87
1 Disciplina: Funcionamento da Língua Gramática, Texto e Sentido Introdução ________________________________________________________________________________________ Professor(a), Estamos dando início à disciplina LP007 do Módulo 4. Nosso objetivo é refletir sobre o lugar da análise gramatical na disciplina de Língua Portuguesa, focalizando alguns procedimentos para que o estudo da gramática em âmbito escolar não se afaste de sua principal função: capacitar o aluno a desenvolver reflexões produtivas sobre o funcionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremos discutir algumas ideias correntes sobre linguagem, língua e gramática, enfatizando que esses três conceitos devem dar suporte a uma abordagem que permita explorar a gramática internalizada do aluno. Também daremos destaque à caracterização dos dados linguísticos quanto a sua forma gramatical e adequação a uma determinada norma, assumindo que, sob a adequada orientação do professor, o aluno é capaz de analisar as expressões da sua língua com base na sua intuição de falante nativo. Os tópicos do segundo Tema darão destaque à questão da nomenclatura gramatical. O professor não pode perder de vista que as taxonomias exploradas em análises morfológicas e sintáticas devem ajudar o aluno a estabelecer relações coerentes entre gramática e sentido, e não ser usadas apenas como um mero instrumento de avaliação para saber, sem um propósito claro, se o aluno nomeia corretamente as classes e funções dos itens da língua. No terceiro Tema, iremos nos concentrar em procedimentos de análise gramatical voltados ao trabalho com o texto. Serão abordados diferentes fatos linguísticos nos níveis morfológico e sintático, levandose em conta a necessidade de enraizar o estudo da gramática em práticas que valorizem o conhecimento intuitivo do aluno a respeito da sua própria língua. Na conclusão do Módulo, serão propostos alguns temas que você poderá explorar no desenvolvimento do seu TCC. Clique aqui 1 para ver o vídeo de introdução da disciplina e bom trabalho! ________________________________________________________________________________________ 1 http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/O86XMM11HOWW/

Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

  • Upload
    builiem

  • View
    218

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

1

Disciplina: Funcionamento da Língua -­Gramática, Texto e Sentido

Introdução________________________________________________________________________________________

Professor(a),

Estamos dando início à disciplina LP007 do Módulo 4. Nosso objetivo érefletir sobre o lugar da análise gramatical na disciplina de LínguaPortuguesa, focalizando alguns procedimentos para que o estudo dagramática em âmbito escolar não se afaste de sua principal função:capacitar o aluno a desenvolver reflexões produtivas sobre ofuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas aotrabalho com o texto.

No primeiro Tema, iremos discutir algumas ideias correntessobre linguagem, língua e gramática, enfatizando que esses trêsconceitos devem dar suporte a uma abordagem que permita explorara gramática internalizada do aluno. Também daremos destaque

à caracterização dos dados linguísticos quanto a sua forma gramatical e adequação a umadeterminada norma, assumindo que, sob a adequada orientação do professor, o aluno é capaz deanalisar as expressões da sua língua com base na sua intuição de falante nativo.

Os tópicos do segundo Tema darão destaque à questão da nomenclatura gramatical. O professor nãopode perder de vista que as taxonomias exploradas em análises morfológicas e sintáticas devemajudar o aluno a estabelecer relações coerentes entre gramática e sentido, e não ser usadas apenascomo um mero instrumento de avaliação para saber, sem um propósito claro, se o aluno nomeiacorretamente as classes e funções dos itens da língua.

No terceiro Tema, iremos nos concentrar em procedimentos de análise gramatical voltados aotrabalho com o texto. Serão abordados diferentes fatos linguísticos nos níveis morfológico e sintático,levando-­‐se em conta a necessidade de enraizar o estudo da gramática em práticas que valorizem oconhecimento intuitivo do aluno a respeito da sua própria língua.

Na conclusão do Módulo, serão propostos alguns temas que você poderá explorar no desenvolvimentodo seu TCC.

Clique aqui1 para ver o vídeo de introdução da disciplina e bom trabalho!________________________________________________________________________________________

1 http://cameraweb.ccuec.unicamp.br/video/O86XMM11HOWW/

Page 2: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

2

Tema: 1. Gramática em contexto: pressupostosde análise

Tópico 1 -­ Linguagem, língua e gramática: concepções

Ponto de Partida________________________________________________________________________________________

Nos estudos linguísticos contemporâneos, oconceito de gramática extrapola os sentidos comque vemos essa palavra ser corriqueiramenteempregada.

Experimente perguntar aos seus alunos ou acolegas de outras disciplinas o que eles entendempor gramática. A resposta, possivelmente, ficarácircunscrita à ideia de que gramática é o nomedado aos livros que reúnem os preceitos para obom uso do idioma ou, talvez, deque gramática denomina a disciplina que nosensina a empregar corretamente as regras dalíngua.

Considerando o desenvolvimento das ciências dalinguagem nas últimas décadas, essa visão em

torno do que seja a gramática é extremamente limitada2. Infelizmente, muitos professores de Portuguêsbaseiam suas práticas de abordagem gramatical em acepções e concepções de gramática que nãorespondem produtivamente às reais necessidades do aluno em suas reflexões sobre a linguagem.

Não é de se espantar que, ao concluir o Ensino Médio, a grande maioria dos alunos não domine nemveja utilidade nas regras e nomenclaturas gramaticais que lhes foram ensinadas por mais de dez anos.________________________________________________________________________________________

2 http://marcosbagno.com.br/site2/conteudo/arquivos/liv_gramatpassado-­‐presente.htm

Page 3: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

3

Mãos à Obra________________________________________________________________________________________Nosso entendimento em torno do que seja a gramática depende, em grande parte, do que entendemospor língua e linguagem. Antes de refletir sobre esses conceitos, veja o vídeo indicado abaixo, que mostraum diálogo por telefone entre uma brasileira e uma falante nativa de inglês. Mesmo sem compreender alíngua uma da outra, as duas mulheres conseguem manter a conversação por quase três minutos.

3

A partir do conteúdo desse vídeo, pense um pouco sobre as seguintes questões:

Língua e linguagem são uma mesma coisa?

Que relação pode ser estabelecida entre o que chamamos de língua e o que chamamos de linguagem?

Qual desses dois conceitos nos remete ao aspecto que dificultou o diálogo entre as duas mulheres?

Qual desses dois conceitos nos remete àquilo que, apesar da dificuldade de compreensão, possibilitou oprosseguimento da conversação?________________________________________________________________________________________

3 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=3gjlebXObd8, acesso em 13/04/2011.

Page 4: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

4

Colocando os conhecimentos em jogo 1________________________________________________________________________________________Muitos livros didáticos voltados ao ensino de gramática dedicam um ou mais de seus capítulos àapresentação dos conceitos de língua e linguagem. Esses conceitos costumam se reduzir à ideia de quea linguagem humana é um instrumento de comunicação e as línguas naturais são um códigocompartilhado pelos membros de uma comunidade cuja delimitação é determinada por critérioshistóricos e/ou geográficos.

À luz das investigações sobre a linguagem humana nos últimos cem anos, essas ideias sãoextremamente simplificadoras. O senso comum em torno dos três conceitos (linguagem, língua egramática) costuma desconsiderar ou minimizar o fato de que a linguagem humana, para além de servirà comunicação, é um instrumento que, ao moldar nossa percepção da realidade4, entra em jogo naelaboração daquilo que pensamos5. É inquestionável que a função de comunicar seja algo inseparávelda linguagem; no caso dos seres humanos, porém, a comunicação é entremeada pela percepção e pelopensamento, ambos permeados pela linguagem.

Esquemas como os apresentados na figura acima, que costumam ser usados pelos livros didáticos naapresentação das chamadas "funções da linguagem", podem conduzir os alunos ao pressupostoequivocado de que a comunicação é o único elemento determinante para o funcionamento das línguasnaturais. O professor atuante na área das linguagens deve garantir que o seu trabalho seja baseado emconcepções que resultem em práticas produtivas na abordagem de fatos linguísticos, ajudando a alunoa entender a linguagem em suas múltiplas dimensões e não apenas no que tange à sua funçãocomunicativa.________________________________________________________________________________________

4 http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/como_a_linguagem_modela_o_pensamento.html5 http://maisbook.blogspot.com/2008/10/pensamento-linguagem-vygotsky.html

Page 5: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

5

Colocando os conhecimentos em jogo 2________________________________________________________________________________________Se nos limitarmos à ideia de que a linguagem é apenas um instrumento de comunicação, o tratamentodos fatos gramaticais em sala de aula pode desembocar em um mero exercício de reconhecimento dasestruturas linguísticas que podem/devem ou não podem/não devem ser usadas em situaçõesespecíficas de fala ou escrita.

Mesmo se integrada a uma abordagem que valorize otrabalho com gêneros discursivos/textuais diversos,a ideia de qua linguagem é um mero instrumento decomunicação acaba por resultar em práticas que serestringem a cobrar do aluno o reconhecimento e/ouo uso de certos padrões frasais tidos comocaracterizadores de um determinado gênero. Mais doque saber reconhecer ou usar automaticamente essespadrões, o aluno deve ser hábil em perceber osefeitos de sentido atrelados ao seu uso e, porextensão, dominar estratégias que lhe permitamreproduzir ou atualizar esses efeitos, de formaprodutiva e inovadora, em diferentes gêneros.

A título de exemplo, consideremos as estruturas construídas com verbos no imperativo que ocorremcom frequência em textos instrutivos (injuntivos), como as receitas culinárias e os manuais deinstrução. O sucesso do aluno no trabalho com textos desse tipo não está apenas em saber reconhecer eusar os padrões oracionais com formas verbais imperativas. Está antes em perceber quais são os efeitosde sentido relacionados ao emprego desses padrões para, a partir dessa percepção, investir no uso deoutros padrões frasais para produzir os mesmos efeitos na elaboração de textos pertencentes aos maisvariados gêneros.

Para alcançar esse patamar, as práticas não podem ser limitadas ao tratamento da linguagem como ummero instrumento de comunicação, mas como uma capacidade humana que, antes de nos ajudar acomunicar, entra em jogo na forma como percebemos o mundo e construímos nossas ideias.

________________________________________________________________________________________

Page 6: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

6

Colocando os conhecimentos em jogo 3________________________________________________________________________________________As línguas naturais6 são a expressão mais proeminente da faculdade humana da linguagem. Se asconcepções de linguagem não podem ficar restritas ao elemento da comunicação, o conceito de línguatambém não deve ficar limitado à ideia de que se trata de um código com fins exclusivamentecomunicativos. Tendo em vista que a faculdade da linguagem é a matriz sobre a qual se assentam aslínguas naturais, qualquer concepção relevante deve levar em conta a ideia de que uma língua é umacervo compartilhado pelos membros de uma comunidade e formado por signos e regras (fonológicas,morfológicas, sintáticas, lexicais, semântico-­‐discursivas) que definem as possibilidades de combinaçãoe uso desses signos.

De uma perspectiva sociocultural, as línguas particularizam uma determinada comunidade em relaçãoa todas as outras, no que diz respeito aos recursos de expressão postos à disposição dos seus usuários.Daí não ser fácil, muitas vezes, reconhecer ou estabelecer os limites geográficos e/ou temporais de umalíngua, dado que duas comunidades diferentes podem empregar acervos muito semelhantes de signos eregras, ou pode haver, no interior de uma mesma comunidade, acervos variados. Um exemploconhecido é o da língua galega7, que, apesar de ser empregada nos limites territoriais da Espanha,apresenta mais propriedades gramaticais em comum com o português do que com o castelhano. Deuma perspectiva estritamente biológica, podemos dizer que as propriedades demonstradas pelaslínguas naturais não encontram fronteiras entre comunidades, já que, para serem colocadas em uso,todas elas exigem a utilização de estratégias articulatório-­‐perceptuais e intencional-­‐conceptuaisenraizadas, em última instância, em propriedades naturais da espécie humana.

Nas disciplinas escolares voltadas ao ensino de língua materna, essas considerações sobre a língua têmum efeito claro, particularmente quanto à dimensão sociocultural: ao entrar na escola, o aluno traz umalíngua particular, um acervo de signos e regras naturalmente adquirido, compartilhado com outrosmembros de sua comunidade. Esse acervo natural, que não coincide em sua totalidade com oacervo que ele conhecerá no contato com os livros didáticos, pode ser explorado pelo professor comoponto de partida em inúmeras atividades voltadas aos letramentos. Nesse sentido, cabe ao professorexplorar o conhecimento natural do aluno acerca da variedade linguística que caracteriza a fala de suacomunidade e, a partir daí, ajudá-­‐lo a desenvolver competências e habilidades que são necessárias, porexemplo, ao pleno domínio da norma-­‐padrão.

________________________________________________________________________________________

6 http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%ADngua_natural7 http://www.youtube.com/watch?v=iCOreBJXOZk

Page 7: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

7

Colocando os conhecimentos em jogo 4________________________________________________________________________________________

8Quanto à gramática, as concepções de língua elinguagem podem, de uma certa forma, ser associadas àsacepções que se atribuem a essa palavra. Se tomadacomo área de estudo, a gramática pode ser conceituada,grosso modo, como um campo de saber que se ocupa dadescrição e/ou análise de certas regras noconhecimento e uso da língua. A depender da posturados que atuam nesse campo, a abordagem dessas regraspode assumir um caráter descritivo9 ounormativo/prescritivo10.

Como um campo científico de investigação, a abordagemgramatical pode ser particularizada pelos pressupostosestabelecidos dentro de determinadas correntesteóricas. Temos, assim, a gramática gerativa11, agramática funcional12, a gramática estruturalista,13 entreoutras vertentes e denominações. Podemos, ainda,estabelecer diferenciações no que diz respeito ao escopoe/ou objetivo da abordagem, quando podemos falar emgramática histórica, gramática comparada, gramáticasincrônica, gramática expositiva, entre várias outraspossibilidades.

No âmbito escolar, o termo gramática tem sido comumente empregado para dar nome à disciplina (decaráter predominantemente normativo) que se ocupa desde os fatos morfológicos e sintáticos,tradicionalmente considerados o cerne da matéria, aos fonológicos, lexicais e semântico-­‐discursivos.________________________________________________________________________________________

8 A primeira Gramática da Linguagem Portuguesa, de Fernão de Oliveira, séc. XVI. Fonte:http://www.vivercidades.org.br/publique_222/web/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=1273&sid=17, acesso em 26/03/2011.

9 http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram%C3%A1tica_descritiva10 http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram%C3%A1tica_normativa11 http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram%C3%A1tica_gerativa12 http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram%C3%A1tica_funcional13 http://www.webartigos.com/articles/14809/1/ESTUDO-COMPARATIVO-ENTRE-ESTRUTURALISMO-

GRAMATICAL-E-O-FUNCIONALISMO-DOS-TERMOS-DA-ORACAO/pagina1.html

Page 8: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

8

Colocando os conhecimentos em jogo 5________________________________________________________________________________________Tendo em vista as considerações feitas até aqui, devemos nos perguntar sobre qual deve ser aconcepção de gramática a ser explorada no âmbito da disciplina escolar de mesmo nome. Antes demais nada, é importante ter em mente que a sala de aula não deve ser um espaço para a discussão oupropaganda de modelos teóricos sobre o funcionamento da linguagem, da língua ou da gramática. Emsuas reflexões sobre a língua, o professor pode explorar um modelo como referencial para as suastomadas de decisão, mas os pressupostos desse modelo não devem, sob hipótese alguma, ser colocadoscomo o objeto do ensino.

Considerando-­‐se os objetivos estabelecidos para o ensino de língua materna nos documentos que têmorientado oficialmente os programas curriculares do Ensino Fundamental, a concepção de gramáticaexplorada em sala de aula deve levar em conta que o aluno tem um conhecimento natural daspropriedades fonológicas, morfológicas e sintáticas da sua língua. Nesse sentido, podemos falar emgramática internalizada14, entendida como um conjunto de regras naturalmente adquirido pelosfalantes, que define a fonologia, a morfologia e a sintaxe da sua língua. Mais do que um ponto dereferência para as reflexões do professor, essa concepção deve ser colocada a serviço de práticas quecontribuam para o sucesso do aluno no trabalho com a linguagem, em particular nas atividades deprodução e recepção textual.

15

Clique na imagem, para ver uma reportagem sobre a exposição "MENAS: o certo do errado e o erradodo certo" que aconteceu no Museu da Língua Poruguesa, em 2010.

________________________________________________________________________________________

14 http://pt.wikipedia.org/wiki/Gram%C3%A1tica_impl%C3%ADcita15http://mais.uol.com.br/view/xiddtuwnvlqs/metropolis-­‐-­‐menas-­‐o-­‐certo-­‐do-­‐errado-­‐o-­‐errado-­‐do-­‐certo-­‐0402183868C0897326?fullimage=1&types=A, acesso em 13/04/2011.

Page 9: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

9

Atividade Autocorrigível 1Leia o trecho16 extraído do livro Ensino e aprendizado da língua materna, de Celso Pedro Luft, eidentifique a alternativa que expressa corretamente as ideias do texto.

a17) O professor de Língua Portuguesa deve se concentrar no ensino da gramática como uminstrumento de comunicação que só pode ser dominado adequadamente se os alunos souberem fazeranálise sintática e classificar corretamente as palavras quanto às suas propriedades morfológicas.

b18) O papel do professor de Português é ajudar os falantes do idioma a desvendar os segredos dalíngua mais difícil do mundo, aquela que "quanto mais se estuda, menos se sabe".

c19) Qualquer criança a partir dos seis ou sete anos conhece intuitivamente a gramática da sua língua,ainda que não tenha consciência desse conhecimento.

d20) Só é possível usar as regras gramaticais da nossa língua depois que entramos na escola eestudamos anos a fundo a estruturação sintática e morfológica do idioma, ensinada nos livros didáticos.

e21) Para saber falar é necessário dominar um código verbal, que só pode ser aprendido por intermédiodo professor de Língua Portuguesa, com a leitura de clássicos da literatura e o apoio dos livrosdidáticos._______________________________________________________________________________________

16

https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_04/funcionamento_lingua_gram_texto_sentido/Celso_Pedro_Luft.pdf

17 Incorreto. De acordo com o autor, o professor de Língua Portuguesa deve se concentrar no desenvolvimento, aperfeiçoamento econscientização progressiva do conhecimento natural que todo falante tem a respeito da sua língua.

18 Incorreto. A ideia de que “quanto mais se estuda, menos se sabe” a língua é equivocada, uma vez que todas as pessoas conhecemintuitivamente o sistema de regras da língua que falam.

19 Correto. A partir dos seis ou sete anos, a criança já é capaz de construir frases que atendem satisfatoriamente à comunicação, poisdomina desde muito cedo o sistema de regras da sua língua.

20 Incorreto. As crianças empregam intuitivamente as regras gramaticais da sua língua, até mesmo aquelas que não vão à escola, docontrário seriam incapazes de entender e produzir qualquer tipo de enunciado.

21 Incorreto. O professor de Língua Portuguesa, os livros didáticos e os clássicos da literatura não ensinam ninguém a falar ou a dominarum código verbal. Essa capacidade é adquirida naturalmente, no processo de aquisição da linguagem.

Page 10: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

10

Atividade autocorrigível 1_______________________________________________________________________________________ Assista aos vídeosindicados a seguir e, depois, leia o trecho22 do livro O instinto da linguagem, de Steven Pinker.

VÍDEO 123 VÍDEO 224 VÍDEO 325

Analise as afirmações abaixo e identifique aquela que relaciona corretamente as ideias do texto com oconteúdo dos vídeos.

a26) Ao contrário do que o texto afirma, os vídeos evidenciam que, por si só, sem o apoio da escola, umacriança será incapaz de aprender a língua dos seus pais.

b27) Os vídeos deixam claro que os pais precisam reservar uma determinada quantidade de horas porsemana para corrigir o modo como seus filhos adquirem a língua, do contrário as crianças poderãodesenvolver diversos vícios de linguagem.

c28) Como destacado pelo autor do texto, o fato de nenhum bebê nascer falando mostra que as regras dalíngua não são aprendidas naturalmente, mas precisam ser ensinadas por meio de exercícios queajudem as crianças a falar de modo correto, evitando balbucios incompreensíveis às pessoas adultas.

d29) Os vídeos dão sustentação às ideias do texto, evidenciando que, muitos antes de ingressar naescola, as crianças recorrem a balbucios que lhes ajudam a descobrir e usar naturalmente o sistema deregras da língua à qual se encontram expostas.

e30) Em oposição às ideias do texto, os vídeos mostram que as crianças estão aprendendo a falar cadavez mais cedo, o que pode ser um reflexo positivo do acesso precoce às tecnologias de informação ecomunicação._______________________________________________________________________________________

22

https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_04/funcionamento_lingua_gram_texto_sentido/Steven_Pinker_O_INSTINTO_DA_LINGUAGEM.pdf

23 http://www.youtube.com/watch?v=_JmA2ClUvUY&feature=related24 http://www.youtube.com/watch?v=yuRZopj2GyM25 http://www.youtube.com/watch?v=8v9KZo0rat0&feature=player_detailpage26 Incorreto. Os vídeos evidenciam que as crianças iniciam o aprendizado da língua de modo natural, antes mesmo de entrar para escolae receber aulas de língua materna.

27 Incorreto. Os vídeos são uma prova de que as crianças começam a fazer uso da língua de modo natural, sem a necessidade dequalquer ensino ou treinamento formal por parte dos adultos.

28 Incorreto. O autor do texto destaca que o aprendizado da língua se dá naturalmente, por meio de habilidades instintivas que sãopostas em prática já nos primeiros meses de vida.

29 Correto. Como afirma o texto, os balbucios são uma estratégia que ajuda as crianças a elaborar “seu próprio manual de instrução”sobre o funcionamento da língua, levando-­‐as a aprender “quando devem mover que músculo em que sentido para obter quemudança de som”.

30 Incorreto. O conteúdo dos vídeos não traz qualquer evidência de que as crianças estejam aprendendo a falar precocemente, nem deque o aprendizado da fala tenha alguma relação com o acesso precoce às tecnologias de informação e comunicação.

Page 11: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

11

Finalizando_______________________________________________________________________________________ Como disciplina, agramática não pode ser vista apenas como o lugar reservado ao ensino de preceitos acerca do que écerto ou errado31, bom ou ruim, correto ou incorreto. Também não pode ser o espaço destinado aomero ensino de nomenclaturas estéreis32, totalmente dissociadas de práticas que ajudem o aluno arefletir produtivamente sobre a sua língua.

Do mesmo modo, o trabalho com a língua portuguesa não pode estar a reboque de concepçõesteoricamente limitadas acerca do que seja a linguagem humana. Cabe à escola conduzir o aluno nadescoberta de como a sua gramática internalizada se organiza, ajudando-­‐o a reconhecer e analisar asregras da língua que ele adquiriu. A função do professor de Português não é, nesse sentido, ensinar umalíngua ao aluno, mas capacitá-­‐lo com habilidades que lhe permitam, em diferentes atividades, o usoconsciente e criativo dos inúmeros recursos de expressão oferecidos pelas variedades da línguaportuguesa, entre as quais necessariamente deverão se incluir aquelas de maior prestígio social,reunidas no que se convencionou chamar de norma culta.

Nos próximos temas e tópicos, iremos refletir sobre como o tratamento da gramática, entendida comoum conjunto de regras naturalmente internalizadas pelos falantes no processo de aquisição dalinguagem, pode contribuir para que a disciplina de Língua Portuguesa seja bem sucedida em seuspropósitos, em particular no que diz respeito ao trabalho com a relação entre gramática e sentido naconstituição dos enunciados._______________________________________________________________________________________

31 http://mais.uol.com.br/view/xiddtuwnvlqs/metropolis--menas-o-certo-do-errado-o-errado-do-certo-

0402183868C0897326?fullimage=1&types=A32 http://www.memoriaviva.com.br/drummond/poema053.htm

Page 12: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

12

Tópico 2 -­ Formas e normas

Ponto de partida________________________________________________________________________________________

A abordagem de fatos gramaticais em sala de aula nãopode prescindir da análise de dados linguísticos. Denada adianta o professor dizer que um adjuntoadnominal é um termo modificador de substantivos senão orientar o aluno a refletir sobre dados concretosque lhe permitam entender adequadamente o papeldesempenhado por esses termos no funcionamento dalíngua.

A escolha dos dados linguísticos a serem trabalhadosnas aulas de gramática deve ser feita com base emcritérios que priorizem o reconhecimento dos fatosgramaticais como estratégias desencadeadoras deefeitos de sentido. A rigor, qualquer enunciado dalíngua se presta a uma análise gramatical, mas nemtodo enunciado se apresenta, para fins didáticos, comoum dado rentável às reflexões sobre o papel dagramática na construção do sentido de um texto.

Não basta que as atividades de análise gramatical sejam voltadas à mera identificação de classes depalavras ou funções sintáticas: o aluno deve ser capaz de reconhecer como as estruturas gramaticaiscontribuem para a composição do(s) sentido(s) de um enunciado e, a partir daí, empregarprodutivamente essa capacidade nas práticas de produção e recepção textual.________________________________________________________________________________________

Page 13: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

13

Mãos à obra________________________________________________________________________________________Os conceitos de frase,oração e período costumam introduzir a parte dos livros didáticos destinada ao estudo da sintaxe. Ostrês conceitos são correlacionados pela ideia de que o período é um tipo de frase composta de uma oumais orações, então definidas como estruturas construídas em torno de um verbo.

Nesse modo de ver as coisas, nem toda a frase é um período (uma vez que há frases sem oração, como"Ui!" e "Socorro!") e nem toda oração é uma frase (por exemplo, o sintagma verbal "comer bolo" é umaoração, mas não uma frase, quando complementa o verbo "querer" em sentenças como "eu querocomer bolo").

A partir da apresentação desses conceitos, os livros didáticos organizam a sintaxe da língua em doiseixos: (i) a oração e seus termos, geralmente analisados à luz da taxonomia proposta pelaNomenclatura Gramatical Brasileira33 e (ii) as estratégias de articulação entre as partes do enunciado,com destaque para as noções de transitividade, concordância, regência,coordenação e subordinação.

Reflita:

• O trabalho com esses dois eixos pode ajudar o aluno adesenvolver habilidades que são necessárias às atividadesde produção e recepção textual?

• As suas aulas de sintaxe têm resultado no desenvolvimentodessas habilidades?

• Que dificuldades você tem enfrentado para transformar asaulas de análise gramatical em práticas vinculadas aotrabalho com diferentes gêneros textuais/discursivos?

________________________________________________________________________________________

33 http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=ngbras

Page 14: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

14

Colocando os conhecimentos em jogo 1________________________________________________________________________________________A principal crítica que tem sido feita ao modo como se dá a abordagem gramatical na disciplina deLíngua Portuguesa recai menos sobre o conteúdo e mais sobre a dissociação entre a análise linguística eo estudo dos efeitos de sentido na construção do texto.

Considere, por exemplo, a letra de uma das estrofes de "Cotidiano34", famosa música de Chico Buarque,reproduzida a seguir:

(Clique na imagem para ver o vídeo) 35

Todo dia ela faz tudosempre igualMe sacode às seis horas damanhãMe sorri um sorriso pontualE me beija com a boca dehortelã

Nesse trecho, o verbo sorrir, que é tipicamente intransitivo, deve ser analisado como transitivo, tendocomo complemento o termo um sorriso pontual. Mais do que saber classificar esse verbo quanto àtransitividade, o aluno precisa reconhecer o seu uso excepcional como transitivo e, mais importante,refletir sobre o porquê de o autor ter inserido um complemento verbal que, à primeira vista, soaredundante ("sorri um sorriso").

No tratamento de diferentes dados, o professor pode recorrer a estratégias de abordagem gramaticalque valorizem o conhecimento natural dos alunos a respeito da língua. O trabalho nessa linha develevar em conta que todo dado linguístico pode ser caracterizado quanto à forma e quanto à adequaçãoa uma determinada norma linguística.________________________________________________________________________________________

34 http://letrasdespidas.wordpress.com/2008/01/26/chico-buarque-cotidiano/35 http://www.youtube.com/watch?v=3ZW_keqnzD8

Page 15: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

15

Colocando os conhecimentos em jogo 2__________________________________________________________________No que dizrespeito à forma, um determinado dado pode ser analisado comogramatical ou agramatical, a depender de a sua estrutura seguir ounão as regras gramaticais internalizadas pelos falantes da língua. Naavaliação da (a)gramaticalidade, a postura do analista deve serdescritiva e não normativa: leva-­‐se em conta não o que asgramáticas normativas preceituam sobre as construções, mas asregras gramaticais internalizadas pelos falantes que sãonaturalmente colocadas em uso no funcionamento da língua.

Considere os pares de sentenças apresentados a seguir. Daperspectiva normativa, apenas as sentenças em (a) seguem o usoconsiderado correto do idioma. Contudo, se analisadas com base nasregras gramaticais internalizadas por pessoas que adquiriram avariedade brasileira do português, as construções em (b) não

apresentam problemas em sua estruturação sintática e/ou morfológica. Pelo contrário: para a maiorparte dos brasileiros, as construções em (b) soam mais naturais do que as construções em (a). Quanto àforma, portanto, as sentenças em (b) são perfeitamente gramaticais, pois seguem as regras naturais deestruturação gramatical que fazem parte do conhecimento intuitivo de falantes do português brasileiro.

(1) a. Eu a beijei.b. Eu beijei ela.

(2) a. Há muitos livros na estante.b. Tem muitos livros na estante.

(3) a. Aquele livro é para eu ler.b. Aquele livro é para mim ler.

(4) a. Tu conheces aquela criança?b. Tu conhece aquela criança?

__________________________________________________________________

Page 16: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

16

Colocando os conhecimentos em jogo 3_______________________________________________________________________________________Em contraste com as sentenças apresentadas anteriormente de (1) a (4), a estrutura das sentenças em(5) e (6) a seguir causam estranhamento. As construções em (5) mostram ordenações de palavra quenão estão previstas em nossa gramática internalizada, enquanto as construções em (6) exibem relaçõesde concordância e regência que não são possíveis em nenhuma variedade do português.

(5) a. A eu beijei.b. Há livros na estante muitos.c. É para ler mim aquele livro.d. Conheces aquela criança tu?

(6) a. Eu a beijamos.b. Hei muitos livros na estante.c. Aquele livro é para me ler.d. Você conheces aquela criança?

Explorando o conhecimento intuitivo sobre as regras gramaticais de sua variedade linguística, nenhumaluno terá dificuldade para caracterizar os dados acima como agramaticais. A partir desseconhecimento, é possível elaborar atividades que motivem o aluno a desenvolver diferentesgeneralizações sobre a sua língua e, com isso, ajudá-­‐lo a ter uma maior autonomia na análise dos maisvariados fatos gramaticais, desde os mais simples aos mais complexos.

É importante, contudo, ter em mente que os juízos de (a)gramaticalidade a respeito de um determinadodado linguístico podem variar entre os falantes de uma mesma língua. O que é considerado gramaticalem uma dada localidade pode, em outra, ser considerado agramatical ou provocar, em certos usos,algum tipo de estranhamento. O professor de língua materna deve, assim, mostrar sensibilidade noreconhecimento dos fatos gramaticais que singularizam a comunidade de fala na qual as suas práticasde ensino estão inseridas._______________________________________________________________________________________

Page 17: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

17

Colocando os conhecimentos em jogo 4________________________________________________________________________________________No que diz respeito à norma, os dados linguísticos podem ser avaliados quanto à maior ou menoradequação a uma situação comunicativa. As construções podem, assim, ser caracterizadas comoadequadas ou inadequadas, a depender da(s) norma(s) associada(s) ao uso da língua em contextosespecíficos.

A título de exemplo, considere o pronome "vós", uma forma em desuso tanto no Brasil quanto emPortugal. Mesmo em desuso, a realização desse pronome em orações ou textos proferidos emcerimoniais religiosos não nos causa estranhamento, uma vez que construções como "Vós entregastesvosso filho para nos salvar" são previstas pelas normas que determinam o uso da língua no contexto emquestão. Em situações de fala espontânea, ao contrário, o emprego desse pronome é inadequado, tendoem vista que a forma de segunda pessoa do plural consagrada nas normas coloquiais brasileiras eportuguesas é "vocês" e não "vós".

No trabalho com o texto, o aluno deve ser capaz de perceber que certas construções gramaticais podemser adequadas a um determinado gênero, mas não a outros. Podemos dizer que cada gênero se vale deuma norma particular, favorecendo ou desfavorecendo determinadas estruturas linguísticas. Anarração de jogos de futebol, por exemplo, "autoriza" a ocorrência de construções com o sujeito emposição final, posposto ao complemento verbal ("Autoriza o jogo o juiz", "Pega a bola Rogério Ceni","Passa a Bola Ronaldo", "Cobra a falta Dentinho"), resultando em estruturas que, na gramática doportuguês brasileiro, são pouco usuais em outras situações comunicativas.

(Clique na imagem36, para ouvir um podcast sobre Fiori Giglioti em que esses usos da língua ocorrem)

É importante ter em mente que nem todas as construções aconselhadas pelas gramáticas normativassão consideradas adequadas a qualquer norma. Como exemplo, podemos considerar as regras decolocação pronominal, tendo em vista a gramática internalizada pelos brasileiros37: muitos casos deênclise abonados pela gramática normativa (como "amo-­‐te", "beijar-­‐te-­‐ei" ou "dê-­‐ma", em lugar,respectivamente, de "te amo", "vou beijar você" e "me dê ela"), não são usuais nem mesmo na normaculta38, depreendida a partir da produção linguística dos falantes com grau de instrução superior.______________________________________________________________________________________

36 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=12GGMq0rZDQ, acesso em 13/04/2011.

37 http://pensador.uol.com.br/frase/NTU4NjA3/38 http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/

Page 18: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

18

Colocando os conhecimentos em jogo 5______________________________________________________________________________________Nas avaliações de dados quanto à adequação ou inadequação a uma determinada norma, costuma-­‐selevar em conta oposições do tipo formal vs informal, controlado vs espontâneo, polido vs coloquial,culto vs popular, entre outras. Em sala de aula, é importante que o professor explore fatos gramaticaisque, em diferentes níveis de análise, evidenciem claramente essas oposições aos alunos.No português brasileiro, a variação observada na marcação gramatical de número em padrões deconcordância verbal e nominal está entre os fatos sobre os quais a oposição culto vs popular pode seraplicada. A título de exemplo, considere as construções a seguir, extraídas de Saudosa Maloca39, cançãode Adoniran Barbosa40.

"nóis nem pode se alembrá""veio os home com as ferramenta""peguemo todas nossas coisa""que tristeza que nóis sentia""os home tá com a razão""só se conformemo"

"hoje nós pega a paia nas grama do jardim""pra esquecê nóis cantemo assim"

As sentenças acima exemplificam alguns dos fatos gramaticaismais representativos do português brasileiro popular. Para garantir uma maior expressividade dassuas letras, Adoniran Barbosa empregava essas construções para fazer referência à fala característicadas classes sociais mais baixas. Tomando como base a gramática internalizada dos membros dessasclasses, os padrões de concordância verbal e nominal observados nas músicas de Adoniran, emborainadequados à norma culta, devem ser analisados como gramaticais, perfeitamente compatíveis com asregras de estruturação sintática e morfológica atestadas em variedades do português brasileiro41.

______________________________________________________________________________________

39 http://letras.terra.com.br/adoniran-barbosa/43969/40 http://www.vidaslusofonas.pt/adoniran_barbosa.htm41 http://www.fflch.usp.br/indl/

Page 19: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

19

Finalizando______________________________________________________________________________________

Neste tópico, abordamos dois critérios que podem entrar em jogo na avaliação de um dado linguístico:a sua forma, analisada como gramatical ou agramatical, e a sua adequação a uma determinada norma.Se incentivados a analisar as expressões linguísticas a partir desses critérios, os alunos poderãorefletir sobre a língua com base nas regras da sua gramática internalizada, formulando generalizaçõesque serão úteis tanto à compreensão de determinados fatos linguísticos quanto ao reconhecimento eutilização de padrões frásicos que são adequados às diferentes normas.

É fundamental que os alunos conheçam a norma-­‐padrão e a vejam como uma peça essencial ao domíniodas variedades linguísticas de maior prestígio social e cultural. O professor não pode, contudo,apresentar essas variedades como as únicas possibilidades de realização da língua. Dominar a norma-­‐padrão é de grande valia, por exemplo, na produção de textos dissertativos que requeiram a escritaformal ou na redação de um perfil para obtenção de emprego. Essa mesma norma, contudo, tem poucautilidade em conversas informais pelo MSN ou em bate-­‐papos numa mesa de bar, quando outrasnormas linguísticas são requeridas e espontaneamente colocadas em uso.

Em sala de aula, o professor de Português deve investir tanto em atividades que ajudem seus alunos nautilização da norma-­‐padrão quanto em práticas de análise que os levem a perceber os fatos gramaticaisrelativos às mais diferentes normas.______________________________________________________________________________________

Page 20: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

20

Ampliando o conhecimento 1_______________________________________________________________________________________Para ampliar seu conhecimento sobre os assuntos abordados neste Tema, você pode ler:

Nada na língua é por acaso: ciência e senso comum na educação em língua materna42, de MarcosBagno: Esse artigo contrapõe o discurso científico e o discurso do senso comum no tratamento de fatoslinguísticos, chamando a atenção para incongruências da Gramática Tradicional, que ainda está na baseda abordagem gramatical na disciplina de Língua Portuguesa.

Ensino da língua em contexto de mudança43, de Maria Eugenia Lamoglia Duarte: O texto, que resultade uma conferência proferida a estudantes de Letras, aborda fatos de variação e mudança noportuguês, discutindo, dentre outros tópicos, a falta de sintonia entre a disciplina de Língua Portuguesae a realidade linguística brasileira.

Entrevista com Maria Marta Pereira Scherre sobre preconceito linguístico, variação linguística eensino44, por Jussara Abraçado: Nessa entrevista, a sociolinguista Marta Scherre discorre sobre osefeitos negativos do preconceito linguístico no ensino de Língua Portuguesa e sobre a necessidade deabordar, em sala de aula, a variação linguística.

Como falam os brasileiros45, de Yonne Leite e Dinah Callou: O livro apresenta fatos linguísticos emdiferentes falares brasileiros (carioca, gaúcho, paulista, baiano e pernambucano), à luz dasociolinguística variacionista.

Ensino de Gramática -­‐ Descrição e Uso46, coletânea de textos organizada por Silvia RodriguesVieira e Silvia Figueiredo Brandão: O livro reúne artigos sobre diferentes tópicos de análisegramatical, sugerindo estratégias para o desenvolvimento de abordagens que ajudem o aluno a refletiradequadamente sobre a forma e o funcionamento da língua.

Norma culta brasileira: desatando alguns nós47, de Carlos Alberto Faraco: O livro aborda os conceitosde norma, norma culta, norma padrão e norma gramatical, destacando confusões e incoerências no usoque se costuma fazer desses conceitos.

Ensino e aprendizado da língua materna48, de Celso Pedro Luft: O autor reflete sobre os descaminhosda disciplina de Língua Portuguesa e propõe uma abordagem que tenha como ponto de partida oconhecimento natural do aluno a respeito dos fatos da sua língua._______________________________________________________________________________________

42 http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=1243 http://www.4shared.com/get/Da3chdXP/Ensino_da_lngua_em_contexto_de.html44 http://www.uff.br/cadernosdeletrasuff/36/entrevista.pdf45 http://www.zahar.com.br/catalogo_detalhe.asp?id=0724&ORDEM=246 http://www.editoracontexto.com.br/produtos.asp?cod=32047 http://www.parabolaeditorial.com.br/releasenormaculta.htm48 http://globolivros.globo.com/busca_detalhesprodutos.asp?pgTipo=CATALOGO&idProduto=923

Page 21: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

21

Ampliando o conhecimento 2_______________________________________________________________________________________WEBGRAFIA

Para ampliar seu conhecimento sobre os assuntos abordados neste Tema, você também poderá ver naWEB:Entrevista do Professor Sírio Possenti, linguista da Unicamp, ao jornalista Juca Kfouri. Divididaem três partes (PARTE 149 PARTE 250 PARTE 351), a entrevista aborda diferentes questõesrelacionadas ao papel da Linguística na análise de propriedades da língua. Clique aqui52 para entrar noblog do Prof. Sírio Possenti e aqui53 para ler o artigo de sua autoria mencionado na primeira parte daentrevista.

Páginas de projetos voltados à descrição de variedades do português, com áudios, transcrições deentrevistas e/ou resultados de estudos sobre o uso da língua nessas variedades:NURC-­‐RJ54: Estudo da Norma Urbana Culta no Rio de JaneiroPEUL55: Programa de Estudos do Uso da Língua (Rio de Janeiro)PROJETO ALIP56: Amostra Linguística do Interior PaulistaVARPORT57: Variedades contrastivas do português (dados de fala e escrita do português brasileiro e doportuguês europeu)PROFALA58: Variação e processamento da fala e do discurso (Ceará)VERTENTES59: Português Popular do Estado da BahiaLUAL60: Língua Usada em AlagoasCOMUNIDADES QUILOMBOLAS61: Levantamento Etnolinguístico de Comunidades Afro-­‐brasileiras deMinas Gerais e ParáCORDIAL-­‐SIN62: Corpus Dialectal para o Estudo da Sintaxe (Português Europeu)CRPC63: Corpus de Referência do Português Contemporâneo________________________________________________________________________________________

49 http://www.youtube.com/watch?v=L4hbZYndovM50 http://www.youtube.com/watch?v=ydj42OqNF08&feature=related51 http://www.youtube.com/watch?v=bHrOsn5OGYo&feature=related52 http://terramagazine.terra.com.br/ultimas/0,,TIU-EI8425,00.html53 http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1817886-EI8425,00-Redundantemente.html54 http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/55 http://www.letras.ufrj.br/peul/index.html56 http://www.iboruna.ibilce.unesp.br/index.php57 http://www.letras.ufrj.br/varport/58 http://www.profala.ufc.br/59 http://www.vertentes.ufba.br/home60 http://www.fale.ufal.br/projeto/prelin/bancodedados.php61 http://www.fflch.usp.br/dl/indl/index.php62 http://www.clul.ul.pt/sectores/variacao/cordialsin/projecto_cordialsin_corpus.php#manuais63 http://www.clul.ul.pt/sectores/linguistica_de_corpus/projecto_crpc.php

Page 22: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

22

Ampliando o conhecimento 3________________________________________________________________________________________

Para concretizar alguns dos assuntos que discutimos no Tópico 1, você pode assistir ao filme Nell:

Título original: (Nell)Lançamento: 1994 (EUA)Direção: Michael AptedAtores: Jodie Foster, Liam Neeson, NatashaRichardson, Richard Libertini.Duração: 115 minGênero: Drama

SinopseUma jovem (Jodie Foster) é encontrada em uma casana floresta, onde vivia com sua mãe eremita, mas omédico (Liam Neeson) que a encontra após a morteda mãe constata que ela se expressa em um dialetopróprio, evidenciando que até aquele momento elanão havia tido contado com outras pessoas.Intrigado com a descoberta e ao mesmo tempoencantado com a inocência e a pureza da moça, eletenta ajudá-­‐la a se integrar na sociedade.

Para ler uma resenha do filme, clique aqui64. Vocêpode ver o trailer, clicando aqui65.

_______________________________________________________________________________________

64 http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=7365 http://www.youtube.com/watch?v=1UZp5v2Gj04

Page 23: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

23

Ampliando o conhecimento 4________________________________________________________________________________________

Assista ao filme Desmundo para refletir um pouco mais sobre os assuntos tratados no Tópico 2. Ahistória se passa no Brasil da segunda metade do século XVI. O filme procura reproduzir a fala da época,que apresenta construções linguísticas completamente estranhas aos falantes das atuais variedades doportuguês. O material é uma boa oportunidade para observar e analisar as formas linguísticas, hojeagramaticais, que eram usuais em estágios anteriores do português.

Título original: (Desmundo)Lançamento: 2003 (Brasil)Direção: Alain FresnotAtores: Simone Spoladore66, Osmar Prado67, Berta Zemei, BeatrizSegall.Duração: 100 minGênero: Drama

Clique aqui68 para ler a sinopse do filme.

Você também pode ver o trailer do filme, clicando aqui69.

_______________________________________________________________________________________

66 http://www.adorocinema.com/atores/simone-spoladore/67 http://www.adorocinema.com/atores/osmar-prado/6868 http://www.adorocinema.com/filmes/desmundo/69 http://www.youtube.com/watch?v=i7MznCZyKhI

Page 24: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

24

Referências Bibliográficas______________________________________________________________________________________ABRAÇADO, Jussara. Entrevista com Marta Pereira Scherre sobre preconceito linguístico, variaçãolinguística e ensino. Caderno de Letras da UFF, 36, 2008. pp. 11-­‐26.

BAGNO, Marcos. Nada na língua é por acaso: ciência e senso comum na educação em língua materna.Disponível em: http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=3770, acesso em 10/04/2011.

DUARTE, Maria Eugênia Lamoglia. Ensino da língua em contexto de mudança. Disponível em:http://www.filologia.org.br/anais/anais%20iv/civ12_3.htm,71 acesso em 10/04/2011.

FARACO, Carlos Alberto. Norma culta brasileira: desatando alguns nós. São Paulo: Parábola Editorial,2008.

LEITE, Yonne & CALLOU, Dinah. Como falam os brasileiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.

LUFT, Celso Pedro. Ensino e aprendizado da língua materna. São Paulo: Globo, 2007.

PINKER, Steven. O instinto da linguagem -­ como a mente cria a linguagem. Tradução de Claudia Berliner.São Paulo: Martins Fontes, 2002.

VIEIRA, Silvia Rodrigues & BRANDÃO, Silvia Figueiredo. Ensino de gramática -­ descrição e uso. SãoPaulo: Contexto, 2007.______________________________________________________________________________________

70 http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=3771 http://www.filologia.org.br/anais/anais iv/civ12_3.htm

Page 25: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

25

Tema: 2. Da gramática ao texto: elementos deanáliseTópico 1: Nomenclatura gramatical

Ponto de partida________________________________________________________________________________________

Toda atividade ou campo de conhecimento no qual é necessáriodesenvolver categorizações exige o desenvolvimento de umataxonomia72, que pode resultar na formulação de nomenclaturas. Alémde facilitar a descrição de um objeto complexo, a adoção denomenclaturas garante uma base uniforme, comum a diferentesestudos sobre esse mesmo objeto, a partir da qual se podem fazergeneralizações, consolidar hipóteses, testar previsões e comparar oalcance de diferentes análises.

A gramática se inclui entre as áreas de conhecimento que, pela naturezado seu objeto de observação (a sintaxe, a morfologia e a fonologia deuma língua), requer o recurso a nomenclaturas. A GramáticaTradicional73, que remonta à antiguidade greco-­‐romana, emergiuhistoricamente como um aparato que, na intenção de preservar umdeterminado estado da língua, exigiu o esforço da taxonomia paracategorizar, dentre outros elementos, as chamadas partes do discurso.Essa taxonomia serviu de base às nomenclaturas que orientaram adescrição das línguas no mundo ocidental, com sua influência se fazendo sentir até os dias atuais.

No século XX, com as teorias gramaticais se consolidando como campos de investigação científica, asdiferentes correntes de estudos linguísticos voltados à gramática das línguas naturais passam aelaborar nomenclaturas cada vez mais sofisticadas, que têm por objetivo não apenas descrever umadeterminada língua, mas também assegurar o poder explanatório de seus modelos. Mais do que operarcom a classificação das partes do discurso (substantivo, adjetivo, verbo etc.) e suas funções (sujeito,complemento, adjunto etc.), esses modelos investem na categorização de processos e configuraçõesfrasais74, no intuito de explicar o conhecimento e/ou uso da gramática pelos falantes de uma língua.

E quanto à nomenclatura gramatical empregada no âmbito da disciplina de Língua Portuguesa,qual é a sua finalidade? O recurso a essa nomenclatura tem tido sucesso? Os conceitos edefinições em sua base têm acompanhado o avanço dos estudos gramaticais desenvolvidos emdiferentes correntes da Linguística contemporânea?

________________________________________________________________________________________

72 "Taxonomia" quer dizer uma "classificação", a criação de um conjunto de categorias para classificar as coisas do mundo, inclusive osfatos da língua.

73 http://www.editoraunesp.com.br/catalogo-detalhe.asp?ctl_id=39974 A gramática gerativa, por exemplo, trabalha, em seus diferentes desdobramentos, com a classificação de procedimentosderivacionais que entram em jogo na estruturação sintática de uma sentença. Essa classificação procura captar as propriedades quegarantem a gramaticalidade de uma sentença, dando base às previsões sobre o que resulta na boa ou má formação de uma expressãolinguística.

Page 26: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

26

Mãos à obra________________________________________________________________________________________No tópico 1 do Tema 1, analisamos brevemente um verso de Cotidiano, de Chico Buarque, em que overbo sorrir, um item tipicamente intransitivo, é empregado com um complemento (Sorri um sorrisopontual). Clique aqui75 para assistir a um vídeo em que acontece o oposto: dois verbos tipicamentetransitivos (roubar e fazer) são empregados sem complemento. Depois de assistir ao vídeo, reflita sobreas seguintes questões:

Dentro do contexto de elaboração desse vídeo, por que os dois verbos podem dispensar a explicitaçãode um complemento?

Ao tratar da transitividade verbal com seus alunos, você associa a necessidade de complementação aocontexto de ocorrência do verbo ou se limita a apresentar frases descontextualizadas, em atividadesque funcionam apenas como exercícios de fixação?

Se, em lugar de verbo transitivo e verbo intransitivo, recorrêssemos às noções de oração transitivae oração intransitiva, você acha que o tratamento da transitividade verbal se tornaria mais produtivoem sala de aula? Qual seria o conceito de oração transitiva? E de oração intransitiva?

________________________________________________________________________________________

75 http://www.youtube.com/watch?v=7ZZD-H66M1Y

Page 27: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

27

Colocando os conhecimentos em jogo 1_______________________________________________________________________________________A nomenclatura gramatical que atualmente serve de base à disciplina de Língua Portuguesa tem sidoalvo de severas críticas, tanto pela finalidade com que tem sido empregada em sala de aula quantopelas inconsistências conceituais em sua base.

No que diz respeito à finalidade, é importante ter em mente que a adoção de uma nomenclatura, emqualquer campo de saber, não deve ter como fim o seu próprio aprendizado, mas ser um instrumento aserviço de práticas específicas, facilitando a descrição e análise de um objeto em estudo.

Pense nas nomenclaturas que os estudantes de medicinaprecisam aprender para exercer a profissão que escolheram.Para esses estudantes, a nomeação dos diferentes ossos docorpo humano ou das partes do cérebro, por exemplo, é umapoio fundamental tanto à aquisição de conhecimentos sobreo funcionamento do nosso corpo quanto ao aprendizado dastécnicas que deverão realizar em sua vida profissional.Nenhum estudante de medicina aprende o nome dos ossosou das partes do cérebro simplesmente para mostrar queconsegue reconhecer esses elementos, mas para garantir quea execução de diferentes atividades no exercício de suaprofissão seja bem sucedida.

Nas aulas de gramática, costumamos ver o contrário: a nomenclatura gramatical apresentada aosalunos, que traz uma lista de classes e funções, não tem tido uma finalidade para além do seu próprioaprendizado. O ensino da nomenclatura fica quase sempre restrito à função de medir o conhecimentodo aluno em atividades voltadas à simples classificação morfológica ou a análises sintáticasautomatizadas, sem qualquer reflexão mais sofisticada e produtiva em torno dos fatos da língua.Mesmo quando o seu uso é pretensamente voltado a atividades de recepção textual, é comum vermos otexto ser usado como um mero instrumento (ou, como se costuma dizer, como um pretexto) paratreinar o aluno no reconhecimento das diferentes classes e funções.

A adoção de uma nomenclatura gramatical deve ter um alcance que vai muito além do seu próprioaprendizado. Um dos seus objetivos deveria ser o de ajudar o aluno a refletir sobre a sua gramáticainternalizada para, a partir daí, analisar a língua em funcionamento e depreender, com mais autonomia,as regras que alicerçam o seu uso.________________________________________________________________________________________

(Clique na imagem para ampliá-­‐la)

Page 28: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

28

Colocando os conhecimentos em jogo 2_______________________________________________________________________________________Considere, a título de exemplo, o tratamento da transitividade verbal, sobre a qual você refletiu naseção Mãos à obra. Depois de ser apresentado à divisão dos verbos em transitivos, intransitivos e deligação, o aluno passa a ser cobrado quanto à classificação desses itens no que diz respeito ànecessidade de complementação e/ou quanto ao seu papel na nucleação de um predicado. Pouco ounada se diz sobre as propriedades semântico-­‐discursivas demonstradas pelos diferentes tipos de verboou sobre a possibilidade de um mesmo verbo, a depender do seu contexto de ocorrência, mostrarcomportamentos diversos no que concerne à transitividade e, por extensão, produzir efeitos de sentidodiferenciados na constituição de uma sentença.

Tome como exemplo o tratamento comumente oferecido pelos livros didáticos aos verbos de ligação,assim chamados por serem tradicionalmente analisados como tendo um conteúdo sem funçãopredicativa e servirem para articular o sujeito da oração com o núcleo semântico do predicado. Umavez colocados em contato com essa definição, os alunos são cobrados quanto ao reconhecimento de queverbos como ser, estar, ficar, permanecer, continuar etc. são itens que pertencem à categoria dos verbosde ligação. Os exercícios de classificação em torno desses verbos deveriam, contudo, ser acompanhadosde uma reflexão a respeito dos efeitos desencadeados pelo seu emprego na construção dos enunciados.Isso ajudaria os alunos na percepção de que os verbos de ligação não servem apenas para ligar umsujeito ao predicado, mas também para produzir uma série de efeitos sintático-­‐discursivos (como aimpessoalização da oração) e morfossemânticos (como diferentes nuances tempo-­‐aspectuais) quedeterminam o sentido dos enunciados.

O verbo ser, por exemplo, pode dispensar a ocorrência de um sujeito referencialmente definido,passando a funcionar como um verbo impessoal ou conduzindo a uma interpretação que sugiraincerteza ou indeterminação referencial no tocante ao sujeito. Observe, por exemplo, as váriasocorrências do verbo ser em Águas de Março76, famosa canção de Tom Jobim, e reflita sobre asseguintes questões: é possível, dentro da letra dessa música, identificar facilmente os sujeitos dospredicados com esse verbo? Na ausência de um sujeito explícito para predicados do tipo "É pau, épedra, é o fim do caminho", o verbo ser pode continuar sendo chamado "de ligação"? Que efeito é obtidopela sequência de predicados sem sujeito? Questões desse tipo, que são fundamentais para levar oaluno a refletir sobre as construções com o verbo de ligação no conhecimento e uso da língua,costumam ser inteiramente deixadas de lado na abordagem da transitividade verbal.________________________________________________________________________________________

76 http://www.youtube.com/watch?v=xRqI5R6L7ow

Page 29: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

29

Colocando os conhecimentos em jogo 3________________________________________________________________________________________No que diz respeito às limitações da nomenclatura gramaticalempregada pelos livros didáticos, a percepção dasinconsistências se deve em grande medida ao fato de osconceitos em sua base não terem acompanhado o avanço dosmodelos de análise gramatical na segunda metade do século XX.Esses modelos são voltados à observação da linguagem orale/ou da intuição dos falantes, o que levou à emergência detaxonomias bem mais sofisticadas que as formuladas à luz daGramática Tradicional.

A nomenclatura gramatical empregada atualmente nas escolasbrasileiras (conhecida como NGB77) que resulta do final dadécada de 50, tinha entre seus objetivos uniformizar asnomenclaturas utilizadas em âmbito escolar, para o quê teve umevidente sucesso. Contudo, frente às teorias gramaticais que seconsolidaram a partir de diferentes modelos de análiselinguística, essa nomenclatura se tornou obsoleta econtraproducente, incapaz de atender satisfatoriamente a umaabordagem moderna das propriedades demonstradas pelaslínguas naturais.

É injustificável, por exemplo, que o ponto de partida para o tratamento das partes da oração continue aser uma divisão dos termos em essenciais, integrantes e acessórios, quando se sabe que ocomportamento dos constituintes oracionais não confirma os pressupostos que motivam essa divisão.O sujeito, por exemplo, é um termo que continua a ser classificado como essencial, muito embora asorações sem sujeito sejam bastante frequentes na língua. O agente da passiva, classificado comointegrante, é dispensado na maioria das orações com o verbo na voz passiva, não se justificando a suainclusão entre os termos desse tipo. Parte dos sintagmas com interpretação locativa (como na estanteem Pus o livro na estante) classificados como adjuntos adverbiais, que são termos acessórios, énecessária à complementação verbal, mas a nomenclatura não prevê qualquer tipo de função para taissintagmas entre os termos integrantes.

A lista de inconsistências é imensa e a sua explicitação exigiria um espaço que vai muito além aodestinado para esse curso. Na seção Ampliando os conhecimentos I, você encontrará indicações detrabalhos que tratam desse assunto.________________________________________________________________________________________

77 http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=ngbras

Page 30: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

30

Colocando os conhecimentos em jogo 4________________________________________________________________________________________Uma vez assimiladas, as nomenclaturas passam a moldar a visão das pessoas a respeito do objeto que éalvo da descrição. No que diz respeito à gramática, isso é evidente: a NGB é a base sobre a qual osprofessores e alunos constroem suas representações acerca de como a gramática da língua se constitui.

Para citar um exemplo, considere a proposta da NGB para os complementos verbais. A simples divisãoem objeto direto e objeto indireto conduz à crença de que a preposição é o único elemento relevantepara determinar o tipo de complementação. Porém, antes da consolidação da NGB, os termos que hojesão incluídos entre os objetos indiretos eram classificados com base em critérios que levavam em contanão apenas a preposição, mas outros aspectos de ordem morfossintática esemântico-­‐discursiva.

A gramática78 de Rocha Lima79 é uma das que mantiveram o tratamentoconferido à complementação verbal antes da NGB. Esse autor divide oscomplementos verbais em objeto direto, objeto indireto, complementorelativo e complemento circunstancial. O que ele chama de objeto indireto serestringe aos termos com interpretação benefactiva80 e outras afins, quepodem ser substituídos, quando envolvem a terceira pessoa gramatical, pelopronome lhe. É o caso, por exemplo, do termo ao menino em Dei o livro aomenino, que admite, na norma-­‐padrão, a substituição por esse pronome (Dei-­lhe o livro).

Nessa mesma gramática, os complementos relativos, necessariamenteintroduzidos por uma preposição, não podem ser substituídos por um pronome oblíquo (por exemplo,o termo de você em orações como Preciso de você). Os complementos circunstanciais, por sua vez, sãoaqueles exigidos pelo verbo, podendo ou não ser preposicionados, indicativos de uma circunstâncialocativa (como em Pus o livro na mesa), direcional (como em Vou ao Rio), temporal (como em Areunião vai até de madrugada), valorativa (O livro custou cem reais) etc. Pelo menos no âmbito dacomplementação circunstancial, o resultado da NGB foi bastante negativo: seguindo essa nomenclatura,os manuais de ensino passaram a classificar termos como ao Rio em orações do tipo Fui ao Rio ouCheguei ao Rio como adjuntos adverbiais, muito embora tais termos sirvam claramente àcomplementação do verbo. A NGB "escondeu", dessa forma, critérios sintático-­‐semânticos quepoderiam, se bem trabalhados pelo professor, ajudar o aluno a refletir de modo mais coerente eprodutivo sobre as estratégias de complementação em sua gramática internalizada.________________________________________________________________________________________

78 http://www.record.com.br/livro_sinopse.asp?id_livro=2499679 http://www.filologia.org.br/xiv_cnlf/homenageado.htm80 Benefactivo: aspecto que indica ação praticada em benefício de alguém, como por exemplo o verbo "doar" em "Doei-­‐lhe todo meudinheiro".

Page 31: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

31

Atividade autocorrigível 2a________________________________________________________________________________________

Leia as afirmações a seguir e reconheça quais delas trazem informações corretas a respeito daabordagem oferecida pelo gramático Said Ali (clique aqui81 para acesso ao texto) aos verbos transitivose intransitivos do português em sua Gramática Histórica da Língua Portuguesa82, que reúne estudospublicados em 1921 e 1927.

a83) Said Ali classifica como transitivos os verbos que exigem um complemento e como intransitivosos que dispensam um complemento.

b84) Parte dos verbos que Said Ali chama de intransitivos relativos corresponde àqueles que a NGBclassifica como transitivos indiretos.

c85) De acordo com Said Ali, a linha entre verbo transitivo e verbo intransitivo não é rigorosa porquenão há um consenso entre os gramáticos sobre qual é a melhor forma de classificar os verbos.

d86) Said Ali afirma que os complementos de verbos intransitivos devem ser chamados de objetosindiretos circunstanciais, uma vez que compartilham propriedades com os termos de funçãoadverbial.

e87) Por resultar de uma nomenclatura que data do início do século passado, a classificação usada porSaid Ali não pode ser estendida ao português contemporâneo, já que a língua portuguesa sofreu váriasmudanças ao longo do século XX e muitos verbos que eram intransitivos passaram a ser transitivos evice-­‐versa.

________________________________________________________________________________________

81https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_04/funcionam

ento_lingua_gram_texto_sentido/Said_Ali_verbos.pdf82http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/gramaticaindex.php?fg=arquivos/Said_Ali_historica/paginasiniciais.pdf&

mn=gramatica1menu.php83 Incorreto. Na proposta de Said Ali, verbos que pedem complementos também são classificados como intransitivos.

84 Correto. Os verbos intransitivos relativos são, na classificação de Said Ali, aqueles que pedem um complemento necessariamenteintroduzido por preposição, que correspondem, em grande parte, aos que NGB denomina transitivos indiretos.

85 Incorreto. De acordo com Said Ali, a linha entre verbo transitivo e verbo intransitivo não é rigorosa porque muitos verbosclassificados como transitivos podem, em determinados contextos, ser usados como intransitivos.

86 Correto. De acordo com Said Ali, os complementos de verbo intransitivo, que podem ser preposicionados, mostram “algumasemelhança com as circunstâncias expressas pelos advérbios”.

87 Incorreto. Tanto a classificação usada por Said Ali quanto a proposta pela NGB são convenções, com uma podendo ser usada emlugar da outra independentemente de eventuais mudanças que tenham ocorrido na língua.

Page 32: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

32

Atividade autocorrigível 2b_______________________________________________________________________________________

Em resposta a um artigo publicado na Revista Veja (edição 1725)88, Marcos Bagno destaca o seguinte:

A grande diferença entre os lingüistas e educadores que defendem o ensino da norma-­padrão e os apregoadores da doutrina gramatical arcaica está no fato de que já sesabe hoje em dia que, para aprender as formas mais padronizadas e prestigiosas dalíngua, não é necessário conhecer a nomenclatura gramatical tradicional, asdefinições tradicionais, nem praticar a velha e mecânica análise lexical e muito menosa torturante análise sintática.

Leia a resposta89 de Marcos Bagno na íntegra e escolha a afirmativa correta.

a90) De acordo com Marcos Bagno, o recurso a nomenclaturas sempre traz prejuízos ao ensino dalíngua.

b91) O fato de os grandes centros de pesquisa linguística do Brasil não levarem a sério opiniões como asemitidas por Pasquale Cipro Neto revela, segundo o texto, que as universidades brasileiras rejeitamcategoricamente as abordagens científicas contemporâneas em torno da linguagem.

c92) Marcos Bagno defende que, em respeito à diversidade linguística brasileira, o ensino da norma-­‐padrão deve ser evitado.

d93) O texto de Marcos Bagno chama a atenção para o fato de os meios de comunicação de massamostrarem despreparo para abordar objetivamente, de uma ótica científica, as questões sobre a língua.

e94) Marcos Bagno se aproxima da opinião de Pasquale Cipro Neto no que diz respeito à necessidade doensino da norma-­‐padrão, pois ambos acreditam que essa norma é a forma de realização mais completada língua.

________________________________________________________________________________________

88 http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx89 http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=3990 Incorreto. De acordo com Marcos Bagno, é a nomeclatura gramatical tradicional, e não o recurso em si às nomenclaturas, que temprejudicado as reflexões sobre a língua em âmbito escolar.

91 Incorreto. Segundo o texto, os grandes centros de pesquisa linguística do Brasil não levam a sério opiniões como as emitidas porPasquale Cipro Neto porque tais opiniões demonstram uma “atitude anticientífica dogmática e até obscurantista no que diz respeitoà língua e seu ensino”.

92 Incorreto. Marcos Bagno defende que o ensino da norma-­‐padrão deve ser um dos objetivos da escola, citando Magda Soares, paraquem as camadas populares devem conhecer o padrão “não para que se adaptem às exigências de uma sociedade que divide ediscrimina, mas para que adquiram um instrumento fundamental para a participação política e a luta contra as desigualdadessociais”.

93 Correto. O autor destaca que os meios de comunicação de massa estão “na contramão da História quando o assunto é língua”, poishá “um absoluto despreparo de jornalistas e comunicadores para tratar do tema”.

94 Incorreto. Para Marcos Bagno, a norma-­‐padrão “nem sequer é língua, nem dialeto, nem variedade”, e o seu ensino se justificaria emfunção de o padrão “ter valores que não podem ser negados – em sua estreita associação com a escrita, ele é o repositório dosconhecimentos acumulados ao longo da história”.

Page 33: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

33

Finalizando_______________________________________________________________________________________

O emprego de uma nomenclatura gramatical em franca obsolescência tem um efeito evidente: suacontribuição para ajudar os alunos a desenvolver reflexões e práticas produtivas a partir da suagramática internalizada é insatisfatória. Isso porque boa parte dessa nomenclatura é baseada não emcritérios que priorizam a intuição dos falantes a respeito da língua, mas em um modelo que procuranormatizar o idioma, tendo como alvo uma gramática idealizada, muito distante da realidade linguísticavivenciada pelos falantes. Resulta daí, em grande parte, o fracasso da disciplina de Língua Portuguesana formação de alunos que consigam refletir produtivamente sobre os recursos de expressão da sualíngua.

________________________________________________________________________________________

Page 34: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

34

Tópico 2: A normatização gramatical na análise linguística

Ponto de partida_______________________________________________________________________________________Do modo com vem sendo implementado, o ensino de gramática costuma resultar na formação de ideiasque estão repletas de equívocos conceituais e inconsistências empíricas sobre as estruturas da língua.Em grande medida, esses equívocos e inconsistências derivam de uma postura acrítica frente àslimitações da nomenclatura tradicional e às incongruências da gramática normativa.

Os problemas não ficam restritos ao âmbito escolar e acabam afetando o modo como diferentes setoresda sociedade avaliam os fatos linguísticos. É comum vermos pessoas que não conhecem osfundamentos de uma análise gramatical fazer observações infundadas sobre determinadas construçõeslinguísticas, recorrendo a critérios difusos ou baseando-­‐se em pressupostos complemente equivocadossobre o funcionamento da língua.

Neste tópico, iremos atentar para o lugar da normatização na disciplina de Língua Portuguesa e refletirum pouco mais sobre os efeitos da nomenclatura tradicional no modo como as pessoas enxergam agramática da língua.________________________________________________________________________________________

Page 35: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

35

Mãos à obra_______________________________________________________________________________________

Assista aos dois vídeos abaixo, que mostram reportagens95 a respeito do chamado gerundismo:

Após assistir aos vídeos, leia os dois artigos listados abaixo e reflita sobre as seguintes questões: (i) Porque razão o gerundismo causa tanto incômodo entre as pessoas? (ii) Por que os telejornaisafirmam que construções do tipo vou estar verificando a sua documentação devem ser evitadas?(iii) Considerando-­se o que John Robert Schmitz e Sírio Possenti afirmam a respeito dessasconstruções, como o gerundismo deveria ser abordado nas aulas de gramática?

Texto 1: Vou estar defendendo o uso do gerúndio96, por John Robert Schmitz

Texto 2: De onde menos se espera -­‐ II97, por Sírio Possenti

________________________________________________________________________________________

95 Fonte: http://www.youtube.com/v/Bw8hzEbqqy8, acesso em 13/05/2011

http://www.youtube.com/v/0DTp0pnI4-­‐I, acesso em 16/05/2011.

96 Fonte: http://super.abril.com.br/cotidiano/vou-­‐estar-­‐defendendo-­‐uso-­‐gerundio-­‐445579.shtml, acesso em 13/05/2011.

97Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3339983-­‐EI8425,00-­‐De+onde+menos+se+espera+II.html, acesso em13/05/2011.

Page 36: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

36

Colocando os conhecimentos em jogo 1_______________________________________________________________________________________

Trabalhados de forma acrítica, os conceitos da GramáticaTradicional, aliados à postura normativa, acabam por normatizarinadequadamente o modo como é feita a análise das estruturas dalíngua. Em outras palavras, a fusão da Gramática Tradicional com agramática normativa resulta não apenas em preceitos sobre o que é"bom" ou "ruim", "certo" ou "errado", mas também na regulação dosconceitos e critérios que são explorados nas reflexões sobre alíngua.

Essa normatização das reflexões sobre a língua extrapola o âmbitoescolar e chega a diferentes setores da sociedade. Com isso, aspessoas passam a tecer considerações sobre os mais diferentes fatosgramaticais sem ter como referência elementos objetivos, baseando-­‐se, quase sempre, em análises sem qualquer ancoragem empírica oucoerência conceitual. Essas considerações costumam deixar de ladoo conhecimento gramatical internalizado pelos falantes e, namaioria das vezes, apoiam-­‐se em ideias que não levam em conta ofuncionamento real da língua.

É o caso, por exemplo, da afirmação feita por Napoleão Mendes de Almeida, na Gramática Metódica daLíngua Portuguesa (2005: 42), sobre o emprego do verbo ter em lugar de haver. De acordo com essegramático,

constitui erro grave, e todo possível devemos fazer para evitá-­lo, empregar o verboter com a significação de existir. Não devemos permitir frases como estas: "Não temnada na mala" (em vez de: "Não há nada...") -­ "Não tem de quê" (em vez de: "Não háde quê") -­ "Não tem lugar" (em vez de: "Não há lugar").

A condenação do gramático sobre o referido uso de ter não tem qualquer fundamento, tendo em vistaque a substituição de haver ou existir por esse verbo não traz prejuízos ao sentido ou à construção dosenunciados. Cabe ressaltar que há registros do emprego existencial de ter na norma culta brasileirapelo menos desde o século XIX, como destacado no estudo de Callou & Avelar (2002) sobre textospublicados em jornais daquele período.________________________________________________________________________________________

Page 37: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

37

Colocando os conhecimentos em jogo 2_______________________________________________________________________________________

Um exemplo claro de como a normatização da análisegramatical extrapola o âmbito escolar está nos vídeosapresentados na seção Mãos à obra, que mostram doisinfluentes telejornais brasileiros abordando o famigeradogerundismo, tratado como "uma doença verbalmentetransmissível" por um desses telejornais. As duas reportagensincorrem em equívocos de ordem empírica e conceitual, acomeçar pela ideia de que a estrutura característica dogerundismo foi "importada" do inglês, a partir de supostastraduções mal feitas por operadores de telemarketing.

Como destacado pelo linguista John Robert Schmitz, a ideia deque o gerundismo resulta de uma transferência do inglês éabsurda, tendo em vista, entre outros aspectos, que o gerúndioportuguês apresenta características que não são encontradas naquela língua. Além disso, como destacaSírio Possenti, a estrutura representativa do gerundismo não entrou recentemente no português, o quefacilmente se comprova pela sua ocorrência em um famoso manual de gramática e no próprio texto daNomenclatura Gramatical Brasileira, que data de 1959.

Há ainda outros equívocos nas duas reportagens, como o dos jornalistas que caracterizam o gerúndiocomo um "tempo verbal" (quando, na verdade, é uma forma nominal do verbo que serve à expressão dediferentes tempos e aspectos verbais) e o do professor de português que associa o emprego dogerúndio à expressão do que chama de "tempo progressivo". O melhor exemplo da falta decompreensão sobre o gerundismo é o decreto pelo qual "fica demitido o Gerúndio de todos os órgãosdo Governo do Distrito Federal", medida que um dos telejornais vê com bons olhos. O autor dessedecreto (o ex-­‐governador José Roberto Arruda, recentemente flagrado recebendo propina em um vídeoque circulou em rede nacional) não se deu conta da diferença entre gerúndio e gerundismo, mostrandodesconhecer a natureza da construção linguística contra a qual decidiu tomar "medidas profiláticas".________________________________________________________________________________________

Page 38: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

38

Colocando os conhecimentos em jogo 3_______________________________________________________________________________________

Ao normatizar o modo com a gramática da língua é analisada, a nomenclatura tradicional resulta numefeito extremamente negativo em âmbito escolar: como serve de base à normatizações inconsistentes, aabordagem gramatical fundamentada na NGB impede que o aluno (e, por vezes, o professor) explore asua gramática internalizada98 para descrever e analisar as propriedades da língua.

Um exemplo interessante de como a nomenclatura pode conduzir a análises inconsistentes está em umartigo publicado na Folha de São Paulo em 15 maio de 200899. Nesse artigo, Pasquale Cipro Neto analisaa sentença Lá não figura no mapa, da música Subúrbio100, de Chico Buarque, como uma construção queexibe um caso de derivação imprópria. De acordo com Pasquale, a palavra lá, nesse trecho, é"desadverbializada" e passa a funcionar como substantivo. É fácil ver que a análise de Pasquale estáequivocada: toda palavra substantivada pode ser antecedida de um artigo definido ou indefinido; essenão é, contudo, o caso da palavra lá na sentença em questão, já que uma construção do tipo O lá nãofigura no mapa seria, no contexto remetido pela letra da música, claramente agramatical.

Possivelmente, o que levou Pasquale ao equívoco é a análise tradicional de palavras como aqui, aí, ali elá, geralmente classificadas como advérbios à luz da NGB. Essa classificação desconsidera umaimportante propriedade dos itens em questão no uso da língua: aqui, aí, ali e lá são, na verdade, ummisto de pronome e advérbio, pois além de indicarem uma circunstância locativa, desempenham umafunção dêitica101 que é típica das categorias pronominais demonstrativas. Said Ali, em sua GramáticaHistórica da Língua Portuguesa (pp. 209-­‐210)102, procura captar essa propriedade e classifica todosesses itens como advérbios pronominais e não apenas como advérbios.

O que Pasquale define como uma "criação morfossintática -­‐ única! -­‐ de Chico" é produzidocorriqueiramente pelos falantes da língua, em construções como Lá vende livro, Aí está frio, Aqui ensinainglês e Ali serve salada. De modo natural, qualquer falante de português é capaz de associarintuitivamente as palavras lá, aí, aqui e ali (que funcionam como sujeito nesses exemplos) a umreferente que poderia ser expresso por um sintagma nominal. A criação "simplesmente memorável"(nas palavras do professor) atribuída a Chico Buarque é, como se vê, um fato gramatical bastanterecorrente no funcionamento da língua, derivado de propriedades dos itens vocabulares que, nagramática internalizada dos falantes, são um híbrido de advérbio e pronome. Aliás, se fosse diferente,os falantes jamais conseguiriam atribuir um sentido ao enunciado Lá não figura no mapa.________________________________________________________________________________________

98 Como vimos, a gramática internalizada é aquela que o falante de uma língua sabe, mesmo sem ter consciência disso, e usa para secomunicar espontaneamente com outros falantes da língua.

99 Publicado em 15/05/2008 na Folha de São Paulo, na seção Cotidiano.

100 http://www.vagalume.com.br/chico-­‐buarque/suburbio.html

101 “Dêitico é todo elemento linguístico que, num enunciado, faz referência: (1) à situação em que esse enunciado é produzido; (2) aomomento do enunciado (tempo e aspecto do verbo); (3) ao falante (modalização). Assim, os demonstrativos, os advérbios de lugar ede tempo, em geral deles derivados, os pronomes pessoais [...] são dêiticos, constituem os aspectos indiciais da linguagem”. (DUBOIS,J. et al. Dicionário de Linguística. São Paulo: Cultrix, 2006: p. 167. 10ª reimpr. da 1ª ed. de 1978)

102 http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/gramaticaindex.php?fg=arquivos/Said_Ali_historica/201-­‐220.pdf&mn=gramatica1menu.php,

Page 39: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

39

Colocando os conhecimentos em jogo 4_______________________________________________________________________________________

Qual deve ser a atitude do professor que se vê dianteda necessidade de ensinar gramática, tendo de tomarcomo ponto de partida uma nomenclatura obsoleta eum conjunto de preceitos inconsistentes em torno dofuncionamento da língua?

O primeiro passo é a consciência de que, naabordagem de fatos gramaticais, a finalidade danomenclatura não é o seu aprendizado: antes, eladeve ser um instrumento colocado a serviço dereflexões e práticas produtivas sobre a linguagem. De nada adianta o aluno conseguir, por exemplo,distinguir o sujeito do predicado se, na prática, é incapaz de perceber os efeitos das diferentesestratégias de predicação no uso da língua. Do mesmo modo, para citar outro exemplo, é improdutivoidentificar uma determinada palavra como advérbio sem, contudo, ter a percepção de que a classe dosadvérbios reúne itens que compartilham propriedades com várias outras classes da língua.

O segundo passo é compreender a realidade linguística do aluno, que varia de uma comunidade paraoutra. Levar o aluno ao reconhecimento da norma-­‐padrão requer, antes de mais nada, ajudá-­‐lo areconhecer as regras que compõem a sua gramática internalizada. Isso é um procedimento necessáriopara que, na consciência dessas regras, ele consiga ter autonomia na busca dos melhores recursos deexpressão em situações comunicativas que exijam, por exemplo, o emprego de uma linguagem maispolida.

O professor não pode perder de vista que a norma-­‐padrão não é uma língua, mas uma idealização queresulta histórica e culturalmente de uma série de preceitos e valores em torno de como se acredita quea língua deva ser usada. A norma-­‐padrão não pode, por isso, ser o eixo norteador da disciplina quechamamos de Língua Portuguesa. Para que a abordagem gramatical tenha uma fundamentaçãoobjetiva, o ponto de partida dessa disciplina deve ser a língua real, o chamado vernáculo, resultadodireto do conhecimento gramatical internalizado pelos falantes. É somente após tomar consciênciadesse conhecimento que o aluno deve ser orientado, com base em pressupostos teórica eempiricamente consistentes, ao domínio da norma-­‐padrão.________________________________________________________________________________________

Page 40: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

40

Finalizando_______________________________________________________________________________________

Sem uma postura crítica do professor frente aos conceitos da Gramática Tradicional, a nomenclaturagramatical e o ensino da norma-­‐padrão podem desembocar em práticas que, em lugar de ajudar o alunoa refletir produtivamente sobre a sua língua, obscurecem a identificação de propriedades querealmente interessam no estudo da gramática.

No trabalho com essas propriedades, o professor deve ter autonomia e competência para buscar eimplementar as estratégias que lhe parecerem mais adequadas à realidade linguística dos seus alunos,sem perder de vista que:

(i) a nomenclatura gramatical é um instrumento e não uma finalidade e

(ii) o ensino da norma-­padrão NÃO É O ÚNICO, mas APENAS UM dos vários objetivosrelacionados à abordagem gramatical na disciplina de Língua Portuguesa.

Nos próximos tópicos, vamos refletir sobre alguns procedimentos de análise que podem ser colocadosem prática para ajudar o aluno a refletir produtivamente sobre a sua gramática internalizada.

________________________________________________________________________________________

Page 41: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

41

Tópico 3: Gramática e sentido

Ponto de partida_______________________________________________________________________________________

A análise de fatos gramaticais é indissociável de reflexões sobre o sentido dos enunciados. Se osestudos sobre a forma e a adequação das expressões linguísticas não contarem com essas reflexões emparalelo, a abordagem gramatical em sala de aula não será capaz de atingir o seu objetivo, que éfornecer ao aluno subsídios para trabalhar produtivamente com o conhecimento e funcionamento dasua língua.

Neste tópico, iremos nos ocupar de alguns aspectossituados na interface entre gramática e sentido,abordando alguns procedimentos que permitemcombinar a avaliação de dados linguísticos quanto àforma e adequação com reflexões em torno deaspectos semântico-­‐discursivos.

________________________________________________________________________________________

Page 42: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

42

Mãos à obra_______________________________________________________________________________________Os enunciados abaixo foram extraídos de um diálogo entre moradores da cidade de Bom Despacho, emMinas Gerais. Para ouvir a gravação do diálogo ou ler a sua transcrição completa, clique aqui103.

A ocaia tipurô.la caxa o cuxipo.Cê caixa ingura pra ela?Já vai caixar no cuete ou fica sem ingura.As cambainha tão lá tipurando.O cuete vai direto pro conjolo.Pega o cajuvira.Leva a matuaba. Vai esquentando ali uma bambôia, né, aí o imbuete sobe...Vai na cuxipa.

Reflita sobre as seguintes questões:

• Que aspecto(s) dificulta(m) a compreensão do sentido dos enunciados acima?• Que elementos presentes nesses enunciados nos permitem afirmar que estamos diante de

construções produzidas por falantes de alguma variedade do português e não de uma outralíngua?

• Do ponto vista morfológico, é possível classificar as palavras que aparecem nessesenunciados como substantivo, verbo, preposição etc?

• Do ponto de vista sintático, podemos afirmar que a ordem das palavras dentro de cadaenunciado segue o padrão típico das frases do português? É possível classificar os seus termosquanto à função sintática, reconhecendo-­‐os como sujeito ou complemento verbal, porexemplo?

• Quanto à forma, esses enunciados devem ser classificados como gramaticais ou agramaticais?Por quê?

________________________________________________________________________________________

103 http://www.fflch.usp.br/dl/indl/transcricao_detalhe.php?id=37&idc=142

Page 43: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

43

Colocando os conhecimentos em jogo 1_______________________________________________________________________________________

Nos tópicos do Tema 1, vimos que uma expressão linguística pode ser analisada quanto à formagramatical e à adequação a uma determinada norma de uso. Além desses critérios, um terceiroelemento que pode entrar em jogo na avaliação gramatical de uma expressão é o seu sentido.

Na avaliação de um dado linguístico quanto ao sentido, o que deve ser levado em consideração é se osignificado da expressão linguística, independentemente do seu estatuto de gramaticalidade, pode sercompreendido pelos participantes de uma situação comunicativa. Isso significa que o sentido deve seravaliado em termos interlocutivos: uma expressão linguística precisa "fazer sentido" não apenas daperspectiva de quem o produziu, mas também da perspectiva daquele(s) a quem a expressão sedestina.

Você já deve ter observado que construções gramaticalmente perfeitas podem causar estranhamentono plano do sentido, enquanto muitas estruturas agramaticais podem ter seu sentido facilmentedepreendido em determinadas situações comunicativas. Uma construção do tipo A cadeira se sentou,por exemplo, é perfeita quanto à estrutura gramatical, mas provoca um evidente estranhamento no quediz respeito ao seu significado. Já uma construção como Eu não saber falar português, que é claramenteagramatical, pode ter seu sentido facilmente depreendido: qualquer falante de português pode associá-­‐la ao mesmo significado de uma construção como Eu não sei falar português.

O desconhecimento do significado veiculado poritens lexicais também pode dificultar ou impedir adepreensão do sentido de um enunciado. Esse é ocaso das construções que você observou na seçãoMãos à obra, extraídas de um diálogo entremoradores de Bom Despacho, em Minas Gerais. Essasconstruções trazem palavras de uma "língua" queficou conhecida como Língua do Negro da Costa104,cujo léxico é composto por palavras que parecem serde origem banta, provenientes dos escravos quechegaram à região. É fácil reconhecer que a gramáticada Língua do Negro da Costa é a mesma que a deinúmeras outras variedades do português brasileiro.O estranhamento provocado pelas construçõeslistadas não é de natureza gramatical, mas lexical105,pois palavras como ocaia106, cuete107, ingura108, conjolo109 e tipurar110 não compõem o léxico comumdos brasileiros.________________________________________________________________________________________

104 http://www.fflch.usp.br/dl/indl/Extra/Bom_Despacho.htm105 http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%A9xico106 mulher

107 homem

108 dinheiro

109 casa

110 olhar, ver, pegar, saber, flertar

Page 44: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

44

Colocando os conhecimentos em jogo 2_______________________________________________________________________________________De uma perspectiva gramatical, a avaliação das expressões linguísticas quanto ao sentido pode se dar apartir de pelo menos dois eixos: um voltado aos papéis semânticos dos termos da oração e outrorelacionado ao estatuto informacional desses termos.

Quanto ao papel semântico, os termos nominais podem ser analisados como agente, paciente,beneficiário, alvo, experenciador, instrumento etc., a depender do seu regente ou do predicador daconstrução. Tendo em mente a noção de papel semântico, o estranhamento provocado pela construçãoA cadeira se sentou pode ser explicado pelo fato de que o predicador verbal sentar requer um sujeitoanimado necessariamente interpretado como agente, condição que não é satisfeita pelo termo acadeira.

No que concerne ao estatuto informacional, a caracterização de um termo como sendo ou não o tópicodo que se diz em um enunciado pode ser relevante para analisar, entre outros aspectos, a posição dostermos na oração. A noção de tópico coincide, grosso modo, com a de "informação dada" (ou seja, járeferida no contexto da enunciação), definida em oposição à de "informação nova" (ou seja, que estásendo referida pela primeira vez no contexto da enunciação). Essa oposição pode se refletir naorganização dos enunciados. A título de exemplo, observe a quarta estrofe de E agora José?111, poemade Carlos Drummond de Andrade:

Com a chave na mão, / quer abrir a porta, / não existe porta; / quer morrer no mar, / mas o mar secou; /quer ir para Minas, / Minas não há mais.

Em um dos versos negritados, o complemento de haver (Minas) ocorre no início da oração e não depoisdo verbo, que seria a sua posição natural. O que propicia essa colocação é o fato de Minas consistirnuma informação dada, uma vez que esse termo foi referido no verso anterior. Desse modo, Minaspassa a funcionar como o tópico da oração com haver, o que "autoriza" ou facilita o seu deslocamentopara a posição inicial. Construções desse tipo podem ser usadas para instigar o aluno a refletir sobreefeitos de sentido atrelados a alternâncias na posição dos termos. No poema em questão, podemosindagar sobre qual deve ter sido a intenção do autor ao colocar o termo Minas no início da oração, bemcomo se o mesmo efeito seria obtido se o termo fosse realizado não antes, mas após o verbo.________________________________________________________________________________________

111 http://www.eeagorajose.kit.net/estilos/eagorajose.htm

Page 45: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

45

Colocando os conhecimentos em jogo 3_______________________________________________________________________________________

Embora não haja uma relação direta e necessária entre gramaticalidade e sentido, o estudo da sintaxeda língua pode ser extremamente enriquecido se, para além das tradicionais funções sintáticas, oprofessor levar em conta aspectos de ordem semântico-­‐discursiva.

Do ponto de vista estritamente sintático, a distinção entre termosessenciais, integrantes e acessórios pode dar lugar a uma divisãointuitivamente mais consistente, pela qual se explicite a diferença entrerelações de predicação, relações de complementação e relações deadjunção. As relações de predicação envolvem (quase sempre) umverbo e um termo com o qual ele concorda ou pode concordar. Asrelações de complementação recaem sobre um item qualquer (verbo,substantivo, adjetivo ou advérbio) e um termo explícito ou implícitorequerido por esse item para garantir a boa formação do enunciado. Asrelações de adjunção dizem respeito à associação de um item ou de umaparte da construção a um termo cuja presença é discursivamenterelevante, mas não garante a boa formação gramatical do enunciado.

Cada um desses níveis pode ser trabalhado sem que seja preciso jogar fora a nomenclatura tradicional.A predicação, por exemplo, envolve o que chamamos tradicionalmente de sujeito e predicado. Acomplementação abarca os complementos verbais (objeto direto, objeto indireto, complementorelativo, complemento circunstancial) e nominais. A adjunção reporta aos adjuntos nominais eadverbiais, além do chamado aposto.

O professor deve ter em mente que, em lugar de obrigar o aluno a decorar a lista das funções sintáticas,o mais importante é ajudá-­‐lo a perceber, no plano semântico-­discursivo, o papel que cada termodesempenha na organização dos enunciados. Nas relações de predicação, por exemplo, o aluno deveser capaz de entender, entre outros aspectos, as estratégias de impessoalização da oração, que permiteao falante, para propósitos diversos, tornar indefinido o referente de um sujeito. Nas relações decomplementação, o aluno deve ter sensibilidade para identificar diferenças de significado relacionadasa alternâncias nas propriedades regenciais de um determinado item. Nas relações de adjunção, aflexibilidade na colocação dos adjuntos adverbiais dentro de um enunciado pode ajudar o aluno aformular generalizações sobre como a posição dos termos da oração interfere na composição desentido.________________________________________________________________________________________

Page 46: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

46

Colocando os conhecimentos em jogo 4_______________________________________________________________________________________

Aliada à avaliação quanto à forma e à adequação, a análise quanto ao sentido também pode ajudar oaluno a estabelecer generalizações necessárias à identificação das classes de palavra. Considere a classedos substantivos, tradicionalmente caracterizada como o acervo das palavras que servem para nomearos seres. Essa definição é claramente problemática, pois nem todos os substantivos designam o que,para os alunos, pode ser chamado de "ser". Palavras como curtição, reflorestamento, assalto e paz, quesão substantivos, dificilmente vão ser entendidas como se referindo a seres. Se for "treinado" pararefletir adequadamente sobre a forma, a adequação e o sentido, o aluno poderá depreendernaturalmente as principais propriedades dessa e de outras classes.

Quanto à forma, qualquer falante da língua é capaz de perceber que algumas palavras, mas não outras,podem ser antecedidas de um artigo (mesmo que não tenha consciência do que seja um artigo). Assim,expressões como a comida, um assalto e o beijo são gramaticais, uma vez que comida, assalto e beijo sãosubstantivos, mas não *o para, *um comemos e *o infelizmente, pois para, comemos e infelizmente nãosão substantivos. Com base em observações desse tipo, o aluno pode chegar facilmente à conclusão deque substantivos são palavras que podem ser antecedidas de um artigo

Nas considerações sobre o sentido, a caracterização dos substantivos passa por entender qual é o papeldessas palavras na composição dos enunciados. Uma estratégia interessante está em motivar o aluno arefletir sobre o conteúdo das categorias gramaticais de número e gênero, que podem se manifestarmorfologicamente no substantivo. Qualquer aluno é capaz de notar facilmente que essas duascategorias trazem certas informações sobre "coisas" à nossa volta (aí incluídos não apenas os seres,mas também os acontecimentos, sensações, emoções etc.) e que as palavras para designar essas coisas,associadas às duas categorias em questão, compõem (ou são candidatas a compor) a classe dosubstantivo.

Quanto à adequação, a variação na marca morfológica de plural pode ser explorada para trabalhar aspropriedades morfossintáticas dos itens substantivos. Por meio da análise de dados como os livros vs oslivro, bem como pela observação de que expressões como o livros são agramaticais, o aluno deve chegarà generalização de que, em variedades do português brasileiro popular, a indicação de plural éobrigatória no determinante, mas não no substantivo. Ao mesmo tempo, o professor deve destacar queexpressões do tipo os livro não são, apesar de gramaticais em certas variedades, adequadas à norma-­‐padrão, que requer a marcação redundante de plural nos itens do sintagma nominal.________________________________________________________________________________________

Page 47: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

47

Atividade autocorrigível 3a_______________________________________________________________________________________Clique aqui112 para assistir a uma reportagem com moradores de Luanda, capital de Angola, a respeitoda Gripe A. No vídeo, podemos ouvir construções que são típicas do português popular emergente nopaís africano. Eis algumas:Tá a falar com pessoa.

Não vamo fugir doença.Vamo se provenir.A nova doença que tá a bater bué.Eu ando a escutar essa doença.

Avalie as construções listadas quanto à gramaticalidade e ao sentido e assinale as afirmações corretas:

a113) Se avaliadas com base no conhecimento linguístico internalizado pelos falantes de portuguêsbrasileiro (ou, pelo menos, pela quase totalidade desses falantes), todas as construções listadas devemser analisadas como gramaticais, pois é fácil depreender o sentido de cada uma delas.b114) Se a avaliação quanto à forma tiver como referencial as variedades de prestígio do português, asconstruções listadas devem ser consideradas agramaticais, mesmo sendo possível depreender osentido de cada uma delas.c115) O sentido desses enunciados causa estranhamento, evidenciando que os falantes de portuguêsangolano são incapazes de se expressar adequadamente.d116) A ausência de preposição após fugir e escutar entre as construções listadas mostra que a sintaxede regência no português angolano popular é, pelo menos no tocante a esses verbos, diferente dasintaxe de regência normalmente associada a esses mesmos verbos.e117) A ausência de preposição após fugir mostra que o sentido desse verbo no português angolano édiferente do assumido pelo mesmo verbo no português brasileiro.f118) No português brasileiro, a ausência de preposição na introdução do complemento do verbo assistir(como Assistimos o filme em lugar de Assistimos ao filme) gera, como nos dados do português angolano,problemas para interpretar adequadamente o sentido das construções.

________________________________________________________________________________________

112 http://www.youtube.com/watch?v=sy-xN5qkOoQ113 Incorreto. Essas construções são agramaticais se avaliadas com base no conhecimento linguístico internalizado por falantes deportuguês brasileiro (ou pela quase totalidade desses falantes), ainda que seja fácil depreender o sentido de cada uma delas.

114 Correto. Embora seja possível depreender o sentido das construções, elas são agramaticais se avaliadas com base nas variedades deprestígio do português.

115 Incorreto. Para falantes de outras variedades do português, o que causa estranhamento nos enunciados em questão não é osentido, mas a forma. A ideia de que tais enunciados evidenciam uma incapacidade de se expressar adequadamente é incorreta, poissão construções típicas das variedades do português que vêm emergindo em Angola.

116 Correto. Na maioria das variedades do português, esses verbos requerem, com o sentido observado nas construções listadas,complementos introduzidos por preposição ("fugir da doença" e "escutar (algo) sobre essa doença").

117 Incorreto. Pelo menos no enunciado em questão, o verbo “fugir” mostra o mesmo sentido com que é empregado no portuguêsbrasileiro.

118 Incorreto. No plano do sentido, a ausência da preposição não traz prejuízos à interpretação das construções com “assistir”, noportuguês brasileiro, ou com “fugir” e “escutar”, no português angolano.

Page 48: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

48

Atividade autocorrigível 3b_______________________________________________________________________________________

Em Doa-­‐se lindos filhotes de poodle119 (São Paulo: Parábola Editorial, 2005), a linguista Marta Scherrediscute o papel da mídia na consolidação de preconceitos contra marcas linguísticas largamenteencontradas em variedades do português brasileiro. Clique aqui120 para ler um trecho do primeirocapítulo desse livro e identifique, entre as afirmações abaixo, aquelas que abordam corretamente asideias do texto.

a121) O texto conclama os professores de português a abandonar o ensino da norma-­‐padrão e investirexclusivamente na abordagem de marcas do português brasileiro popular, visando a corrigir uma graveinjustiça social no tocante à diversidade linguística.

b122) Os exemplos de ausência de concordância plural extraídos de textos escritos são apresentadospara mostrar que a língua é corrompida e maltratada não apenas por pessoas com baixo nível deinstrução, mas também por aqueles que são usuários da norma culta.

c123) As referidas modificações efetuadas pelo Jornal de Brasil em construções do tipo três negãodaqueles bem grandão sugerem que o jornal trata a ausência de concordância plural como um erro, oque evidencia quão estigmatizado é esse fenômeno linguístico.

d124) Os textos apresentados de (1) a (11) indicam que a ausência de concordância plural não éaleatória, podendo ser desencadeada por fatos de natureza sintática relacionados à ordem dos termosdentro de uma construção linguística.

e125) A concordância variável de número, em contrariedade ao prescrito pela norma-­‐padrão, mostraque o português brasileiro passa por uma crise de identidade, provocada pela incapacidade tanto daescola quanto da mídia em fornecer à sociedade bons modelos de fala e escrita.

f126) Para Marta Scherre, o fato de o francês apresentar pouca concordância de número plural indicaque, como os brasileiros, os franceses não conseguem se expressar adequadamente e mostramdificuldade para desenvolver qualquer tipo de raciocínio lógico.________________________________________________________________________________________

119 http://www.parabolaeditorial.com.br/informativo6.htm120https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_04/funcionam

ento_lingua_gram_texto_sentido/Scherre_2005.pdf121 Incorreto. O texto não faz qualquer menção à necessidade de abandonar o ensino da norma-­‐padrão. O objetivo da autora é chamara atenção para a atitude da mídia frente a fatos gramaticais (no caso, a concordância) atestados em variedades do português, e nãoadvogar em favor de abandono da norma-­‐padrão.

122 Incorreto. A ausência de concordância plural não é, no texto, analisada como resultado de corrupção e maltrato da língua.

123 Correto. De acordo com a autora, a alteração promovida pelo jornal sobre as construções linguísticas em questão confirma a “crençado certo inerente, o sentimento de superioridade linguística”.

124 Correto. A autora mostra, por meio dos exemplos de (1) a (11), que “a ruptura da ordem direta (da ordem considerada canônica)pode provocar ausência de concordância de número plural entre os constituintes envolvidos em processos de concordância nominal(artigo+substantivo+adjetivo) ou verbal (sujeito+verbo)”.

125 Incorreto. O texto não tece qualquer juízo de valor sobre a concordância variável de número, nem atribui a existência dessefenômeno linguístico à ação da escola ou da mídia.

126 Incorreto. Marta Scherre faz menção ao francês para destacar que, apesar de essa língua mostrar pouca concordância de númeroplural, ninguém afirma que “é uma língua pobre, com problemas de comunicação, ou que os franceses não sabem falar ou não sãocapazes de pensar”.

Page 49: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

49

Finalizando_______________________________________________________________________________________O professor não pode perder de vista que a abordagem gramatical em âmbito escolar deve serdestinada ao desenvolvimento de reflexões produtivas sobre o uso da língua, o que pode ser feito, comovimos, explorando-­‐se a gramática internalizada do aluno como ponto de partida. Refletirprodutivamente sobre o uso da língua requer, como não poderia ser diferente, observar a língua emuso, sem o quê o trabalho em torno das relações entre gramática e construção de sentido não tem umarazão de ser.

Frases descontextualizadas podem até ser úteis para instigar os alunos a fazer indagações sobre o seuconhecimento linguístico (por exemplo, na busca de generalizações em torno do que seja gramatical ouagramatical) ou, para fins de didatização, ajudá-­‐los a fixar conceitos que precisam ser perfeitamentecompreendidos para facilitar a compreensão de análises linguísticas mais complexas. O aluno deve,contudo, ter o seu olhar treinado para entender a língua em uso, o que exige colocar o trabalho comdiferentes gêneros textuais e discursivos, falados ou escritos, como o norte das reflexões desenvolvidasno estudo da gramática.

Nos tópicos do próximo Tema, iremos abordar alguns fatos gramaticais, nos níveis morfológico esintático, que podem ser rentáveis ao desenvolvimento de trabalhos em torno do texto.

(Clique na imagem127 para ampliá-­‐la)

________________________________________________________________________________________

127 Taquigrafia (Fonte: http://www.taquigrafia.emfoco.nom.br/depoimentosquatro.htm, acesso em 13/05/2011).

Page 50: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

50

Ampliando os conhecimentos 1_______________________________________________________________________________________

Para ampliar seu conhecimento sobre os assuntos abordados neste Tema, você pode ler:

Nomenclatura gramatical brasileira -­‐ 50 anos depois128, de Claudio Cezar Henriques: Esse livroaborda a emergência da NGB e o seu papel na organização de conceitos em âmbito escolar, bem comodiscute a necessidade de sua reformulação para convertê-­‐la num instrumento facilitador da análise defatos linguísticos.

Linguística da norma129, organizado por Marcos Bagno: Coletânea de trabalhos que abordamquestões sobre a norma linguística, em torno de tópicos que tangenciam, dentre outros aspectos, oensino da gramática.

Contradições no ensino de português130, de Rosa Virgínia Mattos e Silva: Dentre outros tópicos, aautora aborda o papel da escola na sustentação da "norma normativo-­‐prescritiva", bem comoperspectivas atuais e futuras para o tratamento da heterogeneidade dialetal brasileira em âmbitoescolar.

Doa-­‐se lindos filhotes de poodle131, de Maria Marta Pereira Scherre: A autora discute o papel damídia na veiculação de preconceitos linguísticos e na perpetuação da ideia equivocada de que agramática normativa se iguala à língua ou à identidade de um povo.

Introdução à Semântica -­‐ brincando com a gramática132, de Rodolfo Ilari: O livro propõe uma série deatividades que podem ser desenvolvidas em sala de aula no trabalho com a interface entre sintaxe esemântica.________________________________________________________________________________________

128 http://www.parabolaeditorial.com.br/releasenomenclatura.htm129 http://marcosbagno.com.br/site2/conteudo/arquivos/liv_linguistica_norma.htm130 http://www.editoracontexto.com.br/produtos.asp?cod=46131 http://www.parabolaeditorial.com.br/informativo6.htm132 http://www.editoracontexto.com.br/produtos.asp?cod=119

Page 51: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

51

Ampliando os conhecimentos 2_______________________________________________________________________________________

WEBGRAFIAPara ampliar seu conhecimento sobre os assuntos abordados neste Tema, você também poderá ver naWEB:

Texto da Nomenclatura Gramatical Portuguesa133, fixada em 1967, que apresenta algumas diferençasem relação à Nomenclatura Gramatical Brasileira134.

Páginas que disponibilizam fac-­símiles de gramáticas do português publicadas desde o séculoXVI. Comparando essas gramáticas, você poderá observar a evolução da nomenclatura empregada notratamento descritivo-­‐normativo de fatos do português ao longo do tempo. Para acessar essas páginas,clique nos títulos abaixo:

Biblioteca Virtual das Ciências da Linguagem no Brasil135

Coleção de Gramáticas da Biblioteca do IEL/Unicamp136

________________________________________________________________________________________

133 http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=nomenclatura134 http://www.portaldalinguaportuguesa.org/?action=ngbras135 http://www.labeurb.unicamp.br/bvclb/pages/home/obrasLista.bv136 http://www.iel.unicamp.br/biblioteca/gramatica.php

Page 52: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

52

Ampliando os conhecimentos 3_______________________________________________________________________________________

Assista ao filme A Guerra do Fogo137 para refletir um pouco mais sobre o lugar do sentido naconstituição da faculdade humana da linguagem. O filme especula sobre como teria sido, há 80.000anos, o encontro entre duas espécies de hominídeos -­‐ uma cognitivamente mais evoluída, detentora deuma capacidade para a linguagem tal qual a conhecemos hoje, e outra menos evoluída, sem a mesmacapacidade. O filme pode dar espaço a reflexões e debates sobre o conhecimento e uso da linguagem,em particular no que tange à questão sobre como a construção de sentido(s) poderia se efetivar emsituações de interlocução nas quais os indivíduos envolvidos não compartilham, tanto do ponto de vistabiológico quanto cultural, as mesmas condições de geração da linguagem. Clique aqui138 para ler umaresenha sobre o filme.

Direção: Jean-­‐Jacques AnnaudElenco: Everett McGill, Rae Dayn Chong, Ron PerlmanDuração: 97 minutosLançamento: 1981País: França, Canadá

Clicando aqui139, você pode assistir ao filme na íntegra.

_______________________________________________________________________________________

137 http://www.sinopsedofilme.com.br/mostrar.php?q=82138 http://www.comciencia.br/resenhas/guerradofogo.htm139 http://www.ustream.tv/recorded/5564454

Page 53: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

53

Referências Bibliográficas_______________________________________________________________________________________ALMEIDA, N. M. Gramática metódica da língua portuguesa. São Paulo: Saraiva, 2005. 45a. ed.

BAGNO, M. Carta de Marcos Bagno para a revista Veja. Disponível em:http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=39140, acesso em 06/05/2011.

BAGNO, M. (Org.). Linguística da norma. São Paulo: Loyola, 2004.

CALLOU, D.; AVELAR, J. Estruturas com "ter" e "haver" em anúncios do século XIX. In: ALKMIM, T.(Org.). Para a História do Português Brasileiro -­‐ Vol. 3. São Paulo: Humanitas, 2002.

HENRIQUES, C. C. Nomenclatura gramatical brasileira: 50 anos depois. São Paulo: Parábola, 2009.

ILARI, R. Introdução à semântica. São Paulo: Contexto, 2004.

MATTOS E SILVA, R. V. Contradições no ensino de português. São Paulo: Contexto, 2005.

POSSENTI, S. De onde menos se espera (II). Disponível em:http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3339983-­‐EI8425,00-­‐De+onde+menos+se+espera+II.html141, acesso em 06/05/2011.

ROCHA LIMA, C. H. da. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1998(nova edição).

SAID ALI, M. Gramática histórica da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2001 (nova edição).

SCHMITZ, J. R. Vou estar defendendo o uso do gerúndio. Disponível em:http://super.abril.com.br/cotidiano/vou-­‐estar-­‐defendendo-­‐uso-­‐gerundio-­‐445579.shtml142, acesso06/05/2011.

SCHERRE, M. M. P. Doa-­se lindos filhotes de poodle. São Paulo: Parábola Editorial, 2005._______________________________________________________________________________________

140 http://marcosbagno.com.br/site/?page_id=39141 http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI3339983-EI8425,00-De+onde+menos+se+espera+II.html142 http://super.abril.com.br/cotidiano/vou-estar-defendendo-uso-gerundio-445579.shtml

Page 54: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

54

Ampliando o conhecimento 1_______________________________________________________________________________________WEBGRAFIA

1. Links para textos sobre debate regrado e exposição oral:CRISTOVÃO, V. L. L.; DURÃO, A. B. A. B.; NASCIMENTO, E. L. Debate em sala de aula: Práticas delinguagem em um gênero escolar143. Anais do 5º Encontro do Celsul, Curitiba-­‐PR, 2003. Pp. 1436-­‐1441.NASCIMENTO, E. L. Gêneros em expressão oral: Elementos para uma seqüência didática no domínio doargumentar144. Revista SIGNUM: Estud. Ling., Londrina, n. 8/1, pp. 131-­‐156, jun. 2005.TEIXEIRA, A. P. T.; BLASQUE, R. M. G.; SANTOS, C. D. A exposição oral na sala de aula145.GOULART, C. A exposição oral em seminário: um gênero escolar muito utilizado, mas poucosistematizado146.

2. Links para textos com propostas de ensino de debate regrado:Aula do Portal do Professor do MEC sobre "O debate regrado e o bullying147", de autoria de WalleskaBernardino Silva.Debatendo148. Oficina Pedagógica -­‐ DE S.J.Campos/SP, de autoria de Dorothy Bluyus Rodrigues Matias -­‐PCOP/História.Plano de aula da Nova Escola Online sobre "Redução da maioridade penal (de 18 para 16 anos)149"(debate).

________________________________________________________________________________________

143 http://www.celsul.org.br/Encontros/05/pdf/199.pdf

144 http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/signum/article/viewFile/3641/2943

145http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:P7tG72h-­‐DR0J:www.uel.br/eventos/sepech/arqtxt/resumosanais/AnaPTTeixeiraRobertaGBlasque.pdf+exposi%C3%A7%C3%A3o+oral&hl=ptBR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESiHLFfk3rSv6y4UKq14SijXMcMoSkc0sBvaRY7lRjhaerYZkZaxeIMmuPLPTEEUK12VpF8pjXS9itiGpHPmJVtmSsVaG8g-­‐W9XteL-­‐66VdZ_wpHJwzE_ugGURQljVBHVtYRqWf&sig=AHIEtbRp-­‐e4dfayPK-­‐JZN7-­‐lmS8R2PWu5g

146http://docs.google.com/viewer?a=v&q=cache:9ynxBVZhF8J:www.filologia.org.br/ileel/artigos/artigo_307.pdf+exposi%C3%A7%C3%A3o+oral&hl=ptBR&gl=br&pid=bl&srcid=ADGEESixv0lKcVo47JGBPvW0eT6lUtB77plAEmfWLV1ErwlviUTnWIazPknD4GZpVRyx8kN_7cq7PSfGOxGnk-­‐E4J01_upQAgkMSe6f3KOnOiWasxceIzZtYyYjuoTfBHeQY5eg_oa&sig=AHIEtbRzwfTTCaC55rdbNe6tAfv7jTOmNA

147 http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=22729

148 http://sites.google.com/site/dorothybluyus/debatendo

149 http://www.smec.salvador.ba.gov.br/site/documentos/espaco-­‐virtual/espaco-­‐praxis-­‐pedagogicas/BANCO DE SUGEST%C3%95S DEPLANO DE AULAS/reducao da maioridade penal -­‐ de 18 para 16 anos.pdf

Page 55: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

55

Tema: 3. A gramática no texto: procedimentosde análiseTópico 1 -­ Abordagens no nível morfológico

Um início de conversa_______________________________________________________________________________________150

________________________________________________________________________________________

150 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=n91IeujsAnU, acesso em 23/05/2011.

Page 56: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

56

Ponto de partida_______________________________________________________________________________________

A organização interna das palavras está no cernedos estudos morfológicos. No meio escolar, amorfologia deve ocupar um lugar de destaqueno estudo da língua, não apenas por focalizar aconstituição dos vocábulos, mas principalmentepela transparência de sua interface com todos osoutros níveis de análise linguística (o fonológico,o lexical, o sintático e o semântico).

O plano morfológico talvez seja aquele em que osalunos mais facilmente conseguem formulargeneralizações (se bem orientados pelosprofessores) com base no conhecimento quecompõe a sua gramática internalizada. Otrabalho com esse conhecimento é importante, por exemplo, para analisar o papel da criação vocabularna construção de sentido dos textos151, a partir do reconhecimento de diferentes processos deformação de palavras152 e da análise dos paradigmas flexionais existentes na língua.

Neste tópico, iremos sugerir alguns procedimentos de abordagem gramatical que podem ser rentáveisno trabalho com fatos morfológicos em sala de aula. Nosso objetivo não é fornecer um manual ou umguia sobre como dar aulas de morfologia, mas propor estratégias que podem ser interessantes natentativa de didatizar a apresentação de conceitos pertencentes a esse domínio de análise.

________________________________________________________________________________________

151 http://www.youtube.com/watch?v=OxbHH8HZrKk152 http://www.youtube.com/watch?v=Eu4jS2bT4uk

Page 57: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

57

Mãos à obra_______________________________________________________________________________________

Odorico Paraguaçu153, personagem principal de O Bem Amado154 (Rede Globo, 1973/1980-­‐1984), deDias Gomes155, entrou para a história da teledramaturgia brasileira não apenas por ser uma caricaturado político ardiloso, corrupto e populista, mas também pela produtiva criação lexical que marcava osseus discursos. Assista ao vídeo abaixo e reflita sobre as seguintes questões:

(i) Quanto à forma, as criações vocabulares de Odorico (como cabrestismo, democradura, pratrasmentese acarajeizar) são gramaticais ou agramaticais? Essas palavras são criadas em conformidade com asregras da língua portuguesa ou os processos em sua base são completamente estranhos à gramáticados falantes de português? Uma vez que não existem em nosso acervo vocabular, como conseguimosentender o seu significado?

(ii) Como essas criações lexicais ajudam a compor a imagem de Odorico Paraguaçu156?

________________________________________________________________________________________

153 http://pt.wikipedia.org/wiki/Odorico_Paragua%C3%A7u154 http://www.youtube.com/watch?v=31-6l5CkXhM155 http://pt.wikipedia.org/wiki/Dias_Gomes156 http://www.youtube.com/watch?v=9SNMIo-­‐1_lo

Page 58: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

58

Colocando os conhecimentos em jogo 1_______________________________________________________________________________________A morfologia recobre os fatos relativos à constituiçãointerna dos vocábulos, com destaque para osmecanismos de articulação entre diferentesmorfemas157 na estruturação das palavras. Dentre ostópicos comumente tratados no plano morfológico,estão os processos de formação de palavras, que sãoestabelecidos na interface com os estudos sobre oléxico, e os paradigmas flexionais, que sãodeterminados na interface com o nível sintático.

Além de aspectos relativos à constituição interna dosvocábulos, os livros didáticos geralmente incluem namorfologia o estudo das classes de palavras. A rigor, oestabelecimento dessas classes leva em conta não apenas critérios que dizem respeito à forma dos itensvocabulares, mas também suas propriedades sintáticas e semântico-­‐discursivas. Isso costuma gerar,entre os alunos, algumas dificuldades para o preciso reconhecimento das classes, uma vez que, noslivros didáticos, as propriedades morfológicas quase sempre são apresentadas dissociadas da sintaxe eda semântica.

Outro problema que surge no estudo da morfologia diz respeito à base de dados empregada paraexemplificar certos fatos léxico-­‐gramaticais nesse nível de análise. No tratamento da formação depalavras, por exemplo, muitos livros didáticos dão destaque a exemplos que, de uma perspectivasincrônica, não são intuitivamente transparentes quanto aos processos que permitem criar novosvocábulos. Como curiosidade, é interessante o aluno saber que palavras como vinagre, fidalgo e emborase originaram do processo tradicionalmente chamado de composição; entretanto, como não sãonaturalmente percebidas como palavras compostas, tais exemplos não são um bom ponto de partidapara levá-­‐lo a refletir autonomamente sobre as causas e efeitos da formação de novas palavras.

Antes de mais nada, os alunos precisam ser capazes de reconhecer o papel dos diferentes morfemas naconstituição do significado global das palavras formadas. Daí ser necessário que os exemplosselecionados para o estudo da criação lexical evidenciem intuitivamente a articulação dos morfemas naformação das palavras, bem como a composição de sentido resultante dessa articulação.________________________________________________________________________________________

157 Morfema é uma unidade lexical mínima dotada de sentido. As palavras podem ser formadas de um ou mais morfemas. A formaverbal “beijávamos”, por exemplo, apresenta três morfemas: o radical “beij(a)-­‐”, o sufixo modo-­‐temporal “-­‐va” e o sufixo número-­‐pessoal “-­‐mos”. Já palavras como “pé” e “sol” são compostas de um único morfema.

Page 59: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

59

Colocando os conhecimentos em jogo 2_______________________________________________________________________________________Uma atividade que costuma ser didaticamente rentável é a análise de palavras que, apesar detransparentes quanto a sua formação, não fazem parte do nosso acervo vocabular. No vídeointroduzido na seção Mãos à obra, vimos Odorico Paraguaçu recorrer a palavras que não compõem oléxico português, mas são criadas de acordo com regras da língua: renovista, cabrestismo, democradura,acarajeizar, vatapazar, verde-­amarelecido, retarguadistas, retrogradistas, corujistas, milagristas,fraudicantes.

Quando apresentado a palavras desse tipo, o aluno pode ser motivado a refletir sobre o seuconhecimento linguístico internalizado e chegar a conclusões interessantes. No caso dos itensproduzidos por Odorico, podemos entender o seu significado158 porque, além de conhecer as partes queos integram, somos usuários proficientes (qualquer falante nativo da língua o é, mesmo sem terconsciência disso) das regras de formação vocabular. Podemos, por exemplo, depreender o significadode acarajeizar se soubermos o que é acarajé, bem como concluir facilmente que se trata de um verbo,uma vez que -­(a)r é o morfema característico do infinitivo português.

Os livros didáticos costumam tratar da formação vocabular antes de introduzir as classes de palavras, oque dificulta a didatização da abordagem sobre processos de formação que alteram as classes159 eimpede o professor de explorar pressupostos que ajudam na análise de certas criações lexicais. Na falade Odorico, por exemplo, vemos formas que se articulam com o sufixo -­mente e, em alguns casos,sofrem substantivação (como em pratrasmentes). Embora possa entender que pratrasmentes significa"fatos passados", o aluno terá dificuldade para compreender o processo de criação desse item se nãoconseguir distinguir as classes de palavras. Uma palavra como pratrasmentes tem na sua base umalocução locativo-­‐adverbial (pra trás), que é transformada num advérbio de modo (pela combinaçãocom o sufixo -­mente) e, então, substantivada, o que permite sua articulação com o morfema -­s,indicativo de plural. O professor deve ter em mente que o aluno precisa saber, quando cobrado sobre acompreensão desse processo, o que é uma locução, em que consiste um advérbio de modo e quais sãoas propriedades dos substantivos.

Cabe ao professor decidir se é ou não conveniente, dadas as especificidades da sua turma e os objetivosprevistos no projeto pedagógico de sua escola, investir em reflexões formalmente mais aprofundadassobre os processos de criação lexical. Não podemos, contudo, perder de vista que determinadosconhecimentos só podem ser formalizados após um estudo sistemático das classes e funções dos itensda língua.________________________________________________________________________________________

158 Algumas palavras exigem que o aluno tenha um conhecimento mais “especializado” para entender o seu significado global. É o caso,por exemplo, de “cabrestismo”, que exige saber em que consistiu o chamado "voto do cabresto", ou “democradura”, que requerconhecer o sentido do prefixo “-­‐ura” em palavras como “ditadura”, uma antonímia possível para “democracia”.

159 A derivação sufixal, por exemplo, pode resultar na formação de uma palavra que pertence a uma classe diferente da palavra que lheserviu de base, como em “bobeira” (substantivo), formada a partir de “bobo” (adjetivo).

Page 60: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

60

Colocando os conhecimentos em jogo 3_______________________________________________________________________________________

Outra estratégia que costuma ser rentável no estudo damorfologia é chamar a atenção para o modo como um mesmomorfema é empregado em diferentes situações de interlocução.A partir de atividades desse tipo, os alunos podem serorientados a fazer generalizações, bem como a formular etestar hipóteses simples (procedimentos que são relevantes emqualquer campo de estudo) sobre as propriedades dosdiferentes morfemas.

Considere o morfema -­‐inho, tradicionalmente analisado comoum sufixo indicativo de diminutivo. Se os alunos foremindagados a respeito do seu significado, é provável que amaioria responda que -­‐inho é sinônimo de pequeno, daí

carrinho, casinha e livrinho significarem carro pequeno, casa pequena e livro pequeno. Depois de ouvir oque têm a dizer sobre esse morfema, apresente-­‐lhes um texto (oral ou escrito) que evidencie ser estesufixo não apenas empregado para indicar "tamanho pequeno", mas para ajudar o falante a expressarrelações de afetividade (desde carinho à depreciação) sobre o que enuncia.

Observe, por exemplo, o diálogo160 entre Tina Pepper161 e Lili Bolero162, personagens da novelaCambalacho (Rede Globo, 1986), de Sílvio de Abreu. Atente para as ocorrências do sufixo -­‐inho(a) nodesenvolvimento do diálogo, em palavras como comidinha, arrozinho, feijãozinho, ovinho, bifinho,farofinha etc. É fácil concluir que, em tais palavras, o emprego do sufixo não é indicativo de "tamanhopequeno", e sim um índice da afetividade que as personagens estabelecem com o conteúdo do queenunciam. Na fala da mãe, o sufixo tem uma conotação apreciativa, servindo para valorizar asimplicidade da alimentação que ela pretende ver servida; na fala de Tina, em contraste, o mesmomorfema é usado para depreciar o cardápio, como em bifinho batidinho na tábua, que a personagemcaracteriza como um bifinho sem-­vergonha. No mesmo vídeo, vemos a ocorrência de morfemas que, emoposição a -­inho(a), tem uma função intensificadora, como -­ão em bifão, -­íssima em riquíssima efofíssima e -­‐érrimo(a) em chiquérrimo, riquérrima e foférrima.

Observando dados desse tipo, os alunos concluirão intuitivamente que a generalização segundo a qual -­inho é um morfema indicativo de "tamanho pequeno" deve ser aperfeiçoada. Ao mesmo tempo, deverãoreelaborar a generalização, procurando captar o fato de que o mesmo morfema se presta à expressãodo modo como os falantes se relacionam afetivamente com elementos referidos em seus enunciados.________________________________________________________________________________________

160 http://www.youtube.com/watch?v=ni6xct733eE161 Tina Pepper, apelido (em referência à cantora Tina Tuner) de Albertina Pimenta, era interpretada por Regina Casé. A comicidade dapersonagem era marcada pelo horror à sua condição de pobre. No decorrer da história, Tina Pepper tem seus quinze minutos defama como cantora pop e se muda para uma mansão, onde tentará experimentar tudo o que acredita ser próprio das pessoas ricas.

162 Lili Bolero, mãe de Tina Pepper, era interpretada pela atriz Consuelo Leandro em Cambalacho. Na cena em questão, a personagementra em conflito com a filha por causa das instruções dadas à “criadagem” para preparar as refeições do dia.

Page 61: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

61

Colocando os conhecimentos em jogo 4_______________________________________________________________________________________

Para que atividades como as delineadas na páginaanterior sejam bem sucedidas, é importante que oaluno esteja em posse de conceitos que o ajudem aorganizar suas reflexões. Não se trata, como jádissemos, de fazê-­‐lo decorar a nomenclaturagramatical, mas de orientá-­‐lo na compreensão dedefinições que são necessárias ao estudo de diferentesfatos linguísticos. O professor deve investir naelaboração de estratégias que permitam ao alunoadquirir autonomia na realização das mais diferentesatividades. Obviamente, as aulas de gramática não têmcomo objetivo formar linguistas ou gramáticos, masindivíduos capazes de utilizar, de modo eficiente, osrecursos de expressão disponibilizados pela língua narealização das mais diferentes atividades cotidianas.

No plano da morfologia, entre os conceitos que costumam ser negligenciados pelos livros didáticos (e,muitas vezes, pelos professores) estão os de morfema lexical e morfema gramatical163. A intuiçãopor trás desses conceitos está na base, por exemplo, da oposição entre palavras morfologicamentevariáveis (como os substantivos, verbos e pronomes) e palavras morfologicamente invariáveis (comoas preposições e conjunções), bem como no estabelecimento dos paradigmas flexionais quedeterminam as formas possíveis para os elementos nominais e verbais.

Uma estratégia que, se bem trabalhada, pode ser rentável para apresentar os conceitos de morfemalexical e morfema gramatical está no trabalho com textos cuja construção de sentido seja dependentedo emprego de um mesmo morfema lexical associado a diferentes morfemas gramaticais. O samba-­‐enredo Sonho de um Sonho164 (Martinho da Vila, Rodolpho, Graúna) é um bom exemplo: na letra dosamba, o morfema lexical sonh-­‐ se articula com diferentes morfemas gramaticais, resultando narealização de formas como sonhei, sonhando, sonhado, sonhava, sonho (Sonhei que estava sonhando umsonho sonhado / Eu sonhava que sonhava). Com textos que reúnem exemplos desse tipo, o professorpode desenvolver a apresentação de diferentes conceitos com reflexões sobre efeitos de sentidodesencadeados pelos mais variados tipos de itens (radicais, flexionais, derivacionais, conectivos etc.) naconstrução de um texto.________________________________________________________________________________________

163 O morfema lexical é aquele que serve à indicação de algo (seres, ideias, estados, eventos etc.) localizado no universo extralingüístico(como os substantivos “pé” e “sol”), enquanto o gramatical é aquele que codifica informações necessárias à composição interna dosenunciados ou à articulação de suas partes nos planos morfológico, sintático e semântico-­‐discursivo (como os artigos definidos “o” e“a” e as conjunções integrantes “que” e “se”). Grande parte das palavras do português combina morfemas lexicais e morfemasgramaticais em sua constituição. A forma verbal “cantávamos”, por exemplo, é formada pela combinação de um morfema lexical (araiz “cant-­‐”) com dois morfemas gramaticais (o sufixo modo-­‐temporal “-­‐va” e o sufixo número-­‐pessoal “-­‐mos”). Os morfemasgramaticais do português codificam informações relacionadas, quase sempre, a uma ou mais das seguintes categorias: gênero,número, pessoa, grau, tempo, modo, aspecto, voz, lugar, definitude e caso.

164 http://letras.terra.com.br/martinho-da-vila/287490/

Page 62: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

62

Colocando os conhecimentos em jogo 5_______________________________________________________________________________________

A avaliação de dados quanto à forma para classificá-­‐los comogramaticais ou agramaticais é uma estratégia que também pode serempregada no estudo da constituição interna das palavras. Quandoadequadamente orientados a fazer essa avaliação, os alunosconseguem depreender com facilidade as regras que dão base aosprocessos flexionais, derivacionais e composicionais maisimportantes da língua.

A título de exemplo, considere o poema Ao Deus Kom Unik Assão165,de Carlos Drummond de Andrade. Como os seus alunos reagiriamfrente a palavras como peses (plural de pés, que já se encontraflexionado no plural) e morrendos? Que morfema determina aagramaticalidade dessas formas? Qual terá sido a intenção do autorao produzir essas palavras? Do ponto de vista estritamentegramatical, o esperado é que os alunos associem o estranhamento causado pelas duas palavras aomorfema indicativo de plural, cujo emprego nas formas em questão não obedece às regras flexionais doportuguês. O aluno é capaz de reconhecer essa propriedade com base em sua gramática internalizada,sem a necessidade de recorrer a qualquer informação constante dos livros didáticos.

No mesmo poema, vemos palavras que, apesar de não comporem o acervo vocabular dos falantes deportuguês, soam perfeitamente gramaticais, como as encontradas na fala de Odorico Paraguaçu.Algumas dessas palavras são auriquilate, genucircunflexado, desexprimo, lugarfalar, belibalentes,plurimelodia, pré-­alfabeto, interpatetal e centimultiplico. Por que essas palavras podem ser analisadascomo gramaticais, diferentemente de peses e morrendos? Qual terá sido a intenção do autor ao criá-­‐las,considerando o sentido global do poema? Qual é, dentro do texto, o significado assumido por cada umadelas?

Os alunos devem ser capazes de perceber que a gramaticalidade desse conjunto de palavras édeterminada pelo fato de terem sido criadas em conformidade com as regras de combinação demorfemas previstas na gramática dos falantes de português. A composição, um dos mecanismos maisprodutivos para criar novas palavras, aparece, por exemplo, em vocábulos como auriquilate,belibalentes, genucircunflexado, lugarfalar, plurimelodia e centimultiplico. A derivação prefixal, outromecanismo bastante produtivo, está na base da formação de desexprimo, interpatetal e pré-­alfabeto.________________________________________________________________________________________

165 http://www.eca.usp.br/comueduc/antigos/poesia/poesia6.htm

Page 63: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

63

Finalizando_______________________________________________________________________________________

As atividades desenvolvidas em torno de fatos morfológicosdevem, em última instância, desembocar em práticas de análiseque ajudem os alunos a entender o sentido dos textos e aempregar diferentes recursos expressivos em suas própriasproduções.

Em lugar de ficar preso à nomenclatura gramatical tradicionalou se limitar à veiculação de preceitos da norma-­‐padrão, oprofessor pode transformar as suas aulas de morfologia numverdadeiro laboratório de experimentos sobre o conhecimentoe uso da língua, orientando os alunos em reflexões sobre omodo como a constituição das palavras, entre outros aspectos,interfere na construção de sentido dos textos.

Nos tópicos seguintes, iremos abordar procedimentos de análise no nível sintático e veremos comoalguns fatos característicos desse nível podem ser trabalhados no meio escolar.

________________________________________________________________________________________

Page 64: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

64

Tópico 2 -­ Abordagens no nível sintático: o conhecimentointuitivo da gramática

Ponto de partida_______________________________________________________________________________________

No meio escolar, o estudo da sintaxe deve serpermeado por práticas que ajudem a aluno adepreender os mecanismos de articulaçãosintagmática necessários à produção de enunciadosformalmente gramaticais. Em posse de elementosque o auxiliem nessa depreensão, ele deve serorientado a refletir produtivamente sobre aadequação das estruturas sintáticas às diferentesnormas de uso da língua (com destaque à norma-­‐padrão) e a empregar eficientemente os maisvariados recursos de expressão na produção dos seustextos.

Para que a análise sintática atinja esses objetivos, a abordagem gramatical deve se libertar dasconhecidas incongruências atreladas à nomenclatura tradicional e se basear, como já dissemos, emprocedimentos que permitam explorar o conhecimento intuitivo do aluno a respeito dos fatos da sualíngua. Neste tópico, iremos discutir algumas ideias que podem, na esfera da sintaxe, auxiliar odesenvolvimento de estratégias didaticamente produtivas na abordagem dos fatos linguísticos.________________________________________________________________________________________

Page 65: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

65

Mãos à obra_______________________________________________________________________________________Na crônica intitulada Vende frango-­‐se166, Martha Medeiros aborda, em tom poético e bem humorado,um dos padrões oracionais mais problemáticos no estudo da gramática do português. No vídeo167indicado abaixo, você pode assistir à leitura dessa crônica pela atriz Cássia Kiss.

Após assistir ao vídeo, reflita sobre a seguinte questão, que será central para um dos pontos que iremosdiscutir neste tópico: o que levou o Guimarães Rosa do morro (nas palavras de Martha Medeiros)a produzir uma construção agramatical com o pronome se?

________________________________________________________________________________________

166 http://bianella.blogspot.com/2009/02/vende-frango-se.html167 http://www.youtube.com/watch?v=AHR1qir0XpU

Page 66: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

66

Colocando os conhecimentos em jogo 1_______________________________________________________________________________________Nos livros didáticos, a sintaxe costuma ser apresentada dentro de uma divisão que reconhece, por umlado, dois níveis de complexidade no que tange à organização das orações (daí se falar em períodosimples e período composto) e dois mecanismos de articulação gramatical (a regência e aconcordância). Esses dois mecanismos estão presentes nos períodos simples e compostos, não sejustificando, a priori, adiar o seu estudo (como o fazem os livros de gramática) para depois da exaustivasérie de análises sintáticas sobre as estruturas da língua. Além de impedir que o aluno relacione oestabelecimento das diferentes funções sintáticas com propriedades de regência e concordância, essadivisão impede a adequada didatização de conceitos no plano da sintaxe.

Outro fato que dificulta a didatização de conceitos envolve asnoções de coordenação e subordinação: embora presentes nosperíodos simples e compostos, esses dois tipos de conexãosintática são tratadas apenas no estudo dos períodos compostos.Em função disso, a maioria dos alunos é levada a acreditar,equivocadamente, que períodos simples não apresentam relaçõescoordenativas e subordinativas. Além de não ajudar a entender asdiferenças entre coordenação e subordinação, a abordagem acabase concentrando na tipologia das orações, sem resultar emqualquer aplicação rentável ao trabalho de produção textual.

O quadro se agrava com a atitude de muitos professores que, emvez de explorar a análise sintática para trabalhar com a interfaceentre gramática e sentido e/ou para motivar a elaboração de

generalizações interessantes sobre o conhecimento e uso da língua, se limitam a cobrar dos alunos quedecorem a nomenclatura da NGB (que, além de obsoleta, é repleta de inconsistências) para classificaros termos da oração.

O resultado é conhecido: dada a dificuldade em entender estruturas simples da língua, a grande maioriados alunos desenvolve ojeriza pela análise sintática, já que não veem utilidade (para além danecessidade de fazerem uma prova) na realização dos enfadonhos exercícios a que são submetidos. Oque os alunos não sabem é que conhecem intuitivamente as estruturas sintáticas da sua língua (dasmais simples às mais complexas), e que esse conhecimento intuitivo pode ser explorado no estudo dasexpressões oracionais.________________________________________________________________________________________

Page 67: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

67

Colocando os conhecimentos em jogo 2_______________________________________________________________________________________Grosso modo, os termos de um enunciado podem, no plano gramatical, se combinar por meio de uma das três relações seguintes:a predicação (que determina, na nomenclatura tradicional, as funções de sujeito e predicado), a complementação (quedetermina as relações entre um núcleo e seus complementos) e a adjunção (que diz respeito à ocorrência de termosdispensáveis à boa formação gramatical dos enunciados, mas necessários à composição de sentido).Se bem orientados pelo professor, os alunos conseguem apreender facilmente esses três tipos de articulação com base na suaintuição de falante nativo. No estudo da predicação, por exemplo, o ponto de partida pode ser a noção de concordância168, que é arelação mais básica, além de intuitivamente fácil de ser captada, na conexão do sujeito com o verbo. As noções de regênciaverbal e nominal169 podem ser introduzidas na abordagem da complementação, juntamente com o conceito de transitividade e acaracterização de verbos, nomes, adjetivos e advérbios quanto a essa propriedade. Na abordagem da adjunção170, podem serformalmente explicitados os dois tipos de conexão sintática (coordenação e subordinação), que também ocorrem nas relações depredicação e complementação, bem como é possível efetivar um estudo mais sistemático sobre o comportamento dos itensconectivos (preposições e conjunções) mais produtivos no funcionamento da língua.É importante o professor ter em mente que a análise dos fatos sintáticos deve ser intuitivamente transparente aos alunos (ouseja, a análise não pode resultar num estudo inconsistente em relação à gramática internalizada dos falantes) e resultar nodesenvolvimento de generalizações que contribuam para o estudo produtivo sobre o papel da gramática na construção desentido dos textos. No que concerne à necessidade de a análise sintática ser intuitivamente transparente, pense um pouco arespeito da construção que motivou a crônica de Martha Medeiros -­‐ Vende frango-­se. Como explicar a produção, por um falantenativo da língua, de uma construção que é agramatical tanto da perspectiva das variedades populares do português brasileiroquanto das que se aproximam da norma-­‐padrão?________________________________________________________________________________________

168 Em línguas como o português, as relações de predicação (ou seja, aquelas que se estabelecem entre os termos tradicionalmentechamados de “sujeito” e “predicado”) tem como consequência morfológica a concordância da flexão verbal, em número e pessoa,com o sujeito da oração. As relações de concordância são de fácil percepção intuitiva porque qualquer falante, mesmo os iletrados,são capazes de perceber a agramaticalidade de frases como “eu fomos”, “nós cantei” e “eles falamos”. Qualquer aluno pode explicarseu estranhamento frente a essas frases pela ideia de que “eu”, por exemplo, deve se combinar com “fui”, e não com “fomos”. Dessaperspectiva, em lugar de serem apresentadas num capítulo a parte (como se fossem algo excepcional na gramática da língua), asregras de concordância verbal podem ser abordadas juntamente com as noções de “sujeito” e “predicado”, como sendo o resultado(ou o reflexo morfológico) de uma relação predicativa. Além de proporcionar economia didática, a apresentação da concordânciaverbal juntamente com a predicação facilita sistematizar a abordagem das variedades linguísticas que se afastam da chamada normaculta no tocante a essa propriedade, quando o aluno deve refletir sobre a ocorrência de construções como “nós foi” e “tu canta”, quesão gramaticais em variedades do português brasileiro, embora em desacordo com a norma-­‐padrão.

169 Da perspectiva sintática, a “regência” é o resultado da relação estabelecida entre um núcleo e um termo (o “complemento”) que érequerido por esse núcleo. Costuma-­‐se afirmar, nesse sentido, que um núcleo “rege” o seu complemento, “fazendo exigências”quanto às suas propriedades morfossintáticas e semânticas. O verbo “gostar”, por exemplo, requer como complemento um sintagmanominal que seja preposicionado (daí dizermos “Gosto de café”, e não “Gosto café”). Esse verbo, portanto, “rege” um sintagmanominal preposicionado, o que implica a sua classificação como “transitivo indireto”. Não apenas os verbos podem ser caracterizadosquanto à regência, mas também os substantivos, adjetivos e advérbios, pois palavras pertencentes a essas classes podem requererum sintagma nominal preposicionado como complemento (por exemplo, em “construção da casa”, “orgulhoso do filho” e“contrariamente ao esperado”, os termos “da casa”, “do filho” e “ao esperado” são complementos de -­‐ e, portanto, regidos por -­‐“construção”, “orgulhoso” e “contrariamente”, respectivamente). As preposições também podem ser tratadas como "regentes", umavez que condicionam alterações na forma assumida pelos itens pronominais que introduz. Tendo em vista esses aspectos, a noção de“regência” pode ser apresentada juntamente com a de “transitividade”, pois a classificação de verbos e nomes quanto a essapropriedade é, em parte, inferida a partir das suas propriedades de regência. Por esse motivo, não há por que abrir um capítulo aparte (como o faz a maioria dos livros didáticos) para introduzir as regras de regência, pois tais regras, que são relevantes paradeterminar o sentido dos verbos e o modo como são usados, podem ser estudadas no mesmo ponto em que a transitividade verbal éabordada.

170 A “adjunção” é o nome que damos à relação entre um termo acessório e o elemento que ele modifica (no caso de adjuntosadnominais e adverbiais) ou a que ele se refere (no caso de apostos). Como a adjunção é, do ponto de vista sintático, relativamentemenos complexa do que as relações que envolvem o sujeito, o predicado e os complementos, a sua abordagem pode ser o momentoideal para introduzir noções e exemplificar fenômenos semântico-­‐gramaticais cujo tratamento seria de difícil didatização no estudoda predicação e da complementação. As noções de coordenação e subordinação no período simples, por exemplo, podem serintroduzidas no estudo dos adjuntos e, depois, estendidas aos termos do enunciado que participam de outros tipos de relação. Naanálise de um sintagma como “aquele rapaz alto e magro”, por exemplo, é relativamente simples explicar ao aluno que os adjuntos“alto” e “magro” são coordenados entre si (por meio do conectivo “e”), mas subordinados a “rapaz”, que é o núcleo do sintagma.Nesse mesmo ponto, é possível abordar os itens conectivos, mostrando ao aluno que as preposições são sempre subordinativas (ouseja, elas sempre introduzem um termo que sintaticamente se subordina a outro), enquanto as conjunções podem ser subordinativasou coordenativas. Uma das melhores formas de abordar essas propriedades é levar o aluno a analisar os seus próprios textos: muitosproblemas de coesão são desencadeados pelo uso inadequado dos conectivos ou pela estruturação incorreta de períodos compostospor subordinação e/ou coordenação. Portanto, por ser o último tópico abordado na definição dos termos da oração e por se tratar dotipo mais simples de articulação sintática, a adjunção pode ser o lugar ideal para que a abordagem de conceitos relativamentecomplexos no estudo da sintaxe seja mais facilmente didatizada.

Page 68: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

68

Colocando os conhecimentos em jogo 3_______________________________________________________________________________________

Uma possível explicação para a produção de uma estruturaagramatical como Vende frango-­se está no fato de os falantesde português brasileiro não terem, com base em suagramática internalizada, qualquer intuição para interpretar osignificado que as gramáticas normativas imputam àsconstruções com o chamado se apassivador. Em Dificuldadesda Língua Portuguesa171 (pp. 101-­‐119), coletânea detrabalhos publicada na primeira década do século XX, ogramático Said Ali destaca que construções similares a Vende-­se frango, ao contrário do que os manuais de gramáticacostumam ensinar, não são percebidas pelos falantes como

orações passivas (ou seja, como construções do tipo Frango é vendido, em que o complementosemântico do verbo assume a função de sujeito). Qualquer construção desse tipo é interpretada comotendo um sujeito indeterminado, de modo que o se deve ser analisado como um índice deindeterminação referencial, e não como um apassivador.

Mais de cem anos após Said Ali propor essa análise, os livros didáticos continuam a ensinar que,quando ocorrem com verbos transitivos diretos, o se é uma partícula apassivadora, e não um índice deindeterminação. Essa análise é inconsistente tanto do ponto de vista empírico quanto conceitual, umavez que não reflete o conhecimento internalizado que subjaz ao uso real da língua pelos seus falantesnativos. Dizer que o se pode funcionar como uma partícula apassivadora é, do ponto de vista científico,tão absurdo quanto afirmar, em pleno século XXI, que o sol gira em torno da Terra ou que São Jorgemora na lua.

Soma-­‐se a essa incongruência o fato de as variedades vernáculas do português brasileiro tenderem àsupressão do se até mesmo na expressão do sujeito indeterminado. Na gramática internalizada dequem produziu a frase Vende frango-­se, é muito provável que o se sequer sirva à indeterminação doagente. O que deve tê-­‐lo levado a empregar o se é o fato de esse pronome aparecer correntemente emanúncios comerciais (aluga-­se, vende-­se, compra-­se, contrata-­se, troca-­se, lava-­se, conserta-­se etc.) comos quais nos deparamos cotidianamente. Em tais anúncios, o emprego de se parece se dar emobediência a uma fórmula que consagrou a sua ocorrência nesse gênero, e não a propriedadesintrínsecas à sintaxe da língua.

________________________________________________________________________________________

171 http://www.academia.org.br/abl/media/Dificuldades da Lingua Portuguesa - CAMS - PARA INTERNET.pdf

Page 69: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

69

Colocando os conhecimentos em jogo 2_______________________________________________________________________________________

Em variedades do português brasileiro, o se está em franco processo de desuso para expressarindeterminação. A título de exemplo, observe o trecho de fala transcrito a seguir, extraído de umaamostra do projeto PEUL172 (Censo/2000 -­‐ falante 17), que desenvolve estudos sobre o portuguêsfalado na cidade do Rio de Janeiro. No trecho em questão, que é parte de uma conversa informal, umdos falantes solicita ao outro que explique como o feijão é preparado.

FALANTE A: Me diz passo a passo como é que faz um feijão.

FALANTE B: É... escolhe ele, lava, deixa de molho, deixa uma hora de molho, aí depois -­ de um dia praoutro, né? -­ aí de manhã você pega uma panela de pressão, um pouquinho d'água, um dente de alho, umlouro, cebola e o feijão e água, carne seca... e deixa cozinhá

O sujeito de todos os verbos sublinhados no trecho é referencialmente indeterminado. Vemos duasestratégias de indeterminação que são bastante recorrentes na fala coloquial, ambas com o verbo naterceira pessoa do singular: (1) o emprego do pronome você para expressar referência genérica, e nãopara indicar a segunda pessoa do discurso (...aí de manhã você pega a panela de pressão...) e (2)ausência de qualquer elemento na posição do sujeito (...que faz um feijão... / ...escolhe ele, lava, deixa demolho...) Se traduzirmos essas construções para a norma-­‐padrão, devemos empregar o se, que agramática normativa analisa inconsistentemente como um pronome apassivador: faz-­se um feijão /pega-­se a panela de pressão / lava-­se / escolhe-­se.

Retornando ao caso do Guimarães Rosa do morro, tanto faz para ele que o se seja colocado depois doverbo vender ou do seu complemento frango: essa partícula não tem qualquer função gramatical ousemântica em sua gramática internalizada. A inserção do se visa apenas a garantir que o seu anúncioobedeça à fórmula de escrita verificada em tantos outros anúncios. O mesmo deve ocorrer na gramáticainternalizada da maioria dos alunos (e dos professores) em nossas classes: o se não é uma estratégiausual de indeterminação, muito menos uma partícula apassivadora. Para que o aluno aprenda a usar aexpressão da indeterminação referencial nas situações em que o emprego da norma-­‐padrão se faznecessário, você deve ajudá-­‐lo a tomar consciência das estratégias de indeterminação presentes suagramática internalizada173. A partir dessa consciência, ele será capaz de entender as regras artificiais(ou seja, que não são naturais em sua gramática internalizada) relativas ao emprego de pronomesindeterminadores.________________________________________________________________________________________

172 http://www.letras.ufrj.br/peul/amostras 1.html173 A gramáticas normativas do português preveem duas estratégias de indeterminação do sujeito: a flexão do verbo na terceira pessoado plural, sem um sujeito expresso (como em “Entraram na casa e levaram tudo”) e o uso do pronome “se” com o verbo na terceirado singular (como em “Vive-­‐se bem na Europa”). Nas variedades vernáculas do português brasileiro, contudo, encontramos outrasestratégias de indeterminação para além das abordadas nas gramáticas normativas. Algumas dessas estratégias são as seguintes: (a)uso do verbo na terceira pessoa do singular sem o pronome “se”, acompanhado muitas vezes de um termo locativo (“Naquela lojavende livro” / “Nesse restaurante serve salada” / “Aqui trabalha pouco”); (b) uso do pronome “você” com referencia genérica,equivalente a “alguém” ou a “qualquer pessoa” (“Sempre que você vai ao banco, você acaba enfrentando fila”); (c) emprego depronomes pessoais sem referência bem delineada (por exemplo, podemos empregar o pronome pessoal “eu” para indicar umareferência genérica, e não apenas fazer referência a nós mesmos, como em “Se eu estou doente, eu preciso me tratar”, significando“Quando uma pessoa está doente, é necessário que essa pessoa se trate”); (d) emprego de formas como “o cara”, “neguinho”, “omané” etc., significando “qualquer um”, “qualquer pessoa”, como em “Se o cara não se cuida, se prejudica”. Ao tratar daindeterminação referencial do sujeito em sala de aula, o professor deve ficar atento às estratégias mais frequentes na fala de seusalunos para entender os efeitos que elas desencadeiam e apresentar à sua turma alternativas que estão em conformidade com anorma-­‐padrão, mas não fazem parte de sua variedade linguística.

Page 70: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

70

Finalizando_______________________________________________________________________________________No tratamento da sintaxe, é importante fornecer ao aluno subsídios para que ele possa refletir produtivamentesobre o sentido dos enunciados e explorar diferentes recursos de expressão nas mais diversificadas situações deinterlocução. Abordagens calcadas na observação de propriedades sintáticas que são irreais do ponto de vistaempírico (como o estatuto apassivador do se no português contemporâneo) ou na rejeição de fatos gramaticais dovernáculo (como a variação na realização da marca indicativa de plural (os livro -­‐ os livros)) não contribuem para osucesso do aluno no emprego dos mais variados recursos que a língua, em suas diferentes normas, põe a suadisposição.

Em maio passado, pudemos constatar um exemplo de rejeição, pela grande imprensa, de fatos do vernáculoabordados no livro de EJA Viver, Aprender174. Clique nas imagens abaixo175 para ler ou reler algumasmanifestações de jornalistas e professores a respeito do conteúdo de uma das lições que tratava da concordânciaverbal. Você também pode acessar a página da Associação Brasileira de Linguística176 para ler o que renomadoslinguistas têm a dizer sobre a questão. Não seria mais interessante preparar nossos alunos para não cometerem asmesmas discriminações e os mesmos erros de análise que muitos jornalistas (e até um respeitado gramático177!)cometeram na ocasião? Não seria mais produtivo formar cidadãos capazes de analisar, contrastar e empregar asinúmeras ferramentas de expressão propiciadas pelas diferentes normas linguísticas no uso concreto e efetivo dalíngua?

________________________________________________________________________________________

174http://www.viveraprender.org.br/a-colecao/viver-aprender-%E2%80%93-2%C2%BA-segmento-do-ensino-

fundamental-eja/volume-2-por-uma-vida-melhor/175http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/os-livro-mais-interessante-estao-

emprestado/ ; http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI235334-15230,00.html ; http://colunas.epoca.globo.com/guilhermefiuza/2011/05/17/os-%E2%80%98livro%E2%80%99-do-mec/

http://apeoesp.wordpress.com/2011/05/15/ao-criticar-livro-didatico-clovis-rossi-ataca-os-professores/176 http://www.abralin.org/177http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/o+aluno+nao+vai+para+a+escola+para+aprender+nos+pega+o+

peixe/n1596951472448.html

Page 71: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

71

Tópico 3 -­ Sintaxe, sentido e variação linguística no trabalhocom o texto

Ponto de Partida_______________________________________________________________________________________O estudo da sintaxe em meio escolar não pode ser reduzido ao ensino da nomenclatura para as funçõessintáticas. Como ressaltamos anteriormente, o trabalho com essas funções deve se entrelaçar compráticas que capacitem o aluno a analisar as estruturas linguísticas quanto à forma, à adequação e aosentido, tendo como ponto de partida a sua gramática internalizada e mirando, dentre outros objetivos,o aprendizado da norma-­‐padrão.

Para isso, é necessário motivar o aluno a refletirsobre o papel desempenhado por essas estruturasem diferentes práticas com a linguagem, seja noreconhecimento do modo como se organizam osdiferentes gêneros discursivos e textuais, seja noemprego de estratégias que propiciem o usocriativo dos recursos de expressão em trabalhosvoltados à produção textual.

Isso só será possível se o professor de portuguêsinvestir em práticas que explorem as marcasgramaticais e as formas sintáticassingularizadoras de variedades do portuguêsbrasileiro (em contraste, por exemplo, com o

português europeu) e levar o aluno a caracterizar essas marcas quanto, dentre outros aspectos, à suamaior ou menor adequação às diferentes normas linguísticas. É necessário, antes de tudo, que o alunoentenda qual é o papel da sintaxe (e da gramática, de um modo geral) na constituição da sua língua edas variedades que a compõem.________________________________________________________________________________________

Page 72: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

72

Mãos à obra_______________________________________________________________________________________A sintaxe da língua desempenha, como já sabemos, um importante papel na construção de sentido dosenunciados. Recursos relacionados à ordem de palavras, à concordância e à regência, por exemplo,podem desencadear efeitos de sentido que afetam a interpretação global de um texto.

A sintaxe não é, contudo, essencial para que um texto em linguagem verbal faça sentido. Atente para asestrofes de Pulso178, conhecida música do Titãs lançada no final dos anos 80, e reflita sobre os seguintespontos: o encadeamento sucessivo de substantivos que servem para designar doenças, semqualquer elo sintático entre eles, prejudicou o sentido de algumas estrofes da letra? O que nospermite atribuir sentido a uma estrofe como a que se segue?

Reumatismo, raquitismo,cistite, disritmia,hérnia, pediculose,tétano, hipocrisia,brucelose, febre tifoide,arteriosclerose, miopia,catapora, culpa, cárie,câimbra, lepra, afasia

________________________________________________________________________________________

178 http://letras.terra.com.br/titas/48989/

Page 73: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

73

Colocando os conhecimentos em jogo 1_______________________________________________________________________________________

Uma das questões que têm orientado os estudos gramaticais no campo da linguística moderna dizrespeito a saber por que as línguas naturais precisam de sintaxe ou, em outras palavras, por que nãoaprendemos, quando adquirimos uma língua, apenas os seus itens lexicais, mas também o modo comoesses itens são combinados para formar enunciados. Linguistas de diferentes orientações teóricas seperguntam por que as línguas naturais requerem, em sua constituição, mecanismos comoconcordância, ordem, regência, flexão etc., se as palavras são, por si sós, excelentes veículos designificado.

À primeira vista, a sintaxe pode ser encarada como uma condição para garantir o sentido das frases. Arelação entre sintaxe e sentido, contudo, não é tão direta quanto parece: por meio da linguagem verbal,podemos produzir sentido sem recorrer a mecanismos sintáticos (como nas estrofes da música dosTitãs em que várias palavras são combinadas sem qualquer conexão sintática entre elas) e, da mesmaforma, podemos atribuir sentido(s) a frases que não são sintaticamente gramaticais. Quandoconversamos com um estrangeiro que está aprendendo português, conseguimos entender o significadode construções agramaticais, como "Eu querer comer comida, mas eu estar sem dinheiro", da mesmaforma como entendemos o significado de sintagmas nominais em que o gênero dos substantivos étrocado ("o árvore", "o nuvem", "a clima", "a minha dente" etc.). Não é necessariamente para garantir osentido dos enunciados, portanto, que usamos de mecanismos sintáticos para ligar os termos de umenunciado, do contrário não entenderíamos frases agramaticais ou as estrofes da canção dos Titãs.

De um modo que ainda não nos é claro, é possível que a sintaxe seja o resultado do acúmulo de várioseventos biológicos179 que culminaram na emergência do Homo sapiens. As investigações no campo dosestudos sintáticos dentro do que ficou conhecido como "gramática gerativa", que tem no linguistaNoam Chomsky180 o seu maior expoente, têm evidenciado que, apesar das diferenças, as diversaslínguas do mundo compartilham recursos gramaticais radicados em propriedades do cérebro/mentehumano; daí a ideia de haver uma Gramática Universal181, com a qual todas as crianças nascem e sobrea qual se constrói a gramática internalizada de cada uma delas. Não há aqui espaço para abordar osavanços obtidos por pesquisas nesse campo, mas é importante ressaltar que muitos estudos têmapontado para a ideia de que o desenvolvimento da sintaxe como uma propriedade das línguasnaturais, em confluência com o surgimento de outras capacidades cognitivas, pode estar na base dosalto evolutivo que determinou o sucesso do Homo sapiens frente a todas as outras espécies dehominídeos.________________________________________________________________________________________

179 http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/somos_unicos__biologia_cultura_e_humanidade_7.html180 http://www.chomsky.info/181 http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/helioschwartsman/ult510u356184.shtml

Page 74: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

74

Colocando os conhecimentos em jogo 2_______________________________________________________________________________________

Considerando essas ideias, devemos nos perguntar oseguinte: Se não existe uma relação imediata e necessáriaentre sintaxe e sentido, qual é a utilidade de abordar osfatos sintáticos em âmbito escolar? Se a sintaxe dequalquer língua natural está, como defendem osgerativistas, radicada em propriedades mais gerais damente/cérebro humano (sendo, portanto, umconhecimento naturalmente adquirido), por que aintroduzir como objeto de ensino, uma vez que todas ascrianças aprendem sozinhas (ou seja, sem a necessidade deum professor) a sintaxe da sua língua?

Para situar apropriadamente essas questões, o primeiroponto a ser considerado é que, concebendo a gramática como um conhecimento que se internalizanaturalmente, a ação da escola não deve ser pautada pela tentativa de ensinar gramática aos alunos, jáque o aprendizado da língua materna (incluindo a sua gramática) se dá de modo natural, pela exposiçãoda criança, desde o seu nascimento, a dados linguísticos produzidos pelos membros da sua comunidadede fala. O papel da escola é, dessa perspectiva, levar o aluno ao entendimento do que é a linguagem,orientando-­‐o a refletir produtivamente sobre a sua língua e fornecendo-­‐lhe instrumentos que oshabilitem a empregar conscientemente os mais variados recursos de expressão em diferentes níveisgramaticais (fonológico, morfológico, sintático, morfossintático, morfolexical etc.).

No que concerne à sintaxe, a sua abordagem em sala de aula não deve ter como objetivo último ensinaros alunos a concatenar palavras ou a fazer concordâncias (já vimos que a ausência de concordância, porexemplo, não impede a construção de sentido), mas o de orientá-­‐los à plena autonomia nodesenvolvimento de atividades (como a escrita) em que o uso consciente e monitorado de recursoslinguísticos se faz necessário. Pensemos, por exemplo, no papel que o estudo da sintaxe podedesempenhar no trabalho com diferentes gêneros discursivos. Como já destacado no tópico 2 do Tema1, a caracterização dos dados linguísticos quanto à sua forma e adequação a uma norma deve levar emconta o contexto de sua produção. Dessa perspectiva, recursos linguísticos que são adequados adeterminados gêneros em esferas específicas podem ser inadequados (ou até provocar estranhamentosquanto à gramaticalidade) nos domínios de outras esferas.

________________________________________________________________________________________

Page 75: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

75

Colocando os conhecimentos em jogo 3_______________________________________________________________________________________Para exemplificar como um fenômeno sintático interfere em marcas que atuam na particularização degêneros discursivos, consideremos o que as gramáticas tradicionais chamam de sujeito oculto182.Muitos estudos têm mostrado que os brasileiros recorrem a esse tipo de sujeito com menos frequênciado que os portugueses, o que possivelmente se deve à redução do paradigma flexional dos verbos183 noportuguês do Brasil.

Considerações sobre o sujeito oculto podem ser interessantes, por exemplo, para evidenciar aos alunosalgumas marcas constitutivas do gênero relato, que privilegia o sujeito de 1ª pessoa, uma vez que essegênero costuma ser empregado para reconstruir acontecimentos dos quais o enunciador tenhaparticipado. Clique nas imagens abaixo para ler dois excertos que podem ser consideradosrepresentativos desse gênero: no Texto 1, temos um relato escrito, extraído de uma crônica; no Texto2, temos a transcrição de um relato produzido oralmente, como parte de uma entrevista informal.Atente para as formas verbais em negrito, flexionadas na 1ª pessoa do singular, e procure observar emqual dos dois textos predominam as orações em que essas formas trazem o sujeito oculto.

Texto 1 Texto 2

Você deve ter percebido que quase todos os verbos destacados no Texto 1184 têm o sujeito oculto: das16 formas verbais na 1a. pessoa do singular, apenas 3 aparecem combinadas com o pronome eufonologicamente realizado na posição do sujeito. No Texto 2185, vemos o oposto: 15 dos 16 verbosflexionados na 1a. pessoa do singular ocorrem com o pronome, havendo apenas um caso de sujeitooculo. Como analisar esse contraste entre os dois textos, tendo em vista que o português brasileiro seafastou do português europeu no tocante à frequência de sujeitos ocultos? Por que o Texto 1, aocontrário do Texto 2, não reflete esse afastamento entre as duas variedades do português?________________________________________________________________________________________

182 Da perspectiva gramatical, o sujeito oculto é aquele que não é fonologicamente realizado, mas pode ter o seu referente identificadopor elementos presentes na própria oração (como a flexão verbal) ou pelo contexto em que o enunciado é produzido.

183https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_04/funcionamento_lingua_gram_texto_sentido/paradigma_flexional_TEMA_3_TOPICO_3.pdf

184 Fonte: http://vejasp.abril.com.br/revista/edicao-­‐2223/um-­‐livro-­‐uma-­‐vida

185 Fonte: http://www.letras.ufrj.br/nurc-­‐rj/corpora/amostracomplementar/INQ25.htm

Page 76: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

76

Colocando os conhecimentos em jogo 4_______________________________________________________________________________________

Quando motivados a relacionar questões sintáticasdessa ordem com reflexões sobre marcas linguísticasque permitam contrastar textos relacionados a ummesmo gênero, os alunos têm a oportunidade deatrelar essas marcas às condições de produção emdiferentes esferas (jornalística, comercial, literáriaetc.).

O Texto 1 foi extraído da Revista Veja São Paulo, que,como as demais produções da esfera jornalística,procura atender às expectativas da norma-­‐padrão,mirando como modelo, ainda que idealmente, a

gramática do português europeu. O Texto 2, por sua vez, é parte de uma entrevista informal, sem maiorpreocupação com o monitoramento da língua. Em situações desse segundo tipo, não há filtro parabloquear as marcas do vernáculo, contrariamente ao que costumamos ver na produção de um textoescrito.

Esse contraste entre as condições de produção explica, pelo menos em parte, as diferenças nafrequência de sujeitos nulos: embora o relato privilegie a ocorrência de verbos flexionados na 1ª pessoa(uma propriedade que é comum aos dois textos), a produção de textos pertencentes a esse gênero emesferas normativamente mais conservadoras tende a valorizar os sujeitos ocultos, enquanto a produçãoem esferas nas quais o monitoramento da língua é afrouxado não encontra restrições para que o sujeitoseja realizado. Fatos desse tipo abrem espaço para que as práticas de análise sintática se sustentem natentativa de ajudar o aluno a reconhecer aquilo que é adequado ou inadequado em produçõesrepresentativas de um determinado gênero, em esferas diversas, tendo como norte o contexto em quetais produções se realizam.

Mesmo não tendo uma relação necessária com a construção de sentido dos enunciados, a sintaxe dalíngua tem um papel ativo na produção de significados. Em outras palavras, embora sentidos possamser produzidos sem a ação de elementos sintáticos, a sintaxe colabora ativamente na determinação dossentidos possíveis para um enunciado. Isso pode ser observado, por exemplo, em contrastes bastantesimples que envolvem a colocação dos termos da oração, como em oposições do tipo boa mulher -­mulher boa, pobre homem -­ homem pobre e último objetivo -­ objetivo último, que sãodeterminadas, dentro do sintagma nominal, pela alternância na posição do adjetivo em relação aosubstantivo.________________________________________________________________________________________

Page 77: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

77

Colocando os conhecimentos em jogo 5_______________________________________________________________________________________

O produtivo trabalho com fatos sintáticos em sala deaula tem sido, contudo, prejudicado pelo fato de osmanuais de gramática mirarem uma norma que, nãosendo condizente com as propriedades mais gerais doportuguês brasileiro, não capta a intuição dos nossosalunos a respeito da língua que adquiriram.

A abordagem gramatical reproduzida pela grandemaioria dos livros didáticos fecha os olhos até mesmo

para as variedades cultas do português falado no Brasil, o que esbarra na necessidade de apresentaraos alunos padrões linguísticos mais realistas, os quais realmente interessam ao trabalho com recursosde expressão que atendam eficientemente às mais diferentes expectativas nas práticas de linguagem.Diferentes estudos têm mostrado que o português culto falado no Brasil se afasta, em muitos aspectos,do que é falado em Portugal, o que, por si só, justificaria uma postura diferenciada da escola frente aoque chama de norma culta.

São poucos os livros didáticos que se detêm, de forma sistemática, nas propriedades sintáticas queparticularizam o português brasileiro em relação ao português europeu. Quando o fazem, o objetivo é,quase sempre, o de caracterizar tais particularidades como algo que se desvia do que acreditam ser a"verdadeira" língua ou de alertar o aluno quanto aos "perigos" advindos do uso de certas construções.Muitas dessas particularidades são frequentes em amostras representativas de normas cultas186,depreendidas a partir da fala de pessoas com alto grau de instrução. A título de exemplo, vale citar asseguintes: emprego do pronome reto de 3ª pessoa do singular em lugar da forma oblíqua (Eu vi ele napraia); a alta frequência de a gente em lugar de nós (A gente estuda muito); uso do "tu" com a flexãoverbal na 3ª pessoa (Tu estuda muito); substituição de haver por ter como verbo existencial canônico(Tem livro na estante); emprego do pronome lhe como objeto direto (Vou lhe beijar); substituição dapreposição a pela preposição em na introdução de complementos locativos (Vou na escola) ou, ainda,pela preposição para na introdução de objetos indiretos (Dei o livro para a criança) etc.________________________________________________________________________________________

186 http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj/

Page 78: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

78

Colocando os conhecimentos em jogo 6_______________________________________________________________________________________Entre as inovações sintáticas atestadas no português brasileiro, estão as relacionadas ao que os linguistas chamamde "orientação ao discurso"187: em termos gramaticais, os falantes de português brasileiro podem fazer com otópico188 de um enunciado o que falantes de outras línguas românicas (incluindo o português europeu) não podemfazer.Considere os exemplos a seguir. Nos casos em (1a) e (2a), o termo que concorda com o verbo (as ruas do centro eas crianças, respectivamente) não é o sujeito lógico189 da oração. Isso é fácil de ser percebido quando comparamos(a) com (b): os termos que concordam com o verbo em (a) equivalem a um adjunto adverbial em (1b) e a umadjunto adnominal em (2b). Observe que o sujeito lógico das construções em (a) é o mesmo que o das construçõesem (b) -­‐ respectivamente, ônibus (sujeito de passar) e o dentinho (sujeito de nascer).

(1) a. As ruas do centro não tão passando ônibus.b. Não tá passando ônibus nas ruas do centro.

(2) a. As crianças estão nascendo o dentinho.b. O dentinho das crianças está nascendo.

O que mais chama a nossa atenção é o fato de essas construções serem raras entre as línguas indo-­‐europeias.Ainda não são claros os motivos que levaram à sua emergência no português brasileiro, mas é possível queresultem das dinâmicas de contato que o português estabeleceu com outras línguas (por exemplo, as línguasafricanas190) no processo de formação da sociedade brasileira. Independentemente das razões que desencadearamessas estruturas, o que é relevante no âmbito da disciplina de Língua Portuguesa é o fato de já não estaremrestritas à oralidade, mas serem também encontradas em textos escritos, principalmente entre aquelesmarcadamente informais. Em blogs, por exemplo, é comum encontrar postagens de internautas que, ao redigiremperguntas ou opiniões sobre algo, produzem construções como as relacionadas acima. Clicando aqui191, vocêencontra uma lista com exemplos dessas construções extraídos de blogs brasileiros.Essa é apenas uma das muitas inovações atestadas no português brasileiro de que a escola deveria se ocupar. Levaro aluno à consciência dessas inovações (não para tratá-­‐las como desvios, mas para apresentá-­‐las como resultadode propriedades do português brasileiro) é fundamental para garantir que ele aprenda a refletir sobre a adequaçãode certas marcas da oralidade na produção e recepção de textos representativos dos mais diferentes gêneros.________________________________________________________________________________________ 187 O trabalho de Eunice Pontes, intitulado “O Tópico no Português do Brasil” (1987), é o primeiro a propor que a gramática doportuguês brasileiro compartilha propriedades tipológicas com a gramática de línguas como o chinês e o japonês. Nessas línguas, otermo interpretado como tópico, independentemente de qual seja a sua função sintática, pode ocupar posições dentro da oraçãoque, em outras línguas (como as românicas e anglo-­‐saxônicas em geral), são geralmente destinadas ao sujeito lógico ou semântico doverbo. Na esteira do estudo de Pontes, há trabalhos como os de Galves (1998) e Negrão (1999), que argumentam em favor de oportuguês brasileiro se singularizar no conjunto das línguas românicas por ter uma sintaxe “orientada ao discurso”. Cabe ressaltar queas línguas do grupo Bantu, faladas pela maioria dos africanos que foram trazidos como escravos para o Brasil, também apresentampropriedades de orientação ao discurso.

188 Chamamos de "tópico" o termo que se refere ao tema principal do que se diz na oração. O termo topicalizado nem sempredesempenha a função de sujeito. Em "Na rua, é difícil de viver", por exemplo, o termo "na rua" pode ser interpretado como tópico eequivale a um adjunto adverbial (ou, dependendo da análise, a um complemento circunstancial) ligado ao predicado com o verbo"viver".

189 Sujeito lógico (também chamado de “sujeito semântico”) é o termo cujo referente é interpretado como um participante necessário àexistência do estado de coisas (uma ação, um processo, um fenômeno, um estado propriamente dito) expresso pelo verbo. Nemsempre o sujeito gramatical (ou seja, aquele que concorda com o verbo) equivale a um sujeito lógico. Em construções do inglês como“It rains”, o pronome “it” é um sujeito (expletivo) gramatical, mas não pode ser caracterizado como um sujeito lógico. Nasconstruções exemplificadas em (1a) e (2a), os termos “as ruas do centro” e “as crianças” são sujeitos gramaticais, uma vez queconcordam com o verbo, mas não são sujeitos lógicos. Do ponto de vista semântico, esses termos equivalem a um adjuntointerpretado como uma circunstância de lugar em (1a) e um possuidor em (1b).

190 Em línguas do grupo Bantu, por exemplo, que eram faladas pela maioria dos africanos trazidos para o Brasil entre os séculos XVI eXIX, a flexão verbal pode concordar com termos locativos em função adverbial sempre que tais termos forem realizados antes doverbo e o sujeito lógico for pós-­‐verbal. Estudos como os de Avelar & Cyrino (2008) sugerem que, na gênese do português brasileiro,esses padrões oracionais das línguas Bantu podem ter sido transferidos para o português adquirido como L1 por descendentes diretosdos africanos e, a partir daí, se difundido para diferentes variedades do português em formação no Brasil. Trabalhos como os deLucchesi, Baxter e Ribeiro (2010) e Petter (2009) também apresentam argumentos favoráveis à ideia de que o contato do portuguêscom línguas africanas foi determinante na formação de variedades populares do português brasileiro. Já estudos como os Naro &Scherre (2007) são contrários a essa ideia, defendendo que muitas das marcas identificadas no português brasileiro ocorrem, aindaque de forma latente, em variedades do português europeu.

191https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_04/funcionamento_lingua_gram_texto_sentido/concordancia_com_topico.pdf

Page 79: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

79

Atividade Autocorrigível 5_______________________________________________________________________________________Leia o texto intitulado As praca192, publicado na coluna de SírioPossenti193 no Terra Magazine, e verifique quais das afirmações aseguir abordam corretamente as ideias do texto.

a194) O texto deixa implícito que as regras de concordânciaabonadas pela norma-­‐padrão são indispensáveis para que aspessoas possam depreender o sentido exato de um enunciado, jáque dificilmente alguém conseguirá entender que as praca tem omesmo significado que as placas.b195) Pessoas que falam ou escrevem as praca em lugar de asplacas não tiveram oportunidade de ir à escola para aprender afalar.c196) Formas como barbie kill, inelgético e desvil (em lugar de barbecue, energético e desvio) podemrevelar o modo como os falantes analisam as propriedades da língua.d197) Ao comentar a notícia veiculada pelo Jornal Nacional a respeito das dificuldades enfrentadas porcandidatos a empregos em provas de português, Sírio Possenti destaca que palavras como obsessiva eexequível são "boas para errar" porque até mesmo profissionais da escrita têm dificuldade paraentender determinadas regras de grafia (como o uso de x em vez de z ou s) necessárias ao domínio dalíngua escrita.e198) Ao reproduzir, no último parágrafo, a fala da responsável por uma empresa e afirmar que, pelocritério análogo ao do ditado, ela seria demitida, a intenção de Sírio Possenti é chamar a atenção para ofato de que violar a norma-­‐padrão, em qualquer nível de análise linguística, não implica a prioriqualquer tipo de incapacidade no domínio da língua.f199) Frases do tipo "Tem uma vaga que a gente tá com ela aberta há mais de quatro anos" revelamincapacidade para lidar com raciocínio lógico, o que reforça a necessidade de as empresasabandonarem os testes de ortografia e investirem em provas que avaliem conhecimentos de análisesintática à luz da gramática normativa.________________________________________________________________________________________

192 http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5213302-EI8425,00-As+praca.html193 http://terramagazine.terra.com.br/ultimas/0,,EI8425,00.html194 Incorreto. De acordo com texto, “as praca” é outra maneira de dizer (ou escrever) “as placas”.

195 Incorreto. O texto não faz nenhuma sugestão acerca de como terá sido a vida escolar de quem produz “as praca” em lugar de “asplacas”, bem como não faz qualquer alusão à ideia de que só aprendem a falar aqueles que vão à escola.

196 Correto. O texto tece considerações a respeito do que pode levar as pessoas a se desviarem da ortografia convencional em casoscomo os mencionados, destacando, nesse sentido, que "'as praca’ são verdadeira mina para pesquisadores”, pois podem fornecerindícios relevantes sobre determinados aspectos da língua.

197 Incorreto. De fato, Sírio Possenti afirma que as palavras em questão são “boas para errar”, mas critica a cobrança feita pela prova eressalta que não se pode confundir “grafia com escrita e escrita de palavras soltas com domínio de língua escrita”.

198 Correto. A fala da responsável pela empresa se desvia da norma-­‐padrão em dois pontos: (i) emprego de “ter” em lugar de “haver” e(ii) construção de uma oração adjetiva dentro da qual se realiza um termo (o sintagma preposicionado “com ela”) que éreferencialmente idêntico ao antecedente do pronome relativo (o sintagma “uma vaga”). Isso não significa, de acordo com o texto,que a responsável não esteja apta ao exercício de suas funções dentro da empresa, da mesma forma que o erro na escrita de palavrascomo “obsessiva” e “exequível” não indica falta de aptidão ao emprego.

199 Incorreto. O texto não estabelece qualquer relação entre a inobservância da norma-­‐padrão e a incapacidade de lidar com raciocíniológico, bem como não sugere qualquer necessidade de as empresas investirem em provas que permitam avaliar o conhecimentonormativo da sintaxe.

Page 80: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

80

Atividade autocorrigível 6_______________________________________________________________________________________Clique aqui200 para visualizar a redação escrita por uma aluna nas primeiras séries do Ensino Básico eassinale a alternativa que, à luz da concepção de gramática explorada ao longo do nosso curso, traza afirmação correta a respeito do que vemos no texto.

a201) A incapacidade de fazer a concordância verbal mostra que a aluna não tem domínio nem da línguaescrita nem da língua falada.b202) A redação indicia que, no processo de aquisição da linguagem, a aluna internalizou um paradigmaflexional reduzido, que é uma das características das variedades do português brasileiro, em contrastecom o português europeu.c203) É impossível depreender o significado da construção o produto que nós colhia nós tinha de dar ametade pro comissário, pois além de os verbos colher e ter não concordarem com o pronome de 1ªpessoa do plural, o termo o produto que nós colhia não é realizado junto ao substantivo/numeralmetade, ao qual está sintaticamente subordinado.d204) A aluna está muito perto de conseguir dominar plenamente a sintaxe da língua, apesar de nãosaber ligar o verbo, por meio da concordância, ao sujeito da oração.e205) A observação feita pela professora na parte inferior da redação revela que suas práticas de ensinosão orientadas pela noção de adequação linguística e não por preceitos acerca do que seja certo ouerrado na língua.f206) As marcas de correção (na cor vermelha) sobre os verbos visam a chamar a atenção da aluna paraum mesmo fato gramatical, o que dispensa a professora de informar qual é o tipo de "erro" que estásendo cometido no que concerne às formas verbais.________________________________________________________________________________________

200https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_04/funcionamento_lingua_gram_texto_sentido/texto_I_atividade_autocorrigivel_I_Tema_3.pdf

201 Incorreto. Qualquer falante domina as regras da língua que fala (se não as dominar, não pode, por definição, ser tratado como umfalante dessa língua). No que tange à escrita, a aluna demonstra saber usar importantes estratégias de articulação entre as partes doenunciado, apesar de não dominar o uso da pontuação convencional para delimitar períodos ou fronteiras intra e interoracionais. Ofato de não fazer a concordância verbal conforme os preceitos da norma-­‐padrão não tem qualquer efeito sobre o sentido global doseu texto, que é bastante claro para qualquer pessoa que o leia.

202 Correto. Nas variedades do português brasileiro, mesmo nas que são representativas da chamada norma culta, o paradigmaflexional da conjugação verbal é reduzido em comparação com o do português europeu. Uma vez que, no processo de aquisição dalinguagem, foi exposta a dados produzidos por falantes dessas variedades, a aluna internalizou um paradigma que a impede deseguir, sem instrução formal, as regras de concordância abonadas pela norma-­‐padrão.

203 Incorreto. É evidente que o fato de a construção mostrar propriedades em violação às regras da escrita considerada padrão nãoprejudica o seu significado. No que diz respeito ao termo “o produto que nós colhia”, sua realização fora da posição canônica (queseria em sequência ao substantivo/numeral “metade”, como em “...dar a metade do produto que nós colhía...”) indica que ele é otópico daquilo que será apresentado nos enunciados subsequentes. Essa propriedade revela que a aluna consegue reproduzireficientemente na escrita uma estratégia comumente empregada na fala, que é frontear (ou seja, trazer para o início da oração) otópico do que será dito adiante.

204 Incorreto. Como qualquer outro falante, a aluna domina plenamente a sintaxe da sua língua, independentemente do seu maior oumenor desempenho no que diz respeito ao uso da norma-­‐padrão. A ideia de que a aluna não sabe ligar o verbo ao sujeito da oraçãopor meio da concordância é equivocada, dado que ela emprega regras em conformidade com o paradigma flexional reduzido quecaracteriza as variedades populares do português brasileiro. O que se pode afirmar é que a aluna não domina as regras deconcordância abonadas pela norma-­‐padrão.

205 Incorreto. A afirmação de que a aluna “só errou nos verbos”, complementada com a previsão de que logo ela “estará escrevendosem nenhum erro” caso “faça um esforço”, evidencia que a professora adota uma visão normativa no tratamento dos fatosgramaticais.

206 Incorreto. As marcas de correção sobre os verbos referem-­‐se a diferentes fatos, nem todos de natureza gramatical, o que exigiria daprofessora explicitar mais claramente para a aluna quais são os tipos de “erro” em questão. Além dos fatos de concordância,encontramos a realização de “fiquemos” em vez de “ficamos” na expressão do pretérito perfeito do indicativo, supressão inicial dasílaba do verbo “estar” (em “..agora já tamos...”), escrita de “tirra” em vez de “tira” (com o mesmo acontecendo no substantivo“cer(r)eal”) e a introdução inapropriada do sufixo de negação “des-­‐” no gerúndio “acostumando”.

Page 81: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

81

Finalizando_______________________________________________________________________________________

Se, por um lado, a linguagem verbal pode construirsentidos sem recorrer a estratégias sintáticas, éinquestionável que a sintaxe da língua, assim como osoutros níveis gramaticais, desempenha um papelfundamental no modo como as partes do enunciado secombinam para afetar o significado global de um texto.As aulas de sintaxe devem, dessa perspectiva, fomentarno aluno o gosto pela busca de padrões frásicos quesirvam aos mais variados propósitos no uso dalinguagem. Essa busca passa necessariamente porreconhecer as estruturas que compõem a sua gramáticainternalizada e, ao mesmo tempo, pela avaliação dessas mesmas estruturas quanto a sua maior oumenor adequação aos diferentes contextos de uso linguístico.

Se ficarem limitadas aos padrões frásicos previstos pela Gramática Tradicional e concentrarem oestudo da sintaxe na mera classificação dos termos da oração ou em preceitos infundados sobre o que écerto e errado na norma-­‐padrão, as aulas de gramática continuarão fadadas ao fracasso. O professordeve investir em práticas que valorizem o emprego dos mais variados recursos de expressão, o quepassa, necessariamente, por reconhecer a gramática da língua não como um objeto pronto, terminado,entijolado em manuais e livros didáticos, mas como uma parte constitutiva do indivíduo, construída demodo natural no processo de aquisição da linguagem.

_______________________________________________________________________________________

Page 82: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

82

Finalizando a disciplina 1_______________________________________________________________________________________A concepção de gramática com a qual trabalhamos ao longo desta disciplina exige do professor dePortuguês habilidades que requerem uma percepção ativa e acurada sobre o conhecimento e uso dalíngua. Não falamos aqui da língua limitada, estática, artificial e disfuncional apresentada pelos manuaistradicionais de gramática e pelos livros didáticos que os seguem, mas da língua que resulta doconhecimento (lexical, fonológico, morfológico, sintático, semântico, discursivo etc.) internalizado demodo natural pelos falantes e colocado em uso nas mais diversificadas situações do cotidiano.

Essas habilidades do professor devem se traduzir em práticasdidáticas voltadas à formação de indivíduos capazes de usarconscientemente a linguagem a favor da sua qualidade de vida,que envolve desde o sucesso na vida profissional até o respeitopelo patrimônio cultural do seu país, passando peloreconhecimento de que todas as variedades linguísticas sãolegítimas e devem ser respeitadas. O ensino da norma-­‐padrãoprecisa figurar entre os principais objetivos da disciplina deLíngua Portuguesa, mas as práticas que sustentarão esse ensinosó serão bem-­‐sucedidas se os alunos forem apresentados ainstrumentos de reflexão que os capacitem a analisar e entenderos variados recursos de expressão possibilitados pelas maisdiferentes normas linguísticas.

É apenas no processo de reconhecimento e/ou domínio dessesrecursos que fará sentido apresentar-­‐lhes o que chamamos denorma-­‐padrão, que, como sabemos, não é uma língua, nem uma

variedade linguística e sequer uma das múltiplas possibilidades de realização da língua, mas umconjunto de preceitos e valores histórica, cultural e socialmente determinados. Não existem falantes denorma-­‐padrão, o que significa que as pessoas não podem ser divididas entre as que falam e as que nãofalam essa norma, mas entre as que conhecem e as que não conhecem as regras que determinam o seuuso e, entre aquelas que não as conhecem, as que sabem e as que não sabem empregá-­‐las.

_______________________________________________________________________________________

Page 83: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

83

Finalizando a disciplina 2_______________________________________________________________________________________Como não é uma língua nem uma variedade linguística, a norma-­‐padrão não pode ser o ponto departida de práticas e reflexões desenvolvidas em meio escolar. O único objeto gramatical que se prestaà abordagem científica e é passível de uma descrição e sistematização coerente são as regrasinternalizadas pelos falantes no processo natural de aquisição da linguagem. Se o professor tiver issoem mente, o espaço destinado às aulas de gramática pode ser transformado em um verdadeirolaboratório de experimentos sobre o conhecimento e uso da língua.

207

Por meio desses experimentos, osalunos poderão reconhecer como o seu conhecimento linguístico se constitui e, por extensão, quecritérios relacionadas à forma, à adequação e ao sentido das expressões linguísticas devem entrar emjogo na escolha das estruturas que são ou não apropriadas às diferentes situações de interlocução. É sóa partir daí que o ensino da norma-­‐padrão deve entrar em jogo, com os alunos tendo uma consciênciaprodutiva do que seja a gramática de uma língua e do papel desempenhado pelas diversas normas nouso efetivo da linguagem._______________________________________________________________________________________

207 http://www.youtube.com/watch?v=s5MCZ8BB_Ts

Page 84: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

84

Ampliando o conhecimento 1_______________________________________________________________________________________Para ampliar seus conhecimentos sobre os assuntos abordados neste Tema, você pode ler:

Parâmetros sociolinguísticos do português brasileiro208, de Dante Lucchesi: O autor aborda o conceitode norma à luz da sociolinguística variacionista e focaliza regras de concordância verbal para mostrar oque chama de polarização sociolinguística. Clique aqui209 para ler uma entrevista do autor à FolhaDirigida e aqui210 para ler um texto de sua autoria, intitulado Racismo linguístico ou ensino pluralista ecidadão, em defesa do livro de EJA Por uma vida melhor.Sujeitos indeterminados em PE (português europeu) e PB (português brasileiro)211, de Maria EugeniaDuarte, Mary Kato & Pilar Barbosa: Esse artigo contrasta qualitativa e quantitativamente asestratégias de indeterminação referencial do sujeito no português brasileiro e no português europeu,com base em dados da língua escrita.O papel das línguas Bantu na gênese do português de Moçambique: o comportamento sintático deconstituintes locativos e direcionais212, de Perpétua Gonçalves & Feliciano Chimbutane: Esse textoaborda o uso de preposições em variedades do português emergentes em Maputo. Os dadosapresentados pelos autores mostram que o português falado pelos moçambicanos apresenta pontos emcomum com o falado pelos brasileiros.Conceitos de Gramática213, de Maria Eugenia Duarte: Neste breve texto, a autora aborda diferentesconceitos de gramática, destacando, dentre outras, as noções de norma, gramática internalizada eadequação linguística.O Português Afro-­‐Brasileiro214, de Dante Lucchesi, Alan Baxter & Ilza Ribeiro: Esse livro traz umacoletânea de trabalhos sobre marcas morfossintáticas na fala de habitantes de comunidades ruraisafro-­‐brasileiras isoladasO português brasileiro: formação e contrastes215, de Volker Noll: Esse trabalho descrevecomparativamente o português brasileiro, em contraste com o português europeu, destacando, entreoutros aspectos, uma proposta de periodização para o primeiro.Malcomportadas línguas216 e Língua na mídia217, de Sírio Possenti: Esses dois livros reúnem artigospublicados pelo autor, motivados, dentre outras razões, por observações equivocadas sobre a línguafeitas em diferentes setores da mídia._______________________________________________________________________________________

208 http://www.abralin.org/revista/RV5N1_2/RV5N1_2_art4.pdf209 http://www.pglingua.org/foros/viewtopic.php?f=1&t=1913210 http://www.abralin.org/noticia/Dante.pdf211http://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/6490/3/DuarteKatoBarbosaAbralin.pdf212 http://abecs.net/ojs/index.php/papia/article/viewFile/2/pdf213 http://www.4shared.com/document/TtdaiwaA/Conceitos_de_gramtica_-_Maria_.html214https://autoria.ggte.unicamp.br/tinymce/plugins/filemanager/files/lingua_portuguesa/modulo_04/funcionam

ento_lingua_gram_texto_sentido/O_Portugues_Afro_Brasileiro_Dante_Lucchesi.pdf215 http://www.usp.br/gmhp/liv2.html216 http://www.parabolaeditorial.com.br/releasemalcomportadas.htm217 http://www.parabolaeditorial.com.br/releaselinguanamidia.htm

Page 85: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

85

Ampliando o conhecimento 2_______________________________________________________________________________________Para ampliar seu conhecimento sobre os assuntos abordados neste Tema, você também poderá ver naWEB:

Vídeos de diversos documentários conduzidos por Regina Casé sobre os mais variados temas:Esses vídeos podem ser usados em sala de aula para apresentar aos alunos exemplos de variedades doportuguês faladas no Brasil e na África, em diferentes estratos sociolinguísticos. Clique nos links abaixopara acessar alguns deles:

Um Pé de Quê?218: Programa em que Regina Casé relaciona diferentes espécies de árvores a variadosaspectos (culturais, sociais, históricos, econômicos etc.) atrelados ao cotidiano de comunidadeslocalizadas em diferentes regiões do país.

Programa da série Central da Periferia sobre aspectos do cotidiano luandense219: Regina Caséentrevista vários angolanos para abordar a situação socioeconômica de Angola. Ao longo do programa,aparecem falas representativas de diferentes normas linguísticas emergentes naquele país.

Programa sobre a periferia de Maputo, capital de Moçambique220: Regina Casé conversa commoçambicanos, enquanto viaja por diferentes bairros no entorno da capital.

Vídeos do grupo humorístico português Gato Fedorento221: Muitas piadas apresentadas por essegrupo costumam se valer de recursos linguísticos calcados em fatos gramaticais do português europeu.Clique aqui222 para assistir a um quadro em que os humoristas tentam imitar o sotaque brasileiro parafazer uma piada.

Vídeos sobre o Museu da Língua Portuguesa: Na página seguinte, você encontra links para vídeosque contam um pouco da história e do funcionamento do primeiro museu do mundo dedicado a umalíngua. Clique aqui223 para acessar textos publicados na página do Museu sobre vários temas relativos àhistória do português._______________________________________________________________________________________

218 http://www.umpedeque.com.br/219 http://www.youtube.com/watch?v=beT86qq82N4220 http://www.youtube.com/watch?v=Vy6kiUwWatM221 http://www.videosfedorentos.com222 http://www.videosfedorentos.com223 http://www.museulinguaportuguesa.org.br/colunas.php

Page 86: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

86

Ampliando o conhecimento 3_______________________________________________________________________________________

"Eu acho que o Museu da LínguaPortuguesa, ele traz tambémuma maneira revolucionária deensinar a língua portuguesa.Aqui nós não trabalhamos com oconceito de certo e errado, nóstrabalhamos com o conceito depadrões diferenciados da línguaportuguesa."

Trecho da entrevista comAntônio Carlos de MoraesSartini.224

"Quem sai do Museu conclui quefaz parte de todo esse processode evolução da língua."

Trecho da reportagem sobre ofuncionamento do Museu daLíngua Portuguesa. 225

_______________________________________________________________________________________

224 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=DwjfnQuE_Mc, acesso em 30/06/2011.

225 Fonte: http://www.youtube.com/watch?v=kA2UxRaurlk, acesso em 30/06/2011.

Page 87: Disciplina: Funcionamento da Língua 5 Gramática ... · PDF filefuncionamento da linguagem, em especial nas práticas voltadas ao trabalho com o texto. No primeiro Tema, iremosdiscutir

87

Referências Bibliográficas_______________________________________________________________________________________

AVELAR, J.; CYRINO, S. Locativos preposicionados em posição de sujeito: uma possível contribuição daslínguas Bantu à sintaxe do português brasileiro. Linguística, vol. 3 -­‐ Revista de Estudos Linguísticos daUniversidade do Porto, 2008, p. 55-­‐75.

DUARTE, M. E. L. A perda do Princípio ‘Evite Pronome' no português brasileiro. Tese(Doutoramento). Universidade Estadual de Campinas (IEL/Unicamp), 1995.

GALVES, C. Tópicos, sujeitos, pronomes e concordância no português brasileiro. Cadernos de EstudosLinguísticos 34º, 1998, p. 7-­‐21.

LUCCHESI, D.; BAXTER, A.; RIBEIRO, I. O Português Afro-­Brasileiro. Salvador: EDUFBA, 2009.

MEDEIROS, M. Vende frango-­‐se. In:_____. Doidas e santas. Porto Alegre: L&PM, 2008.

NARO, A.; SCHERRE, M. Origens do português brasileiro. São Paulo: Parábola, 2007.

NEGRÃO, E. Português brasileiro: uma língua voltada para o discurso. Tese (Livre-­‐Docência).Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), 1999.

PETTER, M. O continuum afro-­‐brasileiro do português. In: GALVES, C.; GARMES, H.; RIBEIRO, F. R.(Org.). África-­Brasil: caminhos da língua portuguesa. Campinas: Editora da Unicamp, 2009, p. 159-­‐17.

PONTES, E. O tópico no português do Brasil. Campinas: Pontes, 1987.

SAID ALI, M. Dificuldades da língua portuguesa. 7a ed. Rio de Janeiro: ABL/Biblioteca Nacional, 2008.

. ______________________________________________________________________________________