocas que visam ao interesse dos prprios Estados pactuantes, o Direito Internacional dos Direitos Humanos objetiva garantir o exerccio dos direitos da pessoa humana, o que, por si s j afasta o estudo do plano do direito internacional de direito pblico. Por sua vez o Direito Internacional de Direitos Humanos, ao concentrar o seu objeto nos direitos da pessoa humana, revela um contedo materialmente constitucional, apesar de possuir uma fonte de natureza internacional. Deste modo, o enfoque do trabalho, na verdade, interdisciplinar. uma interao entre o direito constitucional e o Direito Internacional dos Direitos Humanos, apontando para um resultado: Direito Constitucional Internacional. Isto , o trabalho se atm a uma dialtica da relao entre Constituio e Direito Internacional dos Direitos Humanos, no qual cada um dos termos da relao interfere no outro, com ele interagindo. C) Justificativa para a opo metodolgica Primeiramente, no estudo que resultou no livro, houve uma avaliao dos avanos introduzidos pela Carta Magna de 1988 em relao aos direitos e garantias fundamentais, examinado como ela interage com os instrumentos internacionais de proteo dos direitos humanos, bem como o impacto desses instrumentos no direito brasileiro, suscitando uma abordagem aprofundada a respeito do sistema internacional dos direitos humanos. CAPTULO III A CONSTITUIO BRASILEIRA DE 1988 E O PROCESSO DE DEMOCRATIZAO NO BRASIL A INSTITUCIONALIZAO DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. O objetivo do presente captulo avaliar o modo pelo qual a atual Constituio disciplina os direitos e garantias fundamentais, norma que rompeu com o regime autoritrio militar, assegurando direitos fundamentais. Para tanto, faz-se necessrio a compreenso do processo de democratizao no Brasil. a) O processo de democratizao no Brasil e a Constituio brasileira de 1988. Aps vinte e um anos de regime militar ditatorial deflagrou-se o processo de democratizao no Brasil, sendo certo que, segundo a classificao de Guillermo ODonell, no processo de democratizao h duas transies: uma primeira do regime autoritrio anterior para a instalao de um Governo Democrtico, sendo a segunda deste Governo Democrtico para a efetiva vigncia de um regime democrtico. Neste sentido, sustenta-se que, embora a primeira etapa do processo de democratizao j tenha sido alcanada, a segunda fase ainda est se concretizando.

1.

Qual o impacto do processo de democratizao do Brasil, iniciado em 1985, sobre a posio do pas perante a ordem internacional? O processo de democratizao implicou a reinsero do Estado brasileiro na arena internacional de proteo dos direitos humanos, estimulando a ratificao de instrumentos internacionais para esse fim? Como a Constituio brasileira de 1988 ser relaciona com o direito internacional de direitos humanos? De que modo incorpora os instrumentos internacionais de proteo de direitos humanos, como os tratados adotados pelas Naes Unidas e pela Organizao dos Estados Americanos? Qual o impacto jurdico e poltico do sistema internacional de proteo dos direitos humanos no mbito da sistemtica constitucional brasileira de proteo de direitos? Como esse instrumento internacional pode fortalecer o regime de proteo de direito nacionalmente

2.

3.

Com o processo de abertura iniciado pelos prprios militares em razo desses no mais conseguirem solucionar problemas internos, a sociedade civil comeou a se organizar com mobilizaes e articulaes que permitiram a formao de um controle civil sobre as foras militares, exigindo-se, ainda, a elaborao de um cdigo que refizesse o paco poltico-social. Tal processo culminou com a promulgao da Constituio de 1988. A Constituio de 1988 alm de instituir um regime poltico democrtico no Brasil, introduziu um avano na consolidao legislativa das garantias e direitos fundamentais e nos setores vulnerveis da sociedade brasileira, sendo certo que, a partir dela, os direitos humanos ganham um grande relevo. A Carta de 1988 o documento mais abrangente e pormenorizado sobre direitos humanos j adotado no Brasil. A consolidao das liberdades fundamentais e das instituies democrticas no pas muda a poltica brasileira de direitos humanos, possibilitando um progresso significativo no reconhecimento dos direitos internacionais neste mbito. O equacionamento dos direitos humanos na ordem jurdica interna serviu como medida de reforo para que questes dos direitos humanos se impusessem como tema fundamental na agenda internacional do pas. Por sua vez, as repercusses decorrentes dessa nova agenda internacional provocaram mudanas no plano interno e no prprio ordenamento jurdico brasileiro. Essas transformaes geraram um novo constitucionalismo, uma abertura internacionalizao da proteo dos direitos humanos. b) A Constituio brasileira de 1988 e a institucionalizao dos direitos e garantias fundamentais. Primeiramente, importante salientar que a Constituio de 1988 alargou significativamente o campo dos direitos fundamentais, colocando-se entre as constituies mais avanadas do mundo em relao matria. Se, no entender de Joaquim Gomes Canotilho, a juridicidade, a constitucionalidade e os direitos fundamentais so as trs dimenses fundamentais do Estado de Direito, percebe-se que a Carta Magna de 1988 consagra amplamente este entendimento. Em nossa Constituio, dentre os fundamentos que aliceram o Estado Democrtico de Direito destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana, fazendo-se claro que os direitos fundamentais so elementos bsicos para a realizao do princpio democrtico, alm do que, pela primeira vez uma constituio nacional assinala especificamente objetivos ao Estado brasileiro, sendo certo que uns valem como base das prestaes positivas que venham a concretizar a democracia econmica, social e cultural, a fim de efetivar na prtica a dignidade da pessoa humana. Infere-se desses dispositivos a preocupao da Constituio em assegurar os valores da dignidade e do bem-estar da pessoa humana como imperativo da justia social. Sendo assim, o valor da dignidade da pessoa humana se impe como ncleo bsico e informador de todo o ordenamento jurdico, como critrio de valorao e interpretao e compreenso do sistema constitucional. O valor da dignidade da pessoa humana informa a ordem constitucional de 1988, imprimindo-lhe um feio particular. Observando-se o prisma histrico, a primazia do valor da dignidade humana uma resposta profunda crise sofrida pelo positivismo jurdico, associada derrota do fascismo, na Itlia, e do nazismo, na Alemanha, movimentos que promoveram a barbrie em nome da lei. Neste contexto, ao final da Segunda Guerra Mundial, emerge a grande crtica e o repdio concepo positivista de um ordenamento jurdico indiferente a valores ticos, confirmando tica meramente formal.

sob o prisma da reconstruo dos direitos humanos que possvel compreender, no Ps-Guerra, de um lado, a emergncia do chamado Direito Internacional dos Direitos Humanos, e, de outro, a nova feio do direito constitucional ocidental, em resposta ao impacto das atrocidades ento cometidas. No mbito do direito constitucional ocidental, so adotados textos constitucionais abertos a princpios, dotados de elevada carga axiolgica, com destaque para o valor da dignidade da pessoa humana. No caso brasileiro, e de toda Amrica Latina, a abertura das constituies a princpios e a incorporao do valor da dignidade humana demarcaro o incio do processo de democratizao poltica. H uma aproximao da tica com o direito, e, neste esforo, surge a fora normativa dos princpios, especialmente do princpio da dignidade da pessoa humana. H um reencontro dos pensamentos de Kant com a idia de moralidade, dignidade, direito cosmopolita e paz perptua. Para Kant as pessoas so um fim em si mesmas, no podendo ser usadas como meios, devendo tratar-se a humanidade na pessoa de cada ser, sendo certo, para Kant, que a autonomia a base da dignidade humana e de qualquer criatura racional. Ao definir o que seja uma pessoa autnoma, Kant afirma que uma pessoa autnoma somente se tem uma variedade de escolhas aceitveis disponveis para serem feitas e sua vida se torna resultado das escolhas derivadas destas opes. Uma pessoa que nunca teve uma escolha efetiva, ou, tampouco, teve conscincia dela, ou, ainda, nunca exerceu o direito de escolha de forma verdadeira, mas simplesmente se moveu perante a vida, no uma pessoa autnoma. O pensamento de Kant teve uma alta ingerncia no plano internacional, concretizando a emergncia do Direito Internacional dos Direitos Humanos, fundamentado no valor da dignidade humana como valor intrnseco condio humana. J no plano do constitucionalismo local, a vertente kantiana concretizou a abertura das constituies fora normativa dos princpios, com nfase para o Princpio da Dignidade da Pessoa Humana. Sendo assim, h uma verdadeira interao do Direito Internacional dos Direitos Humanos com os direitos locais. Para Canotilho, enquanto o direito do Estado de Direito do sculo XIX e da primeira metade do sculo XX o direito das regras do cdigo, o direito do Estado Constitucional e de Direito leva a srio os princpios, um direito de princpios. Consagra-se, assim, a dignidade da pessoa humana como verdadeiro superprincpio, a orientar tanto o direito internacional como o direito interno. O Princpio da Dignidade da Pessoa Humana, seja no mbito internacional ou interno, unifica e centraliza todo o sistema normativo, assumindo especial propriedade. O sistema jurdico define-se, pois, como uma ordem axiolgica ou teleolgica de princpios jurdicos que apresentam verdadeira funo ordenadora, na medida em que salvaguardam valores fundamentais. A interpretao das normas constitucionais advm, desse modo, de critrio valorativo extrado do prprio sistema constitucional. Os princpios morais, so hoje, integrantes do sistema normativo. Sendo assim, o valor da dignidade da pessoa humana e dos direitos e garantias fundamentais vm a constituir princpios constitucionais que incorporam as exigncias de justia e dos valores ticos, conferindo suporte axiolgico a todo o sistema jurdico. A Constituio resguardar a dignidade da pessoa humana ao privilegiar os direitos fundamentais. Desse modo o Texto de 1988 apresenta em seus primeiros captulos avanada Carta de direitos e garantias elevadas a clusulas ptreas, alm de alargar a dimenso do que se entende por direitos e garantias fundamentas, incluindo,

alm dos direitos civis e polticos, os direitos sociais. Esta foi a primeira constituio brasileira a prev os direitos sociais na declarao dos direitos. Nesta tica, a Carta de 1988 conjuga o direito da liberdade ao da igualdade, no havendo como divorci-los, alm de garantir os direitos difusos e coletivos aqueles pertinentes a determinada classe ou categoria social e estes pertinentes a todos e a cada um. A Constituio de 1988 estende a titularidade de direitos e, ao mesmo tempo, consolida o aumento da quantidade de bens merecedores de tutela, por meio da ampliao de direitos sociais, econmicos e culturais. Os direitos e garantias fundamentais so, assim, dotados de especial fora expansiva, projetando-se por todo o universo constitucional e servindo como critrio interpretativo de todas as normas do ordenamento jurdico. A Carta Magna de 1988 refora, ainda, a imperatividade dos direitos e garantias fundamentais ao instituir o princpio da aplicabilidade imediata de tais normas, nos termos do art. 5, 1 da CF/88, o que reala a fora normativa de todos os preceitos constitucionais referentes a direitos, liberdades e garantias fundamentais. Ao tratar do tema J.J. Canotilho afirma que os direitos, liberdades, garantias, so regras e princpios jurdicos imediatamente eficazes e actuais, por via direta da Constituio e no atravs de actoritas interpositivo do legislador. No so simples norma normarum, mas norma normata, isto , no so meras normas para a produo de outras normas, mas sim normas diretamente reguladoras de relao jurdico-materiais. (...) Aplicao direta no significa apenas que os direitos, liberdades e garantias se aplicam independentemente da interveno legislativa. Significa tambm que eles valem directamente contra a lei, quando esta estabelece restries em desconformidade com a Constituio neste contexto que se deve fazer a leitura dos dispositivos constitucionais pertinentes proteo internacional dos direitos humanos, e neste tema a Constituio tambm registra inditos avanos. c) Os princpios constitucionais a reger o Brasil nas relaes internacionais. A Constituio de 1988 a primeira a constituio nacional a trazer a prevalncia dos direitos humanos como princpio a reger o Brasil na ordem internacional. Na realidade, foi a primeira constituio a fixar valores a orientar a agenda internacional do Brasil. O art. 4 da CF/88 traz vrios princpios que devem reger o Brasil nas relaes internacionais, dentre eles encontra-se a prevalncia dos direitos humanos (inc.II). De fato, a Constituio de 1988 introduz inovaes extremamente significativas no plano das relaes internacionais. Se, por um lado, esta Constituio reproduz tanto a antiga preocupao vivida no Imprio, que se refere independncia nacional e nointerveno, como reproduz ainda os ideais republicanos voltados defesa da paz, a Carta de 1988 inova ao realar uma orientao nacionalista jamais vista na histria constitucional brasileira. A orientao internacionalista se traduz nos princpios da prevalncia dos direitos humanos, da autodeterminao dos povos, do repdio ao terrorismo e ao racismo e da cooperao para o progresso da humanidade, nos termos do art. 4, inc. II, III, VIII e IX. Ao romper com a sistemtica das Cartas anteriores, a Constituio de 1988, ineditamente, consagra o primado do respeito aos direitos humanos como paradigma propugnado para a ordem internacional. Esse princpio invoca a abertura da ordem jurdica interna ao sistema internacional de proteo aos direitos humanos. A prevalncia dos direitos humanos, como princpio a reger o Brasil

no mbito internacional, no implica apenas o engajamento do Pas no processo de elaborao de normas vinculadas ao Direito Internacional dos Direitos Humanos, mas sim a busca pela plena integrao de tais regras na ordem jurdica brasileira. Implica, ademais, o compromisso de adotar uma posio poltica contrria aos Estados em que os direitos humanos sejam gravemente desrespeitados. Uma outra conseqncia da adoo da prevalncia dos direitos humanos como fundamento das relaes internacionais uma mudana na concepo tradicional de soberania absoluta, haja vista que a soberania brasileira fica submetida a regras jurdicas, tendo como parmetro obrigatrio a prevalncia dos direitos humanos. H uma relativizao e uma flexibilizao em prol da proteo dos direitos humanos. Se para o Estado brasileiro a prevalncia dos direitos humanos princpio a reger o Brasil no cenrio internacional, est-se conseqentemente admitindo a concepo de que os direitos humanos constituem tema de legtima preocupao e interesse da comunicada internacional. Os direitos humanos, nesta concepo, surgem para a Carta Magna de 1988 como tema global. Cabe ainda ressaltar que o princpio da prevalncia dos direitos humanos contribuiu de forma definitiva para o sucesso da ratificao, pelo Estado brasileiro, de instrumentos internacionais de proteo dos direitos humanos, como foi, por exemplo, com a Conveno Americana de Direitos Humanos o Pacto de San Jos. CAPTULO IV - A CONSTITUIO BRASILEIRA DE 1988 E OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE PROTEO AOS DIREITOS HUMANOS a) Breves Consideraes sobre Tratados Internacionais Os tratados internacionais, enquanto acordos internacionais juridicamente obrigatrios e vinculante (pacta sunt servanda), constituem hoje a principal fonte de obrigao do direito internacional, papel anteriormente ocupado pelo costume internacional. Tal como no mbito interno, em virtude do movimento ps positivista, cada vez mais os princpios gerais do direito passam a ganhar maior relevncia no direito internacional contemporneo. Os tratados internacionais no necessariamente consagram novas regras de direito internacional. H casos em que eles so criados apenas para codificar as regras preexistentes, consolidando os costumes internacionais ou, ainda, modificando-os. Diante da crescente utilizao dos tratados como norma imperativa nas relaes internacionais surgiu a necessidade de se regular o processo de formao dos tratados internacionais, o que aconteceu na Conveno de Viena, concluda em 1969. Pode-se dizer que a Conveno de Viena a Lei dos Tratados Internacionais, contudo ela limitou-se a normatizar os tratados internacionais celebrados entre Estados, no incluindo aqueles dos quais participam organizaes internacionais. Para o estudo do trabalho do livro, importa to-somente os tratados celebrados entre Estados. Sendo assim, importa salientar que os tratados internacionais s se aplicam aos Estados-partes, ou seja, queles Estados que expressamente consentiram em sua adoo, no podendo criar obrigaes para os demais Estados. Enfatize-se que os tratados so, por sua excelncia, expresso de consenso. Apenas pela via do consenso podem os tratados criar obrigaes legais, uma vez que Estados soberanos, ao aceit-los, compromete-se a respeit-lo, o que prev o art. 52 da Conveno de Viena. A Conveno de Viena determina, ainda, que Todo tratado em vigor obrigatrio em relao s partes e deve ser

cumprido por elas de boa-f e que Uma parte no pode invocar disposies de seu direito interno como justificativa para o nocumprimento do tratado (art. 27 da Conveno de Viena). Importante ressalta que, para contribuir para a adeso do maior nmero de Estados, permite-se que o tratado seja formulado com reservas. Nos termos da Conveno de Viena, reservas constituem uma declarao unilateral feita pelo Estado, quando da assinatura, ratificao, acesso, adeso ou aprovao de um tratado, com o propsito de excluir ou modificar o efeito jurdico de certas previses do tratado, quando se sua aplicao naquele Estado. Entretando, so inadmissveis reservas que se mostrem incompatveis com o objeto do tratado, nos termos do art. 19 da Conveno de Viena. b) O processo de formao dos tratado internacionais A sistemtica de celebrao dos tratados internacionais deixada a critrio de cada Estado, o que acarreta uma variao significativa em relao s exigncias constitucionais para o processo de formao dos tratados. Em geral, o processo dar-se da seguinte forma: Primeiramente inicia-se com os atos de negociao, concluso e assinatura, que so de competncia do Poder Executivo. A assinatura do tratado significa um aceite precrio e provisrio, no implicando efeitos jurdicos vinculantes ao Estado. Via de regra, a assinatura do tratado indica apenas que o tratado autentico e definitivo. O segundo passo a apreciao e aprovao pelo Pode Legislativo. Aps a apreciao pelos parlamentares vem a ratificao, sob a competncia do Poder Executivo. A ratificao significa a confirmao formal por um Estado de que est obrigado ao tratado no plano internacional. o aceito definitivo. A ratificao um ato necessrio para que o tratado passe a ter obrigatoriedade tanto no plano internacional quanto no plano interno. Como etapa formal, o instrumento de ratificao deve ser depositado em um rgo que assuma a custdia do instrumento. No Brasil, a Constituio de 1988 determina que de competncia exclusiva do Presidente da Repblica celebrar tratados, convenes e acordos internacionais, competindo exclusivamente ao Congresso Nacional resolver definitivamente sobre os tratados, acordos e atos internacionais. H uma colaborao entre os Poderes Executivo e Legislativo na concluso dos tratados internacionais. Logo, os tratados internacionais demandam, para seu aperfeioamento um ato complexo no qual se integram a vontade do Presidente da Repblica, que os celebra, e a do Congresso Nacional, que os aprova por meio de decreto legislativo. A colaborao entre os Poderes Executivo e Legislativo uma tradio na histria das constituies do Brasil. O mtodo adotado pelo Brasil uma forma de descentralizar o poder de celebrar tratados, prevenindo o abuso desse poder. Para os constituintes, o motivo principal da instituio de uma particular forma de cheks and balances talvez fosse o de proteger os direitos de alguns Estados, mas o resultado foi o de evitar a concentrao do poder de celebrar tratados no Executivo, como era ento a experincia europia. Importante observar que a Constituio s prev a sistemtica da formao dos tratados internacionais em duas normas, quais sejam, o art. 84, inc. VIII e o art. 49, inc. I). Sendo assim, em relao ao tema em apreo a Carta Magna ficou lacunosa, sem haver uma normatizao, por exemplo, do prazo para que o Congresso Nacional aprecie o tratado j assinado pelo Poder Executivo, ou um prazo para que o Presidente da Repblica encaminhe ao Congresso Nacional o tratado j assinado. Essa falta de normas acaba por

contribuir para a afronta ao Princpio da boa-f que norteia o direito internacional. c) Hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos Diferentemente do que ocorria no passado, a relao ente Direito Internacional e Direito Interno no mais uma problemtica apenas acadmica, mas sim bastante pragmtica, haja vista a crescente adoo de tratados cujo escopo no mais a relao entre Estados, mas a relao entre Estados e seus prprios cidados. A eficcia desses tratados depende essencialmente da incorporao de suas previses no ordenamento interno de cada pas. A Carta de 1988, ao fim da Declarao de Direitos, consagra que os direitos e garantias nelas previstos no excluem outros decorrentes do regime de princpios por ela adotado, ou dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte, conforme art. 5, 2 da CF/88. A Constituio de 1967, previa apenas que os direitos e garantias expressos naquela constituio no outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princpios que ela adotava. Sendo assim, a Carta Magna de 1988 inovou ao acrescentar entre os direitos constitucionalmente protegidos os direitos enunciados nos tratados internacionais. Pois bem, se a Constituio prescreve que os direitos e garantias expressos na Constituio no excluem outros direitos decorrentes dos tratados internacionais, a contrario sensu, a Carta de 1988 est a incluir, no catlogo de direitos constitucionalmente protegidos, os direitos enunciados nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte. Esse processo de incluso implica a incorporao pelo Texto Constitucional de tais direitos. Ela, ao efetuar a incorporao, atribui aos direitos internacionais uma natureza diferenciada, qual seja, uma natureza de norma constitucional. Fazendo-se uma interpretao axiolgica e sistemtica no Texto Constitucional, especialmente em face da fora expansiva dos valores da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, chega-se a concluso de que os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos de que o Brasil parte integram, portanto, o elenco dos direitos constitucionalmente consagrados. Um outro argumento que refora a idia de que os direitos enunciados em tratados internacionais possuem hierarquia constitucional o fato de que os direitos fundamentais possuem natureza materialmente constitucional. A Constituio assume expressamente no seu art. 5, 2 o contedo constitucional dos direitos constantes dos tratados internacionais dos quais o Brasil parte, ainda que no sejam enunciados sob a forma de normas constitucionais. Para J.J. Canotilho, o programa normativo-constitucional no pode se reduzir, de forma positivista, ao texto da Constituio. H que densificar, em profundidade, as normas e princpios da constituio, alargando o bloco de constitucionalidade a princpio no escritos, mais ainda reconduzveis ao programa normativo-constitucional, como formas de densificao ou revelao de princpios ou regras constitucionais positivamente plasmadas. Os direitos internacionais integrariam, assim, o chamado bloco de constitucionalidade, densificando a regra constitucional positivada no 2 do art. 5 da CF, caracterizada como clusula constitucional aberta. Jos Afonso da Silva tambm defende o entendimento de que o art. 5, 2 da CF abre espao para que hajam clusulas abertas constitucionais ao lecionar o seguinte: a circunstncia de a Constituio mesma admitir outros direitos e garantias individuais no enumerados, quando, no pargrafo 2 do art. 5, declara que os direitos e garantias previstos neste artigo no excluam outros decorrentes dos princpios e do regime adotado pela Constituio e dos tratados internacionais em que a Repblica Federativa do Brasil seja parte. Para o constutucionalista h 3 classes de direitos individuais: a) os expressos, explicitamente individuados no art. 5;

b) os implcitos, subentendidos nas regras de garantias; c) os decorrentes do regime e de tratados internacionais subscritos pelo Brasil. Contudo, a classificao supramencionada peca pelo fato de equiparar os direitos decorrentes dos tratados internacionais aos decorrentes dos princpios e dos regimes adotados pela Constituio. Enquanto estes ltimos no so nem implcita nem explicitamente enumerados, sendo de difcil caracterizao a priori, os direitos constantes dos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte so expressos, enumerados e claramente elencados, no podendo ser considerados de difcil caracterizao a priori. Observe-se que, diferentemente da Constituio Portuguesa, onde a clusula de abertura faz referncia a todo o direito internacional, a Constituio brasileira refere-se especificamente aos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte. H a proposta de uma nova classificao dos direitos previstos pela Constituio: a) os direitos expressos na Constituio; b) os direitos expressos em tratados internacionais nos quais o Brasil seja parte e c) os direitos implcitos, que so os direitos que esto subentendidos nas regras de garantias, bem como os decorrentes do regime e dos princpios adotados pela Constituio. Logo, os direitos implcitos so imprecisos, vagos, elsticos, enquanto os direitos expressos na Constituio e nos tratados internacionais de que o Brasil seja parte compem um universo claro e preciso. A Constituio de 1988 recepciona os direitos enunciados em tratados internacionais de que o Brasil seja parte conferido-lhes natureza de norma constitucional. Tal interpretao consoante com o princpio da mxima efetividade das normas constitucionais. No dizer de Jorge Mirando, a uma norma fundamental tem de ser atribudo o sentido que mais eficcia lhe d; a cada norma constitucional preciso conferir, ligada a todas as outras normas, o mximo de capacidade de regulamentao. Para Konrad Hesse, (...) A dinmica existente na interpretao construtiva constitui condio fundamental da fora normativa da Constituio e, por conseguinte, de sua estabilidade. Caso ela venha a faltar, torna-se inevitvel, cedo ou tarde, a ruptura da situao jurdica vigente. Importante salientar que toda norma constitucional so verdadeiras normas jurdicas e desempenham uma fora til no ordenamento. Nenhuma norma constitucional se pode dar interpretao que lhe retire ou diminua a razo de ser. Considerando os princpios da fora normativa da Constituio e da tima concretizao da norma, norma constitucional deve ser atribudo o sentido de maior eficcia lhe d, especialmente tratando-se de norma de direito fundamental. Para Canotilho, (...) no caso de dvidas deve preferir-se a interpretao que reconhea maior eficcia aos direitos fundamentais. Deste modo, ao entender que os direitos constantes dos tratados internacionais passam a integrar o catlogo dos direitos constitucionalmente previstos, est-se a conferir a mxima eficcia aos princpios constitucionais, em especial ao princpio do art. 5, 2 da CF/88. de suma importncia enfatizar que, enquanto os demais tratados internacionais tm fora de norma infraconstitucional, os direitos enunciados em tratados internacionais de proteo aos direitos humanos apresentam valor de norma constitucional. Observe-se que a hierarquia infraconstitucional dos demais tratados internacionais extrada do art. 102, III, b da CF, norma que confere competncia ao Supremo Tribunal Federal para julgar recurso extraordinrio as causas decididas em nica ou ltima instncia, quando a deciso recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal. Sustenta-se, assim, que os tratados internacionais que no tratem de direitos fundamentais possuem a hierarquia de norma infraconstitucional, contudo com fora supralegal. Esse posicionamento busca sua fundamentao no princpio da boa-f, vigente no direito internacional (o pacta sunt servanda), e que tem

reflexo no art. 27 da Conveno de Viena, segundo o qual no cabe ao Estado invocar disposies de seu direito interno como justificativa para o no-cumprimento de tratados. Contudo, a doutrina brasileira, ao interpretar o mencionado dispositivo constitucional, a tendncia acolher a concepo de que os tratado internacionais e as leis federais apresentam a mesma hierarquia jurdica, aplicando-se o princpio lei posterior revoga lei anterior que seja com ela incompatvel. Essa concepo compromete no apenas o princpio da boa-f do direito internacional, mas tambm afronta a prpria Conveno de Viena. O STF, com base no raciocnio da maioria dos doutrinadores, vem adotando desde 1977 o entendimento de que as Leis Federais e os tratados internacionais tm a mesma hierarquia. Observe-se que, anteriormente a 1977 h diversos acrdos consagrando o primado do Direito Internacional em que o tratado internacional no pode ser revogado por lei interna. Contudo, a tendncia mais recente no Brasil de que uma lei possa revogar um tratado anterior, posicionamento adotado a partir do julgamento do recurso extraordinrio n 80.004. Em seu voto, o Ministro Francisco Rezek ponderou que a lei interna revoga tratado internacional anterior com ele incompatvel, sem embargos das conseqncias pelo descumprimento do tratado no plano internacional. Sendo assim, esse novo posicionamento adotado pelo STF a partir de 1977 desprestigia o princpio da boa-f vigente no Direito Internacional, podendo acarretar sanes pelo descumprimento dos tratados. Vale dizer que, para o regime do direito internacional, apenas o ato de denncia implica a retirada do Estado de determinado tratado internacional. Sem o mencionado ato de denncia, persiste a responsabilidade do Estado na ordem internacional. O fundamento utilizado para, que na interpretao do art. 102, inc. III, alnea b da CF, houvesse uma equiparao hierrquica entre as leis e os tratados internacionais foi que inexiste, na perspectiva do modelo constitucional vigente no Brasil, qualquer precedncia ou primazia hierrquico-normtiva dos tratados internacionais sobre o direito positivo interno, sobretudo em face das clusulas inscritas no texto Constitucional, eis que a ordem normativa internacional no se sobrepe ao que prescreve a Carta Magna. O livro, contudo, defende posicionamento contrrio. Acredita-se que, ao conferir aos tratados internacionais de direitos humanos a hierarquia constitucional, com observncia do princpio da prevalncia da norma mais favorvel, interpretao que se situa em absoluta consonncia com a ordem constitucional de 1988, bem como com a sua racionalidade e principiologia. Alm de no concordar com o posicionamento do STF supra, insiste-se que, em relao aos tratados internacionais de direitos humanos no h como rechaar o seu status constitucional. aceitvel que um tratado internacional comum tenha fora de lei, mas em relao aos tratados internacionais de direitos humanos em que o Brasil seja parte no h como se rechaar a sua hierarquia de norma constitucional. Este tratamento diferenciado, conferido pelo art. 5, 2 da CF justifica-se na medida em que, enquanto os tratados internacionais comuns tratam de relaes entre os Estadospartes, os tratados internacionais de direitos humanos objetivam a salvaguarda dos direitos do ser humano, e no das prerrogativas dos Estados. O Estado que firma um tratado internacional de direitos humanos assume compromissos perante os cidados que se encontram sob a sua jurisdio e no em relao ao outro Estado. Ao lado do carter especial dos tratados internacionais de direitos humano, pode-se acrescentar o argumento de que os tratados de direitos humanos apresentam carter mais tcnico, formando um universo de princpios que apresentam especial fora obrigatria,

denominada jus cogens. Na percepo crtica de Hilary Charlesworth e Christine Chinkin, Jus cogens definido como um conjunto de princpios que resguarda os mais importantes e valiosos interesses da sociedade internacional, como expresso de uma convico, aceita em todas as naes, satisfazendo o superior interesse da comunidade internacional como um todo, como os fundamentos de uma sociedade internacional, sem os quais a inteira estrutura se romperia. Os direitos humanos mais essenciais so considerados parte do jus congens. Em relao ao tema, os autores Andr Gonalves e Fausto de Quadros que um dos traos mais marcantes da evoluo do Direito Internacional contemporneo foi, sem dvida, a consagrao definitiva do jus congens no topo da hierarquia das fontes do Direito Internacional, como uma supra-legalidade internacional. Com base nestes argumentos, pode-se sustentar que o direito brasileiro faz a opo por um sistema misto disciplinador dos tratados. Um regime aplicado aos tratados internacionais de direitos humanos, em que, por fora do art. 5, 2 da CF/88, apresentam hierarquia de norma constitucional, e um outro regime para os demais tratados internacionais, que apresenta hierarquia de infraconstitucional. Em suma, a hierarquia constitucionais das normas vinculadas por meio de tratados internacionais de direitos humanos emergem de uma interpretao axiolgica e sistemtica do art. 5, 2 da CF em relao Carta Magna, particularmente da prioridade que atribui aos direitos fundamentais e ao princpio da dignidade da pessoa humana. Importa salientar que, alm das duas correntes j mencionadas, uma que entende que os tratados internacionais de direitos humanos devem ser recepcionados na norma interna com status de norma constitucional e a outra que, ao revs, entende que deva ser integrado ao sistema normativo interno com fora equivalente a uma lei - esta ltima a corrente adotada pelo STF - h duas outras correntes. Uma sustenta que os tratados internacionais de direitos humanos possuem um status supraconstitucional, sendo certo que a outra entende que estas normas possuem fora infraconstitucional, porm supralegal. Em relao corrente que entende que os tratados internacionais de direitos humanos, os seus defensores fundamentam as suas teses em que os mencionados tratados, em verdade, so normas supranacionais, pois, ao observar que expresso no excluem constante no art. 5, 2 no pode ser concebido um alcance meramente quantitativo, devendo ser interpretada tambm em caso de conflito entre as normas constitucionais e o Direito Internacional em matria de direitos fundamentais, devendo ser este ltimo que deve prevalecer. Para os defensores da ltima corrente, qual seja, a que entende que os tratados internacionais de direitos humanos devem possuir uma hierarquia infraconstitucional, porm supralegal, equiparar os tratados internacionais de direitos humanos com as leis seria esvaziar em demasia o alcance do art. 5, 2 da CF. Este grupo recusa a supremacia de qualquer conveno internacional sobre a constituio, porm no se deve chegar ao ponto de igualar o status das leis aos tratados internacionais de direitos humanos, defendendo a tese de que o art. 5, 2 acabou por traduzir uma abertura dos direitos significativa ao movimento de internacionalizao de direitos humanos. No intuito de dirimir as controvrsias doutrinrias e jurisprudenciais, foi criada na Emenda Constitucional n 45 o 3 do art. 5 da CF, por meio do qual ficou determinado que os tratados internacionais de direitos humanos que formem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trs quintos dos respectivos membros sero equivalentes s emendas constitucionais. Contudo, em face das argumentaes j expostas,

conclui-se que a hierarquia constitucional j se extrai de interpretao conferida ao prprio art. 5, 2 da CF/88. Por fora da indigitada norma, todos os tratados internacionais de direitos humanos so materialmente constitucionais compondo o bloco de constitucionalidade. O quorum requerido pelo 3 do art. 5 est apenas proporcionando a constitucionalizao formal dos tratados de direitos humanos no mbito interno. Sendo assim, hierarquia dos valores deve corresponder a hierarquia das normas, e no o contrrio. Importa salientar que deve ser rechaado o entendimento de que os tratados que j foram ratificados devem ser recepcionado com fora de lei em razo de no terem o quorum determinado pelo 3 do art. 5 da CF. Observe-se que os tratados internacionais de proteo aos direitos humanos ratificados anteriormente EC n 45 contaram com a ampla maioria dos deputados e senadores, sendo certo que em muitos casos houve a superao do quorum de 3/5, no havendo apenas a votao em dois turnos porque na poca no havia esta previso. Celso Lafer, ao defender o entendimento que os tratados internacionais, mesmo os ratificados antes da EC n 45/2004 j possuem status de norma constitucional, argumenta que p novo pargrafo 3 do artigo 5 da Constituio pode ser considerado como uma lei interpretativa, destinada a encerrar as controvrsias doutrinrias e jurisprudenciais suscitadas pelo pargrafo 2. Para a doutrina, lei interpretativa aquela que to somente declara uma situao pr-existente, ao clarificar a lei existente. Os argumentos que fundamentam o entendimento de que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados antes da EC n 45/2004 possuem fora constitucional so os seguintes: a) a interpretao sistemtica da Constituio, de forma a dialogar os 2 e 3 do art. 5 da CF/88, j que o ltimo no revogou o primeiro, mas deve ser interpretado luz do sistema constitucional; b) a lgica e racionalidade material que devem orientar a hermenutica dos direitos humanos; c) a necessidade de evitar interpretaes que apontem a agudos anacronismos da ordem jurdica; e d) a teoria geral da recepo do direito brasileiro. Sendo assim, com o advento do 3 do art. 5 da CF/88 por meio da EC 45/2004, surgem dois tipos de tratados internacionais de direitos humanos, quais sejam: a) os materialmente constitucionais, que so os que possuem, que por fora do 2 do art. 5 norma materialmente constitucional independentemente do seu quorum de ratificao; b) os materialmente e formalmente constitucional, que so os tratados internacionais de direitos humanos que tenham sido ratificado com o quorum exigido pelo 3 do art. 5 da CF/88. Neste ltimo caso, alm de natureza material constitucional, a norma ser formalmente constitucional. Resta salientar que entre os tratados internacionais de direitos humanos que so meramente materialmente constitucionais e os que so materialmente e formalmente constitucionais h uma diferena de regimes jurdicos que se aplica aos tratados. Enquanto os tratados materialmente constitucionais podem ser suscetveis de denncia, os tratados materialmente e formalmente constitucionais no podem ser objeto de denncia. Atente-se, ainda, que ao se admitir a natureza constitucional de todos os tratados internacionais de direitos humanos, estar-se- a admitir que os direitos neles vinculados, assim como os demais direitos e garantias consagrados pela Constituio, tornar-se-o clusulas ptreas, nos termos do art. 60, 4 da CF, no podendo vir a serem modificados por meio de Emenda Constitucional. Cabe apontar, contudo, que, embora os direitos internacionais sejam alcanados pelo art. 60, 4 da CF, e no possam ser eliminados por Emenda Constitucional, os tratados internacionais de direitos

humanos materialmente constitucionais so suscetveis de denncia por parte do Estado signatrio. Os direitos internacionais apresentam esta peculiaridade. Tendo sido prevista a regra da denncia no tratado, o Estado parte pode denunci-lo a fim de no mais ficar vinculado s obrigaes assumidas quando da ratificao do tratado internacional de direitos humanos sem o quorum do 3. Devido peculiaridade mencionada, considera-se mais coerente a aplicao ao ato da denncia o mesmo procedimento aplicvel ao ato de ratificao, ou seja, se para a ratificao necessrio um ato complexo, fruto da conjugao das vontades do Poder Executivo com o Legislativo, para o ato de denncia mister a aplicao do mesmo procedimento. Entretanto isso no ocorre no Brasil. No direito brasileiro, a denncia continua a ser ato privativo do Executivo, sem qualquer participao do Legislativo. Importante salientar que aos tratados internacionais de direitos humanos materialmente e formalmente constitucionais no podem ser objeto de denncia. Isto se deve ao fato de que os direitos nele enunciados receberam assento no Texto da Constituio no apenas pela materialidade que o vincula, mas tambm pelo alto grau de legitimidade popular contemplado pelo especial e dificultoso processo de sua aprovao. Sendo assim, no h como se admitir que, aps a passagem por um difcil processo de aprovao, um ato isolado do Presidente da Repblica possa subtrair tais direitos do patrimnio popular. Para finalizar, importa examinar de forma breve o modo pelo qual o direito comparado trata da interao dos tratados internacionais de direitos humanos e a ordem jurdica nacional. A sistemtica constitucional introduzida pela Constituio de 1988 se situa num contexto em que inmeras Constituies latino-americanas buscam dispensar aos preceitos constantes dos tratados internacionais de direitos humanos uma natureza jurdica privilegiada. Na Constituio da Argentina, aps a reforma constitucional de 1994, enquanto os tratados internacionais em geral possuem uma hierarquia infraconstitucional, porm supralegal, os tratados internacionais de direitos humanos possuem uma fora de norma constitucional, completando os direitos e garantias constitucionalmente reconhecidos. Na Constituio da Venezuela, os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pela Venezuela tm hierarquia constitucional e prevalecem sobre a ordem interna, na medida que contenham normas sobre o seu gozo e exerccio mais favorveis s estabelecidas pela Constituio e so de aplicao imediata e direta pelos tribunais e demais rgos do poder pblico. No Peru, a sua atual Constituio de 1993 consagra que os direitos internacionalmente reconhecidos devem ser interpretados consoante a Declarao Universal de Direitos Humanos e os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Peru. Na Nicargua, a sua Constituio confere hierarquia constitucional aos direitos constantes dos instrumentos internacionais de proteo dos direitos humanos. Um outro exemplo a Constituio da Guatemala, na qual se prev que os direitos e garantias nela previstos no excluem outros, adicionando, ainda, que os tratados internacionais de direitos humanos tm preeminnica sobre o direito interno. Tambm a Constituio do Chile, reformada em 1989, consagra o dever dos rgos do Estado de respeitar e promover os direitos garantidos pelos tratados internacionais ratificados por aquele pas. nesse contexto que se insere a inovao do art. 5, 2 da CF/88. Ao estatuir que os direitos e neles expressos no excluem outros, decorrentes de tratados internacionais em que o Brasil seja parte, a Constituio de 1988 passa a incorporar os direitos enunciados nos tratados de direitos humanos ao universo dos direitos constitucionalmente consagrados.

d) A incorporao dos tratados internacionais de direitos humanos O art. 5, 1 da CF/88 consagra o princpio da aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais. Ora, se as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais demandam aplicao imediata e se, por sua vez, os tratados internacionais de direitos humanos tm por objeto justamente a definio de direitos e garantias, conclui-se que tais normas merecem aplicao imediata. Sendo assim, diferentemente do que ocorre com os tratados internacionais em geral, para os quais se exige a intermediao pelo Poder Legislativo de ato com fora de lei para que as suas disposies tenham vigncia no ordenamento interno, para os tratados internacionais de direitos humanos em que o Brasil parte, os direitos fundamentais neles assegurados passam a integrar os direitos constitucionalmente consagrados imediatamente. o que se extrai da interpretao do art. 5, 2 e 3. Em outras palavras, no ser mais possvel a sustentao da tese a qual, com a ratificao, os tratados obrigam diretamente os Estados, mas no geram direitos subjetivos. Torna-se possvel a invocao imediata dos tratados de direitos humanos sem a necessidade de edio de ato com fora de lei. A incorporao imediata gera pelo menos 3 conseqncias: a) o particular pode invocar diretamente os direitos e liberdades internacionalmente assegurados; b) probe condutas e atos violadores a esses mesmos direitos, sob pena de invalidao e c)a partir da entrada em vigor do tratado internacional, toda norma preexistente que seja com ele incompatvel perde automaticamente a sua vigncia. Ademais, passa a ser recorrvel qualquer deciso judicial que violar as prescries do tratado, haja vista o Recurso Especial a ser interposto contra deciso contrariar tratados, nos termos do art. 105, III, a da CF. Importa mencionar a lio de Agustn Gordillo, para quem, no apenas o Tribunal nacional, mas tambm e especialmente o Tribunal internacional competente, esto expressamente facultados a declarar a antijuridicidade da conduta e, conseqentemente, invalid-la, aplicando ainda sanes pecunirias em favor da pessoa fsicas que sofreu violao a direito fundamental, por atos, aes ou omisses de sua pas, no plano interno. Mister ressaltar que alm da sistemtica da incorporao automtica do direito internacional, h a sistemtica da incorporao legislativa. Pela primeira, o Estado reconhece a plena vigncia do direito internacional na ordem interna a partir da ratificao do tratado, passando a viger ao mesmo tempo tanto na ordem jurdica internacional como na interna. No h a necessidade de uma norma de direito interno. Essa sistemtica de incorporao imediata reflete a concepo monista, pela qual o direito internacional e o interno compem a mesma unidade, uma nica ordem jurdica. J na sistemtica da incorporao legislativa, o Estado recusa a vigncia imediata do direito internacional na ordem interna, necessitando da sua reproduo por uma norma interna. Neste sistema a ordem internacional e a interna so duas ordens jurdicas distintas, refletindo a concepo dualista h duas ordens jurdicas independente e autnomas. Em caso de conflito entre as normas nacionais e as internacionais, h de ser perquirir, inicialmente, qual a sistemtica adotada pelo pas, a monista ou a dualista. Caso seja a dualista no h maiores esclarecimentos a serem feitos, haja vista que, por este sistema h inteira independncia entre as ordens jurdicas nacionais e internacionais. Vindo a ser adotada pelo Estado a sistemtica monista, h de se observar se o monismo com o primado do

direito nacional ou se um monismo com primado da norma internacional. No primeiro caso, em caso de conflito entre a norma internacional e a interna, prevalece a norma interna, j no segundo caso, prevalece a norma de direito internacional. Diante dessas duas sistemticas, conclui-se que no Brasil adota-se uma sistemtica mista, na qual, para os tratados internacionais de direitos humanos, por fora do art. 5, 1 da CF/88, tm vigncia imediata, enquanto para os demais tratados se aplica a sistemtica da incorporao legislativa, fazendo-se necessrio a intermediao de um ato normativo para tornar o tratado obrigatrio na ordem interna. Diferentemente do que ocorre em relao aos tratados de direitos humanos, em que h norma expressa na Constituio que determina a sua incorporao imediata ao sistema jurdico interno, art. 5, 1 e 2 da CF, em relao aos demais tratados no h qualquer meno sobre a sua vigncia no ordenamento interno. Por isso a maioria dos doutrinadores entendem que em relao aos tratados internacionais em geral aplica-se a sistemtica dualista, ou seja, h a necessidade de uma norma interna a fim de que o tratado passe a ter vigncia interna. Porm para o trabalho, em se tratando de tratados sobre direitos humanos, os mesmos tm aplicao imediata, sem a necessidade da expedio do Decreto de Execuo, conforme determina o art. 5, 1 da CF/88. J para os demais tratados o Decreto de Execuo imprescindvel para que as normas internacionais tenham vigncia no direito interno. No que pese as argumentao explanadas no presente trabalho, para a jurisprudncia do STF a expedio do decreto essencial para que o tratado internacional seja incorporado ao ordenamento interno. Em sntese, em relao aos tratados internacionais de direitos humanos, a Constituio, em seu art. 5, 1, acolhe a sistemtica da incorporao automtica, refletindo a sistemtica monista, conferindo-lhes, ainda, o status de norma constitucional, por fora do art. 5, 2 e 3. O regime diferenciado, todavia, no se aplica aos tratados internacionais tradicionais, havendo a necessidade, para a sua vigncia no ordenamento jurdico interno, da expedio de uma norma interna, alm de no possurem fora hierrquica constitucional. Importa salientar que a sistemtica de incorporao automtica tem sido uma tendncia de algumas Cartas Contemporneas, como ocorre na Constituio portuguesa, na alem, na espanhola, na francesa, na holandesa. Diante do que foi exposto, cabe ao Poder Judicirio e aos demais Poderes Pblicos assegurar a implantao no mbito nacional das normas internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil. As normas internacionais que consagram os direitos humanos tornam-se passveis de vindicao e pronta aplicao ou execuo perante o Poder Judicirio. Os indivduos tornam-se, portanto, beneficirios dos direitos de instrumentos internacionais votados proteo dos direitos humanos. e) O impacto jurdico dos tratados internacionais de direitos humanos no direito interno brasileiro. Em relao ao impacto jurdico dos tratados internacionais de direitos humanos no direito brasileiro, levando-se em conta a hierarquia constitucional desses tratados, trs so as hipteses que podem ocorrer, quais sejam, o direito enunciado no tratado: a) coincidir com o direito assegurado na Constituio; b) integrar, complementar e ampliar o universo de direitos constitucionais previstos; ou c) contrariar preceitos internos. No caso de coincidir o direito assegurado pelo tratado internacional com o direito assegurado pela Constituio no apenas reflete o fato de o legislador nacional buscar inspirao nesse instrumento internacional, como tambm revela a preocupao do legislador em equacionar o direito interno, de modo a ajust-lo, com harmonia e

consonncia, s obrigaes internacionalmente assumidas pelo Estado brasileiro. Nesse caso, os tratados internacionais de direitos humanos estaro a reforar o valor jurdico de direitos constitucionalmente assegurados, de forma que eventual violao do direito importar em responsabilizao no apenas nacional, mas tambm internacional. O segundo impacto jurdico decorrente da incorporao do Direito Internacional dos Direitos Humanos pelo direito interno resulta do alargamento do universo dos direitos nacionalmente garantidos. Vrios so os casos em que direitos, embora no previstos no mbito nacional, encontram-se enumerados nesses tratados, assim, passando a incorporar ao direito brasileiro. Na medida em que os direitos assegurados pelos tratados no so previstos no direito interno, eles inovam e ampliam o universo de direitos nacionalmente assegurados. O Direito Internacional dos Direitos Humanos inova, estende e amplia o universo dos direitos constitucionalmente assegurados. O Direito Internacional dos Direitos Humanos ainda permite, em determinados casos, o preenchimento de lacunas apresentadas pelo direito brasileiro. Um exemplo foi o julgamento pelo Pleno do STF do habeas corpus em que o Ministro Sidney Sanches, relator para o acrdo. O caso tratava-se da existncia jurdica do crime de tortura contra criana e adolescente. O Estatuto da Criana e do Adolescente prev em seu art. 233 o crime de prtica de tortura contra a criana e o adolescente, porm instaurou-se a polmica dado o fato de esta ser um tipo penal aberto. Ocorre que o STF entendeu que os instrumentos internacionais de direitos humanos permitem a integrao da norma penal em aberto, a partir do reforo do universo conceitual relativo ao termo tortura. Neste caso ficou comprovado que os tratados internacionais de direitos humanos podem integrar e complementar as normas internas. Sendo assim, quando as normas dos tratados internacionais de direitos humanos coincidam com os preceitos assegurados na constituio ou quando integrem, complementem ou ampliem as normas constitucionais, elas tero a funo de reforar a imperatividade das normas garantidas e de preencher as lacunas do direito interno, respectivamente. Contudo ainda se faz possvel uma terceira hiptese: eventual conflito entre o Direito Internacional de Direitos Humanos e o direito interno. Para solucionar o possvel conflito entre as normas do tratado internacional de direitos humanos e as normas de direito interno, pode-se imaginar, como primeira alternativa, a adoo do critrio lei posterior revoga lei anterior com ela incompatvel, considerando a natureza constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos. Porm, um exame mais cauteloso do assunto aponta para outro critrio de soluo. a escolha da norma mais favorvel vtima. Prevalece a norma que mais beneficia o indivduo, titular do direito. O princpio da aplicao dos dispositivos mais favorvel vtima consagrado tanto pelos prprios tratados internacionais de proteo aos direitos humanos quanto pela jurisprudncia dos rgos de superviso internacionais. No plano de proteo dos direitos humanos interagem o direito internacional e o direito interno movidos pelas mesmas necessidades de proteo, prevalecendo as normas que melhor protejam o ser humano, tendo em vista que a primazia da pessoa humana. Os direitos internacionais constantes nos tratados de direitos humanos apenas vm a aprimorar e fortalecer, nunca a restringir ou deliberar, o grau de proteo dos direitos consagrados no plano normativo constitucional. Logo, em caso de conflito entre as normas de direito internacional sobre direito humanos e as normas internas, adota-se o critrio da prevalncia da norma mais favorvel.

O prprio art. 29 da Conveno Americana de Direitos Humanos estabelece que nenhuma disposio da Conveno pode ser interpretada no sentido de limitar o gozo e exerccio de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos em virtude de leis de qualquer Estados-partes ou em virtude de Convenes em que seja parte um dos referidos Estados. A escolha da norma mais benfica ao indivduo tarefa que caber fundamentalmente aos Tribunais nacionais e a outros rgos aplicadores do direito, no sentido de assegurar a melhor proteo possvel ao ser humano. Exemplificando os casos de conflitos entre normas internacionais de direitos humanos e normas de direito interno, coloca-se o caso do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, que estabelece o direito de toda pessoa a fundar, com outras, sindicatos e de filiarse ao sindicato de sua escolha, sujeitando-se unicamente s restries previstas em lei e que sejam necessrias para assegurar os interesses de segurana nacional ou da ordem pblica, ou para proteger os direitos e liberdades alheias. J a Constituio Nacional consagrou o Princpio da unicidade sindical, que prev a proibio de mais de uma organizao sindical, em qualquer grau, representativa da categoria profissional ou econmica, na mesma base territorial. Acolhendo o princpio da prevalncia da norma mais favorvel ao indivduo e considerando que os direitos previstos em tratados internacionais incorporam a constituio com aplicao imediata, conclui-se que a ampla liberdade de criar sindicatos merece prevalecer, at porque as excees previstas no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos no so observadas no Brasil, ou seja, no Brasil, a restrio liberdade de sindicalizao no se d em razo da necessidade de assegurar os interesses de segurana nacional ou da ordem pblica, ou para proteger os direitos e liberdades alheias. Como no houve qualquer reserva por parte do Brasil ao ratificar o mencionado pacto internacional, aceitou-se a plena liberdade de criao de sindicatos. Um outro caso que merece enfoque refere-se previso que consta no art. 11 do Pacto Internacional de Direito Humanos. Pela norma, Ningum poder ser preso apenas por no poder cumprir com uma obrigao contratual. Enunciado semelhante o do art. 7 da Conveno Americana, que estabelece que ningum deve ser detido por dvida, acrescendo apenas uma exceo, qual seja, a dvida de crditos alimentcios. A Constituio Nacional consagra o princpio da proibio por dvida, contudo admite no apenas uma exceo, como na Conveno Americana, mas sim duas: dvida de crdito alimentcio e depositrio infiel. Pois bem, se o Brasil ratificou os dois instrumentos internacionais sem qualquer reserva no que tange matria, de questionar a possibilidade de priso civil de depositrio infiel. Pelo critrio da prevalncia da norma mais favorvel ao indivduo no plano da proteo dos direitos humanos, conclui-se que merece ser afasta tal possibilidade de priso. Observe-se que se a situao fosse inversa, se as normas constitucionais fosse mais benfica que a norma internacional, aplicar-se-ia Constituio Federal. As prprias regras de direito internacional levam a esta interpretao ao afirmarem que os tratados internacionais s se aplicam se ampliarem e estenderem o alcance da proteo nacional de direitos humanos. Em resumo do presente tpico pode-se afirmar que, considerando a natureza constitucional dos direitos enunciados nos tratados internacionais de proteo dos direitos humanos, trs hipteses podero ocorrer. O direito enunciado no tratado internacional poder: a) reproduzir direitos assegurados na Constituio; b) inovar o universo dos direitos constitucionalmente previstos e c) contrariar preceito constitucional. Na primeira hiptese, os tratados de direitos humanos estaro a reforar o valor jurdico de direitos constitucionalmente assegurados. Na segunda, esses tratados

estaro a ampliar e estender o elenco dos direitos constitucionais, complementando e integrando a declarao constitucional de direitos. Por fim, quanto terceira hiptese, prevalecer a norma mais favorvel proteo da vtima. Vale dizer, os tratados internacionais de direitos humanos inovam significativamente o universo dos direitos constitucionalmente consagrados, ora reforando sua imperatividade, ora adicionando novos direitos, ora suspendendo preceitos que sejam menos favorveis proteo dos direitos humanos. Em todas as trs hipteses, os direitos internacionais constantes dos tratados internacionais de direitos humanos apenas vm aprimorar e fortalecer, nunca restringir ou debilitar o grau de proteo dos direitos consagrados no plano normativo interno. SEGUNDA PARTE O SISTEMA INTERNACIONAL DE PROTEO AOS DIREITOS HUMANOS CAPTULO V - PRECEDENTES HISTRICOS PROCESSO DE INTERNACIONALIZAO UNIVERSALIZAO DOS DIREITOS HUMANOS. DO E

Enquanto o objetivo da primeira parte do trabalho foi o modo pelo qual a Constituio de 1988 se relaciona com os tratados internacionais de direitos humanos, nesta segunda parte o objetivo aprofundar os estudos do sistema internacional de proteo dos direitos humanos, tanto do mbito global quanto no regional. Neste primeiro captulo desta segunda parte, o objetivo desvendar os precedentes histricos que permitiram a deflagrao do processo de internacionalizao e universalizao dos direitos humanos. a) Primeiros Precedentes do processo de internacionalizao dos direitos humanos o Direito Humanitrio, a Liga das Naes e a Organizao Internacional do Trabalho. Sempre se mostrou intensa a polmica sobre a natureza dos direitos humanos, se eles so naturais e inatos, direitos positivos, direitos histricos ou direitos que derivam de determinado sistema moral. Tal polmica ainda hoje bastante intensa. O presente trabalho defende a historicidade dos direitos humanitrios, na medida em que estes no so um dado, mas construdo, uma inveno humana, em constante processo de construo e reconstruo. Na lio de Norberto Bobbio, os direitos humanos nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando cada Constituio incorpora Declaraes de Direitos) para finalmente encontrar a plena realizao como direitos positivos universais. Preleciona ainda Bobbio que, no obstante a importncia do debate a respeito do fundamento dos direitos humanos, o maior problema hoje no mais o de fundament-los, e sim o de proteg-los. Os primeiros marcos do processo de internacionalizao dos direitos humanos foram o Direito Humanitrio, a Liga das Naes e a Organizao Internacional do Trabalho. Foi necessrio uma nova definio do mbito e o alcance do tradicional conceito de soberania estatal, a fim de permitir o advento dos direitos humanos como questo de legtimo interesse internacional. Foi preciso, ainda, a redefinio do status do indivduo no cenrio internacional, para que se tornasse o verdadeiro sujeito de direito internacional. Direito Humanitrio o direito que se aplica na hiptese de guerra, a fim de limitar a atuao do Estado e assegurar a observncia de direitos fundamentais. A proteo humanitria se destina, em casos de guerra, a militares postos fora de combate (feridos, doentes, nufragos, presioneiros) e populao civil. A Liga das Naes foi

criada aps a Primeira Guerra Mundial, possuindo como finalidade promover a cooperao, paz e segurana internacional, condenando agresses externas contra a integridade territorial e a independncia poltica dos seus membros. Era tambm um meio de reforar a idia de relativizar a soberania dos Estados, incorporando em seu conceito compromissos e obrigaes de alcance internacional no que diz respeito aos direitos humanos. Alm do Direito Humanitrio e da Liga das Naes, a Organizao Internacional do Trabalho tambm contribuiu para a internacionalizao dos direitos humanos. Criada aps a Primeira Guerra Mundial, tinha por finalidade promover padres internacionais de condies de trabalho e bem-estar. Apresentando o breve perfil da Organizao Internacional do Trabalho, da Liga das Naes e do Direito Humanitrio, pode-se concluir que tais institutos, cada qual ao seu modo, contriburam para o processo de internacionalizao dos direitos humanos, seja ao assegurar parmetros globais mnimos para as condies de trabalho no plano mundial, seja ao fixar como objetivos internacionais manuteno da paz e segurana internacional, seja ainda ao proteger direitos fundamentais em situaes de conflito armados. Tais institutos se assemelham na medida em que protejam o tema dos direitos humanos na ordem internacional. Com o advento dos institutos supramencionados, chega-se ao fim a poca em que o Direito Internacional era confinado a regular meramente relaes entre Estados. Passa-se a no mais visar apenas arranjos recprocos, mas sim o alcance de obrigaes internacionais a serem garantidos coletivamente. Essas obrigaes visam a salvaguardar direitos do ser humano e no prerrogativas dos Estados. Os novos institutos rompem, ainda, com a antiga concepo de soberania nacional absoluta, na medida que admitem intervenes no plano nacional em prol da proteo dos direitos humanos. Aos poucos emerge a idia de que o indivduo no apenas objeto, mas tambm sujeito do Direito Internacional, passando-se a se aceitar a capacidade processual internacional dos indivduos, bem como a concepo de que os direitos humanos no mais se limitam exclusiva jurisdio domstica, mas sim constituem matria de legtimo interesse internacional. b) A internacionalizao dos Direitos Humanos ps-guerra. A verdadeira consolidao do Direito Internacional dos Direitos Humanos surge em decorrncia da Segunda Guerra Mundial. um movimento extremamente recente que surgiu como resposta s atrocidades e aos horrores durante o nazismo. A barbrie do totalitarismo significou a ruptura do paradigma dos direitos humanos, por meio da negao do valor da pessoa humana como valor fonte do direito. Diante dessa ruptura, emerge a necessidade de reconstruir os direitos humanos, como referencial e paradigma tico que aproxime da moral. Nesse cenrio, o maior direito passa a ser o direito a ter direito, ou seja, o direito a ser sujeito de direitos. Se a Segunda Guerra significou a ruptura com os direitos humanos, o ps-guerra deveria significar sua reconstruo. Neste prisma, nasce a idia de que a proteo aos direitos humanos no devem se reduzir ao mbito reservado de um Estado, porque revela tema de legtimo interesse internacional. O processo de internacionalizao dos direitos humanos que por sua vez, pressupe a delimitao soberania estatal passa, assim, a ser uma importante resposta na busca da reconstruo de um povo paradigma, diante do repdio internacional s atrocidades cometidas no holocausto. Com a decadncia do nazismo, a defesa da soberania ilimitada passou a ser duramente atacada, especialmente em razo das atrocidades cometidas durante a Segunda Guerra. Toda essa barbrie fez com que os doutrinadores conclussem que a soberania estatal no um princpio absoluto, mas deve estar sujeita a certas limitaes em prol dos direitos humanos.

A crescente preocupao com os direitos humanos no ps-guerra perceptvel por meio da criao das Naes Unidas, da adoo da Declarao Universal dos Direitos Humanos pela Assemblia Geral da ONU e com a ocupao de um espao central na agenda das instituies internacionais. No fim do sculo XX, no era mais possvel se afirmar que o Estado pode tratar os seus cidados da forma que quiser, sem sofrer qualquer responsabilizao na arena internacional. Nesse contexto, o Tribunal de Nuremberg significou um poderoso impulso ao movimento de internacionalizao dos direitos humanos. Com a competncia para julgar os crimes cometidos ao longo do nazismo, seja pelos lderes do partido, seja pelos oficiais militares, O Tribunal de Nuremberg teve a sua composio e seus procedimentos bsicos fixados pelo Acordo de Londres (Acordo firmado entre os aliados em 1945 para a responsabilizao dos alemes pela guerra e pela barbrie cometidas). O Tribunal de Nuremberg aplicou fundamentalmente o costume internacional para a condenao criminal dos envolvidos na prtica de crimes de guerra, crimes contra a paz e em crimes contra a humanidade, previstos no Acordo de Londres. Note-se que, segundo o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional, o costume internacional fonte do direito internacional, juntamente com os tratados internacionais, com as decises judiciais, com a doutrina e com os princpios gerais do direito reconhecidos pelas naes civilizadas. Para a existncia do costume internacional, faz-se a necessidade de: a) a concordncia de um nmero significativo de Estados em relao a determinada prtica e do exerccio uniforme dessa prtica; b)a continuidade de tal prtica por considervel perodo de tempo; c) a concepo de que tal prtica requerida pela ordem internacional e aceita como lei, ou seja, que haja o censo de obrigao. Sendo assim, no resta dvidas de que a prtica de tortura, de desaparecimento forado, de detenes arbitrrias, entre outras prticas, cometidas pelo nazismo constitui violao aos costumes. Atente-se para o fato de que o costume internacional tem eficcia erga omnes, enquanto os tratados internacionais s so aplicados aos Estados que os tenham ratificados. As condenaes do Tribunal de Nuremberg, que tiveram como fundamento os costumes internacionais, sofreram crticas sob o argumento de que estariam violando o princpio da irretroatividade da lei, pois os atos punidos no eram considerados crimes no momento em que foram cometidos. Hans Kelsen, embora crtico em relao a vrios aspectos do Acordo de Londres e ao prprio julgamento, ao tratar da polmica sobre a possvel violao dos princpios do Direito Penal, de sobremaneira em relao irretroatividade da lei penal, lecionou o seguinte: Contudo, este princpio da irretroatividade da lei no vlido no plano do direito internacional, mas vlido apenas no plano do direito interno, com importantes excees. O significado do Tribunal de Nuremberg para o processo de internacionalizao dos direitos humanos duplo: no apenas consolida a idia da necessria limitao da soberania nacional como reconhece que os indivduos tm direitos protegidos pelo direito internacional. Steiner, ao se pronunciar sobre o significado do Tribunal de Nuremberg assevera que (...). Simultaneamente, cada vez mais se reconhece que os indivduos podem ser considerados responsveis por determinadas condutas. No mais se acredita que os Estados so os exclusivos perpetradores de condutas que violam o direito internacional. A fico legal que os indivduos no participam da arena internacional e, conseqentemente, no podem ser considerados responsveis pelos seus atos, tem sido repensada. (...) Crimes de guerra e genocdios so hoje

reconhecidos como atos pelos quais os indivduos so sucessveis responsabilizao como indivduos. (...) c) A Carta das Naes Unidas de 1945 Aps a Segunda Guerra Mundial, relevantes fatores contriburam para o fortalecimento da internacionalizao do direito internacional dos direitos humanos. Dentre eles a macia expanso de organizaes internacionais com propsito de cooperao internacional. Com a vitria do Aliados, surge uma nova ordem com importantes transformaes no Direito Internacional, simbolizada pela Carta das Naes e palas suas Organizaes. A criao das Naes Unidas, com suas agncias especializadas, demarca o surgimento de uma nova ordem internacional, instaurando um novo modelo de condutas nas relaes internacionais, com objetivos como a manuteno da paz e segurana internacionais, o desenvolvimento de relaes amistosas entre os Estados, a adoo da cooperao internacional no plano econmico, social e cultural, entre outras. Para a consecuo dos objetivos supramencionados, as Naes Unidas foram organizadas em vrios rgos, em que os principais so: Assemblia Geral, Conselho de Segurana, Corte Internacional de Justia, Conselho Econmico e Social, Conselho de Tutela e o Secretariado. Compete Assemblia Geral discutir e fazer recomendaes relativas a qualquer matria objeto da Carta. Todos os membros das Naes Unidas so membros da Assemblia Geral, com direito a um voto. O Conselho de Segurana o rgo da ONU com a principal responsabilidade na manuteno da paz e segurana internacionais. composto por cinco membros permanentes e dez no permanentes. Os membros permanentes so China, Frana, Reino Unido, Estados Unidos e, desde 1992, Rssia, que substituiu a antiga Unio Sovitica. Os no permanentes so escolhidos pela Assemblia Geral para mandados de dois anos, considerando a colaborao dos membros para os propsitos das Naes Unidas e a distribuio geogrfica eqitativa. A Corte Internacional o principal rgo judicial das Naes Unidas, composto por quinze juzes. Seu funcionamento disciplinado pelo Estatuto da Corte, que foi anexado Carta. Dispe de competncia contenciosa e consultiva, porm apenas Estados so partes em questes pertinentes ela. O Secretariado chefiado pelo Secretrio-Geral, que o principal funcionrio administrativo da ONU, indicando para mandato de cinco anos pela Assemblia Geral, a partir da recomendao do Conselho de Segurana. O Conselho Econmico e Social, composto por vinte e sete membros, tem competncia para promover a cooperao em questes econmicas, sociais e culturais, incluindo os direitos humanos. Cabe ao Conselho Econmico e Social fazer recomendaes destinadas a promover o respeito e a observncia dos direitos humanos, bem como elaborar projetos de convenes serem submetidos Assemblia Geral. O art. 68 permite que o Conselho Econmico e Social crie comisses necessrias para o desempenho das suas funes. Sendo assim, foi criada a Comisso de Direitos Humanos da ONU. Ao tratar da Comisso de Direitos Humanos, Thomas Buergenthal afirma que esta comisso deve submeter ao Conselho Econmico e Social proposta, recomendaes e relatrios relativos aos instrumentos internacionais de direitos humanos, proteo das minorias, preveno da discriminao e demais questes relativas aos direitos humanos. (...). Deste modo, a nova agenda internacional passa a conjugar a preocupao na manuteno da paz e de evitar a guerra com preocupao em promover e proteger os direitos humanos. A Carta das Naes de 1945 consolida assim o movimento de internacionalizao dos direitos humanos, a partir do consenso de Estados que elevam a promoo desses direitos a propsito e

finalidade das Naes. Em definitivo, a relao entre Estado com seus nacionais passa a ser uma problemtica internacional, objeto de instituies internacionais e do direito internacional. Importante salientar que, embora a Carta das Naes apresente uma enftica preocupao em defender, promover e respeitar os direitos humanos e as liberdades fundamentais, ela no define o contedo dessas expresses. Da o desafio em desvendar o alcance e significado da expresso direitos humanos e liberdades fundamentais. Trs anos aps o advento da Carta das Naes, a Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 1948, veio a definir com preciso o elenco dos direitos humanos e liberdades fundamentais. d) A Declarao Universal dos Direitos Humanos de 1948. A Declarao Universal dos Direitos Humanos foi aprovada por unanimidade e se qualquer reserva ou questionamento, o que confere Declarao o significado de um cdigo e plataforma comum de ao. A Declarao consolida a afirmao de uma tica universal ao consagrar um consenso sobre valores de cunho universal a serem seguidos pelos Estados. A Declarao Universal de 1948 objetiva delinear uma ordem pblica mundial fundada no respeito dignidade humana, ao consagrar valores bsicos universais. Desde seu prembulo, afirmada a dignidade inerente a toda pessoa humana, titular de direitos iguais e inalienveis. A dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos humanos concepo que, posteriormente, viria a ser incorporada por todos os tratados e declaraes de direito, que passam a integrar o chamado Direito Internacional de Direitos Humanos. Alm da universalidade dos direitos humanos, a Declarao de 1948 ainda introduz a indivisibilidade desses direitos ao ineditamente conjugar o catlogo dos direitos civis e polticos com o dos direitos econmicos, sociais e culturais. Ao definir o significado do que significa a expresso direitos humanos e liberdades fundamentais, a Declarao Universal estabelece duas categorias: a) direitos civis e polticos e b) direitos econmicos, sociais e culturais, combinando o valor da liberdade com o valor da igualdade. luz de uma perspectiva histrica, observa-se que at ento era intensa a dicotomia ente o direito liberdade e o direito igualdade. No final do Sculo XVIII, as Declaraes de Direitos, seja a Declarao Francesa (1789), seja a Declarao Americana (1776), consagravam a tica liberal, em que os direitos humanos se reduziam os direitos liberdade, segurana e propriedade, complementados pela resistncia opresso. Neste momento histrico, os direitos humanos surgem como reao aos excessos do regime absolutista, na tentativa de impor controle e limites abusiva atuao do Estado. A soluo era limitar e controlar a atuao do Estado, que deveria se pautar na legalidade e respeitar os direitos fundamentais. A no-atuao estatal significava liberdade. Caminhando na histria, verifica-se que, especialmente aps a Primeira Guerra, ao lado do discurso liberal da cidadania, cresce o movimento social e da cidadania. Sob a concepo marxista e lenilista elaborada a Declarao dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado, na ento Repblica Sovitica da Rssia, em 1918. Do primado da igualdade se transita para o primado da liberdade. O Estado passa a ser visto como agente de processos transformadores, e o direito absteno do Estado, neste sentido, converte-se em direito atuao estatal, com a emergncia dos direitos prestao social. Essa digresso histrica tem como objetivo demonstrar quo dicotmica se apresentava a linguagem dos direitos: de um lado,

direitos civis e polticos, de outro, direitos sociais, econmicos e culturais. Considerando neste contexto, a Declarao de 1948 introduz extraordinria inovao ao combinar o discurso liberal com o discurso social, passando a elencar tanto direitos civis e polticos quanto direitos sociais, econmicos e culturais. Ao conjugar o valor da liberdade com o da igualdade, a Declarao demarca a concepo contempornea de direitos humanos, pela qual esses direitos passam a ser concebidos como uma unidade interdependente e indivisvel. Os direitos da primeira gerao no substituem os direitos da segunda e nem esses os da terceira, pelo contrrio. As trs geraes se interagem. No h mais como cogitar da liberdade divorciada da justia social, como tambm infrutfero pensar na justia social divorciada da liberdade. Todos os direitos humanos constituem um complexo integral, nico e indivisvel. Importa agora observar qual o valor jurdico da Declarao Universal de 1948. Ela no um tratado, sendo certo que foi adotada pela Assemblia Geral das Naes Unidas sob a forma de resoluo, que, por sua vez, no apresenta fora de lei. O propsito da Declarao, como proclama seu prembulo, promover o reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, por isso a Declarao Universal tem sido concebida como a interpretao autorizada da expresso direitos humanos e liberdades fundamentais, constante da Carta das Naes Unidas, apresentando, por esse motivo, fora jurdica vinculante. Os Estados membros das Naes Unidas tm a obrigao de promover o respeito e a observncia universal dos direitos proclamados pela Declarao. A Carta das Naes Unidas nunca definiu os direitos humanos e as liberdades fundamentais que os Estados da ONU se comprometem a respeitar e observar, mas a Declarao traz a definio, com uma clara referncia ao compromisso dos Estados em seu prprio prembulo. H, contudo, quem entenda que a Declarao teria fora jurdica vinculante por integrar o direito costumeiro internacional e/ou os princpios gerais de direito, apresentando, assim, fora jurdica vinculante. Para essa corrente, trs so as argumentaes centrais: a) a incorporao das previses da Declarao atinente aos direitos humanos pelas Constituies nacionais; b) as freqentes referncias feitas por resolues das Naes Unidas s obrigao legal de todos os Estados de observar a Declarao Universal; c) decises proferidas pelas Cortes Nacionais que se referem Declarao Universal como fonte de direito. Exemplo a proibio escravido, tortura, ao tratamento cruel, entre outros dispositivos da Declarao que assumem o valor de direito costumeiro internacional ou princpio geral do direito internacional, aplicandose a todos os Estados e no apenas aos signatrios da Declarao. Para esse trabalho, a Declarao Universal, no que pese no tenha a forma de um tratado internacional, apresenta fora jurdica obrigatria e vinculante, na medida em que constitui a interpretao autorizada da expresso direitos humanos constante na Carta das Naes. Ressalte-se que luz da Carta das Naes, os Estados assumem o compromisso de assegurar o respeito universal e efetivo aos direitos humanos. Ademais, a natureza jurdica vinculante da Declarao Universal reforada pelo fato de na qualidade de um dos mais influentes instrumentos jurdicos e polticos do sculo XX ter-se transformado, ao longo dos mais de cinqenta anos de sua adoo, em direito costumeiro internacional e princpio geral do direito internacional. e) Universalismo e relativismo cultural A concepo universal dos direitos humanos pela Declarao sofre grandes resistncias por parte dos adeptos do movimento do relativismo cultural. Podem as normas de direitos humanos ter um sentido universal ou so culturalmente relativas? Com a internacionalizao, e conseqentemente a relativizao do conceito de soberania e jurisdio domstica, o debate ganha fora.

Para os relativistas, a noo de direito est estritamente relacionada ao sistema poltico, econmico, cultural, social e moral vigente em determinada sociedade, sendo certo que cada sociedade possui seu discurso sobre direitos fundamentais, que est relacionado s especficas circunstncias culturais e histricas de cada sociedade. Sendo assim, defendem os relativistas que o pluralismo cultural impede a formao de um movimento universa, tornando-se necessrio que respeitem as diferenas culturais apresentadas por cada sociedade, bem como seu peculiar sistema moral, como ocorre, por exemplo, na diferena cultural entre o mundo ocidental e o indusmo ou com o islamismo. No entendimento de Jack Donnelly, defensor da corrente relativista, h diversas correntes relativistas: No extremo, h o que ns denominamos de relativismo cultural radical, que concebe a cultura como a nica fonte de validade de um direito ou regra moral. (...) Um forte relativismo cultural acredita que a cultura a principal fonte de validade de um direito ou regra moral. (...) Um relativismo cultural fraco, por sua vez, sustenta que a cul