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Marco Aurélio Leite da Silva 1 D D E E Z Z D D I I V V A A G G A A Ç Ç Õ Õ E E S S J J U U R R Í Í D D I I C C A A S S TEMAS VARIADOS DA VIDA PRÁTICA FORENSE

DIVAGAÇÕES JURÍDICAS

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10 temas jurídicos da vida prática forense

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Marco Aurélio Leite da Silva

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TEMAS VARIADOS DA VIDA PRÁTICA FORENSE

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1. FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO1. FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO1. FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO1. FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO ---- EXCLUDENTES DE ILICITUDEEXCLUDENTES DE ILICITUDEEXCLUDENTES DE ILICITUDEEXCLUDENTES DE ILICITUDE

Os procedimentos administrativos atinentes às infrações de trânsito, por óbvio, não estão imunes aos princípios constitucionais que norteiam e obrigam todo e qualquer procedimento do qual se extraiam conseqüências jurídicas. Assim, a imputação de uma infração de trânsito, como de resto a imputação de qualquer ato infracional, deve necessariamente revestir-se da absoluta ca-racterização da ocorrência do fato tido como infra-cional, além da individualização do condutor do veículo, já que a punição obrigatoriamente restringe-se à pessoa do infrator e deve assentar-se na comprovada materialidade infracional (dogmas constitucionais).

No mesmo passo, não se cogita da imposição de punição quando o fundamento legitimador da reprimenda deixa de existir. Na seara penal, como é de comezinha sabença, existe a figura da inexigibilidade de conduta diversa, o que elimina a culpabilidade da conduta e leva à fa-lência da persecução instaurada, nulificando-se a pretensão punitiva ab ovo.

Por mais forte razão em cuidando de infração cuja estatura não a perfila sequer próxima dos ilícitos penais.

Pois bem.

O que legitima o estabelecimento de regras restritivas do tráfego é, por óbvio, a segurança dos cidadãos. De efeito, “O trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes ca-bendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.” – artigo 1º, § 2º, da Lei 9503/97 – CTB.

Tanto assim, que “Os órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito respondem, no âmbito das respectivas competências, objetivamente, por

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danos causados aos cidadãos em virtude de ação, omissão ou erro na execução e manutenção de programas, pro-jetos e serviços que garantam o exercício do direito do trânsito seguro.” – artigo 1º, § 3º, da Lei 9503/97 – CTB.

Portanto, a Administração deve ater-se ao EFETIVO interesse da coletividade quanto à caracterização de eventual infração de trânsito, CONFORME A SITUAÇÃO DE FATO EXISTENTE NO MOMENTO DA FISCALIZAÇÃO..

De efeito, o tráfego de veículos é um ente próprio que se desdobra ao dinamismo das condições verificadas instante a instante. As normas dão o tom do regramento cabendo aos a-gentes públicos a devida interpretação nos estritos limites das circunstâncias de fato, sendo de todo exigível que o Estado, por eles representado e atuante, se norteie sempre pelo bom-senso.

A fiscalização de trânsito, por outro lado, não se subsume à sanha tributária, capaz de infligir o ônus financeiro até mesmo diante de situações irregulares. Não há espaço, pois, para a imposição de multas tão-só pela aplicação de dispositivos legais como se de uma tabuada se estivesse cogitando.

Veja-se que a própria Administração, ano após ano, reconhece que o fluxo de veículos em suas vias de maior velocidade ultrapassa o que seria ideal. O Estado falha na disponibilização de estradas adequadas à quantidade de veículos que trafega. Tanto assim, que são comuns e notórias as operações de finais de ano, de carnaval, de feriados em geral, enfim, sob toda sorte de circunstâncias em que o tráfego se vê aumentado.

É do Código de Trânsito:

Art. 29. O trânsito de veículos nas vias terrestres abertas à circulação obedecerá às seguintes normas:

[...]

II - o condutor deverá guardar distância de segurança lateral e frontal entre o seu e os demais veículos, bem como em relação ao bordo da pista, considerando-se, NO MOMENTO, A VELOCIDADE E AS CONDIÇÕES DO LOCAL, DA CIRCULAÇÃO, do veículo e as condições climáticas;

[...]

Não é outro o espírito da norma. Cabe, inclusive, invocar por analogia o quanto disposto no artigo 181, VII, do Código de Trânsito:

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Art. 181. Estacionar o veículo:

[...]

VII - nos acostamentos, SALVO MOTIVO DE FORÇA MAIOR:

Infração - leve;

Penalidade - multa;

Medida administrativa - remoção do veículo;

Ora, sempre que há motivo de força maior, haverá a inexigibilidade de conduta diversa. Eis que a segurança dos cidadãos, fator que legitima a restrição do uso da via pública, reputa-se inatacada quando a situação de fato, no momento da fiscalização, não permite outra conduta.

Exemplificando: uma via de acesso a uma rodovia; tráfego elevado e sob engarrafamento, tanto na rodovia como na via de acesso; o motorista se vê na contingência de trafegar pelo acostamento por longo trecho, até que possa ingressar no leito carroçável com segurança.

Ora, o que mais poderia o motorista deveria fazer? Estancar o veículo à entrada da área da rodovia, interrompendo o fluxo atrás de si? Forçar a passagem e ingressar de qualquer modo na rodovia?

Claro que não. Mas o Código de Trânsito define como infração trafegar pelo acostamento. Sim, exatamente por isso, como já bastante repisado, é de se integrar a norma com a interpretação e o bom-senso que o próprio Código de Trânsito exige do Estado em sua atividade fiscalizatória.

Ninguém pode ser punido, seja a que título for, sofrendo conseqüências danosas nos assentos de seu prontuário, enodoando-se o seu histórico perante as autori-dades do Trânsito, com base em uma imputação cujo fundamento exceptua-se nos termos do próprio Código de Trânsito.

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2. FGTS / PIS / PASE2. FGTS / PIS / PASE2. FGTS / PIS / PASE2. FGTS / PIS / PASEPPPP ---- LEVANTAMENTO POR MO LEVANTAMENTO POR MO LEVANTAMENTO POR MO LEVANTAMENTO POR MORTE RTE RTE RTE ---- SUCESSÃO SUCESSÃO SUCESSÃO SUCESSÃO

Uma questão de ordem prática no dia-a-dia forense diz respeito ao levantamento do saldo da conta de FGTS, ante o evento morte do titular, nos termos da Lei 6858/80. Assim dispõe a norma:

Art. 1º - Os valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos, em quotas iguais, aos dependentes habilitados perante a Previdência Social ou na forma da legislação específica dos servidores civis e militares, e, na sua falta, aos sucessores previstos na lei civil, indicados em alvará judicial, independentemente de inventário ou arrolamento.

A regra é de meridiana clareza ao estatuir que os valores podem ser levantados pelos dependentes habilitados perante a Previdência Social; sem espaço para dúvidas, disciplina também que somentena falta dos dependentes o levantamento dar-se-á pelos sucessores previstos na lei civil.

Apesar da singeleza do regramento, vez por outra vêem-se ações em que sucessores pleiteiam o levantamento dos saldos fundiários, ou do PIS, à ilharga da comprovação de serem dependentes previdenciários. Mais além, há demandas em que sucessores litigam com dependentes que, tendo levantado valores, são acionados na Justiça para que submetam o numerário à partilha no âmbito do inventário, apesar dos termos do dispositivo acima transcrito.

Qual é a finalidade da Lei 6858/80? É dar proteção social ao dependente previdenciário do falecido. O escopo da norma é atender quem estava na condição de dependência econômica do segurado previdenciário. O Legislador entendeu ser

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justo que o falecimento da pessoa que mantinha o sustento do indivíduo tenha reflexos práticos na amenização da desdita e das presumíveis necessidades que advêm de uma guinada desse porte no destino de ambos.

Curial que cada segurado mantenha devidamente cadastrado perante a Previdência quem é, ou quem são, os seus dependentes previdenciários. Providência que permitirá, com o seu passamento, a liberação dos recursos independentemente de inventário ou arrolamento.

A norma disciplina, vale repisar, mecanismo de proteção social, ultrapassando em muito o matiz meramente civil da transmissão da propriedade patrimonial mortis causa. Não há quaisquer incongruências ou conflitos, portanto.

Desfecho idêntico deve ser dado quando o falecido, tendo convolado novas núpcias, deixou como dependente previdenário apenas o cônjuge com quem estava ao morrer. Não se aventa de quotização ou rateio. Terá legitimidade para o levantamento apenas o dependente previdenciário.

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3. SISTEMA FINANCEIR3. SISTEMA FINANCEIR3. SISTEMA FINANCEIR3. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO:O DA HABITAÇÃO:O DA HABITAÇÃO:O DA HABITAÇÃO:

ANÁLISE E PROPOSTA DANÁLISE E PROPOSTA DANÁLISE E PROPOSTA DANÁLISE E PROPOSTA DE SOLUÇÃO.E SOLUÇÃO.E SOLUÇÃO.E SOLUÇÃO.

IntroduçãoIntroduçãoIntroduçãoIntrodução

Nos últimos tempos multiplicou-se intensamente o número de ações que discutem contratos avençados sob a égide do Sistema Financeiro da Habitação. Tais ações têm em comum a premissa de que o valor das prestações bem como do saldo devedor vem sendo calculado de forma lesiva aos mutuários.

Não deve passar despercebido que as ações inicialmente aforadas em geral não abordavam a evolução do saldo devedor, certamente porque os contrato mais antigos contavam com cobertura do Fundo de Compensação de Variações Salariais – FCVS. Tais contratos garantiam ao mutuário que o imóvel lhe seria adjudicado com o pagamento da última prestação avençada, independentemente da existência de resíduo. O mutuário contribuía com o FCVS e, assim, ficava livre de qualquer responsabilidade para com o saldo devedor ainda existente depois do pagamento da última prestação. Bastava a esse mutuário, portanto, discutir o valor da prestação, pouco lhe importando o que ocorreria com o saldo devedor.

Depois de algum tempo o FCVS foi extinto para os novos contratos, pelo que o mutuário passou a assumir o resíduo contratual. Desde então as ações aforadas abordam diretamente a evolução do saldo devedor, combatendo-lhe a forma de reajuste, tanto quanto combatem o valor das prestações cobradas.

Basicamente o que se tem é que o critério de reajuste do valor das prestações do

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financiamento difere do critério de reajuste do saldo devedor, de modo que se estabelece a impossibilidade de amortizar, com os valores que são pagos mês a mês, o próprio saldo devedor. Se, por um lado, é verdadeiro que a Matemática Financeira garante o fechamento das contas em quaisquer sistemas de amortização, é também absolutamente verdadeiro que somente assim se dá desde que tudo transcorra de acordo com o rigor desses sistemas matemáticos, que, ressalte-se, não prevêem um índice para o reajuste das prestações e outro índice para correção do saldo devedor.

Equivale a afirmar que o Sistema Financeiro da Habitação por si só, ainda que consideremos todas as variantes que sucederam-se através do tempo, tem em sua origem a trinca oculta e interna que após algum tempo de operação leva a alavanca inapelavelmente ao cisalhamento e à quebra.

Façamos uma pequena imagem.

Imagine-se um muro a ser edificado, somente podendo-se dar por encerrada a obra quando todos os tijolos tiverem sido usados. A cada mês mais tijolos são trazidos para que o operário trabalhe, sendo que apenas aqui e acolá outro trabalhador chega para ajudar na construção. É claro que enquanto chegarem tijolos novos com aumento não correspondente do número de operários será impossível chegar-se ao fim da obra.

Mas imaginemos ainda um pouco mais.

Além da carga nova de tijolos todo mês, a quantidade de tijolos, em períodos que dependem de outros fatores, como a necessidade do Governo em manter os empregos nas olarias, também aumenta, impondo-se cotas ainda superiores. O número de operários na construção do muro só vez por outra aumenta, e sempre em proporção muito abaixo da taxa de aumento de tijolos que são trazidos.

É óbvio que um sistema como esse levará rapidamente à impossibilidade do nosso imaginário muro ser dado como terminado.

Se é assim, por justiça e mesmo por bom senso, o homem médio certamente perguntaria: mas... quando combinaram fazer o muro, não imaginaram qual seria um tamanho mínimo suficiente? E aí é que está um dos pontos importantíssimos, desnudado por meio de nossa simplória parábola. Ninguém contrata a construção de um muro, nem se deixa contratar, sem que se fixe o quanto deva ser feito para

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que se repute cumprida a tarefa.

Veja-se que pouco importa que aqui se exemplifique com uma simbólica avença de empreitada. Sim, é claro que o contrato de financiamento imobiliário tem suas características particulares. Todavia, o bom-senso que há de imperar em toda a Ciência Jurídica enraíza em princípios comuns que não podem ser abstraídos quer se cogite de um empréstimo, quer de uma edificação. O fato é que não é juridicamente correto que o agente financeiro pretenda que o mutuário pague, na prática, ao sabor de circunstâncias alheias e sob riscos que superam a possibilidade de análise até mesmo dos mais renomados analistas financeiros. O conceito de "risco", aliás, chega às raias da ironia quando o assunto é financiamento pelo SFH. O risco vem se tornando não conceitualmente um "risco", mas sim uma certeza de distorção.

Cabe bem destacar, por outro lado, que há uma gama bastante grande de ações judiciais em trâmite por todo o Brasil, tendo-se estabelecido um sem-número de entidades de defesa dos mutuários, cada qual com centenas de associados. Contudo, a situação de cada mutuário não pode ser considerada exatamente a mesma, como se estivéssemos diante de uma discussão acerca de um direito constitucional difuso ou coletivo, rigorosamente com os mesmos limites e características para todos. O Sistema Financeiro da Habitação nasceu há algumas décadas e mudou muitíssimo desde então. Cada contrato firmado pode estar ou não sob fortes distorções que reclamam corrigenda conforme a época, a duração, a existência ou não de FCVS e até mesmo consoante a categoria profissional do mutuário (Categorias profissionais fortes e evidentes por si sós deixavam sob clareza solar o exato percentual de reajuste dos salários, enquanto que as milhares de outras categorias profissionais menos representativas da massa de trabalhadores não poucas vezes viam-se brindadas com reajustes "estimados" para o valor das prestações). Enfim, não se cuida de uma questão de direito difuso ou de direito coletivo, mas sim de direito obrigacional que vincula as partes contratantes com as peculiaridades de proteção constitucional que oportunamente serão destacadas.

Valor da CausaValor da CausaValor da CausaValor da Causa

A primeira conseqüência prática para o processo diz respeito ao critério adotado para a fixação do valor da causa.

Ao tempo dos contratos com cobertura do FCVS sedimentou-se o entendimento de

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que, por se discutir apenas o valor das prestações e não a evolução do saldo devedor, justo seria considerar o critério de uma anuidade, abstraindo-se o valor do contrato. Assim o equivalente a doze prestações compunha o montante a ser considerado para a causa.

Corrente ainda mais liberal passou a considerar que o valor da causa corresponderia à diferença entre o valor cobrado e aquele reputado devido pelo mutuário. Dessarte chegou-se ao critério do montante duodecimal da diferença entre o quanto cobrado e o quanto entendido devido pelo mutuário.

Todavia a mudança nos contratos, ao obrigar os mutuários à discussão do saldo devedor, levou também à alteração do conteúdo econômico da lide. Assim, por se perseguir a revisão do contrato de modo abrangente, tornou-se adequado o critério do valor do próprio contrato, isto é, da dívida. Circunstancialmente, na maioria das vezes o Judiciário prefere continuar com o critério anterior como forma de maior distribuição de justiça social.

A Essência do SFHA Essência do SFHA Essência do SFHA Essência do SFH

A Lei fundamental do Sistema Financeiro da Habitação, conquanto muito tenha-se alterado desde sua edição, continua sendo a Lei 4380/64.

É de sua ementa:

Institui a Correção Monetária nos Contratos Imobiliários de Interesse Social, o Sistema Financeiro Para a Aquisição da Casa Própria, Cria o Banco Nacional de Habitação (BNH), e Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de Habitação e Urbanismo e dá outras Providências.

Já no artigo 5° ficava disposto que (...) os contratos de vendas ou construção de habitações para pagamento a prazo ou de empréstimos para aquisição ou construção de habitações poderão prever o reajustamento das prestações mensais de amortização e juros, com a conseqüente correção do valor monetário da dívida toda vez que o salário mínimo legal for alterado.

Eis aí a semente plantada no solo do Direito, oriunda da política habitacional que o Governo resolvera aplicar para fazer frente ao caos que o País vivia em termos de casa própria para seus cidadãos. A componente social era tão óbvia que não era vinculação primeva da norma de regência senão o próprio salário mínimo. O

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Legislador cuidou de deixar assente também que o reajustamento basear-se-ia no índice geral de preços mensalmente apurado ou adotado pelo Conselho Nacional de Economia que reflita adequadamente as variações no poder aquisitivo da moeda nacional (art. 5°, § 1°, Lei 4380/64). Ainda outra regra que ficou na mente de todos os que cuidam do assunto é o intervalo estabelecido para a vigência do novo valor da prestação: 60 (sessenta) dias. Eis o texto:

§ 3 - Cada reajustamento entrará em vigor após 60 (sessenta) dias da data de vigência da alteração do salário mínimo que o autorizar e a prestação mensal reajustada vigorar até novo reajustamento. (art. 5° - Lei 4380/64)

Mas nenhuma regra da Lei em comento mais evidencia a essência do Sistema Financeiro da Habitação em sua primeira versão do que o parágrafo 5° do artigo 5°:

§ 5 - Durante a vigência do contrato, a prestação mensal reajustada não poderá exceder, em relação ao salário mínimo em vigor, a percentagem nele estabelecida.

O critério de reajuste das prestações foi sendo aperfeiçoado através do tempo, restando três, por assim dizer mais comuns e que abrangem a grande maioria das avenças hoje existentes.

Basicamente temos o critério da equiparação salarial na modalidade categoria profissional, na modalidade comprometimento de renda e o sistema de amortização crescente.

São o PES/CP, o PES/CR e o SACRE.

Qualquer deles pode ser o do contrato hoje existente, já não mais havendo os que ostentem cláusula de cobertura pelo FCVS.

Outra coisa completamente diferente é o sistema de amortização que tenha sido adotado no contrato. O sistema mais comum é o da chamada "Tabela Price", sistema esse também conhecido como "francês". Mas há muitos outros. Há o sistema americano, mais comum para o mercado internacional, o hamburguês, o sistema de amortizações constantes, conhecido por SAC, e outros.

O que importa considerar é que o critério de reajuste das prestações não vincula obrigatoriamente a este ou àquele sistema de amortização, podendo haver contrato que adote o PES/CP e o sistema SAC, bem como que adote o PES/CP e o sistema

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francês. Na prática o que se tem é que há muitos contratos PES/CP sob o regime da tabela Price, mas, é bom que se destaque, o fato do contrato reger-se pelo critério PES/CP não o vincula obrigatoriamente ao sistema francês de amortização.

Se o mutuário pretender a modificação das cláusulas estabelecidas no contrato sob a premissa de que todo contrato PES/CP deve obedecer à tabela Price, deverá prevalecer o princípio pacta sunt servanda, já que ao mutuário não advém prejuízo tão-só em razão de ter-se este ou aquele sistema de amortização previsto na avença.

Veja-se que há plena liberdade para o mutuário discutir as cláusulas estabelecidas, abordando a correção ou não dos reajustes realizados, bem como os índices empregados, sem que, no entanto, possa pretender pura e simplesmente alterar a essência do contrato, descaracterizando cláusulas livremente estabelecidas.

É óbvio que se ambas as partes contratantes desejassem tal modificação poderiam simplesmente aditar o contrato originário. Mas unilateralmente, por intervenção do Judiciário, não é possível violentar-se o ente financeiro infligindo-lhe toda sorte de alterações só porque se trata de uma rica empresa pública de natureza bancária, como se tal circunstância pudesse alicerçar uma cerebrina presunção de abuso de poder econômico.

Não.

Bastas vezes o que ocorre é o arrependimento do mutuário que optou por um determinado regime contratual que não atendeu às suas expectativas. Conquanto a componente social da questão habitacional seja evidente, não se pode perder de vista que o ente financeiro somente pode continuar a financiar imóveis se houver cumprimento dos contratos estabelecidos.

A Essência das DistorçõesA Essência das DistorçõesA Essência das DistorçõesA Essência das Distorções

A raiz de toda a problemática situação que se formou está na origem dos recursos dirigidos ao financiamento da habitação. Conquanto não caiba aqui aquilatar do acerto ou desacerto das políticas habitacionais adotadas na condução dos recursos, o fato é que o dinheiro usado para o financiamento da casa própria origina-se dos depósitos da poupança.

Ironicamente, a estabilização da moeda, em se prolongando no tempo, fez com que boa parte dos brasileiros, até então poupadores, simplesmente deixasse de fugir da inflação e se lançasse no mercado consumidor. Equivale a dizer que os depósitos

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em poupança foram diminuindo ao ponto de provocar a intervenção da equipe econômica do Governo.

Era imperativo atrair novamente o brasileiro à poupança, sob pena de faltarem recursos para, dentre outras coisas, financiar a casa própria.

Ocorre que para atrair depósitos em poupança só mesmo remunerando as aplicações realmente acima da inflação, já que a mera recomposição da moeda deixa de ser suficiente sedução quando há estabilidade econômica. Foi por isso que se adotou a Taxa Referencial – TR para a remuneração da poupança. Índice mais gordo, fez a poupança novamente interessante. Assim o governo contornou a falta de recursos para suas finalidades e, como já bem destacado, para o financiamento imobiliário.

Entretanto, a remuneração da poupança é paga pela entidade bancária, somente podendo existir encontro contábil que garanta o equilíbrio desse sistema se essa remuneração puder ser retirada dos financiamentos realizados com os recursos dessa mesma poupança. Eis aí a cruel verdade econômica que legitima o uso do índice da poupança para o reajuste dos financiamentos sob o regime do Sistema Financeiro da Habitação – SFH.

No concerto da macroeconomia cogitar-se de justiça social quase sempre implica em impasses como esse. A coisa toda se agrava se considerarmos que dificilmente haverá coincidência entre o poupador e o mutuário, de modo que a recuperação pela instituição bancária da remuneração do capital aplicado na poupança termina por recair sobre aquele que, no mais das vezes, de nada dispõe para poupar. Porém, ainda assim é preciso que o Judiciário tenha muita cautela quando o mutuário se apresentar com toda espécie de efetivas verdades não alinhavadas aos limites da lide, pedindo modificações essenciais do financiamento avençado perante a instituição bancária.

Há quem ataque a tabela Price com se fosse ela a grande culpada pelas mazelas da conjuntura habitacional.

Ingênua argumentação.

O sistema francês de amortização é uma ferramenta matemática que engloba a capitalização decrescente de juros e a amortização crescente do saldo devedor. Tem-se duas progressões geométricas, uma de razão direta outra invertida, de

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modo que os termos equivalentes, ao serem somados, resultem sempre no mesmo valor. Dessa forma a prestação é constante mas progressivamente se vai pagando mais amortização e menos juros.

A tabela Price por si só nada distorce, tampouco constituindo qualquer aberração o fato de haver capitalização de juros. O sistema é matematicamente concebido para zerar precisamente na última prestação.

No sistema de amortizações constantes, o chamado sistema SAC, a concepção matemática é outra. Diferentemente do que se dá com a tabela Price, o valor da amortização é que é constante. Basicamente, o valor da dívida é dividido pelo número de parcelas, resultando no valor constante a ser amortizado todo mês. Do saldo devedor subtrai-se a amortização e aí incide a taxa de juros, somada à amortização para compor o total da prestação. Como todo mês o saldo devedor é amortizado, o valor dos juros também vai progressivamente diminuindo, de modo que a prestação acompanha tal diminuição. Como característica comum de todo sistema e amortização, o saldo devedor reduz-se a zero quando do pagamento da última prestação.

O problema é que em financiamentos longos é preciso incluir uma fórmula de reajuste a fim de manter o equilíbrio econômico original, aquele do momento da assinatura do contrato, uma vez que a taxa de juros é pré-fixada e a inflação, mesmo em patamares menores, a bem da verdade não se dobra a previsões de vários lustros.

No Sistema Financeiro da Habitação tudo isso é verdade e há ainda a pior de todas as circunstâncias.

É que a política habitacional, desde o início do SFH, concebeu os financiamentos em que o mutuário pagaria em proporção direta com sua remuneração. Mas eis que o saldo devedor, dada a origem dos recursos do próprio financiamento, veio a ser reajustado de acordo com o índice da poupança.

Não é preciso analisar-se toda variante de contrato em cada época. Basta considerarmos que é impossível fechar uma conta em que os pagamentos são reajustados aqui e acolá por um índice limitado enquanto que o saldo devedor vai sendo periodicamente acrescido do índice da poupança.

Pouco importa o sistema de amortização adotado no contrato, como destacado.

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Não há como zerar-se o financiamento se o reajuste da prestação ocorre ao descompasso do reajuste do saldo devedor. Essa sandice matemática só perdura porque, ao tempo da hiperinflação, no contexto do caos econômico quase equivaliam os reajustes salariais em comparação com a remuneração da poupança. A estabilidade da moeda apenas evidenciou aos brados o descompasso das dimensões e épocas dos reajustes das prestações e do saldo devedor.

Tanto faz considerarmos o critério da categoria profissional ou do comprometimento de renda, a limitação do reajuste das prestações, ao contrário de ser um benefício ao mutuário, termina por mais e mais agravar sua situação no contexto do contrato de financiamento.

Tanto assim que veio a lume o SACRE, que prevê reajustes anuais a fim de recuperar alguma força de amortização às prestações.

A situação, enfim, amolda-se a uma longa seqüência de circunstâncias que levaram o sistema habitacional a um labirinto cuja saída é tudo, menos fácil de se achar.

A Caixa Econômica Federal é a entidade gestora do Sistema Financeiro da Habitação, é certo, mas não foi ela quem criou o sistema, cumprindo-lhe administrá-lo nos limites das leis que cuidam da matéria. O mutuário ingressou no financiamento até por sedução da propaganda oficial e diante da óbvia necessidade de adquirir a moradia de sua família.

Uma Solução PossívelUma Solução PossívelUma Solução PossívelUma Solução Possível

Conjugando-se tudo, máxime os comprometimentos econômicos e o cunho social das lides que se fundam no SFH, a única solução viável juridicamente é a averiguação do valor de mercado atual do imóvel financiado em comparação com o total comprovadamente pago pelo mutuário.

Não é de justiça que o mutuário deva desembolsar valor superior ao do bem negociado.

Por outro lado, conquanto seja também verdade que a CEF limitou-se a gerir o sistema caótico que herdou do Banco Nacional da Habitação, é uma empresa pública e, como tal, membro da Administração Indireta, devendo assim arcar com a maior parte do prejuízo que o sistema gera por conta da política habitacional implementada pela Administração Direta.

Não há dúvida de que a CEF manifestará inconformismo caso o Judiciário venha a

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não admitir que o mutuário continue pagando o financiamento nos exatos moldes do contrato por reconhecer-lhe a injustiça e o atentado ao princípio rudimentar de que o preço não deve ultrapassar o valor do bem negociado.

É óbvio que os recursos serão interpostos de imediato, até porque as ações certamente não ostentam pedido formulado exatamente nesses moldes, ao menos na grande maioria dos casos.

Todavia, abstraindo-se os rigores científicos da Processualística e com olhos fixos na realidade forense, é inafastável que, com muito maior freqüência do que se imagina, a tutela jurisdicional concedida ao fim do processo atende ao quanto pedido na inicial sem contudo refletir-lhe os exatos contornos.

Nem por isso o pedido é acolhido de modo parcial ou sob o vício dos provimentos infra, extra ou ultra petita. As causas habitacionais mais e mais são tidas à conta de demandas de natureza alimentar.

Realmente, o direito à habitação caminha em largos passos em direção ao solo dos direitos fundamentais do cidadão, aqueles direitos que repousam sobre o dever de atendimento que toca ao próprio Estado. Não menos evidente é a caracterização do mutuário como consumidor, juridicamente considerado à sombra da proteção das normas consumeiristas, de modo que sua hipossuficiência é de absoluta presunção. Ora, daí advém necessariamente que a tutela jurisdicional do Estado não se poderá obstar por rigores formais nada adequados à flexibilidade típica da fungibilidade inerente aos direitos de cunho alimentar.

Busquemos analogias.

Ninguém tem dúvida de que o segurado da Previdência Social, caso peça menos do que poderia, terá a tutela jurisdicional que melhor lhe atenda às necessidades de acordo com que prevê a lei. De fato, pouco importa que o pedido restrinja-se à concessão de auxílio-doença, por hipótese, bastando que se comprove a plena incapacidade laborativa para que o Judiciário possa condenar o INSS no pagamento do benefício adequado, determinando a aposentação do segurado.

Esse tipo de flexibilidade, a bem da verdade, já existe no que tange às ações que se fundam no SFH. É muito comum o juiz liminarmente determinar o pagamento pelos mutuários do valor incontroverso diretamente ao agente financeiro quando o pedido sumário, na verdade, buscava o depósito de tais valores.

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Ainda nesse contexto, há juízes que liminarmente vedam desde logo a eventual realização de praceamento extrajudicial do imóvel financiado tão-só diante de pedidos genéricos dirigidos a medidas administrativas como a não-inclusão dos mutuários em registros de inadimplentes.

É o Judiciário dando à parte o que melhor lhe cabe sem restrições meramente de forma diante da natureza alimentar do direito à habitação.

Aliás, é bom que não se defenda excessivo rigor de forma no que pertine às ações tocantes à habitação, porquanto não haverá como dar-se solução às milhares de famílias que demandam em cada Juízo se não se reconhecer a natureza alimentar do direito à habitação, com todas as conseqüências daí advindas, máxime a presunção absoluta de hipossuficiência do mutuário.

Em contrapartida, a Caixa Econômica Federal terá a garantia de que a quitação dos contratos cinge-se estritamente à comprovação de que já foi pago valor suficiente, entendido esse como o valor de mercado atual do imóvel.

A solução adotada atende, repise-se, à hipossuficiência econômica do mutuário em termos de proteção consumeirista.

A eventual existência de superávit em favor do mutuário como resultado da comparação entre o quanto pago e o valor atual de mercado do imóvel não implica no reconhecimento de crédito como efeito da sentença que for proferida, já que o deslinde da causa não terá advindo do encontro de contas ou investigação contábil para esse fim.

O desfecho do litígio estará assente no princípio da distribuição da justiça e dos fins sociais do processo, principalmente porque não se trata do reconhecimento de culpa civil da CEF, mas sim do reconhecimento de que as distorções do Sistema Financeiro da Habitação torna injusta a continuidade do financiamento quando o valor pago supre o valor de mercado do imóvel.

Destarte, eventual pretensão em busca de diferenças há que fundar-se em nova busca de tutela jurisdicional, sob fundamentos próprios.

Em suma, a questão se resolve pelo seu aspecto mais simples: o preço não pode ultrapassar o conteúdo econômico do bem negociado.

Outro aspecto de relevo é o inadimplemento puro e simples que ocorre por parte

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de alguns mutuários e que se pretende ocultar sob argumentações variadíssimas acerca das mazelas do sistema habitacional.

Com efeito, há ações em que os fatos averiguados com a instrução muito mais evidenciam um crônico inadimplemento das obrigações contratuais por parte do mutuário do que lesões efetivas que tivesse sofrido caso pagasse as prestações do financiamento. Não se deve confundir situações díspares como a do mutuário que vem pagando seu financiamento e se põe diante do juiz para discutir as cláusulas contratuais, em contrapartida ao mutuário que falta com inúmeros pagamentos, anos a fio, e se lança à Justiça em busca de uma solução para seu débito.

Mais uma vez a melhor forma de afastar o joio do trigo, verificando-se quem tem mesmo razão para sentir-se lesado, é o critério da comparação entre o quanto se pagou e o valor comercial atual do imóvel.

Se o mutuário pagou valor que atinja o valor de mercado, tenha-se por quitado o débito, sob pena de uma ostensiva sobrevaloração do bem negociado; se não pagou o bastante, ficando aquém do valor de mercado, deverá cumprir o contrato, independentemente de se discutir o acerto do valor das prestações, até que aquele valor seja atingido.

Não será difícil para o Judiciário, através de verificação contábil, fixar o valor a ser atingido, quantas e de qual valor serão as prestações que faltam, atualizando-se o valor da dívida restante tão-somente por atualização monetária.

Não mais se cogita de aplicação de índices vinculados à poupança, mas sim de correção monetária apenas, de forma a preservar o valor do imóvel para que não advenha excessivo prejuízo à CEF.

Consoante a jurisprudência já assentou em outras plagas, não há direito adquirido a um determinado índice de correção ou de reajuste, pelo que a correção monetária é de ser feita pelo percentual oficial. Haverá mutuários que afirmarão nada terem conseguido de concreto com tal solução, é certo, mas, enfim, se o financiamento ficou em aberto de modo que não se atingiu o valor de mercado do imóvel, ao menos esse deverá ser atingido, sendo justo que esse valor seja preservado, a fim de não se afrontar o ente financeiro de modo incoerente com o critério fixado em defesa do mutuário.

Ainda assim a vitória do mutuário será de fácil reconhecimento, uma vez que não

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mais submeter-se-á a um saldo devedor ilimitado, mas sim a um total que, mesmo sendo monetariamente corrigido, não poderá ser majorado.

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4. A INCAPACIDADE JURÍDICA ABSOLUTA4. A INCAPACIDADE JURÍDICA ABSOLUTA4. A INCAPACIDADE JURÍDICA ABSOLUTA4. A INCAPACIDADE JURÍDICA ABSOLUTA

E SEUS REFLEXOS NO ÂMBITO TRIBUTÁRIOE SEUS REFLEXOS NO ÂMBITO TRIBUTÁRIOE SEUS REFLEXOS NO ÂMBITO TRIBUTÁRIOE SEUS REFLEXOS NO ÂMBITO TRIBUTÁRIO

A capacidade tributária tornou-se quase um baluarte da especialização do ramo fiscal ante à peculiaridade com que o tema vem regrado. De fato, é da disciplina normativa estabelecida pelo Código Tributário Nacional a independência da capacidade tributária em relação às limitações consagradas em outros diplomas. Não há um aluno ou profissional do Direito que não tenha ficado com a seguinte lição na mente: a capacidade tributária não se submete às regras de incapacidade civil. Diz o artigo 126 do Código Tributário Nacional:

A capacidade tributária passiva independe:

I - da capacidade civil das pessoas naturais;

II - de achar-se a pessoa natural sujeita a medidas que importem privação ou limitação do exercício de atividades civis, comerciais ou profissionais, ou da administração direta de seus bens ou negócios;

III - de estar a pessoa jurídica regularmente constituída, bastando que configure uma unidade econômica e profissional.

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Veja-se que o CTN, para caracterizar o sujeito passivo da obrigação tributária, afasta as regras de capacidade civil das pessoas naturais, subsistindo tais regras somente para o exercício da defesa (o pai continuará representando o filho, o tutor continuará respondendo pelo órfão, etc.).

Consoante as normas tributárias, o menor, o preso, a pessoa que exerça irregularmente uma profissão e a sociedade de fato (entre outros casos), todos são sujeitos passivos perante o Fisco.

A soberania do Estado no exercício do seu poder impositivo, neste particular, vem subverter conceitos jurídicos que prevalecem em todas as demais áreas do Direito. Veja-se que, no que pertine às pessoas jurídicas irregulares, nada mais salutar do que impor-lhes total capacidade tributária, como faz o CTN no inciso III acima transcrito; contudo, quanto às pessoas naturais, a incapacidade civil absoluta (ao menos a absoluta) efetivamente acarreta a incapacidade tributária, remanescendo, de qualquer modo, a responsabilidade do representante legal (art. 134, CTN). O efeito, na prática, resguarda igualmente o interesse do Fisco e mantém a plena integração do ordenamento.

Sustenta-se que a incapacidade civil não influi na capacidade tributária porque a vontade do indivíduo é irrelevante para a caracterização do liame que advém da obrigação tributária. Sem dúvida, é verdade. Entretanto, capacidade tributária é espécie do gênero capacidade jurídica, sendo rigorosamente desnecessário caracterizar-se um ente sui generis quando o efeito perseguido pode ser alcançado, da mesma forma, através da estrutura que existe. Repise-se que a obrigação tributária há mesmo que ser satisfeita; simplesmente não deve figurar como sujeito passivo o menor absolutamente incapaz, mas sim seu representante legal.

Basta pensar em um caso hipotético:

Fausto, comprovadamente vítima de psicose em grau incapacitante, ganha um prêmio de sorteio não oficial em montante elevado. Ele não declara imposto de renda, conquanto devesse sofrer a incidência desse tributo. Em vindo o caso ao conhecimento do Fisco, muito melhor que o responsável por Fausto responda pela omissão na entrada daquela receita do que figurar na autuação uma pessoa civilmente qualificada como louca (assim referida no Código Civil, sob o linguajar

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de pouca técnica porém vertente quando de sua elaboração).

Como assente no entendimento doutrinário, o Direito não é uma ciência com departamentos estanques, figurando esse ou aquele fenômeno social exclusivamente sob a égide desse ou daquele ramo do saber jurídico. Quem observe um evento com relevância jurídica, observar-lhe-á o enraizamento em solos vastos do Direito. O fato gerador, fenômeno essencialmente tributário, tem na essência o conceito de fato jurídico, entendido como ocorrência da qual resulta a obrigação de pagar tributo, isto é, uma obrigação jurídica. Nesse passo, a capacidade tributária não tem outro conceito em sua essência senão o de capacidade jurídica, como já destacado, não se lhe podendo apartar essa natureza sob pena de caracterizar como escorreitas situações teratológicas como a de nosso psicótico-contribuinte.

Quando o Direito fala em incapacidade parcial, exatamente por não regrá-la no condão absoluto, abre a possibilidade da incidência de responsabilidade em situações dispostas na lei. Mas quando o Direito acena com a incapacidade absoluta, nela figurando os que a Ciência Jurídica reputa não passíveis de responsabilização por seus atos, não o faz de forma relativa, homenageando a semântica do termo "absoluta".

É inaceitável que apenas e tão-somente diante do Direito Tributário uma pessoa absolutamente incapaz seja compelida à realização de atos jurídicos como se o fizesse motu propriu. O hipotético contribuinte alienado, na fria letra do artigo 126 do CTN, é tido como cidadão comum de quem se espera preencha um complexo formulário de declaração do IRPF, ou que navegue pela internet para remeter a declaração via on line. É óbvio que não foi a esse desfecho estapafúrdio que o legislador quis levar, devendo o hermeneuta aplicar a integração da norma jurídica para extrair a vontade da lei em um contexto harmônico com o Ordenamento como um todo.

Assim, o artigo 126 do CTN exceptua a incapacidade relativa das pessoas naturais, não podendo abstrair a circunstância instransponível da incapacidade absoluta. Para os absolutamente incapazes incide a representação do responsável, resguardando-se o Fisco e o bom-senso.

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5. A EXECUÇÃO INVERT5. A EXECUÇÃO INVERT5. A EXECUÇÃO INVERT5. A EXECUÇÃO INVERTIDA NAS AÇÕES PREVIDIDA NAS AÇÕES PREVIDIDA NAS AÇÕES PREVIDIDA NAS AÇÕES PREVIDENCIÁRIASENCIÁRIASENCIÁRIASENCIÁRIAS

Nas ações previdenciárias, na grande maioria das vezes sob o procedimento comum ordinário, após o exaurimento da função jurisdicional no processo de conhecimento aporta-se ao processo de execução, a exemplo do que ocorre com os feitos em geral.

No entanto, as ações previdenciárias vêm observando um rito próprio na fase de execução, rito esse estabelecido na vida prática das Varas Federais e que atende bem melhor ao princípio da duração razoável do processo tanto quanto bem se coaduna com as peculiaridades dessa ação, notadamente a hipossuficiência do segurado e a essência alimentar da renda previdenciária.

O INSS, como é cediço, compõe a Administração Indireta e ostenta a natureza de Autarquia, pelo que as execuções em seu desfavor cingem-se ao rito estabelecido no artigo 730 e seguintes do Código de Processo Civil, peculiarizando-se pelo prazo dilatado para a eventual interposição de embargos à execução.

Assim, caso as coisas ocorram na fria letra do procedimento regrado, o segurado, vencedor da demanda, deve apresentar a conta de liquidação e requerer a citação do INSS para os fins do artigo 730 do CPC. A Autarquia, depois do ato de chamamento à execução, pode embargar ou concordar com a pretensão executória. Finalmente, verificada a conta em sede de embargos ou aceita a conta, a execução finda com sentença fixando o valor a ser requisitado para o pagamento.

Todavia, a vida forense demonstrou de modo homogêneo que o segurado, salvo raras exceções, não tem como proceder aos cálculos de seu crédito ante a dificuldade de levantar com rigor matemático todos os elementos necessários, aplicando-se os índices normativamente fixados, período a período. Quase sempre

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o segurado oferta um cálculo que diverge daquele que a Dataprev, por meio de seus bancos de dados e programas bem elaborados, rapidamente procede a um comando do operador do sistema. Eis que o INSS inevitavelmente embarga essas execuções e com razão. Os embargos tornaram-se uma fase comum da execução para o acertamento da conta, fugindo de seu caráter excepcional, alinhavada na vida processual-executória como ação incidental.

Claro que esse procedimento importa em uma excessiva morosidade além da não rara interposição de apelações da sentença dos embargos. De fato, o segurado muitas vezes não se conforma em ver o acolhimento da conta do INSS em detrimento da sua, buscando o socorro da Corte com um recurso que, tanto quanto inviável, causa grande demora na satisfação do crédito.

Esse o quadro que levou à adoção da execução invertida nas ações previdenciárias. Muito mais prático que o juiz determine que o INSS, tão-logo tenha-se o trânsito em julgado da decisão de mérito, apresente a conta de liquidação. Como já destacado, o INSS tem em sua estrutura plenas condições de bem elaborar o cálculo com todos os elementos que retira de seus bancos de dados. Vinda a conta aos autos, o autor manifesta-se. Se achar que o INSS não ofertou conta adequada, deve, no prazo dessa manifestação, trazer seus cálculos. Importante destacar que é bem raro o segurado inconformar-se com a conta do INSS, mas, se for esse o caso, o juiz poderá, ante a nova conta, retomar o rito original mandando citar o INSS com essa pretensão executória. Claro que os embargos serão inevitáveis.

Não se pense, com isso, que o segurado fica refém do INSS na elaboração da conta de liquidação. Na verdade, além do cálculo da Autarquia estar de acordo na imensa maioria das vezes, caso o segurado concorde com um valor que ao juiz, sob seu prudente critério, pareça insuficiente, restará sempre o auxílio do contador judicial para a verificação final.

O fato é que quando o INSS traz a conta de liquidação, é muito comum que o segurado concorde por satisfazer-se com o valor fixado.

Nesse ponto, como a conta é oriunda do INSS, sequer de citação no artigo 730 se cogita para a continuidade da execução, já que, por um mínimo de lógica processual, o INSS não tem interesse em embargar os seus próprios cálculos. Ainda assim, os juízes, em sua maioria, receiam dar vazão ao processo de execução sem o ato de citação formalizado. Receio incabível vez que a conta de liquidação

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ofertada pelo INSS equivale ao ato de atendimento do julgado, um autêntico ato de "dar-se por citado" à pretensão executória.

Uma variante intermediária para o atendimento do rigor formal é a prática de tomar-se por termo nos autos, depois da concordância do segurado, a declaração do Procurador Federal de que a Autarquia se dá por citada e não vai oferecer embargos. Isso pode ser feito com a presença periódica do Procurador Federal na Secretaria Judiciária, atuando por cota, ou por abertura de vista com a respectiva carga dos autos.

Há também uma grande economia dos trabalhos cartorários diante da desnecessidade de expedição de mandados de citação e sua posterior juntada nos autos. Um aspecto, também da vida prática e de grande relevância, é que o ganho de tempo na execução invertida só existe se houver uma integração dos trabalhos da Secretaria Judiciária com a Procuradoria Federal que representa o INSS. De nada adiantará determinar-se que o INSS apresente os cálculos iniciais se os processos não forem retirados para esse fim, permanecendo em grandes blocos de escaninhos no aguardo de carga. De efeito, o INSS, através de seus Procuradores, deverá periodicamente retirar esses processos para os devidos fins, sob pena de desvirtuar-se esse procedimento invertido e torná-lo até mais lento do que o rito original. Mesmo depois que a conta tenha sido ofertada, à Secretaria Judiciária cumpre intimar o segurado para se manifestar nos autos se concorda com os cálculos. Se houver demora na publicação desse comando, também aí ter-se-á ponto de ruptura da celeridade.

Em seguida, havendo concordância, mais uma vez o Procurador Federal deverá periodicamente ir à Secretaria Judiciária manifestar o seu "dar-se por citado" ou retirar os autos em carga para o mesmo fim.

Um aspecto merece nota aqui. Não se pense que essa atuação dos Procuradores Federais importa em privilégio para os segurados. Muito pelo contrário, estamos falando de processos em que houve a procedência do pedido em favor do segurado, gerando, por isso, um crédito de atrasados. Quanto mais cedo findar a execução e a requisição do pagamento ocorrer, tanto menos juros de mora o Ente Público pagará.

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Mais uma vez, cremos, é de se destacar que não há, a rigor, necessidade de tomar-se por termo o ato de "dar-se por citado" do INSS. Bastaria que já no despacho inicial da fase de execução constasse cláusula determinando a expedição das requisições pertinentes ante a eventual (e quase certa) concordância do segurado. Nas Varas em que a execução invertida não estiver sendo praticada, nada impede que o segurado requeira, por petição feita por seu Advogado, que assim se proceda ao ensejo da liquidação do julgado.

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6. DESERÇÃO DA AÇÃO.6. DESERÇÃO DA AÇÃO.6. DESERÇÃO DA AÇÃO.6. DESERÇÃO DA AÇÃO. CONVALESCENÇA. CONVALESCENÇA. CONVALESCENÇA. CONVALESCENÇA.

O processo que avança em seus atos ultrapassando a fase postulatória a despeito de não se ter recolhido as custas do processo não pode ser extinto, não cabendo mais o cancelamento da distribuição.

Vejamos. Consoante dispõe o artigo 257 do CPC, o preparo da ação constitui efetiva condição de procedibilidade, resultando do não-recolhimento das custas o cancelamento da distribuição.

De fato, é do citado regramento:

"Será cancelada a distribuição do feito que, em 30 (trinta) dias, não for preparado no cartório em que deu entrada."

É óbvio que o principal fundamento dessa regra é a necessidade de financiar a máquina judiciária em seu custo mais básico, como meio de parcimoniosamente dividir o ônus do processo entre o Estado e a sociedade civil. Portanto, é muito mais uma questão de administração do que de obrigação intrínseca à Processualística Geral. O caráter parcimonioso do ônus processual denota-se das regras de valoração da causa em contraposição aos baixos percentuais que são fixados para fins de recolhimento de custas, submetendo-se, ainda, a um valor teto de recolhimento. A extinção do feito em decorrência do cancelamento da distribuição é uma conseqüência bastante amarga para aquele que deixa de pagar o

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ônus do processo. Seja como for, está totalmente sedimentado o entendimento de que o pagamento das custas é uma obrigação que deve ser adimplida sempre não for o caso de justiça gratuita. Nesse contexto, temos que a concessão de justiça gratuita é uma exceção à regra geral que compele ao pagamento das custas, não havendo tampouco aqui nenhuma voz destoante. Daí vem desde logo uma primeira consideração: quem deve ser dispensado do ônus do processo? É claro que o critério definidor do beneplácito não pode enraizar em terreno subjetivo, necessariamente legitimando-se fórmula de cunho objetivo. A lei que rege a matéria é de singeleza ímpar e, infelizmente, não fornece todos os elementos que seriam de se esperar.

Ainda outra dificuldade é que se cuida de texto já de alguma idade que, diante da nova ordem constitucional, viu agigantar-se o vácuo em sua normatização. Realmente, o artigo 5º, LXXIV, da Carta Magna garante a gratuidade processual àqueles que comprovadamente dela necessitem. Ora, partindo de rudimentar regra de hermenêutica, sabemos que não há palavras inúteis na lei, quanto mais em se tratando da Lei das leis. Se o Diploma Máximo garante a gratuidade a quem comprove sua hipossuficiência econômica, nada permite concluir que o benefício possa ser concedido à ilharga dessa prova. Relevante que o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que a renda mensal de aproximadamente quinze salários mínimos, ou até um pouco mais, constitui parâmetro adequado para a concessão da gratuidade processual. A Corte Superior expressamente asseverou que as despesas peculiares caso a caso devem ser consideradas pelo juiz quando da apreciação do pedido de justiça gratuita.

Assim ficou consignado na ementa:

"O benefício da assistência judiciária gratuita deve ser deferido considerando não apenas os rendimentos mensais, mas, também, o comprometimento das despesas, no caso, uma família com seis dependentes, embora dispondo de moradia e carro, com o que fazem melhor justiça os paradigmas que consideram justificável a assistência judiciária em famílias com rendimentos que alcançam pouco mais de quinze salários mínimos." (Fonte: DJ DATA:13/08/2001 PÁGINA:150 JBCC VOL.:00193 PÁGINA:249 Relator CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO - RESP - RECURSO ESPECIAL - 263781 - Data da decisão: 22/05/2001). Analisados estes aspectos, evidencia-se que o Ordenamento Jurídico disciplina o custo processual sempre sob o crivo da óbvia componente social que incide sobre a

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matéria. Por vontade da Constituição da República, a gratuidade deve ser dada a quem realmente a mereça, isto é, para quem efetivamente comprove sua penúria, juridicamente considerada. Paralelamente, diante da realidade sócio-econômica do País, pródiga em paradoxos que comprimem a chamada classe média à sustentação de enorme parte da receita tributária, é também salutar e de todo recomendável que a Justiça afaste a lâmina de sua espada de quem eventualmente falhe em seu dever de preparo, destemperando o rigor da norma sempre que os atos processuais ganhem vida e sucedam-se ao arrepio do quinhão negligenciado. Sem dúvida, a convalescência da deserção é de ser reconhecida como forma de homenagear-se o próprio Judiciário que, encarnando a tolerância que se espera dos justos, permite a sobrevivência de quem rompeu a mera expectativa e adentrou a vitalidade plena no mundo da Processualística. Para tanto, repise-se, é de se exigir que o processo ganhe vida plenamente, amadurecendo em todos os seus três ramos de sustentação, já não mais apenas ensaiando viver nos preâmbulos meramente postulatórios, mais sim jazendo sobre a tríplice relação que movimenta as partes diante do Judiciário. Não, não pode ser extinto o processo em que omitiu-se o autor no recolhimento das custas, a não ser desde logo, no nascedouro, ainda na fase postulatória. Por pertinente e louvável, cumpre mencionar dois julgados de diamantina justiça: "Se o processo está em curso a despeito da falta de preparo, não mais incide o artigo 257 do Código de Processo Civil, restrito à hipótese em que a ação, à míngua do pagamento das custas, não foi além da distribuição, caracterizando o abandono." (Fonte DJ DATA:23/10/2000 PÁGINA:140 RSTJ VOL.:00136 PÁGINA:302 Relator(a) ARI PARGENDLER - RESP - RECURSO ESPECIAL - 259148 - Data da decisão: 20/06/2000);

"Estando o processo já pronto para sentença, após intimação da embargada para oferecer impugnação, da intimação das partes para especificação de provas e para apresentação de memoriais, não pode o juiz determinar o cancelamento da distribuição por falta de preparo, extinguindo, assim o feito." (Fonte DJ DATA: 29/07/1996 PAGINA: 52082 Relator(a) JUIZ TOURINHO NETO - AC - APELAÇÃO CIVEL - 01150870 - Data da decisão: 24/06/1996).

À sombra dessas duas inatacáveis decisões, merece toda a ênfase a conclusão: o

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processo que avança em seus atos ultrapassando a fase postulatória a despeito de não se ter recolhido as custas do processo não pode ser extinto, não cabendo mais o cancelamento da distribuição.

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7. IMPENHORABILIDADE7. IMPENHORABILIDADE7. IMPENHORABILIDADE7. IMPENHORABILIDADE: BENS QUE GUARNECEM: BENS QUE GUARNECEM: BENS QUE GUARNECEM: BENS QUE GUARNECEM

O IMÓVEL DE FAMÍLIA.O IMÓVEL DE FAMÍLIA.O IMÓVEL DE FAMÍLIA.O IMÓVEL DE FAMÍLIA.

Uma questão prática que costuma tocar no senso ético dos profissionais do Direito é a extensão do conceito de impenhorabilidade dos bens que guarnecem o imóvel de residência da família. Como se sabe, a Lei 8009/90 veio a proteger o chamado bem de família da afetação ao processo de execução pela penhora, bem como os bens que guarnecem a casa, exceptuando-se apenas, no rigor da lei, os veículos de transporte, os bens de natureza supérflua e os suntuosos. Tem-se aí, portanto, dois elementos valorativos culturais: o caráter supérfluo e a suntuosidade. No que pertine aos veículo, não maiores dificuldades em entender que a lei possibilita sua penhora, salvo é claro se for de uso profissional. Já quanto aos demais, é óbvia a dificuldade em estabelecer-se, com toda a objetividade que uma regra de tal porte certamente exige, conceitos unânimes do que seja supérfluo em uma casa de família, conquanto a suntuosidade seja bem mais fácil de caracterizar-se. Já se entendeu que um forno de microondas, por hipótese, não é um bem supérfluo, consoante julgado do STJ (RESP 299392 RS QUINTA TURMA 20/03/2001), a despeito de não ser nada comum uma residência que tenha nesse apetrecho um ente indispensável à sua sobrevivência. Também no mencionado aresto ficou expresso que, da mesma forma, o aparelho de ar condicionado tampouco poderia ser penhorado. A Corte Superior estendeu a regra protetiva da Lei 8009/90 também a coisas como aparelhos de som, vídeo-cassetes, microcomputadores e impressoras, só mesmo ficando à conta da penhora um piano, assim mesmo sob a ressalva de inexistir qualquer evidência de que o instrumento estaria sendo utilizado para fins de aprendizado (STJ RESP 198370 MG 16/11/2000). Decisões como essas

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geralmente ecoam no senso de satisfação das pessoas, dando sensação de segurança a tantos quantos compartilhem os receios de virem a ser executados, podendo assim desfrutar do sossego de terem suas residências a salvo da gana dos credores. Mas... seriam decisões realmente justas? É, no mínimo, de se perscrutar a vontade da lei sobre a extensão da impenhorabilidade estatuída.

O tema não se exaure nos julgado já referidos, até porque o mesmo STJ proferiu também decisões que atenuam essa visão radical da impenhorabilidade. De fato, a Corte considerou válida a penhora de bens que guarnecem a residência da executada quando prescindíveis ao convívio familiar e à dignidade de seus membros (STJ RESP 248503 SP QUINTA TURMA 16/05/2000). Aqui, sim, temos uma interpretação consentânea à generalidade que deve informar todo comando legal. No entanto, é de se reconhecer, há efetiva prevalência do entendimento de que objetos como a secadora de roupa e a máquina de lavar louça, considerados como essenciais a habitabilidade condigna, não poderão ser afetados à execução (STJ RESP 120572 RS SEGUNDA TURMA 27/04/1999). Não parece razoável que uma secadora de roupa seja considerada elemento essencial à dignidade de uma família. Enfim, vemos a dificuldade, já referida, em conceituar-se suficientemente o que seja imprescindível ou não à dignidade da família. O já mencionado aparelho de vídeo-cassete surge como bem penhorável aqui e acolá (STJ RESP 162998 PR QUARTA TURMA 16/04/1998).

Diante da situação estabelecida, mesmo em se tratando de corrente majoritária no STJ, merece ser repensado o caráter absoluto com que a impenhorabilidade dos bens que guarnecem o imóvel de família vem sendo tratada. Inescondível a componente social que norteia a norma, de modo que, analogamente ao tratamento jurídico dispensado a outras disciplinas igualmente inspiradas no senso social, somente deve haver rigor restritivo à efetivação da penhora diante de hipossuficiência econômica do executado. É o contrapeso necessário à busca da satisfação do débito, impedindo-se que o direito patrimonial, para ser observado, relegue ao ostracismo bens jurídicos muito superiores aos interesses econômicos em lide. Somente diante de hipossuficiência econômica legitima-se a proteção do devedor que, afinal de contas, é devedor. Que a família não sofra, como se diz popularmente, "na carne" o preço a ser pago. Mas nada justifica tomar a exceção como regra geral, até mesmo porque a Lei 8009/90 certamente não foi editada para afastar da execução indiscriminadamente os bens que existam em uma residência

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abundantemente.

Uma família que possua um único imóvel e dele se sirva para a própria existência, mas que tenha em seu interior, digamos, três aparelhos de televisão, ou mais de um aparelho de som, não parece estar sob a proteção da lei em tudo o que exceda a condição de sobrevivência digna. É claro que o televisor, por exemplo, constitui um elemento de informação do cidadão, instruindo-o muitas vezes naqueles pontos em que falhou fragosamente o Poder Público. Todavia, a cidadania de todos da família não será afetada pela penhora de um dos aparelhos disponíveis da casa, cuja eventual perda acarretará, quando muito, uma diminuição do conforto original em contrapartida à satisfação do direito do credor.

Entender-se ao contrafluxo cria a possibilidade do indivíduo conduzir-se de má-fé, internando na casa elementos que lá não manteria, por serem desnecessários, como eventuais acessórios de conforto em duplicidade. Não há justiça em considerar-se impenhoráveis, digamos, todos os três televisores de nossa hipotética família, relegando-se o credor a amargar duras penas para conseguir o pagamento de quanto lhe devam. Não se perca de vista que o devedor efetivamente deve, cabendo-lhe impugnar o crédito sempre que assim entender pertinente. O caráter pendular da matéria leva a decisões até mais rigorosas contra o devedor, como já ocorreu no TRF da quarta região: A proteção da LEI-8009 /90 é apenas para os bens que guarnecem a residência do devedor indispensáveis à habitabilidade mínima de sua família, bem como os necessários para a manutenção da dignidade humana. Prossegue o julgado: Televisores e aparelho de som escapam da protetora inspiração social da impenhorabilidade (TRIBUNAL - QUARTA REGIÃO AC RS SEGUNDA TURMA10/10/1996).

O melhor critério em nossa opinião é o da hipossuficiência. Um bem que guarneça a casa de família poderá ou não ser tido como impenhorável de acordo com o caso concreto, conforme esse bem, no contexto daquela família, constitua ou não elemento de sobrevivência condigna e de cidadania. Um único televisor é Impenhorável; dois, talvez; de três em diante, não cremos possam ser excluídos os excedentes da eventual penhora a ser realizada.

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8. IMPOSTO DE RENDA 8. IMPOSTO DE RENDA 8. IMPOSTO DE RENDA 8. IMPOSTO DE RENDA SOBRE VERBAS TRABSOBRE VERBAS TRABSOBRE VERBAS TRABSOBRE VERBAS TRABALHISTAS.ALHISTAS.ALHISTAS.ALHISTAS.

UMA VISÃO LIBERAL.UMA VISÃO LIBERAL.UMA VISÃO LIBERAL.UMA VISÃO LIBERAL.

O liame entre o empregado e o empregador traduz-se pela fixação jurídica do primeiro ao segundo, com obrigação intuito persona de prestação do trabalho e recebendo a justa remuneração por esse trabalho. Consoante a Doutrina, é a teoria da fixação jurídica a uma fonte de trabalho. A contraprestação remuneratória do trabalho aproveitado pelo empregador é o salário, pago ao empregado periodicamente durante toda a duração do vínculo de emprego. Nesse contexto, as verbas recebidas em decorrência do trabalho realizado têm natureza salarial sempre que habituais e decorrentes da contraprestação devida por aproveitamento do trabalho realizado.

Situação diversa é a verba paga no concerto de uma relação de emprego, porém não como contraprestação remuneratória pelo trabalho aproveitado. Se, por mera liberalidade e adoção de estratégia de motivação, o empregador instituir um prêmio para atender a uma demanda isolada de serviço, o pagamento dessa verba (repise-se: isolada) não integrará o salário do empregado. Será, pois, uma verba não-salarial paga naquele mês apenas. Como regra geral do Direito Trabalhista, se a oferta e pagamento da verba sofrer seguidas repetições, é de se reconhecer sua habitualidade, passando a integrar o salário do empregado.

Do ponto de vista tributário, tanto a verba integrante do salário como a verba não-salarial paga entram no conceito de renda. O dinheiro que é pago ao empregado efetivamente é uma disponibilidade financeira por ele adquirida. Eis que sobre o salário e sobre as verbas não-salariais eventuais incidem o imposto de renda. Desfecho diferente advém de circunstâncias que caracterizem o pagamento da

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verba como indenização por danos.

De efeito, a relação de emprego recebe intensa proteção estatal diante do óbvio interesse social que existe na manutenção do indivíduo empregado. A dignidade humana em muito se compõe do trabalho que o ser realiza perante a sociedade em que vive. Dessarte, a perda do emprego sem a concorrência de uma justa causa para a despedida lança o indivíduo em uma situação de dano que o Ordenamento Jurídico, inclusive constitucional, pura e simplesmente presume. É pedra básica do sistema jurídico que o emprego deve manter-se, somente devendo desfazer-se o vínculo diante da vontade do próprio empregado, quando pede demissão, ou em face de falta grave que justifique ao empregador dispensá-lo.

Mas a despedida imotivada não é crime, não existindo conduta alguma tipificada em norma penal que tenha por fundamento a dispensa do empregado sem justa causa. Conquanto pareça comezinha, tal constatação é importante para destacar que a despedida sem justa causa é um ilícito exclusivamente de natureza civil, comportando, portanto, indenização por perdas e danos.

O Ordenamento Jurídico presume que o cidadão que perde o seu emprego imotivadamente sofre dano e merece reparação civil. Daí porque as normas trabalhistas e a Carta Magna exibirem tantos dispositivos que protegem o empregado e fixam em seu benefício a obrigação do empregador em indenizá-lo sempre que houver a dispensa sem justa causa. Não parece acertado, nesse contexto, distinguir-se exatamente quais as verbas que o ex-empregado recebe sob natureza indenizatória.

Ora, seja qual for a verba paga em decorrência da perda do emprego, será indenizatória. Não importa se houve plano de demissão voluntária, programa de incentivo à demissão ou quaisquer formas de sobrepaga. De relevo, apenas, que as verbas são pagas em decorrência da perda de emprego pelo cidadão. Merece ser repisado, mesmo que o empregador pague, sob o nome que quiser, um valor a mais, além do quanto devido por força da lei, ainda assim estará pagando em razão da despedida sem justa causa, que é o fenômeno jurídico bastante, consoante o Ordenamento vigente, à caracterização de dano ao dispensado. Ninguém cogitaria de considerar não-indenizatório o pagamento feito por uma empresa que causa danos, digamos, a um particular em decorrência de acidente provocado por um de seus prepostos. Imagine-se que a vítima do acidente tenha

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ficado com seqüelas. Mesmo que a empresa dê-lhe dez milhões de reais, será em decorrência dos danos, ainda que o pagamento ocorra voluntariamente, sem coação judicial. Vale dizer, tal verba será indenizatória. É, no mínimo, de alguma prepotência buscar-se em juízos próprios a partir de quanto aquela vítima já estará indenizada e, consequentemente, a partir de quanto deve ser considerada uma felizarda pelo que ganhou a mais.

Ora, o cidadão que perde o seu emprego certamente preferiria continuar empregado do que receber esse ou aquele valor a mais, em "incentivo" à sua saída. Nem se diga que, afinal de contas, ele "aceitou" o plano de demissão voluntária. Por certo não é preciso muita capacidade de previsão para chegar-se à conclusão de que, tendo sido "convidado" à demissão incentivada, certamente já estava nos planos de corte do empregador, podendo, quando muito, adiar por mais algum tempo o desfecho danoso ou aceitá-lo desde logo com um pouco mais de "vantagem".

Ainda por outra, esse cidadão, agora desempregado, independentemente de ter ou não ocorrido plano de demissão incentivada, não tem culpa se suas férias, ou a gratificação natalina, estão sendo pagas em proporção. São verbas indenizatórias, de qualquer forma. O que causa o pagamento, mesmo sob proporcionalidade, não é o fato de o indivíduo não ter conquistado integralmente o período aquisitivo, mas sim a perda do emprego, ou seja, a circunstância de que o período aquisitivo foi-lhe tolhido antes do término.

No entanto, vários são os julgados das Cortes Pátrias que apontam essa ou aquela rubrica como não-indenizatórias conquanto tocantes a verbas oriundas de despedida sem justa causa. É claro que há longos fundamentos expostos nas respectivas decisões colegiadas.

Mas, concessa venia, pecam vários passos antes da escolha do caminho tomado. É na origem do fenômeno que está o erro, como já apontado. Esquecem os julgadores que seja o que for que seja pago em decorrência e por força de um dano causado, será indenização. Numa palavra, o que se recebe quando da rescisão imotivada do contrato de trabalho não tem natureza salarial, é indenização. Não é justo, nem lícito, diferenciar se esta ou aquela verba tem ou não caráter indenizatório. Tudo o que se recebe em decorrência da despedida imotivada, recebe-se em indenização.

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Não por outra razão, todas as verbas recebidas em decorrência da despedida imotivada estão fora da área de incidência do imposto de renda. Não se cuida de isenção ou de imunidade. É fenômeno não-tributável. Em suma, não há nas verbas recebidas por força de despedida imotivada a natureza de renda.

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9. PENHORA. EXECUÇÃO9. PENHORA. EXECUÇÃO9. PENHORA. EXECUÇÃO9. PENHORA. EXECUÇÃO FISCAL. QUESTÕES PR FISCAL. QUESTÕES PR FISCAL. QUESTÕES PR FISCAL. QUESTÕES PRÁTICAS.ÁTICAS.ÁTICAS.ÁTICAS.

Execução Fiscal Execução Fiscal Execução Fiscal Execução Fiscal ---- Penhora de imóvel cujo registro reclama providências. Penhora de imóvel cujo registro reclama providências. Penhora de imóvel cujo registro reclama providências. Penhora de imóvel cujo registro reclama providências.

Uma situação que vez por outra surge em processos de execução fiscal é a penhora de imóvel cujos assentamentos no Registro de Imóveis acham-se imperfeitos, reclamando providências sem as quais não se pode ultimar a averbação do ônus para conhecimento de terceiros. Desde logo deve ser considerado que as providências registrárias tocantes ao imóvel são, ao menos em tese, de responsabilidade do proprietário. Mas não-raro os assentos imobiliários são relegados para regularização posterior, realizando-se primeiro obras, desmembramentos, parcelamentos, enfim, modificações no bem de raiz que reclamam a devida escrituração imobiliária. Nesse contexto, quando o imóvel é penhorado, ao ensejo da averbação da constrição no Registro de Imóveis, seja qual for a despesa necessária para que se procedam as anotações imobiliárias, maiores ou menores por esta ou por aquela circunstância em particular que o caso comporta, tais despesas compõem o próprio ônus da inscrição da penhora no Registro de Imóveis. Tal inscrição decorre da própria Lei de Execuções Fiscais, consoante se vê de seu artigo 7º, IV, dispositivo cuja efetividade advém no dever do Meirinho em entregar o auto de penhora para as anotações necessárias no Registro correspondente – artigo 14, I, LEF. De tudo se extrai que, ao menos em princípio, o registro da penhora efetuada deverá sempre ser feita. Os acertos formais para a realização do ato registrário deverão ser realizados independentemente de custas ou emolumentos antecipados. O ônus decorrente do artigo 239 da Lei 6015/73 é

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devido, pois, ao final, integrando-se a norma jurídica com os prefalados dispositivos da Lei de Execuções Fiscais. Assim, inclusive, já se decidiu: A leitura conjugada dos arts. 7º, IV e 39 da Lei n.º 6.830/80 não autoriza a interpretação segundo a qual a autarquia restaria isenta do pagamento de custas relativas ao registro de penhora, que, contudo, serão devidas ao final, juntamente com as custas processuais. – TRF da 4ª Região, AG 199804010880644 UF: RS, DJU de 16/01/2002, pág. 506 Relatora Luciane Amaral Correa. No entanto, na prática e na grande maioria das vezes, a regularização dos assentos implica não apenas em medidas registrárias meramente formais mas sim em providências precedentes que devem ser tomadas pelo titular do direito de propriedade para que, só depois, se possa proceder à escrituração pertinente. Sobejas vezes há que se contratar profissional legalmente qualificado para o levantamento planimétrico e elaboração de memorial descritivo, sob os rigores técnicos que o ato exige. Então, por um lado, tem-se que a inscrição da penhora do imóvel tomado à garantia decorre da própria lei, independentemente da antecipação das custas; por outro lado, o ato de inscrição da penhora no mais das vezes depende de providência sem a qual a escrituração não pode ocorrer, providência essa onerosa e que o executado por todo o óbvio não tem interesse em realizar para fins de ver a penhora de seu imóvel regularizada. O fato é que não há fundamento legal para compelir-se o executado à realização de atos onerosos, às próprias expensas, necessários ao registro da constrição estabelecida em seu desfavor. Mesmo assim ao executado poderá advir resultado ainda mais gravoso. É que dentre as pendências que exigem regularização existem os casos em que o imóvel de raiz foi desmembrado, não constando os lotes originados. Nesse caso, sendo impossível destacar-se para fins de registro a exata área penhorada, a constrição poderá vir a incidir sobre o imóvel todo, garantindo-se o débito com folga não por imposição do Juízo ou muito menos por voracidade da exeqüente, mas sim por circunstância que a agravante criou ao manter loteamento desacompanhado da escrituração imobiliária correspondente. Execução Fiscal Execução Fiscal Execução Fiscal Execução Fiscal ---- Penhora de imóvel cuja transferência ainda não foi registrada Penhora de imóvel cuja transferência ainda não foi registrada Penhora de imóvel cuja transferência ainda não foi registrada Penhora de imóvel cuja transferência ainda não foi registrada Alusão tradicional da Ciência Jurídica à importância dos atos registrários é o brocardo quem não registra não é dono. Pretende-se elevar tal princípio à estratosfera da eficácia jurídica, o que, a bem da verdade, não condiz com a correta aplicação do Direito. A penhora de imóveis com transferência comprovada deve

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ser indeferida, mesmo que não se tenha ainda ultimado o registro imobiliário. De fato, a jurisprudência de um modo geral sedimentou-se pelo respeito ao direito do terceiro de boa-fé, ainda que sob omissão do ato registrário.

A situação é complexa por submeter-se à incidência de diferentes princípios de direito, princípios esse que levam a deslindes diferentes. A inércia do Judiciário efetivamente impede que o Juiz profira decisão que tutele bem-interesse de pessoa alheia ao processo de execução; no entanto, a economia processual recomenda que o Magistrado não faça vistas grossas de circunstância que levará à ineficácia posterior do ato, senão à sua nulidade, conforme progrida a lide em seus termos com a constrição de bem anteriormente transferido em negociação de boa-fé. O reconhecimento dessa circunstância não se confunde com a tutela de bem-interesse alheio, mas sim a condução, sob razoabilidade e economia processual, do próprio procedimento. O maior beneficiado é o processo em si, ainda que a decisão vá ao encontro do interesse de terceiro. A celeridade e o trâmite processual sob prazo razoável, aliás, vem em destaque na Emenda Constitucional nº 45/2004 (artigo 5º, LXXVIII, da CF), devendo nortear a ordem jurídica para o deslinde de situações em que a solução de questão incidental ou final possa ser atingida sob trilha menos tortuosa.

Execução Fiscal Execução Fiscal Execução Fiscal Execução Fiscal –––– Oferta de bens à penhora Oferta de bens à penhora Oferta de bens à penhora Oferta de bens à penhora

O regime especial da execução fiscal, conquanto se possa invocar a subsidiariedade da Lei Processual Civil, estatui em seu artigo 11 a ordem de preferência dos bens que possam ser nomeados, ficando ao talante da exeqüente aceitar a nomeação voluntária caso essa ordem seja obedecida em face ao patrimônio ostentado pela executada. É da lei que a penhora ou o arresto de bens deverá obedecer à seguinte ordem: dinheiro; título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa; pedras e metais preciosos; imóveis; navios e aeronaves; veículos; móveis ou semoventes; e direitos e ações.

Fica evidenciado que o executado não pode pretender impor, como acontece comumente, peças de maquinário ou bens de produção ainda que avaliados em montante superior à dívida, vez que não estão entre os bens que a lei cuidou de priorizar em busca da satisfação do interesse público subentendido com a execução de dívida tributária. Ao contrário, máquinas ou equipamentos que só interessam a

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quem desenvolva atividade de produção industrial, tenham o valor que tiverem, certamente implicam em razoável dificuldade de arrematação. Daí porque já se ter decidido nesse sentido: A Fazenda Pública tem a faculdade de pleitear a substituição dos bens oferecidos à penhora em desconformidade com a ordem legal (artigo 11, Lei Federal nº 6.830/80). A regra da menor onerosidade (art. 620, do CPC) não visa inviabilizar, ou dificultar, o recebimento do crédito pelo credor - TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO-135768 - Processo: 200103000244171 UF: SP Órgão Julgador QUARTA TURMA Data da decisão:09/06/2004.

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10. 10. 10. 10. PENSÃO: PERDA DA QUAPENSÃO: PERDA DA QUAPENSÃO: PERDA DA QUAPENSÃO: PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO.LIDADE DE SEGURADO.LIDADE DE SEGURADO.LIDADE DE SEGURADO.

Havendo a perda da qualidade de segurado, com a morte do indivíduo poderá ser pleiteado o benefício da pensão por morte?

Anteriormente à Emenda Constitucional nº 20/1998 estava sedimentado o entendimento de que não era devida a pensão por morte caso o óbito tivesse ocorrido antes de se atingir a idade mínima para a aposentadoria por idade e diante da perda da qualidade de segurado do de cujus, não importando quantas contribuições tivesse ele vertido aos cofres da Previdência. De efeito, o Supremo Tribunal Federal se pôs pela repulsa ao direito à pensão por morte, ainda que para esse benefício não se exija carência, caso tenha ocorrido a perda da qualidade de segurado (STF - 6ª T - EDRESP nº 314402/PR).

Contudo, a EC 20/98 ainda mais exponenciou o caráter contributivo da Previdência Social. De fato, um sistema contributivo tem sempre nítido matiz contraprestacional. O que mais nitidamente diferencia os benefícios previdenciários de outros beneplácitos sociais é exatamente o seu caráter essencialmente contraprestacional, custeado por contribuições coercitivas. Não há nenhum fundamento jurídico que justifique, por um lado, o ingresso puro e simples das contribuições previdenciárias e, por outro lado, a inexistência de contraprestação alguma em favor do contribuinte ou seus dependentes. Daí porque, mesmo que ocorra a perda da qualidade de segurado, se contribuições previdenciárias foram vertidas há que se cogitar sempre da contraprestação devida, sob pena de autêntico locupletamento indébito por parte do Estado.

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Em bom passo, a Lei 10.666/2003, em seu artigo 3º, expressamente dispõe que a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial. Eis que a aposentadoria por tempo de contribuição independe da condição de segurado. Não obstante, para que o indivíduo possa beneficiar-se da aposentação, deverá preencher o requisito da idade mínima. No que tange à aposentadoria por idade, dois requisitos se impõem, quais sejam, a carência exigida pelo artigo 142 e a idade mínima estabelecida pelo artigo 48. O mencionado artigo 3º da Lei 10.666/2003, em seu § 1º, dispõe que na hipótese de aposentadoria por idade a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão, exigindo-se que se tenha contribuído ao menos pelo tempo equivalente à carência exigida.

Vale repisar: há proteção previdenciária àquele que, tendo perdido a qualidade de segurado, contribuiu ao menos por tempo equivalente ao lapso de carência, exigindo-se-lhe a idade mínima.

Ora, a proteção constitucionalmente garantida para a cobertura previdenciária de eventos danosos engloba a doença, a invalidez, a idade avançada e a morte. É o que diz o artigo 201, caput e inciso "I", da Constituição Federal. Considerando que o Ordenamento Jurídico há que se nortear harmonicamente pelos mesmos princípios, a salutar regra estatuída no artigo 3º, caput e § 1º, da Lei 10.666/2003, deve abranger toda a cobertura previdenciária constitucionalmente instituída no já mencionado artigo 201, I, da Lei Maior.

Nada justifica entender-se que a Constituição da República e as normas ordinárias releguem o evento morte a uma proteção social menor do que aquela expressamente dada à aposentadoria por idade. Se para a aposentadoria por idade, mesmo diante da perda da qualidade de segurado, basta que tenha havido contribuições pelo prazo equivalente ao lapso de carência, também para a concessão de pensão por morte há de prevalecer esse regime. Com a EC 20/98 a ressalva do artigo 102, § 2º, da Lei 8213/91 passou a abranger também aquele que, tendo perdido a qualidade de segurado, contava com a carência mínima necessária para a aposentação e veio a falecer antes de completar idade para tanto. Do contrário, estar-se-ia diante da escatológica possibilidade de negar-se a pensão por morte aos dependentes de quem, tendo perdido a qualidade de segurado, contribuiu por 29 anos e faleceu com 64 anos, ao mesmo tempo em que teriam direito ao benefício caso a morte ocorresse com 65 anos, mesmo que

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somente por 15 anos tivesse contribuído.

Tal exemplo foi dado no voto de S. Exª. o Desembargador Federal Sérgio Nascimento na AC - APELAÇÃO CIVEL - 874695 Processo: 200261230000329 UF: SP Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA Data da decisão: 04/05/2004, cuja ementa adiante está transcrita:

PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE - AGRAVO RETIDO NÃO REITERADO - PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO DO "DE CUJUS" - APLICAÇÃO DO ARTIGO 102 DA LEI Nº 8.213/91 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - TERMO INICIAL - CUSTAS PROCESSUAIS - CORREÇÃO MONETÁRIA - JUROS DE MORA. (...) III - Ainda que a lei dispense o cumprimento de período de carência para a concessão da pensão por morte, o mesmo não se aplica quanto à condição de segurado do falecido. (STF; 6ª T.; EDRESP nº 314402/PR) IV - A perda da qualidade de segurado não causa óbice à concessão do benefício de pensão por morte se já haviam sido preenchidos os requisitos necessários. Inteligência do artigo 102, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.213/91. V - Com a edição da EC nº 20/98, a ressalva efetuada na parte final do parágrafo 2º, do art. 102, da Lei nº 8.213/91, passou a abranger também aquele que à época do óbito contava com a carência mínima necessária para a obtenção do benefício de aposentadoria por idade, mas perdeu a qualidade de segurado e veio a falecer antes de completar a idade para obtenção deste benefício. (...) Data Publicação 18/06/2004 Origem: TRIBUNAL - TERCEIRA REGIÃO Classe: AC - APELAÇÃO CIVEL - 874695 Processo: 200261230000329 UF: SP Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA Data da decisão: 04/05/2004 Documento: TRF300082603 Fonte DJU DATA:18/06/2004 PÁGINA: 396 Relator(a) JUIZ SERGIO NASCIMENTO