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Discutindo relações entre Religiosidade, intolerância e alimentos na Umbanda.
Ana Clara Tomaz Carneiro, estudante do Bacharelado de Ciências e Humanidades da
UFABC
Ana Maria Dietrich ,doutora em História Social/ UFABC e professora adjunta da UFABC.
Resumo:
Com o foco nas diversidades religiosas esse projeto visa se aprofundar sobre uma
das religiões brasileiras, suas práticas, costumes e (pré)conceitos a ela relacionados a
Umbanda. A Umbanda surge no Brasil, somada a aspectos mistos da cultura ameríndia,
da cultura negra e também da cultura europeia. É, portanto, tida como “brasileira”,
mesmo com um rol de preconceitos a ela associados e desenvolve-se por meio de rituais
e tradições miscigenadas.
Acerca da questão dos rituais e tradições há o desentendimentos dos preceitos que
sucedem os preceitos umbandistas, os quais muitas vezes são estigmatizados como
“macumbas”, tendo um caráter totalmente desrespeitoso, preconceituoso e que fere
todos e quaisquer direitos humanos.
Estudar a tradição umbandista é também estudar de qual forma essa tradição é
transmitida para os adeptos. Essa transmissão é feita a partir da oralidade, isso é em
narrativas, em conversas e principalmente com o contato entre “mães/pais de santo”
(mestres) com seus “filhos de fé”(discípulos). Compreender de qual forma é transmitida
a tradição umbandista a partir de um viés cultural, sobretudo com a participação de
integrantes do movimento umbandista. Além disso, visa o combate ao preconceito a
umbanda, dentro do preceitos da linha de pesquisa de Educação em Direitos Humanos,
refletindo sobre as pluralidades de práticas e costumes desta religião de forma
respeitosa no âmbito acadêmico.
Também tem como intuito desmistificar a relação entre alimentos e religiosidade,
desta maneira, apresentando os aspectos em que os ritos umbandistas utilizam tais
elementos.
Palavras-chave: Direitos humanos, tradição, oralidade, História Cultural, diversidade
religiosa, alimentos.
Introdução:
Essa pesquisa surgiu do interesse e principalmente da vontade de pesquisar sobre
a Umbanda no cenário cultural principalmente pela representatividade histórico-
cultural das brasilidades, mas também como forma de estimular a tolerância religiosa,
principalmente no cenário atual em que se percebem casos e mais casos de intolerância
religiosa, principalmente com as religiões caracterizadas como religiões de base
afrodescendentes.
A discussão sobre o uso de alimentos é de fundamental importância para que haja
a possibilidade de desmistificar e conter preconceitos, os quais, muitas vezes, advindos
de um não entendimento dos preceitos, que se utiliza de alimentos.
A proposta é relacionar a questão do alimento que engloba a religiosidade de forma
geral, mas principalmente, sendo um dos pilares da religião Umbanda, apresentando
dessa forma de qual forma são utilizados e a representatividade dos alimentos para os
umbandistas e seguidores da Umbanda.
O projeto apresenta de qual maneira se dá a relação entre alimentos e os preceitos
umbandistas, principalmente relacionados aqueles que estigmatizam de forma
pejorativa a religião.
Problemática:
Acerca do assunto Umbanda há intempéries que causam grande desconforto à
comunidade umbandista, mas também a todos os cidadãos que respeitam as
diversidades culturais, religiosas, étnico-raciais, questões de gênero e entre outras
tantas questões que sofrem com o preconceito fundamentalistas, entretanto, é
cotidiano ver mensagens de ódio, desrespeitos e intolerância religiosa, principalmente
as religiões diversificadas no Brasil.
Para Silva. J, (2009, p.207) a intolerância religiosa constitui uma grave violação
dos direitos humanos. Do ponto de vista da origem, pode-se afirmar que tal intolerância
está relacionada ao sistema de convicção religiosa nas próprias crenças dos indivíduos
ou mesmo na incapacidade do indivíduo de compreender as crenças e práticas religiosas
diferentes da sua e consequentemente, admitir o seu direito à existência. Segundo Silva
J. (2009) a intolerância religiosa assume também um caráter racial, desta forma é
possível “configurar uma das faces mais abjetas do racismo brasileiro, mantendo-se
intacta ao longo da história”.
Além do movimento ainda racista que interioriza a questão do preconceito a
Umbanda, surge também, a intolerância e falta de respeito aos símbolos e tradições,
partindo principalmente dos neopentecostais brasileiros, onde há inúmeros casos
diariamente de situações que usam dos símbolos Umbandistas com conotações
errôneas, para desta forma depreciar e desmerecer aqueles que seguem as tradições
umbandistas, casos como a imagem destorcida de símbolo para usá-las como base do
“mal” pregados em cultos neopentecostais, chegando ao extremo como casos de
ataques ao frequentadores e também a lugares(casa, tendas, choupanas, terreiros) de
Umbanda e Candomblé. (SILVA, V. 2007, p.228).
É perceptível como tais ataques, intolerância e desrespeito vêm em ascendência,
principalmente com a situação política nacional, advinda de uma bancada religiosa
muito forte, bancada religiosa a qual representantes neopentecostais fundamentalistas
participam. Tornaram-se frequentes casos de violência devido à intolerância religiosa,
como o ocorrido no Rio de Janeiro com uma menina de 11 anos, iniciada no Candomblé,
que fora apedrejada na noite do dia 14 de junho de 2015 por um grupo de evangélicos.
Tal grupo atacou um grupo de pessoas que saía de uma casa de Candomblé, com ofensas
e pedras, sendo que uma dessas pedras atingiu a cabeça da pequena iniciada. Casos
como esses não são isolados, muito menos são poucos, o que assusta é a forma como a
intolerância tornou-se comum na rotina dos brasileiros.
Intolerância vista também em desrespeitos aos preceitos e ritos, onde, muitas
vezes, usa-se símbolos, flores, ervas, essências, bebidas e comidas, as chamadas
oferendas. São tais oferendas que causam a maior parte dos estigmas negativos em
relação as religiões afro-brasileiras, no referente trabalho, em relação a Umbanda. Alvo
de ataques constantes e diversos – dos mais declarados aos mais velados – e de
representações negativas com vistas a sua desqualificação (ORO; BEM, 2008) por isso,
comumente associadas ao mal, à feitiçaria, à bruxaria e ao impuro. Têm seus rituais
apontados como sinônimo de compromisso com o paganismo e pacto com o diabo
(Mary apud ORO; BEM, 2008).
A visão a respeito desse aspecto, entre outros, da religiosidade brasileira é
permeada de preconceitos, resultado, sobretudo, do desconhecimento dessas práticas
religiosas, que muitas vezes as associa ao atrasado e ao primitivo, baseada em uma
representação etnocêntrica, que gera intolerância, perseguições e dificuldade no
reconhecimento e aceitação da diversidade religiosa existente em nosso país (ORO;
BEM, 2008).
Assim, tendo em vista o combate a tais práticas intolerantes a partir do
conhecimento do “Outro”, esse projeto investigará as tradições, origens e relações com
a cultura nacional, para que desta forma os ataques preconceituosos e principalmente
intolerante cessem ao decorrer das discussões. Pensamos que contribuirá para construir
uma nova forma de pensar a cultura brasileira religiosa com ênfase à multiplicidade
cultural de nosso país.
Partindo de estudos acerca das diferenças culturais que se desenvolve o debate
sobre cultura brasileira, isso devido ao reconhecimento como nação e também como
parte do que a sociedade brasileira vem retomando como cultura nacional. Dentre a
cultura, relaciona-se a religião, no caso a Umbanda, religião de tradições propriamente
brasileiras. Maria Helena Concone (1987, p.73) teve um papel pioneiro ao caracterizar a
Umbanda como uma religião brasileira e não afro-brasileira, levantando a hipótese que
a contribuição africana não ser a principal, e sim mais um componente entre as outras
vertentes religiosas. Associa a formação do culto umbandista às ideologias nacionalistas
conservadoras, como a da fusão das três raças. Descreve seu processo de
reconhecimento nacional pela negação da macumba, a visão do culto pelos seus
adeptos, e a polarização de dois movimentos: um no sentido da valorização dos ritos
africanos e outro pela sua negação, questão comum aos estudos de Umbanda. Conclui
que a cosmogonia umbandista resulta de um conjunto de circunstâncias histórico-
estruturais. Desta forma a Umbanda surge não de sincretismos, mas a partir dela
própria, com suas tradições desenvolvidas pelo tempo e por seus seguidores.
Entretanto, tais tradições não são homogêneas, isso é não são seguidas de maneira
uniforme por todo pais.
Ao contrário de religiões como a católica e o Kardecismo, onde há um estudo
sistematizado dessas religiões, sendo a primeira através do livro maior, a Bíblia, e o
segundo pelos escritos de Allan Kardec, a Umbanda não possui um documento escrito,
uma chave para auxiliar e justificar seus preceitos aos seguidores, A falta de uma escola
doutrinária dos preceitos umbandistas é motivo de constantes e diversas distorções nos
cultos umbandistas. Por isso não há uma hegemonia de saberes, a tradição é passada
de geração para geração pela oralidade, pelas narrativas orais, pelos encontros e
contato pessoal. (BIRMAN, P. 1983, p.59)
Assim sendo, a maneira como os praticantes umbandistas encontraram para
ensinar os que chegam às casas para participar dos rituais de gira e doutrina foi pela
oralidade, pelo contato e principalmente pela vivência.
Sobre as questões da oralidade o filósofo e ensaísta Walter Benjamin (2012,
p.16) traz a narrativa como forma de aprendizado e troca de experiências. Tratando-se
da Umbanda, não poderia ser mais propício compreender a partir de uma perspectiva
benjaminiana o papel deste sujeito que narra, conta as histórias no tempo, e através
dele. As relações humanas se fortalecem através da narrativa. Em tempos de relações
com o conhecimento cada vez mais virtuais, a Umbanda quando transmitida de forma
oral, acentua a necessidade do olho no olho, de nos relacionarmos com o outro de forma
viva, atenta e interessada.
Torna-se um fator ético estar atento aquilo que o narrador tem a transmitir, de
maneira que se possa transmitir com a maior fidelidade possível o conteúdo apreendido.
Transmitir a Umbanda torna-se não somente uma maneira de perpetuar sua
história, anunciação e fundação, como também serve para que a prática do mito seja
preservada. A maneira como acontecem os rituais, o ensinamento de abertura e
fechamento dos rituais é passado de geração á geração através de uma prática narrada.
O antropólogo Jack Goody (2012, p. 32) contribui com essa afirmação quando faz a
relação entre a oralidade e o mito dizendo que:
Histórias contadas através da prática da oralidade e da realização de seus rituais—
é assim que a Umbanda vem através do tempo se perpetuando. A falta de escrituras que
pudessem guiar a realização dos seus rituais torna a prática umbandista ainda mais rica,
pois precisa exatamente de um fator que vem na sua essência, a comunhão e o encontro
com o outro.
Entretanto, vivemos em uma sociedade onde as padronizações se dão a partir de
uma cultura europeia, branca e católica. A Umbanda é uma religião genuinamente
brasileira, agregadora de etnias e não discriminatória em diversas questões. Torná-la
visível e reconhecida entre todos é uma maneira de combater preconceitos e modelos
preestabelecidos.
Surge então, no movimento umbandista, livros, revistas, apostilas que tem como
objetivo relatar as tradições até então transmitidas oralmente, para que haja maior
receptividade por parte da população e assim caracterizando um novo grupo de adeptos
as Umbanda, aqueles preocupados com a doutrina escrita. Autores como W. W. da
Matta e Silva (conhecido também como Mestre Yapacani), Francisco Rivas Neto
(conhecido também como Mestre Arapiaga) e Leal de Souza.
Entretanto, mesmo nos escritos, tais escritores reafirmam que a tradição
umbandista é passada na vivência, na oralidade. Mostrando que a Tradição oral será
eterna na transmissão da tradição da Umbanda. Pois, “Na tradição oral, o foco é a
permanência dos mitos, a visão de mundo de comunidades que têm valores filtrados
por estruturas mentais asseguradas em referências do passado remoto, que se
manifestam pelo folclore e pela transmissão geracional” (Meihy, J.C.S.B, 1996).
Sobre a questão dos alimentos, essa é perceptível também durante essa
passagem e transmissão oral das tradições da umbanda, desta forma há também
preconceitos por não serem compactuadas por todos os centros umbandistas, até
mesmo, porque pouco se sabe sobre os processos e sobres os ritos umbandistas, sendo
então fonte de especulação de discursos vazios e sem entendimentos, de fato, dos
preceitos umbandistas.
A comida e a religiosidade:
A relação das religiões com a comida é intensa nas mais diversas crenças.
Inúmeras vezes a Bíblia faz alusão à alimentação tanto de forma simbólica, como na
expressão “uma terra onde emana leite e mel” ao referir-se à terra prometida dos
hebreus, como quando fala dos rituais de sacrifício dos animais e das proibições de
ingestão de um ou outro alimento, por ser ele considerado impuro.
Dessa forma, a gastronomia também é responsável por revelar preceitos,
práticas e preferências religiosas. Os regulamentos de diferentes crenças e culturas
religiosas relacionados à mesa são ditados pela vontade de reafirmar e de manifestar as
identidades culturais. (FLANDRIN, 1998).
Nesse processo, o alimento pode ser percebido como um intermediário real – e
não apenas metafórico ou simbólico – que permite incorporar as qualidades e os valores
que seria materialmente capaz de transmitir.
“A identidade religiosa é, muitas vezes, uma identidade alimentar. Ser judeu ou
muçulmano, por exemplo, implica, entre outras regras, não comer carne de porco. Ser
hinduísta é ser vegetariano. O cristianismo ordena sua cerimônia mais sagrada e mais
característica em torno da ingestão do pão e do vinho, como corpo e sangue divinos. A
própria origem da explicação judaico-cristã para a queda de Adão e Eva é a sua rebeldia
em seguir um preceito religioso: não comer do fruto proibido” (CARNEIRO, 2005).
As religiões provenientes de matrizes africanas não são diferentes das demais.
No Candomblé, por exemplo, o papel da alimentação é essencial, formando uma de suas
bases teológicas. A comida representa uma das principais ligações entre homens e
deuses, por meio das oferendas de alimentos e sacrifícios.
Nesta crença, cada Orixá possui, além de suas preferências, os alimentos que não
gosta e isto impede a sua oferenda e restringe o seu consumo. “Um membro do
Candomblé tem sua alimentação diferenciada de acordo com o período da vida religiosa
que está passando e o Orixá de quem é filho, o que determina coisas que ele não pode
comer (PIERUCCI, 1996)”. A comida preferida de Iansã, por exemplo, é o acarajé,
portanto, a iguaria é obrigatória entre seus seguidores.
Os hindus, por sua vez, não comem carne de animais, pois acreditam que na hora
do abatimento o animal carregou consigo mágoas, rancores, ódio e todos esses
sentimentos.
Objetivos:
Como fora discutido nas explanações acima, o objetivo é, permeando os
processos e preceitos umbandistas, de desmistificar e retratar de qual forma são
entendidos o uso de alimentos nos ritos e preceitos umbandistas, para que dessa forma
possa combater o preconceito proeminente, principalmente no cenário atual de
intolerância religiosa.
Inserir a referente pesquisa em comunicação com o grupo de pesquisas
Laboratório de Estudos da Contemporaneidade e Grupo de Estudo de Direitos Humanos
e Relações Internacionais (GEDHRI), e com a Cátedra Sergio Vieira de Melo estabelecida
na UFABC desde 2014, relacionando as dificuldades enfrentadas, em debates com
outros aspectos culturais que sofrem a intolerância e preconceito, mostrando a
perspectiva religiosa.
Também inserir o projeto nas discussões das pesquisas em Educação em Direitos
Humanos, projeto coordenado por Ana Maria Dietrich e José Blanes Sala e fomentado
pelo MEC/ 2015, principalmente tendo o objetivo de sociabilizar os conhecimentos
acerca da Umbanda com a comunidade, contribuindo para a formação de uma cultura
em Direitos Humanos também no âmbito escolar.
Correlacionar com o projeto Memórias dos Paladares, contextualizando o uso de
comidas em ritos, a importância e possíveis ressignificações específicas do uso da
comida na religiosidade, dando ênfase no conceito sociocultural da comida nas
tradições Umbandistas e relação fé X alimento.
Vivenciar o ambiente científico participando das múltiplas atividades de ensino,
pesquisa e extensão do Memorial Plinio Zornoff/ Laboratório Memória dos Paladares,
coordenado pela Profa. Dra. Ana Maria Dietrich, localizado na Torre 3, Bloco A, do
campus Santo André da UFABC e seus objetivos de integração/ interação da comunidade
(no nosso caso relacionado a tolerância religiosa) com a universidade por meio da
alimentação.
Metodologia:
A partir do levantamento bibliográfico sobre a origem da religião umbandista,
tradições da Umbanda e a relação com alimento em livros, revistas, apostilas e seus
autores sobre o estudo da Umbanda e suas Tradições, pesquisas sobre a formação de
centros/terreiros/tendas de Umbanda a partir de relatos históricos escritos, vídeos e
fotos desenvolver a análise da formação da Umbanda no cenário nacional, dando
ênfase às tradições orais.
Tendo como fonte primária a Tradição oral será necessário o estudo sobre a
Tradição Oral e como se procede, para desta forma poder realizar a parte subsequente
do projeto, também parte essencial, a entrevista e relatos daqueles que frequentam e
que são personagens principais da Umbanda.
A pesquisa de campo se desenvolverá em entrevistas com ativistas,
frequentadores, “mães/pais de santo” ligados ao movimento umbandista sobre a
passagem das tradições e de qual forma isso procede. Pretende-se realizar as
entrevistas em dois “Centros Umbandistas” distintos, seguindo o roteiro de entrevistas
a partir do estudo em Tradições orais.
Segundo Meihy, J. C. S. B (1996, p. 1-10 e 11-21) “cabe considerar que chamamos
história oral os processos decorrentes de entrevistas gravadas, transcritas e colocadas
a público segundo critérios predeterminados pela existência de um projeto
estabelecido”. Desta forma, usando a metodologia em História oral pretendemos
aproximar o meio acadêmico com a(s) comunidades.
O uso da história oral para essa pesquisa segue os pressupostos metodológicos
do Núcleo de Estudos de História Oral da USP, coordenado pelo professor José Carlos
Bom Meihy. Segundo ele (1996, p. 1-10 e 11-21), a história oral pode assumir uma
função de revelar “micro histórias e de foco de situações específicas, mostra o
potencial crítico da história oral como alternativa que dá representatividade aos
grupos de uma forma ou de outra silenciados”.
A grande potencialidade da história oral, segundo Freitas (2002), é que ela
permite a integração com outras fontes, a confrontação entre as fontes escritas e orais
e sua utilização multidisciplinar. Com isso o projeto visa, também, comparar a tradição
oral na Umbanda com as tradições escritas sobre Umbanda.
Assim, Alberti (2002) argumenta que a narrativa é um dos principais alicerces
da metodologia de história oral, que pressupõe a gravação de entrevistas de caráter
histórico e documental com atores e/ou testemunhas de acontecimentos, conjunturas,
instituições e modos de vida da história contemporânea. Ao contar suas experiências,
o entrevistado seleciona e organiza os acontecimentos de acordo com seus
referenciais do tempo presente, imprimindo-lhes um sentido e transformando aquilo
que foi vivenciado em linguagem. As entrevistas de história oral revelam o trabalho da
linguagem em cristalizar imagens que remetam a, e que signifiquem novamente, a
experiência. Esses relatos do passado, na opinião de Alberti (2002, p. 2), tornam as
entrevistas especialmente ricas. A propósito disso, ela cita o historiador Lutz
Niethammer, para quem “as histórias dentro da entrevista são o maior tesouro da
história oral porque nelas se condensam esteticamente enunciados objetivos e de
sentido”.
Segundo Meihy (1996), a entrevista é composta de pré-entrevista, entrevista e
pós-entrevista. A pré-entrevista corresponde à etapa de preparação do encontro com
o entrevistado, no qual o pesquisador se apresenta, expõe as informações sobre seu
projeto de pesquisa e situa a colaboração do entrevistado, explicando, inclusive, as
indicações de como chegou até o seu nome. Nessa etapa a entrevista é agendada,
sempre de acordo com a conveniência do entrevistado – local, data, horário. Nesse
momento o entrevistado também deve ser consultado sobre a concordância em que
seu depoimento seja gravado.
Dessa forma a pesquisa ao se utilizar da metodologia da Historia Oral, baseia-se
por completo nas vivências das pessoas que são Umbandistas.
Resultados e Discussões:
Relação entre Umbanda e alimentos:
A relação entre umbanda e os alimentos não está restrita apenas aos alimentos
que são utilizados em preceitos, muito deles sendo chaves de intepretação de
elementos os quais os adeptos necessitam, ou seja, a ligação não é exatamente entre o
alimento e a Divindade, mas sim uma representação simbólica e uma forma de
aproximação do mundo espiritual ao mundo natural, relação entre o metafisico e o
físico.
Na Umbanda esotérica há o ensino do uso dos alimentos visíveis, invisíveis e
secretos. Caracterizados por:
Alimentos visíveis: aqueles que são físicos, ou seja, representam a materialidade.
Alimentos invisíveis: são caracterizados pelos sentimentos e pensamentos que
são depositados nas oferendas/preceitos, também representados pelas interpretações
de pontos cantados utilizados durante os ritos ou mesmo na montagem dos preceitos.
Alimentos secretos: são elementos caracterizados como “mirongas”, orações
secretas, elementos magisticos manipulados pelos mestres magistas (Entende-se como
mestres magistas as entidades ou mesmo alguns médiuns da corrente de Umbanda que
operam elementos). Os alimentos secretos são discutidos mais afundo apenas na
doutrina secreta, isso é, na tradição oral, sendo restrita a transcrição.
Muitos das tendas/terreiros/templos umbandistas realizam preceitos que
necessitam da participação de comidas, onde cada comida tem seu significado e o
porquê, além de terem uma posição certa e também uma escolha de quem os prepara,
sendo papel principalmente das mulheres, pois as mulheres são as que possuem o
“poder” de manipulação “magística”, sendo elas as responsáveis pela preparação dos
alimentos e também dos preceitos. Os preceitos são códigos, os quais organizados
repassam uma mensagem ao mundo astral, dessa forma, é de extrema importância que
sejam feitos por pessoas responsáveis e com precauções.
Tais preceitos, também conhecidos como oferendas, visam o agradecimento ou
mesmo um pedido, realizados muitas vezes em sítios da natureza, sob a influência ou
representação de determinado Orixá.
Os alimentos são de caráter diferenciado, podendo ser compostos por:
Frutas: uvas, peras, morangos, melões, maracujá, etc.
Ervas (em chás ou em folhas): manjericão, malva, folha de maracujá, funcho
(erva doce), guiné, arruda, etc.
Especiarias: pimentas, anis estrelado, canela, cravo, imburana, sal grosso, etc.
Outros alimentos: mel, farinhas, pipocas, balas e doces, pão.
Bebidas: as mais variadas bebidas, agua de coco, vinhos, “marafo”, cidra, etc.
Há também a preocupação com a alimentação dos próprios “filhos de fé”
(médiuns), onde muitas casas pedem para que façam uma alimentação balanceada e
que não comam carne vermelha antes dos ritos, assim como não bebam bebidas de teor
alcoólico, tendo a alimentação papel principal para o desenvolvimento mediúnico, pois
é responsabilidade do médium, sendo dessa forma, orientado sobre a questão da
alimentação, preferencialmente que opte por alimentos que são fáceis de digerir, para
que não exija muita energia do corpo para a digestão, sempre visando em manter o
corpo físico saudável, pois é parte integrante dos próprios preceitos religiosos. Mas
também manter a mente com alimentos saudáveis, isso é, com informações que
mantenha a mesma em equilíbrio e em paz, assim como os sentimentos em equilíbrio,
pois não é apenas o corpo físico que necessita de alimentos, o corpo astral (responsável
pelos sentimentos) e o corpo mental (responsável pelos pensamentos) precisam de
alimentos que os mantem em equilíbrio.
Por fim, a relação entre os preceitos da umbanda com os alimentos são
inseparáveis e também de extrema importância, presentes em qualquer casa de
umbanda, sendo então característica que une todas as correntes umbandistas, fazendo
o intermédio entre aquela que chamam de umbanda popular com a umbanda esotérica,
sendo tal tradição mantida em qualquer circunstância, mesmo havendo modificações
para o significado e para a representatividade de lugar para lugar.
De forma geral, após as analises e estudos é nítido que é necessária a discussões
sobre a importância dos alimentos nos preceitos umbandistas assim como a
representação da hóstia nos preceitos católicos (de forma bem simplista da
comparação, pois é clara a relação mais intrínseca ligada a Umbanda e natureza dos
alimentos), para que dessa forma se repare os conflitos e sofrimentos causados pelo
preconceito e intolerância religiosos.
Considerações finais
Após todo o desenvolver do presente projeto fora possível perceber a
importância de entender o uso dos alimentos nos preceitos religiosos, primeiramente
de forma global e depois em foque na Umbanda, pois é necessário que haja um
entendimento das formas como se procedem os ritos e preceitos, da forma como são
transmitidas as tradições da umbanda mas também de saber o quão significativo é uso
de alimentos para a própria tradição umbandista, de maneira que, ao entendermos tais
preceitos, haja, também, o respeito e dessa forma combater e discutir qualquer tipo de
intolerância religiosa que acabam causando grande sofrimento para os umbandistas,
mas também a toda população de forma geral.
Conclui-se que todo o estudo deve se processar de forma multicultural,
tendendo para uma visão a partir dos próprios agentes, para que haja melhor
entendimento, mas também para que se possa acontecer trocas culturais que ajudam a
reter qualquer tipo de crime contra os direitos humanos.
Por fim, entender a utilização de alimentos em preceitos religiosos, no caso da
Umbanda, é conhecer como se procede toda manifestação da própria religião, assim
como é possível identificar a própria ligação daqueles que seguem a doutrina com o
Sagrado.
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