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Diversidade e diferenciação do público e do privado na Educação Superior do Brasil Sumário PRÓLOGO: PROPOSTA PARA UM DIÁLOGO INTERCULTURAL ...................... 1 DIVERSIDADE E DIFERENCIAÇÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR........................ 2 SOBRE DIVERSIDADE E DIFERENCIAÇÃO: CONCEITOS E CONTEXTOS................................... 3 ABORDANDO DIVERSIDADE E DIFERENCIAÇÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL ......... 4 CONSENSO E DIVERSIDADE? – OS DISCURSOS TRANSNACIONAIS........................................ 5 A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: DIVERSIDADE E DIFERENCIAÇÃO DO PÚBLICO E DO PRIVADO ..................................................................................... 7 CONTEXTUALIZANDO: A SITUAÇÃO EDUCACIONAL DO BRASIL ......................................... 7 UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA DA DIVERSIDADE E DO PÚBLICO-PRIVADO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL ...................................................................................................... 9 A DIVERSIDADE DO E NO PÚBLICO E PRIVADO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UMA POLÍTICA EM AÇÃO ........................................................................................................ 12 Da diversidade estrutural do sistema: jurisdições estatais e segmentos privados ...... 12 Da diversidade institucional do público e do privado ............................................... 16 Da diversidade programática: aspectos de qualidade do público e do privado ......... 18 DIVERSIDADE E UNIDADE NO CORAÇÃO DO ESTADO E DA UNIVERSIDADE: EM SUPERAÇÃO DOS LIMITES DA MODERNIZAÇÃO INSTRUMENTAL ......................................................................................................... 22 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................... 24

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Diversidade e diferenciação do público e do pr ivadona Educação Superior do Brasil

Sumário

PRÓLOGO: PROPOSTA PARA UM DIÁLOGO INTERCULT URAL ......................1

DIVERSIDADE E DIFERENCIAÇÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR........................2

SOBRE DIVERSIDADE E DIFERENCIAÇÃO: CONCEITOS E CONTEXTOS...................................3ABORDANDO DIVERSIDADE E DIFERENCIAÇÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL .........4CONSENSO E DIVERSIDADE? – OS DISCURSOS TRANSNACIONAIS........................................5

A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: DIVERSIDADE E DIFERENCIAÇÃODO PÚBLICO E DO PRIVADO.....................................................................................7

CONTEXTUALIZANDO: A SITUAÇÃO EDUCACIONAL DO BRASIL .........................................7UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA DA DIVERSIDADE E DO PÚBLICO-PRIVADO NA EDUCAÇÃO

SUPERIOR NO BRASIL ......................................................................................................9A DIVERSIDADE DO E NO PÚBLICO E PRIVADO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UMA

POLÍTICA EM AÇÃO........................................................................................................12Da diversidade estrutural do sistema: jurisdições estatais e segmentos privados......12Da diversidade institucional do público e do privado...............................................16Da diversidade programática: aspectos de qualidade do público e do privado.........18

DIVERSIDADE E UNIDADE NO CORAÇÃO DO ESTADO E DAUNIVERSIDADE: EM SUPERAÇÃO DOS LIMITES DA MODERNIZAÇÃOINSTRUMENTAL .........................................................................................................22

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................24

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Diversidade e diferenciação do público e do pr ivadona Educação Superior do Brasil

Maria-Beatriz Luce1

UFRGS, Porto Alegre, [email protected]

ResumoAnálise da crescente diversidade institucional e programática verificada na Educação Superior no Brasil, bemcomo das estratégias de diferenciação adotadas no plano das políticas públicas e das organizações terciáriasde ensino, permite exame mais percuciente do sentido da reforma educacional e do planejamentoinstitucional. Questiona-se criticamente a diferenciação institucional e programática no caso de países queainda não atingiram a massificação da educação e que gravitam nos sistemas econômico e científico-tecnológico.

Prólogo: proposta para um diálogo intercultural

Organizamos esta sessão sobre “Políticas de educação na América Latina: o públicoe o privado em questão” com o objetivo de problematizar as relações entre pressõesexternas e tensões internas que vivenciamos nos espaços da política nacional de educação edas universidades de nossos países, nesta época em que se tornam bastante evidentescondições de crise e reformas estruturais e institucionais. A questão ora destacada paraanálise apresenta-se pela emblemática dicotomia público-privado, mas compreende, porcerto, exame do papel do Estado e de toda a composição da esfera pública, suasconfigurações e articulações com os interesses privados no campo da Educação Superior,da pesquisa e da formação profissional.

Neste texto, elaborado especialmente para o debate com colegas pesquisadores,focalizo uma tendência atual internacionalmente reconhecida da Educação Superior(UNESCO, 1995) e que é também diretriz oficial para a Educação Superior no Brasil(Ministério da Educação, 2000), a diversificação institucional e programática.Apresentando algumas faces da diversidade de estruturas e formas, examino estratégias dediferenciação adotadas nos planos das políticas públicas e das organizações terciárias deensino do país, as quais despertam preocupação sobre o sentido político e eventuaisconseqüências destas medidas, notadamente quando as condições sociais e de produçãocientífico-tecnológica são tão adversas. Com isto pretendo contribuir para o repensar dacondição latino-americana e dos projetos de integração regional, assim como para adiscussão mais ampla sobre a problemática da globalização nas reformas educacionais.

Sem dúvida, minha visão é marcada pela intimidade com uma universidade públicaconsolidada, embora aproveite também muitas oportunidades de trabalho em órgãos degestão e fomento das atividades finalísticas da Educação Superior, em associações de 1 Com suporte dos bolsistas de Iniciação Científica vinculados ao Núcleo de Estudos de Política e Gestão daEducação, UFRGS: Nelson Scarpinski (PIBIC/CNPq-UFRGS), Patrícia Souza Marchand (PIBIC/CNPq-UFRGS), Letícia Schmarczek Figueiredo (FAPERGS.

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educadores, pesquisadores e dirigentes universitários, e em faculdades e universidadesprivadas, construindo planos de democratização da educação e da gestão institucional. Osproblemas, contradições, dilemas e possibil idades aqui tratados, no entanto, deveminteressar ao conjunto da sociedade. Especialmente, por pretendermos – no Congresso daLASA - uma reflexão crítica mais aprofundada sobre nossos fazeres e pensares acadêmicos,potencializada pelo diálogo intercultural entre cidadãos que se reconhecem artífices eartefatos destes mesmos processos de política educacional e institucional. O ponto departida é um sentimento de preocupação ou inconformidade com o sentido e o conteúdo demuitas das diretivas reformistas da Educação Superior em meu país. Por isso, a disposiçãopara problematizar – como ensinou Paulo Freire – até o nível da indignação, de modo aacumular o impulso que leva à possibil idade de teorização da superação da realidadeexistente – i.e. à proposição de perspectivas. Mas essa, já sabemos, só acontece quandoconseguimos nos reunir, interrogar criticamente sobre a natureza e a qualidade moral denossa sociedade e avançar em direção ao levantamento de alternativas fundamentadas – quesustentam lutas solidárias por objetivos emancipatórios2. Um propósito, por suposto, alémdeste texto.

Aqui, inicialmente, situo as noções de diversidade e diferenciação aplicadas àEducação Superior, para, a seguir, apresentar alguns aspectos pelos quais vem sendoreconfigurado o sistema universitário no Brasil. Na análise da dinâmica que produz suadiversidade institucional e programática, procurei evidenciar o papel do Estado e aorganização dos interesses privados, que permitem problematizar a política educacional emcurso. – Qual o movimento, o sentido, da reforma educacional proposta? e – A queminteressa? são as questões que orientaram o percurso de interpretação.

Diversidade e diferenciação na Educação Super ior

Diversidade e diferenciação tornaram-se categorias analíticas dos sistemas einstituições de Educação Superior, nas últimas décadas, quando se verifica grande expansãoda oferta deste nível de ensino e se debatem as formas como as universidades respondemou podem responder às pressões econômicas, sociais e políticas contemporâneas. Assimsendo, a par de resultar em um recurso para comparação entre distintos modelos eprocessos organizacionais, estas categorias têm contribuído muito para a compreensão dacomplexa questão das mudanças nos sistemas de Educação Superior e sua relação com aspolíticas nacionais. Não fora esta matéria suficientemente polêmica, acrescentam-se maisrecentemente as questões relativas a integração regional e globalização, que permitemexaminar com mais amplitude contradições entre diversidade e unidade, entre diferenciaçãoe homogeneização; e, destarte, as pressões externas e as tensões internas do público e doprivado nas políticas educacionais da América Latina.

Neste quadro, ainda, ficam esboçados os próprios limites e possibilidades dasteorizações sobre diversidade e diferenciação, assim como dos discursos que conferem aestas categorias estatuto estratégico nas políticas educacionais e na gestão dos sistemas oudas instituições de ensino terciário.

2 Expressão e noção obviamente inspiradas também em Boaventura de Sousa Santos (2000).

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Caberá, pois, mesmo que sumariamente, situar origens e aplicações destes termos àEducação Superior, já como um plano da problematização deste tema. Na seqüência,registra-se o incipiente tratamento dos mesmos nas investigações sobre as mudanças emcurso no Brasil e destacam-se referências indicativas de discursos oficiais influentes sobrediversidade e diferenciação no cenário internacional e latino-americano.

Sobre diversidade e diferenciação: conceitos e contextos

Em busca de uma sintética definição destes termos, encontra-se usualmentediversidade como um critério pelo qual se pode descrever, comparar, classificar e avaliarsistemas, instituições, programas e funções da Educação Superior, em qualquer ponto notempo e espaço. Refere-se, por conseguinte, a um estado ou qualidade relativa de um todo esuas partes. Correlatamente, diferenciação designa um processo pelo qual se examina ouinterpreta a dinâmica de mudança, pela qual um sistema ou instituição é levado adeterminado estado de diversidade. Por isso, pode-se encontrá-la também como umaestratégia no planejamento institucional e na reforma educacional.

A literatura sobre este assunto é tributária de contribuições originárias das ciênciasbiológicas e da ecologia3 e das ciências sociais4, baseadas nas noções modernas deevolução e progresso, bem como da tradicional orientação metodológica analítico-descritiva (positivista), tendo prosperado com a aplicação destas na pesquisa sobre sistemasnacionais ou sub-nacionais de Educação Superior e em estudos comparativos de âmbitointernacional. Embora partindo de comum paradigma epistemológico e sócio-cultural, logosão identificáveis distintas posições entre autores que com estes mesmos conceitos eprocessos trabalharam; tanto em termos de definição da missão própria à Universidade oude suas funções e modelos organizacionais, tanto quanto a respeito das implicações éticas epolíticas (principalmente sobre a desejabil idade) da diversidade e das estratégias dediferenciação, revelam um amplo arco conceitual e explicativo. Todavia, ao apresentaremsuas interpretações e preferências, reconhecem as complexas interações do ambiente(social, econômico, político e normativo) com as instituições de Educação Superior e, porconseguinte, a importância de uma clara identificação das unidades e categorias de análise(como nível de agregação e foco/perspectiva sobre diversidade). Esta observação parece-me ser crucial porque sabemos que tais estudos e questões são ordinariamente usados comoreferência para o planejamento, o controle e a avaliação de sistemas de Educação Superior(macro) ou de suas instituições (micro) – uma prática que precisa ser mais cautelosa.

Outro aspecto relevante é que a maior parte dos trabalhos examina diversidade ediferenciação em sistemas educacionais que já atingiram “a massificação”, inclusive nonível terciário de ensino. Além disso, em todos os casos estudados, a diversidadeinstitucional e/ou programática apresenta-se como uma característica valorizada para osistema e/ou as instituições de Educação Superior ou como uma questão importante naarena de discussão e definição das políticas públicas ou institucionais - o que ainda não é o

3 Desde Charles Darwin e outros sobre mimetismo, diferenciação e seletividade.4 Com destaque para Durkheim, Parsons e outros sobre divisão do trabalho e especialização na estruturaorganizacional.

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caso, genericamente, da América Latina; nem obviamente, o do Brasil, conforme pretendodemonstrar a seguir e já havia indicado em texto anterior (LUCE, 1998).

Dentre os estudos ora referidos é pertinente mencionar as publicações da IAU, aAssociação Internacional de Universidades, abrigada pela UNESCO em Paris, ou doCHEPS, o Centro de Estudos sobre Política de Educação Superior, na Universidade deTwente, da Holanda, no continente europeu; na América do Norte, a questão da diversidadeé bastante disseminada e muito mais polêmica, mas pode ser representada pela importânciadas coleções de Educação Superior da Jossey-Bass, sediada em São Francisco daCalifórnia, e do ACE, Conselho Americano de Educação, baseado no D.C.. Algumas destase outras, poucas obras que citarei pontualmente, são melhor identificadas ao final destetexto.

Do conjunto destes estudos considero bastante interessantes as análises apresentadaspor MEEK, GOEDEBUURE et al. (1991, 1993 e 1996) resultantes de uma série deseminários sobre políticas de Educação Superior, nos quais foram tematizados os efeitospretendidos e não pretendidos de políticas nacionais reformistas, notadamente osdecorrentes da nova ênfase nos métodos mais remotos ou indiretos de direção e regulaçãodas universidades pelos governos e na accountability; assim como, especificamente, aproblemática da diversidade em sistemas já acima caracterizados. Em que pese umacompreensível afinidade entre os vários autores, também daqueles sistemas de ensinooriundos, há entre aqueles suficientes diferenças em suas plataformas teóricas eexperiências profissionais que permitem o desvelamento de alguns pontos, dentre outros,que merecem subseqüente problematização: a naturalização da diferenciação na EducaçãoSuperior, devida à evolução da especialização nas disciplinas acadêmicas, constituintes dauniversidade; a legitimidade e potencialidade política da diversidade, ou melhor, dedistintas formas de incluir/excluir conhecimentos e grupos sociais das e nas universidades;ou as aparentes contradições entre o discurso (publicizado?) central, normatizador, e asforças instrumentais de gestão do Estado nacional, das estruturas supranacionais e dascorporações profissionais e empresariais (privatizantes?), que tendem a homogeneizar. E,ainda, mais: - Seremos capazes de uma problematização totalizadora (em sentidoepistemológico e societal) destas perspectivas?

Abordando diversidade e diferenciação na Educação Superior no Brasil

Uma relativamente extensa revisão da literatura brasileira5 não aponta este temacomo uma idéia ou categoria recorrente na análise da Educação Superior no país. Há,obviamente, muitos estudos que identificam as principais características estruturais dossistemas e das instituições deste nível de ensino e que descrevem ou criticam as dinâmicasque as produzem. Utili zam, em decorrência, indicadores e interpretam fenômenos que, semdúvida, são associados com ou estão contidos no referencial conceitual e analítico sobrediversidade e diferenciação, mas poucos os tratam como tal.

Mesmo os documentos de governo, como exposições de motivos nas emendasconstitucionais, leis e regulamentações, ou planos e projetos, todos abundantes nesta 5 Abrangendo resumos de teses e dissertações, anais de reuniões da ANPED e ANPAE e seis periódicosnacionais importantes, todos de 1990 em diante, além do acervo de li vros da UFRGS.

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década, omitiram o tema ou trataram-no de modo vago, conquanto sempre subentendido,até recentemente. O ano de 1997, com a implantação da nova LDB - Lei de Diretrizes eBases da Educação Nacional, pode ser estabelecido como um marco formal na matéria,pois permitirá ao Ministério da Educação e do Desporto tratar, efetivamente, de desocultare desatar a diversificação institucional e programática na Educação Superior brasileira,conforme as pretensões declaradas já no plano inicial de governo. Diz-se isso porque épossível observar que as bases das condições atuais em que opera a diferenciação nosistema e nos estabelecimentos do nível superior de ensino foram de mais longa datainstituídas e acompanham a expansão da oferta de vagas, assim como a transfiguraçãoconceitual e estratégica do significante Universidade, vinculada às mudanças econômicas,sociais e políticas mais estruturais, das quais a reforma do Estado e a internacionalização daeconomia são exemplos. A trama da questão problematizada nesse painel, o público e oprivado, é evidente em tal percurso e subjacente em todas essas formações, como bemilustram análises da crise brasileira reunidas por TRINDADE (1999), sob o provocativotítulo “A universidade em ruínas: na república dos professores” .

Por esta razão, neste texto, procuro tomar uma dimensão temporal ampliada parademonstrar as variações ocorridas em algumas características estruturais do sistema deeducação superior, nos tipos de instituição de ensino e nas funções exercidas ou atividadesoferecidas, ao mesmo tempo situando certas políticas nacionais adotadas. A intenção é,como dito, podermos discutir algumas linhas para a investigação dos caminhos e dos efeitosda dinâmica de diferenciação, especialmente no que se refere ao posicionamento do Estadoface aos interesses sociais e privados. É provocar mais uma frente de problematização da(falta de) democratização da educação superior no país.

Consenso e diversidade? – os discursos transnacionais

Nos últimos anos, no cenário mundial, vieram à luz alguns documentos de políticada Educação Superior que têm suscitado amplo debate. Sua discussão no Brasil e, creio, naAmérica Latina é ainda bastante limitada, ou melhor, confinada, no caso de meu país, noscírculos de dirigentes universitários e de pesquisadores especializados – como CATANI &OLIVEIRA (1999), RISTOFF (1999), TRINDADE (1999b e 1999c), SGUISSARDI(1999), Aguiar (1998), FONSECA (1998) - sem alcançar a amplitude e a avaliação críticaque merecem por seu potencial de influência junto às células formuladoras das diretrizesnacionais do setor.

Observando-se as distintas origens, abrangências e finalidades de cada um dosaludidos documentos, que inclusive lhes conferem sentidos políticos diversos, emdiferentes ambientes de repercussão, cabe, dado o escopo deste texto, indicar que todosparecem coincidir na valorização da diversificação de estruturas e programas comoqualidades e tendências da Educação Superior, para a contemporaneidade. Suficientemotivo para reforçar a necessidade de investirmos no estudo mais aprofundado doselementos sobre os quais foram firmadas as respectivas posições, bem como deacompanharmos de perto o que muda (e o que não muda) e como (não) mudam nossossistemas e instituições universitárias, nas particulares tradições e circunstâncias de nossospaíses e da região.

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Resumidamente, identifico algumas destas fontes documentais com significativaexpressão política internacional, para evidenciar a complexidade epistemológica,metodológica e política que agrega a questão, para a qual estudos comparativos e críticosprecisam decididamente dar mais atenção. São estes: relatórios de três comissões nacionaisencarregadas de avaliar os sistemas de ensino superior dos respectivos países e propor-lhesreformas; e os documentos de posição de dois organismos internacionais, de naturezadistinta, ambos com atuação sobre a Educação Superior, notadamente nos paísesdependentes e emergentes.

O Relatório ATTALI (1998) propõe uma reforma no sistema francês e a construçãode um modelo europeu de ensino superior, com vistas a maior homogeneidade na definiçãoda missão das universidades e das grand école, em termos de qualidade e harmonização decursos e diplomas (comparabil idade), para promover mais inclusão social e educaçãopermanente, e mantém a diversidade institucional e programática existente. O RelatórioBOYER (1998) endossa as principais características do sistema norte-americano deeducação superior, marcado por sua orientação eminentemente pública, administraçãoestadualizada e diversidade de objetivos e programas acadêmicos, propondo que osaperfeiçoamentos necessários sejam feitos por segmentos, como o novo modelo querecomenda para o ensino de graduação nas universidades de pesquisa, fundamentado naindissolubilidade entre ensino e pesquisa e na importância do acesso dos jovens aosmelhores professores, aos pós-graduandos e às instalações mais sofisticadas. O RelatórioDEARING (1997) toma como critério para estabelecer objetivos e metas para a educaçãosuperior a noção de sociedade do conhecimento, com suas exigências econômicas e sociais;analisa os elementos que compõem as instituições de ensino, como currículos, pessoalfunções e organização, detendo-se sobre a problemática do financiamento (público eprivado) para propugnar pela melhoria dos salários de docentes e pesquisadores, e avalorização da pesquisa e da qualidade do ensino, que culminaram com a ampliação dosfundos públicos, a fim de garantir a competitividade do país nestes campos.

Já os documentos dos organismos internacionais, por sua natureza, são endereçadosobjetivamente à concertação sobre pluralidades e pressupõem possibil idades degeneralização e “ teorização”. A UNESCO oferece um conjunto de textos submetidos aamplas discussões regionais e temáticas, com especialistas e representantesgovernamentais, durante toda a década de 1990, em que se destacam o Documento dePolítica para a Mudança e o Desenvolvimento da Educação Superior (1995) e os anais daConferência Regional de Havana (1996) e da Conferência Mundial sobre EducaçãoSuperior no Século XXI (1998). Nestes é marcante o reconhecimento da necessidade dedemocratizar o acesso à universidade e ao conhecimento nela gerado com o irrenunciávelinvestimento dos estados. A diversificação de estruturas institucionais, de programas, dapopulação estudantil e das fontes de financiamento é vista como uma tendência geral,promovida por fatores externos como o aumento da demanda social, as restriçõesfinanceiras e as mudanças tecnológicas e de organização do trabalho, mas também porfatores internos como a especialização dos campos científicos, as atividades inter emultidisciplinares e as possibil idades das novas técnicas da informação e comunicação. Deoutra parte, o Banco Mundial (1995) oferece suas “l ições” colhidas no pressuposto dadiminuição dos recursos fiscais para a Educação Superior: maior eficiência de gestão ediversificação para alcançar opções mais baratas e flexíveis de ensino (as modalidades pós-secundárias) e novas fontes de financiamento. Por isso passa a priorizar seu apoio (cada vez

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mais competitivo) a programas nacionais e regionais de excelência e a sistemas deavaliação do desempenho e credenciamento institucional.

Ainda que de forma esquemática, também nestas fontes fica evidente acomplexidade em que diversidade e diferenciação na Educação Superior são articuladas àsesferas do público e do privado.

A Educação Superior no Brasil: diversidade e diferenciação dopúblico e do pr ivado

Considero interessante, para a compreensão das peculiaridades do sistema deEducação Superior brasileiro e de como este vem reagindo às pressões externas e nastensões internas, tomar inicialmente uma perspectiva histórica sobre sua dinâmica dediferenciação e de convergência, e sobre o movimento nas fronteiras entre o espaço públicoe o espaço privado. O foco da atenção, porém, incidirá sobre os últimos anos, quandoimportantes inflexões vêm ocorrendo. É este quadro longitudinal e focalizado que nosoferece suficientes elementos para discutirmos, comparativa e criticamente, os fundamentosdas atuais propostas de políticas educacionais na América Latina e, assim, articularmos umpapel protagonista de seus investigadores.

Entretanto, antes de adentrar ao tema específico, proponho apenas alguns elementosde contextualização da condição econômica, política e social relacionados à configuraçãodo sistema educacional do país, que apresenta diversas singularidades quando comparadoao conjunto de nossa região e alguns paradoxos internos, também relevantes para asfinalidades do debate coletivo.

Contextualizando: a situação educacional do Brasil

É de domínio amplo que o Brasil é um dos países com maior extensão territorial(maior que a porção contínua dos Estados Unidos), população (cerca de 170 milhões) ePNB (US$ 590 milhões); mas também que mantém uma das mais desiguais e excludentessituações sociais: 13% da população são ainda analfabetos, 23% estão abaixo da linha deindigência e 47% da renda é apropriada pelos 10% mais ricos, o que compõe o coeficientede Gini em 0,60 (IPEADATA, 2001). As diferenças regionais e entre setores de umamesma área metropolitana ou até mesmo de uma cidade são também muitoimpressionantes. Refletem a história colonial e as tradições econômicas, políticas e sócio-culturais que transitaram no país pelo século XX, acrescidas dos efeitos perversos dareestruturação macro-econômica e da reforma do Estado desde as últimas décadas.

Correlatamente, a situação educacional do país, numa perspectiva comparada,revela médias de escolarização ainda muito baixas como resultado da repetência e dadeserção escolar precoce. Os indicadores de qualidade e eqüidade do próprio sistema deensino “permanecem muito distantes dos padrões desejados pela sociedade e necessários aodesenvolvimento nacional” , como admite a autoridade governamental (CASTRO, 1999, p.7), ao registrar as conquistas rumo à universalização do ensino fundamental e a melhoria daeficiência do setor.

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Gráfico 1População brasileira estudando

Fonte: SCHWARTZMANN, 2001.

Com efeito, a escolarização líquida da população brasileira de 7 a 14 anos passa de67%, em 1970, para 95,8%, em 1998, quando se alcançam 127,6% de escolarização bruta.Todavia, apenas 30,4% da população de 15 a 17 anos estão freqüentando o ensino médio,apesar do acentuado aumento do número de vagas nos últimos anos. O Gráfico 1, acima,ilustra o grande funil da escolarização brasileira; portanto o déficit de Educação Superior.

Agora, na vigência de pressões para a redução das desigualdades e a viabil ização depolíticas sociais, dado que a estabili dade econômica e a consolidação da democraciainteressam bem mais longe que as fronteiras nacionais e a dignidade dos cidadãos (sic),temos conseguido alguns significativos avanços (ainda que às expensas de outros fatores da“qualidade de vida social” ): São 55 milhões de matrículas no país, i. e. quase 1/3 dapopulação! Destas matrículas, mais de 53 milhões são na educação básica. E, logicamente,massiçamente na rede de escolas públicas gratuitas, como confirma logo adiante a Tabela 1.Aliás, é oportuno exempli ficar que a democratização do acesso ao ensino médio, emtempos de encolhimento da classe média, corresponde não apenas à expansão da oferta devagas nas escolas estatais (de 46,5% em 1980 passam a 84,24% em 1999) mas também auma redução do número absoluto das matrículas em escolas privadas e a um “rebaixamentoda qualidade do ensino (idem, p. 13), com “ falta de professores qualificados nas disciplinasbásicas – Química, Física, Matemática e Biologia” (idem, p. 14) e 54,8% de matrículas noperíodo noturno, em prédios inadequados e mal equipados (INEP, Censo Escolar, 1998).

Tabela 1Distr ibuição da matr ícula por nível de ensino e par ticipação

da rede pública: Brasil – 1998

Nível de Ensino Matrícula Total Rede Pública % Rede Pública

Educação Infantil 5.733.273 4.135.854 72,14

Ens. Fund. 1ª a 4ª 20.939.076 19.220.984 91,79

Ens. Fund. 5ª a 8ª 15.120.666 13.561.411 89,69

Ensino Médio 7.769.199 6.544.835 84,24

Ensino Superior 2.369.945 832.022 35,11

Total 55.315.419 47.128.928 85,20Fonte: INEP/MEC apud CASTRO, 1999.

0 . 0 % 2 0 . 0 % 4 0 . 0 % 6 0 . 0 % 8 0 . 0 %

1 0 0 . 0 % 1 2 0 . 0 % 1 4 0 . 0 %

t a x a d e m a t r í c u l a

E n s i n o F u n d a m e n t a l

E n s i n o M é d i o

E n s i n o S u p e r i o r

t a x a b r u t a t a x a l í q u i d a

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Uma perspectiva histórica da diversidade e do público-privado na Educação Superiorno Brasil

Diferentemente da América Espanhola, que teve suas primeiras universidades já aoinício da colonização, a coroa portuguesa impediu-as no Brasil . Assim sendo, ficava oensino superior, no período colonial, limitado aos cursos de Filosofia e Teologiaministrados pelos jesuítas e, após sua expulsão do reino português, em 1759, pelosfranciscanos, em conventos. Contava-se, então, apenas com instituições privadas, que semesclavam ao Estado pelo regime do padroado (CUNHA, 1999). Com a transferência dafamília real portuguesa para o Brasil, em 1808, foram criadas as primeiras instituiçõesestatais de formação superior profissional – as faculdades de Medicina, Direito eEngenharia –, na Bahia e no Rio de Janeiro, que co-existiram com as escolas religiosas logoprogressivamente limitadas à formação clerical, no decorrer do período imperial (1822-1889). Tem-se, assim, a matriz da Educação Superior no país: leiga e estatal, comestabelecimentos/cursos de formação profissional isolados, centralmente mantidos econtrolados.

Os primeiros governos republicanos, sob a égide do liberalismo e do positivismo,pretendiam romper com a exclusividade do Estado no ensino superior. No entanto, osvínculos do professorado das faculdades estatais com os novos dirigentes fizeram com quefossem mantidas, a par da iniciativa governamental de estados federados e de gruposparticulares. Pode-se, com isto, interpretar que este foi o primeiro movimento dediversificação da Educação Superior no Brasil, definindo os principais segmentosinstitucionais até hoje existentes: o público, com estabelecimentos federais e estaduais, e oprivado, com estabelecimentos confessionais e particulares. Nota-se, também, que seconstitui, desde então, a legitimação do ensino superior não-federal pelo reconhecimentooficial dos cursos, mediante inspeção estatal regular e registro de diplomas na repartiçãoministerial, uma fonte latente de tensões e, evidentemente, de homogeneização da ofertacurricular.

Outro elemento importante a registrar é a “universidade temporã”, como bemcaracterizou CUNHA (1985), posto que, antes de 1920, no Brasil , nenhuma universidadeexistiu e que, de fato, apenas a partir de 1934, com a criação da USP - Universidade de SãoPaulo, é introduzido um novo modelo conceitual e organizacional. Aliás, o advento edesenvolvimento da USP e da Universidade do Brasil , no Rio de Janeiro (FAVERO, 1999)já sinalizam suficientemente que a diferenciação na Educação Superior guarda complicadasrelações com o modelo político e econômico, seja com a democratização do ensino e opapel das elites, a pesquisa científico-tecnológica e a formação profissional, o nacionalismoe a cooperação internacional, ou com a construção de novas hegemonias regionais e mesmoinstitucionais. Os textos de FERNANDES (1984) e QUEIROZ, PONTES e FERNANDES(1984), elaborados por ocasião do cinqüentenário da instituição e, com outros, recuperadosà memória atual pelo GT de Políticas da Educação Superior, da ANPED, são ricossubsídios para a compreensão deste fenômeno, em perspectiva longitudinal.

De 1945 a 1964, prosperam instituições de ensino superior no país e muitas dasfaculdades e escolas são aglutinadas em universidades e federalizadas, em movimento quepode ser interpretado como de homogeneização interna e externa (interinstitucional eprogramática). Algumas universidades confessionais são também criadas no período,

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trazendo mais um elemento de diversidade. Mas tanto as universidades públicas quanto asprivadas mantém o padrão (originário da USP) que inclui uma tensionante diversidadeinterna, as escolas tradicionais de formação profissional e a Faculdade de Filosofia,Ciências e Letras, concebida como centro gerador de cultura para as demais. Todas asunidades universitárias, no entanto, muito seletivas e notadamente devotadas ao ensino. Aofinal do “período populista”, 65% dos estudantes universitários brasileiros freqüentavamuniversidades (CUNHA, 1982), o que atesta uma importante inflexão no modeloinstitucional do sistema, que também já evidenciava grande diversidade regional einstitucional de qualidade, apesar de formalmente haver uma padronização curricular e deorganização interna nas universidades ou estabelecimentos isolados.

Os anos sessenta foram tempos de crítica e politização versus constrangimentos nasuniversidades brasileiras. O elitismo, a excludência do vestibular eliminatório (que geravacontingentes de jovens aprovados nos exames seletivos e sem acesso ao ensino superior), aalienação social, econômica e política dos currículos e a obsolescência da hierarquiadocente (a estrutura de cátedra), alimentavam intensos debates e provocaram, no bojo dasmedidas de controle político subseqüente ao golpe de 1964, profundos traumas nacomunidade acadêmica e uma ruptura programática: as aulas, as bibliotecas e as reuniõesvigiadas; o desenvolvimento nacional tornado uma “questão técnica”; a cooperação norte-americana substitui a vertente intelectual a européia. – Poder-se-á caracterizar o movimentotambém como uma diferenciação ético-política e com repercussões sobre as concepçõesacerca do papel do Estado e autonomia universitária?

A Reforma Universitária, orientada pela Lei 5540, de 1968, vem impor um novopapel para o governo federal em matéria de Educação Superior: a regulação forte epropositiva, de cunho tecno-burocrático. Com esteio na ideologia do planejamento, é criadoum sistema de ensino superior, sob jurisdição normativa e de controle da União, no qualhavia um modelo institucional, a universidade humboldiana-americana. As principaiscaracterísticas então impostas às instituições existentes foram: novos objetivos (pesquisa eextensão) e nova estrutura organizacional (departamentos e centros); nova organizaçãoacadêmica (carreiras curtas, ciclo básico, matrícula por disciplina e créditos,semestralização do calendário). Paralelamente, tratou o governo de incentivar a pós-graduação e a pesquisa, instituindo, nas universidades federais, uma carreira docentenacional, isonômica e com gratificação para o tempo integral e a dedicação exclusiva. Umprograma de modernização administrativa, construção de campi universitários fora dosperímetros urbanos e o processo orçamentário centralizado completavam a reforma. Todasestas medidas representaram mudanças muito drásticas nas estruturas e nas práticasacadêmicas, na cultura e nos valores universitários brasileiros. Representaram, por isso, umsignificativo movimento de convergência institucional e programática, notadamentehomogeneizadora, mas que trazia consigo algumas contradições e escapes. Talvez aprincipal contradição interna da Reforma Universitária de 1968 tenha sido a introdução devaliosos elementos da democracia acadêmica que se alargará até recentemente, com aextinção da cátedra e a regulamentação dos concursos públicos para docentes, com aeleição de dirigentes pela comunidade universitária, os colegiados como instância decisóriae a garantia da representação estudantil nestes. Contudo, há quem lembre que, com isto,professores e estudantes ficaram por demais envolvidos nas disputas sobre as novasestruturas internas, em detrimento da atuação nas questões políticas gerais.

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A compreensão da dinâmica da Educação Superior brasileira, posterior a esteordenamento estrutural e organizacional, não pode descuidar de que à época vinhaocorrendo um acentuado aumento da demanda, associado à urbanização da população e àindustrialização. A pressão desta demanda, a arquitetura de contenção da resistênciapolítica e o projeto desenvolvimentista somaram-se, fazendo com que os militaresoportunizassem um desvio no leito da Reforma Universitária. Tem-se, então, nos anossetenta, o desenvolvimento de um modelo de expansão por diferenciação na EducaçãoSuperior; o sistema, ainda com o paradigma normativo unitário cede espaço à proliferaçãode estabelecimentos da iniciativa privada, isolados (não-universitários), voltadosinteiramente para o ensino, localizados no interior dos estados ou nas periferiasmetropolitanas. Neste tipo de instituição, os cursos noturnos e de fim de semana, para aformação profissional em Direito, Economia e Administração e para as Licenciaturas(formação de professores) em Letras, Pedagogia e Ciências Sociais e Humanaspredominaram; seus docentes eram profissionais com precários vínculos de trabalho eformação acadêmica; assim como os alunos, a classe média empobrecida e aspirante demobil idade social. Com efeito, a impressionante expansão de matrículas no ensino superior,- cerca de 46.000 em 1950, 93.000 em 1960, 425.000 em 1970 e mais de 1 milhão em 1977– só poderia ter acontecido por uma marcante estratificação em que os indicadores sócio-econômicos dos alunos e professores guardam elevada correlação com seus atributosacadêmicos. Este fenômeno da expansão via privatização, interiorização e degradaçãoacadêmica é analisado por OLIVEN (1990), que chama atenção para a “paroquialização”do ensino superior brasileiro como uma estratégia na cooptação política da classe médiapelo Estado autoritário. Esta limitação conceptual, de objetivos e de repercussão no projetouniversitário, que pode ser sumariamente ilustrada na situação de 1981, quando havia maisde 800 faculdades isoladas, 250 destas com menos de 300 alunos, e apenas 65universidades, 7 destas com mais de 20.000 alunos.

Paradoxalmente, os planos de desenvolvimento econômico e segurança nacionallevam, ainda nos anos setenta, a uma forte política de desenvolvimento da pós-graduação eda pesquisa, que fertiliza principalmente nas universidades públicas. A expansão equalificação deste segmento acadêmico, conquanto limitado, produz mais uma evidentediferenciação no sistema de ensino superior brasileiro, entre os tipos de instituição –universidades e instituições isoladas – e internamente, nas universidades, entre graduação epós-graduação, seus docentes, discentes e recursos acadêmico-científicos.

A década de oitenta, reconhecida como a Década Perdida, na América Latina,devido aos efeitos das restrições na capacidade de investimento, também repercute emestagnação das matrículas no ensino superior: apenas 11,50% entre 1980 e 1992, quando éretomado o crescimento. Neste período, o setor privado passa por severa crise que serádiagnosticada por anacronismo acadêmico e inviabil idade econômica das instituiçõesisoladas e pequenas. O remédio foi a agregação destas para formarem as chamadas “novasuniversidades” (BRAGA, 1989), que se constituíram sob diversas formas institucionais ejurídicas: algumas tornaram-se públicas, abrigadas por governos estaduais ou municipais,em poucos casos; outras privadas, sob competência confessional ou particular, ou aindacomo comunitária – definida como não-estatal mas de interesse público. Este novoelemento da diversidade institucional, que floresceu na região sul do país, pode serassociado a fatores da herança cultural européia, da experiência com o modo de produçãocooperativado e dos valores de participação política.

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As “novas universidades” representam, pois, um movimento de convergência, parainstituições maiores, mas com óbvia diferenciação sobre as anteriores formasorganizacionais, os perfis de clientela, os programas acadêmicos e os serviços técnicos etecnológicos complementares. Todavia, não suficiente para descaracterizar a diversidadeinstitucional e a estratificação acadêmica do sistema de ensino superior brasileiro, ao finaldo século, que merece uma análise mais detalhada, a seguir.

A diversidade do e no público e privado na Educação Superior no Brasil: uma políticaem ação

Conforme já indicado, a diversificação de estruturas e formas vem se constituindoem uma tendência contemporânea da Educação Superior, no plano internacional, embora,nesta escala de análise, já se possam visualizar algumas categorias disseminadas, pelasquais será possível o estudo comparativo morfológico e da dinâmica estratégica, deinteresse para o campo das políticas públicas.

No Brasil , como ora ilustrado, a formação de nível superior sempre foi um objetopolítico do Estado, que atuou como regulador, pela via normativa, de controles emprocesso, ou pelo financiamento, seja sobre as instituições estatais (públicas, oficiais) ouprivadas. Em movimentos no sentido de diferenciação ou homogeneização institucional eprogramática, muitas vezes paralelos – e, por isso, contraditórios – chega o país ao final doséculo XX, com uma situação relativamente precária de qualificação cultural, profissional ecientífico-tecnológica, segundo os padrões exigidos na competitividade global.

Esta avaliação das dificuldades em que estamos para evitar órbitasprogressivamente excludentes no cenário da sociedade do conhecimento, complica-se comas limitações mais imediatas da crise fiscal e de disponibil idades de fundos públicosprivados para investimentos em educação. O quadro estável de crescente concentração derenda (BARROS, HENRIQUES e MENDONÇA, 2001) reforça a importância de situar-seo tratamento da Educação Superior no conjunto das políticas educacionais, com focalizaçãonas desigualdades sociais. Destarte, o modelo de sistema de ensino superior – suasinstituições, objetivos e critérios de acesso – fica em xeque; como também a diversificaçãoatual e a diferenciação induzida pelo Estado (SILVA JR; SGUISSARDI, 1999), se postascomo estratégia para a expansão e melhoria [da relevância social] da Educação Superior.

Examinemos, portanto, algumas possibil idades iniciais de abordagem destaproblemática:

Da diversidade estrutural do sistema: jurisdições estatais e segmentos privados

O ordenamento constitucional e legal brasileiro preceitua o dever do Estado garantira educação escolar pública e o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e dacriação artística, segundo a capacidade de cada um” (CF, art. 208, V; LDB, art. 4º, V). Masreconhece também que “o ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintescondições: I – cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivosistema de ensino; autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo poderpúblico; III – capacidade de auto-financiamento, ressalvado o previsto no artigo 213 da

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Constituição Federal” (CF, art. 209, com redação da LDB, art. 7º). Tem-se, pois, atualizadaa tradição de instituições públicas e instituições privadas de ensino, assim como a amplafunção normativa e de controle do Estado sobre estas – cujos limites e instrumentos sempretêm sido objeto das mais acirradas disputas nos processos constituintes, legislativos e daadministração educacional no país.

A configuração do Estado, estabelecida na Constituição da República Federativa doBrasil , de 1988, como parte das negociações na transição democrática, é composta por trêsinstâncias político-administrativas: a União, os estados - com o Distrito Federal, e osmunicípios. Todas três com atribuições em matéria de educação e com competência paraorganizar, em regime de colaboração, seus sistemas de ensino (CF, art. 211; LDB, ar. 8º).Desdobra-se no setor da educação, portanto, a diretriz de descentralização, amplamenteaplicada no novo ordenamento nacional, que ainda guarda muitos recursos e incumbênciaspara a União mas reconhece maior autonomia para os estados e os municípios (esteslimitados a normatizar apenas a Educação Infantil e o Ensino Fundamental de suajurisdição).

Os elementos constitutivos dos sistemas de ensino federal, estaduais e municipaissão definidos na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996. Assim, osistema federal compreende as instituições de ensino mantidas pela União e mais asinstituições de educação superior privadas (LDB, art. 16); os sistemas estaduaiscompreendem as instituições de ensino mantidas pelos respectivos poderes públicosestaduais e mais as instituições de educação superior mantidas por municípios de suajurisdição, além das instituições privadas de ensino fundamental e médio (LDB, art. 17); ossistemas municipais compreendem as instituições de ensino fundamental, médio e deeducação infantil mantidas pelo respectivo Poder Público Municipal e as instituiçõesprivadas de educação infantil localizadas no município (LDB, art. 18). Nestas disposições,com a concorrência de outras, verifica-se que, embora reconhecida a autonomia demunicípios para criar e manter ensino superior, não lhes é concedida competêncianormativa sobre este nível e nem lhes é facultado aplicar os recursos orçamentáriosvinculados à educação (25% ou mais, se tal dispuser a Lei Orgânica Municipal) – umaprovidência para evitar que as pressões das elites locais inviabil izem a educação básica.

Complementarmente, a LDB define que à União “cabe a coordenação da políticanacional da educação, articulando os diferentes níveis e sistemas de ensino e exercendofunção normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias” (LDB, art.8º); e, ainda, especificamente com relação ao ensino superior, “assegurar processo nacionalde avaliação das instituições de educação superior, com a cooperação dos sistemas quetiverem responsabil idades sobre este nível de ensino” (idem, art. 9º, VIII). A incumbênciade “autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar, respectivamente, os cursosdas instituições de educação superior e os estabelecimentos do seu sistema” (idem, art. 9º,IX) poderá ser delegada pela União aos estados que mantenham instituição de educaçãosuperior.

Posta está, no plano normativo, de forma inequívoca, a responsabilidade do governofederal quanto à política de educação superior e às condições de manutenção edesenvolvimento deste nível de ensino no país. A complexidade jurisdicional, porém,requer o regime de colaboração entre entes federados – da União com os estados quemantenham ensino superior ou do estado com seus municípios que mantenham ensino

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superior -, seja um trato planejado, concertado e geralmente submetido a acordos de ordemlegislativa. Já as relações de exercício do poder normativo e de gestão interna na jurisdiçãofederal são, logicamente, complicadas porque envolvem precipuamente as tensões entremantenedoras com interesses, em princípio, de natureza distinta - as públicas e as privadas.Estas últimas ainda segmentadas por diferenças que também podem ser dispostas emgradientes, conforme disposições sobre patrimônio, valores de contribuição do alunado eparticipação de docentes, discentes e comunidade no processo decisório, entre outras.

A propósito, é pertinente destacar que a expansão e a organização dos interessesprivados no setor educacional – e os conflitos internos entre estes – fizeram com que desdea Constituição Federal (1988, art. 213) ficasse explicitada uma tipologia de instituiçõesprivadas: comunitárias, confessionais e filantrópicas, que professavam - e tiveramreconhecido – seu “ interesse público” , habil itando-se a receber recursos públicos, mediantealgumas condições. Posteriormente, a LDB (1996, art. 19 e 20) formaliza como categoriasadministrativas das instituições de ensino a pública e a privada, enquadrando nesta última,além das mencionadas, as instituições particulares, o que significa, implicitamente, admitirdentre instituições de ensino o caráter empresarial. Este movimento representa, sem dúvida,a legitimação de um processo de diferenciação de objetivos e padrões administrativos, queparece ter (e deva ter) continuidade na diferenciação de critérios e instrumentos desupervisão do Poder Público. Um fato relevante, neste sentido é a subcategorizaçãoestatística iniciada com o Censo da Educação Superior de 1999, que já desmembra os dadosdas instituições privadas em particulares e comunitárias/confessionais/sem-fins-lucrativos.

A Tabela 2, a seguir, quantifica a diversidade estrutural das instituições deEducação Superior no Brasil , segundo as jurisdições dos sistemas de ensino e adependência administrativa, ilustrando a grande proporção de instituições privadas - quecorresponderá a uma proporção relativamente menor de matrículas, devido ao menor portedos estabelecimentos. Observe-se, porém, que dentre as instituições municipais constamalgumas (ou muitas) criadas por Poder Público Municipal, por meio de Lei Municipal, masque não são de fato mantidas pelo mesmo, em função das restrições legais já comentadas edo fundo público municipal; há umas dentre estas que, inclusive, não são gratuitas e quepoderiam ser melhor enquadradas como instituições comunitárias e até particulares – numadepuração dos sistemas já iniciada e que, por certo, ainda se faz necessária. Um alertatambém deve ser feito com relação à diminuição do número de instituições federais, quenão significa encolhimento da oferta de ensino, posto que na década de noventa houveaglutinação de estabelecimentos isolados em novas universidades e novos investimentos,para dotar novos estados da federação – recentemente desmembrados – de umauniversidade federal, como é tradição no país.

Tabela 2Instituições de ensino super ior por sistemas de ensino e dependência

administrativa e tipo de instituição: Brasil, 1980, 1990, 1999

Sistema federal Sistemas estaduais Total de instituiçõesAnoInstituições

federaisInstituições

pr ivadasInstituiçõesestaduais

Instituiçõesmunicipais

Públicas Pr ivadas Total

1980 56 682 53 91 2001990 55 696 83 84

2221999 50 905 66 60 176

Fonte: INEP, 2001.

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Outra observação importante é que os números da Tabela 2 estão a indicar apenasuma das faces dos amplos processos de expansão e de privatização que vem ocorrendo naEducação Superior, que, todavia, carecem de ser examinados em níveis de análise maisdetalhados para que se percebam outros movimentos que concorrem e decorrem do novoordenamento legal e institucional e das práticas político-administrativas nos diversossistemas, o federal e os estaduais – e, principalmente, das complexas relações entre osinteresses públicos e privados. Alguns desses níveis de análise mais detalhados serãoexplorados mais adiante, com categorização por tipo de instituição, cursos oferecidos eindicadores de qualidade.

Primeiro, destaco a expansão e a privatização na oferta do ensino de graduação,mantendo a dependência administrativa como unidade de análise, porque bem retrata adiferenciação no ritmo da dinâmica da iniciativa privada comparativamente à do PoderPúblico, em qualquer de suas três instâncias.

Gráfico 2Evolução da matr ícula de graduação por dependência

administrativa: Brasil, 1980-1999

0

500.000

1.000.000

1.500.000

2.000.000

2.500.000

1980 1985 1990 1995 1999

Total

Federal

Estadual

Municipal

Privada

Fonte: INEP, 2001.

Buscando ilustrar outros aspectos da diversidade, o Gráfico 3, a seguir, proporcionauma noção do problema da distribuição espacial da Educação Superior no territórionacional, segundo as macro-regiões, em que é evidente a densidade de instituições privadasde ensino na região Sudeste. Tomar esta situação como “natural” , atribuindo-a apenas àconcentração de população e renda ou ao perfil da economia nos estados de São Paulo, Riode Janeiro e Minas Gerais, que potencializariam um “mercado” regional, parece-meinsuficiente, por desconhecer fatores políticos, culturais, empresariais ou da organização daeducação básica incidentes na demanda pela formação terciária ou na atratividadecomercial do setor educacional. Mais um argumento sobre a importância doaprofundamento nas análises e para o questionamento sobre o papel do Estado na regulaçãoda oferta de Educação Superior.

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Gráfico 3Distr ibuição regional das instituições de educação super ior

públicas e pr ivadas: Brasil, 1999

Fonte: INEP, Censo da Educação Superior, 1999.

Da diversidade institucional do público e do privado

Historicamente, como vimos, a Educação Superior no Brasil se estabelece eminstituições isoladas de formação profissional e acadêmica, denominadas faculdades,escolas ou institutos. As universidades foram tardias e, não obstante a ReformaUniversitária de 1968 tenha preconizado a universidade científica ou “humboldiano-americana” como paradigma, sempre foram a exceção, seja no número de instituições oupelo volume de matrículas que conseguiam abrigar, quer no segmento público ou noprivado. A esta limitada diversidade institucional correspondia também uma certadiversidade programática, ou seja de objetivos, conteúdo e, em realidade, de (não limitada)qualificação acadêmico-científica. Razão pela qual, a noção de diversidade institucional erade fato ausente e carente de legitimidade na educação Superior no Brasil. Pode-se dizer queas instituições isoladas foram, via de regra, vistas como uma segunda classe, umaexcrescência tolerada no sistema.

Uma ruptura objetiva com esta postura veio acontecer no atual governo, desde adivulgação das primeiras diretrizes para a Educação Superior, que visavam a retomada dadinâmica de expansão de vagas e apontavam a diversificação institucional como umaestratégia para tal. Foi consagrada no Decreto 2306, de 1997, que regulamenta o sistemafederal de ensino. Neste mister, esclarece objetivamente a admissibil idade de formasjurídicas de natureza civil, fundacional ou comercial, e indica cinco categorias deorganização acadêmica: I- Universidades, II - Centros Universitários, II I- FaculdadesIntegradas, IV- Faculdades e V- Institutos Superiores ou Escolas Superiores (art. 8º). Asuniversidades são caracterizadas, como tradicionalmente, pela indissociabilidade de ensino,pesquisa e extensão, admitindo-se a inovação de universidades especializadas. Os centrosuniversitários devem ser pluricurriculares e, segundo a norma, atender a critérios deexcelência (art. 12), para gozar de prerrogativas de determinada autonomia, como a criaçãode cursos e programas, remanejar ou ampliar vagas nos cursos existentes.

0

10 0

20 0

30 0

40 0

50 0

60 0

N o rte N o rd este S udoe ste S u l C e ntro -O e ste

P ú b lic o

P riv a d o

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Tabela 3Instituições de ensino super ior por dependência administrativa

e tipo de instituição: Brasil , 1980, 1990, 1999

InstituiçõesFederais

InstituiçõesPr ivadas

InstituiçõesEstaduais

InstituiçõesMunicipais

Ano Un F& In F Un F& I F CUn Un F& I F Un F& I F1980 34 - 22 20 19 643 - 9 1 43 2 - 891990 36 - 19 40 74 582 - 16 - 67 3 - 811999 39 - 11 83 72 711 39 30 - 36 3 2 55

Fonte: INEP, 2001.

A Tabela 3, acima, assim como a Tabela 4 e o Gráfico 4, a seguir, oferecemilustração da diversidade ora existente e do processo de diferenciação em curso nas últimasduas décadas, conforme o tipo de instituição de Educação Superior e a dependênciaadministrativa, seja pelo número de estabelecimentos ou pela matrícula de graduação. Ficaevidente a diferença entre a oferta do Poder Público, federal, estadual ou municipal, e dainiciativa privada.

Complementarmente a este panorama da situação e da dinâmica na organizaçãoinstitucional, pode-se detalhar a diversidade institucional registrada no último Censo daEducação Superior (1999) que, como dito, inclui as novas categorias institucionais edistingue as subcategorias do ensino privado. Assim, observa-se que, de certo modo, asinstituições privadas sem fins lucrativos aproximam-se mais do tipo-padrão, a universidade,do que as instituições particulares, que, por sua vez, fazem sua bases nas faculdadesisoladas e aderem mais rapidamente ao novo tipo, o centro universitário. Especula-se que ofato esteja relacionado a que as ordens religiosas e organizações comunitárias tenham sidoprecursoras na iniciativa de Educação Superior, já que os interesses empresariais sórecentemente foram de forma aberta admitidos; que as universidades pressupõem corpodocente mais qualificado e profissionalizado no magistério, com o que as condições degestão democrática e de trabalho na instituição seriam mais demandadas e mais toleradaspelos seus dirigentes.

Tabela 4Instituições par ticulares e pr ivadas sem fins lucrativos por tipo de instituição, matr ículas de

graduação, vagas oferecidas e concluintes: Brasil, 1999Total Universidades Centros Univ. Fac.I ntegrad. Inst.Isoladas

InstituiçõesParticulares 526 26 22 47 431Com./conf./fil. 379 57 17 25 280CursosParticulares 2467 863 347 290 967Com./conf./fil 2917 1873 256 146 642DocentesParticulares 36865 14087 4922 3777 14079Com./conf./fil 56088 37571 3641 2884 11992MatrículasParticulares 651362 267267 97854 72277 213959Com./conf./fil 866561 627285 63118 40682 155476ConcluintesParticulares 83463 30488 13138 213959 28514Com./conf./fil 111938 72768 9089 155476 24541Fonte: INEP, Sinopse da Educação Superior, 1999.

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Já o Gráfico 4, demonstra que a expansão das matrículas de graduação tem iníciodepois de 1985 e toma grande aceleração nos últimos anos da década de 1990. Asuniversidades foram, marcadamente, as instituições responsáveis por esta dinâmica.

Gráfico 4Evolução da matr ícula de graduação por tipo de instituição

de educação super ior : Brasil, 1980-1999

Fonte: INEP, 2001.

Da diversidade programática: aspectos de qualidade do público e do privado

As diferenças em termos de programas e serviços oferecidos pelas instituições deEducação Superior, no Brasil, dependem, em grande parte, das definições normativas e daspráticas de gestão dos órgãos de supervisão e avaliação dos respectivos sistemas de ensino,por sua vez inseridas na política nacional de educação e suas determinações. Masdependem, também, de definições da própria instituição (ou sua mantenedora) quanto àmissão institucional e a seu posicionamento estratégico.

Dentre os vários aspectos que poderiam ser examinados para caracterizar adiversidade programática do público e do privado na Educação Superior, dados os limitesdas fontes e dos níveis de análise utilizados neste texto, destaco apenas alguns, relacionadosà função de ensino e as principais variáveis a esta função associadas.

De acordo com a nova LDB (art. 44), na Educação Superior, são reconhecidoscursos e programas: I- de graduação, abertos a candidatos que tenham concluído o ensinomédio ou equivalente e tenham sido classificados em processo seletivo; II- de pós-graduação, compreendendo programas de mestrado e doutorado, cursos de especialização,aperfeiçoamento e outros, abertos a diplomados em cursos de graduação e que atendam àsexigências das instituições de ensino; III- cursos de extensão, abertos a candidatos queatendam aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições de ensino; e IV-cursos seqüenciais, por campo de saber, de diferentes níveis e abrangências, abertos acandidatos que atendam aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino. Estaúltima categoria, os cursos seqüenciais, são uma novidade introduzida na LDB, poriniciativa vinculada ao governo, surpreendendo como fórmula normatizada o campoeducacional, e pode ser considerada como um recurso de diferenciação programática entre

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500000

1000000

1500000

2000000

2500000

1980 1985 1990 1995 1999

Universidades

Fac. Int e Cen.Un.

Faculdades

Total

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e nas instituições. Por definição e em realidade, todas as universidades e centrosuniversitários oferecem cursos de graduação, pós-graduação e extensão. As exigênciasnormativas da pós-graduação, tradicionalmente bastante controlada (por agênciagovernamental específica, a CAPES), fazem com que a oferta dos cursos de stricto sensu –mestrado e doutorado- seja um elemento importante na diferenciação programática entre asuniversidades e, especialmente, destas com os centros universitários, federações einstituições isoladas de ensino superior, no continuum de diversidade segundo os níveis deensino ofertados.

Já os cursos seqüenciais, que se diversificam em cursos seqüenciais decomplementação de estudos, com destinação individual ou coletiva, conduzindo acertificado, e de formação específica, somente com destinação coletiva e conduzindo adiploma, são ainda experimentados por um número restrito de instituições e, têm servidopara apontar diferenças de posicionamento entre instituições particulares e públicas ouentre universidades e instituições isoladas. São vistos com desconfiança pelas instituiçõesmais quali ficadas e tradicionais, posto que podem representar apenas mais uma fórmula dealcançar mais rendimentos financeiros sobre a capacidade acadêmica instalada, semconsiderar as implicações pedagógicas de aumentar o número de alunos por turma ediversificar as salas de aulas com alunos submetidos a distintos processos seletivos deingresso e com distintos interesses, idade e experiência acadêmica e profissional. Mastambém não se desconhece que podem possibil itar atendimento a parcelas da populaçãoque não obtiveram condições de ingresso pelas vias tradicionais ou que desejam atualizaçãoprofissional, inclusive substituindo com vantagens oportunidades anteriormente oferecidascomo cursos de extensão, a exemplo do que fazem algumas universidades, inclusivepúblicas, para a educação continuada de professores de educação básica junto alicenciaturas regulares. Creio que um exame mais detalhado da dinâmica dos cursosseqüenciais no país proporcionará interessantes observações sobre a questão da diversidadeprogramática, o público e o privado, face a temas como democratização/ elitização doacesso ao conhecimento, nos planos institucionais e societal. Ou, ainda, face ao tema dadesregulamentação do ensino superior, seus processos seletivos, diretrizes curriculares econdições de oferta.

Em nível subseqüente, a diversidade programática é revelada pela variável camposde conhecimento ou de atuação profissional. O Gráfico 5, a seguir, indica a acentuadaconcentração de cursos de graduação nas áreas de Ciências Sociais Aplicadas(Administração, Direito, Comunicação Social, entre outros) e Ciências Humanas(Pedagogia, História, Filosofia, entre outros) reconhecidos como cursos de fácilimplantação e de baixo custo. Estes cursos estão presentes na oferta de todas as instituições,salvo as especializadas em outros campos de saber; são proporcionalmente mais oferecidospelas instituições privadas e dentre estas pelas particulares, como o mesmo gráfico indica.Os condicionantes desta situação são, obviamente, também ligados a características sócio-econômicas do alunado e das regiões em que se situam. De outra parte, tem-se asexigências ou limitações impostas a alguns cursos de formação profissional, notadamentena área da saúde.

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Gráfico 5Distr ibuição proporcional dos cursos por área de conhecimento: Brasil , 1999.

Fonte: INEP, Censo da Educação Superior, 1999.

Outra perspectiva sobre a diversidade programática, conforme as áreas deconhecimento, é dada pela distribuição proporcional das matrículas nestes mesmos cursos,ilustrada a seguir no Gráfico 6. Observa-se, aí, que há concentração ainda mais acentuadanos cursos de Ciências Sociais Aplicadas (42,6% do total das matrículas), a ponto dereduzir a significação relativa de todas as demais áreas.

Gráfico 6Distr ibuição proporcional das matr ículas de graduação por área de

conhecimento em instituições públicas e pr ivadas : Brasil - 1999

Fonte: INEP, Censo da Educação Superior, 1999.

Portanto, cabe interpretar que, em realidade, há não apenas pouca diversidade naformação superior sendo oferecida à população, mas que possivelmente estamos sob umaforça homogeneizadora de cursos pouco vinculados a pesquisa e com mais reduzidoimpacto sobre qualquer alavancagem de desenvolvimento tecnológico e econômico, em que

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5,0

10,0

15,0

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25,0

30,0

35,0

Soc

iais

Apl

icad

as

Hum

anas

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tas

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Letra

s e

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Eng

Tec

nolo

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total

Privado

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Hum

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Art

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Eng

Tec

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Agr

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cas

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Privada

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pese seu potencial valor social e humanístico. Exemplo contundente é o registro de 1266novos cursos de graduação autorizados/reconhecidos, dos quais 392 são de Administração,132 de Ciências Contábeis e Econômicas, 66 de Turismo, e assim por diante (MEC, 2001),que caracterizam o que SAMPAIO (1998) havia percebido como ampliação do leque deopções curriculares e fragmentação de carreiras para atrair novas clientelas com baixoinvestimento adicional. Endosso sua problematização sobre a relação entre a fragmentaçãode carreiras e a diversificação do sistema de ensino superior no país.

Algumas das estatísticas disponíveis permitem apreciar o movimento de expansãodas oportunidades de trabalho docente, segundo os aspectos de diversidade já examinados.Considerando o Gráficos 7, a seguir, verifica-se que no segmento das universidades é ondede fato evolui o número de postos de trabalho, posto que nos estabelecimentos isolados háum aumento muito discreto destes e nas federações ou faculdades integradas ocorrediminuição.

Gráfico 7Evolução do número de funções docentes por

tipo de instituição: Brasil, 1980-1999.

020000400006000080000

100000120000140000160000180000200000

1980 1985 1990 1995 1999

Universidades

Fac. Int e Cen. Un.

Faculdades

Total

Fonte: INEP, 2001.

Gráfico 8Evolução do número de funções docentes por

dependência administrativa: Brasil, 1980-1999.

020.00040.00060.00080.000

100.000120.000140.000160.000180.000200.000

1980 1985 1990 1995 1999

Total

Federal

Estadual

Municipal

Privada

Fonte: INEP, 2001.

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Já o Gráfico 8 complementa a compreensão do fenômeno, por indicar que o governofederal não vem proporcionando a expansão de postos docentes enquanto que nasinstituições estaduais houve mediano crescimento; os novos empregos, consoante osindicadores de instituições e matrículas, estão mesmo é no setor privado. Atente-se, sobreesta variável que indica o número de funções docentes e não o número de professores,sendo comum o acúmulo de funções por docentes quando lecionam em mais de um cursonuma federação de faculdades ou lecionam até em mais de uma universidade ou centrouniversitário, em regimes de tempo parcial.

Mais uma importante aproximação da diversidade entre público e privado naEducação Superior pode ser obtida com a comparação sobre a qualificação dos docentes.Como o Gráfico 9 exibe, as instituições públicas apresentam uma situação bem maisfavorável do que as privadas, embora o conjunto dos docentes brasileiros tenham aindapoucas oportunidades de pós-graduação. É oportuno lembrar as exigências que pelaprimeira vez, com a LDB de 1996, se fazem no sentido de que pelo menos 1/3 dos docentesdas universidades devam ter mestrado ou doutorado e também de 1/3 com tempo integral –dois fatores associados à possibil idade de produção acadêmico-científica e,conseqüentemente, à mudança do padrão de qualidade do ensino.

Gráfico 9Distr ibuição das funções docentes por grau de formação

em instituições públicas e pr ivadas: Brasil, 1999.

15,7

23,0

30,0 31,4

16,3

44,7

28,6

10,3

0,0

5,0

10,0

15,0

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30,0

35,0

40,0

45,0

Pública Privada

Sem Pós-GraduaçãoEspecialização

Mestrado

Doutorado

Fonte: INEP, Censo da Educação Superior, 1999.

Diversidade e unidade no coração do Estado e da Universidade:em superação dos limites da modernização instrumental

Os aspectos com os quais até aqui ilustrei a problemática da diversidade ediferenciação na Educação Superior do Brasil, com breve perspectiva histórica, são porcerto muito limitados. Baseiam-se apenas em indicadores tradicionais dos sistemasestatísticos sobre as instituições de ensino, produzidos a partir de informações oferecidaspelas próprias ao Poder Público, em sua legítima competência para tal. E, de forma alguma,

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exploram significativa parcela dos dados que os bancos oficiais colocam à disposição dospesquisadores e da sociedade em geral. Há nestes muitas mais variáveis – inclusivederivadas dos processos de avaliação institucional e dos resultados do exame nacional deconcluintes, o controvertido Provão, ou relativas às desigualdades sociais e raciais, naberlinda neste momento - todo um mundo de relações que podem ser traçadas entre asmesmas, para gerar interessantes elementos de representação do estado da diversidade e dosprocessos de diferenciação nas e das instituições de ensino terciário, caracterizando tambéma atuação do Estado e da iniciativa privada. Já foram, porém, estes aspectos, em quepredominam a natureza normativa e da formalidade institucional, suficientes para ummapeamento de hipóteses e elementos que podem e precisam ser focalizados com maisabrangência, profundidade e o concurso de outras abordagens teórico-metodológicas, assimcomo com outras fontes de informação e unidades de análise. Por isso, dispenso a tentativade concluir o texto com um resumo dos temas articulados, desde o enquadramentoconceitual e político de diversidade e diferenciação na educação Superior, com sua inserçãona produção acadêmico-científica, até uma síntese das proporções e movimentos entre opúblico e o privado nas instituições brasileiras. Parece-me que bastam, nas finalidades ecircunstâncias deste evento, para nos mobilizar a uma discussão com sentido prospectivo.

Retomo, então, a problemática organizadora deste painel, que havíamos posto comoa das relações entre as pressões externas e tensões internas vivenciadas nos espaços dapolítica nacional de educação e das universidades de nossos países, enquanto constitutivas eexemplo da questão maior que expressamos como o público e o privado. E que, para mim,chama a pensar sobre regulação e cidadania, mais especificamente sobre gestão pública.

Creio que o momento atual do cone sul latino-americano, em que a crise política,econômica e social parece chegar ao ápice, facilita por demais esclarecer o referencial emque pretendo situar o tema da diversidade institucional e programática da EducaçãoSuperior, algo que pode ser (e tem sido) visto como uma estratégia operativa de resolução(pública e privada) da propalada crise da universidade ou, num diagnóstico dascontingências latino-americanas, da crise do financiamento de complexas, ineficientes,dispendiosas e conservadoras universidades públicas gratuitas (DURHAM, 1998). Umdiagnóstico e uma estratégia que podem reforçar o caráter eminentemente tecno-burocráticodo núcleo financeiro do Estado, que impede a produção de um novo ordenamento legal einstitucional com legitimidade e eficácia para a democratização da educação.

Preocupa-me e compromete-me a pesquisa e o debate sobre políticas públicas egestão da educação em que consigamos reconhecer a gravidade de uma situação históricanova, que despotencia o Estado e a legitimidade ou possibil idade concreta da administraçãopública para interrogar as universidades sobre suas finalidades e modalidades. Ou seja,preocupa-me também que não consigamos contextualizar a força e os limites da noção demercado, seu agente (a empresa) e seu instrumento (a moeda), e da ideologia dodarwinismo social. Compromete-me, sim e por isso, o desafio de estudar a diferenciaçãoinstitucional e programática, numa agenda de construção de uma política nacional deeducação que seja parte de um projeto de reforma do Estado dotado de capacidade deindução e intervenção em favor do interesse público concreto.

Assim como para a questão política atual não é possível responder ao futuro com opassado ou os fundamentos científicos e técnico-organizacionais que nos trouxeram àracionalidade do Estado mínimo ou meramente regulador, também os sistemas de ensino e

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a universidade (SANTOS, 1994) precisam ser repensados e “governados” na transiçãoparadigmática do conhecimento, da ordem jurídico-administrativa e societal (SANTOS,2000).

Se a questão da democracia e da república nos trouxe à da igualdade e liberdade; ese a questão da democratização da educação nos trouxe à da escola pública gratuita – quãoinstigante poderá ser a questão da diversidade e diferenciação na Educação Superior postaem xeque na articulação da política nacional de educação com autonomia e relevânciasocial da universidade! A dialética da unidade e da diversidade, do uno e do múltiplo, dasolidariedade e da iniciativa, apenas interrogadas ... e perspectivadas na superaçãomodernização instrumental!

Esta postura, teórica e metodológica, advém do entendimento de que a tarefa doinvestigador é, justamente, a de definir e avaliar a natureza e as alternativas ao que estáempiricamente dado. Logo, não professa da posição que reduz a realidade ao que existe,mas a entende como um campo de possibilidades. Reconhece que a razão que critica podeser a mesma que pensa e propõe, e inclusive legitima aquilo que é criticável.

Com os companheiros desta mesa compartilho abaixo uma observação, aindarecente, feita por GENRO (2001, p. 16) a propósito apenas exemplificativo, ao proporatenção à questão do controle público do Estado, no desafio constituirmos instituiçõescapazes de universalizar um Estado democrático, republicano e moldado para produzir“regras com finalidade” - que, ao invés de consagrar desigualdades, sejam instituiçõesmediadoras da vontade humana para a utopia da igualdade. Da mesma fonte (CALAME eTALMANT, 2001) veio-me a inspiração para o título desta seção final do texto.

“No caso do Brasil , com todas as limitações e submissões do Estadobrasileiro às suas oligarquias, o Estado carregou nos ombros a modernizaçãocapitalista e fundou a universidade pública, que funcionou como um centro demodernização cultural e política do país. O cosmopolitismo progressista daíoriginário, que proporcionou ao Brasil um avanço em todos os fronts, enfrentaagora os seus limites, já que o Estado está endividado e fragil izado, os novossujeitos sociais estão dispersos e os antigos tornam-se cada vez mais fracos.”

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