247
ZAIRA RODRIGUES VIEIRA ATIVIDADE SENSÍVEL E EMANCIPAÇÃO HUMANA NOS GRUNDRISSE DE KARL MARX Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre. Linha de Pesquisa: Filosofia Social e Política Orientadora: Profª. Drª. Ester Vaisman

Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

ZAIRA RODRIGUES VIEIRA

ATIVIDADE SENSÍVEL E EMANCIPAÇÃO HUMANA NOS GRUNDRISSE DE KARL MARX

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências

Humanas da UFMG, como requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre.

Linha de Pesquisa: Filosofia Social e Política

Orientadora: Profª. Drª. Ester Vaisman

BELO HORIZONTEUNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

2004

Page 2: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

FICHA CATALOGRÁFICA

2

Vieira, Zaira RodriguesAtividade Sensível e Emancipação Humana nos Grundrisse

de Karl Marx. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, 2004.

147 p. (Dissertação de Mestrado)1. Filosofia; 2. Marxologia; 3. Ontologia; 4. Trabalho ; 5.Produção; 6. Emancipação;

Page 3: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

À minha mãe

e

à memória de José Chasin, por sua lucidez e pela possibilidade

deste trabalho.

"DUAS VEZES JÁ VI, DO MESMO MODO, DESERTAREM AS MASSAS A SUA BANDEIRA:

DEPOIS DO ESMAGAMENTO DA REVOLUÇÃO DE 1905 E NO COMEÇO DA GUERRA

MUNDIAL.

SEI, POR ISSO, DE PERTO, POR EXPERIÊNCIA, O QUE SÃO OS FLUXOS E REFLUXOS DA

HISTÓRIA. SÃO SUJEITOS A CERTAS LEIS. NÃO BASTA MOSTRAR-SE IMPACIENTE PARA

TRANSFORMÁ-LOS MAIS DEPRESSA. ACOSTUMEI-ME A TOMAR A PERSPECTIVA DA HISTÓRIA

DE OUTRO PONTO DE VISTA QUE NÃO O DA MINHA SORTE PESSOAL. CONHECER AS CAUSAS

RACIONAIS DO QUE ACONTECE E ENCONTRAR O SEU PRÓPRIO LUGAR, TAL É A PRIMEIRA

OBRIGAÇÃO DE UM REVOLUCIONÁRIO. TAMBÉM É A MAIS ALTA SATISFAÇÃO PESSOAL A

QUE POSSA ASPIRAR AQUELE QUE NÃO CONFUNDE A SUA TAREFA COM OS INTERESSES DO

DIA QUE PASSA."

(L. TROTSKY, MINHA VIDA)

3

Page 4: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

AGRADECIMENTOS

À professora Ester Vaisman, minha sincera gratidão pelo que houve de melhor

em minha vida acadêmica e por sua orientação que, extrapolando o campo da

pesquisa, sempre foi uma orientação, também, para a vida, sobretudo nos momentos

mais difíceis.

Ao grupo de marxologia, em especial, ao Fred, pela profícua interlocução.

Ao Léo, que dividiu comigo, de forma ainda mais próxima e carinhosa, este

último ano.

A Alex e Patrícia, pelo aconchego humano que me proporcionaram durante

este período.

A Joaquim, Marcos, Rejane, Mírian e "Bechano", pela sustentação afetiva.

Ao Milney, por possibilitar, com seu apoio, o término deste trabalho.

A Michelle, Lúcia, Alex, Taís, Sérgio e Fátima, pela amizade e o apoio que,

cada um a sua maneira, souberam me dar.

E, finalmente, ao CNPq, pela bolsa de estudos sem a qual esta dissertação não

teria se viabilizado.

4

Page 5: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

ÍNDICE

RESUMO...........................................................................................................................................07

INTRODUÇÃO .........................................................................................................08

CAP. I - DETERMINAÇÕES GERAIS DA ATIVIDADE SENSÍVEL..............20

A- Sociabilidade......................................................................................................... 26

B- Transitividade entre sujeito e objeto......................................................................36

C- Produção de objetividades sociais..........................................................................41

D- Efetivação de potencialidades humanas.................................................................45

CAP. II – A ATIVIDADE SENSÍVEL NA SOCIABILIDADE MODERNA..... 52

A- Caráter universal.....................................................................................................52

B - Produção sob a forma do estranhamento...............................................................61

C - Atividade como negação de vida...........................................................................80

CAP. III- A EMANCIPAÇÃO HUMANO-SOCIETÁRIA...................................95

A- Superação da atividade sensível

estranhada..........................................................95

B- A livre individualidade efetiva............................................................................116

CONCLUSÃO.........................................................................................................123

BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................145

5

Page 6: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

RESUMO

Objetivando apreender o significado e o modo como a emancipação humana é

entendida por Marx nos Grundrisse (1857-1858), este trabalho empreende a tarefa de,

em primeiro lugar, explicitar e esmiuçar o significado da categoria atividade sensível

neste mesmo texto. Isto porque, de um lado, esta categoria é central no entendimento

do autor acerca do ser social. De outro lado, porque, entendida como complexo

categorial ou conjunto de múltiplas determinações, ela é precisamente o objeto dos

manuscritos em foco.

Termina-se por concluir que a atividade sensível, o trabalho, está, em todas as

suas formas - seja enquanto complexo de determinações mais gerais, presente, de

alguma maneira, nas várias formas sociais; seja enquanto configuração específica à

sociabilidade moderna; seja, sobretudo, numa possível forma superior, livre do

estranhamento - diretamente relacionada com a auto-efetivação e emancipação

humana. Mesmo que de maneira contraditória, é pelo trabalho que os homens se

constituem como seres sociais mais ou menos livres em seu processo histórico efetivo

de engendramento de si e de seu mundo.

6

Page 7: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

INTRODUÇÃO

O trabalho que se apresenta tem por objetivo percorrer as malhas

determinativas que perfazem o complexo categorial da atividade sensível nos

Grundrisse, tendo em vista a dilucidação deste complexo e da forma como, no

interior mesmo dele, se engendra a perspectiva de emancipação humana presente

neste texto.

Os Grundrisse, que assim tornaram-se conhecidos pelo título que lhes foi

dado em sua primeira publicação - Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie

(Rohentwurf) 1857-18581 - foram redigidos por Marx entre julho de 1857 e junho de

1858 e constituem um grande balanço das conquistas de quinze anos de estudos deste

autor. Balanço ou síntese com a qual visava à publicação, que acreditava podê-lo

fazer logo em seguida, da obra Economia - como era, então, designado o que veio a

ser O Capital e todo o inconcluso plano de sua obra madura. A forma rápida como

são escritos - sobretudo se se tem em conta as condições física e financeiramente

deploráveis em que Marx se encontra naquele momento - e a decisão de fazê-lo

explicam-se, em grande medida, pela crise econômica que se abate sobre os Estados

Unidos e o mundo em 1857 - pois, nunca é demais lembrar que, em 1853, Marx

interrompera, a contragosto, seus estudos econômicos e adiara a decisão de elaborar

uma obra em vários volumes. Assim, dirá o mesmo, numa carta de dezembro de

1857, a Lassalle: "A crise comercial atual me incitou a me pôr, enfim, seriamente a

1 Título da edição publicada pelo Instituto Marx-Engels-Lenin (IMEL) de Moscou, em 1939, que, por sua vez, adota o termo usado por Marx - Grundrisse - para referir tais manuscritos em suas cartas.

7

Page 8: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

elaborar meus traços fundamentais da economia política e a preparar também alguma

coisa sobre a crise presente."2

A crise prevista e aguardada por Marx - como também por Engels, fortemente

au courant e profissionalmente envolvido com o que se passava à Bolsa - faz

renascer, em ambos, as esperanças de um grande evento na Europa: "Trabalho como

um louco, noites inteiras, fazendo a síntese de meus estudos econômicos para ter ao

claro ao menos os lineamentos essenciais [ Grundrisse ] antes do dilúvio."3 Numa

sucinta descrição do momento, dirá Rubel: "O jornalismo o desgosta e, durante o

outono de 1857, a ameaça de crise financeira reanima suas esperanças revolucionárias

(...) além disso, ele sente como uma nova provocação o Manual do Especulador na

Bolsa de Proudhon e o escrito do proudoniano Darimon sobre a Reforma dos Bancos.

(...)Alguns meses mais tarde, ele prevê a crise e suas manifestações prováveis."4

Entretanto, mais que o momento ou contexto histórico em que foi escrito, o

texto, ele próprio, faz aflorar a temática da emancipação, mesmo não sendo este o seu

mote principal. É preciso ressaltar que, embora tais "esperanças revolucionárias"

pudessem efetivamente ter servido de pretexto ou motivação imediata para que Marx

finalmente começasse a pôr no papel sua antiga promessa de uma "Economia", o

objetivo desta última e de seus escritos preparatórios era não uma análise ou

prospectiva da revolução, mas o desvelamento e a crítica das categorias da economia.

Mesmo estando, isto, patente nos Grundrisse e, inclusive, declarado por seu autor

quando diz,

2 MARX, K. Correspondance - K. Marx, F. Engels, tomo V, p. 903 Id., p. 784 In MARX, K., Oeuvres, Vol. II, p. LXXXVI

8

Page 9: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

logo no início da introdução conhecida como Introdução de 1857 que "O objeto deste

estudo é, antes de tudo, a produção material"5, vale mencionar, ainda, a seguinte

passagem do epistolário do período: "O trabalho de que se trata é uma crítica das

categorias econômicas ou, if you like, o sistema da economia burguesa apresentado

sob uma forma crítica. É uma descrição do sistema e, ao mesmo tempo, sua crítica."6

Publicados pela primeira vez apenas às vésperas da segunda guerra mundial,

ou seja, quase um século após terem sido escritos, os Grundrisse permanecem senão

desconhecidos - como foi o caso para muitas das gerações posteriores a Marx -

grandemente inexplorados por parte dos estudiosos deste autor da segunda metade do

século XX. Martin Nicolaus, em seu prólogo à primeira edição em espanhol,

intitulado "El Marx Desconocido", é quem atenta para o fato de que tais manuscritos

apontavam para uma questão que teria sido objeto de muitas dúvidas e polêmicas ao

longo de todo o século XX: o tema da emancipação ou revolução nos escritos de

maturidade de Marx. Segundo ele, as polêmicas em torno deste tema7 dever-se-iam

precisamente ao alheamento de seus personagens em relação aos Grundrisse, já que

muito do que Marx aí aponta não teria sido retomado no que pôde concluir para

publicação. O tema da "revolução", que constará de uma passagem do Prefácio de

1859, não fica, segundo Nicolaus, totalmente elucidado nos volumes do Capital nem

5 MARX, K., Manuscrit de 1857-1858, "Grundrisse", tomo I, p. 176 Carta de Marx a Lassalle, de 22 de fevereiro de 1858, in BADIA, G., op. cit., p. 1437 Veja-se, por exemplo, o livro A Acumulação do Capital, no qual Rosa Luxemburgo busca "preencher esta importante lacuna nos escritos inconclusos de Marx e conseguiu, com isto, avivar a fogueira de uma inflamada disputa que, todavia, hoje, arde dentro do partido." (NICOLAUS, M. Elementos Fundamentales..., p. XII)

9

Page 10: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

tampouco nos dois capítulos que chegaram ao público da Crítica da Economia

Política. Assim, "O problema de como é possível esperar que seja precisamente esta

contradição [o fato de que a "relação social de produção fundamental" no capital seja

a troca de equivalentes e a "força fundamental da produção", a extração de não-

equivalentes] o que conduz à queda do sistema capitalista tem obcecado os estudiosos

de Marx durante pelo menos meio século. Os volumes d'O Capital não proporcionam

uma resposta clara. Esta deficiência está na raiz da controvérsia sobre a queda [

derrumbe ] que inquietou a social-democracia alemã e que, ainda hoje, continua se

pondo intermitentemente. Verdadeiros rios de tinta foram gastos no intento de

preencher esta lacuna no sistema teórico de Marx. Porém, a lacuna existe não devido

a que o problema fosse insolúvel para Marx, não porque não houvesse encontrado sua

resposta, mas porque as conclusões a que havia chegado nos Grundrisse se

mantiveram soterradas e inacessíveis para os eruditos até 20 anos após a primeira

guerra mundial. (...) Quanto a isto, é fácil advertir que teriam sido necessários vários

volumes a mais do Capital para que Marx pudesse chegar ao ponto que havia

alcançado no esboço de seu sistema nos Grundrisse. O Capital está sofridamente

inconcluso, como uma novela de mistério que termina antes que se decifre o enigma.

Porém, os Grundrisse contêm as linhas gerais do argumento, anotadas pelo autor."8

As questões que se buscará tratar e que constituem, por assim dizer, o objetivo

último do presente trabalho não vêm sendo, portanto, descobertas e debatidas, pelos

estudiosos de Marx em geral, senão nos últimos anos. Naquele que é talvez o mais

8 NICOLAUS, M., Elementos Fundamentales..., p. XXXI

10

Page 11: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

clássico estudo sobre os Grundrisse, o livro de Rosdolsky intitulado Génesis y

Estructura de El Capital de Marx (estudios sobre los Grundrisse), o tratamento deste

tema pauta-se, no entanto, por uma leitura demasiadamente hegeliana do assunto,

como veremos no final deste trabalho. Atente-se, porém, sucintamente, que a análise

de Marx possui um caráter peculiar que a difere radicalmente tanto da filosofia de

Hegel, quanto da economia de Ricardo, muito embora ambos tenham sido, mesmo aí,

grandes mestres para ele.

Se Marx voltara a folhear a Lógica de Hegel, que casualmente caíra em suas

mãos no momento em que escrevia os Grundrisse, e se efetivamente há, como ele

próprio o confessa, a contribuição de Hegel no "método de elaboração"9, tal

contribuição não desfigura, porém, a determinação central de seu pensamento,

originária já do rompimento juvenil com aquele autor. O fato de que tal reencontro

ocasional o tenha "ajudado muito" "no método de elaboração do tema" não significa

que Marx tenha aderido ao método de Hegel. Tanto assim que ele, aí, explicitará, pela

primeira vez, o seu próprio método e o porá em obra na consecução de sua Economia.

Fazendo nossas as palavras de Chasin, ao recusar a tese do vínculo lógico entre Marx

e Hegel, não se quer, aqui, negar as influências ou "Assimilações de maior ou menor

monta, porém, sempre integradas à ruptura de fundo levada a cabo na própria

instauração do pensamento marxiano e jamais reconsiderada. (...) A diferença

diametral - 'meu método dialético não só difere do hegeliano, mas é também a sua

antítese direta' (Posfácio da Segunda Edição de O Capital, 1873) - sabemos qual é: no

mesmo lugar é

9 Cf. a carta a Engels, de 16 de janeiro de 1858, in BADIA, G., Op. Cit., p. 116

11

Page 12: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

declarado que o processo do pensamento é hegelianamente transformado num

demiurgo do real, enquanto que na concepção marxiana o ideal não é nada mais do

que o material transposto e traduzido na cabeça do homem. Ou seja, a diferença

antitética é de caráter ontológico: o ser é prioritário em relação ao pensamento e este

é um concreto pensado, não um produto autônomo."10 Para que não se delongue mais

que o necessário e cabível numa introdução - mesmo porque o método de Marx será

exposto a seguir, no início do primeiro capítulo - deixemos, entretanto, para retornar a

este importante tema quando a exposição dos resultados desta pesquisa já houver sido

feita.

Por outro lado, é preciso observar, ainda, que, embora se trate, nos

Grundrisse, de uma análise das categorias econômicas, estas últimas não são

entendidas, por Marx, como uma ordem de categorias cindidas em relação aos demais

aspectos da realidade humana. Tal análise foge totalmente, portanto, ao padrão de

cientificidade tradicional, mesmo daquele que Marx reconhece como sendo o

"economista por excelência da produção"11 - Ricardo. Como tivemos oportunidade de

mostrar em outro trabalho, "As categorias econômicas marxianas expressam não uma

dada ordem de efetividades cindidas que caracterizariam o ser social e em cujo seio a

economia seria fator preponderante. Ao contrário, a abstração e unilateralização dos

conceitos é exatamente o que Marx ferrenhamente combateu em sua crítica à

economia política. Já nos Manuscritos de 1844, mostra que os economistas que, como

Smith, reconheceram o trabalho como princípio, como essência da propriedade

privada - superando, pois, a visão de exterioridade desta última - deixaram, no

entanto, de ver a outra metade da realidade: a essência do homem transmudada em

10 CHASIN, J. Estatuto Ontológico..., in TEIXEIRA, F.S. Pensando com Marx, p. 50211 MARX, K., Manuscrit de 1857-1858, "Grundrisse", tomo I, p. 31

12

Page 13: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

propriedade privada, ou seja, o fato da alienação. (...) E isto porque 'A economia

política parte do fato da propriedade privada. Ela não o explica-nos. Ela exprime o

processo material que descreve, em realidade, a propriedade privada em fórmulas

gerais e abstratas, que, em seguida, têm para ela valor de leis. Ela não compreende

estas leis, isto é, ela não mostra como elas resultam da essência da propriedade

privada'. Marx, portanto, denuncia na economia política o fato de que ela oblitera não

apenas 'a questão das origens históricas da formação do capital, mas também o

caráter histórico e transitório das próprias categorias econômicas. Já em A Miséria

da Filosofia, Marx se posicionara a respeito, afirmando que: 'As categorias

econômicas são expressões teóricas das relações sociais de produção /.../ Os mesmos

homens que estabelecem as relações sociais de acordo com a sua produtividade

material, produzem também os princípios, as idéias, as categorias, de acordo com

suas relações sociais. Assim estas categorias são tão pouco eternas quanto as

relações que exprimem(...)' ."12 Como alertara Lukács, em Marx, "pela primeira vez

na história da filosofia, as categorias econômicas aparecem como as categorias da

produção e reprodução da vida humana"13, ou seja, como categorias que expressam

não uma dada ordem de efetividades cindidas do ser social, mas a efetividade

complexa e não cindível senão em pensamento do ser social.

A análise e crítica marxiana do modo de produção capitalista alcança, nos

Grundrisse, uma forma se não totalmente peremptória - já que ainda continuaria se

aperfeiçoando nas Teorias da Mais-Valia e provavelmente mesmo até a morte de

Marx - grandemente burilada em seus pontos fundamentais. É nestes manuscritos que

12 VIEIRA, Z.R., Perspectiva Sociológica...., monografia defendida no depto. de Sociologia e Antropologia da Fafich, UFMG, 1999, p. 3813 Apud CHASIN, op. cit., p. 378

13

Page 14: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

sua crítica ganha definitivamente a forma de uma crítica a um modo de produção que

possui como determinação intrínseca a não-troca ou exploração. O pensamento de

Marx - até então ainda muito voltado para as relações de troca ou de mercado, isto é,

ainda muito influenciado pela teoria da oferta e da procura14 - perfaz, aí, como

resultado de um longo percurso, a alteração pela qual a produção vem a ser

efetivamente o centro de sua análise. É precisamente neste momento que ele faz a

descoberta da diferença fundamental entre trabalho e força de trabalho. Em outros

termos, verifica-se, nos Grundrisse, "a descoberta da 'categoria essencialmente

diferente': Arbeitskraft - não uma mercadoria entre outras, mas uma mercadoria

única, produtora de valor."15 Descoberta que permitirá, de uma vez por todas, a

compreensão da questão do excedente no interior do processo de produção do capital

e a completa elaboração da teoria da mais-valia.

Sob a forma de sua descoberta considerada mais importante no plano da

economia, a mais-valia passa a ocupar, então, aquele que será o seu lugar em todas as

demais obras de Marx. Sendo - como fica genuinamente demonstrado nos Grundrisse

- a determinação central, o eixo sobre o qual efetiva-se a produção capitalista, ela

terá, assim, papel central também na análise desta última por Marx.

É importante observar, neste ponto, que, segundo Rosdolsky, muito embora na

etapa anterior aos Grundrisse - constituída pela obra A Miséria da Filosofia, pelo

Manifesto do Partido Comunista e pelo escrito intitulado Trabalho Assalariado e

Capital - não tivesse Marx efetivamente, ainda, elaborado "sua teoria específica do

lucro, 'até 1848 estavam traçadas as linhas fundamentais de sua teoria da mais-valia',

14 Cf. Chasin, J., "Marx no Tempo da Nova Gazeta Renana" in MARX, K. A Burguesia e a Contra-Revolução, p. 2515 Idem

14

Page 15: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

pedra angular de sua doutrina econômica, e só restava a tarefa de desenvolver tal

teoria em detalhe - processo que podemos estudar minuciosamente nos Grundrisse."16

Efetivamente, a importante descoberta de Marx não se deu num apagar ou acender

das luzes ou entre uma crise e outra de fígado que lhe acomete no momento em que

escreve os manuscritos em questão. De forma não diferente de todas as descobertas

importantes no plano da ciência, sua apreensão da categoria da mais-valia resulta de

vários anos de labuta intelectual voltados para a crítica da economia política e, por

conseguinte, para a dilucidação das determinações fundamentais do modo de

produção do capital. Labuta esta que, segundo Nicolaus, enfrentara, de maneiras

diversas a cada etapa da construção deste pensamento, a teoria ricardiana do

excedente, para vir a desaguar nesta sua elaboração própria. O que se quer ressaltar,

pois, é que, embora os Grundrisse representem um salto qualitativo fundamental na

elaboração do pensamento maduro de Marx, não apresentam, porém, uma ruptura

com a trajetória anterior deste pensamento. Muito ao contrário, como o diz Chasin, "a

ontologia dos Grundrisse adensa e ultrapassa, mas não nega a ontologia composta ao

longo do período 42-47; mais do que isso, adensamento e ultrapassagem são

precisamente demanda e virtualidade postas pela antecedente."17 Demanda, esta,

concreta se se considera, sobretudo, a afirmação dos editores russos dos Grundrisse

de que "até 1848 estavam traçadas as linhas fundamentais de sua teoria da mais-

valia"18 - o que, embora fuja à presente pesquisa confirmar ou não, é, neste particular,

respaldado por outros autores, como transluz, por exemplo, da passagem de

16 ROSDOLSKY, R. Génesis y Estructura de El Capital de Marx, p. 2817 CHASIN, J. "Marx no Tempo da Nova Gazeta Renana" in MARX, K. A Burguesia e a Contra-Revolução, p. 27.18 IMEL, "Prólogo da Primeira Edição em Alemão", in MARX, K. Elementos Fundamentales...,vol. I, p XLI

15

Page 16: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

Rosdolsky acima aludida.

Com o objetivo de trazer à luz o texto mesmo de Marx, com todas as suas

possíveis lacunas ou irresoluções e de poder, assim, contribuir na redescoberta deste

autor por ele mesmo19, esta dissertação concentra-se de forma praticamente exclusiva

sobre os Grundrisse. Com esparsas referências a outros textos de Marx ou de

comentadores - que se fazem apenas no intuito de apoio, quando necessário e

plenamente cabível este - procede-se, aqui, a uma análise imanente dos referidos

manuscritos no que diz respeito ao tema proposto. Trata-se, em outras palavras, de

uma escavação por meio da qual se busca apreender o complexo da atividade sensível

em suas determinações centrais e sua intrínseca relação com o tema da emancipação a

partir do próprio objeto-texto e da articulação das categorias na forma como ela, ali,

se encontra.

Em consonância com este objetivo, o cotejamento dos resultados alcançados

com a análise de outros autores que trataram do tema perfaz-se somente à conclusão.

Tal confronto analítico possui, assim, um caráter apenas inicial e busca

exclusivamente levantar algumas questões. Longe de pretender proceder a uma crítica

a tais autores, o recurso a eles tem o propósito único de trazer para o trabalho, ainda

que de forma incipiente, algumas das discussões existentes sobre o assunto.

Nossa dissertação estrutura-se em três capítulos. No primeiro deles, o

complexo da atividade sensível ou, em outras palavras, a produção ou produção

material é analisada em suas determinações gerais, ou seja, naquelas presentes em

toda formação social: a sociabilidade, a transitividade entre sujeito e objeto, a

19 Propósito sobre o qual se funda o grupo de pesquisa no qual nos inserimos.

16

Page 17: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

produção de objetividades sociais e a efetivação de potencialidades humanas.

Ressalte-se de antemão, porém, que as determinações gerais ou "abstrações

razoáveis" não constituem, em Marx, um conjunto ou sistema estanque de conceitos,

mas tratam-se, ao contrário, de traços gerais, eles próprios, complexos: "Esse

Universal, contudo, ou este caráter comum, que se destaca através da comparação,

é ,ele próprio, um conjunto articulado complexo, cujos membros divergem em

determinações diferentes. Alguns destes elementos pertencem a todas as épocas,

outros são comuns apenas a algumas. [Outras] determinações serão comuns à época

mais moderna e à mais antiga. Sem elas, não se pode conceber nenhuma produção."20

No segundo capítulo, o mesmo complexo é perquirido em suas particularidades

modernas da universalidade, do estranhamento e do aspecto de negação ou

desapropriação de vida; as quais constituem, por sua vez, as determinações mais

gerais que caracterizam a atividade na sociabilidade burguesa. Traços ou

determinações que se depreende do entrelaçamento de categorias ainda mais abstratas

ou precisas. As quais, por sua vez, apenas articuladas entre si permitem o

delineamento efetivo do "complexo de complexos" que é a atividade sensível em sua

forma moderna.

Se o primeiro capítulo encontra-se justificado a seguir, logo no seu início - o

que nos exime de fazê-lo aqui - digamos, entretanto, antes de prosseguir, as razões

pelas quais nosso segundo capítulo volta-se para a produção específica da

sociabilidade moderna. Se, de um lado, a forma assumida pelo trabalho nesta última é

aquela que traz em si os componentes de uma nova forma de sociabilidade, isto é, de

uma forma emancipada do trabalho - o que, por si só, já justificaria, portanto, sua

análise - por outro lado, segundo Marx, a "produção em geral" - esta "abstração

20 MARX, K. Manuscrit de 1857-1858, "Grundrisse", tomo I, p. 19

17

Page 18: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

razoável" que destaca os traços comuns à produção material nas diferentes formas

históricas por ela assumidas - apenas nos poupa da repetição destes mesmos traços,

mas "as pretensas condições universais de toda produção não são nada mais que estes

momentos abstratos que não apreendem nenhum estágio histórico real da produção."21

Motivo pelo qual Marx, ele próprio, nos Grundrisse, se volta primordialmente para a

produção em sua forma moderna, isto é, para o desvelamento de suas determinações

específicas nesta sociabilidade.

No terceiro capítulo, traceja-se, por fim, aquilo que é entendido, por Marx, no

texto em questão, como sendo a emancipação humano-societária: a superação da

atividade sensível estranhada e o que corresponderia, para ele, à livre individualidade

efetiva.

Como último aspecto a aclarar nesta introdução, mencionemos, pois, a edição

dos Grundrisse por nós adotada. Tendo em vista não existir, no momento em que

realizamos a pesquisa, uma tradução deste texto em língua portuguesa - à exceção da

passagem intitulada Formas Anteriores [Vorhergehen] à Produção Capitalista"22 -

adotamos a tradução francesa publicada, em dois volumes, pelas Editions Sociales de

Paris, em 1980, com o título Manuscrit de 1857-1858, "Grundrisse" - à qual todas as

citações estão referidas. Apenas quando estritamente necessário, para precisar melhor

alguns termos ou expressões, recorremos ao cotejamento daquela com o original

21 Idem, p. 2222 A tradução de E. Hobsbawm desta pequena passagem dos Grundrisse foi vertida para o português e publicada, com o mesmo título - Formações Econômicas Pré-Capitalistas, pela editora Paz e Terra. Texto que, no entanto, não utilizamos, nesta pesquisa, devido a sua incompletude.

18

Page 19: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

alemão publicado pela Dietz Verlag de Berlim.

CAPÍTULO I

DETERMINAÇÕES GERAIS DA ATIVIDADE SENSÍVEL

Para tratar da produção ou atividade humana sensível nos Grundrisse é

preciso, em primeiro lugar, destacar - como Marx o faz, embora mais no sentido

negativo, isto é, para ressaltar aquilo que há de específico na forma de produção

moderna - as determinações gerais deste complexo categorial. E, isto, por duas razões

principais. De um lado, porque não apenas os economistas da época de nosso autor,

mas toda uma série de interlocutores posteriores do marxismo também representam a

produção "diferentemente da distribuição, etc., como fechada em leis naturais eternas,

independentes da história (...). [Sendo que] Na distribuição, ao contrário, os homens

se permitiriam, efetivamente, agir com todo tipo de arbitrariedade"23. Neste sentido, a

exposição científica, para usar uma expressão de Marx, das determinações gerais ou

universais da produção é necessária para que a unidade não oculte o que há de

específico, isto é, para que as determinações específicas da produção na sociabilidade

moderna não sejam obnubiladas em suas particularidades ontológicas - procedimento

do qual decorre a generalização abstrata de tais determinações para todo tipo de

sociedade. De outro lado - o que se coloca apenas como complemento ou apêndice do

objetivo anterior - tal exposição faz-se necessária no sentido mesmo do objetivo final

desta dissertação, o qual consiste precisamente no desvelamento daquilo que

23 MARX, K., Manuscrit de 1857-58 , “Grundrisse”, Tomo I, p. 21.

19

Page 20: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

corresponderia, para Marx, neste texto, a um metabolismo humano societário

emancipado. Neste sentido, a compreensão daquilo que há de específico ao complexo

da produção na sociabilidade do capital - e, portanto, daquilo que é particular a este

metabolismo social e não, determinação a-histórica da produção enquanto tal - é de

fundamental interesse na medida em que seja efetivamente compreendido como traço

histórico da produção e, portanto, sujeito a alterações.

É preciso, inicialmente, salientar que mesmo as determinações gerais ou

abstratas (como Marx também as nomeia) não são entendidas por este autor como

determinações a-históricas. Para Marx, "a produção em geral é uma abstração, mas

uma abstração razoável na medida em que ela destaca e precisa efetivamente os

traços comuns, nos poupando, assim, da repetição. No entanto, este Universal, ou este

caractere comum, isolado por comparação é, ele próprio, um conjunto articulado

complexo cujos membros divergem em determinações diferentes. Certos elementos

pertencem a todas as épocas, outros são comuns apenas a algumas. Certas

determinações serão comuns à época mais moderna e à mais antiga. Sem elas não

podemos conceber nenhuma produção".24

As determinações gerais da produção não são concebidas como sendo uma

substância ou essência única. Ao contrário, enquanto complexo, são diversas.

Encontram-se diversamente articuladas - às vezes mesmo ausentes algumas delas -

em cada forma particular da produção. Embora concebida por Marx como sendo uma

abstração razoável - isto é, como uma categoria ou complexo de determinações que

reflete, sob a forma de pensamento, a síntese de determinações diversas, o concreto

enquanto tal - a produção em geral é sempre uma abstração, serve apenas para efeito

da coerente apreensão intelectiva das formas de produção. É preciso ter sempre

24 Id., Tomo I, p.19.

20

Page 21: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

presente que tais determinações não existem, enquanto tais, articuladas num mesmo

conjunto. Por outro lado, ressalta Marx, "a produção também não é unicamente uma

produção particular: não é nunca apenas um certo corpo social, um sujeito social que

exerce sua atividade numa totalidade de ramos da produção, mais ou menos grande

ou rica".25

O que deve, portanto, ser apreendido, e que Marx nos deixa apontado em suas

anotações, é que se, por um lado, a produção universal em si não existe senão como

complexo de determinações que o pensamento apreende como universais, como

válidas, no sentido já assinalado, para todas as formas da produção; por outro lado, a

produção também não é apenas a pura empiria: uma produção particular no interior

de uma certa totalidade da produção ou, ainda, uma totalidade concreta de ramos da

produção. Depreende-se, pois, o caráter ontológico da análise marxiana.

A análise da produção levada a cabo por Marx e reconhecida por ele como

sendo o objeto de tais manuscritos, não é nem um estudo de caráter sociológico ou

econômico - no sentido em que têm sido desenvolvidas estas ciências na atualidade -

que tome a produção apenas em seu aspecto particular ou enquanto totalidade

específica de ramos da produção, nem tampouco desenvolvimento abstrato de

determinações concretas tendo como veio determinativo uma dialética concebida in

mente ou ante res. Não sendo objeto específico desta dissertação discorrer sobre tal

questão, é preciso, porém, salientar que o trabalho empreendido pelo autor, no texto

do qual tratamos, tem o caráter de um reconhecimento do ser-precisamente-assim da

forma de produção do capital. Sem a pretensão de esgotar em poucas linhas o assunto,

invocamos, aqui, a própria definição de categoria dada por ele neste mesmo texto: "as

categorias são, pois, formas de existência [Daseinformen], determinações da

25 Id., Tomo I, p. 20.

21

Page 22: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

existência [Existenzbestimmungen]"26. São, portanto, determinações concretas, muitas

vezes, aspectos determinados de uma determinada realidade.

Marx entende as determinações gerais as mais abstratas como resultado de

relações históricas. Tais determinações ou categorias mais abstratas são, elas próprias,

produzidas no interior de relações sociais determinadas, são frutos de

desenvolvimentos específicos ao longo da história concreta dos homens. Não se trata,

portanto, de determinações abstratas no sentido de originadas de um auto-

desenvolvimento de conceitos ou que dão origem a um tal desenvolvimento, mas de

forma totalmente autônoma em relação ao movimento real. Ou seja, nem como ponto

de partida, nem como ponto de chegada, em nenhuma modalidade de

desenvolvimento, tratam-se de categorias abstratas no sentido de descoladas da

realidade efetiva das coisas, formas autônomas do pensamento, que se engendrariam

por si mesmas. Ao contrário, para Marx, tais determinações são "formas de

existência", são formas abstraídas, pelo pensamento, de uma determinada realidade

social, para que, em seguida, este mesmo pensamento possa reproduzir, em conceitos,

tal realidade como um todo. Pois, segundo Marx, esta é a única forma que possui o

pensamento de se apropriar do mundo, qual seja: aquela que vai das abstrações mais

simples à reprodução do mais complexo - isto é, do concreto - no pensamento. Esta é

a forma que o pensamento tem de se apropriar do concreto, "de reproduzi-lo enquanto

concreto do espírito. Mas, não é, de forma alguma, o processo de gênese do próprio

concreto. (...)A totalidade concreta, enquanto totalidade de pensamento, enquanto

concreto de pensamento, é, de fato, um produto do ato de pensar, de conceber; não é,

26 Id., Tomo I, p. 40.

22

Page 23: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

porém, de forma alguma, o produto do conceito que se engendraria a si mesmo e

pensaria fora e acima da intuição e da representação (...)."27

As abstrações são, para Marx, o ponto de partida da elaboração teorética. No

entanto, este mesmo ponto de partida é, ele também, Daseinformen, ou seja, é, ele

também, aspecto desta mesma realidade que ele pretende explicar. Não se tratam,

pois, de abstrações produzidas pelo cérebro de forma totalmente independente,

descolada, do todo mais complexo ao qual elas se referem. Mas, é deste todo que elas

se originam. São desenvolvimentos alcançados a partir de abstrações parciais deste

todo - o que Marx chama de abstrações razoáveis.

O trabalho científico é entendido por Marx como sendo precisamente a

apreensão mental e o desvelamento da concretude em sua multiplicidade e articulação

efetivas. Neste sentido, nos alinhamos com Alves, em sua análise dos Grundrisse,

quando diz: "A categoria é, então, complexo ideal que exprime o complexo real.

Neste sentido, o concreto marxiano não é assimilado à mera percepção imediata,

direta, não é a mera empiria, ainda que ela seja o material do qual se parte. Assim, a

complexidade do real, apreendida numa categoria, é, para Marx, expressão das

determinações ontológicas do próprio real, real este que permanece sendo o que é

independente, fora, do pensar."28

A categoria ou o trabalho categorial não é, em Marx, mera repetição da forma

imediata pela qual a realidade se nos apresenta nem, por outro lado, articulação

autônoma do pensar que não tem como fundamento próprio e constantemente

presente tal articulação sob a forma do ser. Que uma categoria ou abstração razoável

seja, ela mesma, um complexo de determinações que apreende, na forma do pensar, a

27 Id., tomo I, p. 35.28 ALVES, A. L., "A Individualidade nos Grundrisse de Karl Marx", p. 10.

23

Page 24: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

realidade em sua articulação efetiva e não como abstração, isto fica ainda mais claro

quando Marx se refere ao método da economia política - a qual também parte do

concreto mas, exatamente por não apreender e esgotar este concreto em seus nexos

efetivos, acaba por incorrer numa apreensão caótica desta mesma realidade.

Após este longo, mas necessário esclarecimento quanto ao caráter

das determinações abstratas nos Grundrisse, passemos, pois, à análise daquelas que

dizem respeito ao trabalho ou produção em geral. Antes, porém, é preciso atentar

que, neste texto de Marx, tal categoria é referida tanto como atividade, quanto como

produção ou produção material, como também sob a denominação de trabalho.

Sendo a atividade ou atividade sensível referida sempre como sinônimo de trabalho,

é preciso observar que já o termo produção significa trabalho - neste sentido de

atividade - apenas numa de suas acepções. Produção é trabalho apenas enquanto

produção estrito senso, ou seja, a produção pode ser entendida tanto como atividade

do indivíduo singular - tal qual a definimos, a partir de Marx, como sendo trabalho -

como também num sentido mais amplo de metabolismo social que englobaria em si o

trabalho, bem como as demais relações travadas pelos indivíduos produtores no

interior de seu processo de produção e reprodução de suas vidas. O termo produção

pode ter, pois, tanto esta acepção mais geral - a qual não deixa de corresponder à

atividade sensível dos indivíduos mas, antes, engloba, no interior desta, todo o

processo global da produção societária (como, por exemplo, no sistema metabólico

do capital, englobando como próprio a si todo o processo da circulação do capital,

todo este processo como aspecto mesmo do processo de produção estrito senso).

Como pode, também, produção referir, no texto de Marx, estritamente atividade

sensível, o que denominamos "produção estrito senso". Tal diferenciação será,

24

Page 25: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

entretanto, dispensável, nesta dissertação, na medida em que se objetiva apreender a

atividade sensível enquanto totalidade, ou seja, precisamente enquanto complexo de

nexos e relações travadas pelos indivíduos sociais em seu metabolismo vital - mesmo

porque é também esta a forma pela qual Marx apreende tal categoria no presente

texto, não deixando, para isso, de reconhecer a diversidade com a qual ela se

apresenta no plano real.

Desta forma, embora todas estas denominações, acima referidas, sejam

também usadas, aqui, para referir o mesmo complexo categorial, será justamente

aquela que é mais ampla em sua denotação - ou seja, produção - a que predominará -

como ocorre, também, nos Grundrisse precisamente pelo motivo que viemos de

referir, qual seja, a própria concepção abrangente que se tem da categoria atividade

sensível.

A) SOCIABILIDADE

A produção humana é, para Marx, um complexo que tem por determinação

fundamental - ineliminável - seu caráter social. A sociabilidade é característica

inseparável do ato humano de produzir, do trabalho, não só pela natureza em si deste

ato, mas pela própria constituição do indivíduo que o leva a cabo. Para Marx, o ser do

homem é um ser social. "O viver em comum dos indivíduos é, em Marx, não um

momento ou um elemento, o qual definiria a humanidade dos indivíduos ao lado de

outros mas, diferentemente, constitui-se como a substância concreta dos indivíduos, a

qual delimita, como o dissemos, toda a série de expressões e atividades dos

indivíduos."29

29 ALVES, A. L., op. cit., p. 21. Grifos nossos.

25

Page 26: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

O conjunto específico de relações pretéritas e presentes travadas pelos

indivíduos ativos é aquilo que eles são, ou seja, é precisamente o que configura o

conjunto de determinações que estes mesmos indivíduos possuem enquanto tais. A

sociabilidade é determinação fundamental do ser dos indivíduos humanos porque

é aquela que dá forma específica ao modo de ser destes como um todo, isto é, tanto ao

modo de ser objetivo dos indivíduos - ao conjunto de suas manifestações e criações -

como, também, àquele de sua subjetividade - às potencialidades, capacidades e

desejos dos indivíduos enquanto tais. Como o diz Marx, os indivíduos só são escravos

ou cidadãos porque e enquanto estão em sociedade e não enquanto indivíduos

tomados abstratamente. Esta disjunção entre indivíduo e sociedade não só é estranha

ao pensamento de Marx, como é precisamente combatida por ele como sendo um dos

equívocos em que incorrem, de um lado, Proudhon mas, por outro lado, também, as

filosofias do séc. XVIII chamadas por ele de "robinsonadas" - ou seja, que tinham

como ponto de partida o indivíduo isolado - e que acabaram por influenciar A. Smith.

O fato de que o modo de existência, a forma de ser, particular dos indivíduos

só possa configurar-se na e pela sociedade, ou seja, no interior das relações

estabelecidas por eles enquanto indivíduos ativos não tem, em Marx, o sentido de

uma sobredeterminação de uma esfera sobre outra. Sociedade e indivíduo não se

constituem em elementos externos, um em relação ao outro, mas em momentos

distintos de uma mesma realidade, qual seja, aquela dos nexos e interações que os

homens mantêm entre si na produção e manifestação de suas vidas. O primeiro - a

sociedade - consistindo no momento mais geral ou universal daquele modo de ser

configurado pelas interações dos indivíduos entre si e o segundo - o indivíduo -

consistindo neste mesmo modo de ser, mas em sua expressão particular, "como

26

Page 27: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

síntese concreta, empírica, material, do conjunto da sociabilidade como entificação

relacional".30

Assim é que Marx, refutando a concepção abstrata de sociedade apresentada

por Proudhon, nos deixa inequívoca sua concepção de sociedade: "A sociedade não é

constituída de indivíduos, mas exprime a soma dos nexos, das relações nas quais estes

indivíduos situam-se uns em relação aos outros. É como se alguém dissesse: do ponto

de vista da sociedade, não há nem escravos, nem cidadãos, são todos homens. É, ao

contrário, fora da sociedade que eles o são. Ser escravo e cidadão são determinações

sociais, relações que implicam os homens A e B. O homem A não é, enquanto tal,

escravo. Ele é escravo na e pela sociedade."31

A sociabilidade é, portanto, determinação especificadora, delimitante, como

vimos. Mas, ela só o é enquanto uma série de relações estabelecidas e renovadas por

estes mesmos indivíduos em seus atos particulares. Como o diz Alves, a partir de

Marx, "Os indivíduos, então, realizariam e renovariam, através de cada um de seus

atos produtivos, toda a malha societária que os define e os faz humanos"32. São os

indivíduos mesmo que estabelecem - mantendo e renovando cada um de seus elos -

tal ou tal forma de sociabilidade entre si. Não sendo esta última, portanto, uma

essência que paira acima deles, por mais cindida e externa que ela possa lhes parecer

e que o seja efetivamente.

Chegamos, assim, por meio da exposição do caráter fundante da determinação

da sociabilidade, àquela que, juntamente com esta última, é determinação constitutiva

do ser dos indivíduos: a atividade sensível. A nosso ver, o reconhecimento, em Marx,

do caráter fundante da sociabilidade no ser dos homens passa precisamente pelo - isto

30 Id., p. 22.31 MARX, K., Manuscrit de 1857-58 , “Grundrisse”, tomo I, p. 205.32 ALVES, A. L., op. cit., p. 20.

27

Page 28: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

é, é simultâneo ao - reconhecimento do homem como ser ativo. Extrapolando, porém,

nosso intento apontar a gênese deste reconhecimento neste autor, o que deve ficar

claro é a relação intrínseca entre estas duas determinações essenciais do ser concreto

dos indivíduos.

Para Marx, o homem é ser social precisamente porque se auto-constitui,

produzindo sua vida própria ao produzir outros seres, e, ainda, porque o faz sempre

por meio e no interior de uma dada sociabilidade: "Toda produção é apropriação da

natureza pelos indivíduos por intermédio e de dentro de uma sociedade

determinada"33. A sociedade é o conjunto de interações que necessariamente se

posiciona na relação entre o homem e o mundo, possibilitando que esta última se

efetive e, ao mesmo tempo, lhe dando sua forma específica. Ou seja, ela é a condição

de possibilidade da produção e auto-produção dos homens e, portanto, da própria

existência humana - já que esta última só é, para Marx, enquanto vida de indivíduos

ativos. Por outro lado, os indivíduos se realizam enquanto seres sociais, são seres

humanos, pelo próprio fato de se efetivarem como seres ativos, que produzem suas

próprias condições de vida. É sempre útil lembrar que, segundo Marx, "Pode-se

distinguir os homens dos animais pela consciência, pela religião ou por tudo que se

queira. Mas, eles próprios começam a se distinguir dos animais tão logo começam a

produzir seus meios de vida (...). Produzindo seus meios de vida, os homens

produzem, indiretamente, sua própria vida material"34.

A determinação da atividade sensível é exatamente aquela que constitui os

indivíduos humanos como indivíduos genéricos. Pelo trabalho, o homem se reproduz

e produz outros seres se auto-superando em sua particularidade. Ou seja, não apenas

33 MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), Tomo I, p.21.34 MARX, K., A Ideologia Alemã I, p. 19.

28

Page 29: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

produz e reproduz a si mesmo enquanto individualidade, produzindo sua própria vida

material ( o que já seria, por si só, um avanço considerável sobre outras formas de ser,

na medida em que esta produção tem como base a superação crescente das

determinações naturais, como o veremos), como também, e pelo mesmo ato, produz e

reproduz sua própria espécie. A produção humana tem como uma de suas

características fundamentais o fato de ser produção para outro. Como o diz Marx, em

aditamento ao reconhecimento da reciprocidade como sendo uma característica da

produção humana, não se vê em nenhuma outra modalidade de ser que um indivíduo

X produza para um outro indivíduo diferente dele. "Que esta necessidade de um possa

ser satisfeita pelo produto do outro e vice-versa, que um seja capaz de produzir o

objeto da necessidade do outro e que cada um se apresente ao outro como o

proprietário do objeto de sua necessidade, isto prova que cada um supera, enquanto

homem, sua própria necessidade particular, etc. e que eles se comportam, um em

relação ao outro, como homens (...). Aliás, não acontece que elefantes produzam para

tigres, ou que animais produzam para outros animais. Um exemplo. Um enxame de

abelhas forma, no fundo, apenas uma só abelha e todos produzem a mesma coisa".35

A diversidade de necessidades e produção revela-se, por sua vez, condição

fundamental da existência sob a forma de reciprocidade. É exatamente devido a suas

diferenças ou singularidades que os indivíduos sociais são capazes de se porem em

relação. Como bem o expressa Marx, a igualdade natural de necessidades - como a

necessidade de respirar, por exemplo - não cria entre eles nenhum tipo de relação. É

enquanto diversos que os indivíduos têm necessidade uns dos outros. Diversidade,

esta, que, assim como todas as demais determinações humanas, é produzida e

ampliada pelo próprio intercâmbio produtivo na medida em que ocorre, de forma

35 MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), Tomo I, p. 184.

29

Page 30: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

simultânea e como resultado deste, o afastamento cada vez maior em relação às

determinações naturais e a ampliação dos objetos e necessidades sociais produzidos -

o que veremos nas próximas seções.

O que deve ficar claro, aqui, quanto à reciprocidade intrínseca ao agir humano

- quanto ao fato de que um indivíduo possa satisfazer a necessidade do outro e de que

também possa ter satisfeita a sua necessidade própria com o objeto da produção do

outro - é que a especificidade do homem é dada em sua prática, em seu agir próprio.

Para Marx, o homem só se constitui efetivamente como ser genérico, como ser social,

com o desenvolvimento histórico real de sua atividade.

Os homens, como vimos, são e sempre foram seres sociais. Nas formações

sociais que antecedem aquela da modernidade - e, segundo Marx, quanto mais se

afasta desta, mais isto se patenteia - a sociabilidade não só é pressuposto fundamental

da produção dos indivíduos, como ela aparece mesmo como um dado natural e

imediato, no interior e exclusivamente no interior do qual é possível a existência do

indivíduo ativo. "Quanto mais voltamos no curso da história, mais o indivíduo - e,

em seguida, o indivíduo produtor também - aparece num estado de dependência,

membro de um conjunto maior: este estado se manifesta, primeiro, de forma natural,

na família e na família ampliada em tribo, em seguida, nas diferentes formas da

comunidade que resulta da oposição e da fusão das tribos."36 Quanto mais se afasta do

período moderno, menos o indivíduo existe enquanto tal - com relativa autonomia -

mais ele é elemento de um todo maior e mais ele está imediatamente a este

subsumido. A individualização é resultado de todo um desenvolvimento do modo de

produção dos homens. Desenvolvimento este que permite certa desvinculação do

indivíduo singular com as condições originárias de existência, as quais, por sua vez,

36 Id., Tomo I, p. 18.

30

Page 31: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

estão, neste momento, ainda vinculadas à comunidade. O surgimento do indivíduo, tal

como o conhecemos na modernidade, resulta da distinção do homem em relação às

demais condições objetivas do trabalho. O indivíduo deixa de ser mero elemento do

processo de produção, para tornar-se trabalhador livre, fim em si do trabalho - o que

veremos melhor em outro momento.

Enquanto, nas formas anteriores da produção, o indivíduo ativo não só

dependia para sua produção de uma comunidade natural, como só existia como

indivíduo ativo exclusivamente no interior daquela comunidade - em relação à qual

ele não tinha a menor chance de escolha - na forma moderna da produção, este

indivíduo encontra-se desprendido em relação a todos os laços de propriedade natural

anteriores. Encontra-se livre em relação a todas as condições inorgânicas de

existência consideradas como condição natural de produção - por exemplo, a terra - e,

ao mesmo tempo, em relação à forma de comunidade pressuposta por todas estas

relações de propriedade anteriores. O processo pelo qual o homem deixa de ser

apenas uma dentre as demais condições objetivas de produção, consiste, portanto, na

dissolução de todas estas formas sociais em que tal existência subjetiva - enquanto

condição objetiva de produção - supõe as comunidades como condição de produção.

"O homem começa a individualizar-se apenas pelo processo histórico. Ele aparece,

originalmente, como ser genérico, ser tribal, animal de rebanho (...). A própria troca

é um meio essencial desta individualização. Ela torna supérfluo o sistema de rebanho

e o dissolve. Desde que a coisa tomou uma tal configuração, que o homem, enquanto

indivíduo singularizado, se relaciona apenas consigo mesmo, mas que, ao mesmo

tempo, os meios de se pôr como indivíduo singularizado tornaram-se o ato pelo qual

ele se torna universal e comum".37

37 Id., Tomo I, p. 434.

31

Page 32: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

Muito embora os homens sempre tenham sido seres sociais e a sociabilidade

seja uma característica intrínseca a sua existência e, portanto, a sua atividade. Muito

embora, de outro lado, a produção, sob sua forma moderna, seja aquela onde os

indivíduos apareçam, como vimos, da forma a mais livre em relação à comunidade e

apareçam mesmo como indivíduos isolados - indiferentes e independentes em relação

à sociedade; a forma moderna da produção é aquela na qual a determinação humana

da sociabilidade ganha traços ainda mais efetivos. Este modo de produção possui

como um de seus traços fundamentais aquele pelo qual necessariamente o indivíduo

não produz visando à satisfação de suas necessidades pessoais, mas unicamente

visando satisfazer necessidades sociais. O valor de troca sendo o que, aí, predomina,

não se tem em vista outra coisa que não a realização social do objeto produzido, ou

seja, sua realização para outro, sua trocabilidade. Esta forma assumida pelo trabalho

possui como mediação necessária a sociedade em geral.

Portanto, a forma moderna da produção humana sendo, ao mesmo tempo,

aquela em que os indivíduos ativos encontram-se mais isolados uns em relação aos

outros e possuindo, como o veremos, suas relações e modos de interdependência

como algo que lhes é externo - apenas como meio para realizarem seus próprios fins -

é, na verdade, aquela em que tais formas de interdependência desenvolveram-se,

intensa e extensivamente, mais que nas formas históricas antecedentes do trabalho.

Ou seja, mesmo na sociabilidade do capital, onde os indivíduos produtores são

trabalhadores livres e aparecem como indivíduos à busca exclusivamente de seus

interesses privados, tais indivíduos são, ao contrário, aí mesmo, mais dependentes uns

dos outros que nas formas antecedentes de produção. A interdependência é a base

mesmo de sua atividade. "Esta dependência recíproca se exprime na necessidade

32

Page 33: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

constante da troca e no valor de troca enquanto mediador multilateral"38. A produção

e o próprio ser ativo não se realizam aí sem a mediação da troca. O indivíduo

produtor é totalmente dependente do outro, das relações cada vez mais universais,

para a realização de si mesmo - tanto em sua produção, quanto em seu consumo.

Marx mostra que o que aparece aos economistas como interesses unicamente

privados - de cujo confronto resultaria, como num passe mágico ou por obra do

acaso, o interesse coletivo - que tais interesses são, na verdade, postos, definidos, pela

sociedade - pelos indivíduos, sim, mas em determinadas relações, em determinada

forma do agir: "A astúcia suprema é, ao contrário, que o interesse privado, ele

próprio, já é um interesse determinado socialmente e que só podemos alcançá-lo no

quadro das condições postas pela sociedade e com os meios que ela dá; portanto, está

ligado à reprodução destas condições e meios. É o interesse dos indivíduos privados,

mas seu conteúdo, bem como a forma e os meios de sua realização são dados por

condições sociais independentes de todos"39. A sociedade, a forma como os

indivíduos encontram-se relacionados - a qual possui certa independência em relação

a cada um deles, ao mesmo tempo que é o produto de sua interação com os demais - é

que fornece a estes últimos as condições, os meios e os próprios fins de sua atividade.

Como vimos, a interatividade é a condição de possibilidade do ser dos homens

precisamente porque é a condição de possibilidade de sua efetivação, de sua auto-

posição como ser efetivo, concreto. Ela circunscreve, dá forma específica a todos os

elementos da atividade sensível: seus objetos e meios, como, também, ao trabalho do

indivíduo enquanto tal, ou seja, enquanto atividade com vistas a um fim. Daí porque

38 Id., Tomo I, p. 91.39 Idem

33

Page 34: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

"Quando falamos, pois, de produção, trata-se sempre da produção em um estágio

determinado do desenvolvimento social, da produção de indivíduos sociais".40

A decorrência necessária do reconhecimento da produção humana como

sendo, antes de mais nada, atividade social é o fato de que tal relação, a relação de

produção, só pode ser corretamente apreendida, para Marx, no interior de sua gênese

histórica, de sua particularidade social. E a apreensão das determinações gerais da

produção - denominadas, por Marx, quando subjacentes ao processo de produção do

capital, como "determinidade material do processo" ou, ainda, "simples processo de

produção" (em oposição ao processo enquanto "processo de auto-valorização", ou

seja, enquanto posto em sua determinidade formal) - confirma-se como apoio

necessário, como já começamos a testemunhar, no sentido de permitir o desvelamento

concreto da formação social moderna em suas determinações específicas.

B) TRANSITIVIDADE ENTRE SUJEITO E OBJETO

Como antecipamos no final da seção anterior, os elementos essenciais,

constitutivos da atividade sensível ou, ainda, seus "elementos simples", como Marx

os nomeia em O Capital, são a atividade direcionada a um fim, seu objeto e seus

meios. "O trabalho supõe a existência de um instrumento que facilita o trabalho e de

um material que o trabalho forma, no qual ele se representa."41 Matéria e instrumento

40 Id., Tomo I, p. 19.41 Id., Tomo I, p. 280.

34

Page 35: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

são os modos de existência material do trabalho vivo: seus meio e objeto de

efetivação. O trabalho, enquanto atividade formadora, de apropriação humana da

natureza, se utiliza desta natureza tanto como objeto - sobre o qual inscreverá seus

objetivos - quanto sob a forma de meio - ele próprio, já natureza formatada, como

veremos - que lhe facilita alcançar tais resultados. Ou seja, no que diz respeito a suas

condições objetivas, o trabalho possui, de um lado, a matéria ou objeto sobre o qual

realiza seus fins e, de outro lado, a matéria sob a forma de instrumento facilitador.

Mas, além de objetos e meios, o trabalho constitui-se, também, de um fim.

Marx entende o trabalho como sendo atividade orientada e adequada a um fim: "O

trabalho é uma atividade adaptada a um fim e é por isto que, do lado material,

pressupõe-se que, no processo de produção, o instrumento de trabalho foi

efetivamente utilizado como meio em vista de um fim e que o material bruto recebeu,

enquanto produto, (...) um valor de uso superior àquele que ele possuía antes."42 A

determinação do sujeito aparece fundamentalmente como teleologia e atividade

adequada a ela. Como aparecerá nas seções seguintes, uma série de outras

determinações são envolvidas e desenvolvidas neste complexo categorial. Trata-se,

porém, aqui, de considerar este último, em seus elementos básicos, em seu ponto de

partida e não ainda em toda sua processualidade.

Para Marx, a teleologia - o fato do sujeito ativo possuir em mente o que deve

alcançar com sua ação - é característica distintiva da atividade humana, é aquilo que,

juntamente com a reciprocidade, a distingue da atividade dos animais. Mas, o que

deve ser apreendido, neste ponto, é que o trabalho, enquanto atividade adequada a um

fim, é apenas um dos elementos da atividade sensível. Ou seja, que esta última não é

simplesmente atividade subjetiva: "a atividade sem objeto não é nada ou, no melhor

42 Id., Tomo I, p. 250.

35

Page 36: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

dos casos, é atividade intelectual, da qual não nos ocupamos aqui."43 Não se trata,

pois, de exteriorização do sujeito a qual ocorreria independentemente do mundo

objetivo. Ao contrário, este último é condição intrínseca desta exteriorização. Não

apenas os sujeitos ativos são, eles próprios, seres objetivos, concretos, como também

a manifestação de suas vidas é manifestação efetiva, que ocorre em e por meio de

condições objetivas.

O desvelamento, por Marx, do complexo categorial da atividade sensível

pressupõe sua crítica primeva à filosofia hegeliana e a instauração de seu pensamento

próprio. Pressupõe o reconhecimento, por ele, da objetividade como determinação

fundamental do homem e de suas condições de vida. "O discurso marxiano reconhece

o multiverso sensível enquanto fato objetivo, pois, trata-se de uma reflexão que visa

estabelecer o núcleo substancial dos seres enquanto objetividade sensível, em

oposição às determinações especulativas da abstração enquanto ser." Em decorrência,

continua o mesmo autor, "quando Marx demanda o reconhecimento do ato histórico

fundamental que é a produção da própria vida, é necessário compreender que esta se

manifesta no interior das articulações e interações dinâmicas da objetividade."44 A

produção da própria vida - ou seja, o trabalho - é, para Marx, produção efetiva de

seres objetivos a partir de sujeitos e objetos eles próprios objetivos. Isto porque "O ser

objetivo cria e põe apenas objetos porque ele próprio é posto por objetos, porque é

originariamente natureza. No ato de pôr, não cai, pois, de sua atividade pura em

criação do objeto, senão que seu produto objetivo apenas confirma sua atividade

objetiva, sua atividade como atividade de um ser natural e objetivo."45

43 Id., tomo I, p.44 CHASIN, M. "O Complexo Categorial da Objetividade...", p. 107.45 MARX, K., Manuscritos Econômico-Filosóficos, Col. Os Pensadores, p. 46.

36

Page 37: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

Feita esta consideração que, embora não seja mais objeto de tratamento

específico nos Grundrisse - na medida em que a determinação da objetividade é,

como o dissemos, já pressuposta como ponto de partida mesmo de tais manuscritos -

julgamos prudente reforçá-la aqui, voltemos a nos moutons. Os elementos essenciais

da produção, presentes em todas as formas sociais desta são, em suma, o sujeito que

produz - a humanidade - e o objeto que sofre as alterações na produção - a natureza.

Tais elementos não aparecem, porém, cada qual de forma isolada: como pura

subjetividade ou subjetividade dada, de um lado, e pura objetividade ou objetividade

dada, de outro. Pois, sujeito e objeto são configurados na atividade sensível, isto é,

resultam da interação que ocorre a partir da relação apropriativa. A transitividade

entre subjetividade e objetividade é a segunda característica fundamental de toda

atividade sensível e de seus resultados objetivos e subjetivos. Nem o sujeito da ação,

suas potencialidades e fins, é subjetividade no recesso de toda e qualquer

determinação concreta e objetiva, nem seu objeto, a natureza, é pura objetividade ou

natureza inerte.

Para Marx, o homem apenas parte, "originalmente", de condições naturais

inorgânicas não produzidas ou modificadas por ele; já que "As condições originais da

produção (...) não podem, originalmente, ser elas mesmas produzidas, ser resultados

da produção."46 O homem parte de uma base que, assim como ele próprio, não é

resultado de sua ação. Mas, no momento mesmo em que começa a se reproduzir, é

acionado ou desencadeado, por ele, todo um processo de produção / transformação de

seres, o qual se inicia pela produção daqueles que lhe servem de meios de ação.

Desde o momento em que ele inicia seu processo de produção propriamente dito, qual

seja, aquele descrito por estas determinações gerais; desde o momento em que ele não

46 MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), Tomo I, p. 426.

37

Page 38: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

se reproduz mais apenas sob a forma da caça, da coleta e da criação de animais - as

quais se constituem, segundo Marx, como situações transitórias "e, em nenhum caso,

como situações normais e ainda menos como situações primitivas normais"47 -

rapidamente superadas na medida em que vai se tornando necessária a elaboração de

instrumentos para mediar a relação do homem com tais condições originais de

existência. Desde este momento muito tenro da existência humana, as condições da

auto-produção desta tornam-se, mais e mais, condições sociais de existência,

resultados da elaboração humana. "As formas de objetividade do ser social se

desenvolvem à medida que surge e se explicita a praxis social, a partir do ser natural,

tornando-se cada vez mais claramente sociais"48, como precisa Lukács a este respeito.

Embora o homem parta de condições não postas por ele, é preciso lembrar,

porém, que mesmo a habilidade adquirida pela mão do primitivo é, também ela, num

certo sentido, instrumento, meio de produção. "Não há produção possível sem

47 Id., Tomo I, p. 430.48 LUKÁCS, G., Ontologia do Ser Social - Os Princípios.., p. 17.

38

Page 39: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

trabalho passado, acumulado - seja ele a habilidade que o exercício repetido

armazenou e concentrou na mão do selvagem."49 As formas as mais primitivas de

produção são, portanto, elas próprias, produção ou modelagem de suas próprias

condições de produção, sejam, estas, as habilidades ou capacidades do sujeito.

O que Marx pretende explicar não são as condições ou base original

encontradas pelo homem, mas, ao contrário, a forma pela qual ele se reproduz a partir

desta base: "Não é a unidade dos homens vivos e ativos com as condições naturais

inorgânicas de sua troca de substância (Stoffwechsel) com a natureza nem, por

conseguinte, sua apropriação da natureza que pede para ser explicada ou que é o

resultado de um processo histórico, mas a separação entre estas condições

inorgânicas da existência humana e esta existência ativa."50 De outro lado, não se

trata, também, de percorrer o processo de desenvolvimento histórico em suas

diferentes etapas - procedimento explicitamente refutado, já no início dos Grundrisse,

como não sendo o adotado por ele. O que interessa a Marx é, ao contrário do

estabelecimento de uma genealogia dos modos de produção, esclarecer as

determinações mais desenvolvidas do complexo da produção humana, quais sejam,

aquelas que se nos apresentam em sua forma mais abstrata porque

resultadas do desenvolvimento último; unicamente a partir das quais, inclusive, é

possível, segundo este autor, delinear aquelas mais gerais, de que tratamos neste

capítulo. Em outras palavras, concordamos com Lukács quando ele diz que Marx não

está olhando "para trás (...) mas, sim, para a frente, para uma sociedade na qual tem

lugar uma divisão do trabalho desenvolvida (...)"51.

49 MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), Tomo I, p. 19.50 Id., tomo I, p. 426. 51 LUKÁCS, G., op. cit., p. 141.

39

Page 40: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

Voltando, pois, novamente a nos moutons, sujeito e objeto estão em

permanente simbiose em todos os momentos da produção, tanto naqueles subjetivos,

quanto nos objetivos. As condições objetivas da atividade só vêm a ser o que são

quando correspondem aos desejos e objetivos do ser ativo e são efetivamente

acionadas por ele. Por outro lado, o próprio sujeito da ação se efetiva enquanto sujeito

apenas na medida em que dá vida a suas potencialidades e desejos na relação

apropriativa que estabelece com sua mundaneidade. Aspectos que examinamos nas

seções que seguem.

C) PRODUÇÃO DE OBJETIVIDADES SOCIAIS

A atividade humana sensível não é apenas ato pelo qual os sujeitos se

reproduzem na medida em que se mantêm vivos pela apropriação, pela incorporação

em si, da objetividade demandada por sua constituição física objetiva. Ela é, também,

ato de formatação, ato pelo qual o homem torna apropriado a si seu mundo objetivo.

Através dela, os indivíduos não apenas tomam para si a natureza - a qual, justamente

pelas razões que se tenta demonstrar aqui, nunca é, para Marx, natureza pura, em

oposição ao mundo humano - mas, a transformam, adequando-a a si mesmos. O

material ou objeto recebe, no trabalho, "um valor de uso superior àquele que ele

possuía antes"52, isto é, torna-se ainda mais útil ou adequado aos homens que em sua

forma anterior. A atividade de trabalho é precisamente aquela da valorização, do

aumento do valor das coisas, pela dação de forma nova e criação de objetividades

adaptadas a fins humanos.

52 MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), Tomo I, p. 250.

40

Page 41: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

A terceira característica da categoria 'trabalho' em geral é, portanto, a de ser

atividade produtora de objetividade social. Como vimos, o homem faz-se ser social na

medida em que é capaz de produzir para outro e de satisfazer sua necessidade com o

objeto da produção de outrem. E, isto, na exata medida em que, em sua produção, é

capaz não apenas de transcender sua necessidade particular, produzindo o objeto da

necessidade de outro, mas também e, antes de tudo, porque é capaz de produzir

objetos da necessidade humana. Ele parte da materialidade sensível, de objetos

existentes, para dar a estes objetos uma forma previamente idealizada por ele. "É

importante destacar que, conforme Marx, graças ao aspecto subjetivo do trabalho, a

teleologia, é possível chegar à condição de seres determinados objetos que não

poderiam ser produzidos pela natureza, sendo esta uma das propriedades objetivas do

trabalho humano: criar novas objetividades, objetividades não-naturais, portanto,

objetividades humano-sociais"53.

A prévia ideação, no entanto, traz consigo, também, a atividade cognitiva

pela qual o sujeito, por sua vez, se apropria idealmente do ser dos objetos respeitando

sua legalidade material, para só então poder afeiçoá-los a sua vontade. Como atesta

Alves, a partir dos Grundrisse, "Não é a atividade humana uma realização auto-

suficiente, uma criação de coisas ex-nihilo, mas, ao contrário, é um ato no qual os

indivíduos plasmam a matéria determinados pela realidade da matéria mesma."54 A

finalidade que orienta as ações do indivíduo ativo não é estabelecida a partir do nada

ou de um atributo exclusivo do sujeito. Também em seu momento ideal, a atividade

sensível é pautada pela transitividade entre sujeito e objeto. Ela só se realiza enquanto

53 VILASSANTI, E. C., "O Complexo Categorial da `Atividade Humana` na Obra Marxiana", p. 93.54 ALVES, A.L., op. cit., p. 31.

41

Page 42: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

pôr teleológico na medida em que toma em consideração as características intrínsecas

à objetividade com a qual se relaciona, na medida em que a conhece.

A atividade cognitiva é condição mesmo para o estabelecimento, pelo sujeito,

dos objetivos adequados e factíveis na condução de sua ação. Ela não implica,

portanto, uma subsunção passiva do sujeito ao objeto de sua ação: "a apropriação dos

objetos pelos sujeitos, aparece da mesma forma, de outro lado, como modelagem,

submissão dos objetos a um fim subjetivo; transformação dos objetos em resultados e

reservatórios da atividade subjetiva"55. O conhecimento da conformação material

específica do objeto da ação é importante justamente no sentido de conduzir a bom

termo a "atividade formadora e conforme a um fim"56.

Para Marx, trabalho é atividade que dá forma, aquela pela qual é promovida a

humanização da natureza pelos indivíduos: "A natureza não constrói nem máquinas,

nem locomotivas, nem caminhos de ferro, nem telégrafos elétricos, nem máquinas de

fiar automáticas, etc. Trata-se de produtos da indústria humana: material natural

transformado em órgãos da vontade humana sobre a natureza ou de seu exercício na

natureza."57 Resultado da ação humana sobre a natureza, é a sociabilidade que se

estabelece, ela mesma, como objetividade, como realidade cada vez mais concreta.

E como, para Marx, tal objetividade posta pelo homem, a partir da

objetividade pré-existente, não é objetividade abstrata - "O objeto não é um objeto em

geral, mas um objeto determinado, que deve ser consumido de uma maneira

determinada"58 - da criação de objetos cada vez mais sociais, cada vez mais afastados

da legalidade objetiva natural, resulta, por sua vez, a ampliação, também, das

55 MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), Tomo I, p. 426.56 Id., tomo I, p. 237.57 Id., tomo II, p. 194.58 Id., tomo I, p. 26.

42

Page 43: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

necessidades. Estas tornam-se, simultaneamente, cada vez mais diversas e

determinadas. Pois, produção e consumo - assim como os demais momentos da

produção social - estão em relação de recíproca determinação.

Em termos bastante sintéticos59, a produção determina o consumo - o objeto e

a forma específica deste - e o consumo determina a produção - o objeto desta sob a

forma de representação. Mas, a produção também põe o consumo enquanto tal (e não

apenas seu objeto): "Por outro lado, a produção produz o consumo criando o modo

determinado do consumo e, em seguida, fazendo nascer o apetite do consumo, a

faculdade de consumo, sob a forma de necessidade"60. As necessidades dos

indivíduos resultam, são postas por sua própria produção. Aquilo que eles produzem

delimita a forma de seu consumo: "a fome é a fome, mas a fome que se satisfaz com

carne cozida, comida com garfo e faca, não é a mesma que engole carne crua com a

ajuda das mãos, das unhas e dos dentes."61 Forma, esta, que define o próprio consumo

enquanto tal, aquilo que ele é enquanto apetite, enquanto carência. Ou seja, a

produção determina não apenas materialmente o consumo mas, também, idealmente,

produzindo tais objetos também sob a forma de necessidade nos indivíduos. "A

produção não fornece, portanto, apenas um material à necessidade, ela fornece,

também, uma necessidade a este material. Quando o consumo se afasta de sua

rusticidade natural e perde seu caráter imediato - e o fato mesmo de nela se deter seria

ainda o resultado de uma produção assentada na rusticidade natural - tem, ele mesmo,

enquanto pulsão, o objeto por mediador."62

59 Não se trata, aqui, de expor todas as determinações em que cada momento da produção em geral - no caso, o da produção propriamente dita e o do consumo - aparece frente ao outro, mas de enfocar sucintamente a relação entre eles no que diz respeito especialmente à determinação da necessidade.60 Id., tomo I, p. 28.61 Id., tomo I, p. 26.62 Idem.

43

Page 44: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

Através do trabalho, portanto, os indivíduos não somente adequam às suas

necessidades a objetividade existente, como também modificam e ampliam o

gradiente destas necessidades. Resultando de sua produção objetividades e

necessidades cada vez mais específicas e diversas em relação às anteriormente postas.

D) EFETIVAÇÃO DE POTENCIALIDADES HUMANAS

Se, por um lado, trabalho é subjetivação de objetividades - no sentido que

acabamos de ver, qual seja, de "submissão dos objetos a um fim subjetivo"63 - por

outro, ele é, também, objetivação de potencialidades humanas, expressão de vida. A

relação apropriativa que os indivíduos estabelecem com a natureza é aquela mesma

que promove entre eles sua humanização, ou seja, que os constitui efetivamente como

seres sociais. Isto porque, nesta relação, eles não só se diferenciam objetivamente das

demais ordens de seres por se mostrarem capazes de produzir para outro e de realizar,

com sua produção, um progressivo afastamento em relação às determinações naturais

objetivas - construindo um mundo que lhes é próprio - como, também, é por ela, por

sua relação com a natureza, que os indivíduos se objetivam, tornando efetivas suas

forças essenciais.

A relação do homem com a natureza, em Marx, está muito longe de ser aquela

de uma oposição ou de um compartilhar indiferente de cadeias causais (de ordem

biológica) ou de mero proveito físico para o homem. O indivíduo social não apenas é

natureza objetiva orgânica e inorgânica - sendo, a natureza exterior a ele, sua própria

natureza inorgânica, resultado mesmo de sua ação - como só existe e se desenvolve

63 Id., tomo I, p. 426

44

Page 45: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

objetivando-se por meio de sua exteriorização. Para Marx, "Toda produção é uma

objetivação do indivíduo".64

A exteriorização humana por meio da atividade vital não é apenas negação ou

consumo de forças. Para Marx, ela é, sobretudo, ato positivo, consumo produtivo.

Consumo objetivo e subjetivo mas, acima de tudo, criação, produção do novo, através

da efetivação de potencialidades. "Assim, pois, a matéria-prima é consumida sendo

modificada, formatada pelo trabalho; e o instrumento é consumido por seu uso, sendo

usado neste processo. De um outro lado, o trabalho também é consumido na medida

em que ele é empregado, posto em movimento e na medida em que, assim, é

despendida uma certa quantidade de força muscular, etc. do trabalhador - dispêndio

no qual ele se esgota. No entanto, o trabalho não é apenas consumido, mas ele passa,

ao mesmo tempo, da forma de atividade àquela de objeto, de repouso, em que ele é

fixado, materializado; modificação inscrita no objeto, ele modifica sua própria

configuração e, de atividade, torna-se ser."65 A modificação que aparece como

modificação do objeto é, também, alteração na ordem do próprio sujeito.

Objetivando-se, por meio da atividade, este último resulta, ele próprio, transformado.

Aquilo que, antes, nele, se configurava apenas como potência, mera possibilidade,

torna-se realidade efetiva.

"No próprio ato da reprodução, não são apenas as condições objetivas que

mudam - por exemplo, o vilarejo torna-se uma cidade, a natureza selvagem, terra

destrinchada, etc. - mas, os produtores também mudam, extraindo de si mesmos

qualidades novas, se desenvolvendo, se transformando a si mesmos por meio da

produção, constituindo forças novas e idéias, novos meios de comunicação, novas

64 Id., tomo I, p.164.65 Id., tomo I, p. 239.

45

Page 46: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

necessidades e uma nova linguagem."66 É na relação que os indivíduos estabelecem

entre si, em sua atividade apropriativa em relação à natureza, que estes mesmos

indivíduos se desenvolvem como seres diferenciados, portadores de capacidades e

potencialidades específicas. Manifestando suas vidas, ou seja, produzindo de uma

determinada forma, vêem se desenvolverem a si mesmos como sujeitos específicos,

determinados - capazes ou não de determinada linguagem, de expressar e desenvolver

determinados sentimentos ou valores, etc. Subjetividade e objetividade configuram-

se, pois, efetivamente, como dois lados de um mesmo ser - diferenças no interior de

uma mesma unidade - que se desenvolve objetivamente por meio da atividade.

Sobretudo, o que é importante apreender, quanto a esta determinação do

trabalho, é que a relação do indivíduo com suas próprias disposições dá-se, para

Marx, exatamente através desta exteriorização, através de sua relação com o mundo

pela atividade. A relação do sujeito com suas capacidades e potências não ocorre no

recesso de uma subjetividade interior, isolada, mas, ao contrário, na relação que ele

estabelece, enquanto sujeito ativo, com o mundo, com as propriedades da

objetividade com a qual ele interage. Relação na qual ele terá ou não realizados seus

fins.

Marx explicita isto numa de suas críticas a Smith: "É verdade que a medida do

trabalho aparece dada pelo exterior, pela finalidade proposta e pelos estorvos que o

trabalho deve suplantar para a sua consecução. Mas, A. Smith, assim, não suspeita

que superar obstáculos possa ser, em si, uma atividade de liberdade e que, por outro

lado, de resto, as finalidades exteriores mantêm, sob uma forma desnudada, a

aparência de uma necessidade natural simplesmente externa, mas são postas como

finalidades que o indivíduo fixa, ele mesmo, de antemão - possa ser, pois, a auto-

66 Id., tomo I, p. 431.

46

Page 47: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

efetivação, a objetivação do sujeito e, por aí mesmo, a liberdade real cuja ação é

precisamente o trabalho."67

Há, para Marx, uma relação intrínseca entre o esforço, o dispêndio de energia

por parte do sujeito e o desenvolvimento de suas capacidades e potencialidades.

Como referimos acima, pelo ato de apropriação da natureza, ele não apenas se

objetiva como, também, se consome: "o indivíduo que desenvolve suas faculdades

produzindo, também as despende, as consome, no ato de produção."68 A produção é,

também, consumo de forças, de vitalidade. Ela só se confirma como objetivação,

como pôr teleológico do sujeito, na relação deste com os obstáculos postos pela

materialidade69. Portanto, um dos aspectos da crítica de Marx a Smith é o fato de que,

para o primeiro, a atividade de superar, na efetividade, obstáculos concretos, reais - o

trabalho - é, em si, uma "atividade de liberdade". É por ela que pode ou não se

verificar a realização dos fins pretendidos pelos indivíduos ativos.

A finalidade e medida do trabalho, os parâmetros que definem a forma e o

conteúdo deste, aparecem como postos pelo exterior, ou seja, como algo que coage

unilateralmente o indivíduo e a que ele deve necessariamente se submeter em sua

ação. Isto se deve, em primeiro lugar, ao fato de que se tratam de finalidade e medida

adequadas, conformes, a uma objetividade efetivamente externa, independente do

indivíduo enquanto tal. Como vimos, tratam-se de fins estabelecidos pelos próprios

67 Id., tomo II, p. 101.68 Id., tomo I, p. 24.69 É importante observar que, ao revelar a produção como sendo, em todos os seus momentos, também consumo, Marx refuta a concepção corrente entre os economistas pela qual a cada momento do processo global da produção - produção stricto sensu, distribuição, troca e consumo - corresponderia um aspecto totalmente distinto e específico. No interior do silogismo estabelecido por tal concepção, o consumo estaria posicionado apenas no final do processo, quando a produção entra como insumo para cada indivíduo singular. A análise de Marx revela, ao contrário, que todos estes momentos - objetivação do sujeito e subjetivação de objetos - estão postos no interior da própria produção, são momentos desta.

47

Page 48: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

sujeitos da ação, os quais devem, porém, para serem efetivados, se adequar à

materialidade a ser trabalhada. Marx revela, no entanto, que o fato de tal teleologia

não ser estabelecida sobre parâmetros exclusivamente ideais, não se mostrar como

finalidade estabelecida única e exclusivamente pela cabeça do sujeito, não anula mas,

antes, confirma o caráter de auto-efetivação do sujeito. Superar obstáculos reais é

precisamente o que constitui a liberdade real. Mesmo porque a necessidade de superá-

los é, na verdade, estabelecida pelos próprios sujeitos da ação. Por meio desta ação -

na qual se estabelece, portanto, uma dialética efetiva entre os objetivos do agente e a

legalidade material que os coage numa certa direção - eles se põem como sujeitos

reais, efetivos, capazes de terem seus fins efetivados.

Desta importante passagem dos Grundrisse, concluímos, assim, que: 1) os

estorvos a serem superados pela ação não são estorvos que recaem inexoravelmente,

do exterior, sobre os sujeitos, mas só se põem como obstáculos ou limites a serem

superados por decisão dos próprios sujeitos; 2) liberdade não significa absoluta

independência ou oposição à materialidade ou natureza externa, mas, ao contrário, é

liberdade real precisamente quando se realiza na ação. Mas, isto não é tudo.

Além das barreiras ou limites externos intrínsecos à atividade sensível, pode

haver, ainda, aqueles postos pela sociabilidade específica em que a mesma se situa.

As condições sociais, o modo como estão organizadas as relações sociais, podem

configurar-se como coações ou limites impostos à atividade humana sensível.

Tratam-se, porém, de constrangimentos estabelecidos, fixados, pela forma

apropriativa vigente em cada formação social específica. São, pois, limites

contingentes, diferentemente daqueles que viemos de referir, os quais são parte

constitutiva, são intrínsecos ao trabalho em geral. Assim, se, nas sociabilidades

48

Page 49: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

primitivas, o indivíduo tinha sua vida ativa contida no interior de uma relação de

dependência imediata tanto com a comunidade, quanto com a natureza, a

sociabilidade moderna circunscreve a atividade sensível dos indivíduos no interior de

limites que lhe são próprios. E desta forma é que Smith vê o trabalho não como

atividade de efetivação do indivíduo mas, ao contrário, como submissão total deste a

condições e finalidades externas e hostis a ele.

Smith confunde, pois, aquilo que Marx distingue: a coação intrínseca ao

trabalho - posta na forma de um auto-controle do sujeito em relação a uma legalidade

dada, objetiva, que opõe àquele limites concretos a serem suplantados, subvertidos -

e, de outro lado, a forma social sob a qual o trabalho se apresenta, ele próprio, como

estorvo ao indivíduo. Segundo Marx, olhando-se apenas o aspecto da negatividade do

trabalho, não se alcança o ser-precisamente-assim - fazendo nossa uma expressão

lukacsiana - desta atividade nem mesmo sob o modo de produção do capital - que,

segundo ele, é o único em que Smith está pensando. Pois, aí também, ele é

positividade, é posição / produção de ser: "Considerar o trabalho unicamente como

sacrifício e como instância que põe valores porque é sacrifício; como preço que é

pago pelos objetos e lhes dá, por sua vez, preço, segundo eles custem mais ou menos

trabalho, é uma determinação puramente negativa. (...) Uma coisa puramente

negativa não produz nada."70

A distinção destas duas formas de limite ou coação é fundamental em Marx.

Como se sabe, trabalho não é, para ele, necessariamente trabalho alienado. Seu

texto releva, a todo momento, considerações que não dizem respeito apenas a uma ou

outra forma histórica assumida pelo trabalho, mas que enfocam suas características

gerais, essenciais. Características, estas, que se, por um lado, não foram plenamente

70 Id., tomo II, p. 102.

49

Page 50: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

realizadas nas formas efetivas assumidas pelo trabalho - precisamente devido às

contradições que as marcam em cada um destes momentos históricos - por outro lado,

encontram-se pontualmente, em maior ou menor grau, subjacentes a todas estas

formas históricas. Continuando a passagem em que critica Smith, Marx diz: "Sem

dúvida, ele tem razão de dizer que o trabalho, em suas formas históricas: escravidão,

servidão, assalariado, aparece sempre como um trabalho repulsivo, como um

trabalho forçado, imposto pelo exterior, frente ao qual o não-trabalho representa a

liberdade e a felicidade. Isto vale duplamente: para este trabalho contraditório e, o

que a ele está ligado, para o trabalho que ainda não se deu as condições, subjetivas e

objetivas, (ou, ainda, que as perdeu em relação ao estado pastoril ou a outros, etc.)

para que o trabalho seja travail attractif, auto-efetivação do indivíduo - o que não

significa, de forma alguma, que ele seja puro prazer, pura diversão, como o pensa

Fourier, com suas concepções ingênuas e suas visões embriagadas. Trabalhos

efetivamente livres - a composição de uma obra musical, por exemplo - requerem

justamente, ao mesmo tempo, uma enorme seriedade e o esforço o mais intenso."71

Assim, mesmo as formas "efetivamente livres" do trabalho não são sinônimas

de entretenimento ou puro prazer, ou seja, não estão livres de limites externos e,

portanto, da atenção e do esforço necessários a toda atividade sensível. Como vimos,

disciplina e esforço são, para Marx, a condição mesmo da auto-efetivação humana.

Como bem o observa Alves: "(...) este momento de negação de si está compreendido

como afirmação de uma necessidade exterior à volição ou à afetividade do indivíduo

ativo. (...) Este preço, a negação de certas dimensões de si, aparece como um tributo

que os indivíduos pagam na exata medida em que se afirmam no mundo."72

71 Id., tomo II, p. 101.72 ALVES, A. L., op. cit., p. 38.

50

Page 51: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

CAPÍTULO II

A ATIVIDADE SENSÍVEL NA SOCIABILIDADE MODERNA

A) CARÁTER UNIVERSAL

Se, para Marx, a sociabilidade é determinação fundamental da vida ativa, não

se trata, porém, digamo-lo novamente, de uma essência única que, de forma imutável,

subsistisse em todas as formas assumidas pela atividade humana. Tal determinação

possui, ao contrário, a forma de relações historicamente suscitadas com o evolver da

atividade sensível dos indivíduos. A sociabilidade é, como vimos no capítulo anterior,

resultado deste processo de apropriação humana do mundo, ela só assume o aspecto

de relações efetivas de interdependência entre os indivíduos sociais com o

desenvolvimento destas formas de apropriação.

Na primígena de tais formas - aquela que tem como pressuposto a relação dos

indivíduos com a terra como seu laboratório natural - tais indivíduos encontram-se no

interior de laços de dependência pessoais. Tratam-se de sociabilidades nas quais não

se tem desenvolvida a independência relativa dos indivíduos, ou seja, em que estes

não se constituem efetivamente como indivíduos, mas são meros elementos, elos

naturais, do todo social ao qual pertencem. Os laços de dependência do indivíduo, aí,

são tanto em relação a este todo como, enquanto membro do todo, em relação às

condições naturais de produção sobre as quais este último se sustenta. Tratam-se de

relações naturais de dependência, que não têm como base o desenvolvimento ou a

51

Page 52: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

produção humana enquanto tal, mas que são, ao contrário, pressupostas à produção:

"essa relação ao terreno - à terra considerada como propriedade do indivíduo que

trabalha - passa por uma mediação: o indivíduo não aparece a priori como simples

indivíduo trabalhando, nesta abstração, mas ele tem, por sua propriedade da terra, um

modo objetivo de existência pressuposto a sua atividade e que não aparece como um

simples resultado desta última, mas é, igualmente, um pressuposto de sua atividade

(...). Sua relação com a terra passa, pois, também pela mediação da existência natural

(mais ou menos desenvolvida historicamente, mais ou menos modificada) do

indivíduo enquanto membro de uma comuna; de sua existência natural enquanto

membro de uma tribo, etc. Um indivíduo isolado não poderia ser proprietário de uma

terra, não mais que falar."73

Tal aspecto diz respeito não apenas a estas formações sociais com base na

propriedade fundiária, mas encontra-se, em maior ou menor grau, difundido em todas

as demais formas de apropriação que antecedem aquela da modernidade. Em todas

estas formações sociais tem-se a dependência do indivíduo ativo em relação a

determinado grupo ou pessoa como pressuposto básico da atividade. Os trabalhadores

têm, de um lado, uma relação de proprietário ou possuidor com suas condições

objetivas de trabalho, relaciona-se com estas - em parte ou em sua totalidade, a

depender da forma histórica assumida por sua atividade - como sendo suas. E, em

contrapartida e como condição mesmo de sua relação de apropriação com as

condições inorgânicas de produção, pertencem, eles próprios, a uma determinada

comunidade ou chefe. Encontram-se, sob diversas formas, inseridos numa relação de

dependência pessoal. Relações, estas, que - tanto no que diz respeito às condições

objetivas de trabalho, quanto aos vínculos pessoais - embora mantidas e mesmo

73 MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), tomo I, p. 422

52

Page 53: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

desenvolvidas pela atividade, se posicionam como condições que subjazem, que

precedem a atividade e não como relações que dela resultam. "As formas primitivas

da propriedade reduzem-se necessariamente na relação com os diferentes momentos

objetivos que condicionam a produção enquanto objetos de propriedade; eles tanto

formam a base econômica de diferentes formas de comunidade, como têm, por seu

lado, como pressuposto, formas determinadas de comunidade."74

Do progressivo desenvolvimento pelo homem de seus próprios meios de

produção, resulta, porém, que a própria comunidade - suas inter-relações enquanto

indivíduo social - passa a ser, também ela, engendrada, produzida e não mais

comunidade natural, com fulcro em laços de consangüinidade ou autoridade. Como

vimos no capítulo anterior, o homem apenas parte de condições não postas por ele -

"Apenas começa-se a trabalhar a partir de uma certa base inicialmente natural, a qual

torna-se, porém, em seguida, um dado histórico."75. Na medida mesmo em que

começa a produzir - ou seja, já nos primeiros momentos de sua existência enquanto

caçador ou na própria coleta de frutos - aciona, com sua produção, um processo que

dará origem à criação de suas próprias condições de produção. Processo, este, que

consiste em alterar a ordem de todo o multiverso sensível e, portanto, da totalidade

das determinações da existência humano-societária. "Dado que o instrumento, ele

próprio, é já produto do trabalho, portanto, que o elemento que constitui a

propriedade é já posto pelo trabalho, a comunidade não pode mais aparecer, aqui, sob

sua forma natural, como no primeiro caso (a comunidade sobre a qual está fundado

este tipo de propriedade), mas enquanto comunidade ela própria já produzida,

engendrada, segunda - já produzida pelo próprio trabalhador."76

74 Id., tomo I, p. 43875 Id., tomo I, p. 43476 Id., tomo I, p. 437.

53

Page 54: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

A produção com base na propriedade privada é o desenvolvimento deste

processo propulsionado, sobretudo, pelo desenvolvimento artesanal e urbano do

trabalho - o qual é, porém, elevado a processo de desenvolvimento universal de forças

objetivas e subjetivas e não mais desenvolvimento adstringido de habilidades do

produtor enquanto sujeito singular. As relações engendradas com a forma moderna da

produção implicam não "uma supressão das 'relações de dependência', elas são, aliás,

apenas a resolução destas mesmas relações em uma forma universal; elas são, ao

contrário, a elaboração do fundamento universal das relações pessoais de

dependência."77

A sociabilidade do capital tem como característica fundamental o

engendramento de relações multilaterais de dependência entre os indivíduos através

de uma produção voltada exclusivamente para a troca. Relações estas que são, de um

lado, produto exclusivo do ato de produção e, em decorrência, um produto cada vez

mais universal ou geral na medida em que não possui como limites formas naturais

ou pré-estabelecidas, mas se fundamenta exclusivamente sobre si mesmo enquanto

processo que põe suas próprias condições. Vejamos, pois, inicialmente, o primeiro

destes aspectos.

"No mundo moderno, as relações pessoais surgem como uma simples

emanação das relações de produção e de troca"78 e não mais - como nas formas

anteriores de propriedade - as relações de produção como derivadas das

relações pessoais. A produção é, agora, central, é ela que determina as demais

relações dos indivíduos. As relações pessoais - ou melhor, o que eram, antes, laços

pessoais - são, agora, relações sociais; têm como mediação as relações de produção e

77 Id., tomo I, p. 100.78 Id., tomo I, p. 101.

54

Page 55: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

de troca. Não se tratam de laços unilaterais de dependência, mas de relações

múltiplas, de laços de interdependência necessariamente estabelecidos pelos

indivíduos, ou seja, no interior e apenas no interior dos quais os indivíduos se

reproduzem. É a atividade produtiva, ela própria, que coloca os indivíduos em relação

uns com os outros e não, ao contrário, os indivíduos já dependentes de determinado

grupo ou senhor que, apenas e exclusivamente nesta condição, se poriam em

condições de produzir. "Para que todos os produtos e atividades se reduzam a valores

de troca é necessário que todas as relações fixas (históricas) - as relações de

dependência pessoal - se reduzam à produção, bem como a dependência multilateral

dos produtores entre eles. A produção de cada indivíduo singular é dependente da

produção de todos os outros, assim como a transformação de seu produto em meios

de subsistência para si mesmo tornou-se dependente do consumo de todos os

outros."79

Na modernidade, a produção é posta sob a égide do valor de troca. O que

predomina é não a produção voltada para atender às necessidades do indivíduo

produtor ou de sua família, mas aquela que tem em vista precisamente a superação

destas. A mais-valia, do lado do capital, ou mais-trabalho, do lado do trabalhador, é,

como o diz Marx, o grande fato histórico do capital na medida em que ele é a

existência necessária deste mais-trabalho. Sob esta forma, a produção tem como

objetivo não mais a subsistência ou outro limite qualquer baseado no valor de uso.

Trata-se de um trabalho voltado para uma produção que supere as simples

necessidades do trabalhador singular, para uma produção de excedente - o qual acaba

por se transformar em necessidade universal. O capital - apreendido, de forma

79 Id., tomo I, p. 91.

55

Page 56: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

sumaríssima, aqui, como "dinheiro que se produz a si mesmo"80 ou valor que gera

valor - constitui a base de uma produção sem limite, de uma produção universal, que

só tem a si mesma como limite. Nas palavras de Marx, "O capital, enquanto

representa a forma universal da riqueza, o dinheiro, é a tendência sem limites, nem

medida, a ultrapassar seu próprio limite. Todo limite é e só pode ser limitado por

ele."81 Os limites da forma social moderna são aqueles postos pela produção mesma e

não mais parâmetros pré-estabelecidos, pré-existentes. Tratam-se de limites

genuinamente sociais, postos e renovados exclusivamente pelas relações que os

indivíduos estabelecem entre si no evolver de sua atividade vital.

A sociabilidade moderna tem como ponto de partida precisamente a liberação

do homem em relação às suas condições objetivas de ação, bem como em relação aos

laços sociais aos quais o indivíduo estava submetido e reduzido a meio para a

realização de fins que lhe eram externos. Nesta nova formação social, o indivíduo e

sua atividade têm frente a si tais condições e não estão a elas submetidos numa

determinação natural. Os indivíduos ativos não são mais apenas um elemento dentre

outros da produção material mas, ao contrário, tornam-se fim em si desta atividade. É,

portanto, uma forma de atividade através da qual ocorre a criação de nexos sociais

efetivos, livres de toda determinação natural e, por conseguinte, a possibilidade de

ligações efetivas mais amplas entre os indivíduos, de modos de interdependência mais

desenvolvidos. Daí porque, para Marx, a sociabilidade moderna, dada pela nova

forma alcançada pela atividade sensível, é aquela na qual as relações entre os

indivíduos atingem uma universalidade até então desconhecida. Universalidade

80 Id., tomo I, p. 273.81 Idem

56

Page 57: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

entendida, porém, "não como universalidade pensada ou imaginada, mas como

universalidade de suas relações reais e ideais".82

A forma de produção do capital possui como característica própria uma

preponderância da troca sobre todas as relações de produção. A dependência

recíproca entre os indivíduos é expressa na necessidade constante da troca e do valor

de troca como mediador das relações entre eles e as determinações de seu trabalho.

Esta preponderância da troca sobre as demais relações possui, segundo Marx, dois

aspectos; sendo, o primeiro deles, o fato de que: "é apenas no valor de troca que a

atividade própria de cada indivíduo ou seu produto tornam-se uma atividade e um

produto para ele."83

Embora, nesta forma social, o indivíduo pareça encontrar-se livre e

independente em relação aos demais indivíduos singulares - já que "os laços de

dependência pessoal, as diferenças do sangue, as diferenças de cultura, etc. são, na

verdade, rompidos, dilacerados"84 e o trabalho do indivíduo singular é posto como

trabalho autônomo, independente dos demais - esta independência é, segundo Marx,

82 Id., tomo II, p. 34.83 Id., tomo I, p. 92.84 Id., tomo I, p. 100

57

Page 58: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

mera "ilusão". Os indivíduos são, aí, indiferentes entre si mas, de forma

alguma, independentes. A conexão social tendo tomado a forma de uma conexão

entre valores de troca ou, mais precisamente, a forma do dinheiro, não se trata de uma

independência do indivíduo singular em relação ao todo social mas, sim, que esta

dependência recíproca dos indivíduos produtores e de sua produção entre si é posta

como algo externo e abstrato em relação aos indivíduos singulares - como o veremos

na próxima seção. Nas palavras de Marx: "esta relação objetiva de dependência, esta

relação de coisas, não é outra coisa senão o conjunto das relações sociais que fazem

face, de forma autônoma, aos indivíduos aparentemente independentes, isto é, o

conjunto de suas relações de produção recíprocas, promovidas à autonomia face a

eles mesmos."85

Na realidade, a produção é, aqui, efetivamente uma produção social. Não

apenas a troca enquanto momento específico - isto é, enquanto circulação de

mercadorias - traz em si o aspecto da reciprocidade, como tal aspecto resulta de

determinações postas pela produção stricto sensu. A produção é já em si mesma uma

produção social, muito embora o seja apenas em si e não para si, isto é, muito

embora, aos indivíduos singulares, esta conexão só apareça na troca, já que, como o

veremos, eles não têm o controle sobre tal produção enquanto indivíduos sociais e

estão postos como indivíduos isolados e submissos ao processo como um todo. O

mundo das mercadorias - que, na sociedade capitalista, se apresenta como sendo o

próprio mundo das coisas, o mundo real - tem, no entanto, como fundamento, como

base de si mesmo, relações de produção. Não se trata de simples troca entre coisas. A

troca entre mercadorias é um aspecto ou uma forma do processo social de produção -

aquele que é mais visível, que aparece à superfície. "A circulação, que aparece, pois,

85 Idem.

58

Page 59: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

como dado imediato à superfície da sociedade burguesa, existe apenas na medida em

que ela é, sem cessar, mediatizada. Considerada nela mesma, ela é a mediação de dois

extremos pressupostos. Mas, não é ela que põe estes extremos."86

O trabalho é, aqui, "universalmente produtor de valores de troca". Não se trata

mais, como na idade média, do trabalho como privilégio, voltado ao atendimento de

determinadas necessidades, "realizado com vistas a uma comunidade que se apresenta

como uma entidade superior (corporações)" 87. Ele deixa de ser trabalho para

determinado grupo, deixa de ser trabalho particular, para tornar-se trabalho produtor

de objetividade social. O segundo aspecto, portanto, deste modo de produção calcado

sobre a troca de valores de troca é o de que a atividade e seu produto não estão mais

ligados a uma forma determinada. Sendo, ambos, valores de troca, são "algo universal

no qual é negada e apagada toda individualidade, toda propriedade particular."88

O trabalho assalariado, que é a base universal deste modo de produção, ou

seja, o trabalho que é, em si mesmo, valor de troca, é aquele que também produz

valor de troca, isto é, riqueza universal: “A indústria universal só é possível lá onde

qualquer trabalho produz a riqueza universal (...) e, portanto, lá onde o salário do

indivíduo é dinheiro”89. A indústria universal, a universalidade das relações reais,

significa precisamente a liberação da atividade com relação a suas formas

particulares. O dinheiro – que, enquanto equivalente geral, ou seja, mercadoria à qual

os produtos do trabalho, enquanto mercadorias particulares, são equiparados antes de

serem trocados e que, com o desenvolvimento social, torna-se autônoma frente a tais

mercadorias específicas - é que vem a ser a comunidade, as relações sociais, que,

86 Id., tomo I, p. 19587 Id., tomo I, p. 18588 Id., tomo I, p. 9289 Id, tomo I, p. 62.

59

Page 60: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

nesta sociabilidade, possuem um aspecto ampliado, universal. O dinheiro é

precisamente a forma universal da riqueza. E é apenas nele que, segundo Marx, a

riqueza deixa de ser somente uma forma para ser o próprio conteúdo. Nele, “o

conceito de riqueza é, por assim dizer, realizado, ‘individualizado’ em um objeto

particular”. Ou seja, deixa de ser apenas forma ideal, não efetivada - como quando tal

riqueza está posta apenas nas coisas particulares: “na medida em que a mercadoria

tem um valor de uso determinado, ela representa apenas um aspecto bem

singularizado da riqueza” 90.

Nesta formação social, portanto, a universalidade das relações entre os

indivíduos ativos e entre os resultados objetivos de sua atividade alcança uma

efetividade real. Mas, para Marx, tal universalidade da riqueza em sua forma concreta

não se realiza plenamente nesta sociabilidade na medida em que esta riqueza

universal encontra-se, aí, estranhada em relação aos indivíduos particulares.

B) PRODUÇÃO SOB A FORMA DO ESTRANHAMENTO

A produção efetiva-se, assim, como produção sob a forma de reciprocidade,

de relações de interdependência entre os indivíduos produtores. No entanto, esta

reciprocidade, a posição de si como meio para outro tendo em vista a realização de

seu próprio fim ou a posição do outro como meio para si apenas enquanto este outro

assim também se realiza como fim para si mesmo - "O indivíduo A serve à

necessidade do indivíduo B por meio da mercadoria a apenas na medida em que e

porque o indivíduo B serve à necessidade do indivíduo A por meio da mercadoria b e

vice-versa. Cada um serve ao outro para se servir a si mesmo; cada um se serve do

90 Id., tomo I, p. 159.

60

Page 61: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

outro reciprocamente como de seu meio."91 - esta relação social, tornada efetiva e

necessária, não se apresenta a cada um dos indivíduos singulares enquanto tal. Os

indivíduos encontram-se, contraditoriamente, postos, aí, como indiferentes uns em

relação aos outros e voltados, cada qual, exclusivamente para seus interesses

egoístas: "(...) esta reciprocidade é um fato necessário, pressuposto como condição

natural da troca, mas (...) ela é, enquanto tal, indiferente a cada um dos dois sujeitos

da troca e (...) esta reciprocidade tem interesse para ele apenas na medida em que ela

satisfaz seu interesse enquanto, este, exclui aquele do outro e não o leva em conta. O

que quer dizer que o interesse coletivo - que aparece como motivo do ato de conjunto

- é, certo, reconhecido, pelas duas partes, como um fato, mas não é, enquanto tal,

motivo; faz, por assim dizer, seu caminho às costas dos interesses particulares

refletidos sobre si mesmos, às costas do interesse individual que se opõe àquele de

outro."92

Este modo de produção - produção sob a forma da troca - é, portanto, aquele

que realiza efetivamente a atividade sensível como atividade social, mas que o faz de

forma estranhada em relação aos indivíduos singulares, às suas costas - como o

expressa Marx. E esta é a segunda característica mais geral da atividade sensível na

sociabilidade moderna, qual seja: a objetividade social dela resultante confronta-se-

lhe, ou seja, termina por ganhar uma força que se defronta com os próprios

indivíduos enquanto potência que lhes é estranha. Isto porque, tanto a objetividade

resultante, quanto a própria atividade enquanto tal, apenas adquirem este caráter

social ou de universalidade ao se submeterem a uma relação de troca que lhes é

exterior, ou seja, que independe do trabalho individual.

91 Id., tomo I, p. 18592 Idem

61

Page 62: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

O trabalho do indivíduo não é imediatamente trabalho social, assim como seu

produto também não é imediatamente um produto universal. Ao contrário,

imediatamente o trabalho do indivíduo singular é trabalho autônomo, independente

dos demais. A troca é o médium que permite sua participação à produção universal.

Seu trabalho compra imediatamente o produto - "o objeto de sua atividade particular"

- mas compra apenas este produto determinado, particular; "seu tempo de trabalho

particular não pode ser trocado imediatamente por qualquer outro tempo de trabalho

particular; a trocabilidade universal deste tempo de trabalho deve, primeiro, ser

mediatizada, tomar uma forma de objeto diferente dele para que ele acesse esta

trocabilidade universal."93

Na modernidade, a produção só se efetiva como produção para o indivíduo

ativo singular quando assume a forma universal do valor de troca, como referimos, "é

apenas no valor de troca que a atividade própria de cada indivíduo singular ou seu

produto tornam-se uma atividade e um produto para ele."94 A atividade só é efetivada

por um ato de perda, de alienação, isto é, de troca; apenas quando transformada em

algo distinto dela própria. Troca esta que se põe, como veremos, no próprio ato da

produção e não apenas na circulação de mercadorias enquanto tal. "O caráter social

da atividade, a forma social do produto, bem como a parte que o indivíduo toma na

produção, aparecem, aqui [no dinheiro], frente aos indivíduos, como algo estranho

(Fremdes), como coisa objetiva (Sachliches); não como seu comportamento

recíproco, mas como submissão a relações existentes independente deles e nascidas

dos embates dos indivíduos indiferentes entre si. A troca universal das atividades e

produtos torna-se condição vital para todo indivíduo singular, sua conexão recíproca

93 Id., tomo I, p. 10894 Id., tomo I, p. 92

62

Page 63: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

lhes aparece como estranha, independente, como uma coisa. No valor de troca, a

relação social é transformada em relação de coisas”95.

A atividade característica da formação social capitalista é fundamentalmente,

portanto, atividade estranhada. Suas condições objetivas e, portanto, também, seu

resultado, estão não apenas cindidos em relação aos indivíduos, numa relação de

exterioridade, mas, também, de oposição. Os indivíduos e suas atividades encontram-

se subordinados às determinações do valor, nas palavras de Alves, "passam a ter

plena existência apenas na medida em que se coloquem como momento deste

processo de produção e troca de valores”96. As determinações materiais resultantes de

sua objetivação ativa e esta mesma objetivação enquanto processo estão subsumidas,

todas, à formatação própria do valor. Estão subsumidas a uma universalidade ou

generalidade objetiva que subsiste por si, fora delas enquanto determinações e

atividades de indivíduos singulares.

A produção sob a forma moderna possui, assim, estes dois aspectos

contraditórios: ao mesmo tempo em que universaliza a atividade dos indivíduos, em

que a coloca numa relação de dependência recíproca, ela, por outro lado, não conclui

efetivamente esta transformação já que o aspecto social ou universal desta atividade

situa-se estranhado com relação aos indivíduos ativos efetivos, em outras palavras, já

que o resultado de suas próprias atividades – a riqueza universal concretamente posta

– não é imediatamente um resultado para eles. Os indivíduos produtores não são, aí,

indivíduos sociais genéricos que possuem poder efetivo sobre sua produção

universal. Sua dependência multilateral e recíproca é, ao mesmo tempo, "o

isolamento completo de seus interesses privados."97 A produção efetiva-se pela cisão

95 Id., Tomo I, p. 93 e 94.96 ALVES, A. L., op. cit., p. 99.97 MARX, K., Manuscrit de 1857-58 (“Grundrisse”), tomo I, p. 94

63

Page 64: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

concreta, real, de suas determinações universais em relação às particulares. Cisão,

esta, que possui sua forma primígena na contradição da mercadoria particular com o

valor de troca enquanto existência singular, ou seja, enquanto forma universal do

dinheiro.

Quanto a este ponto, é importante observar, mesmo que de forma sucinta, a

gênese do dinheiro, reiterada várias vezes por Marx. É de necessidades engendradas

pela produção que tem origem a troca e de necessidades próprias a esta última, que

tem origem o valor de troca e, portanto, o dinheiro. E não o contrário: "Não é o

dinheiro que suscita estas oposições e estas contradições mas, ao contrário, é o

desenvolvimento destas contradições e destas oposições que suscita o poder

aparentemente transcendental do dinheiro."98 O dinheiro, assim como a troca que lhe

suscita, é resultado de necessidades engendradas no interior do processo de

produção. Ele não é senão resultado de contradições postas pelo e no evolver

histórico deste último. Na medida mesmo em que progride o caráter social da

produção, em que esta última se desenvolve cada vez mais enquanto relação social

não mais submetida a qualquer forma pré-estabelecida, amplia-se também o poder do

dinheiro: o poder das mercadorias colocadas enquanto terceiro elemento, enquanto

valor de troca tornado autônomo. "A relação de troca se fixa enquanto poder externo

em relação aos produtores e independente deles"99, ganha uma força que submete os

indivíduos produtores a ela. É ela que passa a dirigir, a dar forma `a produção. "O

98 Id., tomo I, p. 8199 Idem

64

Page 65: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

produto torna-se mercadoria; a mercadoria torna-se valor de troca; o valor de

troca da mercadoria é sua qualidade monetária imanente; esta qualidade monetária se

destaca dela enquanto dinheiro, adquire uma existência social universal, distinta de

todas as mercadorias particulares e de seu modo de existência natural. A relação do

produto a si mesmo enquanto valor de troca torna-se sua relação a um dinheiro que

existe ao lado dele ou, ainda, relação de todos os produtos ao dinheiro que existe fora

de todos eles. Assim como a troca efetiva dos produtos engendra o valor de troca

deles, assim também o valor de troca deles engendra o dinheiro."100

A contradição entre a forma particular da mercadoria e sua forma universal

coloca-se, pois, de imediato, ou seja, no momento mesmo da cisão entre a mercadoria

e seu valor de troca ou, o que vem a ser o mesmo, no momento mesmo do surgimento

do valor de troca como existência efetiva, como "coisa exterior ao lado da

mercadoria"101. Pois, esta cisão implica em que "estas duas formas de existência da

mercadoria não sejam conversíveis uma na outra (...). Desde que o dinheiro é uma

coisa exterior ao lado da mercadoria, a trocabilidade da mercadoria por dinheiro está

também ligada a condições externas, que podem intervir ou não; está submetida a

condições externas"102, a condições que não dizem respeito à mercadoria enquanto

existência particular, não dependem de suas propriedades naturais.

A forma universal ou valor de troca é a mercadoria enquanto relação social,

são suas propriedades sociais, não naturais. O valor de troca da mercadoria é a

expressão de sua trocabilidade por qualquer outra mercadoria. No capital, o trabalho

universal, esta propriedade social do trabalho, aparece apenas no valor de troca. O

100 Ibidem101 Id., tomo I, p. 82102 Idem

65

Page 66: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

valor de troca é a determinação principal da mercadoria, é aquela que

representa trabalho universal, o trabalho enquanto tal. Daí porque Marx diz que

trabalho universal, neste modo de produção, é "trabalho apenas privado transmitido à

coletividade"103 e, portanto, trabalho universal apenas em si, em potência; trabalho

universal abstrato, realizado apenas parcialmente como trabalho universal: apenas na

troca.

Esta cisão entre as determinações universais ou sociais do trabalho e aquelas

particulares diz, portanto, respeito não apenas à relação do trabalho enquanto trabalho

objetivado, ou seja, à relação entre as mercadorias mas, também, à relação do

indivíduo ativo com sua própria produção. Esta última encontra-se parcialmente

incluída naquela primeira na medida em que a relação do trabalhador com sua

atividade, nesta forma social da produção, é também uma relação de troca - muito

embora, como será visto, não se trate, aqui, de uma troca de equivalentes. O

trabalhador oferece, em troca do quantum de mercadorias necessário à reposição de

sua força de trabalho, o uso desta última durante certo período de tempo. Troca, esta,

também intermediada pelo dinheiro. Mas, a cisão ou contradição aparece, aqui, de

forma ainda mais clara na medida em que não apenas a atividade do indivíduo só se

torna atividade para ele quando transformada, como vimos, na forma universal do

dinheiro, como também sua relação ou poder social - ou seja, sua relação com a

atividade ou o produto dos outros - se expressa de forma cindida, como propriedade

de algo que lhe é externo. O meio de troca é quem possui o poder sobre todas as

atividades e bens. Como vimos, é ele quem possui a força social. Todo este rico

evolver da produtividade humana - com tudo o que ele implica em desenvolvimento

objetivo e subjetivo - é propriedade apenas do dinheiro. Apenas o dinheiro é capaz de

103 Id., tomo I, p. 154

66

Page 67: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

dele se apropriar, apenas ele tem este poder consigo. "O poder que todo indivíduo

exerce sobre a atividade dos outros ou sobre as riquezas sociais existe, nele, enquanto

ele possui valores de troca, dinheiro. Seu poder social, bem como sua conexão com a

sociedade, ele os traz consigo em seu bolso."104 A relação do indivíduo tanto com sua

própria produção, quanto com a produção alheia - objetivada ou não - é relação ou

poder do indivíduo apenas enquanto mediada pelo dinheiro.

A produção não consiste, porém, aqui, num processo de troca simples - como

a entendem, segundo Marx, os socialistas - nem tampouco no que ele chama de

processo de produção simples ou produção material. Esta última subjaz, bem

entendido, todo o processo. A produção, no capital, pressupõe, como toda forma

social de produção, aquelas determinações gerais: o instrumento, como algo que faz a

mediação entre o sujeito ativo e os fins por ele almejados; o trabalho, como atividade

adaptada a um fim e o material sobre o qual ele se realiza. Instrumento, trabalho e

matéria são, também, elementos ou componentes do valor do capital - pois, como

veremos à frente, "do ponto de vista da forma, o capital não consiste em objetos de

trabalho e em trabalho, mas em valores"105 e, enquanto valores, suas respectivas

substâncias, bem como aquela substância alterada que consiste no produto, lhes são

indiferentes. O que não significa, porém, que tal processo de transformação material

não ocorra aqui. Ao contrário, ele não apenas está pressuposto, como "O processo de

valorização do capital efetua-se pelo e no processo de produção simples - no fato de

que o trabalho vivo, nele, é posto em sua relação natural com seus momentos

materiais de existência"106.

104 Id., tomo I, p. 92105 Id., tomo I, p. 251106 Id., tomo I, p. 304

67

Page 68: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

Mas, para além desta propriedade do trabalho que Marx chama, aqui, de

'natural', de conservar e mesmo objetivar ainda mais tempo de trabalho em seus

momentos objetivos; para além deste primeiro aspecto da relação intrínseca e

necessária da produção simples com o processo de valorização, é preciso atentar que

a produção material ou simples subsiste, também, em todos os seus aspectos gerais de

produção de valor de uso. O material recebe, pela transformação sofrida com o

trabalho, "um valor de uso superior àquele que ele possuía antes."107 A atividade ainda

é atividade sensível e confirma-se também, aqui, como sendo atividade de impressão

de forma nova, de criação de objetividades adaptadas a fins humanos. Para Marx, o

valor de uso - embora esteja posto como determinação secundária, subjugada pelo

valor de troca - não deixa de subsistir como determinação material sobre a qual se

sustenta a relação econômica específica da modernidade. O valor de uso não deixa de

subsistir na mercadoria, mas passa a ser valor de uso para outros. O que passa a

interessar é não o valor de uso que a mercadoria tem para o indivíduo produtor,

mas seu valor de uso para a sociedade. Mudança esta que não implica, de forma

alguma, porém, um atestado de óbito ao valor de uso, sua colocação como simples

base sem importância. Muito embora ele deixe de existir no produto, ou melhor, na

mercadoria - na medida em que o produto não é mais posto como produto, mas como

mercadoria - enquanto valor de uso para o indivíduo ativo, ele não apenas está sempre

presente: " já vimos que a diferença entre valor de uso e valor de troca faz parte da

própria economia e que, contrariamente ao que faz Ricardo, o valor de uso não se

encontra morto como simples pressuposto"108, como constitui-se, como pode ser visto

ao longo deste capítulo, em todos os momentos deste modo de produção, num ponto

107 Id., tomo I, p. 250108 Id., tomo I, p. 259

68

Page 69: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

de tensão fundamental. "Embora imediatamente reunidos na mercadoria, valor de uso

e valor de troca se dissociam de forma também imediata. Não apenas o valor de troca

não aparece determinado pelo valor de uso, como também, ao contrário, a mercadoria

só se torna mercadoria, só se realiza enquanto valor de troca na medida em que aquele

que a possui não se relaciona com ela como um valor de uso. É apenas alienando-os,

trocando-os por outras mercadorias, que ele se apropria dos valores de uso. A

apropriação pela alienação é a forma fundamental do sistema social de produção cujo

valor de troca se apresenta como a expressão mais simples e mais abstrata. O valor de

uso da mercadoria é, certo, pressuposto, mas não por seu proprietário: ele o é apenas

para a sociedade em geral."109

Como dizíamos anteriormente, a produção sob sua forma moderna não

consiste nem em um processo de troca simples nem, por outro lado, exclusivamente

no que Marx chama de produção material. A esta última se sobrepõe o processo de

valorização, a determinação formal, ou seja, aquilo que constitui precisamente a

forma determinada deste modo de produção. É preciso dilucidar melhor, portanto, a

categoria que perfaz a espinha dorsal da forma moderna da produção: o valor.

Para tanto, partamos da determinação mais simples do valor de troca, o qual -

assim como o valor - é, antes de mais nada, "produto do trabalho, é tempo de trabalho

objetivado, materializado."110 Se, na circulação simples, o valor de troca das

mercadorias encontra-se numa relação de estranhamento com relação às mercadorias

109 Id., tomo II, p. 376110 Id., tomo I, p. 204

69

Page 70: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

mesmas, ou seja, encontra-se sob a forma dinheiro; da mesma maneira, sob a

forma de capital - ou seja, de valor reinserido no processo como condição objetiva de

produção e que se põe de forma independente frente ao trabalhador - relaciona-se, ele,

com o trabalho vivo, com o trabalho enquanto valor de uso. "Se, na moeda, o valor de

troca - isto é, todas as relações das mercadorias enquanto valores de troca - aparece

como uma coisa, o mesmo acontece, no capital, com todas as determinações da

atividade criadora de valores de troca, com o trabalho."111 Pois, o capital não é a

simples circulação de dinheiro, não é apenas moeda. Esta é apenas uma de suas

formas e, como vimos, aquela que se apresenta à superfície ou na qual ele ainda não

se tornou a base da produção, mas é apenas capital comercial. Por outro lado, o

capital também não é apenas trabalho objetivado que serve de base a uma nova

produção, como o concebe Ricardo: "Quando se diz que o capital 'é trabalho

acumulado (realizado) (melhor dizendo, trabalho objetivado) que serve de meio a um

trabalho novo (produção)', se considera apenas a matéria do capital, fazendo

abstração da determinação formal sem a qual ele não é capital."112 Se o capital é

trabalho objetivado, isto é apenas uma de suas determinações - não menor, mas que

deve ser analisada no interior do processo de valorização e, portanto, no interior

da determinação pela qual ele é uma relação social determinada: "A diferença entre

produto e capital é justamente que o produto tomado enquanto capital exprime uma

relação característica de uma certa forma histórica de sociedade."113

O produto do trabalho só é valor de troca sob certas condições sociais: aquelas

pelas quais o trabalhador encontra-se separado de suas condições de trabalho e que,

111 Id., tomo I, p. 194112 Id., tomo I, p. 197113 Id., tomo I, p. 205

70

Page 71: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

por outro lado, o produto de seu trabalho não tem nenhum valor para ele, mas

possui apenas um valor para outros, um valor de troca. O modo de produção do

capital possui como pressuposto ontológico - como pressuposto que se põe como

condição histórica fundamental de seu surgimento, mas que permanece

necessariamente presente, isto é, que constitui o ser-precisamente-assim deste modo

de produção - a existência cindida do trabalho vivo em relação a suas condições

objetivas de efetivação ou, o que é o mesmo, a existência meramente subjetiva da

potência de trabalho. Nas formas anteriores de produção e, portanto, de apropriação, o

trabalhador possuía, em geral, uma relação de propriedade com tais condições,

relacionava-se com elas como constituindo parte de si mesmo: "Propriedade

significa, pois, na origem (e, isto, sob sua forma asiática, eslava, antiga, germânica)

que o sujeito que trabalha (que produz) (ou se reproduz) se relaciona com as

condições de sua produção ou de sua reprodução como com condições que são as

suas. A propriedade terá, portanto, também, formas diferentes segundo as condições

desta produção. A produção, ela mesma, tem por objetivo a reprodução do produtor

em e com suas próprias condições objetivas de existência."114 A existência do

trabalhador, nestas formações sociais, possui, assim, a forma de uma existência

objetiva, que se põe juntamente com a reprodução de suas condições inorgânicas de

atividade - na maioria dos casos; ou que se põe como existência meramente objetiva,

como existência ou condição, ela própria, inorgânica da produção - nos regimes de

escravidão ou servidão.

Mas, em todos estes casos, a reprodução do indivíduo que trabalha é posta

como reprodução "em e com suas próprias condições objetivas de existência". Tais

formas de produção pressupõem, portanto, a apropriação efetiva e prévia à própria

114 Id., tomo I, p. 433

71

Page 72: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

produção, pelo trabalhador, de suas condições de produção - seja destas sob a forma

de laboratório natural, isto é, sob a forma da terra, que representava, nos diferentes

tipos de propriedade fundiária, em si mesma todas as condições inorgânicas

necessárias à produção; seja na forma do instrumento, no trabalho artesanal urbano;

seja sob a forma de meios de subsistência, a qual subsiste em todas estas formas de

apropriação, inclusive na escravidão e na servidão.

"O comportamento do trabalho em relação ao capital, ou às condições

objetivas do trabalho enquanto capital, pressupõe um processo histórico que dissolve

as diferentes formas nas quais o trabalhador é proprietário ou o proprietário,

trabalhador."115 A relação do trabalhador com suas condições objetivas de trabalho

enquanto capital, ou seja, enquanto valor autônomo frente a ele, pressupõe, pois, a

dissolução de todas estas formas anteriores de propriedade. As condições históricas

pré-burguesas foram condições que conduziram progressivamente a esta separação

onde o trabalhador - posto como trabalhador livre - será totalmente desprovido de

suas condições de produção. "No capital, a associação dos operários não é obtida pela

coação da violência física direta, do trabalho forçado, das corvéias, da escravidão,

mas por esta outra coação que se apoia no fato de que as condições da produção

sejam propriedade de outrem e estejam presentes, elas próprias, como associação

objetiva - que é a mesma coisa que a acumulação e a concentração das condições de

produção."116

O modo de produção burguês tem suas formas iniciais com o desenvolvimento

do comércio, da troca. Esta, no entanto, não é suficiente para fazer surgir o capital.

Para que este surja enquanto tal - enquanto valor auto-subsistente, posto pela mas,

115 Id., tomo I, p. 434116 Id., tomo II, p. 81

72

Page 73: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

também, pressuposto à circulação - todo um processo sócio-histórico é pressuposto.

Processo, este, que consiste no progressivo afastamento do produtor em relação a suas

condições de produção, de um lado e, de outro lado, na existência destas condições

objetivas de produção como apropriáveis pelo dinheiro, isto é, como condições não

mais atadas àqueles que com elas trabalham. Da mesma forma que os indivíduos

encontram-se "potencialmente" livres de suas condições de produção e dos laços

políticos que os ligava a elas, também estas encontram-se, agora, como "fundo livre"

frente a tais indivíduos ativos: "elas só fazem face a estes indivíduos separados e

privados de propriedade sob a forma de valores, de valores fielmente ligados a si

mesmos. O mesmo processo que opõe a massa, isto é, os trabalhadores livres às

condições objetivas do trabalho opôs, igualmente, aos trabalhadores livres estas

mesmas condições sob a forma de capital."117

A acumulação primitiva não se dá pelo simples meio da troca de equivalentes.

O dinheiro acumulado através desta não se põe como riqueza a ponto de se

transformar em condições de produção: "Vimos que o dinheiro pode se acumular

parcialmente pelo simples meio da troca de equivalentes; no entanto, isto constitui

uma fonte tão insignificante que ela não é digna historicamente de ser mencionada,

uma vez pressuposto que o dinheiro é ganho pelo homem por meio da troca de seu

próprio trabalho."118 Como faz questão de enfatizar Marx, o capital é resultado de um

processo histórico envolvendo vários fatores, dentre os quais, o desenvolvimento da

fortuna em dinheiro, o acúmulo de dinheiro pelo corpo de comerciantes, é apenas um

deles. Visivelmente não se trata de uma criação, pelo dinheiro, das condições

objetivas do trabalho, tais quais estas são oferecidas ao trabalhador que delas está

117 Id., tomo I, p. 441118 Id., tomo I, p. 442

73

Page 74: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

desprovido para a efetivação do processo de trabalho. Mas, ao contrário, "a fortuna

em dinheiro contribuiu em parte para desprover as forças de trabalho dos indivíduos

aptos a trabalhar destas condições de trabalho."119

O que o capital, enquanto sujeito, faz é "comprar umas por meio das outras",

isto é, forças de trabalho já objetivadas ou condições objetivas de trabalho por meio

de força de trabalho viva e vice-versa. Forças ou existências, estas, que se

encontravam, naquele momento, já divorciadas ou divorciando-se umas das outras.

"Nada tinha mudado, não fosse o fato de que, agora, estes meios de subsistência

estavam lançados no mercado de troca, estavam cortados de suas relações diretas

com as bocas dos retainers, etc. e transformados - de valores de uso que eram - em

valores de troca; caindo, assim, no domínio e sob a soberania da fortuna em dinheiro.

O mesmo ocorrendo com os instrumentos de trabalho. A fortuna em dinheiro não

inventou, nem fabricou a roldana e a máquina de tecer. Mas, separados de seu terreno,

os fiandeiros e os tecelões caíram sob seu domínio com suas máquinas e suas

roldanas, etc. O que é próprio do capital é, simplesmente, unir as massas de braços e

de instrumentos que ele encontra tais quais. Ele as aglomera sob seu comando

[Botmässigkeit]. Aí está sua verdadeira forma de acumular; ele acumula

trabalhadores em certos pontos com seus instrumentos."120

Tal processo de surgimento do capital possui, assim, também, a forma de um

progressivo afastamento em relação às propriedades naturais das coisas e à utilidade

imediata destas para o indivíduo produtor: "O desenvolvimento do valor de troca

(favorecido pelo dinheiro existente sob a forma do corpo de comerciantes) dissolve a

produção orientada de preferência para o valor de uso imediato e as formas de

119 Id., tomo I, p. 447120 Id., tomo I, p. 446

74

Page 75: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

propriedade que lhe correspondem (relações do trabalho com suas condições

objetivas) e impele, assim, ao estabelecimento do mercado de trabalho." 121 Com o

afastamento do trabalhador em relação à terra como fonte principal de apropriação e

reprodução tem-se, de outro lado, o estabelecimento de uma relação de dependência

daquele em relação à troca, ou seja, em relação à apropriação por outrem do produto

de seu trabalho. O divórcio do trabalhador em relação às suas condições de produção

assume, do lado do trabalhador, em primeiro lugar, a forma da venda do produto de

seu trabalho, ou seja, a forma da troca de equivalentes. Troca esta, que mostra,

progressivamente, sua face principal, qual seja: a da venda do próprio trabalho.

A troca compulsória de seu produto, por um lado, e a apropriação de mais-

trabalho pelo capitalista, por outro, dá a este último o poder de se apropriar não mais

apenas do produto mas, também, dos próprios meios de produção, de colocar também

estes sob seu comando e não apenas os trabalhadores artesãos enquanto tais. O que já

era venda de trabalho - mascarada de venda de produto e, portanto, de troca de

equivalentes: de trabalho objetivado por trabalho objetivado, do valor de troca da

mercadoria pelo valor de troca correspondente - passa a ser, pois, cessão necessária

de trabalho vivo por trabalho objetivado: "Originalmente, ele comprou o trabalho

deles apenas pela compra de seu produto; desde que eles se limitam à produção deste

valor de troca - e são obrigados, consequentemente, a produzir imediatamente valores

de troca, a trocar completamente seu trabalho por dinheiro para poderem continuar a

existir - eles caem sob sua dominação e, finalmente, vê-se desaparecer até a aparência

que levava a crer que eles lhe vendiam produtos. Ele compra o trabalho deles e lhes

121 Id., tomo I, p. 447

75

Page 76: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

retira, primeiro, a propriedade sobre o produto, logo, também sobre o instrumento

(...)"122.

A relação do trabalho com seus pressupostos materiais tornados valores

autônomos, tornados capital, passa, assim, de uma relação de troca de equivalentes - a

qual permanece enquanto aparência - para uma apropriação sem troca do trabalho de

outro, do lado do capital, e uma cessão da propriedade do trabalho - tanto como

atividade presente no tempo, quanto como trabalho objetivado - pelo trabalhador. "O

fato, por exemplo, de que o mais-trabalho seja posto como mais-valia do capital

significa que o operário não se apropria do produto de seu próprio trabalho; que ele

lhe aparece como propriedade de outro e, ao contrário, que o trabalho de outro

aparece como a propriedade do capital. Esta segunda lei da propriedade burguesa, na

qual a primeira se torna (e à qual o direito de herança, etc., dá uma existência

independente do acaso e da caduquez dos capitalistas tomados individualmente) é

erigida em lei, assim como a primeira. A primeira é a identidade entre o trabalho e a

propriedade; a segunda é o trabalho como propriedade negada ou negação do caráter

estranho do trabalho de outro."123

A produção de mais-valia - condição ou pressuposto sobre o qual a produção

moderna se funda - implica que o trabalhador necessariamente não se aproprie do

valor de uso de seu trabalho, mas apenas de seu valor de troca. O valor efetivamente

produzido por ele, ou seja, aquilo que o uso efetivo de sua força proporciona ou

produz não é apropriado por ele próprio mas, sim, pelo trabalho objetivado já

apropriado por outrem e que se põe, agora, frente a ele, como outro, como

determinação ou domínio de outrem. O mais-trabalho aparece no capital enquanto tal

122 Id., tomo I, p. 448123 Id., tomo I, p. 409

76

Page 77: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

- ou seja, no capital já acabado e se realizando enquanto processo que põe suas

próprias condições e, portanto, enquanto processo de valorização que se realiza não

apenas na produção propriamente dita mas, também, na circulação e na troca - como

mais-produto, isto é, como capital - seja em sua forma de meios de produção, seja

como meios de subsistência do trabalhador. No entanto, afirma Marx, "A mais-valia

ou mais-produto não é senão uma soma determinada de trabalho vivo objetivado - a

soma do mais-trabalho. Este valor novo - que faz face ao trabalho vivo enquanto

valor autônomo, trocando-se por ele enquanto capital - é o produto do trabalho. Ele

não é outra coisa senão o excedente de trabalho em geral em relação ao trabalho

necessário e, isto, sob forma objetiva e, portanto, enquanto valor"124. Antes de

prosseguir, é imperioso esclarecer que, tendo em vista os limites de uma dissertação

de mestrado e o recorte que se objetiva com esta, não será tal assunto abordado

enquanto desenvolvimento preciso do conceito de capital com tudo o que isto

implicaria, como, por exemplo, a diferenciação detalhada do valor de troca em sua

determinação de capital em relação ao valor de troca posto na circulação simples.

Neste novo modo de produção - no qual, as condições objetivas da atividade

sensível encontram-se, portanto, totalmente cindidas em relação aos indivíduos ativos

- o trabalhador produz, pois, para além daquilo que é necessário a sua reposição

enquanto potência de trabalho viva, ou seja, ele produz necessariamente um surplus

ou mais-valia da qual ele, porém, não se apropria. Melhor dizendo, o indivíduo que

trabalha apropria-se, aí, apenas daquilo que Marx denomina de "trabalho necessário"

por oposição a este excedente. A ele é pago o valor de troca efetivo de seu trabalho,

ou seja, o tempo de trabalho necessário a sua reposição como trabalho vivo, o que ele

efetivamente a apporté à produção, mas não, seu valor de uso, aquilo que ele

124 Id., tomo I, p. 390

77

Page 78: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

efetivamente produziu. O trabalhador não recebe uma parte determinada do produto

nem, muito menos, o produto integral de seu trabalho, mas uma parte do tempo que

trabalhou sob a forma de dinheiro - o que veremos de forma mais detalhada na seção

seguinte.

Por outro lado, o excedente produzido do qual o indivíduo ativo não se

apropria põe-se, aí, como condições ou valores para si, como valores que se mantêm

multiplicando-se por meio da troca sempre renovada com o trabalhador, como "O ser-

para-si autônomo do valor frente à potência de trabalho viva - e, portanto, sua

existência enquanto capital - a indiferença objetiva (sustentando-se em si) das

condições objetivas do trabalho em relação à potência de trabalho viva, esta

estranheza que chega ao ponto em que estas condições se apresentam, frente ao

operário, na pessoa do capitalista (enquanto personificação que possui uma vontade e

um interesse próprios), esta dissociação, separação, absolutas entre a propriedade -

isto é, as condições de trabalho que dizem respeito ao domínio das coisas - e a

potência de trabalho viva ou, ainda, o fato de que estas condições se põem frente a

elas [às potências de trabalho vivas] como propriedade de outro, como a realidade de

uma outra pessoa jurídica, o domínio absoluto da vontade desta pessoa e que,

consequentemente, o trabalho aparece como trabalho de outro, em relação ao valor

personificado na pessoa do capitalista ou em relação às condições de trabalho; (...)

donde, aliás, o caráter estranho do conteúdo do trabalho para o próprio trabalhador

(...)."125

O capitalista representa, pois, a máxima separação, alienação, do produto do

trabalho e das condições objetivas deste em relação ao trabalho enquanto sujeito vivo

e ativo. Separação da qual resulta a autonomia máxima de tais condições na medida

125 Id., tomo I, p. 391

78

Page 79: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

em que estas ganham a forma de sujeito, de "personificação que possui uma vontade e

um interesse próprios", ou seja, na medida em que ganham a forma do sujeito que se

contrapõe enquanto tal ao trabalho vivo e que o domina.

C) ATIVIDADE COMO NEGAÇÃO DE VIDA

Na sociabilidade do capital, a riqueza está posta não sob a forma de um ou

outro valor de uso particular, mas sob a forma de todos os valores de uso existentes,

sob a forma de dinheiro. O resultado objetivo da atividade sensível - aquele que é

posto, como também o refere Marx, sob a forma parada de objeto - é, neste modo de

produção, uma riqueza universal, vem a ser, valor de troca, trabalho universal e,

sobretudo, este em sua forma autônoma e concreta de dinheiro. O dinheiro incorpora

em si mesmo a forma universal da riqueza. Na medida em que ele não é mais apenas

meio de troca, mas representa, como vimos na seção A do presente capítulo, o próprio

conteúdo da riqueza, a riqueza enquanto tal - tanto em sua abstração, quanto em sua

totalidade - ele encarna não apenas a forma e o conteúdo da riqueza, ou seja, ele não

apenas é, ele próprio, a riqueza posta, concreta, realizada - riqueza que se põe não

enquanto forma apenas, enquanto abstração, como nas mercadorias particulares - mas

o dinheiro é também o representante universal da riqueza. E, enquanto tal, ele

também é a riqueza de forma geral, a riqueza que se põe como forma universal, acima

de suas substâncias particulares. Ele é "a forma encarnada da riqueza frente a todas as

substâncias particulares de que ela se compõe. E, portanto, se, de um lado, forma e

conteúdo da riqueza são idênticos no dinheiro - na medida em que o consideramos

por si mesmo - de um outro lado, ele é - em oposição a todas as outras mercadorias,

79

Page 80: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

frente a elas - a forma universal da riqueza, enquanto a totalidade destas

particularidades forma sua substância. Se o dinheiro, segundo a primeira

determinação, é a própria riqueza, ele é, de acordo com a segunda, o representante

material universal dela. No dinheiro mesmo, esta totalidade existe como

quintessência imaginária das mercadorias. (...) O dinheiro é, pois, o Deus entre as

mercadorias."126

Neste sentido, o dinheiro assume a forma da riqueza por excelência. Ele, sim,

é a riqueza e não sua substância concreta: as mercadorias particulares. Pois, ele é que

é "1) o preço realizado"; enquanto, nas mercadorias, o preço - o valor de troca ainda

não realizado, posto como valor de troca na mercadoria mesma - é apenas enquanto

forma, abstração, depende, para se realizar, da realização efetiva da mercadoria na

circulação enquanto valor de troca, isto é, depende de sua venda; e, ainda, o dinheiro

"2) satisfaz toda necessidade na medida em que pode ser trocado pelo objeto de

qualquer necessidade, na medida em que é totalmente indiferente à particularidade,

qualquer que seja esta"; enquanto que "a mercadoria possui esta propriedade apenas

pelo intermédio do dinheiro."127 A mercadoria representa, ela mesma, apenas um

aspecto bem singularizado da riqueza - aquele relacionado com o valor de uso

específico dela, com a necessidade específica que ela satisfaz. Daí porque é, o

dinheiro, a realidade celeste das mercadorias, a realização mais perfeita da riqueza: a

riqueza universal enquanto existência efetiva e, ao mesmo tempo, o representante

material universal dela.

Disto decorre que a posse da riqueza não é mais, como nas formas precedentes

da produção, desenvolvimento determinado da individualidade. A produção

126 Id., tomo I, p. 159127 Idem

80

Page 81: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

permanece sendo processo pelo qual ocorre a subjetivação de objetividades - por

meio da impressão de forma nova à materialidade existente - de um lado, e a

objetivação de potencialidades humanas, de outro. O sujeito que trabalha continua

sendo sujeito que, na relação que estabelece com a objetividade social, exterioriza,

objetiva e desenvolve suas próprias forças. Assumindo a produção, aqui, uma forma

cada vez mais social, trata-se, é verdade, de uma objetivação de forças sociais, de

objetivação e desenvolvimento da individualidade social, com todas as determinações

próprias a esta no momento da produção. A produção, mesmo sob a forma do

estranhamento - na qual, seus sujeitos não se reconhecem enquanto tais - permanece

sendo objetivação de forças e potencialidades humanas, só que, agora, destas

efetivamente desenvolvidas como potencialidades e forças sociais. "Toda produção é

uma objetivação do indivíduo. Mas, no dinheiro (valor de troca), a objetivação do

indivíduo não é aquela do indivíduo em sua determinidade natural, mas dele enquanto

posto em uma determinação (em uma relação) social que lhe é, ao mesmo tempo,

exterior."128

Se a produção permanece sendo ato pelo qual os indivíduos sociais se põem

no mundo, se objetivam, tornam efetivas e desenvolvem suas faculdades, há,

entretanto, nesta sua forma específica de ser, uma desvinculação entre apropriação e

atividade, entre propriedade e trabalho. De um lado, como vimos, a relação do

indivíduo enquanto indivíduo ativo pressupõe justamente que ele não se aproprie de

seu trabalho, de outro lado, a relação com esta riqueza torna-se fortuita, contingente,

torna-se relação que não diz respeito à apropriação pelo trabalho. A relação com a

riqueza enquanto dinheiro não supõe uma relação intrínseca do indivíduo com seu

objeto de exteriorização, de ação. Ao contrário, a posse do dinheiro é uma posse em

128 Id., tomo I, p. 164

81

Page 82: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

que tal relação é apagada. Assim o explica Marx: "Toda forma da riqueza natural,

antes de ser relegada e substituída pelo valor de troca, supõe uma relação essencial do

indivíduo com o objeto: o indivíduo se objetiva ele mesmo, por um de seus lados, na

coisa [Sache] e, ao mesmo tempo, sua posse da coisa aparece como um

desenvolvimento determinado de sua individualidade - a riqueza em carneiros, como

desenvolvimento do indivíduo enquanto pastor; a riqueza em grãos, como

desenvolvimento enquanto agricultor, etc. Já o dinheiro - enquanto indivíduo da

riqueza universal, enquanto resultando, ele mesmo, da circulação e representando

apenas o universal, enquanto ele não é senão resultado social - não pressupõe

absolutamente nenhuma relação individual a seu possuidor. Sua posse não é o

desenvolvimento de nenhum dos lados essenciais de sua individualidade, mas, ao

contrário, é posse do que é sem individualidade, dado que esta relação social existe,

ao mesmo tempo, como objeto sensível, exterior, do qual se pode apoderar

mecanicamente e que pode também ser perdido."129

É importante ressaltar, porém, que, embora a posse do dinheiro, da forma

social da riqueza, não seja, ela própria, desenvolvimento determinado da

individualidade, isto não implica, seja dito novamente, que a produção não se efetive

enquanto objetivação e desenvolvimento do indivíduo social. O que queremos

enfatizar, e que fica claro da penúltima passagem de Marx citada por nós, é que o

estranhamento do indivíduo em relação à objetividade social posta por sua atividade

não nega ou anula o caráter efetivo de objetivação de tal atividade. Muito ao

contrário, não só este caráter é afirmado pelo fato mesmo de que o estranhamento

resulta, é posto, ele próprio, pela atividade: "esta separação absoluta entre

propriedade e trabalho; entre a potência de trabalho viva e as condições de sua

129 Id., tomo I, p. 160

82

Page 83: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

realização; entre trabalho objetivado e trabalho vivo; entre o valor e a atividade

criadora de valor - donde, aliás, o caráter estranho do conteúdo do trabalho para o

próprio trabalhador - aparece, no presente, igualmente como produto do próprio

trabalho, como passagem ao estado objetivo, como objetivação de seus próprios

momentos"130. Como, também, o caráter de objetivação se afirma na medida em que a

relação do indivíduo com sua atividade é, somente aqui, posta como relação na qual a

determinação social, própria à forma de ser dos homens, torna-se efetiva e pode se

pôr plenamente, desenvolvendo-se como ciência e domínio total sobre a natureza.

Muito embora a riqueza produzida não apareça aos indivíduos como este rico

evolver de potencialidades sociais, mas esteja posta sob a forma abstrata de dinheiro,

como algo no qual eles não se reconhecem, a apropriação da riqueza torna-se, aí, uma

apropriação de forças sociais objetivadas, de universalidade posta sob forma objetiva,

concreta, ou seja, uma relação do indivíduo não apenas com suas próprias forças

essenciais objetivadas ou com as forças essenciais de um determinado grupo humano,

mas com todo o universo da riqueza social produzida. Neste sentido, significa a

possibilidade do desenvolvimento universal da individualidade humano-societária, a

possibilidade de que tal desenvolvimento se coloque como desenvolvimento para si e

não apenas em si. No entanto, a relação do indivíduo social com o produto total de

sua atividade não depende, aqui, desta mesma relação enquanto atividade criadora,

atividade que põe ser.

O fato de que o trabalhador possa, numa medida limitada, mas possa, ao

menos potencialmente, gozar da riqueza enquanto tal - e não apenas de uma

determinada forma da riqueza - ou seja, o fato de que seu círculo de fruições esteja

limitado apenas quantitativamente é um fato que "lhes dá, inclusive enquanto

130 Id., tomo I, p. 391

83

Page 84: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

consumidores, (...) uma outra importância, enquanto agentes da produção, que aquela

que eles têm ou que eles tinham na antigüidade ou na idade média, ou, ainda, na

Ásia."131 O trabalhador recebe, em sua troca com o capitalista, o equivalente sob a

forma da riqueza universal, isto é, sob a forma de dinheiro. Neste sentido,

encontra-se em condições de igualdade com ele: não é, enquanto tal, sua propriedade,

não é mais propriedade de outrem - como na relação de escravidão - ou mero objeto,

dentre outros, na produção - como na servidão. O trabalhador encontra-se posto,

frente ao capitalista, como proprietário de sua potência de trabalho. Ele lha vende, ele

próprio: "Para o trabalhador livre, a potência de trabalho aparece, em sua totalidade

mesmo, como sua propriedade, como um de seus momentos sobre o qual ele tem

influência enquanto sujeito e que ele conserva alienando."132 No entanto, este

equivalente do qual ele se apropria aparece, em suas mãos, apenas como numerário,

como meio de troca em vista de bens de consumo. O trabalhador não recebe riqueza.

Ele recebe, na verdade, apenas valor de uso, apenas o estritamente necessário a sua

manutenção enquanto capacidade viva de trabalho. "Por mais que os trabalhadores

economizem, eles não podem obter riqueza"133, pois, seus salários certamente cairiam

e eles voltariam a sua condição normal, qual seja, a do uso do salário exclusivamente

para a sobrevivência.

Marx não nega que tenham existido formas sociais em que os proprietários

trabalham e trocam, eles próprios, entres eles. Apenas quer mostrar que o capital é

exatamente o aniquilamento destas formas, pois, para ele se pôr enquanto capital, "ele

só pode se pôr como tal, pondo o trabalho como não-capital, como puro valor de uso.

(Enquanto escravo, o trabalhador tem um valor de troca, um valor; como trabalhador

131 Id., tomo I, p. 226132 Id., tomo I, p. 403133 Id., tomo I, p. 228

84

Page 85: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

livre ele não tem valor, tem um valor apenas a disposição de seu trabalho, obtida

graças à troca com ele. Não é ele que faz face ao capitalista como valor de troca, mas

o inverso. Sua falta de valor e sua desvalorização são o pressuposto do capital e a

condição sine qua non do trabalho livre."134

O capital é a relação do trabalho objetivado, do trabalho passado, com o

trabalho existente no tempo, com o trabalho vivo. Uma relação pela qual o primeiro

se põe, enquanto valor, de forma autônoma em relação a este último, mas não só. Tal

relação pressupõe, como vimos, a produção deste mesmo valor através da troca entre

um e outro, entre capital e trabalho. O trabalho vivo só tem existência efetiva, só se

objetiva, quando se põe, como atividade concreta, em relação com a materialidade

objetiva de suas condições - nesta forma social, quando se põe em relação de troca

com o trabalho enquanto capital. Troca, esta, que é exatamente a base deste modo de

produção que tem, como resultado, uma mais-valia, um valor superior àquele posto

inicialmente no processo. A mais-valia resulta precisamente desta troca que o

trabalho - enquanto valor de uso, enquanto atividade - realiza consigo mesmo

enquanto capital - isto é, enquanto valor de troca que tornou-se autônomo. Daí

porque, segundo Marx, a igualdade só é base desta relação num certo sentido. A troca

entre capital e trabalho é formalmente, economicamente, igual, pois, o trabalhador

recebe, em valor de troca, aquilo que corresponde precisamente ao valor de sua

mercadoria, ao custo de produção de sua força de trabalho. Neste sentido, encontra-se

numa relação de troca simples, onde cada um recebe o equivalente daquilo que pôs na

relação. Tal igualdade é, porém, exclusivamente formal na medida em que se

encontra assentada sobre uma base essencialmente desigual: a ampliação do valor do

capital com base no uso da força de trabalho. Trata-se de uma igualdade aparente

134 Id., tomo I, p. 230

85

Page 86: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

porque o valor de uso do trabalho, o uso que o capitalista dele faz, não é indiferente

nesta relação. A mercadoria trabalho135 possui como determinação própria, e que lhe é

exclusiva, ser mercadoria que cria valor. Portanto, a relação que se encontra na

superfície, aquela da troca de equivalentes, repousa sobre esta outra, pela qual se

paga, ao trabalhador, o valor de troca de seu trabalho, mas se obtém, em

contrapartida, seu uso e, pois, um valor ampliado. Daí porque a troca entre capital e

trabalho não é uma troca simples. Se o primeiro ato em que ela se desdobra - a troca

do trabalho por salário - constitui-se, enquanto tal, numa troca simples, onde a

mercadoria trabalho é trocada, como qualquer outra, por seu preço; seu segundo

momento - aquele pelo qual o capitalista, então, se apropria do valor de uso do

trabalho, da atividade que põe valor - não pode, no entender de Marx, nem mesmo ser

chamado de troca, sob pena de se descaracterizar completamente tal relação: "Na

troca entre o capital e o trabalho, o primeiro ato é uma troca, ele entra totalmente na

circulação ordinária; o segundo, é um processo qualitativamente diferente da troca e é

apenas abusivamente que poderíamos qualificá-lo de troca de uma espécie qualquer.

Ele é diretamente oposto à troca, é uma categoria fundamentalmente diferente."136

Na circulação simples, o que caracteriza a troca entre as mercadorias, a troca

de equivalentes, é, segundo Marx, que a mercadoria objetivada em cada ato de troca,

aquela pela qual se efetua a transação, não possui nenhum interesse para a

135 Muito embora os Grundrisse inaugurem, segundo Chasin, nova fase na trajetória de Marx, precisamente devido à "distinção entre trabalho e força de trabalho" (CHASIN, J. "Marx no Tempo da Nova Gazeta Renana" in A Burguesia e a Contra-Revolução, p. 25); tal distinção não é necessariamente explicitada por Marx em todos os momentos - como não o é neste ao qual nos referimos. E, isto, provavelmente, pelo fato mesmo de que se trata do momento de gestação, do reconhecimento primeiro dela. Esta autora ficaria, por necessidade de precisão, naturalmente tentada a referir, nesta frase e nas que a ela seguem neste parágrafo, não à categoria trabalho, mas à de força de trabalho. Tendo em vista, porém, a proposta metodológica desta dissertação, houvemos por bem manter o termo usado por Marx no caso específico.136 Id., tomo I, p. 216

86

Page 87: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

determinação formal da relação; tanto assim que ela sai, ao final, desta para entrar

para o âmbito da satisfação das necessidades do indivíduo singular. A mercadoria

pela qual se realiza, aí, a troca possui, pois, interesse apenas enquanto valor de uso, o

valor de troca dela está presente como determinação meramente formal. Já, na troca

do capital com o trabalho, a mercadoria trabalho - pela qual é trocado o valor ou

dinheiro - não possui um interesse apenas material. Ela é parte fundamental na

relação econômica. O valor de uso desta mercadoria não apenas não é algo indiferente

ou alheio à transação, como, na verdade, é o fim visado por ela. "No caso presente,

diz Marx, inversamente, o valor de uso do que foi trocado por dinheiro aparece como

relação econômica particular e é o uso determinado do que foi trocado por dinheiro

que constitui o objetivo último dos dois processos. Isto já distingue, pois, de um

ponto de vista formal, a troca entre o capital e o trabalho da troca simples: são dois

processos diferentes."137 Não sendo nosso objetivo, porém, a dilucidação específica da

diferença entre a troca que realizam entre si capital e trabalho e a troca simples, mas

apenas apreender, no momento, as razões fundamentais pelas quais o trabalho

aparece, no processo, como valor de uso - e não em condições de igualdade - não

entraremos nas demais determinações da diferença entre ambas as relações.

Assim, se, de um lado, o trabalhador não se põe em condições de igualdade

com o valor que se apresenta, frente a ele, como sujeito pelo fato de que este último

se apropria, sem troca, sem igual contrapartida, de um sobrevalor, por outro lado,

nem mesmo aquilo que o trabalhador recebe - a fração diminuída de sua força de

trabalho - configura-se, para ele, como sendo riqueza universal. O trabalhador recebe

seu equivalente em dinheiro, na forma da riqueza universal. Ele recebe, em potência,

riqueza universal, assim como o capitalista. No entanto, ele recebe tal riqueza apenas

137 Idem

87

Page 88: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

em potência, já que, na realidade, o mesmo equivalente converte-se imediatamente,

para ele, apenas em meios de satisfazer suas necessidades. Na verdade, portanto, o

trabalhador não recebe riqueza, não participa da troca em condições efetivas de

igualdade, já que produz riqueza universal, valor, mas recebe, em troca, apenas valor

de uso. E esta é, segundo Marx, precisamente a condição para que o capital se ponha

como capital, como valor para si: "Enquanto o trabalhador, enquanto tal, tem um

valor de troca, o capital industrial não pode existir enquanto tal e, portanto, menos

ainda, a fortiori, o capital desenvolvido. Frente a este último, é preciso que o trabalho

exista unicamente como puro valor de uso que seu proprietário oferece, ele mesmo,

como mercadoria, em troca de capital, isto é, em troca de seu valor de troca (ou de

numerário) - o qual, de resto, torna-se efetivo, nas mãos do trabalhador, apenas em

sua determinação de meio de troca universal e que, senão, desaparece."138. O valor de

troca torna-se efetivo, para o trabalhador, apenas enquanto moeda - valor de troca

posto sob forma ideal, que se realiza na relação apenas quando desaparece, quando

deixa de ser valor de troca - e, portanto, não enquanto capital, enquanto valor de troca

objetivo, concreto. "A separação entre a propriedade e o trabalho aparece como lei

necessária desta troca entre capital e trabalho."139 O trabalho é posto, aí, exatamente

como a não riqueza efetiva, como a produção ou riqueza negada. Ele aparece, no

processo, como sendo precisamente aquilo que ele é: um não-valor; enquanto o

capital, com quem ele troca, é que se apresenta como valor, como incorporação de

tempo de trabalho.

Se, nos modos de produção em que os indivíduos possuem uma relação de

apropriação efetiva com suas condições objetivas de existência - nas diferentes

138 Id., tomo I, p. 231139 Id., tomo I, p. 234

88

Page 89: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

formas da propriedade fundiária - "independentemente do trabalho, o trabalhador tem

uma existência objetiva"140, possui domínio sobre as condições de sua realidade; no

capital, o indivíduo ativo é existência objetiva negada. O trabalhador existe, aí, de

forma abstrata, abstraída de seus momentos efetivos. É posto como não-capital, ou

seja, como não-instrumento, não-matéria-prima, enfim, como não-riqueza em geral.

Ele existe apenas de forma separada, cindida, em relação à objetividade posta por ele

e é trabalho apenas enquanto trabalho não-objetivado.

Na sociabilidade em que todas as determinações da “atividade criadora do

valor de troca” aparecem coisificadas, o indivíduo que trabalha aparece, frente a

estas determinações, como mera faculdade: como potência de trabalho. Ele possui

uma existência meramente subjetiva frente ao processo de produção. A existência

ativa é, aqui, uma existência unilateral, que não pode efetivar-se por si mesma. A

individualidade ativa só pode efetivar-se como ser que se auto-põe desde que

intervenham, do exterior, as condições objetivas de sua atividade. “O valor de uso

que pode oferecer o trabalhador frente ao capital, portanto, aquilo que ele pode

oferecer aos outros de uma forma geral, não está materializado num produto, não

existe simplesmente fora dele, não existe realmente mas, apenas, potencialmente,

como faculdade. Ele só torna-se realidade efetiva a partir do momento em que é

solicitado, posto em movimento pelo capital – pois, uma atividade sem objeto nada é

(...)”.141 O trabalho presente como trabalho vivo só é presente como sujeito vivo, ou

seja, como possibilidade, como trabalhador. O indivíduo não se põe como momento

efetivo de um complexo de determinações que define a existência do ser social de sua

época, como momento singularizado, concreto, desta riqueza, mas única e

140 Id., tomo I, p. 411141 Id., tomo I, p. 207.

89

Page 90: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

exclusivamente como valor de uso para o capital, como existência que só tem valor

como força de trabalho. Força esta, ela própria, desprovida – enquanto manifestação

singular – de qualificações particulares, isto é, que só interessa enquanto dispêndio de

certo quantum de tempo de trabalho.

Para Marx, como não poderia ser diferente, mesmo esta forma puramente

subjetiva do trabalho é, em si, objetividade, é concreta, existe de forma independente

do pensamento, como objetividade real: O “trabalho não objetivado [Nicht

vergegenständlichte Arbeit] apreendido negativamente (ele mesmo ainda objetivo; o

não-objetivo, ele mesmo, sob forma objetiva) (...). O trabalho como a pobreza

absoluta: a pobreza não como falta, mas como exclusão total da riqueza objetiva. Ou,

ainda, enquanto ela é o não-valor existente – e, pois, o valor de uso puramente

objetivo, existindo sem mediação – esta objetividade só pode ser uma objetividade

coincidindo com a corporeidade imediata desta última. Sendo puramente imediata, a

objetividade é, de forma tão imediata quanto, não-objetividade. Em outros termos, ela

não é uma objetividade que sai para fora da existência imediata do indivíduo ele

mesmo.”142 O trabalho existe, aqui, exclusivamente como trabalhador, como riqueza

em potência, como possibilidade universal da riqueza “se verificando como tal na

ação”143 e não como riqueza efetiva.

A forma moderna da sociabilidade revela-se, contudo, superior àquelas nas

quais o trabalho é mero objeto. Nela, o trabalhador encontra-se formalmente como

pessoa – “’fora de seu trabalho’ ele é, ainda, algo para si mesmo” – ou seja, ele não é,

ele próprio, um valor de troca ou objeto de outrem, mas encontra-se livre para poder

alienar ou não sua atividade; a qual, esta, sim, é que é, aqui, apenas valor: “a

142 Id., tomo I, p. 234143 Idem

90

Page 91: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

alienação das manifestações exteriores de seu ser vivo é apenas um meio de sua

própria vida”144.

Ser potência de trabalho para si é ser proprietário da totalidade de sua

manifestação própria de força, ser proprietário de si mesmo enquanto potência de

trabalho; é ser sujeito em relação às manifestações exteriores de seu ser vivo - o que

constitui um avanço em relação às formas inferiores do trabalho vivo, como Marx

denomina o trabalho servil e o trabalho escravo: “Na relação de escravidão, ele

pertence ao proprietário singular, particular; ele é sua máquina de trabalho.

Enquanto totalidade de manifestação de força, enquanto potência de trabalho, ele é

uma coisa que pertence a outro e, portanto, não se comporta como sujeito em relação

à manifestação de sua força particular ou a seu ato de trabalho vivo. Na relação de

servidão, ele aparece como momento da propriedade fundiária, ele é um acessório da

144 Id., tomo I, p. 231.

91

Page 92: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

terra, assim como o gado de lavoura. Na relação de escravidão, o trabalhador

não é outra coisa que não uma máquina de trabalho viva, que tem, por aí mesmo, um

valor para outros, ou melhor, é um valor. Para o trabalhador livre, a potência de

trabalho aparece, em sua totalidade mesmo, como sua propriedade, como um de seus

momentos sobre o qual ele tem influência enquanto sujeito e que ele conserva

alienando.”145

A forma moderna da produção possui, assim, este aspecto positivo no que diz

respeito à condição do trabalho vivo. Marx diz ser preciso distinguir o mercado de

trabalho do mercado de escravos justamente porque se trata, no presente caso, não

da compra do trabalhador enquanto tal – como no mercado de escravos – mas, sim,

da compra, por dinheiro, do trabalho, da atividade. O que o trabalhador vende ao

capitalista não é sua pessoa, mas a manifestação de sua força de trabalho. Muito

embora o indivíduo que trabalha seja, na verdade, mera potência de trabalho, seja

algo que é desprovido de toda e qualquer condição de subsistência fora,

independentemente, do trabalho, ele possui, neste modo de produção, uma liberdade

formal. Apresenta-se, frente ao capitalista, como pessoa, como ser que possui certa

liberdade de escolha. Liberdade que se revela, porém, uma liberdade aparente, já que,

se o indivíduo, enquanto tal, não é mais mero objeto, dentre outros, do processo de

trabalho, se ele não é mais, enquanto indivíduo singular, escravo ou servo, suas

condições sociais de existência o atam necessariamente ao capital. O trabalhador

moderno está, como vimos, necessariamente atado, não livre, em relação às

condições de trabalho postas sob a forma objetiva de capital. Trata-se, portanto, de

um avanço que - na medida em que o trabalhador só se efetiva, se objetiva, se

alienando – não significa, porém, a verdadeira realização do trabalho livre.

145 Id., tomo I, p. 403

92

Page 93: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

A sociabilidade engendrada pelos indivíduos ativos, suas condições objetivas

de vida, não são “realizadas como condições de sua realização no processo de

produção, mas, ao contrário, a potência de trabalho sai desse processo como uma

simples condição da valorização e conservação delas enquanto valor para si em face

dela”146. Os trabalhadores vêm a ser, portanto, meras condições de valorização de

suas condições objetivas de trabalho, tornando-se, desta forma, totalmente

dependente delas, já que não se auto-sustentam nem enquanto seres vivos, enquanto

força de trabalho viva, muito menos em sua manifestação de vida. Dependem tanto

de meios de subsistência – aqueles que mantêm acesa sua chama de vida enquanto

potência de trabalho – como de condições objetivas para a realização de si enquanto

atividade, os quais lhe são, ambos, externos, independentes deles.

Nesta forma social da produção, os valores que resultam da própria

atividade dos indivíduos é que são seres para si. Eles é que são efetividades postas,

que se auto-sustentam. Para os indivíduos ativos, o resultado desta forma de

apropriação de mundo é, ao mesmo tempo, uma desapropriação na medida em que se

põe por um ato de negação mesmo de suas potencialidades: “Este processo de

realização do trabalho é, ao mesmo tempo, processo de sua desrealização. Ele se põe

objetivamente, mas põe sua objetividade como seu próprio não-ser ou como o ser de

seu não-ser: capital"147. A atividade estranhada configura-se como processo de

efetivação e, ao mesmo tempo, desefetivação, negação, do sujeito que a pratica

porque, embora constituindo-se em objetivação - em ato pelo qual um ser se põe no

mundo a partir da criação de uma nova materialidade, toda esta objetivação é

"regulada, medida e dirigida por algo que se coloca ante ao indivíduo ativo e sua

146 Id., tomo I, p. 401.147 Id., tomo I, p. 393.

93

Page 94: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

própria atividade enquanto uma potência alheia"148. Potência esta que é, na verdade,

sua própria despotencialização, sua própria potência voltada contra si. Pois, o

trabalho aparece "como um simples meio de valorizar o trabalho morto, objetivado,

para impregná-lo de uma lama vivificante e para perder sua alma em proveito

daquele (tendo por resultado ter produzido a riqueza criada como algo estranho, e de

produzir para si apenas a indigência da força de trabalho viva)"149. Ele deveio

atividade, por um lado, produtora de uma riqueza que lhe é estranha e que a submete

a si enquanto valor e, por outro lado, reduz-se a mero meio de reprodução da

capacidade produtiva dos indivíduos.

A atividade estranhada é, portanto, apropriação humana na sua forma mais

universal e autônoma e, ao mesmo tempo, desapropriação ou desefetivação de vida.

CAPÍTULO III

A EMANCIPAÇÃO HUMANO-SOCIETÁRIA

A) SUPERAÇÃO DA ATIVIDADE SENSÍVEL ESTRANHADA

O tornar-se estranho não é, em Marx, porém, uma necessidade absoluta do

processo de objetivação dos homens. A atividade sensível é atividade estranhada na

forma social moderna porque, nesta, "O acento está colocado não sobre o fato de ser

objetivado, mas no de ser estranhado (Entfremdet), alienado (Entäuert), ser

vendável (Veräuertsein), de não ser do trabalhador, mas ser das condições de

148 ALVES, A., Op. Cit., p. 109.149 MARX, K., Manuscrit de 1857-58, tomo I, p. 225.

94

Page 95: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

produção personificadas, isto é, sobre o pertencimento ao capital desta prodigiosa

potência objetiva, a qual confronta o trabalhador como um dos seus momentos"150.

Ao entender a atividade estranhada e a inversão ou desefetivação humana por

ela estabelecida como objetividades, Marx não deixa de entender seu caráter finito e,

portanto, superável, dado ser, segundo o mesmo autor, uma necessidade ‘histórica’ e

não uma necessidade ‘absoluta’ do devir da atividade151. Junto à identificação das

necessidades históricas colocadas à atividade humano-sensível, Marx identifica,

também, as possibilidades do seu devir real.

Os elementos presentes nos Grundrisse que apontam para a possibilidade de

uma emancipação humana são precisamente aqueles que dão forma à

sociabilidade moderna. Tal afirmação não possui um sentido puramente lógico ou

cronológico, mas está calcada no desvelamento da legalidade ontológica intrínseca a

esta formação sócio-histórica. Segundo Marx, esta última traz em si mesma os

componentes de uma forma superior de atividade. A forma social da atividade

humana sensível em seu grau extremo de estranhamento “representa um ponto de

passagem necessário; e isto porque esta forma invertida simplesmente apresenta em

si a dissolução de todos os pressupostos limitados da produção e, mesmo, ao

contrário, cria e produz os pressupostos não-condicionados da produção e, portanto,

as condições materiais plenas para o desenvolvimento total, universal, das forças

produtivas do indivíduo”152.

O conjunto das possibilidades/necessidades de uma emancipação humano-

societária está calcado, para Marx, fundamentalmente no desenvolvimento livre das

potencialidades humano-produtivas. Desenvolvimento este possibilitado na

150 Id., tomo II, p. 323.151 Idem152 Id., tomo II, p. 8

95

Page 96: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

modernidade porque, nela, tais potencialidades constituem-se em pressupostos

ilimitados da produção, livres de toda determinação natural. Segundo o mesmo

autor, "(...) em todas as formas anteriores da produção, não é o desenvolvimento das

forças produtivas que constitui a base da apropriação, mas uma relação determinada

com as condições de produção (formas de propriedade) que aparece como limite

previamente posto pelas forças produtivas; relação que só deve ser reproduzida

(...)"153

Muito embora os modos de produção com base no valor de uso estivessem

sempre assentados sobre o desenvolvimento das forças produtivas, este último

constituía-se, neles, em fator problematizante. A partir de determinado limite - aquele

que definia precisamente a forma específica da produção - o desenvolvimento das

forças produtivas dos indivíduos colocava em risco os pilares fundamentais do modo

de apropriação vigente e o suplantava, na efetividade, para dar origem a uma nova

forma apropriativa mais adequada a si. Assim, "Todas as formas anteriores de

sociedade são mortas com o desenvolvimento da riqueza ou, o que dá no mesmo, das

forças produtivas sociais. Fato pelo qual, entre os antigos, que disto tinham

consciência, a riqueza é diretamente denunciada como o que dissolve a comunidade.

A constituição feudal, quanto a ela, é morta pela indústria urbana, pelo comércio,

pela agricultura moderna (e, ainda, pelas invenções isoladas, como a pólvora e a

imprensa tipográfica). Com o desenvolvimento da riqueza - e, pois, ao mesmo tempo,

de forças novas e de um tráfico ampliado entre os indivíduos - houve dissolução das

condições econômicas sobre as quais repousava a comunidade e dissolução das

153 Id., tomo II, p. 96

96

Page 97: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

relações políticas dos diferentes componentes da comunidade que correspondiam a

esta última (...)"154.

A produção com base na criação de mais-valia, de mais-tempo de trabalho,

implica, ao contrário, um desenvolvimento cada vez mais pujante das forças

produtivas. O pleno desenvolvimento destas últimas é, aqui, a própria condição da

valorização e, portanto, do modo de produção. A produção não é mais limitada por

condições específicas que lhe antecedem, mas se pôs precisamente como processo de

constante e contínuo superar de condições. O livre desenvolvimento das forças

apropriativas, da riqueza social, é que se constitui como sendo o pressuposto do

capital. O pressuposto deste é seu próprio produto e não algo que lhe antecede e

determina a priori: "O capital põe como pressuposto de sua reprodução a própria

produção da riqueza e, pois, o desenvolvimento universal das forças produtivas, o

transtorno constante de seus pressupostos existentes. O valor não exclui nenhum

valor de uso; ele não inclui, portanto, nenhum tipo particular de consumo, etc., de

tráfico, etc., como condição absoluta. (...) Seu pressuposto, ele próprio - o valor - é

posto como produto e não como um pressuposto superior que pairaria sobre a

produção."155 Pela primeira vez, o desenvolvimento da riqueza e da potência social

vem a ser a condição e o fator determinante da produção - posto não como

desenvolvimento adstringido à reprodução de determinadas relações, mas, ao

contrário, como desenvolvimento que é e deve ser ilimitado e que se supera

continuamente a si próprio.

No entanto, como vimos, tais pressupostos ilimitados da produção tornam-se,

aí, forças ou potências coisificadas, autônomas em relação aos indivíduos ativos. Daí

154 Id., tomo II, p. 33155 Id., tomo II, p. 34

97

Page 98: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

porque Marx diz ser esta forma assumida pela atividade uma forma a ser superada,

pois, a mesma tendência que possui de uma constante auto-superação de limites – na

medida em que se tratam de limites postos por ela própria – esta mesma tendência a

leva, enquanto forma de apropriação ou produção limitada, a sua própria dissolução.

Pois, constitui-se ela própria - a atividade estranhada - num obstáculo à plena

efetivação do desenvolvimento livre das capacidades apropriativas dos indivíduos.

A emancipação humana consiste precisamente na superação do estranhamento

ao qual encontram-se submetidos os indivíduos ativos na sociabilidade moderna.

Significa, pois, que o aspecto predominante da interatividade social não seja o

pertencimento a outrem – ao próprio não-ser dos homens – das condições de

produção, “desta prodigiosa potência objetiva”, mas que esta última seja recobrada

como potência própria aos sujeitos da objetivação. Uma tal configuração da atividade

sensível, não calcada no estranhamento, pressupõe que os meios de objetivação,

todos os resultados objetivos e subjetivos desta, percam, portanto, seu caráter de

potência dominadora e que existam, na verdade, enquanto extensão efetiva das

potências sociais dos indivíduos mesmos. As potências sociais objetivadas pela

atividade sensível seriam, elas próprias, o pressuposto da atividade. Enquanto, no

mundo do capital, é na alienação de tais potências que se encontra assentada a

atividade, nesta sociabilidade por vir, “é o caráter social da produção que está

pressuposto; e a participação no mundo dos produtos, no consumo, não é mediatizada

pela troca de trabalhos ou de produtos do trabalho independentes uns dos outros. Ela

é mediatizada pelas condições sociais de produção no quadro das quais o indivíduo

exerce sua atividade”. “O trabalho do indivíduo singular é posto, de início, como

trabalho social”156 e não mais como trabalho isolado e estranhamento em relação à

156 Id., tomo I, p. 109.

98

Page 99: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

sociabilidade. A malha societária é sua própria substância, apropriada e reposta por

ele num processo infinito de transformação no qual ele está inserido como indivíduo

social ativo.

Como vimos, na forma de produção moderna, o processo universalizado das

relações entre os homens a partir de suas interações efetivas é apenas inicializado, ou

seja, trata-se de uma universalização unilateral, na medida em que tal determinação

da atividade permanece posta de forma estranhada em relação aos indivíduos ativos

singulares. O trabalho emancipado consistiria, para Marx, na efetiva realização deste

processo pelo qual a universalização ou autonomização das relações humanas se

efetivasse como sendo para os indivíduos no interior mesmo do ato pelo qual eles se

auto-põem. O trabalho viria a ser, em si mesmo, trabalho universal, não mais

dependendo de uma mediação externa para o pôr enquanto tal.

A reconciliação entre as forças sociais objetivadas e os indivíduos ativos

singulares; entre as determinações do trabalho postas, de um lado, sob a forma de

valores de troca e, de outro, como valores de uso; a superação desta imensa cissura

ou estranhamento que caracteriza todas as determinações do trabalho na sociabilidade

moderna, é vista, por Marx, como processo que desponta no interior do próprio modo

de produção atual.

Como forma de produção de riqueza baseada na quantidade de tempo de

99

Page 100: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

trabalho imediato extorquida ao trabalhador157, o capital desenvolve-se

progressivamente como processo contraditório, que se põe e que, por este mesmo ato,

põe, também, aquilo que o nega. Pois, o desenvolvimento das forças produtivas -

posto como uma sua necessidade - se faz como desenvolvimento de forças produtivas

cada vez mais sociais ou gerais, frente às quais, o tempo de trabalho vivo ou imediato

aparece como algo cada vez mais ínfimo e sem importância. O desenvolvimento do

capital perfaz-se sob condições nas quais sua valorização torna-se crescentemente

dificultada já que "à medida em que se desenvolve a grande indústria, a criação da

riqueza real depende menos do tempo de trabalho e do quantum de trabalho

empregado do que da potência dos agentes postos em movimento no curso do tempo

de trabalho - a qual, por sua vez, (a potência eficaz deles) não tem, ela mesma,

nenhuma relação com o tempo de trabalho imediatamente dispensado para produzi-

los, mas depende, sim, do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou seja,

da aplicação desta ciência na produção. ( O desenvolvimento desta ciência (...) está,

ele mesmo, por sua vez, em relação com o desenvolvimento da produção

material)"158.

O processo de trabalho ganha, na indústria, uma feição automatizada. E, isto,

como resultado do próprio desenvolvimento do modo de produção moderno. Como o

diz Marx, a divisão do trabalho chegou a um ponto tal de mecanização que pôde ser

substituída por um sistema automatizado de seus elementos. O processo de trabalho,

enquanto aplicação e desenvolvimento da ciência natural - a qual se volta, a partir

157 Muito embora se trate de uma 'extorsão' consentida e entendida exclusivamente desta forma, como visto no capítulo anterior, julgamos perfeitamente cabível e coerente com o pensamento de Marx, o uso deste termo, que, ademais, tem o mérito de evidenciar o aspecto fundamental sobre o qual repousa tal relação: o aspecto de não-troca ou troca sem contrapartida para o trabalhador.158 Id, tomo II, p. 192

100

Page 101: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

de então, mais e mais para o desenvolvimento da produção material - enquanto

desenvolvimento das forças sociais gerais, aparece, assim, como processo autômato,

como processo natural frente aos indivíduos. "Não é mais o operário que intercala um

objeto natural modificado como meio termo entre o objeto e ele, mas é o processo

natural - processo que ele transforma em um processo industrial - que ele intercala

como meio entre ele e a natureza inorgânica da qual ele se torna mestre. Ele acaba

por se pôr ao lado do processo de produção, ao invés de ser seu agente essencial.

Nesta mutação, não é nem o trabalho imediato efetuado pelo homem, nem seu tempo

de trabalho, mas a apropriação de sua própria força produtiva geral, sua compreensão

e sua dominação da natureza por sua existência enquanto corpo social ou, numa

palavra, o desenvolvimento do indivíduo social que aparece como o grande pilar

fundamental da produção e da riqueza. O roubo do tempo de trabalho de outrem,

sobre o qual repousa a riqueza atual, aparece como uma base miserável comparada

àquela, recentemente desenvolvida, que foi criada pela grande indústria ela

mesma."159

Na indústria moderna, a base principal da produção da riqueza, dos valores de

uso, não é o trabalho imediato nela dispendido. A base e medida da riqueza deixa de

ser o tempo de trabalho excedente sobre o tempo de trabalho necessário à reposição

da potência de trabalho para tornar-se a própria desproporção entre a riqueza e o

poderio das forças produtivas objetivadas e aquela potência. Em outras palavras, o

parâmetro da riqueza não é mais a pobreza do tempo dispendido em trabalho

imediato, mas a própria potência e pujança de toda a força e ciência humanas

objetivadas. Não é mais o trabalho vivo aquilo que fundamentalmente produz, o

sujeito efetivo, neste novo modo de produção, mas, sim, toda a força produtiva dos

159 Id., tomo II, p. 193

101

Page 102: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

indivíduos já objetivada, esta imensa potência concreta tornada, em grande medida -

mas não totalmente - autônoma em relação ao trabalho do indivíduo singular. É, esta

potência social, aquilo que deveio a força produtiva principal do processo de

produção. Desta forma, "Na exata medida em que o tempo de trabalho - o simples

quantum de trabalho - é posto, pelo capital, como o único elemento determinante, o

trabalho imediato e sua quantidade desaparecem enquanto princípio determinante da

produção - da criação de valores de uso - e encontram-se rebaixados tanto

quantitativamente a uma proporção reduzida, quanto qualitativamente a um momento

certamente indispensável, mas subalterno em relação ao trabalho científico em geral -

de aplicação tecnológica das ciências físicas e matemáticas - de um lado, assim como

em relação à força produtiva geral que se libera da articulação social na produção

global (...)"160.

Tal fato não abole ou descaracteriza, portanto, a condição geral e necessária

da existência do capital: o tempo de trabalho imediato não pago ao trabalhador. Este

último permanece sendo a única fonte da mais-valia. O capital, por si mesmo, não

cria valor. Como reitera Marx, em várias oportunidades ao longo dos Grundrisse,

valor é tempo de trabalho objetivado. Desta forma, se as condições objetivas de

trabalho são, elas próprias, valores - tempo de trabalho objetivado, materializado, não

pago aos trabalhadores - não são, tais condições, porém, fonte de valor, elas não

põem valor: "A transformação da mais-valia na forma de lucro - esta forma que o

160 Id., tomo II, p. 188. Grifos nossos.

102

Page 103: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

capital tem de calcular a mais-valia161 - repousa sobre uma ilusão quanto à

natureza da mais-valia e, mais ainda, oculta, de alguma forma, esta última. No

entanto, isto não impede que, do ponto de vista do capital, ela seja necessária. (É

fácil imaginar que a máquina enquanto tal, pelo fato de que ela age como força

produtiva do trabalho, põe valor. Ora, se a máquina não tivesse necessidade de

trabalho algum, ela poderia aumentar o valor de uso, mas o valor de troca que ela

criaria não seria nunca maior que seu próprio custo de produção, seu próprio valor - o

trabalho objetivado nela. Não é porque ela substitui trabalho que ela cria valor, mas

apenas na medida em que ela é um meio de aumentar o mais-trabalho; e apenas este

mais-trabalho é, ao mesmo tempo, a medida e a substância da mais-valia que é posta

com a ajuda da máquina e, portanto, do trabalho)"162. O tempo de trabalho imediato

não pago ao trabalhador ou, em outras palavras, o trabalho excedente dos indivíduos,

embora não seja mais o parâmetro ou fator determinante da riqueza produzida,

continua sendo, porém, aquele do valor. As máquinas agem na produção do valor

apenas na medida em que são, elas próprias, valores, trabalho objetivado, e na

medida em que contribuem para o aumento do tempo de trabalho excedente ou não

pago.

A produção do valor pressupõe, como vimos no capítulo II, a troca do capital,

do valor objetivado, com o trabalho vivo. Tal relação foi, entretanto, restringida a

uma parte insignificante do capital existente, já que o trabalho vivo ocupa, agora,

161 Nota desta autora: Não sendo nosso objetivo entrar na diferenciação pormenorizada entre taxa de lucro e mais-valia, se faz premente ressaltar, no entanto, que, nos Grundrisse, tal diferença é consideravelmente tratada por Marx e que, de forma extremamente sucinta, consiste em explicar que o capital - os vários e diferentes capitais postos na circulação - ao atingir certo desenvolvimento, toma a si mesmo como referência para o cálculo do valor novo posto e não mais sua troca efetiva com o trabalho vivo. O lucro é precisamente esta diferença entre o valor novo produzido e aquele pressuposto à produção.162 Id., tomo II, p. 256

103

Page 104: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

lugar periférico e desprezível na forma automatizada da produção. A extinção do

trabalho vivo como força predominante na produção de objetividades coincidiria,

para Marx, com o fim da produção com base no valor de troca. A fonte e medida da

riqueza não sendo mais o tempo de trabalho imediato, mas a potência social concreta,

é a própria condição de existência do capital, da produção de valor, que se põe como

condição ameaçada e em processo de extinção.

Descreve, nosso autor, este processo como sendo aquele do "livre

desenvolvimento das individualidades; no qual, não se reduz, portanto, o tempo de

trabalho necessário para se pôr mais-trabalho, mas se reduz o trabalho necessário da

sociedade a um mínimo, ao qual corresponde a formação artística, científica, etc., dos

indivíduos, graças ao tempo liberado e aos meios criados por todos eles."163 O modo

pelo qual o capital mantém acesa sua chama, aquele pelo qual ele é capaz de não ver

secar sua fonte de valor, ou seja, a contínua e crescente redução do tempo de trabalho

necessário, tal mecanismo torna-se cada vez mais ineficaz. A redução do tempo de

trabalho necessário implica, como conseqüência, a posição de mais capital sob a

forma de capital fixo e, portanto, a diminuição do próprio tempo de trabalho vivo

necessário. E quanto mais reduzido o tempo de trabalho vivo aplicado no processo de

produção, mais reduzido torna-se, também, o montante de valor criado em relação

àquele já existente.

O ponto alcançado com este processo, seu resultado último, é que a redução

do tempo de trabalho necessário não implica mais seu antigo par: a criação de mais-

tempo ou trabalho excedente para outrem, mas, simplesmente, redução do tempo de

trabalho necessário. De mecanismo ou mecanismo para, a redução do tempo de

trabalho necessário torna-se fim. Redução do tempo de trabalho necessário tout court

163 Id., tomo II, p. 193

104

Page 105: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

ou, ainda, criação de tempo social livre. Se, por um lado, tal redução não dá mais

origem ao valor, por outro, ela também não implica redução do tempo necessário

apenas para produzir as condições absolutas de existência do indivíduo ativo. O que

se tem como resultado é a redução do tempo de trabalho necessário em geral, do

tempo de trabalho necessário à produção do próprio indivíduo social. Extintas as

condições de existência e de reprodução do capital, o que surge são aquelas para um

trabalho emancipado, pois, a redução do trabalho, do "dispêndio de força, a um

mínimo (...) é a condição de sua emancipação."164

Ao pôr o tempo de trabalho supérfluo ou excedente como condição cada vez

mais fundamental e necessária da produção, o capital, ao mesmo tempo em que

cavou sua própria ruína, criou, por outro lado, as condições para o desenvolvimento

geral do indivíduo social. E assim é que Marx descreve tal fenômeno: "A criação de

muito tempo disponível, para além do tempo necessário, para a sociedade em geral e

para cada um de seus membros (isto é, de lazer, para que se desenvolvam plenamente

as forças produtivas dos indivíduos e, portanto, também, da sociedade) (...). Ele [ o

capital ] contribui, assim, malgrado ele, ativamente para a criação dos meios do

tempo social disponível, tendendo a reduzir o tempo de trabalho para a sociedade

inteira a um mínimo decrescente e a liberar, assim, o tempo de todos para os fins do

desenvolvimento deles próprios."165

O que foi reduzido, em geral, foi não apenas o tempo de trabalho necessário à

reprodução da capacidade viva de trabalho, mas aquele pelo qual se reproduz o

indivíduo ativo e todas as suas capacidades e necessidades postas pelo estágio efetivo

do desenvolvimento de suas forças objetivas. Resultam postas, por conseguinte, as

164 Id., tomo II, p. 190165 Id., tomo II, p. 195

105

Page 106: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

condições de uma reapropriação, pelos indivíduos ativos, de toda a riqueza criada,

pois, a produção desta, o desenvolvimento pleno da individualidade humano-

societária, não depende mais da existência destes indivíduos como meras potências

de trabalho cindidas em relação a sua existência objetiva, concreta.

A contradição engendrada pelo capital, pela atividade sensível dos indivíduos,

não implicaria, entretanto, uma supressão imediata do modo de produção. Marx não

deixou de entrever certos desenvolvimentos pelos quais o capital buscaria,

entrementes, se manter como processo de valorização. Para não falar, aqui, das crises

e convulsões - as quais agiriam como mecanismos subversivos sobre a tendência de

desvalorização do capital, ou seja, como mecanismos pelos quais tal tendência seria,

até certo ponto, contida no interior mesmo da circulação do capital - Marx reconhece

que "o capital porá em obra tudo para emperrar a atrofia da relação do trabalho vivo

com a grandeza do capital em geral (e, portanto, também, da relação da mais-valia -

quando expressa como lucro - ao capital pressuposto)." Para manter o

desenvolvimento das forças produtivas no interior dos marcos da produção do valor,

mecanismos diversos seriam engendrados pelo capital, tais como processos em que

parte dele se desvalorize. Mecanismos dos quais, porém, o único efetivamente

coerente com sua lógica reprodutora é, continuando a passagem anterior, "reduzindo

a parte do trabalho necessário e desenvolvendo ainda mais a quantidade de mais-

trabalho em relação ao conjunto do trabalho empregado. O estado supremo de

desenvolvimento da potência produtiva, bem como o maior aumento de riqueza

jamais conhecido, coincidirão, pois, conclui Marx, com a depreciação do capital, a

degradação do trabalhador e o esgotamento sistemático de suas capacidades vitais."166

166 Id., tomo II, p. 237

106

Page 107: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

O processo pelo qual as condições da reprodução do capital tornam-se cada

vez mais inexistentes é - assim como o foram todos aqueles que, na história humana,

negavam as relações de produção já estabelecidas e reproduzidas por longos períodos

- entendido, pelo autor dos Grundrisse, como um longo e difícil processo. Ao longo

do qual, crises, cataclismas ou catástrofes são postos como inevitáveis no interior da

insistente persistência de uma produção que se debate com suas contradições: "Estas

contradições conduzem certamente a explosões, a crises nas quais a supressão

momentânea de todo trabalho e a destruição de uma grande parte de capital

conduzem, este último, pela violência, a um ponto em que ele estará em condições de

explorar ao máximo suas capacidades produtivas sem ser conduzido ao suicídio. No

entanto, estas catástrofes periódicas são condenadas a se repetirem numa escala maior

e conduzem, finalmente, à derrubada violenta do capital."167

O que Marx mostra, nos manuscritos em questão, não é uma trajetória de

cunho epistêmico ou político que devesse ser ou que seria necessariamente seguida

pela ação dos homens visando alcançar uma existência efetivamente livre. O que

resulta de seus estudos sobre o capital é que este realiza, na prática, sua auto-

supressão na medida em que alcança, em seu desenvolvimento, a superação efetiva -

posta em suas próprias determinações constitutivas - da cisão entre o indivíduo

singular e as determinações de sua vida ativa. O capital, enquanto sendo, ele mesmo,

tais determinações, alcança uma forma tal em que a supressão do estranhamento se

põe como realidade, pois, "no processo de produção da grande indústria, assim como,

de um lado - na força produtiva do meio de trabalho desenvolvido em processo

automático - a sujeição das forças naturais ao entendimento social é uma condição

prévia, assim também, de um outro lado, o trabalho do indivíduo singular é posto, em

167 Id., tomo II, p. 238

107

Page 108: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

sua existência imediata, como trabalho abolido em sua singularidade, isto é, como

trabalho social. Assim, desaba a outra base deste modo de produção."168

A forma alcançada pelas forças produtivas objetivadas, na grande indústria, é

uma forma que se, de um lado, adestrou e sujeitou definitivamente - isto é, da forma a

mais elaborada e rica até então já vista - a natureza à sociabilidade; de outro lado,

pôs esta sociabilidade como pressuposto efetivo da produção. O indivíduo ativo não

aparece mais, aí, de forma autônoma ou independente no processo de trabalho, mas

sob a forma de forças combinadas e entendimento social objetivado. Daí porque "A

concentração de provisões em uma só mão não é mais necessária."169 Pois, já foram

criadas as condições de total emancipação destas provisões tanto em relação à

natureza, quanto em relação à propriedade privada. As condições de produção são,

agora, condições sociais gerais e científicas de produção e não necessitam mais da

subsunção do trabalho a um capital para criá-las, ou seja, não precisam mais da

exploração de mais-trabalho para existirem.

Pelo movimento próprio da ação dos homens, o acento que se encontrava no

estranhamento, na apropriação por outrem das condições de produção, encontra-se,

agora, sobre a produção mesma, sobre o valor de uso criado e não mais no valor de

troca. Este último deixa de ser, pois, aquilo que determina a produção, o que

fundamentalmente lhe dá forma. A forma específica da produção desloca-se do valor

de troca desta para situar-se em seu caráter de produção de riqueza e potência social

universal. A produção e apropriação de riqueza não tem mais como condição

precípua a expropriação; pode aparecer sem esta mediação. A apropriação pode se

dar, agora, por meio de si mesma, ou seja, por meio da própria produção, da relação

168 Id., tomo II, p. 197169 Id., tomo II, p. 106

108

Page 109: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

dos indivíduos com seu mundo efetivo. Para Marx, o vir-a-ser efetivo das condições e

do modo de produção é, ele próprio, um processo de auto-supressão, um processo

que, em suas próprias condições de reprodução, põe aquelas que são, ao mesmo

tempo, também, as condições de sua superação.

"A bem da verdade, o desenvolvimento não se produziu apenas sobre a antiga

base, mas houve desenvolvimento desta mesma base. O desenvolvimento máximo

desta base mesma (o desabrochar no qual ela se transforma, mas é sempre esta base,

esta mesma planta enquanto floração - daí porque ela murcha após e na seqüência de

seu desabrochar) é o ponto em que ela foi, ela própria, elaborada até tomar a forma

na qual ela é compatível com o desenvolvimento máximo das forças produtivas e,

portanto, também, com o desenvolvimento mais rico dos indivíduos. Desde que este

ponto é alcançado, a seqüência do desenvolvimento aparece como um declínio e o

novo desenvolvimento começa sobre uma nova base (...)"170.

Nesta passagem, Marx está se referindo ao desenvolvimento da base

societária que deu origem à sociedade moderna. Tal forma de desenvolvimento é, no

entanto, perfeitamente condizente com seu entendimento sobre o declínio desta

última. O modo de produção do capital também tenderia, a seu ver, a se desenvolver,

a se adaptar ao máximo às forças produtivas novas, crescentemente ampliadas. Mas,

o que vem a se constituir em entrave ou impedimento efetivo ao desenvolvimento das

forças produtivas universais ou gerais e, pois, ao desenvolvimento da própria

individualidade, neste modo de produção, é sua determinação mais fundamental,

aquela sem a qual ele deixa de ser o que é: o valor.

Tudo o que vemos ratifica, pois, a crítica de Marx aos economistas que, como

J. S. Mill, vêem a produção como pertencendo ao âmbito das verdades eternas,

170 Id., tomo II, p. 33

109

Page 110: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

imutáveis, e exclusivamente a distribuição da riqueza como passível de mudança pela

mão humana. Segundo Marx, "As 'leis e condições' da produção da riqueza e as leis

da 'distribuição da riqueza' são as mesmas leis sob uma forma diferente e estas duas

séries alternam e se fundem no mesmo processo histórico. São simplesmente

momentos de um processo histórico."171 Embora a produção prevaleça sobre seus

demais momentos ou aspectos específicos - o consumo, a troca e a distribuição;

embora seja, ela, o ponto de partida ontológico, aquele a partir do qual retomam os

demais, a cada novo processo172; distribuição e produção são, na verdade, momentos

distintos de um mesmo processo, "diferenças no seio de uma unidade"173. A

distribuição não é momento independente, autônomo, em relação à produção, em

relação ao resultado ou à forma como esta se encontra organizada. Muito ao

contrário, seja enquanto distribuição do produto, seja enquanto distribuição das

condições de produção - que são, também, produto do trabalho - seja, ainda, enquanto

distribuição dos sujeitos no interior da produção, em qualquer uma de suas

modalidades, a distribuição é resultante e parte do processo de produção. Assim

como o consumo e a troca, ela não se identifica com a produção, mas, por outro lado,

não subsiste senão enquanto momento desta, como distribuição determinada, de

acordo tanto com a produção passada, quanto com a presente. O que implica em dizer

171 Id., tomo II, p. 324172 Cf. MARX, op. cit., tomo I, p. 28173 Id., tomo I, p. 33

110

Page 111: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

que a mudança, o desenvolvimento, no quadro das forças produtivas dos

indivíduos aparece progressivamente como mudança também no interior dos demais

momentos da produção. Pois, a fonte, o loco, da mudança na vida social é

precisamente a produção, a organização do trabalho. A ação humana transformadora

e radicalmente transformadora, ou seja, aquela que faz mudar as coisas na própria

raiz destas, é, como transparece no decorrer mesmo desta dissertação, o trabalho.

Sendo a distribuição da riqueza regida pelas mesmas leis e condições que

regem a produção desta mesma riqueza, uma mudança naquela só pode existir

enquanto seja mudança também nesta última. Tendo, por outro lado, a produção,

prioridade ontológica sobre seus demais momentos, as mudanças ou transformações

teriam, para Marx, sua origem ou gênese precisamente na forma da produção. Pois,

"A articulação da distribuição é inteiramente determinada pela da produção. A

distribuição, ela própria, é um produto da produção; não apenas no que concerne o

objeto (...), mas, também, no que concerne a forma, o modo determinado de

participação na produção determinando as formas particulares da distribuição, a

forma de participação na distribuição."174 A mudança na distribuição só se põe como

condição e resultado de um novo modo de produção e, de forma alguma, como

resultado de leis ou instituições humanas autônomas, dissociadas da produção, como

chega a explicitá-lo nosso autor: "(...) a distribuição modificada proviria de uma base

nova de produção, 'modificada', oriunda apenas do processo histórico."175

Assim, as condições de reapropriação da riqueza produzida pelos indivíduos

ativos singulares são condições que surgem no interior do quadro mesmo da

produção, da forma alcançada pelas forças produtivas modernas. O fim do

174 Id., tomo I, p. 30175 Id., tomo II, p. 324

111

Page 112: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

estranhamento como resultado do mesmo modo de produção que o originou e não

como algo advindo ou imposto do exterior. A forma genérica e científica da produção

resulta precisamente deste estranhamento - do modo como encontra-se organizada a

produção e, portanto, também, a distribuição, a troca e o consumo, na modernidade -

mas conduz, por outro lado, à sua abolição. O modo de produção do capital teria

criado as condições do desenvolvimento universal das forças e relações dos

indivíduos e este próprio desenvolvimento como realidade: "Mas, com a abolição do

caráter 'imediato' do trabalho vivo como pura 'singularidade' ou como universalidade

apenas interior ou exterior, pondo a atividade dos indivíduos como imediatamente

universal ou 'social', os momentos objetivos da produção são despojados desta forma

de alienação [Entfremdung], eles são, então, postos como propriedade, como corpo

social orgânico no qual os indivíduos se reproduzem enquanto indivíduos singulares,

mas indivíduos singulares sociais. As condições que os fazem o que são na

reprodução de sua vida, em seu processo vital produtivo, não foram postas senão pelo

próprio processo econômico histórico - tanto as condições objetivas, quanto as

subjetivas (as quais são apenas as duas formas diferentes destas mesmas

condições)."176

Na superação do estranhamento, da forma específica das relações sociais

modernas de produção, Marx não deixa de perceber o lugar da subjetividade. Este

lugar é, porém, como acabamos de ver, indissociável daquele da objetividade.

Condições objetivas e subjetivas "são apenas as duas formas diferentes destas

mesmas condições" postas "pelo processo econômico histórico". O primado da

objetividade, em Marx, não implica num entendimento unilateral deste processo mas,

ao contrário, na apreensão de que os aspectos ou momentos diferentes não são

176 Id., tomo II, p. 323

112

Page 113: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

aspectos ou momentos dissociáveis, independentes um em relação ao outro e, sim,

aspectos de um mesmo processo histórico objetivo.

Tal entendimento, se reconhece o primado da objetividade - e, portanto, das

condições objetivas de existência do indivíduo social - só o faz apreendendo o

processo em toda a sua complexidade. Senão, vejamos a passagem seguinte na qual

isto se patenteia: "(...) no quadro da sociedade burguesa, da sociedade fundada sobre

o valor de troca, criam-se relações de troca e de produção que são, também, minas

para fazê-la explodir. (Uma massa de formas contraditórias da unidade social das

quais não se pode, porém, jamais fazer explodir o caráter contraditório por meio de

uma metamorfose silenciosa. De um outro lado, se, na sociedade tal como ela é, não

encontramos dissimuladas as condições materiais de produção de uma sociedade sem

classes e as relações de troca que lhes correspondam, todas as tentativas de fazê-la

explodir seriam apenas donquichotismo)"177. O autor não deixa de atentar para a

necessidade de uma explosão ou revolução – embora não utilize esta expressão -

como desfecho efetivo no processo de superação das relações sociais modernas. O

que o preocupa, nestes manuscritos, porém, é precisamente a urgência de mostrar que

tal explosão não ocorreria fora de condições objetivas e subjetivas muito concretas

que a possibilitasse. Mesmo porque são estas as condições que lhe dão origem

enquanto momento ideal. São as condições efetivas de superação das relações

estabelecidas que dão origem à consciência da necessidade desta superação.

O ato final do processo pelo qual a livre individualidade torna-se efetiva não

se diferencia da atividade sensível no parâmetro ou "media pela qual a objetivação do

sujeito se cifra". Como bem observa Alves a este respeito, tal parâmetro "não é, em

princípio, a qualidade de per se de sua idealização, do plano previamente traçado,

177 Id., tomo I, p. 95

113

Page 114: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

etc., mas as condições efetivas existentes ou não para a sua realização. A

Donquichoterie da subjetividade residiria exatamente na proposição de um fim ou de

um ato que não levem em consideração aquelas condições efetivamente

existentes."178 A atividade que tem como objeto a materialidade ou realidade sensível

possui, em qualquer uma de suas formas, um caráter objetivante. A relação transitiva

entre objetividade e subjetividade tem como momento preponderante, aí, aquele da

objetividade: "Reconhecer os produtos como sendo seus produtos e julgar esta

separação em relação às condições de sua realização como algo inaceitável e imposto

pela força representa uma imensa consciência que é, ela própria, o produto do modo

de produção fundado sobre o capital e que anuncia o funeral de seu falecimento - da

mesma maneira que, quando o escravo tomou consciência de que ele não podia ser a

propriedade de um terceiro, quando ele tomou sua consciência de pessoa, a

escravidão viveu apenas parca e artificialmente e deixou de poder perdurar como

base da produção."179

O que é fortemente tematizado por Marx, nestes manuscritos, não é, porém,

tal momento necessariamente explosivo de superação do modo de produção

moderno, mas o fato de que as condições objetivas da superação do capital são,

também, as condições subjetivas de uma nova forma social. Tais condições objetivas

são apenas a forma mais concreta e visível do desenvolvimento do indivíduo social.

B) A LIVRE INDIVIDUALIDADE EFETIVA

178 ALVES, A. L., Op. Cit., p. 42.179 MARX, K., Op. Cit., tomo I, p. 402

114

Page 115: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

A tessitura da sociabilidade, o desenvolvimento desta de modo geral - "isto é,

do próprio homem em suas relações sociais"180 - é o resultado efetivo de todo este

processo. Ao focar seus estudos sobre a produção, Marx não está tratando

exclusivamente das condições imediatas e do resultado, do produto objetivo imediato

do trabalho. Como ele mesmo o diz, "Se considerarmos a sociedade burguesa em seu

conjunto, há sempre, como resultado último do processo de produção social, a

aparição da sociedade, isto é, do próprio homem em suas relações sociais. Tudo o que

tem forma fixa - como o produto, etc. - aparece apenas como momento, momento

evanescente deste movimento. O próprio processo de produção imediato aparece,

aqui, apenas como momento. As condições [ Bedingungen ] e as objetivações

[ Vergegenständlichungen ] do processo são, elas mesmas, uniformemente

momentos deste processo e aparecem como sujeitos deste processo apenas os

indivíduos, mas os indivíduos nas relações mútuas que eles reproduzem, assim como

nas relações novas que eles produzem. É o processo de seu próprio movimento

perpétuo, processo no curso do qual eles se renovam, assim como renovam o mundo

da riqueza criado por eles."181

O processo de produção imediato é, ele próprio, processo de produção e

desenvolvimento dos indivíduos - os quais aparecem, agora, sobretudo nas relações

efetivas por eles estabelecidas. As condições objetivas, os meios de produção

desenvolvidos como meios sociais e científicos de produção, são, em si mesmos,

desenvolvimento objetivo e subjetivo dos indivíduos sociais. As forças produtivas

não são, no entender de Marx, objetividade distinta destes últimos, mas, ao contrário,

são suas próprias relações existindo de forma concreta, objetiva. Elas são objetivação

180 Id., tomo II, p. 200181 Idem

115

Page 116: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

de tempo de trabalho excedente, "desenvolvimento de potência, de capacidades de

produção e, pois, tanto das capacidades, quanto dos meios de fruição. A capacidade

de fruição é a condição desta última - portanto, seu primeiro meio - e esta capacidade

é desenvolvimento de uma disposição individual, é força produtiva. Economia de

tempo de trabalho igual a aumento de tempo livre, isto é, de tempo para o pleno

desenvolvimento do indivíduo; desenvolvimento que age, por sua vez, como a maior

das forças produtivas sobre a força produtiva do trabalho."182

O desenvolvimento das forças produtivas é, em si mesmo, um ampliar das

forças e capacidades dos indivíduos e significa, também, liberação de tempo para o

desenvolvimento mais amplo destes últimos. Implica, pois, num desenvolvimento

geral da individualidade na medida em que é ampliação das capacidades produtivas

como, também, das capacidades de fruição (que são, elas próprias, capacidades

produtivas) e das próprias necessidades dos indivíduos.

Sendo a individualidade entendida por Marx como individualidade social,

como as relações pelas e nas quais os indivíduos são o que são - sobretudo e de forma

ainda mais efetiva no modo de produção do capital - ela vem a ser, aí, este rico

evolver de potencialidades e necessidades. O indivíduo que resulta deste processo é,

destarte, ele mesmo, um indivíduo alterado, rico em suas determinações. Como

disséramos anteriormente, a mudança ou desenvolvimento nas forças produtivas é

mudança em todos os momentos da produção e não apenas naquele da produção

imediata ou stricto sensu. Ela aparece como desenvolvimento também do consumo,

do conteúdo deste, bem como de sua forma e daquilo que ele é enquanto necessidade,

enquanto demanda. À nova materialidade produzida corresponde, assim, novos

indivíduos, novas necessidades, que são, por sua vez, os sujeitos de uma nova

182 Id., tomo II, p. 199

116

Page 117: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

produção num processo em que se parte de determinações cada vez mais gerais ou

universais.

Não se tratando mais da produção de valor, a produção de riqueza universal -

que se põe, desde o início, como produção social e que se efetiva enquanto tal numa

forma de apropriação também, esta, social, coletiva - dá lugar, pois, a uma alteração

do conceito mesmo de riqueza. Esta última não é mais algo externo ou posto como

externo em relação aos indivíduos, mas vem a ser a própria individualidade rica. A

riqueza é, então, uma multiplicidade de determinações que delimita, que dá forma à

nova individualidade em permanente processo de vir a ser. Antes da superação do

capital, "Em todas as suas formas, ela [a riqueza] aparece como figura reificada - seja

como coisa ou como relação mediada pela coisa que se encontra fora do indivíduo e,

por acaso, ao lado dele. (...) Mas, na verdade, uma vez que a forma burguesa limitada

desapareceu, o que é a riqueza senão a universalidade das necessidades, das

capacidades, dos gozos, das forças produtivas dos indivíduos; universalidade

engendrada na troca universal ? Senão o pleno desenvolvimento da dominação

humana sobre as forças da natureza - tanto sobre aquelas do que se chama de

natureza, quanto sobre aquelas de sua própria natureza ? Senão a elaboração absoluta

de suas aptidões criadoras, sem outro pressuposto que aquele do desenvolvimento

histórico anterior que faz um fim em si desta totalidade do desenvolvimento, do

desenvolvimento de todas as forças humanas enquanto tais, sem que elas sejam

medidas por uma escala previamente fixada ? Senão um estado de coisas em que o

homem não se reproduz segundo uma determinidade particular, mas em que ele

produz sua totalidade; em que ele não procure permanecer como algo que tem seu

futuro atrás de si, mas onde ele é tomado no movimento absoluto do futuro ?"183

183 Id., tomo I, p. 424

117

Page 118: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

A riqueza produzida veio a ser o pleno desenvolvimento das necessidades,

capacidades e potencialidades dos indivíduos. O desenvolvimento livre de todas as

determinações do indivíduo social, na medida em que tal desenvolvimento tem a si

próprio como fundamento e não algo externo. Desenvolvimento auto-sustentado do

ser social e, portanto, aberto, não mais limitado por nenhuma outra força ou forma de

ser. O ser da nova forma social - forma posta, engendrada, pela produção moderna - é

entendido, por Marx, como sendo fundamentalmente um ser que, de um lado, se

auto-engendra - sem que, para isso, tenha que se submeter a nenhum poder (social ou

natural) que lhe faça face - que tomou para si suas condições de produção, de criação

e que, por outro lado e como conseqüência, se caracteriza por ter precisamente uma

forma aberta, não acabada. Uma forma social em contínua e permanente

transformação.

"Enfim, a individualidade fundada sobre o desenvolvimento universal dos

indivíduos e a subordinação da produtividade coletiva, social, destes, enquanto esta

última é seu poder social, é o terceiro estágio. O segundo [ o "metabolismo social" do

capital ] cria as condições do terceiro."184

Marx chama de primeiras formas sociais da produtividade humana aquelas

formações caracterizadas, sobretudo, por relações pessoais de dependência - "naturais

[Naturwüchsig] num primeiro momento" - e "nas quais a produtividade humana se

desenvolve apenas debilmente e em pontos isolados.

Em seguida, independência pessoal fundada sobre uma dependência objetiva

[Sachlich]: é a segunda grande forma na qual se constitui, pela primeira vez, um

sistema de metabolismo social universal, de relações universais, de necessidades

184 Id., tomo I, p. 94

118

Page 119: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

múltiplas e de capacidades universais."185 Na terceira forma da produtividade

humana, os indivíduos incorporaram em si estas relações, este desenvolvimento

universal. Possuem, eles próprios, estas necessidades múltiplas e capacidades

universais. Se apropriaram deste desenvolvimento na medida em que são eles,

enquanto indivíduos, que o dominam e não o contrário. Os indivíduos subordinaram

a si sua produtividade coletiva e esta última é, agora, seu poder social. Apropriação,

esta, que não poderia se dar em outro momento já que "os indivíduos não podem

submeter a si seus próprios laços sociais antes de lhes terem criado."186 Apenas com a

forma moderna da produção torna-se possível a apropriação, pelo homem, de si

mesmo, de sua objetivação e de seu desenvolvimento enquanto desenvolvimento

livre, pois, apenas aí este desenvolvimento social efetivo torna-se possível.

Na terceira forma social da produtividade humana, a dependência em relação

a uma produção tornada autônoma é abolida e o poder social, reapropriado pelos

indivíduos de uma produção coletiva. Não se trata mais do poder pessoal ou natural

nem tampouco do poder social estranhado, mas, sim, do poder efetivo dos indivíduos

sociais sobre si mesmos, sobre sua produção. Os indivíduos tornaram-se, aí,

efetivamente, indivíduos sociais. Constituem-se, cada um deles, numa multiplicidade

de necessidades e capacidades, ou seja, em momentos essenciais desta riqueza sócio-

humana construída.

Por último, last but not least, é preciso assinalar que, nesta possível forma

social do trabalho, este último resulta, também ele, alterado. O leque ampliado de

necessidades a serem satisfeitas e a forma cada vez mais social e cientificizada da

produção conduzem a que o trabalho deixe de ser, ele próprio, trabalho para dar lugar

185 Id., tomo I, p. 93186 Id., tomo I, p. 98

119

Page 120: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

a uma forma mais rica e ampla de atividade: "Mas, aspirando, sem trégua, à forma

universal da riqueza, o capital impulsiona o trabalho para além das fronteiras de suas

necessidades naturais e cria, assim, os elementos materiais do desenvolvimento desta

rica individualidade, que é tão polivalente em sua produção, quanto em seu consumo

e cujo trabalho, conseqüentemente, também não aparece mais como trabalho, mas

como pleno desenvolvimento da própria atividade; onde a necessidade natural, sob

sua forma imediata, desapareceu, pois, uma necessidade produzida pela história veio

substituir uma necessidade natural."187

Livre desenvolvimento de aptidões e habilidades, desenvolvimento material e

espiritual188, esta é a nova forma de atividade engendrada pela economia de tempo

proporcionada pelo desenvolvimento das forças do trabalho. Economia, esta, que se

incorpora ao patrimônio social do ser ativo, pois, "Economia de tempo e distribuição

planificada do tempo de trabalho entre os diferentes ramos da produção permanecem

a primeira lei econômica sobre a base da produção coletiva. É mesmo uma lei que se

impõe a um grau bem mais alto"189. A atividade deixa de pautar-se sobre a produção

de tempo excedente para outrem e de tempo de mais-trabalho para si mesmo, para vir

a ser tempo de atividade livre para os indivíduos ativos. Desenvolve-se como tempo

187 Id., tomo I, p. 264188 "Quanto mais o tempo que a sociedade necessita para produzir trigo, gado, etc. é reduzido, mais ela ganha tempo para outras produções materiais ou espirituais." (Id., tomo I, p. 110)189 Id., tomo I, p. 110

120

Page 121: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

para o livre desenvolvimento deste indivíduo social rico em determinações.

Daí porque não se trata de mero ócio ou lazer, pois, a multiplicidade de necessidades

e capacidades desenvolvidas e a satisfação das necessidades de todos são, agora, as

novas bases da produção.

121

Page 122: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

CONCLUSÃO

Encaminhando-nos para o desfecho deste trabalho, impõe-se como uma de

suas conclusões o fato de que, seja em suas determinações mais gerais, seja naquelas

específicas, mais concretas, a categoria trabalho é efetivamente apreendida por Marx

como complexo no interior do qual interage uma multiplicidade de determinações.

Determinações das quais não se pode fazer abstração a não ser no pensamento.

Neste sentido, dentro dos limites, também concretos, tanto desta pesquisadora,

em particular, quanto das condições próprias a uma dissertação de mestrado, buscou-

se identificar, as principais destas determinações e interações, com a consciência

prévia da impossibilidade de uma abordagem que as abarcasse em sua totalidade

efetiva. Assim, se o objeto, sobretudo do capítulo II - que diz respeito a uma forma de

produção, por excelência, complexa - não pôde ser exaurido em todos os seus nexos,

é porque houvemos por bem, seja dito, nos concentrar naqueles que nos eram

prioritários e indispensáveis tendo em vista o tema desta dissertação.

Cientes de que o tratamento de tais resultados só pode se dar, no presente

trabalho, de forma aproximativa, vejamos, pois, alguns de seus pontos fundamentais e

a problemática a eles atinente. Um dos pontos a se destacar como resultado desta

pesquisa diz respeito ao papel da sociabilidade. Trabalho é, para Marx, relação social,

vale dizer, a categoria trabalho implica as relações efetivas que os indivíduos

estabelecem entre si e entre eles e seu mundo. Em relação a esse importantíssimo

ponto, vale aduzir que a sociabilidade é posta, sobretudo na modernidade, pelo

próprio trabalho, tornando-se, como vimos, indissociável deste último. Por via de

conseqüência, as categorias econômicas de Marx não são categorias unilaterais ou

122

Page 123: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

conceitos abstratos, que dizem respeito apenas a um aspecto específico ou restrito da

sociabilidade, cindido em relação aos demais. Trata-se de categorias que,

historicamente engendradas, refletem relações sociais de produção nas quais tal cisão

inexiste - a não ser na imaginação. Mas, se assim o é, o mérito de Marx consiste

precisamente em tê-las apreendido enquanto tais. Pois, não apenas os economistas

clássicos e os socialistas que ele criticara demonstraram-se incapazes de tal

reconhecimento como, também, autores contemporâneos - dentre os quais, citemos

Habermas, que se interessara pelo tema - das mais diversas matizes, dele permanecem

distantes.

Tendo em vista os limites de uma dissertação de mestrado, não se tem, aqui,

nenhuma pretensão de abordar tais interpretações em seu conjunto, com o intuito de

estabelecer um definitivo “acerto de contas”, apesar de reconhecermos a necessidade

de tal empreitada. Muito ao contrário, trataremos apenas de indicar alguns limites do

tratamento habermasiano da questão, em obra determinada, tendo em vista as

repercussões que a abordagem do referido autor tem conquistado em nossos tempos.

Para Habermas, o mundo do trabalho é regido por normas e por uma

"racionalidade" que o afasta quase que diametralmente daquilo que ele entende como

sendo o plano da interação ou o mundo da prática. Como o reconhece o prefaciador

de uma de suas obras publicadas entre fins da década de 60 e princípio da de 70, "A

articulação antropológica opondo 'trabalho' e 'interação' está no princípio mesmo da

reflexão de J. Habermas: é ela que comanda a distinção entre atividade instrumental e

atividade comunicacional (...); esta dicotomia permite compreender porque J.

Habermas opõe o domínio da 'prática' - o qual corresponde muito proximamente ao

que podemos chamar de fator humano - à técnica. Este par está, pois, em ação por

123

Page 124: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

toda parte e não apenas nem principalmente no artigo que o leva como título

('Trabalho e Interação', in A Técnica..., op. cit., p. 163 sqq.) (...)"190.

A categoria prática remete, em Habermas, a um plano do agir livre de

coerções "externas" ao mundo do homem, que tem como referência não a

correspondência com uma realidade empírica dada, mas a relação com normas

subjetivas interiorizadas. A Bildung [formação] racional tendo sido transferida, por

Marx, do plano da abstração, como era concebida até então, para o da prática

concreta, objetiva, é precisamente aí que residirá a divergência de Habermas:

"Habermas não aceita esta aproximação entre Bildung e trabalho alegando que tal

aproximação levou Marx a igualar a racionalização com o progresso científico e

tecnológico (...) e se volta para a filosofia do espírito do Hegel da fase de Iena, na

qual Geist [espírito, vida social] é visto como a interseção de família, língua e

trabalho."191

No entender de Habermas, as mudanças promovidas pelo desenvolvimento

das forças produtivas são "simples mudanças de legitimação", simples adequação do

quadro institucional às transformações dos "subsistemas de ação racional com relação

a um fim", ou seja, às transformações do mundo do trabalho. As mudanças

propugnáveis, passíveis de serem apreendidas como processo de racionalização, iriam

para além de tais mudanças adaptativas na medida em que seriam objeto de discussão,

de decisão, de escolhas políticas. Este autor entende a política como a esfera da

autonomia e, portanto, a única passível de possibilitar uma emancipação humana.

Pois, "o quadro institucional, enquanto conjunto de interações mediatizadas pela

190 LADMIRAL, Jean-René, "Le Programme Épistémologique de Jürgen Habermas" in HABERMAS, J. , Connaissance e Intérêt, p. 19.191 INGRAM, D., Habermas e a Dialética da Razão, p. 26.

124

Page 125: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

linguagem corrente" é a dimensão "que é a única essencial porque suscetível de

humanização."192

Deste ponto de vista, verdadeiras mudanças nas instituições, no plano da

sociabilidade propriamente dita, não podem provir de transformações no mundo do

trabalho. Este último encontra-se, aí, cindido - como esfera fechada sobre si mesma -

em relação aos demais aspectos da sociabilidade. É regido por uma lógica que é, por

definição, diferente e incompatível com aquela que comanda as interações do quadro

institucional. Habermas promove, pois, esta delimitação das esferas do agir humano

de acordo com "lógicas" incompatíveis e, assim, a "racionalização própria aos

sistemas racionais com relação a um fim [conduz] a um aumento do poder de dispor

tecnicamente dos processos objetivados da natureza e da sociedade; ela não conduz,

nela mesma, a um melhor funcionamento dos sistemas sociais". Apenas uma

racionalização das "normas sociais", ou seja, no plano da interação comunicativa, é

que, prossegue ele, "daria aos membros da sociedade as possibilidades de uma

emancipação mais abrangente e de uma individuação crescente."193

Não sendo nosso propósito promover, nestas poucas linhas, uma crítica a este

autor, mas principiar o confronto de alguns dos resultados alcançados nesta pesquisa

com o tratamento dado ao assunto por intérpretes de Marx que se voltaram, de

alguma maneira, para ele, retornemos, pois, ao autor dos Grundrisse. Uma das

maiores divergências que subjazem as referências de Habermas a Marx, sobretudo no

texto Técnica e Ciência como Ideologia, está na compreensão peculiar de Marx no

que diz respeito à categoria prática, bem como em relação a vários outros aspectos

que se podem concluir desta dissertação, como seu ponto de partida não gnosiológico

192 HABERMAS, J., La Technique et la Science comme Idéologie, p. 68.193 Idem

125

Page 126: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

de análise e sua compreensão onto-prática (para usar uma expressão cunhada por J.

Chasin) da relação entre sujeito e objeto, vem a ser, sua compreensão deste par

categorial sempre a partir de suas interações na vida efetiva e nunca do interior de

uma teoria do conhecimento ou de um ponto de vista epistêmico e/ou “politicista”

(empregando outra expressão de Chasin) - como parece ser, no entanto, o ponto de

partida de Habermas. Já que, este último autor, parece oscilar, em sua análise, de um

ponto de partida gnosiológico, em que a subjetividade é tomada isoladamente e, a

partir deste suposto isolamento, seu mundo próprio é posto. De outro lado, tal mundo,

entendido como aquele especificamente humano, tem suas fronteiras construídas em

torno da vida política, elevada à condição estruturante da vida social

Marx, entretanto, reconhece a práxis social como sendo exatamente a práxis

do trabalho, atividade sensível, determinação humana essencial e inseparável de seu

momento ideal, ou seja, da produção de idéias. Com o objetivo de esclarecer essa

importante questão, vale a pena referir aqui mais um argumento em que fica patente

esta unidade prática do ser social: "Não apenas, pois, a igualdade e a liberdade são

respeitadas, na troca que repousa sobre valores de troca, mas a troca de valores de

troca é a base real que produz toda igualdade e toda liberdade. Enquanto idéias puras,

elas são apenas expressões idealizadas daquela; enquanto se desenvolvem em

relações jurídicas, políticas e sociais, elas são apenas esta base elevada a uma outra

potência."194 Igualdade e liberdade, expressões que assumem, na modernidade, uma

conotação eminentemente política - a ponto de autores, como Habermas, entenderem

o princípio da equivalência, que ele chama, também, de reciprocidade, como "uma

relação própria à atividade de tipo comunicacional", um princípio de legitimação do

poder político, que, é bem verdade, no capitalismo, é subvertido em "princípio de

194 MARX, K., op. cit, tomo I, p. 185

126

Page 127: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

organização do processo social de produção e reprodução"195 - são, enquanto tais,

expressões das relações concretas que as engendram. Pois, nas palavras de Marx, "a

abstração ou idéia não é senão a expressão teórica destas relações materiais que [no

capital] são mestres dos indivíduos. Relações, naturalmente, só podem exprimir-se

em idéias e é assim que filósofos conceberam a dominação por idéias como sendo o

caráter específico dos tempos modernos e identificaram o estabelecimento da

individualidade livre com a subversão desta dominação pelas idéias."196

A igualdade ou equivalência é desvelada, por Marx, como sendo um dos

fundamentos concretos – embora determinado, sobrepujado, pela sua antítese direta –

de uma forma social da produção que coloca os indivíduos, entre eles, bem como suas

objetivações, como indivíduos e objetivações equivalentes entre si, de igual valor. Ele

não a toma, portanto, como mera “ideologia” - que deixaria de existir a partir do

momento em que se deixasse de, nela, acreditar ou que seria abalada por mudanças na

ordem da distribuição da riqueza no capital. Trata-se, porém, de um aspecto efetivo

da organização social que também é transposto para o plano igualmente real das

idéias. Igualmente real, muito embora desigualmente determinante e coercitivo, como

fica claro na passagem em questão.

Da mesma forma, Marx entende o campo da liberdade enquanto relações mais

ou menos livres dos indivíduos frente às determinações naturais e aos obstáculos

concretos postos em sua atividade sensível, bem como em relação aos limites sociais

impostos a esta última. O campo definitório da autonomia dos indivíduos ou da maior

ou menor negação desta não é senão este mesmo em que tais relações se estabelecem

e objetivam. Como é evidente, liberdade não significa, aqui, independência ou

195 HABERMAS, J. op. cit., p. 30196 MARX, K., op. cit., tomo I, p. 100

127

Page 128: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

oposição em relação à materialidade ou natureza “externa”, mas é, ao contrário,

liberdade real precisamente na relação com ela. Pois, como vimos, é em e através de

sua atividade que os indivíduos sociais se desenvolvem, no conjunto de suas

determinações objetivas e subjetivas, enquanto seres efetivos, capazes ou não de

realizarem seus próprios fins.

Assim, vimos que, para o autor dos Grundrisse, a liberação das forças

produtivas dos indivíduos em relação às formas de produção que as aprisionava no

interior de uma reprodução dada das relações foi precisamente aquilo que possibilitou

o avanço do modo de produção moderno em relação a uma emancipação humana.

Habermas, embora reconheça que a dominação, no plano da sociabilidade moderna,

não está mais relacionada à autoridade ou tradição (social ou de sangue) e que as

forças produtivas encontram-se, aí, não apenas livres como impulsionadas a se

desenvolverem contínua (se possível) e crescentemente, vê, nisso, não um fator

emancipatório, mas, ao contrário, uma descaracterização daquilo que constituiria,

para ele, tal fator. A dominação pela tradição, fundada precisamente sobre idéias

míticas, religiosas ou metafísicas, é que se constituiria numa “relação típica entre o

quadro institucional e os sub-sistemas de atividade racional com relação a um fim.”

Para o autor em tela, tal “relação típica” é aquela sustentada por uma racionalidade

própria à ação discursiva e, portanto, ao quadro institucional: “A expressão sociedade

tradicional refere-se ao fato de que o quadro institucional repousa sobre o

fundamento incontestado da legitimação dada por certas interpretações míticas,

religiosas ou metafísicas da realidade no seu conjunto, seja ela do cosmos ou da

sociedade. As sociedades tradicionais existem enquanto o desenvolvimento dos sub-

sistemas da atividade racional com relação a um fim se mantém no interior dos

128

Page 129: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

limites da eficácia legitimadora das tradições culturais. Resulta disto uma

proeminência do quadro institucional (...). O que é próprio das instituições em

questão é que a validade, culturalmente determinada, de tradições que são objeto de

um acordo intersubjetivo (e que legitimam o estatuto existente da dominação) não é

explícita e sistematicamente posta em questão segundo os critérios de racionalidade

universal das relações, de natureza instrumental ou estratégica, entre o fim e os

meios.”197

O que é referência emancipatória, para Habermas, é justamente aquilo que a

sociedade moderna supera: “os limites tradicionais ao desenvolvimento das forças

produtivas”198. Superação, esta, sim, que constitui, em Marx, as condições de

possibilidade de uma efetiva emancipação humana na medida em que, apenas aí, o ser

social ativo ganha, enquanto tal, independência, adquirindo - enquanto forças e

relações sociais de produção - a condição de possuir exclusivamente a si próprio

como limite.

Tal referência de Habermas já fora, de alguma maneira, criticada por Marx na

seguinte passagem em que trata do “infantil mundo antigo” em contraposição ao

mundo moderno: “Nunca encontraremos, entre os antigos, o menor estudo

procurando saber que forma de propriedade fundiária é a mais produtiva, cria a maior

riqueza. A riqueza não aparece como o objetivo da produção – ainda que Catão saiba

muito bem investigar que cultivo do campo é o mais lucrativo ou que Brutus saiba

emprestar seu dinheiro às melhores taxas. O que se investiga, sempre, é o modo de

propriedade que cria os melhores cidadãos.”199 Muito distinto é o que acontece no

mundo moderno. Neste, a riqueza, “Em todas as suas formas, aparece como figura

197 HABERMAS, J., op. cit., p. 27198 Idem199 MARX, K., op. cit., tomo I, p. 424

129

Page 130: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

reificada – seja como coisa ou como relação mediatizada pela coisa que se encontra

fora do indivíduo e, por acaso, ao lado dele. É assim que a opinião antiga, segundo a

qual o homem aparece sempre como a finalidade da produção - qualquer que seja o

caráter limitado de suas determinações nacionais, religiosas, políticas – parece muito

elevada frente ao mundo moderno, no qual a produção é que aparece como finalidade

do homem e a riqueza, como finalidade da produção. Mas, na verdade, uma vez

desaparecida a forma burguesa limitada, o que é a riqueza senão a universalidade das

necessidades, das capacidades, dos gozos, das forças produtivas dos indivíduos –

universalidade engendrada na troca universal? Senão o pleno desenvolvimento da

dominação humana sobre as forças da natureza – tanto sobre aquelas do que

chamamos por natureza, quanto sobre aquelas de sua própria natureza? Senão a

elaboração absoluta de suas aptidões criadoras, sem outro pressuposto que não o

desenvolvimento histórico anterior (...)?”200 Devido à alienação de toda esta

objetivação universal dos indivíduos, o “infantil mundo antigo aparece, por um lado,

como superior. Por outro, ele o é efetivamente em todos os domínios em que se

busque uma figura, uma forma fechada e uma delimitação acabada. O mundo antigo é

satisfatório se se atém a um ponto de vista limitado; enquanto que, tudo o que é

moderno deixa insatisfeito ou, ali onde aparece satisfeito consigo mesmo, é

vulgar.”201

Ao tomar os diferentes âmbitos da sociabilidade como separados e opostos

200 Idem201 Id., p. 425

130

Page 131: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

pelo tipo de racionalidade que, em cada um deles, prevaleceria, Habermas, a

nosso ver, deixaria como secundário, ou não perceberia, o fato de que a dominação

estabelecida a partir do que ele nomeia sub-sistemas de ação racional com relação a

um fim, ou seja, a dominação social - e sua legitimação – de tipo moderno, também é

estabelecida não só a partir da interação dos indivíduos, como é, ela própria, uma

dominação destas mesmas relações ou interações efetivas, tornadas universais e

autônomas, sobre os indivíduos singulares. Pois, o que é mais importante, para ele,

nas formas sociais pré-capitalistas “evoluídas”, é que, nestas, não são tais sub-

sistemas de ação que produzem ou sustentam a legitimação do quadro da dominação,

mas as relações inter-subjetivas com base numa racionalidade de tipo não

instrumental. Ou seja, ao se deter numa perspectiva gnosio-epistêmica, que toma o

tipo de “racionalidade” como fator preponderante na análise da vida social, Habermas

não apreende a transitividade efetiva entre sujeito e objeto, também efetivos, presente

em todas as determinações constitutivas do ser social ativo e localiza, desta forma, “o

quadro institucional, enquanto conjunto de interações mediatizadas pela linguagem

corrente”, como “a única [dimensão] essencial porque suscetível de humanização.”202

Deixando de apreender, assim, que a atividade sensível longe de ser apenas uma

atividade de tipo “instrumental” - que tenha como referência de “sucesso” a realidade

empírica e não uma realidade querida, almejada, pelos indivíduos – é aquela pela qual

os indivíduos se efetivam humanizando, adequando a si, a realidade objetiva da qual

eles próprios são parte e tornando, ao mesmo tempo, concreta e possível uma nova

realidade.

Assim sendo, a própria interpretação que Habermas, em determinado

momento deste texto, faz de Marx fica comprometida ao dizer que: “Fazer a história

202 Id., p. 68

131

Page 132: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

de forma voluntária e consciente – Marx tinha, com certeza, considerado que o

problema consistia em dominar, numa perspectiva propriamente prática, o processo

da evolução social até então incontrolado.”203 Segundo ele, seus intérpretes é que

compreenderam tal problema como sendo “de ordem técnica”. Marx, como podemos

concluir deste nosso trabalho, desvela um controle prático concreto cada vez maior

dos indivíduos sociais sobre seu processo societário de produção e auto-produção –

controle, este, potencializado (e não reduzido) com a modernidade – o qual,

efetivamente, constituir-se-ia em fator de emancipação. No entanto, a categoria

“prática” tem, nele, como vimos, um sentido bem diferente daquele que possui em

Habermas. Trata-se, como fica evidente, não de um controle prático enquanto externo

ou independente quanto às relações de produção. Como processo em que se configura

a possibilidade de um maior controle dos indivíduos sociais sobre sua produção

própria ou como controle efetivo vislumbrado como resultado de tal processo social,

em nenhuma de suas formas, ele é entendido como extrínseco ao trabalho. Antes, se

trata da conquista de um auto-controle ou de um domínio de si mesmos enquanto

seres sociais ativos obtido através da apropriação mesma, pelos indivíduos, de suas

forças produtivas objetivadas. Em outros termos, trata-se de um auto-controle

resultante de uma reconciliação de si, enquanto indivíduos singulares, com suas

forças produtivas sociais estranhadas e nunca, de uma subsunção externa destas

últimas a si – o que significaria manutenção do estranhamento e não sua superação.

O que se conclui desta dissertação é justamente que o domínio do homem

sobre si mesmo, sobre seu processo social, jamais é encarado, por Marx, como

domínio que se efetiva de forma externa à atividade sensível. As condições desta

auto-determinação, do controle sobre si mesmos dos indivíduos sociais, são

203 Id., p. 64

132

Page 133: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

entendidas como condições de um trabalho emancipado, como criação de tempo

social livre e livre desenvolvimento do indivíduo social rico em determinações.

Condições, estas, engendradas pela ação própria dos homens na relação com sua

mundaneidade, pelo desenvolvimento efetivo de suas forças produtivas - mesmo se de

forma contraditória.

Uma “explosão”204 social - que talvez pudéssemos entender como ação social

de cunho político, embora Marx não qualifique tal ação transformadora radical - é

considerada como momento necessário no processo de superação da sociabilidade

moderna. Necessário, porém, não preponderante ou determinante. Pois, vale a pena

repetir: Marx quer mostrar, nestes manuscritos, precisamente que tal “explosão” não

ocorreria fora de condições objetivas e subjetivas muito concretas que a

possibilitasse. Mesmo porque são estas as condições que lhe dão origem enquanto

momento ideal. São as condições efetivas de superação das relações estabelecidas que

dão origem à consciência da necessidade desta superação.

Uma ação social ou prática, no sentido habermasiano, não é vista, por Marx,

como preponderante em nenhum momento do processo histórico do desenvolvimento

humano-societário nem tampouco propugnada, por ele, para que viesse a sê-lo. A

ausência, no texto em análise, de detalhes ou de um tratamento do tema da

emancipação de um ponto de vista político não se constitui numa possível falha ou

204 Reiteremos, aqui, que Marx não utiliza, nos Grundrisse, o termo revolução. A passagem em que faz alusão a um momento radical no contexto de superação do modo de produção capitalista apresenta-se, como fora visto, da seguinte forma: “(...) no quadro da sociedade burguesa, da sociedade fundada sobre o valor de troca, criam-se relações de troca e de produção que são, também, minas para fazê-la explodir. (Uma massa de formas contraditórias da unidade social das quais não se pode, porém, jamais fazer explodir o caráter contraditório por meio de uma metamorfose silenciosa. De um outro lado, se, na sociedade tal como ela é, não encontramos dissimuladas as condições materiais de produção de uma sociedade sem classes e as relações de troca que lhes correspondam, todas as tentativas de fazê-la explodir seriam apenas donquichotismo).” (tomo I, p. 95).

133

Page 134: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

lacuna, mas está relacionada com o caráter mesmo do pensamento marxiano. Embora

as condições para uma produção livre sejam fartamente demonstradas por ele na

trama das determinações engendradas pela trajetória humana, Marx não faz do

trabalho emancipado um objeto exclusivo de atenção. Pois, fazê-lo infringiria sua

própria concepção da atividade humana, que tem, para ele, a forma de uma atividade

em permanente vir a ser, de atividade aberta. Como assevera Rosdolsky: “Sabe-se que

o fundador do marxismo rechaçava toda especulação acerca de um futuro socialista

na medida em que se tratava de inventar sistemas acabados, derivados dos ´princípios

eternos da justiça´ e das ´leis imutáveis da natureza humana´.”205 Seria, por outro

lado, logicamente impossível antecipar algo sobre o que só tem seu lugar no interior

de um desenvolvimento não totalmente realizado no momento em que Marx escrevia:

o momento ideal ou subjetivo do processo de superação da forma social moderna.

Há, portanto, nos Grundrisse, um elo de continuidade do pensamento de Marx

expresso em suas obras anteriores no que se refere especificamente à forma peculiar

de apreensão das determinações concretas da vida humano-societária206. O

pensamento de Marx, como demonstrara J. Chasin, possui um caráter “onto-prático”

205 ROSDOLSKY, R. Gênesis y Estructura de El Capital de Marx (estúdios sobre los Grundrisse), p. 457206 Não se desconhecendo, com isto, bem entendido, as importantes reformulações e conquistas alcançadas na trajetória intelectual marxiana, principalmente, na década de 50, quando os Grundrisse foram escritos.

134

Page 135: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

ou, em outros termos, um estatuto ontológico na medida em que busca

apreender o concreto em suas determinações constitutivas e em sua dinâmica ativa

própria, tomando-o como existência social efetiva autônoma, independente, em

relação ao pensamento. Daí porque, embora reconheça, na efetividade do capital, as

condições necessárias de sua própria superação, Marx refere a produção e apropriação

coletivas como uma possibilidade, por conseguinte, uma hipótese a ser ou não

efetivada207.

Vale acrescentar, ainda, que nosso entendimento destoa da compreensão de

Rosdolsky em seu estudo sobre os Grundrisse. Para este autor, os apontamentos de

Marx em relação a uma sociabilidade emancipada têm sua razão de ser no método

materialista dialético: “(...) no Capital e nos trabalhos preliminares a ele

encontramos, vez ou outra, digressões e observações que se ocupam dos problemas da

ordem social socialista (...). Estas digressões se fazem necessárias em razão mesmo

do método materialista dialético de Marx, que aspira compreender toda manifestação

social no fluxo de seu vir a ser, de sua existência e de sua expiração. Por isto, este

método assinala, por si mesmo, ‘modos anteriores de produção’ e, de outro lado,

´pontos nos quais, prefigurando o movimento nascente do futuro, se insinua a

abolição da forma presente das relações de produção (...)”208.

Na visão deste autor, Marx se distancia dos socialistas utópicos na medida em

que entende o desenvolvimento histórico em suas leis próprias, em que entende o

futuro socialista como uma “fase necessária do desenvolvimento da humanidade” e

não “como um mero ideal”209. Mas, as leis próprias do desenvolvimento histórico, de

acordo com as quais Marx pautaria suas análises, são, na verdade, para Rosdolsky,

207 Cf. MARX, K., op. cit., p. 109 e 110208 ROSDOLSKY, R., op. cit, p. 458. Grifos nossos.209 Id., p. 457

135

Page 136: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

leis deduzidas do método materialista dialético. Assim, dirá ainda: “A

consideração materialista-dialética das relações de produção capitalistas conduz, pois,

diretamente à contraposição entre este modo de produção e as formas sociais pré-

capitalistas, por um lado, e o ordenamento social socialista, que substitui este modo

de produção, por outro. ´A troca privada de todos os produtos do trabalho, das

capacidades e das atividades está em contraposição [antítesis] tanto com a

distribuição fundada sobre as relações de dominação e sujeição (...) dos indivíduos

entre si [...], quanto com a livre troca entre os indivíduos associados sobre a base da

apropriação e do controle comum dos meios de produção´. Deste modo, se produz

uma divisão de toda a história da humanidade que possui a forma de uma tríade

dialética em três etapas (...)”210.

Marx não divide a história humana numa “tríade dialética”, mas, a partir do

desvelamento efetivo do complexo da produção na formação social moderna, torna-

se-lhe possível dilucidar as formas anteriores da produção, bem como reconhecer o

novo posto como possibilidade pela mesma formação moderna já desenvolvida. Em

suas palavras: “A sociedade burguesa é a mais desenvolvida e a mais variada

organização histórica da produção. Por isto, as categorias que exprimem as relações

desta sociedade, a compreensão de sua articulação, permitem que se dê conta da

articulação e, ao mesmo tempo, das relações de produção de todas as formas de

sociedade desaparecidas – com os restos e os elementos das quais ela se edificou e

das quais certos vestígios, ainda não superados, subsistem (...). A anatomia do

homem é uma chave para a anatomia do macaco. Os indícios que anunciam uma

forma superior, nas espécies animais de ordem inferior, só podem, por seu lado, ser

compreendidos quando a forma superior é, ela própria, já conhecida. Assim, a

210 Id., p. 458. Grifos nossos.

136

Page 137: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

economia burguesa nos dá a chave da economia antiga, etc. Mas, de forma alguma, à

maneira dos economistas que apagam todas as diferenças históricas e que vêem, em

todas as formas de sociedade, aquelas da sociedade burguesa.”211. Além disto, só se

pode entender as formas passadas da produção a partir do momento em que a atual

alcance fazer sua própria crítica: “O chamado desenvolvimento histórico repousa

sobre o fato de que a última forma considera as anteriores como etapas conduzindo a

ela; além do que ela é raramente capaz, apenas em condições muito determinadas, de

fazer sua própria crítica (...). Do mesmo modo, a economia burguesa só vem a

compreender as sociedades feudais, antigas e orientais a partir do momento em que se

iniciou a auto-crítica da sociedade burguesa.”212

Fica claro, a partir das passagens acima referidas, o significado da

determinação social do pensamento, vale dizer, o desvelamento das formas de

produção faz-se possível sob condições sócio-históricas precisas, determinadas. Desse

modo, ainda segundo Marx, “seria, portanto, inviável e errado seguir as categorias

econômicas na ordem em que elas foram historicamente determinantes. Sua ordem é,

ao contrário, determinada pelas relações que existem entre elas na sociedade burguesa

moderna e ela é precisamente o inverso do que parece ser a ordem natural delas ou

corresponder a sua sucessão no curso da evolução histórica. Não se trata da relação

que se estabelece historicamente entre as relações econômicas na sucessão das

diferentes formas de sociedade. Menos ainda, de sua ordem de sucessão ´na idéia´

(Proudhon) (concepção do movimento histórico que tende a se esvair). Trata-se de

sua articulação no quadro da sociedade burguesa moderna.”213 O desenvolvimento

sócio-histórico das forças e relações de produção só é apreendido, pois, como

211 MARX, K., op. cit., tomo I, p. 39212 Id., p. 40213 Id., p. 42

137

Page 138: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

resultado, ou seja, a partir do rigoroso desvelamento das determinações próprias à

sociabilidade do capital.

Por outro lado, vimos que, em Marx, só se apreende realmente um objeto de

conhecimento – no caso, as relações sociais de produção – quando se o toma em suas

particularidades efetivas. As determinações gerais ou universais servem “para nos

evitar a repetição. (...) Mas, se é verdade que as línguas mais evoluídas têm em

comum com as menos evoluídas certas leis e determinações, o que as diferencia

destes caracteres gerais e comuns é precisamente aquilo que constitui sua evolução.

Também, é preciso distinguir as determinações que valem para a produção em geral,

para que a unidade (...) não faça esquecer a diferença essencial.”214

A forma de apreensão teórica pela qual prima Marx não é aquela que

reconhece, “por toda parte, as determinações do conceito lógico, mas que apreende a

lógica específica do objeto específico”, que “não se limita a indicar as contradições

existentes, mas as esclarece, compreende sua gênese, sua necessidade. Apreende-as

em seu significado próprio.”215 Forma de apreensão, esta, que, segundo Chasin, toma

– no reconhecimento ideal de sua constituição – o ser social por ele mesmo, em seus

complexos constituintes, e não como exemplar de cada um de seus momentos

constituídos como formas autônomas pela idealidade que se auto-sustenta.

Tal estatuto ou patamar de cientificidade não é alterado na obra marxiana

madura em questão. Ao contrário, é a partir dele que pode Marx afirmar, por outro

lado, que “(...) os indivíduos desenvolvidos universalmente (...) não são produtos da

natureza, mas da história. O grau e a universalidade do desenvolvimento das

capacidades, no seio das quais esta individualidade torna-se possível, pressupõem

214 Id., p. 19. Grifos nossos.215 MARX, K. (Crítica à Filosofia do Direito de Hegel) apud CHASIN, J. “Estatuto Ontológico...”, p. 376

138

Page 139: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

justamente a produção sobre a base dos valores de troca; produção, esta, que começa

por produzir, com a universalidade, a alienação do indivíduo em relação a si mesmo e

aos outros, mas que produz, também, a universalidade e o caráter multilateral

[Allgemeinheit und Allseitigkeit] de suas relações e aptidões.”216

Os apontamentos de Marx em relação às três formas gerais da produção social

resultam, portanto, não de um conhecimento parametrado, conduzido, por um método

– entendido como construção a priori do intelecto – mas, de uma forma de apreensão

intelectiva instaurada já com o rompimento juvenil em relação a Hegel. Forma de

apreensão em que o conhecimento é construção que se viabiliza em seu fazer efetivo.

Fazer este, sim, que possibilita a Marx extrair considerações a seu respeito, as quais

encontram-se na Introdução de 1857 e foram objeto do capítulo I deste trabalho. Dito

de outro modo, o entendimento marxiano a respeito do procedimento analítico

correto, longe de se configurar num método que oriente o conhecimento por

parâmetros ou medidas pré-estabelecidas, anteriores e externas ao próprio objeto

investigado, é um entendimento que, ao contrário, resulta do caminho percorrido.

Como o próprio Rosdolsky reconhece, Marx só refere uma forma coletiva da

produção na medida em que as condições desta despontam, surgem como possíveis,

no interior da produção atual por ele dilucidada. Tal procedimento é, a nosso ver, por

si só incompatível com um proceder no qual tais elos ou “vinculações econômicas”

fossem “concebidas como leis dialéticas da evolução” e pelo qual “este método

assinala, por si mesmo, ´modos anteriores de produção´ e, de outro lado, ´pontos nos

quais, prefigurando o movimento nascente do futuro, se insinua a abolição da forma

presente das relações de produção (...)”217.

216 MARX, K. Manuscrit de 1857-1858 (Grundrisse), tomo I, p. 98217 ROSDOLSKY, R. op. cit, p. 458.

139

Page 140: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

Para Rosdolsky, Marx deriva sua “imagem do futuro socialista do

conhecimento (...), da análise das relações de produção capitalistas.”218 No entanto, tal

conhecimento, embora não seja entendido por ele como algo de natureza metafísica, é

um conhecimento pautado e organizado por um método. Método, este, que não parece

coincidir, entretanto, com o procedimento analítico indicado por Marx em sua famosa

Introdução, mas, sim, com o método de Hegel de ponta cabeça, isto é, invertido.

Assim, é que, para o autor ora examinado, os Grundrisse são uma “grande remissão a

Hegel e, em especial, a sua Ciência da Lógica – demonstrando a forma radicalmente

materialista em que se converteu Hegel neste caso.”219 No entanto, o que seria esta

inversão materialista de Hegel ou um método materialista dialético?

Como não é nosso objetivo, expressêmo-lo novamente, realizar um acerto de

contas com este clássico comentador dos Grundrisse – mesmo porque, se assim o

fosse, seria preciso dizer que concordamos com ele em vários outros aspectos – o que

nos cumpre reafirmar é que, a análise de Marx, nestes manuscritos, mostra-se, por

tudo o que foi visto, livre de “cangas” metodológicas apriorísticas. As categorias as

mais abstratas pressupõem, sempre, aí, determinações mais concretas. Concretude da

qual Marx não se afasta em nenhum momento de seu proceder – nem quando dela

extrai suas relações mais gerais e abstratas nem quando realiza este movimento no

sentido de volta, isto é, quando realiza efetivamente o procedimento considerado, por

ele, correto; pois, “No primeiro passo, a plenitude da representação foi volatilizada

em uma determinação abstrata, no segundo, são as determinações abstratas que

conduzem à reprodução do concreto no curso do caminhar do pensamento. É por isto

que Hegel caiu na ilusão que consiste em conceber o real como resultado do

218 Id., p. 481219 Id., p. 13

140

Page 141: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

pensamento que se reúne em si, se aprofunda em si, se move a partir de si mesmo;

enquanto o método que consiste em se elevar do abstrato ao concreto é apenas a

maneira que o pensamento tem de se apropriar do concreto, de reproduzi-lo enquanto

concreto do espírito, mas não é, de forma alguma, o processo de gênese do próprio

concreto.”220

Em suma, a posição de Rosdolsky acerca do importante problema da

emancipação, não obstante sua possível contribuição para a interpretação da obra de

maturidade de Marx - fato ou não, aqui não é o lugar para uma avaliação dessa

natureza –, foi referida na parte conclusiva da presente dissertação, na medida em que

exemplifica certa porção das abordagens mais ventiladas a respeito. Parece ter se

tornado quase consensual a idéia de que muito, para não dizer tudo, na obra de Marx,

inclusive a problemática em tela, decorre da utilização do método dialético. Embora

não se trate, aqui, de esgotar a questão, é necessário advertir para as deficiências do

metodologismo ou, mesmo, logicismo, quando se trata de analisar a obra marxiana.

Lukács, em obra publicada postumamente221, já havia assinalado que “todo

leitor sereno de Marx não pode deixar de notar que todos os seus enunciados

concretos, se interpretados corretamente, fora dos preconceitos da moda, em última

análise, são entendidos como enunciados diretos sobre algum tipo de ser, isto é, são

puras afirmações ontológicas”. Ademais, enfatiza, em diversos momentos de seu

livro, que a questão metodológica em Marx se encontra subordinada a fundamentos

de caráter ontológico, não podendo, portanto, ser devidamente compreendida de

modo autônomo.

220 MARX, K., op. cit., tomo I, p. 35221 Per l’Ontologia dell’essere sociale, “I princípi ontologci fondamentali di Marx”, Editori Riuniti, pp.261 e ss.

141

Page 142: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

Chasin, em escrito datado de 1995, demonstrou a gravidade do quadro

herdado das querelas gnosio-epistêmicas, que dominaram os debates em torno da

obra de Marx. Segundo este autor, “sobre o ‘critério gnosiológico’, para usar uma

expressão lukacsiana, de abordagem do pensamento de Marx pesa um ônus muito

especial, designadamente porque a obra marxiana é a negação explícita daquele

parâmetro na identificação da cientificidade, tendo sua própria arquitetônica

reflexiva, por consonância, natureza completamente distinta daquela suposta pelo

epistemologismo. Donde, querer ‘legitimar’por meio de ‘fundamento gnosio-

epistêmico’ as elaborações marxianas é desrespeitar frontalmente seu caráter, e

entorpecer o novo patamar de racionalidade que sua posição facultou compreender e

tematizar, em proveito da apreensão do multiverso objetivo e subjetivo da

mundaneidade humana.”222

Identificar, portanto, no pensamento de Marx a existência de uma tríade à la

Hegel, bem como afirmar que a emancipação decorre de seu movimento interno de

superação é, a nosso ver, atribuir, ao autor em tela, um procedimento não

comprovado pelos textos. Cabendo acrescentar que, quanto à convicção de que seria

possível identificar a existência de uma lógica dialética na obra de Marx - hipótese

com a qual parece compartilhar Rosdolsky e que se afigura como tentativa de

estabelecer um dado vínculo lógico entre Marx e Hegel - os resultados deste trabalho

tendem a negar. Coadunam, estes, por tudo o que foi visto e analisado em passagens e

páginas anteriores, mais com a assertiva de Chasin de que: “não há como ligar esses

dois autores, no plano lógico, por meio de arrimos textuais diretos, não só porque eles

efetivamente inexistem, mas também porque os pronunciamentos marxianos a

222 CHASIN, J. “Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica” in Teixeira,F.J.S. Pensando Com Marx, p.338.

142

Page 143: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

respeito desautorizam essa velha hipótese, bem como exponencialmente suas

declarações relativas à própria atividade científica apontam para rumos inteiramente

diversos.”223

BIBLIOGRAFIA

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

223 Id.,Ib., p. 466-7.

143

Page 144: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

MARX, K. Grundrie der Kritik der Politischen Ökonomie. Dietz Verlag, Berlim,

1974.

______. Manuscrit de 1857-1858 (“Grundrisse”), dois tomos. Editions Sociales,

Paris, 1980.

______. Elementos Fundamentales para la Critica de la Economia Política -

Grundrisse. Vol. I e II. Siglo Veintiuno, Buenos Aires, , 1971.

______. GRUNDRISSE - Lineamientos fundamentales para la crítica de la economía

política 1857-1858. Vol. I e II. Fondo de Cultura Económica, México, 1985.

______. Principes d'une Critique de l'Economie Politique. In Karl Marx Oeuvres,

coleção dirigida por Maximilien Rubel, Vol. Economie II, Gallimard, Paris, 1968.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR

ALVES, A A Individualidade nos Grundrisse de Karl Marx. Fafich-UFMG.

(Dissertação de mestrado em Filosofia), Belo Horizonte, 1999.

CHASIN, J. “Rota e Prospectiva de um Projeto Marxista”. In Ensaios Ad Hominem

1. Ad Hominem, São Paulo, 1999.

_____. “Marx no Tempo da Nova Gazeta Renana”. In A Burguesia e a Contra-

Revolução. Ensaio, São Paulo, 1993.

_____. "Marx - Estatuto Ontológico e Resolução Metodológica". In TEIXEIRA, F.

J.S., Pensando com Marx. Ensaio, São Paulo, 1995.

CHASIN, M. O Complexo Categorial da Objetividade nos Escritos Marxianos de

1843 a 1848. Fafich-UFMG. (Dissertação de mestrado em Filosofia), Belo

Horizonte, 1999.

144

Page 145: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

DUSSEL, E. "As Quatro Redações de O Capital (1857-1880)". In Ensaios Ad

Hominem 1, Tomo I. Ad Hominem, São Paulo, 1999.

_____. La Producción Teórica de Marx, un comentario a los Grundrisse. Siglo

Veintiuno, México, 1985.

EAGLETON, T. Ideologia. São Paulo, Boitempo, 1997.

HABERMAS, J. Connaissance et Intérêt. Gallimard, Paris, 1976.

_____. La Technique et la Science comme Idéologie. Gallimard, Paris, 1973.

INGRAM, D. Habermas e a Dialética da Razão. Brasília, UnB, 1994.

LUKÁCS, G. Per L’Ontologia dell’Essere Sociale. Riuniti, Roma, 1976.

______. Ontologia do Ser Social - Os Princípios Ontológicos Fundamentais de

Marx. Livraria Editora Ciências Humanas, São Paulo, 1979.

MANDEL, E. Pensamento Econômico de Marx. Zahar, Rio de Janeiro, 1980.

MARKUS, G. Langage et Production. Denoël / Gonthier, Paris, 1982.

MARX, K. A Ideologia Alemã I. Presença, Lisboa, 3ª Edição.

______. Correspondance – K. Marx, F. Engels, tomo V. Ed. Sociales, Paris, 1971.

______. "Entrevista com o fundador do Socialismo Moderno", Chicago Tribune,

dezembro de 1878. In Marx Hoje 1. Ensaio, São Paulo, 1990.

______. Para a Crítica da Economia Política. Abril Cultural, São Paulo, 1982.

______. Teses Ad Feuerbach. In Oeuvres. Vol. Philosophie. Gallimard, Paris, 1982.

______. Manuscrits de 1844. Editions Sociales, Paris, 1969.

______. Misère de la Philosophie. Editions Sociales, Paris, 1946.

MÉSZÁROS, I. O Poder da Ideologia. Ensaio, São Paulo, 1996.

ROSDOLSKY, R. Génesis y Estructura de El Capital de Marx (estudios sobre los

Grundrisse). Siglo Veintiuno Editores, México, 1979.

RUBEL, M. Crônica de Marx. Ensaio, São Paulo, 1991.

145

Page 146: Dissertação - Atividade sensível e emancipação humana nos Grundrisse de Karl Marx

VAISMAN, E. "A Ideologia e sua Determinação Ontológica". Ensaio 17/18. São

Paulo, Ensaio, 1991.

______. "A Usina Onto-Societária do Pensamento". Ad Hominem 1. São Paulo, Ad

Hominem, 1999.

VIEIRA, Z. Perspectiva Sociológica e Resolubilidade Política no Pensamento de J.

Habermas e L. Boff. Fafich-UFMG. (Monografia apresentada ao Depto. de

Sociologia e Antropologia), Belo Horizonte, 1999.

VILASSANTI, E. C. O Complexo Categorial da `Atividade Humana` na Obra

Marxiana.. Fafich- UFMG. (Dissertação de mestrado em Filosofia), Belo Horizonte,

1999.

146