Dissertacao Igor Pantoja

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  • IGOR PANTOJA

    PLANEJAMENTO PRIVADO SOCIAL:

    prticas da CVRD (Vale S.A.) em municpios do Maranho

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Ps-Graduao em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.

    Orientador: Prof. Dr. Henri Acselrad

    Rio de Janeiro 2012

  • IGOR PANTOJA

    PLANEJAMENTO PRIVADO SOCIAL:

    prticas da CVRD (Vale S.A.) em municpios do Maranho

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Ps-Graduao em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, como parte dos requisitos necessrios obteno do grau de Mestre em Planejamento Urbano e Regional.

    Aprovado em:

    BANCA EXAMINADORA

    _________________________________________________

    Prof. Dr. Henri Acselrad Orientador. Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional UFRJ

    _________________________________________________

    Prof Dr. Cibele Saliba Rizek Escola de Engenharia de So Carlos - USP

    _________________________________________________

    Prof Dr Paola Cappelin Instituto de Filosofia e Cincias Sociais - UFRJ

  • AGRADECIMENTOS

    A cada dia vejo mais que uma trajetria acadmica no constituda apenas de aulas, projetos de pesquisa, ou de publicaes. Tudo isto muito importante, porm, a dedicao pessoal, a paixo pelo conhecimento e a crtica constante sobre seu objeto e sobre a pesquisa enquanto prtica no se aprende em cursos de metodologia ou em avaliaes da CAPES. A partir de pessoas como meu orientador, Henri Acselrad, e das relaes estabelecidas com diversos interlocutores desta pesquisa, esboo aqui minha deferncia com aqueles que se encontram comprometidos com a busca por mais justia social (e ambiental) e com a defesa dos Direitos Humanos, entre eles pessoas como o Padre Drio Bossi, os professores do Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA/UFMA) e a Prof Maria Clia Coelho a quem mais do que especialmente agradeo os excelentes comentrios durante a banca de qualificao. Agradeo imensamente aqueles que apoiaram a pesquisa de campo, como a Sra. Neide e sua famlia, em Aailndia, o Sr. Mrio e sua famlia em Alto Alegre do Pindar, assim como os diversos entrevistados nas prefeituras e secretarias municipais das cidades pesquisadas. Sem a ajuda dos diversos funcionrios da Fundao Vale (e de suas contratadas) e da prpria Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) que aceitaram me receber e compartilhar as informaes sobre a atuao da empresa no Maranho, esta pesquisa no teria sido possvel. A busca pelo Maranho tambm no foi de maneira fortuita. O desejo por se aproximar do que se passa na terra de meus pais e de minha extensa e terna famlia foi, sem dvidas, um dos atrativos do objeto. Agradeo assim as portas (sempre) abertas de minha famlia em So Lus, Carutapera MA e em qualquer outro lugar onde estejam. Na famlia, o indispensvel agradecimento aos meus pais, Sano Torres e Maria Amlia Pantoja pelo amor e carinho que sempre tiveram comigo, que s no mais importante que a admirao que tenho por eles. Da mesma maneira aos meus tios (primognito e Padrinho) Jos Eustquio e (caula e Socilogo) lio Pantoja. Obrigado Natalia, pelo Rio, pela Bahia e pela vivncia destes ltimos (e primeiros) anos.

    Ao B-205 e os amigos de Rio e de mundo, como Luiz Felipe, Juliano, Pricles, BU, Raquel Gonzalo, Lvia Renn e Camila Fernandes. A Mara Gerstner, pelo Cafofo.

  • Aos amigos da Associao de Ps-Graduandos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (APG-UFRJ), pela insistncia na busca por uma Poltica de Assistncia Estudantil Ps-Graduao da UFRJ e para que os agradecimentos s agncias de fomento sejam cada vez mais sinceros. Agradeo ao CNPQ pela concesso de bolsa de pesquisa, sem a qual esta dissertao no teria sido possvel.

  • RESUMO

    Nos anos 1970 e 1980 a temtica dos Grandes Projetos de Investimento (GPIs) foi muito debatida no Brasil, principalmente por conta das grandes obras de infraestrutura e dos projetos industriais baseados em recursos naturais instalados no pas, notadamente na regio Amaznica. Nesta poca refletiu-se muito sobre os impactos que estes projetos teriam sobre as populaes que viviam na regio e seus efeitos sobre a organizao territorial nestes espaos. neste campo de discusses que a presente dissertao se insere, buscando compreender contemporaneamente os mecanismos utilizados por empresas para dar continuidade aos seus projetos e como vm se dando as relaes com as populaes que vivem nas regies em que atuam. A pesquisa foi

    realizada em trs municpios do Estado do Maranho, situados ao longo da Estrada de Ferro Carajs (EFC) e atravessados pelos investimentos da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD): Aailndia, Alto Alegre do Pindar e Arari. O objeto de anlise foi a relao entre estes municpios (a partir de agentes da prefeitura, servidores pblicos, lideranas locais, movimentos sociais e participantes dos projetos financiados pela empresa) e a CVRD (conjuntamente com a Fundao Vale) por meio das prticas de responsabilidade social da empresa. Assim, a pesquisa buscou apresentar os papis que CVRD e Fundao Vale vm cumprindo nestes municpios, assim como evidenciar os vultosos recursos pblicos utilizados em suas aes, que constituem, assim, prticas de planejamento privado social.

    Palavras-chave: Responsabilidade Social Empresarial. Grandes Projetos de Investimento. Vale S.A.. Maranho.

  • ABSTRACT

    In 1970s and 1980s the Large Investment Projects (LIPs) theme was much debated in Brazil, mainly because of the great infrastructure works and industrial projects accomplished with natural resources located in the country, mainly in the Amazon region. In that time, the impacts caused on the people living in the land was much debated along with the outcome on the territorial organization in those spaces. The present dissertation addresses to this field of discussion, seeking to comprehend in a contemporary way the mechanisms used by companies to follow up their projects and how the relation with the local people has been taking place. The research was performed in three cities of the Maranho State, situated along the Estrada de Ferro Carajs (EFC) and crossing through the Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) investments: Aailndia, Alto Alegre do Pindar e Arari. The analysis object was the relation between these cities (prefecture agents, public servers, local leaderships, social movements and participants of the projects financed by the company) and CVRD (along with the Fundao Vale) through the companys social responsibility practices. In that way, this research pursued to present the roles CVRD and the Fundao Vale have been filling in these cities, as well as bespeak the bulky public resources used in their actions, which constitute practices of social private planning.

    Keywords: Corporate Social Responsibility. Large Investment Projects. Vale S.A.. Maranho.

  • RESUMEN

    Durante los aos 1970 y 1980 la temtica de los Gran Proyectos de Inversiones (GPIs) fue muy debatida en Brasil, principalmente por causa de las megas obras de infraestructura y de los proyectos industriales basados en recursos naturales instalados en el pas, especialmente en la regin Amaznica. En esta poca se reflexion bastante sobre los impactos que estos proyectos tendran sobre las populaciones que vivan en la regin y los efectos sobre la organizacin territorial de estos espacios. En este campo de discusiones es donde la presente disertacin se insiere, buscando comprender contemporneamente los mecanismos utilizados por las empresas para dar continuidad a sus proyectos y como se vienen dando las relaciones con las populaciones que viven en las regiones en las que actan. La investigacin fue realizada en tres municipios del Estado de Maranho, situados a lo largo de la Estrada de Ferro Carajs (EFC) y atravesados por las inversiones de la Companhia Vale do Rio Doce (CVRD): Aailndia, Alto Alegre do Pindar y Arari. El objeto de anlisis fue la relacin entre estos municipios (a travs de agentes de la prefectura, servidores pblicos, lderes locales, movimientos sociales y participantes de los proyectos financiados por la empresa) y la CVRD (conjuntamente con la Fundao Vale) a travs de las prcticas de responsabilidad social de la empresa. El estudio indag sobre algunos de los roles que la CVRD y la Fundao Vale vienen cumpliendo en estos municipios, as como dej manifiesto e evidenci los voluminosos recursos pblicos utilizados en sus acciones, que constituyen, prcticas de planeamiento privado social.

    Palabras-claves: Responsabilidad Social Empresarial. Grandes Proyectos de Inversiones. Vale S.A.. Maranho.

  • LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1. rea do Programa Grande Carajs. 15

    Figura 2. Mapa da Estrada de Ferro Carajs, com municpios 56

    Figura 3. Quadro geral de propostas do PGI para a EFC 69

    Figura 4. Estrutura de aes do PGI para a EFC 71

    Figura 5. Braso do municpio de Alto Alegre do Pindar 90

    Figura 6. Logomarca da atual gesto (2009-2012) da Prefeitura de Alto Alegre 90 do Pindar

    Figura 7. Vendedores ambulantes em Alto Alegre do Pindar 91

    Figura 8. Estudante atravessando a ferrovia sob o trem 92

    Figura 9. Ao Sade apoio gesto pblica para dilogo e ao integrada com 103 a sociedade civil no campo da sade maternoinfantil (Parceria Social Pblico-Privada PSPP)

    Figura 10. Inaugurao da Estao Conhecimento de Arari-MA 107

  • LISTA DE QUADROS

    Quadro 1. Investimentos da Fundao Vale, por municpio 2010 20

    Quadro 2. Ano de criao, rea, localizao, n de projetos da Fundao Vale, 24 IDH, populao (1991, 2000 e 2010) e PIB per capita dos municpios pesquisados

    Quadro 3. Movimentao de carga na EFC (2006 a 2010 e mdia anual), 40 em milhares de toneladas

    Quadro 4. Montantes especificados como investimento social da CVRD e 61 lucro lquido, de 2005 a 2010, em US$milhes

    Quadro 5. Investimentos da Fundao Vale em projetos, por Estado 64

    Quadro 6. reas de atuao da Fundao Vale, de acordo com o PGI 72

    Quadro 7. Nmero de acidentes na EFC, inclusive com leso grave ou morte 92 (2006 a 2010)

    Quadro 8. Mdia anual de acidentes na EFC, inclusive com Leses Graves ou 92 morte (2006 a 2010)

  • LISTA DE GRFICOS E TABELAS

    Grfico 1. Evoluo da produo de ferro-gusa a carvo vegetal - Brasil e 30 Regio de Carajs - (PA e MA) - em milhes de toneladas

    Tabela 1. Produto Interno Bruto a preos correntes (2004 a 2008), Taxa de 81 crescimento anual (2004 a 2008) e Produto Interno Bruto per capita (2008)

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    ALBRS Alumnio Brasileiro S.A.

    ALUMAR Consrcio de Alumnio do Maranho S.A.

    ALUNORTE Alumina do Norte do Brasil S.A.

    BASA Banco da Amaznia S.A.

    BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social

    CEPLAN Consultoria Econmica e Planejamento

    CMDCA Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente

    COMUCAA Conselho Municipal dos Direitos da Criana e do Adolescente de Aailndia-MA

    CRAS Centro de Referncia da Assistncia Social

    CVRD Companhia Vale do Rio Doce

    ECA Estatuto da Criana e do Adolescente

    EFC Estrada de Ferro Carajs

    ELETRONORTE Centrais Eltricas do Norte do Brasil S.A.

    ENSP Escola Nacional de Sade Pblica Srgio Arouca

    EIA Estudo de Impacto Ambiental

    FIOCRUZ Fundao Oswaldo Cruz

    FGH Fundo Garantidor da Habitao

    FIA Fundo Municipal da Infncia e Adolescncia

    FRD Fundo para o Desenvolvimento Regional com Recursos da Desestatizao

    FUNAI Fundao Nacional do ndio

  • GPI Grandes Projetos de Investimento

    IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

    INCRA Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria

    IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

    IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

    MEC Ministrio da Educao

    MOPS Movimento Popular de Sade

    MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra

    ONG Organizao No-Governamental

    OSCIP Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico

    PAC Plano de Acelerao do Crescimento

    PAR Plano de Aes Articuladas

    PDAM Plano de Desenvolvimento da Amaznia

    PDE Plano de Desenvolvimento da Educao

    PFC Projeto Ferro Carajs

    PGC Programa Grande Carajs

    PGI Plano de Gesto Integrada em Socioeconomia

    PIB Produto Interno Bruto

    PIN Plano de Integrao Nacional

    PND Plano Nacional de Desenvolvimento

    POLAMAZONIA Programa de Plo Agropecurios e Agrominerais da Amaznia

    PROSANEAR Programa de Saneamento Para Populaes de Baixa Renda

  • PROTERRA Programa de Redistribuio de Terras e de Estmulo Agroindstria do Norte e Nordeste

    RIMA Relatrio de Impacto Ambiental

    SAEB Sistema de Avaliao da Educao Bsica

    SEPLAN Secretaria de Planejamento da Presidncia da Repblica

    SPVEA Superintendncia de Valorizao Econmica da Amaznia

    SUDAM Superintendncia de Desenvolvimento da Amaznia

    SUDENE Superintendncia de Desenvolvimento do Nordeste

  • SUMRIO

    INTRODUO 14

    1 HISTRICO DA ATUAO DA CVRD NA AMAZNIA 26 1.1 SIDERURGIA E CONFLITOS SOCIAIS NO MARANHO 29

    1.2 OS GRANDES PROJETOS DE INVESTIMENTO (GPIS) 36

    2 ATUAO SOCIAL COMO AO POLTICA 40

    (INTERESSE PRIVADO E AO PBLICA) 2.1 ONGS, SOCIEDADE CIVIL, EMPRESAS 47

    3 A POLTICA DA CVRD PARA SUA REA DE 57

    INFLUNCIA 3.1 FUNDAO VALE 59

    3.2 INSTRUMENTOS UTILIZADOS PELA CVRD E 63

    FUNDAO VALE COMO SE ESTRUTURAM SUAS

    INTERVENES

    3.3 A VIABILIZAO DOS PROJETOS DA FUNDAO 75

    3.4 OS PROJETOS

    4 POLTICAS PBLICAS E PLANEJAMENTO PRIVADO 80 4.1 A PRESENA DA CVRD EM AAILNDIA 81

    4.2 A INSERO DA FERROVIA EM ALTO ALEGRE DO 88

    PINDAR

    4.3 ARARI E AS PARCERIAS PBLICO-PRIVADAS 100

  • 5 CONSIDERAES FINAIS 110

    REFERNCIAS 117

    ANEXO 124

  • 14

    INTRODUO

    A presente dissertao busca contribuir para um debate que surge no Brasil, ainda nos anos 1970, em torno dos chamados Grandes Projetos de Investimento (GPIs) e seus efeitos sobre a (re)organizao social, ambiental e territorial dos locais e regies em que se instalam. Seguindo a ampla literatura da rea de planejamento urbano e regional que trata do tema, buscaremos contribuir para a compreenso das formas contemporneas de influncia e exerccio do poder por certas empresas (no caso, a Companhia Vale do Rio Doce - CVRD1) nas regies em que esto instalados seus projetos produtivos. A partir do histrico dos diversos impactos que a atuao da CVRD tem provocado na regio amaznica e das atuais prticas ditas de responsabilidade social empresarial, a pesquisa pretende mostrar novas formas de legitimao da presena da empresa, de seus mecanismos de apropriao do territrio e de seus recursos nos municpios da rea de influncia da Estrada de Ferro Carajs (EFC), e de maneira mais especfica, no estado do Maranho.

    No caso estudado, dos municpios situados ao longo da EFC, o histrico dos projetos (Programa Grande Carajs e Projeto Ferro Carajs) revela diversas tentativas de planejamento da regio, seja diretamente pelas instituies criadas no interior do aparelho de Estado, pela empresa estatal, ou, atualmente, em seguida, pela empresa privada, atravs de mecanismos jurdico-polticos de controle social e territorial. Por outro lado, efeitos sociais, territoriais e ambientais diversos foram sendo mostrados pelas diversas pesquisas realizadas na regio aps a instalao do complexo mina-ferrovia-porto, nos anos 1980, como alteraes nos padres de assentamento populacional, aumento do fluxo migratrio em busca de emprego e terras para agricultura, desflorestamento e, mais recentemente, aumento do monocultivo de eucalipto2.

    importante destacar que o Programa Grande Carajs (PGC) foi um dos maiores programas de desenvolvimento j realizados no Brasil, em virtude de sua vasta rea de implementao (cerca de 900 mil km2) e das mudanas sociais e econmicas ocorridas nas regies em que

    1 Em 2007 o nome fantasia da empresa foi alterado para Vale S.A., como chamada nas bolsas de valores, porm a razo social da empresa permanece a mesma. Agradeo Prof Maria Clia Coelho a advertncia sobre esta questo. 2 A bibliografia de pesquisas sobre os GPIs extensa, inclusive sobre os projetos na Amaznia. Diversos autores que trataram do tema foram utilizados na presente pesquisa, como (COELHO, 1991), (GISTELINCK, 1988), (HALL, 1991), (PIQUET, 1989), (S, 1987), (VAINER e ARAJO, 1992), (VAINER, 1989), (PINTO, 1982) e (LAURELLI, 1987).

  • 15

    houve implantao de projetos. Criado por decreto do Governo Federal em 19803, a regio-programa foi estabelecida a partir de uma estrutura de incentivos fiscais, econmicos e fundirios criados como mecanismo para o desenvolvimento regional a partir da instalao de projetos hidreltricos, metalrgicos e agro-industriais privados.

    Figura 1. Mapa com a rea do Programa Grande Carajs. Fonte: Adaptado de IMPACTO, [s/d].

    At o ano de 1991, quando o PGC foi extinto, dezenas de projetos privados foram contemplados com os incentivos do Programa, que buscava estabelecer uma plataforma de exportao de produtos a partir da indstria extrativa, baseada nos abundantes recursos minerais da regio amaznica. A partir destes recursos, um dos objetivos do governo era o estabelecimento de cadeias produtivas que pudessem agregar valor a esta produo, a ser desenvolvida no interior da rea de abrangncia do Programa.

    Buscou-se assim, a partir da ideologia da integrao nacional, a expanso da fronteira capitalista rumo Amaznia, desta vez levando o poder da indstria regio e buscando integr-la ao mercado nacional (seja atravs de matrias-primas ou fontes energticas, como a hidreltrica de Tucuru, que alimenta o Sistema Eltrico Nacional) e, cada vez mais, internacional, uma vez que o minrio de ferro extrado em Carajs quase completamente voltado exportao (BNDES 2000, CARNEIRO, 2009).

    3 Decreto-lei n 1813/80.

  • 16

    Ainda que o PGC no tenha obtido os resultados que o Governo Militar esperava, com a irradiao do crescimento econmico gerado pelas atividades extrativo-minerais e o desenvolvimento de cadeias produtivas locais a partir dos recursos naturais, muitos projetos industriais foram adiante e ainda hoje so muito influentes economicamente na regio, como as siderrgicas de Aailndia-MA e Marab-PA, o complexo mina-ferrovia-porto, da CVRD, a ALUMAR em So Lus-MA, e a ALBRS e ALUNORTE em Barcarena-PA todos estes empreendimentos que contaram com incentivos do PGC na poca de sua instalao.

    A atuao empresarial na regio foi crescendo, portanto, em paralelo aos investimentos (sejam eles produtivos ou sociais). Em 2010 iniciou-se a duplicao da Estrada de Ferro Carajs e a construo do Per IV (no Porto da Ponta da Madeira, em So Lus-MA), ambos pela CVRD, tendo em vista o aumento da produo de minrio de ferro em Carajs, que passaria assim das atuais 100 milhes de toneladas de capacidade anual para at 230 milhes de toneladas por ano at 2015 (FERROVIA..., 2010). Para se ter uma ideia do que representa este volume, na dcada de 1980 quando se iniciaram as operaes extrativas no sul do Par, as previses mais otimistas eram de um transporte mdio de 35 milhes de toneladas anuais de minrio pela ferrovia.

    Para tal expanso, em 2008 foi acertado um emprstimo da CVRD junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES) no valor de R$7,3 bilhes de reais, efetivando assim o maior emprstimo do Banco a uma nica empresa em toda a sua histria. Este valor ser utilizado na duplicao da ferrovia e construo do Per IV no Porto da Ponta da Madeira, em So Lus-MA. O investimento mais que 50% superior ao montante aplicado no incio do projeto, de US$2,8 bilhes (ou R$5,04 bilhes, com o dlar a R$1,80) (PIQUET, 1989, p. 32), e vale lembrar ainda que o programa global de investimentos da empresa at 2015, totaliza R$59 bilhes.

    Pode-se dizer que este papel de investidor 4 da empresa privada novo dentro do histrico de planejamento da regio amaznica, uma vez que at a privatizao da Companhia, em 1997, esta era uma empresa pblica, que contava com a fora do Estado Nacional por trs e tinha a

    4 Busca-se aqui diferenciar esta figura do investidor (inclusive por conta do investimentos social) dos antigos projetos de desenvolvimento capitaneados pelo Estado Nacional por meio das empresas estatais, como a CVRD nos anos 1980. A questo do lucro nestes projetos j era o objetivo, claro, porm, havia um projeto de integrao [capitalista, vale dizer] nacional maior por trs. Um exemplo dos riscos assumidos pelo Estado no Projeto Ferro Carajs so um exemplo disso, uma vez que a US Steel, antiga proprietria do direito de lavra na provncia mineral de Carajs, vendeu sua participao na Amaznia Minerao S/A para a CVRD por no ter quisto assumir os riscos econmico-financeiros do projeto (HALL, 1991).

  • 17

    legitimidade do poder pblico (alm do Tesouro como avalista). Ainda que tenham havido iniciativas privadas anteriores como a Fordlndia, em Itaituba-PA, ou a ICOMI, em Serra do Navio, no estado do Amap, estas experincias se instalaram de maneira isolada na regio, constituindo fisicamente apenas a rea produtiva e a company-town em ambos os casos. Nestes empreendimentos, as vilas ou a ideia de uma cidade (buscada em Fordlndia) no prosperaram no tempo, e no foram acompanhadas por um crescimento (econmico e demogrfico) das regies e municpios vizinhos queles em que se instalaram. Proposta, portanto, bem diferente do complexo mina-ferrovia-porto da CVRD, que conjuga grandes reas de extrao mineral, a ferrovia, industrializao (produo siderrgica, como nas guserias de Marab-PA e Aailndia-MA) e embarque da produo a centenas de quilmetros dali, no porto em So Lus-MA. Diversos municpios so atravessados pela ferrovia, e os efeitos da produo (negativos e positivos) so diretamente vivenciados pelos habitantes.

    neste contexto que a CVRD se sobressai ainda mais na regio, no final da dcada de 1990, enquanto empresa privada, pois comea a obter grandes ganhos e perspectivas de crescimento da em Carajs, ampliando a explorao mineral em outras reas da Serra de Carajs. O poder econmico da CVRD aliado sua enorme rea de explorao difere substancialmente de outros projetos da regio, como aqueles iniciados tambm nos anos 1980 (caso da ALUNORTE e ALBRS, por exemplo). Nestes casos, por mais que tenha havido expanses na produo, sua rea de influncia muito menor, pois situam-se em um distrito industrial especfico5, fazendo parte de uma dinmica territorial em escala bem inferior da CVRD.

    Tendo em vista o papel de destaque que a Companhia representa na Amaznia Oriental desde os anos 1980, seu papel de investidor do desenvolvimento da regio contemporaneamente passa a ter que se dar no somente no plano econmico ou atravs do interesse imediato - seja prprio, da empresa ou em nome do interesse nacional, como se buscava justificar na poca do regime militar. Sua interveno no espao social agora exige uma srie de mediaes e novas justificaes6, voltadas ao que seria a busca do convencimento dos envolvidos no processo inclusive as populaes afetadas pela sua dinmica. No entendimento daquilo que se entende como uma sociologia da empresa, Kirschner (2009) chama ateno ao papel de

    5 No municpio de Barcarena, estado do Par.

    6 Ainda que as novas justificaes sejam atravs das mesmas palavras, principalmente a partir da ideia de

    desenvolvimento, acredita-se que o repertrio de prticas de que a empresa se serve se alterou muito dos anos 1980 para o presente momento.

  • 18

    ator poltico desempenhado pela empresa, que recorre a diversos instrumentos a seu alcance para assim se afirmar:

    A empresa contempornea no se limita a gerir e manter recursos econmicos, tcnicos e humanos, como foi o caso at alguns anos atrs. Hoje, ela continua a agir como ator poltico, mas buscando novas formas de legitimidade, que variam segundo os contextos polticos e econmicos. (KIRSCHNER, 2009, p. 22)

    Nos anos 1990, pelo menos desde a privatizao, a CVRD aumenta sua atuao social em paralelo aos seus projetos produtivos na regio. Contando agora apenas com suas prprias foras e criatividade, uma vez que no goza mais da legitimidade (e do poder) de ser pblica, estatal. Assim, a Companhia passa a desenvolver uma srie de investimentos sociais; a partir da ideia de sustentabilidade, a Responsabilidade Social Empresarial se torna um poderoso artifcio de relacionamento da empresa com as populaes impactadas por sua atuao. Por isso pode-se afirmar que ela age estrategicamente, utilizando-se de inmeros mecanismos jurdicos para realizar as chamadas parcerias com prefeituras, governos e Organizaes No-Governamentais (ONGs) a fim de gozar de uma boa imagem e reconhecimento na regio. Nas palavras do prprio Roger Agnelli, ex-presidente da empresa:

    Responsabilidade social para a Vale do Rio Doce uma questo estratgica. Porque voc no sustenta uma empresa de recursos naturais no longo prazo se no for bem aceito na comunidade, se no for bem percebido e no atuar de forma decisiva no destino daquela comunidade onde voc est [...] (PILLAR, 2006, p. 47 apud KIRSCHNER, 2009)

    Uma das preocupaes presentes na pesquisa com aquilo que tem se caracterizado como prticas de planejamento social privado, alm de buscar apresentar e discutir criticamente quem so os atores que vm participando deste processo e, indo mais alm, executando este mesmo planejamento. Desta forma, elucidam-se formas de exerccio de poder e seus diversos modos de operacionalizao no territrio, para alm da conhecida influncia das grandes empresas sobre a classe poltica, exercido diretamente, como no caso dos financiamentos de campanha eleitoral7. No caso da atuao da CVRD no Maranho, pode-se dizer que tais prticas tm sido desenvolvidas por meio de instrumentos como a propagada Parceria Social Pblico-Privada, que a Fundao Vale tem desenvolvido em municpios do Maranho e de

    7 A governadora do estado do Maranho, Roseana Sarney (PMDB) recebeu a maior doao da Vale S.A. a um

    candidato a governador nas eleies de 2006, atravs de doao de R$1.300.000,00 realizada pela Caemi Minerao S/A (empresa pertencente CVRD), de acordo com informaes do Tribunal Superior Eleitoral.

  • 19

    Minas Gerais8. Este tipo de relao pblico-privada toma contornos mais crticos quando se leva em conta os financiamentos destas aes, que utilizam verbas pblicas e programas sociais federais (como especificado no Captulo 3) para levar a cabo tais processos.

    Neste sentido, a busca por um local de pesquisa em que se evidenciam as grandes assimetrias de poder entre populao, poder pblico e agentes privados - no qual h o quase-monoplio de atuao de um agente privado, como uma grande empresa - surge como uma oportunidade para se pensar, de maneira mais ampla, novas formas e territorialidades de sua atuao. Por isso a questo dos Grandes Projetos de Investimento na Amaznia, muito discutida ainda nos anos 1980, aqui retomada, e o Maranho, um dos estados mais pobres do Brasil, trazido para o centro da anlise, por conta das aes sociais da CVRD nos municpios ao longo da EFC.

    Segue abaixo um quadro com os programas executados pela Fundao Vale no estado do Maranho, em 2010.

    8 Ver Relatrio de Sustentabilidade. Vale (2009). Disponvel em www.vale.com.

  • 20

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    nic

    pio

    MARANHO 90 1. So Lus X X X X X X 6 2. Bacabeira X X X 3 3. Santa Rita X X X X X X 6 4. Anajatuba X X X X 4 5. Itapecuru Mirim X X X 4 6. Miranda do Norte X X X 3 7. Arari X X X X X X X X 8 8. Vitria do Mearim X X X X X 5 9. Igarap do Meio X X X 3 10. Mono X X 2 11. Santa Ins X X X 3 12. Pindar-Mirim X X X X X X 6 13. Tufilndia X X X 3 14. Alto Alegre do Pindar X X X X X X X 7 15. Buriticupu X X X 3 16. Bom Jesus das Selvas X X X X X 5

    17. Aailndia X X X X X X X X 8 18. So Francisco do Brejo X 1 19. Cidelndia X X X 3 20. Vila Nova dos Martrios X X X 3

    21. So Pedro da gua Branca X X X X X 5

    TOTAL 5 2 6 8 3 16 18 4 20 4 1 3 91

    Quadro 1. Investimentos da Fundao Vale, por municpio - 2010. (com destaque para os municpios em que foi realizada pesquisa de campo) Fonte: Fundao Vale.

    Salta aos olhos a desigualdade de poder econmico existente entre a empresa e os municpios limtrofes EFC9. Desta forma, as atuaes da CVRD so vistas geralmente com esperana pelos habitantes da regio, nutrida desde os primeiros investimentos da Companhia, ainda nos anos 1980. Porm, por outro lado, h quem veja tambm na presena da empresa, a responsabilidade pelo aumento da presso fundiria, e pelo aprofundamento dos processos de expropriao camponesa, j tradicionais no estado. Deste modo aes localizadas de responsabilidade social tomam outras dimenses em relao ao que se est acostumado a

    9 Para um panorama da poca da implantao da Estrada de Ferro Carajs ver GISTELINCK, 1988, e para um quadro atual da situao econmico-social dos municpios ver IMESC, 2010,

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    ver no centro-sul do pas, onde essas prticas vm num movimento crescente desde os anos 1980, ainda que diludas atravs da ao de diversas empresas (IPEA, 2006). Somente naquele estado a Fundao Vale desenvolve 90 projetos (em 2010), distribudos por 21 municpios.

    O foco da pesquisa , portanto, o Maranho, por conta da grande quantidade de projetos desenvolvidos pela empresa ali situados e da extenso territorial (principalmente por conta da ferrovia) influenciada pela CVRD. Para se ter uma ideia, dos 892Km que a ferrovia percorre, 668Km esto neste estado, e dos cento e trs povoados atravessados pela ferrovia, noventa encontram-se ali10. no Maranho que se situam onze estaes de passageiros (de um total de quinze), atravessando assim, um total de vinte e um municpios no estado (do total de vinte e cinco que a ferrovia perpassa). Interessa pesquisa, ento, compreender os processos que se desenrolam para a consolidao da influncia da empresa na regio; quais os mecanismos utilizados e quem so os atores envolvidos? Como se d esta ampla atuao social da empresa na regio? So recursos de onde? Como se d a relao entre a CVRD (e sua Fundao Vale) e os municpios? So as relaes que a pesquisa busca conhecer.

    A organizao da dissertao se d a partir desta Introduo, na qual feita uma apresentao da pesquisa e das principais questes que sero tratadas ao longo da dissertao, alm de quatro outros captulos e das consideraes finais. O primeiro captulo faz uma retomada, do ponto de vista histrico, da atuao da empresa na regio e do que significa(ra)m os Grandes Projetos de Investimento na Amaznia brasileira, retomando assim ateno sobre uma srie de consequncias para a dinmica territorial naquele espao a partir das aes desenvolvidas nestes projetos. O segundo captulo realiza uma discusso sobre o que se entende como ao empresarial e porqu se focaliza o interesse de pesquisa na empresa, a partir de uma reflexo sobre as territorializaes que exerce naquele espao. Busca-se explorar assim os diversos nveis analticos destas aes, contextualizando a atuao da CVRD (Vale S.A.) em relao s dinmicas societrias mais amplas e ao papel cada vez mais proeminente que a atuao empresarial em aspectos extra-econmicos, inclusive - vem tendo no mundo contemporneo. Ainda que diversos estudos aqui pesquisados sobre a atuao empresarial entendam que esta ocorre a partir de um engajamento voluntrio e com finalidade filantrpica (IPEA, 2006, p. 18), busca-se compreender os efeitos mais amplos desta ao social

    10 Segundo o Mapa Demogrfico da EFC, de 2009, cedido pela CVRD.

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    empresarial sobre os espaos em que se faz presente, para alm da justificativa dos agentes. Entre 2000 e 2004, segundo o IPEA, a proporo de empresas que realizou algum tipo de ao social11 cresceu de 59% para 69% do total analisado, o que totalizaria, segundo o Instituto, cerca de 600 mil empresas realizando aes sociais, de um total de quase 871 mil representadas na amostra. Este dado chama ateno para o espao cada vez maior ocupado pelas empresas no campo social, assim como para os efeitos destas aes sobre a esfera pblica, uma vez que muitas delas so promovidas em reas de poltica social e se do em nome de mecanismos participativos ou mesmo da busca pela efetividade das polticas pblicas e dos direitos sociais.

    No terceiro captulo so apresentadas as polticas da CVRD para os municpios da Estrada de Ferro Carajs. So analisados materiais disponibilizados pela empresa e sua Fundao e sua estratgia de conhecimento e interveno sobre os municpios. Do mesmo modo busca-se dar conta dos caminhos percorridos e traados pela ao empresarial para planejar e intervir estrategicamente sobre as populaes da regio da EFC, atravs de uma srie de programas e projetos sociais desenvolvidos pela Fundao Vale e por consultorias contratadas. O quarto captulo rene as informaes sobre a atuao da CVRD e da Fundao Vale especificamente nos municpios da pesquisa, no Maranho, juntamente com dados municipais e detalhes das aes sociais empreendidas. Neste captulo o objetivo compreender a relao entre a atuao social da empresa e seus contedos polticos, ainda que qualquer politizao de suas aes seja evitada, no discurso dos prprios agentes, que buscam se legitimar a partir da eficincia e da tcnica de suas intervenes sociais. aqui que se pretende descrever as operacionalizaes que a empresa faz de diferentes recursos, influncias e movimentos para colocar em prtica seus projetos analisados, porm, de maneira mais prxima de quem os exercita, para quem e a partir de quais recursos. Evidenciam-se assim os diferentes agenciamentos promovidos pela empresa e sua Fundao em sua relao com os poderes pblicos e com outras instncias organizadas de cada municpio pesquisado.

    A pesquisa de campo foi realizada nos municpios maranhenses de Aailndia, Alto Alegre do Pindar e Arari, alm de entrevistas em So Lus-MA e Rio de Janeiro-RJ (sede da CVRD e da Fundao Vale). A escolha dos municpios levou em considerao questes de ordens

    11 Para a pesquisa Ao Social das Empresas, o IPEA considera uma ao social qualquer atividade que as empresas realizam para atender s comunidades, nas reas de assistncia social, alimentao, sade, educao, meio ambiente e desenvolvimento comunitrio, dentre outras, inclusive quando o beneficirio um empregado ou seu familiar.

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    distintas: Aailndia o maior municpio (em termos econmicos e demogrficos) que a ferrovia Estrada de Ferro Carajs atravessa no Maranho, alm da capital do estado - So Lus. Tambm abriga a maior extenso da ferrovia em seu territrio, 123Km. O municpio um plo industrial do (extinto) Programa Grande Carajs, com 3 grandes siderrgicas instaladas, e abriga o cruzamento da Estrada de Ferro Carajs com a Ferrovia Norte-Sul, tambm operada pela CVRD. em Aailndia tambm que ocorre o entroncamento da rodovia BR-010 (Belm-Braslia) com a BR-222 (que liga o Cear ao sul do Par), o que torna o municpio um plo importante do Sul do Maranho, estando ligado a diversos fluxos de outras regies e tendo maior grau de desenvolvimento urbano em relao aos demais municpios que a ferrovia atravessa no estado. Em Aailndia h 8 projetos implementados pela Fundao Vale (em 2010) .

    O segundo municpio em que foi realizada pesquisa de campo foi Alto Alegre do Pindar, que tem o segundo maior trecho atravessado pela ferrovia, com 89 Km e o municpio com o maior nmero de comunidades atravessadas pela ferrovia. So 16 comunidades, sendo duas indgenas (Terra Indgena Caru etnia Guajajara). No municpio h ainda um histrico de conflitos de algumas comunidades com a CVRD (marcado por diversos fechamentos da ferrovia pelos moradores sendo o mais recente em maio de 2010, pelos indgenas por conta do atraso no repasse das verbas do convnio entre CVRD e FUNAI), o que, combinado com o grande nmero de projetos sociais da empresa, traz tona a funo mediadora de conflitos (ao menos potencial) destas aes sociais. Alto Alegre um dos municpios que mais possui projetos da Fundao Vale (7 no total), junto com Arari, o terceiro municpio em que a pesquisa foi realizada, e que conta com 8 projetos da Fundao. Este, alis, um dos principais motivos da realizao da pesquisa em Arari. Entre os 8 projetos que a Fundao desenvolve no municpio, um a Estao Conhecimento (cuja inaugurao pude acompanhar durante a pesquisa de campo), e considerado pela Fundao seu principal projeto atualmente. Ainda que maiores detalhes sejam apresentados adiante12, possvel adiantar aqui que este empreendimento uma espcie de sntese das aes da Fundao Vale e de sua proposta de Parceria Social Pblico-Privada, pois combina em uma unidade de lazer, educao, trabalho e cultura, recursos pblicos (humanos e financeiros) a um projeto social privado, gerido por uma Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico (OSCIP) e subordinada Fundao Vale.

    12 Ver captulo 3.

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    Ano de

    criao

    rea do municp

    io (Km2)

    Localiz. na EFC -

    a partir de So Lus-MA (em

    Km)

    N de proj. da Fund. Vale

    IDH Popul. (1991) Popul. (2000)

    Popul. (2010)

    PIB per capita -

    em

    R$(2008)

    Arari 1864 1100,3 128 8 0,617 24.826 26.366 28.477 1.222,31

    Alto Alegre do Pindar 1997 1932,3 286 7 0,542 25.726 30.177 31.028 4.068,29

    Aailndia 1981 5806,3 475 8 0,666 63.626 88.320 104.113 17.621,52

    Quadro 2. Ano de criao, rea, localizao, n de projetos da Fundao Vale, IDH, populao (1991, 2000 e 2010) e PIB per capita dos municpios pesquisados. Fonte: IBGE e Fundao Vale (2009).

    A pesquisa de campo foi realizada em trs viagens ao Maranho, alm de entrevistas no Rio de Janeiro-RJ, cedidas por funcionrios da Fundao Vale. A pesquisa no teve objetivo etnogrfico, mas sim o de conhecer as instalaes dos projetos e examinar a atuao da empresa nos municpios pesquisados, a partir de entrevistas e das observaes do pesquisador. Na primeira viagem ao Maranho, em outubro de 2009, foram realizadas entrevistas com funcionrios da CVRD e levantados materiais junto empresa relativos s suas aes sociais no estado. A segunda viagem, em abril/2010 foi realizada no mbito da Caravana Internacional de Atingidos Pela Vale, na condio de pesquisador. Nesta viagem, que percorreu os municpios de Barcarena-PA, Marab-PA e Aailndia-MA, pude participar de atividades junto aos moradores atingidos pelos impactos da atuao da empresa em ambos estados, sendo levantadas uma srie de crticas atuao da empresa e visitados diversos locais em que se configuraram denncias de desrespeito aos Direitos Humanos, principalmente quanto poluio ambiental e a ameaas de expulso de famlias de reas habitadas h dcadas, principalmente em zonas rurais. Durante esta viagem, que durou cerca de uma semana, a pesquisa pode avanar mais detidamente sobre o caso de Aailndia-MA, onde foi visitado o povoado de Piqui de Baixo e o assentamento Califrnia, nos quais tambm foram relatadas denncias, sistematizadas pelo Dossi realizado pela Federao Internacional dos Direitos Humanos (FIDH), e que encontram-se melhor detalhadas no Captulo 1. Na terceira viagem foram percorridos os trs municpios sobre os quais a pesquisa se debrua (Aailndia, Alto Alegre do Pindar e Arari), com a durao de quinze dias (em

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    dezembro/2010). Nesta etapa foram realizadas entrevistas (algumas no foram gravadas) com moradores e participantes de projetos da Fundao Vale, servidores pblicos, secretrios municipais, coordenadores de projetos da Fundao Vale, funcionrios da CVRD, ativistas da rea de direitos humanos e conselheiros de direitos, alm de visitas s instalaes dos projetos - (tendo acompanhado, inclusive, a inaugurao da Estao Conhecimento em Arari-MA, tido como um dos principais projetos da Fundao atualmente, e que contou com a presena da Governadora do Estado e do Presidente da Fundao Vale).

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    1 HISTRICO DA ATUAO DA CVRD NA AMAZNIA

    A atuao da Companhia Vale do Rio Doce na regio amaznica se inicia com as primeiras jazidas de minrio encontradas no sudeste do Par. Nesta poca (incio da dcada de 1980) o Projeto Ferro Carajs, da CVRD, e o Programa Grande Carajs (PGC), desenvolvido nos gabinetes do governo federal (sob o comando do General Figueiredo, ento presidente designado pelo regime militar), eram entendidos como a grande sada do Brasil para o impasse da crise cambial do incio dos anos 1980; afinal gerariam dlares ao pas e, assim, assegurariam a estabilidade macroeconmica to sonhada pelos dirigentes do Estado Brasileiro. O desenvolvimento regional tambm era um dos elementos do discurso sobre resultados esperados do referido projeto, a partir da expectativa de que com a expanso do produto interno bruto e da base tributvel da economia regional, o poder pblico manejaria maiores somas de recursos e poderia oferecer solues aos problemas econmicos e sociais vivenciados pelas populaes residentes nos locais que assistiriam a implantao dos projetos. Era poca de prestgio do conceito de regio enquanto escala de anlise e de polticas pblicas, e a iniciativa federal de estabelecer um grande programa de desenvolvimento para a regio amaznica no era exatamente uma novidade, ainda que desta vez a presena de grandes empresas, como a CVRD, e a construo de grandes obras de infraestrutura pelo Estado, como a hidreltrica de Tucuru e a rodovia Transamaznica, tenham sido determinantes para a viabilidade dos Programas. Este modelo de planejamento tratado por alguns autores como planejamento nacionalmente integrado, por pensar o espao nacional de maneira mais ampla, ainda que atue em uma escala menor. Difere, assim, dos debates sobre a questo regional, como ficou conhecido o conjunto de discusses que trataram da relao entre os conflitos agrrios, o desenvolvimento industrial e a atuao da Superintendncia do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), principalmente at os anos 1970. No caso dos GPIs, que comeam a se delinear nesta mesma dcada, o que se tem um olhar de conjunto, onde o espao nacional se impe s particularidades regionais,

    [...] a partir do qual o territrio vai ser analiticamente decomposto, e funcionalmente recomposto e mobilizado [...] Assim, a poltica de desenvolvimento regional global substituda por programas especficos (plos, regies-programas) que insistem na articulao da regio com a totalidade e no mais na articulao intra-regional. (VAINER; ARAJO, 1989, p. 25)

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    Dentro da chamada Estratgia de Integrao Nacional, iniciada pelo Governo Militar em 1964, o planejamento regional era pensado como um mecanismo de desenvolvimento (COELHO, 1991, p. 89). As antigas estruturas do Banco de Crdito da Amaznia e da Superintendncia do Plano de Valorizao da Amaznia (SPVEA) foram redesenhadas em 1966 e transformadas no Banco da Amaznia (BASA) e na Superintendncia do Desenvolvimento da Amaznia (SUDAM), respectivamente. Estas iniciativas estavam inscritas dentro da chamada Operao Amaznia, que promoveu o estmulo ao investimento privado na regio atravs de plos de crescimento, pesquisas para verificao de potencial de extrao mineral e, principalmente, incentivos fiscais e crdito, atravs da SUDAM que durariam at 1982.

    No comeo da dcada de 1970 foi lanado o Plano de Integrao Nacional (PNI), caracterizado pelo grande investimento estatal para construo de estradas e um rpido projeto de colonizao (que duraria at 1974). Alm da rodovia Transamaznica (BR-230), foram projetadas a BR-163 (Cuiab-Santarm) e a BR-210 (Perimetral Norte), que teriam grande impacto sobre a gesto territorial da regio norte do pas, uma vez que atravs do Decreto 1164/71, todas as terras a 100km de cada lado das rodovias passavam automaticamente para o controle federal. Neste sentido foram criados o Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria (INCRA), em 1970, e o PROTERRA (Programa de Redistribuio de Terras e Estmulos Agroindstria do Nordeste), em 1971, sendo este ltimo um programa que estaria voltado para o desenvolvimento da pequena produo agrcola, atravs de mecanismos como a distribuio de terras, crdito rural e agroindstria.

    No entanto, em 1971, foi lanado o I PND, no qual as polticas para a Amaznia estavam segmentadas em trs linhas: as fronteiras agrcolas seriam vlvulas de escape para a populao excedente em outras regies; a importncia da segurana nacional e a necessidade de integrao nacional. Deste modo, em 1974 a ocupao capitalista da Amaznia foi hegemonizada pelos empreendimentos de grande escala, relegando a segundo ou terceiro planos a colonizao rural e o desenvolvimento da pequena unidade agrcola.

    A partir do II PND (1975-79) e do complementar Plano de Desenvolvimento da Amaznia (PDAM), foi desenvolvido o POLAMAZONIA (Programa de Plos Agro-pecurios e Agro-minerais da Amaznia), que estabeleceu 15 plos de crescimento nas regies Norte e Centro-Oeste (Amaznia Legal). Nestes plos se buscou incentivar o investimento produtivo privado a partir de empreendimentos de grande escala e voltados para a exportao nos setores de

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    minerao, pecuria, silvicultura, agronegcio e turismo. Foi no ano de 1978 que o Projeto Ferro Carajs (PFC) foi aprovado pelo governo federal, atravs de uma joint venture da CVRD com a US-Steel, e junto com o Projeto Ferro, o POLOCARAJAS, voltado para a implementao de toda infraestrutura necessria para o desenvolvimento da minerao na regio, cujas reservas estavam estimadas, na poca, em 18 bilhes de toneladas de minrio de ferro.

    Em seguida ao anncio do Projeto Ferro Carajs, estudos comearam a ser feitos para a elaborao de propostas de desenvolvimento para o corredor Carajs e, finalmente, em 1980, foi anunciado o Programa Grande Carajs (PGC), que passou a incorporar o PFC, incluindo tambm projetos de agricultura, pecuria, silvicultura, explorao mineral e implantao de indstrias na regio-programa. A abrangncia espacial do PGC era de 900mil km2, em reas dos estados do Maranho, Par e Gois (atualmente rea pertencente ao estado de Tocantins), e institucionalmente o Programa estava sob controle do Conselho Interministerial do PGC, de acordo com o decreto-lei 1813/80, com participao de diversos ministros e presidido pela Secretaria de Planejamento da Presidncia da Repblica (SEPLAN). Somente 5 anos depois, em 1985, os governadores dos estados envolvidos passaram a participar do Conselho.

    A CVRD desempenhou papel central no PGC, uma vez que o PFC foi quem alavancou o programa, sendo responsabilidade da empresa a construo do complexo mina-ferrovia-porto, que conta com a explorao mineral na Serra de Carajs (PA), o transporte de minrio pela Estrada de Ferro Carajs e a construo do Porto da Ponta da Madeira, em So Lus-MA, especialmente construdo para o embarque de minrio. Porm, indispensvel se entender que nesta poca na regio amaznica tambm foram implantados outros grandes projetos, como a hidreltrica de Tucuru (da estatal ELETRONORTE), e suas principais clientes: a ALUMAR (produtora de alumnio), em So Lus-MA, e a ALBRS e ALUNORTE, em Barcarena-PA (as duas ltimas, inclusive, contavam com a CVRD como acionista13), alm de diversos projetos siderrgicos no Par e no Maranho, principalmente no municpio de Aailndia-MA (BNDES, 2000). Destaca-se, portanto, o papel dos recursos minerais nesta estratgia de desenvolvimento, tanto com a CVRD quanto com as siderrgicas ou com a cadeia do alumnio atravs das indstrias produtoras e da hidreltrica de Tucuru, associadas explorao da bauxita em Oriximin-PA.

    13 Em 2010 a CVRD transferiu suas participaes nas duas empresas norueguesa Hydro, porm a Vale entrar como acionista da empresa norueguesa, continuando a operar os negcios de Alumnio, ainda que indiretamente (ESTADO DE MIINAS, 2010).

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    O PGC se desenvolveu em meio maior floresta tropical do mundo. Cerca de 70% dos 900mil km2 do Programa esto localizados dentro da floresta amaznica, habitada por inmeras comunidades tradicionais, como indgenas, ribeirinhos e camponeses, em uma grande maioria de povoados pobres. Estas populaes criaram diversas expectativas em torno do projeto no sentido de que este traria emprego e renda regio, porm, durante o Programa esta esperana no se realizou para a grande maioria.

    1.1 SIDERURGIA E CONFLITOS SOCIAIS NO MARANHO

    Os conflitos fundirios e trabalhistas na regio de atuao da CVRD so histricos, desde antes da minerao desenvolvida pela Companhia. Outras atividades j geravam disputas na regio, como no caso das madeireiras que ali se instalaram de maneira mais intensiva a partir dos anos 1970, instaurando processos de grilagem de terras e a implantao da pecuria extensiva em seguida. Aps a inaugurao do complexo mina-ferrovia-porto, da CVRD, seu domnio sobre a regio consolidou este processo de expanso da acumulao capitalista e, em muitos casos, aprofundou os conflitos j existentes, j que a rea oficial de influncia do Programa Grande Carajs era de cerca de 900mil km2. Com os projetos siderrgicos que se instalaram ao longo da ferrovia nos anos 1980 e 1990, principalmente em Aailndia-MA e Marab-PA, a presso fundiria pela plantao de eucalipto para carvoejamento aumentou consideravelmente, e o cenrio do monocultivo se tornou uma realidade naquela regio. Muitas pequenas propriedades, geridas atravs do sistema familiar de produo foram e continuam sendo vendidas para a produo de carvo vegetal, que deve alimentar as guseiras14. Com a venda das pequenas propriedades, grande parte dos antigos moradores do campo tomam como destino as cidades, que tm aumento da densidade populacional e carecem de infraestrutura, dando origem ou agravando problemas urbanos como a favelizao, prostituio de crianas e adolescentes, violncia e dificuldades no atendimento sade (GISTELINCK, F. 1988, CARNEIRO, M. D. S. 1997 e 2009).

    Ainda na poca do PGC se planejou a instalao de um complexo industrial ao longo da Estrada de Ferro Carajs, de maneira a se diversificar a produo a partir da integrao entre a

    14 O carvo vegetal utilizado como insumo energtico e como redutor no processo de fabricao do ferro-gusa, uma das matrias-primas para a produo de ao.

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    extrao mineral no Par e a industrializao ao longo do corredor, escoando-se a produo (de ao, preferencialmente) pelos portos de So Lus-MA. Como inmeras outras expectativas do PGC, porm, esta no se concretizou, pelo menos enquanto ampliao e complexificao das relaes produtivas na regio. No entanto, desde os anos 1980 a indstria siderrgica primria (que transforma o minrio de ferro e o carvo vegetal em ferro-gusa) veio se consolidando no Maranho, principalmente no municpio de Aailndia, estratgico do ponto de vista logstico. Ali se instalaram 5 produtores independentes15 de ferro-gusa, totalizando 15 alto-fornos.

    0,354 0,7541,532

    8,54

    7,12 7,4

    11,42

    3,098

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    1990 1995 2000 2005ano

    Regio de Carajs Brasil

    Grfico 1: Evoluo da produo de ferro-gusa a carvo vegetal - Brasil e Regio de Carajs - (PA e MA) - em milhes de toneladas Fonte: MONTEIRO, 2006, com dados da ABRACAVE (Assoc. Bras. de Carvo Vegetal).

    A atrao destas guserias para a regio da Amaznia Oriental se deu principalmente em funo da facilidade de obteno de um dos principais insumos para sua produo: o carvo vegetal16 (MONTEIRO, 2006). A maioria dos grupos empresariais que ali se instalaram so

    15 Na indstria siderrgica se utiliza a distino entre produtores independentes e produtores integrados para

    classificar aqueles que produzem o ferro-gusa no interior de estruturas produtivas maiores, como matria-prima direta produo do ao chamados ento de integrados - ou independentes, quando produzem somente o ferro-gusa e posteriormente o vende s aciarias e fundies (CARNEIRO, 2008, pg. 324). 16

    A utilizao de coque mineral tambm possvel, porm, para utilizao do ferro-gusa produzido com coque, as siderrgicas podem precisar aumentar seu processo, por conta da necessidade de dessulfurao (retirada do enxofre, oriundo do coque do ferro-gusa) do processo, o que pode elevar o custo de produo.

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    provenientes do sudeste no pas, onde os custos do insumo so maiores, alm de terem sido beneficiadas com os incentivos fiscais e financiamentos da poca do PGC. No grfico fica evidente o aumento da produo siderrgica da regio de Carajs (concentrada em Marab-PA e Aailndia-MA, principalmente), que desde o incio da dcada de 1990 cresceu cerca de 900% (dobrando a cada cinco anos), assim como se ampliou sua participao na produo nacional de ferro-gusa. Se em 1990 a produo da referida regio correspondia a 4% da produo guseira nacional, em 2000 chegava a 20% e em 2005, alcanava 27%.

    O carvo vegetal tem uma importncia fundamental na produo guseira, uma vez que cumpre a dupla funo de agente trmico (fornecendo calor ao processo de fuso das matrias-primas) e, ao mesmo tempo, de agente qumico, retirando o oxignio do xido de ferro (hematita). Desta maneira, para se produzir uma tonelada de ferro-gusa, estima-se uma utilizao de 875Kg de carvo vegetal, 1,6 tonelada de hematita e 200kg de material fundente (calcrio, dolomita e quartzito) (MONTEIRO, 2006, p. 62). Se for considerada a rea de floresta nativa necessria produo desta quantidade de carvo vegetal, chega-se a uma rea de 600 m2 de vegetao a ser desflorestada por tonelada de ferro-gusa. Neste sentido pode-se afirmar que trata-se, portanto, de uma produo intensiva em recursos naturais, principalmente energia (no caso, a partir da queima do carvo vegetal).

    Esta apontada novamente como uma das vantagens da produo na regio amaznica, por conta da abundncia de carvo vegetal a partir de madeira nativa e do preo mais baixo da terra, para o cultivo de eucalipto e produo de carvo vegetal. No Brasil h uma tendncia diminuio da utilizao do carvo vegetal como insumo pelos produtores integrados, que vm utilizando mais o coque, enquanto os produtores independentes (caso das siderrgicas no Maranho) mantm o elevado nvel de consumo de carvo vegetal. Esta manuteno tem como principal consequncia o aumento da presso sobre a floresta, e desde o PGC as alternativas no eram social e ambientalmente sustentveis, como por exemplo a utilizao de coco de babau, manejo florestal e silvicultura. A evoluo tcnica do processo de carbonizao da lenha, que poderia significar um aumento do rendimento das carvoarias, no foi desenvolvida, por conta da ausncia de iniciativas por parte dos produtores de carvo vegetal, que continuam a utilizar os rsticos fornos tipo rabo quente, que consomem cerca de 3 ton. de lenha para obteno de 1 ton. de carvo, desperdiando diversos subprodutos que poderiam ser comercializados, como o alcatro, alm dos problemas ambientais e sanitrios associados a este tipo de trabalho.

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    A ampliao da demanda por carvo vegetal para as siderrgicas de Aailndia e regio vem gerando diversos impasses ambientais e sociais na regio. Um dos principais conflitos ali situados se d entre as indstrias do carvo vegetal, as empresas monocultoras de eucalipto e as Quebradeiras de Coco Babau, que tradicionalmente utilizavam o coco da palmeira nativa para o beneficiamento e produo de uma srie de subprodutos. Ocorre que no Maranho (na regio sul do estado, alm do leste do Par, norte do Tocantins e sul do Piau), a palmeira do babau uma rvore nativa e que no utilizada em ampla escala comercial somente sendo beneficiada artesanalmente. Desta forma, converteu-se em uma alternativa de renda s famlias que vivem em rea rurais, principalmente no perodo de entressafra de seus roados. Atravs do beneficiamento do coco, se extrai o leo (chamado de azeite na regio e que muitas vezes exportado para fins industriais), se produz farinha, fibras para escovas e tapetes, e da sobra da extrao do leo a chamada de torta se aproveita para adubo e rao animal. Nos anos 1990, aps a implantao dos grandes projetos industriais na regio sudeste do Par e as atividades adjacentes no Maranho, houve um significativo aumento das plantaes de eucalipto para projetos de carvo vegetal e celulose17, e mais recentemente, vem ocorrendo um intenso processo de expulso destas famlias de suas terras, alm do aumento da concorrncia pelo coco por conta da sua queima (inteiro) como carvo para as guserias diminuindo o valor agregado pelas quebradeiras e precarizando seu trabalho, uma vez que agora passam a apenas coletar o coco. No incio da dcada de 1990 constitui-se o MIQCB (Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babau), que desde ento vem construindo uma pauta de reivindicaes visando a preservao dos babauais e reivindicando respeito aos direitos humanos nesta regio afetada por grandes projetos de investimento18.

    Outro movimento contestatrio importante na regio de Aailndia, que atua nos municpios ao longo da ferrovia a Campanha Justia nos Trilhos, cuja coordenao fica em Aailndia-MA e tem atuao em diversos municpios, como Aailndia, Cidelndia, Buriticupu, Bom Jesus das Selvas e Alto Alegre do Pindar. Formada em 2007 a partir da experincia de diversas entidades com relao aos direitos humanos e as questes sociais, como a Critas Maranho, CUT Maranho, MST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra), MAB (Movimento dos Atingidos por Barragem) e a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos. A Campanha coordenada pelo Frum Carajs, Frum Reage So Lus, Missionrios

    17 Plantao de eucalipto se espalha pelo Maranho e prejudica agricultura familiar (BRASIL DE FATO,

    2007). 18

    www.miqcb.org.br.

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    Combonianos (ligados Igreja Catlica), Sindicato dos Ferrovirios do MA, PA e TO, Grupo de Estudos Desenvolvimento, Modernidade e Meio Ambiente (GEDMMA/UFMA) e MST, e tem reivindicado justia e respeito ao meio ambiente nos municpios dispostos ao longo da EFC, cobrando principalmente a CVRD (Vale S.A.) pelos impactos gerados nos modos de vida da populao local e trazendo a pblico as reivindicaes das populaes que se relacionam mais diretamente com a poluio gerada pela empresa e suas subsidirias.

    Uma das denncias que a Campanha tem realizado relativa ao povoado de Pequi de Baixo, um dos bairros mais antigos de Aailndia-MA, que existe desde os anos 1970 e cortado pela BR-222. Na dcada de 1980, o plo industrial do municpio foi instalado em volta do povoado, e desde ento, mas principalmente nos anos 2000, com o aumento da produo siderrgica da regio, a populao vem fazendo uma srie de denncias relativas poluio ali concentrada e aos problemas de sade aos quais vem sendo sujeitada. No entendimento da Campanha Justia nos Trilhos, que vem acompanhando e dando publicidade ao processo, a CVRD responsvel direta e indiretamente pelos impactos na vida da populao local, por deter o monoplio do fornecimento de matria-prima s cinco siderrgicas ali instaladas, alm de ter a concesso do ptio de descarregamento de minrio, em local prximo s habitaes.

    Sobre esta questo, foi apresentado recentemente pela Federao Internacional de Direitos Humanos (FIDH), por intermdio da ONG Justia Global e da Campanha Justia nos Trilhos, um relatrio no qual so apresentadas diversas informaes sobre os impactos que a atuao de siderrgicas no distrito industrial de Aailndia tem provocado sobre a populao do bairro de Pequi de Baixo, vizinho s indstrias. Neste mesmo estudo o assentamento Califrnia, localizado s margens da BR-010, tambm em Aailndia, apresentado como uma comunidade que tem sido afetada pela poluio da carvoaria que fica vizinha ao local. Neste caso trata-se de uma Unidade de Produo de Redutor UPR - operada pela Ferro-Gusa Carajs, siderrgica subsidiria da CVRD, que possui uma srie de fornos para produo de carvo vegetal a partir do eucalipto plantado em grandes fazendas da regio e no prprio local (Fazenda Monte Lbano) onde ficam os fornos. Nos dois casos a FIDH relata uma srie de violaes aos direitos humanos a partir das atividades industriais ali desenvolvidas. O principal deles, em ambos os casos, o direito sade e a um meio ambiente saudvel (assegurado por pactos e acordos internacionais ratificados pelo Brasil, no nvel internacional, e pela Constituio do Brasil, no nvel nacional), ainda que violaes a direitos conexos, como moradia adequada, vida e integridade fsica, informao e participao e acesso justia tambm tenham sido prejudicados. A partir deste estudo uma srie de recomendaes

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    foi feita aos distintos atores envolvidos, desde o governo local, empresas, rgos de fiscalizao do meio ambiente das distintas esferas de governo e poder judicirio das diversas instncias at entidades de financiamento das empresas envolvidas, como BNDES (FEDERAO et al., 2011).

    Um dos pontos mais recentes de conflito foi a ao interposta judicialmente pela CVRD contra membros de organizaes participantes da Caravana Internacional dos Afetados pela Vale, em abril de 2010. Nesta ocasio a empresa interps uma ao junto ao Poder Judicirio de Aailndia contra membros da Rede Justia nos Trilhos, em especial cinco pessoas que ela considerava membros das organizaes participantes do evento e que segundo seu ponto de vista, realizariam aes que lhe causariam prejuzo financeiro19. Ainda que o juiz houvesse concedido medida liminar conferindo o interdito proibitrio imediatamente empresa, como esta no teria realizado o pagamento de taxas judiciais, a medida liminar foi revogada em 13 de janeiro de 2011 e o processo foi extinto sem o julgamento do mrito.

    Na capital do estado, So Lus, os impactos da atuao da empresa vm desde os anos 1980, poca da instalao do Terminal Martimo da Ponta da Madeira e da concluso da Estrada de Ferro, que desemboca neste terminal porturio20. A Ilha do Maranho, local onde est instalada a zona industrial do municpio, era uma rea predominantemente rural, com diversos povoados que ao longo do processo de implantao dos empreendimentos foram sendo pressionados para que deixassem a regio, seja por pequenas concesses realizadas pela empresa ou mesmo pela ao violenta de despejo e demolio de habitaes. Na Ilha encontra-se a ALUMAR, o Porto de Itaqui, a rea da CVRD (com o Porto e uma usina pelotizadora, inaugurada em 2002) e uma usina termeltrica em construo, de propriedade do grupo MPX (e que j teve a obra paralisada ao menos uma vez por irregularidades no processo de licenciamento ambiental).

    Em 2001 a CVRD e o governo do Estado assinaram um protocolo de intenes para a construo de um plo siderrgico em So Lus-MA, ou seja, tratar-se-ia de ampliar significativamente a rea de propriedade da CVRD no municpio, assim como seu poder econmico e social na regio. Para isso, doze comunidades seriam diretamente afetadas pelo

    19 Tribunal de Justia do Estado do Maranho, 2 Vara Judicial de Aailndia, processo n. 1083-

    83.2010.8.10.0022 . 20

    A localizao deste porto em So Lus-MA, estratgica para as exportaes da Vale, pois se trata do mais profundo porto do Brasil (2 do mundo), o que permite a ancoragem de navios de grande capacidade de carga rumo Europa, EUA e China principais destinos do minrio de ferro brasileiro.

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    empreendimento, somando mais de 14 mil pessoas que habitam uma rea de 2.471,41 hectares (SANTANA JUNIOR et al., 2009). Com a constituio de um forte movimento da sociedade civil local (Reage So Lus), a rea a ser desapropriada foi reduzida a pouco mais de 1000 hectares, afetando um povoado integralmente e outro parcialmente, a fim de se construir mais uma siderrgica. Ainda que tenha havido esta vitria da sociedade civil local, entre 2001 (assinatura do protocolo) e 2004, quando o projeto finalmente alterado, diversas aes foram realizadas pela empresa interessada: um diagnstico socioeconmico das comunidades impactadas, por uma consultoria paulista, que buscou mapear a populao e suas formas de organizao, e a marcao das casas que estariam na rea de remoo, o que gerou um clima de apreenso nas famlias, pois de repente tiveram suas residncias marcadas como objeto de remoo, sem saberem para onde, por quem e em que condies. A orientao para os moradores de que no fizessem melhorias nas casas, roados ou em instrumentos de trabalho, pois estas no entrariam na avaliao do valor das residncias para clculo da indenizao pelo remanejamento (SANTANA JUNIOR et al, 2009). Em paralelo a isto a CVRD intensificou suas aes sociais nos povoados, buscando se aproximar das associaes comunitrias e das famlias participantes dos programas que a empresa desenvolvia na regio.

    De modo mais amplo, pode-se dizer que a estratgia de negcios da CVRD aps sua privatizao21, em 1997, se tornou muito mais agressiva, desde quando foi iniciado um grande programa de fuses e aquisies apresentado por diversos estudos do BNDES22 e de outros autores (BNDES, 2003 e COSTA, 2009). Alm disso, suas vendas cresceram consideravelmente e houve um reforo da atuao exportadora do complexo mina-ferrovia-porto, que vai das minas de Carajs, no Par, a So Lus-MA (complexo chamado sistema norte). As crticas atuao da empresa aps sua privatizao tambm aumentaram, j que agora os lucros obtidos com a venda do minrio so privadamente geridos, e a contradio entre a riqueza transportada pela EFC e a pobreza das populaes beira dos trilhos se tornou objeto de maior contestao pelas populaes locais, como visto nos diversos conflitos acima relacionados.

    21 Um processo questionado por diversos movimentos sociais e que resultou inclusive em um plebiscito popular

    em 2007. Para maiores detalhes das crticas ao processo de privatizao e da luta pela reestatizao da empresa ver Godeiro (org.) (2007). 22

    O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social) um dos grandes financiadores dos projetos da empresa, alm disso um dos acionistas da CVRD, atravs do Fundo BNDESPar, com 5,5% das aes da empresa (http://www.plataformabndes.org.br/mapas/. Acesso em 23/05/2010).

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    1.2 OS GRANDES PROJETOS DE INVESTIMENTOS

    O formato dos Grandes Projetos de Investimentos (GPIs) originado nos PNDs ainda nos anos 1970, definido na literatura principalmente pelos seus efeitos espaciais, mais do que por caractersticas quantitativas do empreendimento (tamanho, volume de produo ou mesmo tipo de empreendimento). difcil precisar o que um GPI ou no, seno pelos seus impactos sobre o espao em que se instala e as relaes socioeconmicas que modifica, anula e cria. O instrumento oficial criado para avaliar os benefcios e impactos negativos de um projeto pbico ou privado sobre os meios fsico e biolgico e socioeconmico o EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental / Relatrio de Impacto Ambiental), requisito formal de poltica pblica estabelecido pela Resoluo 001/86 do CONAMA. Este instrumento deveria viabilizar a

    [...] identificao, previso da magnitude e interpretao da importncia dos provveis impactos relevantes, discriminando os impactos positivos e negativos (benficos e adversos), diretos e indiretos, imediatos e a mdio e longo prazos, temporrios e permanentes; seu grau de reversibilidade; suas propriedades cumulativas e sinrgicas; a distribuio dos nus e dos benefcios sociais [...] [bem como] definir os limites da rea geogrfica a ser direta ou indiretamente afetada pelos impactos, denominada rea de influncia do projeto, considerando, em todos os casos, a bacia hidrogrfica na qual se localiza. (CONAMA, 1986)

    No entanto, diversos autores reconhecem este instrumento como insuficiente23, uma vez que as metodologias de trabalho so variadas e o estudo contratado pela prpria empresa que busca o licenciamento do projeto o que coloca a lisura do processo em xeque24. Diante desta condio, mesmo os impactos mais imediatos do projeto so, muitas vezes, sub-avaliados, e as rea impactadas, de diferentes maneiras, pelo empreendimento, no so definidas apropriadamente. Assim, a populao fica sujeita s aes discricionrias dos responsveis pelos empreendimentos, sejam pblicos ou privados.

    23 Apenas para citar algumas crticas a este instrumento nos grandes projetos, a partir de diferentes pontos de

    partida, podemos elencar Vainer, (1989, pg 4) e Coelho (1991, pg. 17).

    24 Mesmo quando o EIA/RIMA contratado e aponta problemas no projeto apresentado, muitas vezes o

    empreendimento licenciado por meio de coero poltica, como no caso da hidreltrica de Belo Monte. O empreendimento foi liberado pelo presidente do IBAMA e pelo Ministro do Meio Ambiente mesmo com os estudos apontando graves problemas socioambientais, por conta de presso poltica da Casa Civil federal (Folha de So Paulo, 2010).

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    A noo de GPI passou a ser utilizada mais amplamente no Brasil a partir de estudos relativos a complexos hidreltricos nos anos 1980. A partir da identidade de atingidos por barragens25, diversas populaes passaram a reivindicar o reconhecimento destes projetos enquanto impactantes sobre seu modo de vida, e principalmente, sobre suas formas de apropriao do territrio ao qual os empreendimentos buscam se sobrepor. Outros estudos se debruaram sobre os efeitos especficos de implantao de grandes indstrias em determinadas localidades, como Costa (1992) e Piquet (1989). Desde ento uma ampla bibliografia sobre o tema tem sido referncia no debate sobre esta noo, a partir de diversos enfoques (inter) disciplinares, como Vainer e Arajo (1992), Rosa, Sigaud e Mielnik (1988), Vainer (1989) e Sigaud (1986). Outra importante referncia no debate latinoamericano sobre os grandes projetos Elsa Laurelli. Segundo a autora, a concentrao de grandes investimentos em reas predeterminadas, quer seja para prover condies gerais para a produo ou para fins produtivos diretos ou a interseo de ambas situaes, caracterizam um modo de produo do espao, recente e distinto na Amrica Latina (LAURELLI 1987, p. 135), alterando-se padres histricos de localizao de atividades. E segue: em geral se constroem grandes unidades produtivas, a maioria delas para o desenvolvimento de atividades bsicas, como alavancamento ou incio de possveis cadeias produtivas (ibid., p. 136).

    Estes projetos, em geral, acabam por inverter a lgica da insero regional existente antes da hegemonia deste modelo, uma vez que a partir de ento, no mais o GPI que inserido em uma regio, mas sim a regio que passa a existir com o GPI caso notrio com Carajs (regio que vai do sudeste do Par at o oeste do Maranho), na Bahia Esprito Santo com os projetos da Aracruz, ou em Tucuru-PA com a hidreltrica de Tucuru, da ELETRONORTE. De outra maneira, Vainer e Arajo (1992) definem a relao do GPI com o espao em que est envolvido:

    O Planejamento e a gesto desses espaos passa inevitavelmente esfera das competncias e atribuies da empresa ou da agncia setorial responsvel pela promoo do investimento em muitos casos de maneira informal e no explcita. [...] O GPI, porque gera espaos, gere espaos e vice-versa. Frente a cada setor produtivo, a cada agncia setorial, no se apresentam mais as regies, mas um espao (integrado) diferenciado de localizaes de investimentos e projetos, um conjunto de pontos que no se individualizam seno pelo

    25 No incio da dcada de 1990 surge o MAB Movimento dos Atingidos por Barragens, de abrangncia

    nacional.

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    potencial que oferecem para a conquista econmica. (VAINER; ARAJO, 1992, p. 31, Grifo nosso).

    Estes grandes projetos constituem ento complexas tramas escalares, uma vez que sua implantao decidida a partir de dinmicas exgenas quele espao, e no expressam o desenvolvimento de foras locais. Antes o contrrio, so implantados a partir de uma avaliao da relao de foras existente entre os proponentes do projeto e aquelas existentes no espao escolhido para sua implantao. Assim, um espao que seja reconhecido como de dinamizao econmica e crescimento das foras produtivas locais ter maior capacidade de resistncia antes de ser imediatamente subjugado a um grande projeto exgeno, monoltico, que no tenha relao com a produo j existente. Nas palavras de Raffestin (1993):

    Quando a malha desejada por um poder, este se esfora por escolher o sistema que melhor corresponda ao seu projeto, pronto a transformar a existncia daqueles que a ele esto submetidos, a menos que estes recuperem o seu poder para se oporem ao outro poder. (RAFFESTIN, 1993, p. 170)

    A lgica dos GPIs na Amazonia foi de expanso da fronteira de acumulao capitalista, e no de consolidao de atividades j existentes ou de construo de novos modelos. A baixa densidade populacional da regio e a fraca insero da mesma populao nos ciclos econmicos capitalistas mais amplos foram elementos suficientes para a implantao dos referidos projetos naquele espao. Alguns dos efeitos sociais causados por grandes projetos industriais so bem conhecidos26, como economias de enclave (no sentido da captura de recursos da regio pelos centros hegemnicos, e no da limitao dos efeitos), controle territorial empresarial (seja privado ou estatal), formao de novas territorialidades - a partir do (re)ordenamento privado do territrio (ainda que a totalidade do espao transformado no seja objeto explcito de planejamento), alm de uma notvel assimetria de poder, que ata as mos das foras sociais locais, restando clientelismo poltico pelo lado do governo local e reivindicaes sociais que dificilmente chegam a espaos pblicos mais amplos, de outro. No h instncias pblicas de mediao

    26 Para citar alguns estudos que contemplam a discusso sobre as consequncias socioterritoriais da implantao

    de grandes projetos: Vainer, C. e Arajo, F (1992), Coelho, M. C. N. e Cota, R. G. (org.) (1997), Piquet, R. (1989), Gistelinck, F. (1988), DIncao, M. A. e Silveira, I. M. (org.) (1994), Hall, A. (1991).

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    entre atores locais e o grande projeto que atende a interesses nacionais e opera em uma lgica global (PIQUET, 1989 p. 30).

    Aps o movimento de descentralizao poltica ps-1988, a esperana de que a municipalizao de diversas polticas pblicas se convertesse em maior autonomia dos municpios acabou por aprofundar a dependncia destes, porm no mais somente do governo federal, seno tambm das empresas responsveis pelos empreendimentos. Com grandes isenes fiscais concedidas aos projetos, resta ao municpio negociar permanentemente algum tipo de contrapartida das empresas, fortalecendo o clientelismo e prticas de corrupo na esfera local. No caso do Projeto Ferro Carajs, Piquet (1989) aponta que as limitaes impostas autonomia local, o despreparo de seus quadros tcnicos e a despolitizao da sociedade (ou desesperana?) conduziram a uma subordinao da esfera local (ibid. p. 31). Em muitos pases da Amrica Latina este cenrio se repetiu, homogeneizando territrios e anulando a possibilidade de uma vida diferente daquela desenhada pelos grandes projetos s populaes da regio.

    No caso da Estrada de Ferro Carajs estes efeitos so facilmente percebidos, j que ali se encontra um dos principais corredores de exportaes do pas um complexo de grande escala, portanto. Com 892 km de extenso, indo de Parauapebas (PA) a So Lus (MA), a ferrovia (de propriedade da CVRD) atravessa 25 municpios (em 2 estados) e tem como rea de influncia oficial (desde o PGC) toda a rea a 150 km de cada lado da linha frrea, em toda sua extenso. Aqui se constitui um dos territrios de atuao da Vale, segundo palavras do relatrio da empresa (VALE, 2009). Assim, comea-se a ter dimenso da vastido do espao em que a empresa reconhecida enquanto agente legtima.

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    2 CONSTITUIO DE UM TERRITRIO EMPRESARIAL, EMPRESA ENQUANTO AGENTE

    O Maranho tem sido o foco da atuao social da empresa nos ltimos anos, uma vez que os investimentos da empresa na regio de Carajs, no Par, encontram-se mais consolidados (mesmo que novos projetos de minerao estejam se iniciando em meio provncia mineral de Carajs). ainda neste estado que est sendo feita a ampliao do Terminal da Ponta da Madeira (Per IV, em So Lus-MA) e onde esto ocorrendo as obras de duplicao da Estrada de Ferro (a fim de ampliar todos os 56 ptios de cruzamento da ferrovia) em diversos municpios do estado (VALE..., 2011). Trata-se de obras estratgicas para a empresa, j que a logstica uma rea central para os negcios da CVRD, e que tende a ganhar importncia, tendo em vista a concesso que a empresa detm da Ferrovia Norte-Sul (FNS). Nos ltimos anos a mdia de transporte da EFC foi de quase 100 milhes de toneladas por ano, e a meta de, at 2015, chegar a 230 milhes de toneladas somente de minrio de ferro, como mostra o quadro abaixo.

    2006 2007 2008 2009 2010 Mdia

    Minrio de ferro transportado (em milhares de toneladas)

    85.128 93.150 97.716 92.182 100.380 93.711

    Total de carga (em milhares de toneladas)

    92.500 100.361 103.670 96.200 104.900 99.526

    Quadro 3: Movimentao de carga na EFC (2006 a 2010 e mdia anual), em milhares de toneladas Fonte: Relatrios Anuais ANTT, 2006 a 2010.

    Esta ampliao se torna possvel a partir da duplicao da Estrada de Ferro Carajs (EFC) e da ampliao da FNS, que atualmente vai de Aailndia (MA) a Palmas (TO) e se tornar um corredor de transporte de gros, provenientes principalmente dos estados de Mato Grosso, Gois e Tocantins.

    Desde que a CVRD foi privatizada, sua presena na regio Amaznica vem se ampliando e fortalecendo. Agora, no apenas como empresa que est localizada na regio, e dela extrai seus recursos e lucros, mas como um agente que investe na busca de legitimidade para dar

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    continuidade s suas operaes e expanses algumas delas j em curso. Neste sentido a empresa passa a ter que se relacionar com diversos outros agentes, desde as prefeituras municipais das localidades atravessadas pela ferrovia at movimentos sociais que questionam a atuao da empresa na regio e expem o que consideram as mazelas decorrentes de sua presena ali. Antes da passagem da empresa para o capital privado, o governo federal, proprietrio da CVRD, muitas vezes ignorava estes agentes, pois o Projeto Ferro Carajs era apresentado como um interesse nacional, e todas as aes relacionadas a ele estavam viabilizadas por decretos-lei (na poca do governo militar) ou por apoio irrestrito do governo federal atuao da empresa na regio, aps o fim da ditadura. Desde o comeo dos anos 1990, com a abertura democrtica e a Constituio de 1988, diversos novos agentes polticos e econmicos se configuraram ao longo dos quase novecentos quilmetros da ferrovia, destacando-se a criao de diversos municpios, o fortalecimento de movimentos sociais e a politizao indgena em relao a seus direitos.

    Houve um crescente processo de cobrana, por parte destes novos agentes, de um maior dilogo com a CVRD, uma vez que a presena da empresa se consolidava e expandia na regio e as contradies entre seu desenvolvimento e a extrema precariedade das condies de vida da populao e das instituies pblicas se aprofundavam. Assim, diversas negociaes pontuais foram realizadas entre movimentos reivindicatrios e a empresa, ou mesmo com o governo, muitas vezes a partir do bloqueio da ferrovia por manifestaes27. Neste mesmo perodo, ps-privatizao, diversos procedimentos e mecanismos passaram a ser adotados pela empresa como forma de buscar um fluxo mais constante de comunicao e controle das aes destes outros agentes, como a criao de um Departamento de Relaes Comunitrias regional, responsvel pela interface entre a CVRD, a Fundao Vale e os municpios cuja atuao ser melhor detalhada no Captulo 3.

    Neste sentido, um olhar sobre a relao da empresa e de sua Fundao com o territrio em que suas aes se do, no estado do Maranho, de grande valia para a ampliao e complexificao da anlise aqui proposta de suas aes sociais naquele estado. Para tanto proposta aqui uma reflexo sobre a questo das territorializaes que a CVRD tem realizado

    27 O fechamento da ferrovia em protestos populares e indgenas muitas vezes teve como objetivo no somente a

    publicizao das crticas atuao da empresa, mas tambm como forma de obter visibilidade omisso de governos e rgos pblicos quanto prestao de atendimento aos habitantes da regio.

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    ao longo da ferrovia, seja com seus investimentos produtivos ou a partir das aes promovidas pela Fundao Vale junto aos municpios.

    A discusso sobre territrio nas cincias humanas tem uma longa tradio, sendo apropriada por disciplinas como Antropologia, Sociologia, Histria e Cincia Poltica, porm, na Geografia que o conceito exerce maior centralidade. A partir do panorama que Haesbaert (2004) faz das diferentes concepes de territrio presentes nesta disciplina, acredita-se que a pesquisa pode traar paralelos entre as categorias apresentadas pelo gegrafo e a atuao da CVRD no Maranho, atravs dos distintos enfoques dados ao conceito. Para este autor a noo de territrio pode ser compreendida sob pelo menos trs perspectivas: uma mais tradicional, na qual se identificam relaes de poder relativamente homogneas e onde as formas de territorializao como controle de acesso seriam fundamentais, outra que faz uma leitura mais voltada para o movimento e as conexes tpicas da noo de territrio-rede, privilegiando assim os encontros de relaes sociais que se do em um locus particular, e uma terceira perspectiva que abarca a chamada multiterritorialidade, pensada como a resultante de um processo de sobreposio/combinao particular de controles, funes e simbolizaes, e que possibilita acionar diferentes territorialidades mesmo sem deslocamento fsico, estabelecendo assim mltiplas conexes e escalas de ao a partir de determinado ponto ou sujeito (HAESBAERT, 2004, p. 77).

    Se a partir das caractersticas do Projeto Ferro Carajs, responsvel pelo complexo mina-ferrovia-porto da CVRD, foram encontradas todas as faces de um grande projeto de investimento, a questo territorial emerge e se torna central, principalmente quando a discusso abarca os efeitos regionais dos impactos do complexo, muito detalhadamente tratados por Coelho (1991) no caso da ferrovia ou nos estudos apresentados em Piquet (1998), sobre a constituio de cidades-empresa. Neste sentido, importante relembrar que, inicialmente, o espao da Amaznia que foi apontado como local de aplicao de investimentos produtivos, de acordo ainda com as diretrizes do II PND (1975 1979), que colocavam o espao em questo (j dotado de uma srie de infraestruturas) disposio dos investidores. Na sequncia, durante os anos 1980, a CVRD comea a implantar seu projeto, havendo, inclusive, disputas entre a companhia e o governo para ampliao da rea reservada minerao (HALL, 1991) disputa territorial, portanto, que se caracteriza como tal fundamentalmente pelo controle do acesso e implementao de poder no caso, da empresa. Seguindo a perspectiva delineada acima, do ponto de vista histrico esta seria uma primeira modalidade de territorializao da empresa naquele espao, a partir da perspectiva mais

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    tradicional de compreenso do conceito de territrio: aquela onde as formas de territorializao aparecem como controle de acesso de uma rea (HAESBAERT, 2004, p. 76). Esta leitura tambm pode ser feita pelo lado dos conflitos fundirios na regio de implantao do projeto, descrita por autores como Gistelinck (1988) e Coelho (1991), onde diversos posseiros, grileiros e fazendeiros buscavam se apropriar de faixas de terra prximas Estrada de Ferro Carajs, devido valorizao conseguida por meio da melhoria da acessibilidade. As iniciativas governamentais de estabelecer projetos de colonizao na regio foram uma tentativa de diminuio da presso fundiria, desde os anos 1970 (antes da instalao da CVRD na regio), porm

    [] by 1980, the spontaneous settlement and rapid appropriation of lands by private entreprises had increased the conflict over land in south Par and western Maranho. Thus, specifically in Marab, Imperatriz, Aailndia and a small western portion of the municpio of Santa Luzia (MA), GETAT (Executive Group for the Lands of Araguaia-Tocantins Region) had increased its actions through land titling and some restricted distribution of lands in Maranho. (COELHO, 1991, p. 165)

    Por isso se fortalece a necessidade de um aprofundamento da anlise da questo territorial para a compreenso de como a CVRD tem se relacionado com estes municpios lindeiros ferrovia e das mudanas que ocorrem na atuao da empresa quanto s suas territorializaes ali desenvolvidas. Se nos anos 1980 buscava-se garantir a propriedade das reas do complexo e de suas adjacncias, com a consolidao dos empreendimentos so vistas novas modulaes da constituio territorial da empresa e de suas territorializaes.

    O complexo mina-ferrovia-porto torna-se ento, um espao de fluxos, no jargo de Manuel Castells, ou um teritrio-rede, na segunda perspectiva do conceito de territrio, apresentada acima. O movimento de extrao, transporte e exportao de milhares de toneladas de minrio de ferro diariamente pela ferrovia evidencia a atuao da empresa no mercado mundial de commodities, sujeita a flutuaes de cotao nas bolsas de mercadorias pelo mundo, e, principalmente, quelas do mercado chins. Ao mesmo tempo, sua base local se mantm firme e (necessariamente) estvel, tendo que ser garantido o fluxo de mercadorias pela ferrovia.

    Assim, por exemplo, redes tcnicas ou instrumentais como as redes virias ou as redes de telecomunicaes de um pas podem ser mais do que funcionais, redes territoriais na medida em que fortalecem a unidade ou a integrao de um territrio [...] Mas, como em todo processo de des-territorializao, elas nunca so apenas territorializadoras. Conexes com o exterior, que s vezes so at mesmo privilegiadas em relao s conexes

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    internas, representam processos concomitantes de desterritorializao, ou seja, neste caso, de perda de controle do Estado em relao s dinmicas internas ao territrio nacional. (HAESBAERT, 2004, p. 294)

    Destaca-se aqui o paradoxo das territorializaes da empresa, uma vez que a relativa imobilidade da reserva de minrio de ferro, da linha frrea e do porto, esto compreendidas no mesmo conceito que os diferentes fluxos que perpassam sua atuao em nvel nacional e internacional. O reconhecimento deste fenmeno enquanto expressividade (HAESBAERT, 2004, p. 281) tambm criao de territrio, segundo o autor, pois o territrio no seria apenas uma coisa, conjunto de objetos, mas sobretudo, ao, ritmo, movimento que se repete (ibid.), ainda que o autor chame ateno para o fato de que no se trata de uma priorizao do expressivo sobre o funcional, nem vice-versa, mas sim de se reconhecer uma permanente imbricao entre as duas abordagens.

    Raffestin (1993) complexifica a abordagem do conceito de territrio e de territorializao a partir de uma concepo relacional, onde a principal caracterstica o controle de fluxos. As organizaes canalizam, bloqueiam, controlam, ou seja, domesticam as foras sociais (RAFFESTIN, 1993, p. 39), ao mesmo tempo em que estabelecem um continuum (ou uma simultaneidade) entre as dinmicas interescalares. Agindo a partir de uma velocidade de construo e destruio de tessituras muito maior do que as decises polticas (entendidas enquanto criaes do Estado), as organizaes estabelecem uma malha (espcie de rede de poder) econmica, que no est determinada nem presa s decises de um poder estratificado, legitimado, mas sim por um poder de fato (RAFFESTIN, 1993, p. 155).

    As localizaes erigidas pela ferrovia, seu percurso e suas conexes no so simplesmente economicamente determinadas, mas politicamente determinantes, se pensarmos nas consequncias sociais da