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Contextos da Alimentação – Revista de Comportamento, Cultura e Sociedade Vol. 6 no. 1 – Dezembro de 2018, São Paulo: Centro Universitário Senac ISSN 2238-4200 Portal da revista Contextos da Alimentação: http://www3.sp.senac.br/hotsites/blogs/revistacontextos/ E-mail: [email protected] Esta obra está licenciada com uma Licença Creative Commons Atribuição-Não Comercial-SemDerivações 4.0 Internacional Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da Paixão de Cristo Divine Culinary in Maranhão (Northeastern Brazil): The Passion of Christ Cakes Neide Kazue Sakugawa Shinohara 1 , Maria do Rosário de Fátima Padilha 1 , Gisele Mine Shinohara 2 , Indira Maria Macedo Estolano 2 , Rodrigo Rossetti Veloso 3 1 Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE 2 Universidade Federal de Pernambuco - UFPE 3 Instituto Federal de Pernambuco - IFPE [email protected], [email protected], [email protected], [email protected] om, r[email protected] RESUMO A Semana Santa na mesorregião do Maranhão envolve a confecção de bolos religiosos que representam a importância litúrgica na celebração da Paixão de Cristo. Foi realizado uma pesquisa através de depoimentos orais e registros fotográficos sobre a importância dessa celebração cristã na comunidade do Poço Verde, no estado do Maranhão. Também foi observado o uso de ingredientes e técnicas culinárias típicas desta região nordeste do Brasil. Logo após o carnaval, as senhoras da comunidade começam a armazenar generosas quantidades de ovos de capoeira, óleo de babaçu e massa de mandioca, juntamente com muita dedicação para que as confecções dos bolos salgados e doces possam representar a fé da paixão de Cristo nesta região brasileira, para assim registrar uma prática cultural de forte significação de bondade e solidariedade em uma importante data do calendário cristão. Palavras-chave: Bolos – Culinária - Goma de mandioca – Óleo de babaçu – Religião. ABSTRACT The Holy Week in the meso-region of Maranhão involves the making of religious cakes that represent liturgical importance in the celebration of the “Paixão de Cristo”. A research was conducted through oral evidences and photographic records about the importance of this Christian celebration in Poço Verde, community in the state of Maranhão. It was also observed the use of ingredients and typical culinary techniques of the northeast region of Brazil. Right after the carnival, the ladies of the community begin to stock under refrigeration a generous amount of capoeira eggs, babassu oil and manioc mass with a lot of dedication so the salty and sweet cakes can represent the faith of the “Paixão de Cristo” in this Brazilian region and register a cultural practice of strong significance of goodness and solidarity on an important date of the Christian calendar. Key words: Babassu oil - Cakes – Culinary - Manioc gum - Religion.

Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

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Page 1: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018 Satildeo Paulo Centro Universitaacuterio Senac

ISSN 2238-4200

Portal da revista Contextos da Alimentaccedilatildeo httpwww3spsenacbrhotsitesblogsrevistacontextos

E-mail revistacontextosspsenacbr

Esta obra estaacute licenciada com uma Licenccedila Creative Commons Atribuiccedilatildeo-Natildeo Comercial-SemDerivaccedilotildees 40

Internacional

Divino Culinaacuterio no Maranhatildeo (Nordeste do Brasil) Bolos da Paixatildeo de Cristo

Divine Culinary in Maranhatildeo (Northeastern Brazil) The Passion of Christ Cakes

Neide Kazue Sakugawa Shinohara1 Maria do Rosaacuterio de Faacutetima Padilha1 Gisele Mine

Shinohara2 Indira Maria Macedo Estolano2 Rodrigo Rossetti Veloso3

1Universidade Federal Rural de Pernambuco ndash UFRPE 2Universidade Federal de Pernambuco - UFPE 3Instituto Federal de Pernambuco - IFPE

neideshinoharagmailcom fatpadilhaigcombr giseleshinohara96gmailcom indiramacedo21gmailc

om rodrigorossetticaboifpeedubr

RESUMO

A Semana Santa na mesorregiatildeo do Maranhatildeo envolve a confecccedilatildeo de bolos religiosos

que representam a importacircncia lituacutergica na celebraccedilatildeo da Paixatildeo de Cristo Foi realizado uma pesquisa atraveacutes de depoimentos orais e registros fotograacuteficos sobre a importacircncia

dessa celebraccedilatildeo cristatilde na comunidade do Poccedilo Verde no estado do Maranhatildeo Tambeacutem

foi observado o uso de ingredientes e teacutecnicas culinaacuterias tiacutepicas desta regiatildeo nordeste do Brasil Logo apoacutes o carnaval as senhoras da comunidade comeccedilam a armazenar

generosas quantidades de ovos de capoeira oacuteleo de babaccedilu e massa de mandioca juntamente com muita dedicaccedilatildeo para que as confecccedilotildees dos bolos salgados e doces

possam representar a feacute da paixatildeo de Cristo nesta regiatildeo brasileira para assim registrar

uma praacutetica cultural de forte significaccedilatildeo de bondade e solidariedade em uma

importante data do calendaacuterio cristatildeo

Palavras-chave Bolos ndash Culinaacuteria - Goma de mandioca ndash Oacuteleo de babaccedilu ndash Religiatildeo

ABSTRACT

The Holy Week in the meso-region of Maranhatildeo involves the making of religious cakes

that represent liturgical importance in the celebration of the ldquoPaixatildeo de Cristordquo A

research was conducted through oral evidences and photographic records about the importance of this Christian celebration in Poccedilo Verde community in the state of

Maranhatildeo It was also observed the use of ingredients and typical culinary techniques

of the northeast region of Brazil Right after the carnival the ladies of the community begin to stock under refrigeration a generous amount of capoeira eggs babassu oil and

manioc mass with a lot of dedication so the salty and sweet cakes can represent the faith of the ldquoPaixatildeo de Cristordquo in this Brazilian region and register a cultural practice of

strong significance of goodness and solidarity on an important date of the Christian

calendar

Key words Babassu oil - Cakes ndash Culinary - Manioc gum - Religion

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1 INTRODUCcedilAtildeO

A cozinha tem sido equiparada agrave linguagem como esta possui vocaacutebulos

(ingredientes) que satildeo organizados segundo regras gramaticais onde as receitas datildeo sentido aos ingredientes transformando-os em alimentos que compotildeem um cardaacutepio

A analogia natildeo funciona apenas no plano teacutecnico-estrutural mas tambeacutem para os

valores simboacutelicos dos quais ambos os sistemas satildeo portadores Exatamente como a linguagem a cozinha conteacutem e expressa a cultura de quem a pratica eacute depositaacuteria das

tradiccedilotildees e das identidades de grupo Constitui assim um extraordinaacuterio veiacuteculo de auto-representaccedilatildeo e de comunicaccedilatildeo natildeo apenas instrumento de identidade cultural

mas talvez seja o primeiro modo para entrar em contato com culturas diversas pois a

comida auxilia na intermediaccedilatildeo entre culturas diferentes abrindo sistemas culinaacuterios

a todas as formas de invenccedilotildees cruzamentos e modificaccedilotildees (MONTANARI 2009)

Ao longo de mais de 500 anos de histoacuteria a culinaacuteria brasileira eacute resultante de uma grande mistura de tradiccedilotildees ingredientes e alimentos que foram introduzidos natildeo

soacute pela populaccedilatildeo nativa indiacutegena como por todas as correntes de imigraccedilatildeo que

ocorreram neste periacuteodo Cada regiatildeo do paiacutes tem sua peculiaridade gastronocircmica e sua culinaacuteria estaacute adaptada ao clima e agrave geografia Aleacutem disso o proacuteprio descobrimento

do Brasil remete agrave culinaacuteria jaacute que as caravelas portuguesas desembarcaram aqui em

1500 enquanto navegavam em busca das Iacutendias e suas especiarias Devido agraves diferenccedilas de clima relevo tipo de solo de vegetaccedilatildeo e povos habitando uma mesma

regiatildeo eacute muito difiacutecil estabelecer um prato tiacutepico brasileiro (PORTAL BRASIL 2009)

O Maranhatildeo eacute uma dessas regiotildees que por estar entre o norte e o nordeste do

Brasil com caracteriacutesticas das duas regiotildees pode ser considerado um ldquoestado de

transiccedilatildeordquo Na sua capital em Satildeo Luiacutes estaacute presente tanto a culinaacuteria tiacutepica amazocircnica quanto a nordestina Eacute forte a marca africana natildeo apenas na cor de seu povo como nos

temperos de sua comida Mas o uso de pouco tempero e gordura e bem menos pimenta torna a culinaacuteria maranhense mais delicada do que a de seus vizinhos fronteiriccedilos Na

capital e litoral maranhense as caracteriacutesticas amazocircnicas satildeo evidentes na

gastronomia no interior esse panorama muda completamente assumindo a culinaacuteria

de base nordestina (FREIXA CHAVES 2009)

Quanto a Paacutescoa antes de 1970 no Conciacutelio Vaticano II os catoacutelicos romanos deveriam praticar um jejum limitado ndash por exemplo abstinecircncia total de carne bovina

mas consumo limitado de peixe carnes brancas e verduras Em alguns lugares a

manhatilde do Saacutebado de Aleluia eacute dedicada agrave ldquoCelebraccedilatildeo das Dores de Mariardquo onde se recorda a ldquoHora da Matildeerdquo Eacute no Saacutebado de Aleluia que se faz a tradicional Malhaccedilatildeo de

Judas representando a morte de Judas Iscariotes No saacutebado santo ou saacutebado de

aleluia eacute celebrada a Vigiacutelia Pascal depois de anoitecer dando iniacutecio agrave Paacutescoa Eacute no dia em que acende o Ciacuterio Pascal uma grande vela que simboliza a luz de Cristo que ilumina

o mundo Na vela estatildeo gravadas as letras gregas alfa e ocircmega que significam ldquoDeus

eacute o princiacutepio e o fim de tudordquo (BONA 2010)

Quando voltamos nossa atenccedilatildeo ao contexto de celebraccedilatildeo da Semana Santa

que culmina nos dias da sexta-feira da Paixatildeo dia no qual se rememora a morte de Cristo e no domingo de Paacutescoa quando se celebra a sua ressurreiccedilatildeo Ainda que essa

festa possua um caraacuteter generalizado pela sua importacircncia lituacutergica sendo considerado o aacutepice do calendaacuterio ritual catoacutelico como o marco de fim e iniacutecio de um ano-novo essa

generalidade eacute complementada natildeo obstante pela variaccedilatildeo dos modos de celebrar tal

momento em contextos culturais particulares com a singularidade que se observa nos modos ldquolocaisrdquo de celebrar a Semana Santa e consequentemente com a maior ou

menor ecircnfase que passa a ser dada a determinados personagens e fatos (PEREIRA

2015)

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O objetivo dessa pesquisa foi o de registrar o envolvimento da Comunidade do Poccedilo Verde sua forte influecircncia cristatilde e de responsabilidade feminina nessa importante

festividade religiosa tambeacutem em atenccedilatildeo agrave culinaacuteria realizada na Semana Santa em uma cidade do meacutedio sertatildeo maranhense para celebrar a Paixatildeo de Cristo perpetuando

assim a simbologia de uniatildeo da Comunidade

2 MATERIAIS E MEacuteTODOS

21 Aacuterea de Estudo

Marco Histoacuterico

Em 1920 chegava ao local onde hoje se situa a cidade o paraibano Antocircnio Brito Lira acompanhado de seus familiares em busca de melhores condiccedilotildees de vida

jaacute que a seca assolava o estado de origem a Paraiacuteba Ali jaacute encontrou o Sr Joseacute Fernandes que residia soacute e se dizia dono das terras e de quem mais tarde Antocircnio

Brito adquiriu a gleba O novo proprietaacuterio entatildeo deu iniacutecio agrave exploraccedilatildeo agriacutecola

alcanccedilando grande sucesso na produccedilatildeo com a chegada de novos moradores O povoado foi progredindo e tomando outro aspecto com a construccedilatildeo de casas de telha

abertura de estabelecimentos comerciais e crescimento elevado da produccedilatildeo agriacutecola ao ponto de ter que exportar os produtos ateacute para outros Estados Em 1952 foi elevado

agrave categoria de municiacutepio pela lei nordm 841 com o nome de Paraibano em homenagem a

seu fundador (IBGE 2016) Paraibano eacute um municiacutepio do nordeste brasileiro localizado na regiatildeo interiorana

do Maranhatildeo nas coordenadas latitude -6422704 e longitude -43905807 A cidade

encontra-se inserida em aacuterea de cerrado extensatildeo de 530517 km2 cerca de 20103 habitantes (IBGE 2016) Estaacute localizado no meacutedio sertatildeo do Maranhatildeo conforme a

Figura 1a e 1b abaixo

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Estaacute localizado no meacutedio sertatildeo do Maranhatildeo conforme a Figura 1a e 1b abaixo Fonte Google Maps

Figura 1 Localizaccedilatildeo do Brasil na Ameacuterica do Sul (1a) o estado do Maranhatildeo e a

cidade de Paraibano (1b)

O local escolhido foi a Comunidade de Poccedilo Verde que abriga cerca de 50 famiacutelias

preservadas por laccedilos de parentesco O estudo foi registrado com o acompanhamento

junto a 29 (vinte e nove) famiacutelias totalizando 121 membros na comunidade de faixas

etaacuterias e classes sociais distintas que esperam e se preparam o ano todo para celebrar esse divino ato religioso

Foi realizado um levantamento bibliograacutefico a partir de livros siacutetios de acessos perioacutedicos e da administraccedilatildeo puacuteblica que tratam de informaccedilotildees demograacuteficas

culturais sociais e econocircmicas do paiacutes Foram promovidos registros fotograacuteficos das

preparaccedilotildees culinaacuterias nos dias que antecedem e culminam na sexta-feira da Paixatildeo de Cristo e Domingo de Ramos na comunidade

As massas de mandioca ou puba como eacute conhecida no nordeste brasileiro foram preparadas com antecedecircncia pela proacutepria comunidade atraveacutes do trabalho coletivo das

mulheres geralmente comandadas pelas matriarcas que transferem a tradiccedilatildeo da

confecccedilatildeo de bolos especiais para festejar a Semana Santa tradiccedilatildeo religiosacatoacutelica que celebra a Paixatildeo a Morte e a ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo Ela se inicia no Domingo

de Ramos que relembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusaleacutem e termina com a

ressurreiccedilatildeo de Jesus que ocorre no domingo de Paacutescoa

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3 Resultados e Discussatildeo

31 Brasil Culinaacuterio

Comer eacute mais que ingerir um alimento significa tambeacutem as relaccedilotildees pessoais

sociais e culturais que estatildeo envolvidas naquele ato A cultura alimentar estaacute diretamente ligada com a manifestaccedilatildeo das pessoas na sociedade Alimento eacute um dos

requerimentos baacutesicos para a existecircncia de um povo e a aquisiccedilatildeo desta comida desempenha um papel importante na formaccedilatildeo de qualquer cultura Os meacutetodos de

procurar e processar estes alimentos estatildeo intimamente ligados agrave expressatildeo cultural e

social de um povo A comida eacute uma expressatildeo cultural distinta que envolve aspectos relacionais e interaccedilatildeo social no ato de ingestatildeo de alguns alimentos (LEONARDO

2009)

A padronizaccedilatildeo cultural da alimentaccedilatildeo natildeo reflete senatildeo o fato baacutesico de que a

organizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais entre os homens e a satisfaccedilatildeo de suas necessidades

eacute regulada atraveacutes de normas siacutembolos e valores coletivamente partilhados Do mesmo modo que o homem regulamenta a comunicaccedilatildeo atraveacutes de siacutembolos (o siacutembolo em si

mesmo uma regra que estabelece como as coisas devem ser denominadas) estabelece normas para sua alimentaccedilatildeo A culinaacuteria pois do ponto de vista socioloacutegico mais natildeo

eacute senatildeo um conjunto de preceitos referente agrave preparaccedilatildeo de alimentos Como ocorre

com a linguagem a consolidaccedilatildeo da culinaacuteria de um povo natildeo se faz senatildeo ao cabo de longa experiecircncia cultural Natildeo haacute duacutevida que a culinaacuteria se trata de um dos mais

sofisticados produtos da cultura Imaginem a longa e paciente experiecircncia de

combinaccedilotildees de aproveitamento novo da flora e da fauna tropical de experimentaccedilatildeo

ldquoalquiacutemicardquo no Brasil veio a resultar sua culinaacuteria proacutepria (MAIOR 2012)

A origem do nosso povo acrescida de fatores como a geografia do paiacutes fez com que a cozinha brasileira variasse bastante de um lugar para outro embora existam

caracteriacutesticas comuns a determinadas aacutereas Satildeo esses traccedilos caracteriacutesticos que

determinam vaacuterias cozinhas regionais em nosso paiacutes cozinhas essas que estatildeo se trocando constantemente de norte a sul com modificaccedilotildees e adaptaccedilotildees locais Para

se entender a culinaacuteria nordestina eacute necessaacuterio compreender que no Brasil natildeo existe um nordeste mas sim vaacuterios cada um com a sua cultura a cultura da heroacuteica resistecircncia

agraves estiagens ou da fartura do litoral com praias beliacutessimas e uacutenicas (LEAL 1998)

A culinaacuteria brasileira eacute produto da tradiccedilatildeo cultural dos valores da populaccedilatildeo bem como da localizaccedilatildeo geograacutefica da regiatildeo em questatildeo As diversificadas

preparaccedilotildees surgiram em funccedilatildeo da cultura indiacutegena africana dos grupos europeus

que colonizaram determinadas regiotildees da proximidade com rios ou com o mar e ateacute mesmo das condiccedilotildees pluviomeacutetricas e do solo (PHILIPPI 2006) Nesses cinco seacuteculos

o Brasil cultivou a diversidade alimentar agrave qual se conjugaram resquiacutecios da cultura indiacutegena com a superposiccedilatildeo de etnias de diferentes culturas fatores que se

encarregaram de formar nossos haacutebitos alimentares De norte a sul do paiacutes

encontramos uma riqueza culinaacuteria com influecircncias indiacutegenas portuguesas e africanas somadas agraves diversas outras etnias que imigraram para o Brasil e contribuiacuteram para a

formaccedilatildeo da culinaacuteria brasileira (ARAUacuteJO TENSER 2006)

Festa tem que ter comida e bebida A festa seraacute um sucesso se tiver quantidade

e variedade de pratos A festa eacute um bom motivo para as pessoas se reunirem e comer

juntas partilhar celebrar em torno de uma mesa de uma esteira em que lugar for pois a comida une aproxima e revive os traccedilos mais antigos de todas as memoacuterias Feacute

religiosa reuniatildeo de famiacutelias datas ciacutevicas grandes acontecimentos regionais nacionais e internacionais datas pessoais particulares tecircm sempre um ponto em

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comum a comida comida proacutepria para cada tipo dia contexto em que se daacute a

comemoraccedilatildeo (LODY 2008)

A histoacuteria registra que a elaboraccedilatildeo de bolos exista desde o Egito Antigo na forma de patildees adoccedilados com xarope de frutas tacircmaras passas Os antigos gregos e romanos

o aperfeiccediloaram Ainda comenta ndash se que Nero por exemplo os apreciava A real

diferenccedila entre patildees e bolos somente veio a ser caracterizada durante o Renascimento A denominaccedilatildeo teria vindo de bola e os bolos teriam formas associadas a lua e agrave cone

O bolo eacute um alimento agrave base de massa de farinha geralmente doce e cozido no forno

Ainda atualmente os bolos satildeo um dos componentes principais das festas como as de aniversaacuterio e casamento por vezes ornamentados artisticamente e ocupando o lugar

central da mesa No entanto tambeacutem satildeo feitos para serem comidos em lanches ou no cafeacute-da-manhatilde (BARCELO et al 2014)

32 Culinaacuteria Maranhense

Se a histoacuteria do Brasil fosse contada por gastrocircnomos e cozinheiros tudo que noacutes aprendemos na escola teria de ser estudado de novo Como exemplo o caso da

invasatildeo francesa no Maranhatildeo do ponto de vista militar essa tentativa de estabelecer

a chamada Franccedila Equinocial no Brasil foi um rematado fracasso Os franceses fundaram Satildeo Luiacutes em 1612 e apenas dois anos mais tarde foram definitivamente

desalojados de laacute Do ponto de vista gastronocircmico no entanto seu feito foi glorioso Comandada por trecircs aristocratas Daniel de la Touche senhor de la Ravardiegravere o

almirante Franccedilois de Rasilly senhor de Aumers e o financista Nicolas de Sancy senhor

de La Motte e de Gros-Bois a expediccedilatildeo francesa incluiacutea inuacutemeros amigos da boa mesa Enquanto estiveram por aqui comeram do bom e do melhor explorando com meacutetodo

gosto e uma maravilhosa ausecircncia de preconceitos dos recursos culinaacuterios da regiatildeo

(CAVALCANTI 2007) O Maranhatildeo sofreu influecircncia de povos que tiveram grande importacircncia na

formaccedilatildeo do estado o negro iacutendio aacuterabe e o portuguecircs Os doces ou bolos de espeacutecies satildeo uma tradiccedilatildeo portuguesa na eacutepoca das festas natalinas Satildeo doces preparados com

especiarias levada pelos aacuterabes para a Ibeacuteria O oacuteleo de babaccedilu eacute extraiacutedo das

amecircndoas do coco do babaccedilu (Attalea speciosa) palmeira nativa da regiatildeo como pode ser observado nas Figuras 2a 2b e 2c Eacute um oacuteleo finiacutessimo (FIGURA 4b) cujo sabor

lembra levemente o do coco da Bahia (FERNANDES 2005) No Maranhatildeo em 1565 o padre portuguecircs Antocircnio Vieira informava natildeo haver em todo o estado ldquoaccedilougue nem

ribeira nem horta nem tendas onde vendessem as coisas usuais para comer

ordinaacuteriordquo mostrando que a produccedilatildeo ainda era precaacuteria mas que existiam produtos da terra bem explorada pelos indiacutegenas (ORNELLAS 2008)

A mandioca o patildeo no Brasil eacute originaacuteria da Ameacuterica do Sul e confundida

inicialmente pelos portugueses com o inhame africano logo foi reconhecido como alimento fundamental do iacutendio o que prevalece ateacute os dias de hoje Para grande parte

da populaccedilatildeo do Norte e Nordeste do Brasil eacute uma cultura de susbsistecircncia Em regiotildees bem pobres as populaccedilotildees se alimentam quase que exclusivamente de mandioca Satildeo

inuacutemeros os subprodutos da mandioca goma polvilho farinhas de vaacuterias qualidades

beiju puba ou massa de mandioca tapioca sagu Puba ou massa de mandioca eacute uma massa uacutemida de cheiro e sabor azedo obtidas atraveacutes da fermentaccedilatildeo da mandioca As

raiacutezes satildeo mergulhadas em aacutegua por alguns dias ateacute entrarem em decomposiccedilatildeo Nesse estaacutegio satildeo colocadas em sacos de pano friccionadas muito bem lavadas em aacutegua

corrente e transformadas em massa uacutemida Usada em biscoitos bolos e pudins eacute o

principal ingrediente do tradicional bolo Souza Leatildeo de Pernambuco que ficou famoso desde a eacutepoca em que a puba era a principal substituta da cara e escassa farinha de

trigo (KOVESI et al 2007)

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Segundo Cascudo (2004) bolo de mandioca tem como ingredientes massa de mandioca mole ou carimatilde leite de coco ovos accediluacutecar branco sal manteiga Mistura-

se bem e peneira-se a massa levando-a ao forno em forma untada de manteiga Estaraacute pronto quando metendo-se um palito esta sai enxuto Tira-se com cuidado da forma

porque o bolo pode rachar A ciecircncia eacute conseguir a crosta bem assada e o conteuacutedo

ligado mas tenro por igual Eacute o mais prestigiado dos bolos de mandioca Na grande festa oferecida ao Conde drsquoEu e Princesa Isabel em outubro de 1889 quando das bodas

de prata laacute estava o gacircteau manioca

Inventaram-se nas casas grandes do Nordeste brasileiro doces e bolos que tomaram nomes de famiacutelia ou de engenhos Souza Leatildeo Guararapes Dr Constacircncio

Cavalcanti Tia Sinhaacute Dona Dondon cujas receitas se conservaram por muito tempo em segredo agraves vezes passando de matildee para filha Houve no Brasil uma maccedilonaria

das mulheres ao lado da maccedilonaria dos homens a das mulheres especializando-se em

guardar segredo das receitas de doces e bolos de famiacutelia (LIMA 1999 SHINOHARA et al 2013)

Ningueacutem sabe que prodiacutegios teriam produzido a cozinha maranhense se os franceses tivessem conseguido se firmar na cidade de Satildeo Luiacutes entretanto a cozinha

da regiatildeo foi se enriquecendo atraveacutes dos seacuteculos com os temperos e os alimentos que

iam chegando da Aacutefrica e da Europa sem nunca perder o gosto indiacutegena pela diversidade tropical No interior do estado ainda se cultiva a arte dos ensopados de

pacas tatus veados e capivaras preparados no oacuteleo de babaccedilu No sertatildeo o mais comum a qualquer hora do dia eacute o bolo de macaxeira ou de tapioca acompanhando as

travessas de batata doce e fruta patildeo (CAVALCANTI 2007)

No Nordeste satildeo peccedilas regionais ou tradicionais ligadas ao preparo e agrave apresentaccedilatildeo de doces e bolos o pilatildeo de pau o grande para pilar milho o pequeno

para machucar os temperos a colher de pau a grande e pequena consideradas

insubstituiacuteveis para mexer certos doces o quengo de coco o raspador de coco o ralo a urupema a peneira de taquara o abano A folha de bananeira eacute indispensaacutevel na

apresentaccedilatildeo ortodoxa da tapioca molhada jaacute na apresentaccedilatildeo da pamonha natildeo pode faltar a palha do milho (LIMA 1999)

Foram agraves mulheres as responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do gosto brasileiro

detentoras do patrimocircnio culinaacuterio e da transmissatildeo oral dessa cultura secular As tradiccedilotildees familiares e a oralidade permitem a transmissatildeo e a repeticcedilatildeo de receitas que

correspondem ao elo de restauraccedilatildeo da cozinha familiar e tocam o imaginaacuterio afetivo de cada indiviacuteduo A origem quase miacutetica de certos pratos tem uma dimensatildeo afetiva

que vai desde sua preparaccedilatildeo ateacute sua degustaccedilatildeo evocando a magia e o espiacuterito do

lugar (ARAUacuteJO TENSER 2006)

33 Comunidade do Poccedilo Verde

Na comunidade estudada as pessoas sobrevivem de atividades agropecuaacuteria

comercial e de subsistecircncia chamando carinhosamente de roccedilado criando gado de corte e leite galinha caipira suiacutenos e na agricultura principalmente arroz macaxeira

mandioca (produccedilatildeo de puba) jerimum (aboacutebora) feijatildeo milho e pequi As frutas como

o caju manga bacuri pitomba cajaacute seriguela goiaba banana tem em todo quintal As pessoas tambeacutem participam de accedilotildees e programas governamentais

complementando a renda com programas de assistecircncia governamental como bolsa famiacutelia e aposentadoria rural

Uma atividade bastante cultural eacute a coleta e processamento do coco de babaccedilu

observamos nas figuras 2a 2b e 2c desde o peacute da palmeira ateacute a quebra do coco para obtenccedilatildeo de um precioso liacutequido que origina o oacuteleo de babaccedilu para uso culinaacuterio e

produccedilatildeo do sabatildeo em barra da palha para finalidade de artesanato cestos aacutebanos peneiras e esteiras na construccedilatildeo de casas das folhas secas como telhados janelas e

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cercas nos quintais O resultado da obtenccedilatildeo das amecircndoas surge as cascas que iratildeo alimentar os fogotildees e fornos de barros

Figuras 2 2a- palmeira de babaccedilu 2b e 2c- extraccedilatildeo das amecircndoas Fonte autoria proacutepria

Segundo LUZ (2012) confirma que na produccedilatildeo extrativa vegetal do babaccedilu no

Maranhatildeo os principais produtos satildeo o carvatildeo vegetal lenha madeira em tora e oacuteleo Segundo destaca-se a exploraccedilatildeo da palmeira de babaccedilu que aleacutem da amecircndoa - maior

parte eacute comercializada - as famiacutelias rurais produzem azeite utilizado na preparaccedilatildeo de

alimentos e comercializaccedilatildeo em pequena escala exploram ainda o endocarpo na produccedilatildeo de carvatildeo O autor destaca que a matildeo de obra feminina tem nessa atividade

sua principal fonte de renda Segundo Welthem (2012) os aspectos materiais e imateriais natildeo surgem mais como aacutereas separadas mas como um conjunto uacutenico e

coerente de manifestaccedilotildees muacuteltiplas complexas e interdependentes dos inuacutemeros

componentes da cultura material de um grupo social estruturando a sua produtividade aleacutem de sua apreensatildeo enquanto elemento patrimonial

Antes do consumo dos bolos eacute realizada uma missa para reunir a Comunidade do Poccedilo Verde quanto agrave importacircncia da morte e ressureiccedilatildeo de Cristo consagraccedilatildeo e

agradecimento pela fartura na agricultura e pecuaacuteria vida longa para os idosos bom

parto para as graacutevidas e sauacutede para os enfermos (FIGURA 3)

Figura 3 Missa do encontro da comunidade na missa da Paixatildeo de Cristo

Fonte autoria proacutepria

2a 2b 2c

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Posteriormente todos satildeo convidados para degustar os bolos produzidos

(FIGURAS 4a e 4b) acompanhado de cafeacute leite e sucos de frutas (bacuri cajaacute e sapoti) As pessoas que natildeo puderam comparecer satildeo agraciadas com porccedilotildees generosas de

diferentes bolos entregues em cestos de palha em suas residecircncias Esse ato de solidariedade eacute para que nenhum membro se sinta excluiacutedo no evento lituacutergico

promovido pela comunidade do Poccedilo Verde

Figuras 4a e 4b Mesa de degustaccedilatildeo dos bolos apoacutes a missa

Fonte autoria proacutepria

34 Ficha Teacutecnica dos Bolos da Comunidade do poccedilo Verde

Na comunidade pesquisada as senhoras comeccedilam apoacutes o carnaval a armazenar

ovos de capoeira (FIGURA 5a) tambeacutem conhecido como caipira onde todas as famiacutelias

da comunidade tecircm a sua criaccedilatildeo oacuteleo de babaccedilu (FIGURA 5b) massa de mandioca

(FIGURA 5c) este uacuteltimo que apoacutes ser ralada eacute juntada e congelada

Figuras 5 - ovos de capoeira (5a) oacuteleo de babaccedilu (5b) e massa de mandioca (5c)

Fonte autoria proacutepria

Quadro 1 Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo de Puba

5a 5b 5c

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BOLO DE PUBA

Ingredientes Quantidade

Ovos de galinha caipira 40 unidades

Puba (massa de mandioca) 4kilogramas

Oacuteleo de coco de babaccedilu 1 litro

Leite Quanto baste

Sal 20gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes natildeo precisa fermento porque senatildeo racha fica

igual a pele de idosa

Utilizar folhas de bananeira para forrar a forma e asse por 6-7h em um forno de

barro

Fonte autoria proacutepria

Figura 6 Confecccedilatildeo e apresentaccedilatildeo do Bolo de Puba

Fonte autoria proacutepria Na figura 6 observamos que pelo volume de massa a ser misturada as senhoras fazem o esforccedilo em conjunto E no final colocam na mesa para degustaccedilatildeo os bolos

embrulhados nas folhas de bananeira

Quadro 2 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO MANGULAtildeO

Ingredientes Quantidade

Polvilho doce 2 kilogramas

Ovos de galinha caipira 18 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 500 mililitro

Leite Quanto baste

Erva doce Quanto baste

Sal 15gramas

Modo de Preparo

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Hidrate o polvilho com o leite depois cozinhe ateacute formar grumos e soltar da panela junte todos os ingredientes restantes e leve ao forno de barro ateacute que o palito seja

retirado da massa natildeo esteja melado

Fonte autoria proacutepria

Figuras 7a e 7b Assamento do Bolo Mangulatildeo (a) e Bolo Pau de Porteiro (b)

Fonte autoria proacutepria

De acordo com a Figura 7a observamos que eacute utilizado forno de barro para cocccedilatildeo dos bolos aquecido previamente com a queima das cascas do babaccedilu Quando

a temperatura atinge entre 200degC a 250degC eacute retirado o resiacuteduo do carvatildeo e colocado os

bolos para assar A destreza e agilidade com que as senhoras colocam e retiram as bandejas de bolo a capacidade de observaccedilatildeo na transformaccedilatildeo da massa cru em ponto

certo do assado mostram a grande habilidade na arte da culinaacuteria local Figuras 7a e

7b

Quadro 3 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO CACETE OU PAU DE PORTEIRO

Ingredientes Quantidade

Tapioca 1Kilograma

Ovos de galinha caipira 6 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 125mililitro

Leite quente 500 mililitro

Accediluacutecar 400gramas

Sal 7gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes decirc o formado ciliacutendrico e alongado enrole na folha

de bananeira e leve ao forno de barro ateacute que o palito quando espetado saia sem

estar melado

Fonte autoria proacutepria

O uso de folhas de bananeiras para envolver as preparaccedilotildees no processo de

assamento dos alimentos na comunidade descende dos costumes dos iacutendios brasileiros

7a 7b

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tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

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haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

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Page 2: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

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1 INTRODUCcedilAtildeO

A cozinha tem sido equiparada agrave linguagem como esta possui vocaacutebulos

(ingredientes) que satildeo organizados segundo regras gramaticais onde as receitas datildeo sentido aos ingredientes transformando-os em alimentos que compotildeem um cardaacutepio

A analogia natildeo funciona apenas no plano teacutecnico-estrutural mas tambeacutem para os

valores simboacutelicos dos quais ambos os sistemas satildeo portadores Exatamente como a linguagem a cozinha conteacutem e expressa a cultura de quem a pratica eacute depositaacuteria das

tradiccedilotildees e das identidades de grupo Constitui assim um extraordinaacuterio veiacuteculo de auto-representaccedilatildeo e de comunicaccedilatildeo natildeo apenas instrumento de identidade cultural

mas talvez seja o primeiro modo para entrar em contato com culturas diversas pois a

comida auxilia na intermediaccedilatildeo entre culturas diferentes abrindo sistemas culinaacuterios

a todas as formas de invenccedilotildees cruzamentos e modificaccedilotildees (MONTANARI 2009)

Ao longo de mais de 500 anos de histoacuteria a culinaacuteria brasileira eacute resultante de uma grande mistura de tradiccedilotildees ingredientes e alimentos que foram introduzidos natildeo

soacute pela populaccedilatildeo nativa indiacutegena como por todas as correntes de imigraccedilatildeo que

ocorreram neste periacuteodo Cada regiatildeo do paiacutes tem sua peculiaridade gastronocircmica e sua culinaacuteria estaacute adaptada ao clima e agrave geografia Aleacutem disso o proacuteprio descobrimento

do Brasil remete agrave culinaacuteria jaacute que as caravelas portuguesas desembarcaram aqui em

1500 enquanto navegavam em busca das Iacutendias e suas especiarias Devido agraves diferenccedilas de clima relevo tipo de solo de vegetaccedilatildeo e povos habitando uma mesma

regiatildeo eacute muito difiacutecil estabelecer um prato tiacutepico brasileiro (PORTAL BRASIL 2009)

O Maranhatildeo eacute uma dessas regiotildees que por estar entre o norte e o nordeste do

Brasil com caracteriacutesticas das duas regiotildees pode ser considerado um ldquoestado de

transiccedilatildeordquo Na sua capital em Satildeo Luiacutes estaacute presente tanto a culinaacuteria tiacutepica amazocircnica quanto a nordestina Eacute forte a marca africana natildeo apenas na cor de seu povo como nos

temperos de sua comida Mas o uso de pouco tempero e gordura e bem menos pimenta torna a culinaacuteria maranhense mais delicada do que a de seus vizinhos fronteiriccedilos Na

capital e litoral maranhense as caracteriacutesticas amazocircnicas satildeo evidentes na

gastronomia no interior esse panorama muda completamente assumindo a culinaacuteria

de base nordestina (FREIXA CHAVES 2009)

Quanto a Paacutescoa antes de 1970 no Conciacutelio Vaticano II os catoacutelicos romanos deveriam praticar um jejum limitado ndash por exemplo abstinecircncia total de carne bovina

mas consumo limitado de peixe carnes brancas e verduras Em alguns lugares a

manhatilde do Saacutebado de Aleluia eacute dedicada agrave ldquoCelebraccedilatildeo das Dores de Mariardquo onde se recorda a ldquoHora da Matildeerdquo Eacute no Saacutebado de Aleluia que se faz a tradicional Malhaccedilatildeo de

Judas representando a morte de Judas Iscariotes No saacutebado santo ou saacutebado de

aleluia eacute celebrada a Vigiacutelia Pascal depois de anoitecer dando iniacutecio agrave Paacutescoa Eacute no dia em que acende o Ciacuterio Pascal uma grande vela que simboliza a luz de Cristo que ilumina

o mundo Na vela estatildeo gravadas as letras gregas alfa e ocircmega que significam ldquoDeus

eacute o princiacutepio e o fim de tudordquo (BONA 2010)

Quando voltamos nossa atenccedilatildeo ao contexto de celebraccedilatildeo da Semana Santa

que culmina nos dias da sexta-feira da Paixatildeo dia no qual se rememora a morte de Cristo e no domingo de Paacutescoa quando se celebra a sua ressurreiccedilatildeo Ainda que essa

festa possua um caraacuteter generalizado pela sua importacircncia lituacutergica sendo considerado o aacutepice do calendaacuterio ritual catoacutelico como o marco de fim e iniacutecio de um ano-novo essa

generalidade eacute complementada natildeo obstante pela variaccedilatildeo dos modos de celebrar tal

momento em contextos culturais particulares com a singularidade que se observa nos modos ldquolocaisrdquo de celebrar a Semana Santa e consequentemente com a maior ou

menor ecircnfase que passa a ser dada a determinados personagens e fatos (PEREIRA

2015)

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O objetivo dessa pesquisa foi o de registrar o envolvimento da Comunidade do Poccedilo Verde sua forte influecircncia cristatilde e de responsabilidade feminina nessa importante

festividade religiosa tambeacutem em atenccedilatildeo agrave culinaacuteria realizada na Semana Santa em uma cidade do meacutedio sertatildeo maranhense para celebrar a Paixatildeo de Cristo perpetuando

assim a simbologia de uniatildeo da Comunidade

2 MATERIAIS E MEacuteTODOS

21 Aacuterea de Estudo

Marco Histoacuterico

Em 1920 chegava ao local onde hoje se situa a cidade o paraibano Antocircnio Brito Lira acompanhado de seus familiares em busca de melhores condiccedilotildees de vida

jaacute que a seca assolava o estado de origem a Paraiacuteba Ali jaacute encontrou o Sr Joseacute Fernandes que residia soacute e se dizia dono das terras e de quem mais tarde Antocircnio

Brito adquiriu a gleba O novo proprietaacuterio entatildeo deu iniacutecio agrave exploraccedilatildeo agriacutecola

alcanccedilando grande sucesso na produccedilatildeo com a chegada de novos moradores O povoado foi progredindo e tomando outro aspecto com a construccedilatildeo de casas de telha

abertura de estabelecimentos comerciais e crescimento elevado da produccedilatildeo agriacutecola ao ponto de ter que exportar os produtos ateacute para outros Estados Em 1952 foi elevado

agrave categoria de municiacutepio pela lei nordm 841 com o nome de Paraibano em homenagem a

seu fundador (IBGE 2016) Paraibano eacute um municiacutepio do nordeste brasileiro localizado na regiatildeo interiorana

do Maranhatildeo nas coordenadas latitude -6422704 e longitude -43905807 A cidade

encontra-se inserida em aacuterea de cerrado extensatildeo de 530517 km2 cerca de 20103 habitantes (IBGE 2016) Estaacute localizado no meacutedio sertatildeo do Maranhatildeo conforme a

Figura 1a e 1b abaixo

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Estaacute localizado no meacutedio sertatildeo do Maranhatildeo conforme a Figura 1a e 1b abaixo Fonte Google Maps

Figura 1 Localizaccedilatildeo do Brasil na Ameacuterica do Sul (1a) o estado do Maranhatildeo e a

cidade de Paraibano (1b)

O local escolhido foi a Comunidade de Poccedilo Verde que abriga cerca de 50 famiacutelias

preservadas por laccedilos de parentesco O estudo foi registrado com o acompanhamento

junto a 29 (vinte e nove) famiacutelias totalizando 121 membros na comunidade de faixas

etaacuterias e classes sociais distintas que esperam e se preparam o ano todo para celebrar esse divino ato religioso

Foi realizado um levantamento bibliograacutefico a partir de livros siacutetios de acessos perioacutedicos e da administraccedilatildeo puacuteblica que tratam de informaccedilotildees demograacuteficas

culturais sociais e econocircmicas do paiacutes Foram promovidos registros fotograacuteficos das

preparaccedilotildees culinaacuterias nos dias que antecedem e culminam na sexta-feira da Paixatildeo de Cristo e Domingo de Ramos na comunidade

As massas de mandioca ou puba como eacute conhecida no nordeste brasileiro foram preparadas com antecedecircncia pela proacutepria comunidade atraveacutes do trabalho coletivo das

mulheres geralmente comandadas pelas matriarcas que transferem a tradiccedilatildeo da

confecccedilatildeo de bolos especiais para festejar a Semana Santa tradiccedilatildeo religiosacatoacutelica que celebra a Paixatildeo a Morte e a ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo Ela se inicia no Domingo

de Ramos que relembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusaleacutem e termina com a

ressurreiccedilatildeo de Jesus que ocorre no domingo de Paacutescoa

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3 Resultados e Discussatildeo

31 Brasil Culinaacuterio

Comer eacute mais que ingerir um alimento significa tambeacutem as relaccedilotildees pessoais

sociais e culturais que estatildeo envolvidas naquele ato A cultura alimentar estaacute diretamente ligada com a manifestaccedilatildeo das pessoas na sociedade Alimento eacute um dos

requerimentos baacutesicos para a existecircncia de um povo e a aquisiccedilatildeo desta comida desempenha um papel importante na formaccedilatildeo de qualquer cultura Os meacutetodos de

procurar e processar estes alimentos estatildeo intimamente ligados agrave expressatildeo cultural e

social de um povo A comida eacute uma expressatildeo cultural distinta que envolve aspectos relacionais e interaccedilatildeo social no ato de ingestatildeo de alguns alimentos (LEONARDO

2009)

A padronizaccedilatildeo cultural da alimentaccedilatildeo natildeo reflete senatildeo o fato baacutesico de que a

organizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais entre os homens e a satisfaccedilatildeo de suas necessidades

eacute regulada atraveacutes de normas siacutembolos e valores coletivamente partilhados Do mesmo modo que o homem regulamenta a comunicaccedilatildeo atraveacutes de siacutembolos (o siacutembolo em si

mesmo uma regra que estabelece como as coisas devem ser denominadas) estabelece normas para sua alimentaccedilatildeo A culinaacuteria pois do ponto de vista socioloacutegico mais natildeo

eacute senatildeo um conjunto de preceitos referente agrave preparaccedilatildeo de alimentos Como ocorre

com a linguagem a consolidaccedilatildeo da culinaacuteria de um povo natildeo se faz senatildeo ao cabo de longa experiecircncia cultural Natildeo haacute duacutevida que a culinaacuteria se trata de um dos mais

sofisticados produtos da cultura Imaginem a longa e paciente experiecircncia de

combinaccedilotildees de aproveitamento novo da flora e da fauna tropical de experimentaccedilatildeo

ldquoalquiacutemicardquo no Brasil veio a resultar sua culinaacuteria proacutepria (MAIOR 2012)

A origem do nosso povo acrescida de fatores como a geografia do paiacutes fez com que a cozinha brasileira variasse bastante de um lugar para outro embora existam

caracteriacutesticas comuns a determinadas aacutereas Satildeo esses traccedilos caracteriacutesticos que

determinam vaacuterias cozinhas regionais em nosso paiacutes cozinhas essas que estatildeo se trocando constantemente de norte a sul com modificaccedilotildees e adaptaccedilotildees locais Para

se entender a culinaacuteria nordestina eacute necessaacuterio compreender que no Brasil natildeo existe um nordeste mas sim vaacuterios cada um com a sua cultura a cultura da heroacuteica resistecircncia

agraves estiagens ou da fartura do litoral com praias beliacutessimas e uacutenicas (LEAL 1998)

A culinaacuteria brasileira eacute produto da tradiccedilatildeo cultural dos valores da populaccedilatildeo bem como da localizaccedilatildeo geograacutefica da regiatildeo em questatildeo As diversificadas

preparaccedilotildees surgiram em funccedilatildeo da cultura indiacutegena africana dos grupos europeus

que colonizaram determinadas regiotildees da proximidade com rios ou com o mar e ateacute mesmo das condiccedilotildees pluviomeacutetricas e do solo (PHILIPPI 2006) Nesses cinco seacuteculos

o Brasil cultivou a diversidade alimentar agrave qual se conjugaram resquiacutecios da cultura indiacutegena com a superposiccedilatildeo de etnias de diferentes culturas fatores que se

encarregaram de formar nossos haacutebitos alimentares De norte a sul do paiacutes

encontramos uma riqueza culinaacuteria com influecircncias indiacutegenas portuguesas e africanas somadas agraves diversas outras etnias que imigraram para o Brasil e contribuiacuteram para a

formaccedilatildeo da culinaacuteria brasileira (ARAUacuteJO TENSER 2006)

Festa tem que ter comida e bebida A festa seraacute um sucesso se tiver quantidade

e variedade de pratos A festa eacute um bom motivo para as pessoas se reunirem e comer

juntas partilhar celebrar em torno de uma mesa de uma esteira em que lugar for pois a comida une aproxima e revive os traccedilos mais antigos de todas as memoacuterias Feacute

religiosa reuniatildeo de famiacutelias datas ciacutevicas grandes acontecimentos regionais nacionais e internacionais datas pessoais particulares tecircm sempre um ponto em

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comum a comida comida proacutepria para cada tipo dia contexto em que se daacute a

comemoraccedilatildeo (LODY 2008)

A histoacuteria registra que a elaboraccedilatildeo de bolos exista desde o Egito Antigo na forma de patildees adoccedilados com xarope de frutas tacircmaras passas Os antigos gregos e romanos

o aperfeiccediloaram Ainda comenta ndash se que Nero por exemplo os apreciava A real

diferenccedila entre patildees e bolos somente veio a ser caracterizada durante o Renascimento A denominaccedilatildeo teria vindo de bola e os bolos teriam formas associadas a lua e agrave cone

O bolo eacute um alimento agrave base de massa de farinha geralmente doce e cozido no forno

Ainda atualmente os bolos satildeo um dos componentes principais das festas como as de aniversaacuterio e casamento por vezes ornamentados artisticamente e ocupando o lugar

central da mesa No entanto tambeacutem satildeo feitos para serem comidos em lanches ou no cafeacute-da-manhatilde (BARCELO et al 2014)

32 Culinaacuteria Maranhense

Se a histoacuteria do Brasil fosse contada por gastrocircnomos e cozinheiros tudo que noacutes aprendemos na escola teria de ser estudado de novo Como exemplo o caso da

invasatildeo francesa no Maranhatildeo do ponto de vista militar essa tentativa de estabelecer

a chamada Franccedila Equinocial no Brasil foi um rematado fracasso Os franceses fundaram Satildeo Luiacutes em 1612 e apenas dois anos mais tarde foram definitivamente

desalojados de laacute Do ponto de vista gastronocircmico no entanto seu feito foi glorioso Comandada por trecircs aristocratas Daniel de la Touche senhor de la Ravardiegravere o

almirante Franccedilois de Rasilly senhor de Aumers e o financista Nicolas de Sancy senhor

de La Motte e de Gros-Bois a expediccedilatildeo francesa incluiacutea inuacutemeros amigos da boa mesa Enquanto estiveram por aqui comeram do bom e do melhor explorando com meacutetodo

gosto e uma maravilhosa ausecircncia de preconceitos dos recursos culinaacuterios da regiatildeo

(CAVALCANTI 2007) O Maranhatildeo sofreu influecircncia de povos que tiveram grande importacircncia na

formaccedilatildeo do estado o negro iacutendio aacuterabe e o portuguecircs Os doces ou bolos de espeacutecies satildeo uma tradiccedilatildeo portuguesa na eacutepoca das festas natalinas Satildeo doces preparados com

especiarias levada pelos aacuterabes para a Ibeacuteria O oacuteleo de babaccedilu eacute extraiacutedo das

amecircndoas do coco do babaccedilu (Attalea speciosa) palmeira nativa da regiatildeo como pode ser observado nas Figuras 2a 2b e 2c Eacute um oacuteleo finiacutessimo (FIGURA 4b) cujo sabor

lembra levemente o do coco da Bahia (FERNANDES 2005) No Maranhatildeo em 1565 o padre portuguecircs Antocircnio Vieira informava natildeo haver em todo o estado ldquoaccedilougue nem

ribeira nem horta nem tendas onde vendessem as coisas usuais para comer

ordinaacuteriordquo mostrando que a produccedilatildeo ainda era precaacuteria mas que existiam produtos da terra bem explorada pelos indiacutegenas (ORNELLAS 2008)

A mandioca o patildeo no Brasil eacute originaacuteria da Ameacuterica do Sul e confundida

inicialmente pelos portugueses com o inhame africano logo foi reconhecido como alimento fundamental do iacutendio o que prevalece ateacute os dias de hoje Para grande parte

da populaccedilatildeo do Norte e Nordeste do Brasil eacute uma cultura de susbsistecircncia Em regiotildees bem pobres as populaccedilotildees se alimentam quase que exclusivamente de mandioca Satildeo

inuacutemeros os subprodutos da mandioca goma polvilho farinhas de vaacuterias qualidades

beiju puba ou massa de mandioca tapioca sagu Puba ou massa de mandioca eacute uma massa uacutemida de cheiro e sabor azedo obtidas atraveacutes da fermentaccedilatildeo da mandioca As

raiacutezes satildeo mergulhadas em aacutegua por alguns dias ateacute entrarem em decomposiccedilatildeo Nesse estaacutegio satildeo colocadas em sacos de pano friccionadas muito bem lavadas em aacutegua

corrente e transformadas em massa uacutemida Usada em biscoitos bolos e pudins eacute o

principal ingrediente do tradicional bolo Souza Leatildeo de Pernambuco que ficou famoso desde a eacutepoca em que a puba era a principal substituta da cara e escassa farinha de

trigo (KOVESI et al 2007)

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Segundo Cascudo (2004) bolo de mandioca tem como ingredientes massa de mandioca mole ou carimatilde leite de coco ovos accediluacutecar branco sal manteiga Mistura-

se bem e peneira-se a massa levando-a ao forno em forma untada de manteiga Estaraacute pronto quando metendo-se um palito esta sai enxuto Tira-se com cuidado da forma

porque o bolo pode rachar A ciecircncia eacute conseguir a crosta bem assada e o conteuacutedo

ligado mas tenro por igual Eacute o mais prestigiado dos bolos de mandioca Na grande festa oferecida ao Conde drsquoEu e Princesa Isabel em outubro de 1889 quando das bodas

de prata laacute estava o gacircteau manioca

Inventaram-se nas casas grandes do Nordeste brasileiro doces e bolos que tomaram nomes de famiacutelia ou de engenhos Souza Leatildeo Guararapes Dr Constacircncio

Cavalcanti Tia Sinhaacute Dona Dondon cujas receitas se conservaram por muito tempo em segredo agraves vezes passando de matildee para filha Houve no Brasil uma maccedilonaria

das mulheres ao lado da maccedilonaria dos homens a das mulheres especializando-se em

guardar segredo das receitas de doces e bolos de famiacutelia (LIMA 1999 SHINOHARA et al 2013)

Ningueacutem sabe que prodiacutegios teriam produzido a cozinha maranhense se os franceses tivessem conseguido se firmar na cidade de Satildeo Luiacutes entretanto a cozinha

da regiatildeo foi se enriquecendo atraveacutes dos seacuteculos com os temperos e os alimentos que

iam chegando da Aacutefrica e da Europa sem nunca perder o gosto indiacutegena pela diversidade tropical No interior do estado ainda se cultiva a arte dos ensopados de

pacas tatus veados e capivaras preparados no oacuteleo de babaccedilu No sertatildeo o mais comum a qualquer hora do dia eacute o bolo de macaxeira ou de tapioca acompanhando as

travessas de batata doce e fruta patildeo (CAVALCANTI 2007)

No Nordeste satildeo peccedilas regionais ou tradicionais ligadas ao preparo e agrave apresentaccedilatildeo de doces e bolos o pilatildeo de pau o grande para pilar milho o pequeno

para machucar os temperos a colher de pau a grande e pequena consideradas

insubstituiacuteveis para mexer certos doces o quengo de coco o raspador de coco o ralo a urupema a peneira de taquara o abano A folha de bananeira eacute indispensaacutevel na

apresentaccedilatildeo ortodoxa da tapioca molhada jaacute na apresentaccedilatildeo da pamonha natildeo pode faltar a palha do milho (LIMA 1999)

Foram agraves mulheres as responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do gosto brasileiro

detentoras do patrimocircnio culinaacuterio e da transmissatildeo oral dessa cultura secular As tradiccedilotildees familiares e a oralidade permitem a transmissatildeo e a repeticcedilatildeo de receitas que

correspondem ao elo de restauraccedilatildeo da cozinha familiar e tocam o imaginaacuterio afetivo de cada indiviacuteduo A origem quase miacutetica de certos pratos tem uma dimensatildeo afetiva

que vai desde sua preparaccedilatildeo ateacute sua degustaccedilatildeo evocando a magia e o espiacuterito do

lugar (ARAUacuteJO TENSER 2006)

33 Comunidade do Poccedilo Verde

Na comunidade estudada as pessoas sobrevivem de atividades agropecuaacuteria

comercial e de subsistecircncia chamando carinhosamente de roccedilado criando gado de corte e leite galinha caipira suiacutenos e na agricultura principalmente arroz macaxeira

mandioca (produccedilatildeo de puba) jerimum (aboacutebora) feijatildeo milho e pequi As frutas como

o caju manga bacuri pitomba cajaacute seriguela goiaba banana tem em todo quintal As pessoas tambeacutem participam de accedilotildees e programas governamentais

complementando a renda com programas de assistecircncia governamental como bolsa famiacutelia e aposentadoria rural

Uma atividade bastante cultural eacute a coleta e processamento do coco de babaccedilu

observamos nas figuras 2a 2b e 2c desde o peacute da palmeira ateacute a quebra do coco para obtenccedilatildeo de um precioso liacutequido que origina o oacuteleo de babaccedilu para uso culinaacuterio e

produccedilatildeo do sabatildeo em barra da palha para finalidade de artesanato cestos aacutebanos peneiras e esteiras na construccedilatildeo de casas das folhas secas como telhados janelas e

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cercas nos quintais O resultado da obtenccedilatildeo das amecircndoas surge as cascas que iratildeo alimentar os fogotildees e fornos de barros

Figuras 2 2a- palmeira de babaccedilu 2b e 2c- extraccedilatildeo das amecircndoas Fonte autoria proacutepria

Segundo LUZ (2012) confirma que na produccedilatildeo extrativa vegetal do babaccedilu no

Maranhatildeo os principais produtos satildeo o carvatildeo vegetal lenha madeira em tora e oacuteleo Segundo destaca-se a exploraccedilatildeo da palmeira de babaccedilu que aleacutem da amecircndoa - maior

parte eacute comercializada - as famiacutelias rurais produzem azeite utilizado na preparaccedilatildeo de

alimentos e comercializaccedilatildeo em pequena escala exploram ainda o endocarpo na produccedilatildeo de carvatildeo O autor destaca que a matildeo de obra feminina tem nessa atividade

sua principal fonte de renda Segundo Welthem (2012) os aspectos materiais e imateriais natildeo surgem mais como aacutereas separadas mas como um conjunto uacutenico e

coerente de manifestaccedilotildees muacuteltiplas complexas e interdependentes dos inuacutemeros

componentes da cultura material de um grupo social estruturando a sua produtividade aleacutem de sua apreensatildeo enquanto elemento patrimonial

Antes do consumo dos bolos eacute realizada uma missa para reunir a Comunidade do Poccedilo Verde quanto agrave importacircncia da morte e ressureiccedilatildeo de Cristo consagraccedilatildeo e

agradecimento pela fartura na agricultura e pecuaacuteria vida longa para os idosos bom

parto para as graacutevidas e sauacutede para os enfermos (FIGURA 3)

Figura 3 Missa do encontro da comunidade na missa da Paixatildeo de Cristo

Fonte autoria proacutepria

2a 2b 2c

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Posteriormente todos satildeo convidados para degustar os bolos produzidos

(FIGURAS 4a e 4b) acompanhado de cafeacute leite e sucos de frutas (bacuri cajaacute e sapoti) As pessoas que natildeo puderam comparecer satildeo agraciadas com porccedilotildees generosas de

diferentes bolos entregues em cestos de palha em suas residecircncias Esse ato de solidariedade eacute para que nenhum membro se sinta excluiacutedo no evento lituacutergico

promovido pela comunidade do Poccedilo Verde

Figuras 4a e 4b Mesa de degustaccedilatildeo dos bolos apoacutes a missa

Fonte autoria proacutepria

34 Ficha Teacutecnica dos Bolos da Comunidade do poccedilo Verde

Na comunidade pesquisada as senhoras comeccedilam apoacutes o carnaval a armazenar

ovos de capoeira (FIGURA 5a) tambeacutem conhecido como caipira onde todas as famiacutelias

da comunidade tecircm a sua criaccedilatildeo oacuteleo de babaccedilu (FIGURA 5b) massa de mandioca

(FIGURA 5c) este uacuteltimo que apoacutes ser ralada eacute juntada e congelada

Figuras 5 - ovos de capoeira (5a) oacuteleo de babaccedilu (5b) e massa de mandioca (5c)

Fonte autoria proacutepria

Quadro 1 Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo de Puba

5a 5b 5c

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BOLO DE PUBA

Ingredientes Quantidade

Ovos de galinha caipira 40 unidades

Puba (massa de mandioca) 4kilogramas

Oacuteleo de coco de babaccedilu 1 litro

Leite Quanto baste

Sal 20gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes natildeo precisa fermento porque senatildeo racha fica

igual a pele de idosa

Utilizar folhas de bananeira para forrar a forma e asse por 6-7h em um forno de

barro

Fonte autoria proacutepria

Figura 6 Confecccedilatildeo e apresentaccedilatildeo do Bolo de Puba

Fonte autoria proacutepria Na figura 6 observamos que pelo volume de massa a ser misturada as senhoras fazem o esforccedilo em conjunto E no final colocam na mesa para degustaccedilatildeo os bolos

embrulhados nas folhas de bananeira

Quadro 2 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO MANGULAtildeO

Ingredientes Quantidade

Polvilho doce 2 kilogramas

Ovos de galinha caipira 18 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 500 mililitro

Leite Quanto baste

Erva doce Quanto baste

Sal 15gramas

Modo de Preparo

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Hidrate o polvilho com o leite depois cozinhe ateacute formar grumos e soltar da panela junte todos os ingredientes restantes e leve ao forno de barro ateacute que o palito seja

retirado da massa natildeo esteja melado

Fonte autoria proacutepria

Figuras 7a e 7b Assamento do Bolo Mangulatildeo (a) e Bolo Pau de Porteiro (b)

Fonte autoria proacutepria

De acordo com a Figura 7a observamos que eacute utilizado forno de barro para cocccedilatildeo dos bolos aquecido previamente com a queima das cascas do babaccedilu Quando

a temperatura atinge entre 200degC a 250degC eacute retirado o resiacuteduo do carvatildeo e colocado os

bolos para assar A destreza e agilidade com que as senhoras colocam e retiram as bandejas de bolo a capacidade de observaccedilatildeo na transformaccedilatildeo da massa cru em ponto

certo do assado mostram a grande habilidade na arte da culinaacuteria local Figuras 7a e

7b

Quadro 3 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO CACETE OU PAU DE PORTEIRO

Ingredientes Quantidade

Tapioca 1Kilograma

Ovos de galinha caipira 6 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 125mililitro

Leite quente 500 mililitro

Accediluacutecar 400gramas

Sal 7gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes decirc o formado ciliacutendrico e alongado enrole na folha

de bananeira e leve ao forno de barro ateacute que o palito quando espetado saia sem

estar melado

Fonte autoria proacutepria

O uso de folhas de bananeiras para envolver as preparaccedilotildees no processo de

assamento dos alimentos na comunidade descende dos costumes dos iacutendios brasileiros

7a 7b

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tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

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haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

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O objetivo dessa pesquisa foi o de registrar o envolvimento da Comunidade do Poccedilo Verde sua forte influecircncia cristatilde e de responsabilidade feminina nessa importante

festividade religiosa tambeacutem em atenccedilatildeo agrave culinaacuteria realizada na Semana Santa em uma cidade do meacutedio sertatildeo maranhense para celebrar a Paixatildeo de Cristo perpetuando

assim a simbologia de uniatildeo da Comunidade

2 MATERIAIS E MEacuteTODOS

21 Aacuterea de Estudo

Marco Histoacuterico

Em 1920 chegava ao local onde hoje se situa a cidade o paraibano Antocircnio Brito Lira acompanhado de seus familiares em busca de melhores condiccedilotildees de vida

jaacute que a seca assolava o estado de origem a Paraiacuteba Ali jaacute encontrou o Sr Joseacute Fernandes que residia soacute e se dizia dono das terras e de quem mais tarde Antocircnio

Brito adquiriu a gleba O novo proprietaacuterio entatildeo deu iniacutecio agrave exploraccedilatildeo agriacutecola

alcanccedilando grande sucesso na produccedilatildeo com a chegada de novos moradores O povoado foi progredindo e tomando outro aspecto com a construccedilatildeo de casas de telha

abertura de estabelecimentos comerciais e crescimento elevado da produccedilatildeo agriacutecola ao ponto de ter que exportar os produtos ateacute para outros Estados Em 1952 foi elevado

agrave categoria de municiacutepio pela lei nordm 841 com o nome de Paraibano em homenagem a

seu fundador (IBGE 2016) Paraibano eacute um municiacutepio do nordeste brasileiro localizado na regiatildeo interiorana

do Maranhatildeo nas coordenadas latitude -6422704 e longitude -43905807 A cidade

encontra-se inserida em aacuterea de cerrado extensatildeo de 530517 km2 cerca de 20103 habitantes (IBGE 2016) Estaacute localizado no meacutedio sertatildeo do Maranhatildeo conforme a

Figura 1a e 1b abaixo

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Estaacute localizado no meacutedio sertatildeo do Maranhatildeo conforme a Figura 1a e 1b abaixo Fonte Google Maps

Figura 1 Localizaccedilatildeo do Brasil na Ameacuterica do Sul (1a) o estado do Maranhatildeo e a

cidade de Paraibano (1b)

O local escolhido foi a Comunidade de Poccedilo Verde que abriga cerca de 50 famiacutelias

preservadas por laccedilos de parentesco O estudo foi registrado com o acompanhamento

junto a 29 (vinte e nove) famiacutelias totalizando 121 membros na comunidade de faixas

etaacuterias e classes sociais distintas que esperam e se preparam o ano todo para celebrar esse divino ato religioso

Foi realizado um levantamento bibliograacutefico a partir de livros siacutetios de acessos perioacutedicos e da administraccedilatildeo puacuteblica que tratam de informaccedilotildees demograacuteficas

culturais sociais e econocircmicas do paiacutes Foram promovidos registros fotograacuteficos das

preparaccedilotildees culinaacuterias nos dias que antecedem e culminam na sexta-feira da Paixatildeo de Cristo e Domingo de Ramos na comunidade

As massas de mandioca ou puba como eacute conhecida no nordeste brasileiro foram preparadas com antecedecircncia pela proacutepria comunidade atraveacutes do trabalho coletivo das

mulheres geralmente comandadas pelas matriarcas que transferem a tradiccedilatildeo da

confecccedilatildeo de bolos especiais para festejar a Semana Santa tradiccedilatildeo religiosacatoacutelica que celebra a Paixatildeo a Morte e a ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo Ela se inicia no Domingo

de Ramos que relembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusaleacutem e termina com a

ressurreiccedilatildeo de Jesus que ocorre no domingo de Paacutescoa

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3 Resultados e Discussatildeo

31 Brasil Culinaacuterio

Comer eacute mais que ingerir um alimento significa tambeacutem as relaccedilotildees pessoais

sociais e culturais que estatildeo envolvidas naquele ato A cultura alimentar estaacute diretamente ligada com a manifestaccedilatildeo das pessoas na sociedade Alimento eacute um dos

requerimentos baacutesicos para a existecircncia de um povo e a aquisiccedilatildeo desta comida desempenha um papel importante na formaccedilatildeo de qualquer cultura Os meacutetodos de

procurar e processar estes alimentos estatildeo intimamente ligados agrave expressatildeo cultural e

social de um povo A comida eacute uma expressatildeo cultural distinta que envolve aspectos relacionais e interaccedilatildeo social no ato de ingestatildeo de alguns alimentos (LEONARDO

2009)

A padronizaccedilatildeo cultural da alimentaccedilatildeo natildeo reflete senatildeo o fato baacutesico de que a

organizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais entre os homens e a satisfaccedilatildeo de suas necessidades

eacute regulada atraveacutes de normas siacutembolos e valores coletivamente partilhados Do mesmo modo que o homem regulamenta a comunicaccedilatildeo atraveacutes de siacutembolos (o siacutembolo em si

mesmo uma regra que estabelece como as coisas devem ser denominadas) estabelece normas para sua alimentaccedilatildeo A culinaacuteria pois do ponto de vista socioloacutegico mais natildeo

eacute senatildeo um conjunto de preceitos referente agrave preparaccedilatildeo de alimentos Como ocorre

com a linguagem a consolidaccedilatildeo da culinaacuteria de um povo natildeo se faz senatildeo ao cabo de longa experiecircncia cultural Natildeo haacute duacutevida que a culinaacuteria se trata de um dos mais

sofisticados produtos da cultura Imaginem a longa e paciente experiecircncia de

combinaccedilotildees de aproveitamento novo da flora e da fauna tropical de experimentaccedilatildeo

ldquoalquiacutemicardquo no Brasil veio a resultar sua culinaacuteria proacutepria (MAIOR 2012)

A origem do nosso povo acrescida de fatores como a geografia do paiacutes fez com que a cozinha brasileira variasse bastante de um lugar para outro embora existam

caracteriacutesticas comuns a determinadas aacutereas Satildeo esses traccedilos caracteriacutesticos que

determinam vaacuterias cozinhas regionais em nosso paiacutes cozinhas essas que estatildeo se trocando constantemente de norte a sul com modificaccedilotildees e adaptaccedilotildees locais Para

se entender a culinaacuteria nordestina eacute necessaacuterio compreender que no Brasil natildeo existe um nordeste mas sim vaacuterios cada um com a sua cultura a cultura da heroacuteica resistecircncia

agraves estiagens ou da fartura do litoral com praias beliacutessimas e uacutenicas (LEAL 1998)

A culinaacuteria brasileira eacute produto da tradiccedilatildeo cultural dos valores da populaccedilatildeo bem como da localizaccedilatildeo geograacutefica da regiatildeo em questatildeo As diversificadas

preparaccedilotildees surgiram em funccedilatildeo da cultura indiacutegena africana dos grupos europeus

que colonizaram determinadas regiotildees da proximidade com rios ou com o mar e ateacute mesmo das condiccedilotildees pluviomeacutetricas e do solo (PHILIPPI 2006) Nesses cinco seacuteculos

o Brasil cultivou a diversidade alimentar agrave qual se conjugaram resquiacutecios da cultura indiacutegena com a superposiccedilatildeo de etnias de diferentes culturas fatores que se

encarregaram de formar nossos haacutebitos alimentares De norte a sul do paiacutes

encontramos uma riqueza culinaacuteria com influecircncias indiacutegenas portuguesas e africanas somadas agraves diversas outras etnias que imigraram para o Brasil e contribuiacuteram para a

formaccedilatildeo da culinaacuteria brasileira (ARAUacuteJO TENSER 2006)

Festa tem que ter comida e bebida A festa seraacute um sucesso se tiver quantidade

e variedade de pratos A festa eacute um bom motivo para as pessoas se reunirem e comer

juntas partilhar celebrar em torno de uma mesa de uma esteira em que lugar for pois a comida une aproxima e revive os traccedilos mais antigos de todas as memoacuterias Feacute

religiosa reuniatildeo de famiacutelias datas ciacutevicas grandes acontecimentos regionais nacionais e internacionais datas pessoais particulares tecircm sempre um ponto em

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comum a comida comida proacutepria para cada tipo dia contexto em que se daacute a

comemoraccedilatildeo (LODY 2008)

A histoacuteria registra que a elaboraccedilatildeo de bolos exista desde o Egito Antigo na forma de patildees adoccedilados com xarope de frutas tacircmaras passas Os antigos gregos e romanos

o aperfeiccediloaram Ainda comenta ndash se que Nero por exemplo os apreciava A real

diferenccedila entre patildees e bolos somente veio a ser caracterizada durante o Renascimento A denominaccedilatildeo teria vindo de bola e os bolos teriam formas associadas a lua e agrave cone

O bolo eacute um alimento agrave base de massa de farinha geralmente doce e cozido no forno

Ainda atualmente os bolos satildeo um dos componentes principais das festas como as de aniversaacuterio e casamento por vezes ornamentados artisticamente e ocupando o lugar

central da mesa No entanto tambeacutem satildeo feitos para serem comidos em lanches ou no cafeacute-da-manhatilde (BARCELO et al 2014)

32 Culinaacuteria Maranhense

Se a histoacuteria do Brasil fosse contada por gastrocircnomos e cozinheiros tudo que noacutes aprendemos na escola teria de ser estudado de novo Como exemplo o caso da

invasatildeo francesa no Maranhatildeo do ponto de vista militar essa tentativa de estabelecer

a chamada Franccedila Equinocial no Brasil foi um rematado fracasso Os franceses fundaram Satildeo Luiacutes em 1612 e apenas dois anos mais tarde foram definitivamente

desalojados de laacute Do ponto de vista gastronocircmico no entanto seu feito foi glorioso Comandada por trecircs aristocratas Daniel de la Touche senhor de la Ravardiegravere o

almirante Franccedilois de Rasilly senhor de Aumers e o financista Nicolas de Sancy senhor

de La Motte e de Gros-Bois a expediccedilatildeo francesa incluiacutea inuacutemeros amigos da boa mesa Enquanto estiveram por aqui comeram do bom e do melhor explorando com meacutetodo

gosto e uma maravilhosa ausecircncia de preconceitos dos recursos culinaacuterios da regiatildeo

(CAVALCANTI 2007) O Maranhatildeo sofreu influecircncia de povos que tiveram grande importacircncia na

formaccedilatildeo do estado o negro iacutendio aacuterabe e o portuguecircs Os doces ou bolos de espeacutecies satildeo uma tradiccedilatildeo portuguesa na eacutepoca das festas natalinas Satildeo doces preparados com

especiarias levada pelos aacuterabes para a Ibeacuteria O oacuteleo de babaccedilu eacute extraiacutedo das

amecircndoas do coco do babaccedilu (Attalea speciosa) palmeira nativa da regiatildeo como pode ser observado nas Figuras 2a 2b e 2c Eacute um oacuteleo finiacutessimo (FIGURA 4b) cujo sabor

lembra levemente o do coco da Bahia (FERNANDES 2005) No Maranhatildeo em 1565 o padre portuguecircs Antocircnio Vieira informava natildeo haver em todo o estado ldquoaccedilougue nem

ribeira nem horta nem tendas onde vendessem as coisas usuais para comer

ordinaacuteriordquo mostrando que a produccedilatildeo ainda era precaacuteria mas que existiam produtos da terra bem explorada pelos indiacutegenas (ORNELLAS 2008)

A mandioca o patildeo no Brasil eacute originaacuteria da Ameacuterica do Sul e confundida

inicialmente pelos portugueses com o inhame africano logo foi reconhecido como alimento fundamental do iacutendio o que prevalece ateacute os dias de hoje Para grande parte

da populaccedilatildeo do Norte e Nordeste do Brasil eacute uma cultura de susbsistecircncia Em regiotildees bem pobres as populaccedilotildees se alimentam quase que exclusivamente de mandioca Satildeo

inuacutemeros os subprodutos da mandioca goma polvilho farinhas de vaacuterias qualidades

beiju puba ou massa de mandioca tapioca sagu Puba ou massa de mandioca eacute uma massa uacutemida de cheiro e sabor azedo obtidas atraveacutes da fermentaccedilatildeo da mandioca As

raiacutezes satildeo mergulhadas em aacutegua por alguns dias ateacute entrarem em decomposiccedilatildeo Nesse estaacutegio satildeo colocadas em sacos de pano friccionadas muito bem lavadas em aacutegua

corrente e transformadas em massa uacutemida Usada em biscoitos bolos e pudins eacute o

principal ingrediente do tradicional bolo Souza Leatildeo de Pernambuco que ficou famoso desde a eacutepoca em que a puba era a principal substituta da cara e escassa farinha de

trigo (KOVESI et al 2007)

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Segundo Cascudo (2004) bolo de mandioca tem como ingredientes massa de mandioca mole ou carimatilde leite de coco ovos accediluacutecar branco sal manteiga Mistura-

se bem e peneira-se a massa levando-a ao forno em forma untada de manteiga Estaraacute pronto quando metendo-se um palito esta sai enxuto Tira-se com cuidado da forma

porque o bolo pode rachar A ciecircncia eacute conseguir a crosta bem assada e o conteuacutedo

ligado mas tenro por igual Eacute o mais prestigiado dos bolos de mandioca Na grande festa oferecida ao Conde drsquoEu e Princesa Isabel em outubro de 1889 quando das bodas

de prata laacute estava o gacircteau manioca

Inventaram-se nas casas grandes do Nordeste brasileiro doces e bolos que tomaram nomes de famiacutelia ou de engenhos Souza Leatildeo Guararapes Dr Constacircncio

Cavalcanti Tia Sinhaacute Dona Dondon cujas receitas se conservaram por muito tempo em segredo agraves vezes passando de matildee para filha Houve no Brasil uma maccedilonaria

das mulheres ao lado da maccedilonaria dos homens a das mulheres especializando-se em

guardar segredo das receitas de doces e bolos de famiacutelia (LIMA 1999 SHINOHARA et al 2013)

Ningueacutem sabe que prodiacutegios teriam produzido a cozinha maranhense se os franceses tivessem conseguido se firmar na cidade de Satildeo Luiacutes entretanto a cozinha

da regiatildeo foi se enriquecendo atraveacutes dos seacuteculos com os temperos e os alimentos que

iam chegando da Aacutefrica e da Europa sem nunca perder o gosto indiacutegena pela diversidade tropical No interior do estado ainda se cultiva a arte dos ensopados de

pacas tatus veados e capivaras preparados no oacuteleo de babaccedilu No sertatildeo o mais comum a qualquer hora do dia eacute o bolo de macaxeira ou de tapioca acompanhando as

travessas de batata doce e fruta patildeo (CAVALCANTI 2007)

No Nordeste satildeo peccedilas regionais ou tradicionais ligadas ao preparo e agrave apresentaccedilatildeo de doces e bolos o pilatildeo de pau o grande para pilar milho o pequeno

para machucar os temperos a colher de pau a grande e pequena consideradas

insubstituiacuteveis para mexer certos doces o quengo de coco o raspador de coco o ralo a urupema a peneira de taquara o abano A folha de bananeira eacute indispensaacutevel na

apresentaccedilatildeo ortodoxa da tapioca molhada jaacute na apresentaccedilatildeo da pamonha natildeo pode faltar a palha do milho (LIMA 1999)

Foram agraves mulheres as responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do gosto brasileiro

detentoras do patrimocircnio culinaacuterio e da transmissatildeo oral dessa cultura secular As tradiccedilotildees familiares e a oralidade permitem a transmissatildeo e a repeticcedilatildeo de receitas que

correspondem ao elo de restauraccedilatildeo da cozinha familiar e tocam o imaginaacuterio afetivo de cada indiviacuteduo A origem quase miacutetica de certos pratos tem uma dimensatildeo afetiva

que vai desde sua preparaccedilatildeo ateacute sua degustaccedilatildeo evocando a magia e o espiacuterito do

lugar (ARAUacuteJO TENSER 2006)

33 Comunidade do Poccedilo Verde

Na comunidade estudada as pessoas sobrevivem de atividades agropecuaacuteria

comercial e de subsistecircncia chamando carinhosamente de roccedilado criando gado de corte e leite galinha caipira suiacutenos e na agricultura principalmente arroz macaxeira

mandioca (produccedilatildeo de puba) jerimum (aboacutebora) feijatildeo milho e pequi As frutas como

o caju manga bacuri pitomba cajaacute seriguela goiaba banana tem em todo quintal As pessoas tambeacutem participam de accedilotildees e programas governamentais

complementando a renda com programas de assistecircncia governamental como bolsa famiacutelia e aposentadoria rural

Uma atividade bastante cultural eacute a coleta e processamento do coco de babaccedilu

observamos nas figuras 2a 2b e 2c desde o peacute da palmeira ateacute a quebra do coco para obtenccedilatildeo de um precioso liacutequido que origina o oacuteleo de babaccedilu para uso culinaacuterio e

produccedilatildeo do sabatildeo em barra da palha para finalidade de artesanato cestos aacutebanos peneiras e esteiras na construccedilatildeo de casas das folhas secas como telhados janelas e

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cercas nos quintais O resultado da obtenccedilatildeo das amecircndoas surge as cascas que iratildeo alimentar os fogotildees e fornos de barros

Figuras 2 2a- palmeira de babaccedilu 2b e 2c- extraccedilatildeo das amecircndoas Fonte autoria proacutepria

Segundo LUZ (2012) confirma que na produccedilatildeo extrativa vegetal do babaccedilu no

Maranhatildeo os principais produtos satildeo o carvatildeo vegetal lenha madeira em tora e oacuteleo Segundo destaca-se a exploraccedilatildeo da palmeira de babaccedilu que aleacutem da amecircndoa - maior

parte eacute comercializada - as famiacutelias rurais produzem azeite utilizado na preparaccedilatildeo de

alimentos e comercializaccedilatildeo em pequena escala exploram ainda o endocarpo na produccedilatildeo de carvatildeo O autor destaca que a matildeo de obra feminina tem nessa atividade

sua principal fonte de renda Segundo Welthem (2012) os aspectos materiais e imateriais natildeo surgem mais como aacutereas separadas mas como um conjunto uacutenico e

coerente de manifestaccedilotildees muacuteltiplas complexas e interdependentes dos inuacutemeros

componentes da cultura material de um grupo social estruturando a sua produtividade aleacutem de sua apreensatildeo enquanto elemento patrimonial

Antes do consumo dos bolos eacute realizada uma missa para reunir a Comunidade do Poccedilo Verde quanto agrave importacircncia da morte e ressureiccedilatildeo de Cristo consagraccedilatildeo e

agradecimento pela fartura na agricultura e pecuaacuteria vida longa para os idosos bom

parto para as graacutevidas e sauacutede para os enfermos (FIGURA 3)

Figura 3 Missa do encontro da comunidade na missa da Paixatildeo de Cristo

Fonte autoria proacutepria

2a 2b 2c

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Posteriormente todos satildeo convidados para degustar os bolos produzidos

(FIGURAS 4a e 4b) acompanhado de cafeacute leite e sucos de frutas (bacuri cajaacute e sapoti) As pessoas que natildeo puderam comparecer satildeo agraciadas com porccedilotildees generosas de

diferentes bolos entregues em cestos de palha em suas residecircncias Esse ato de solidariedade eacute para que nenhum membro se sinta excluiacutedo no evento lituacutergico

promovido pela comunidade do Poccedilo Verde

Figuras 4a e 4b Mesa de degustaccedilatildeo dos bolos apoacutes a missa

Fonte autoria proacutepria

34 Ficha Teacutecnica dos Bolos da Comunidade do poccedilo Verde

Na comunidade pesquisada as senhoras comeccedilam apoacutes o carnaval a armazenar

ovos de capoeira (FIGURA 5a) tambeacutem conhecido como caipira onde todas as famiacutelias

da comunidade tecircm a sua criaccedilatildeo oacuteleo de babaccedilu (FIGURA 5b) massa de mandioca

(FIGURA 5c) este uacuteltimo que apoacutes ser ralada eacute juntada e congelada

Figuras 5 - ovos de capoeira (5a) oacuteleo de babaccedilu (5b) e massa de mandioca (5c)

Fonte autoria proacutepria

Quadro 1 Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo de Puba

5a 5b 5c

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BOLO DE PUBA

Ingredientes Quantidade

Ovos de galinha caipira 40 unidades

Puba (massa de mandioca) 4kilogramas

Oacuteleo de coco de babaccedilu 1 litro

Leite Quanto baste

Sal 20gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes natildeo precisa fermento porque senatildeo racha fica

igual a pele de idosa

Utilizar folhas de bananeira para forrar a forma e asse por 6-7h em um forno de

barro

Fonte autoria proacutepria

Figura 6 Confecccedilatildeo e apresentaccedilatildeo do Bolo de Puba

Fonte autoria proacutepria Na figura 6 observamos que pelo volume de massa a ser misturada as senhoras fazem o esforccedilo em conjunto E no final colocam na mesa para degustaccedilatildeo os bolos

embrulhados nas folhas de bananeira

Quadro 2 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO MANGULAtildeO

Ingredientes Quantidade

Polvilho doce 2 kilogramas

Ovos de galinha caipira 18 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 500 mililitro

Leite Quanto baste

Erva doce Quanto baste

Sal 15gramas

Modo de Preparo

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Hidrate o polvilho com o leite depois cozinhe ateacute formar grumos e soltar da panela junte todos os ingredientes restantes e leve ao forno de barro ateacute que o palito seja

retirado da massa natildeo esteja melado

Fonte autoria proacutepria

Figuras 7a e 7b Assamento do Bolo Mangulatildeo (a) e Bolo Pau de Porteiro (b)

Fonte autoria proacutepria

De acordo com a Figura 7a observamos que eacute utilizado forno de barro para cocccedilatildeo dos bolos aquecido previamente com a queima das cascas do babaccedilu Quando

a temperatura atinge entre 200degC a 250degC eacute retirado o resiacuteduo do carvatildeo e colocado os

bolos para assar A destreza e agilidade com que as senhoras colocam e retiram as bandejas de bolo a capacidade de observaccedilatildeo na transformaccedilatildeo da massa cru em ponto

certo do assado mostram a grande habilidade na arte da culinaacuteria local Figuras 7a e

7b

Quadro 3 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO CACETE OU PAU DE PORTEIRO

Ingredientes Quantidade

Tapioca 1Kilograma

Ovos de galinha caipira 6 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 125mililitro

Leite quente 500 mililitro

Accediluacutecar 400gramas

Sal 7gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes decirc o formado ciliacutendrico e alongado enrole na folha

de bananeira e leve ao forno de barro ateacute que o palito quando espetado saia sem

estar melado

Fonte autoria proacutepria

O uso de folhas de bananeiras para envolver as preparaccedilotildees no processo de

assamento dos alimentos na comunidade descende dos costumes dos iacutendios brasileiros

7a 7b

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tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

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haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

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Page 4: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

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Estaacute localizado no meacutedio sertatildeo do Maranhatildeo conforme a Figura 1a e 1b abaixo Fonte Google Maps

Figura 1 Localizaccedilatildeo do Brasil na Ameacuterica do Sul (1a) o estado do Maranhatildeo e a

cidade de Paraibano (1b)

O local escolhido foi a Comunidade de Poccedilo Verde que abriga cerca de 50 famiacutelias

preservadas por laccedilos de parentesco O estudo foi registrado com o acompanhamento

junto a 29 (vinte e nove) famiacutelias totalizando 121 membros na comunidade de faixas

etaacuterias e classes sociais distintas que esperam e se preparam o ano todo para celebrar esse divino ato religioso

Foi realizado um levantamento bibliograacutefico a partir de livros siacutetios de acessos perioacutedicos e da administraccedilatildeo puacuteblica que tratam de informaccedilotildees demograacuteficas

culturais sociais e econocircmicas do paiacutes Foram promovidos registros fotograacuteficos das

preparaccedilotildees culinaacuterias nos dias que antecedem e culminam na sexta-feira da Paixatildeo de Cristo e Domingo de Ramos na comunidade

As massas de mandioca ou puba como eacute conhecida no nordeste brasileiro foram preparadas com antecedecircncia pela proacutepria comunidade atraveacutes do trabalho coletivo das

mulheres geralmente comandadas pelas matriarcas que transferem a tradiccedilatildeo da

confecccedilatildeo de bolos especiais para festejar a Semana Santa tradiccedilatildeo religiosacatoacutelica que celebra a Paixatildeo a Morte e a ressurreiccedilatildeo de Jesus Cristo Ela se inicia no Domingo

de Ramos que relembra a entrada triunfal de Jesus em Jerusaleacutem e termina com a

ressurreiccedilatildeo de Jesus que ocorre no domingo de Paacutescoa

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3 Resultados e Discussatildeo

31 Brasil Culinaacuterio

Comer eacute mais que ingerir um alimento significa tambeacutem as relaccedilotildees pessoais

sociais e culturais que estatildeo envolvidas naquele ato A cultura alimentar estaacute diretamente ligada com a manifestaccedilatildeo das pessoas na sociedade Alimento eacute um dos

requerimentos baacutesicos para a existecircncia de um povo e a aquisiccedilatildeo desta comida desempenha um papel importante na formaccedilatildeo de qualquer cultura Os meacutetodos de

procurar e processar estes alimentos estatildeo intimamente ligados agrave expressatildeo cultural e

social de um povo A comida eacute uma expressatildeo cultural distinta que envolve aspectos relacionais e interaccedilatildeo social no ato de ingestatildeo de alguns alimentos (LEONARDO

2009)

A padronizaccedilatildeo cultural da alimentaccedilatildeo natildeo reflete senatildeo o fato baacutesico de que a

organizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais entre os homens e a satisfaccedilatildeo de suas necessidades

eacute regulada atraveacutes de normas siacutembolos e valores coletivamente partilhados Do mesmo modo que o homem regulamenta a comunicaccedilatildeo atraveacutes de siacutembolos (o siacutembolo em si

mesmo uma regra que estabelece como as coisas devem ser denominadas) estabelece normas para sua alimentaccedilatildeo A culinaacuteria pois do ponto de vista socioloacutegico mais natildeo

eacute senatildeo um conjunto de preceitos referente agrave preparaccedilatildeo de alimentos Como ocorre

com a linguagem a consolidaccedilatildeo da culinaacuteria de um povo natildeo se faz senatildeo ao cabo de longa experiecircncia cultural Natildeo haacute duacutevida que a culinaacuteria se trata de um dos mais

sofisticados produtos da cultura Imaginem a longa e paciente experiecircncia de

combinaccedilotildees de aproveitamento novo da flora e da fauna tropical de experimentaccedilatildeo

ldquoalquiacutemicardquo no Brasil veio a resultar sua culinaacuteria proacutepria (MAIOR 2012)

A origem do nosso povo acrescida de fatores como a geografia do paiacutes fez com que a cozinha brasileira variasse bastante de um lugar para outro embora existam

caracteriacutesticas comuns a determinadas aacutereas Satildeo esses traccedilos caracteriacutesticos que

determinam vaacuterias cozinhas regionais em nosso paiacutes cozinhas essas que estatildeo se trocando constantemente de norte a sul com modificaccedilotildees e adaptaccedilotildees locais Para

se entender a culinaacuteria nordestina eacute necessaacuterio compreender que no Brasil natildeo existe um nordeste mas sim vaacuterios cada um com a sua cultura a cultura da heroacuteica resistecircncia

agraves estiagens ou da fartura do litoral com praias beliacutessimas e uacutenicas (LEAL 1998)

A culinaacuteria brasileira eacute produto da tradiccedilatildeo cultural dos valores da populaccedilatildeo bem como da localizaccedilatildeo geograacutefica da regiatildeo em questatildeo As diversificadas

preparaccedilotildees surgiram em funccedilatildeo da cultura indiacutegena africana dos grupos europeus

que colonizaram determinadas regiotildees da proximidade com rios ou com o mar e ateacute mesmo das condiccedilotildees pluviomeacutetricas e do solo (PHILIPPI 2006) Nesses cinco seacuteculos

o Brasil cultivou a diversidade alimentar agrave qual se conjugaram resquiacutecios da cultura indiacutegena com a superposiccedilatildeo de etnias de diferentes culturas fatores que se

encarregaram de formar nossos haacutebitos alimentares De norte a sul do paiacutes

encontramos uma riqueza culinaacuteria com influecircncias indiacutegenas portuguesas e africanas somadas agraves diversas outras etnias que imigraram para o Brasil e contribuiacuteram para a

formaccedilatildeo da culinaacuteria brasileira (ARAUacuteJO TENSER 2006)

Festa tem que ter comida e bebida A festa seraacute um sucesso se tiver quantidade

e variedade de pratos A festa eacute um bom motivo para as pessoas se reunirem e comer

juntas partilhar celebrar em torno de uma mesa de uma esteira em que lugar for pois a comida une aproxima e revive os traccedilos mais antigos de todas as memoacuterias Feacute

religiosa reuniatildeo de famiacutelias datas ciacutevicas grandes acontecimentos regionais nacionais e internacionais datas pessoais particulares tecircm sempre um ponto em

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comum a comida comida proacutepria para cada tipo dia contexto em que se daacute a

comemoraccedilatildeo (LODY 2008)

A histoacuteria registra que a elaboraccedilatildeo de bolos exista desde o Egito Antigo na forma de patildees adoccedilados com xarope de frutas tacircmaras passas Os antigos gregos e romanos

o aperfeiccediloaram Ainda comenta ndash se que Nero por exemplo os apreciava A real

diferenccedila entre patildees e bolos somente veio a ser caracterizada durante o Renascimento A denominaccedilatildeo teria vindo de bola e os bolos teriam formas associadas a lua e agrave cone

O bolo eacute um alimento agrave base de massa de farinha geralmente doce e cozido no forno

Ainda atualmente os bolos satildeo um dos componentes principais das festas como as de aniversaacuterio e casamento por vezes ornamentados artisticamente e ocupando o lugar

central da mesa No entanto tambeacutem satildeo feitos para serem comidos em lanches ou no cafeacute-da-manhatilde (BARCELO et al 2014)

32 Culinaacuteria Maranhense

Se a histoacuteria do Brasil fosse contada por gastrocircnomos e cozinheiros tudo que noacutes aprendemos na escola teria de ser estudado de novo Como exemplo o caso da

invasatildeo francesa no Maranhatildeo do ponto de vista militar essa tentativa de estabelecer

a chamada Franccedila Equinocial no Brasil foi um rematado fracasso Os franceses fundaram Satildeo Luiacutes em 1612 e apenas dois anos mais tarde foram definitivamente

desalojados de laacute Do ponto de vista gastronocircmico no entanto seu feito foi glorioso Comandada por trecircs aristocratas Daniel de la Touche senhor de la Ravardiegravere o

almirante Franccedilois de Rasilly senhor de Aumers e o financista Nicolas de Sancy senhor

de La Motte e de Gros-Bois a expediccedilatildeo francesa incluiacutea inuacutemeros amigos da boa mesa Enquanto estiveram por aqui comeram do bom e do melhor explorando com meacutetodo

gosto e uma maravilhosa ausecircncia de preconceitos dos recursos culinaacuterios da regiatildeo

(CAVALCANTI 2007) O Maranhatildeo sofreu influecircncia de povos que tiveram grande importacircncia na

formaccedilatildeo do estado o negro iacutendio aacuterabe e o portuguecircs Os doces ou bolos de espeacutecies satildeo uma tradiccedilatildeo portuguesa na eacutepoca das festas natalinas Satildeo doces preparados com

especiarias levada pelos aacuterabes para a Ibeacuteria O oacuteleo de babaccedilu eacute extraiacutedo das

amecircndoas do coco do babaccedilu (Attalea speciosa) palmeira nativa da regiatildeo como pode ser observado nas Figuras 2a 2b e 2c Eacute um oacuteleo finiacutessimo (FIGURA 4b) cujo sabor

lembra levemente o do coco da Bahia (FERNANDES 2005) No Maranhatildeo em 1565 o padre portuguecircs Antocircnio Vieira informava natildeo haver em todo o estado ldquoaccedilougue nem

ribeira nem horta nem tendas onde vendessem as coisas usuais para comer

ordinaacuteriordquo mostrando que a produccedilatildeo ainda era precaacuteria mas que existiam produtos da terra bem explorada pelos indiacutegenas (ORNELLAS 2008)

A mandioca o patildeo no Brasil eacute originaacuteria da Ameacuterica do Sul e confundida

inicialmente pelos portugueses com o inhame africano logo foi reconhecido como alimento fundamental do iacutendio o que prevalece ateacute os dias de hoje Para grande parte

da populaccedilatildeo do Norte e Nordeste do Brasil eacute uma cultura de susbsistecircncia Em regiotildees bem pobres as populaccedilotildees se alimentam quase que exclusivamente de mandioca Satildeo

inuacutemeros os subprodutos da mandioca goma polvilho farinhas de vaacuterias qualidades

beiju puba ou massa de mandioca tapioca sagu Puba ou massa de mandioca eacute uma massa uacutemida de cheiro e sabor azedo obtidas atraveacutes da fermentaccedilatildeo da mandioca As

raiacutezes satildeo mergulhadas em aacutegua por alguns dias ateacute entrarem em decomposiccedilatildeo Nesse estaacutegio satildeo colocadas em sacos de pano friccionadas muito bem lavadas em aacutegua

corrente e transformadas em massa uacutemida Usada em biscoitos bolos e pudins eacute o

principal ingrediente do tradicional bolo Souza Leatildeo de Pernambuco que ficou famoso desde a eacutepoca em que a puba era a principal substituta da cara e escassa farinha de

trigo (KOVESI et al 2007)

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Segundo Cascudo (2004) bolo de mandioca tem como ingredientes massa de mandioca mole ou carimatilde leite de coco ovos accediluacutecar branco sal manteiga Mistura-

se bem e peneira-se a massa levando-a ao forno em forma untada de manteiga Estaraacute pronto quando metendo-se um palito esta sai enxuto Tira-se com cuidado da forma

porque o bolo pode rachar A ciecircncia eacute conseguir a crosta bem assada e o conteuacutedo

ligado mas tenro por igual Eacute o mais prestigiado dos bolos de mandioca Na grande festa oferecida ao Conde drsquoEu e Princesa Isabel em outubro de 1889 quando das bodas

de prata laacute estava o gacircteau manioca

Inventaram-se nas casas grandes do Nordeste brasileiro doces e bolos que tomaram nomes de famiacutelia ou de engenhos Souza Leatildeo Guararapes Dr Constacircncio

Cavalcanti Tia Sinhaacute Dona Dondon cujas receitas se conservaram por muito tempo em segredo agraves vezes passando de matildee para filha Houve no Brasil uma maccedilonaria

das mulheres ao lado da maccedilonaria dos homens a das mulheres especializando-se em

guardar segredo das receitas de doces e bolos de famiacutelia (LIMA 1999 SHINOHARA et al 2013)

Ningueacutem sabe que prodiacutegios teriam produzido a cozinha maranhense se os franceses tivessem conseguido se firmar na cidade de Satildeo Luiacutes entretanto a cozinha

da regiatildeo foi se enriquecendo atraveacutes dos seacuteculos com os temperos e os alimentos que

iam chegando da Aacutefrica e da Europa sem nunca perder o gosto indiacutegena pela diversidade tropical No interior do estado ainda se cultiva a arte dos ensopados de

pacas tatus veados e capivaras preparados no oacuteleo de babaccedilu No sertatildeo o mais comum a qualquer hora do dia eacute o bolo de macaxeira ou de tapioca acompanhando as

travessas de batata doce e fruta patildeo (CAVALCANTI 2007)

No Nordeste satildeo peccedilas regionais ou tradicionais ligadas ao preparo e agrave apresentaccedilatildeo de doces e bolos o pilatildeo de pau o grande para pilar milho o pequeno

para machucar os temperos a colher de pau a grande e pequena consideradas

insubstituiacuteveis para mexer certos doces o quengo de coco o raspador de coco o ralo a urupema a peneira de taquara o abano A folha de bananeira eacute indispensaacutevel na

apresentaccedilatildeo ortodoxa da tapioca molhada jaacute na apresentaccedilatildeo da pamonha natildeo pode faltar a palha do milho (LIMA 1999)

Foram agraves mulheres as responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do gosto brasileiro

detentoras do patrimocircnio culinaacuterio e da transmissatildeo oral dessa cultura secular As tradiccedilotildees familiares e a oralidade permitem a transmissatildeo e a repeticcedilatildeo de receitas que

correspondem ao elo de restauraccedilatildeo da cozinha familiar e tocam o imaginaacuterio afetivo de cada indiviacuteduo A origem quase miacutetica de certos pratos tem uma dimensatildeo afetiva

que vai desde sua preparaccedilatildeo ateacute sua degustaccedilatildeo evocando a magia e o espiacuterito do

lugar (ARAUacuteJO TENSER 2006)

33 Comunidade do Poccedilo Verde

Na comunidade estudada as pessoas sobrevivem de atividades agropecuaacuteria

comercial e de subsistecircncia chamando carinhosamente de roccedilado criando gado de corte e leite galinha caipira suiacutenos e na agricultura principalmente arroz macaxeira

mandioca (produccedilatildeo de puba) jerimum (aboacutebora) feijatildeo milho e pequi As frutas como

o caju manga bacuri pitomba cajaacute seriguela goiaba banana tem em todo quintal As pessoas tambeacutem participam de accedilotildees e programas governamentais

complementando a renda com programas de assistecircncia governamental como bolsa famiacutelia e aposentadoria rural

Uma atividade bastante cultural eacute a coleta e processamento do coco de babaccedilu

observamos nas figuras 2a 2b e 2c desde o peacute da palmeira ateacute a quebra do coco para obtenccedilatildeo de um precioso liacutequido que origina o oacuteleo de babaccedilu para uso culinaacuterio e

produccedilatildeo do sabatildeo em barra da palha para finalidade de artesanato cestos aacutebanos peneiras e esteiras na construccedilatildeo de casas das folhas secas como telhados janelas e

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cercas nos quintais O resultado da obtenccedilatildeo das amecircndoas surge as cascas que iratildeo alimentar os fogotildees e fornos de barros

Figuras 2 2a- palmeira de babaccedilu 2b e 2c- extraccedilatildeo das amecircndoas Fonte autoria proacutepria

Segundo LUZ (2012) confirma que na produccedilatildeo extrativa vegetal do babaccedilu no

Maranhatildeo os principais produtos satildeo o carvatildeo vegetal lenha madeira em tora e oacuteleo Segundo destaca-se a exploraccedilatildeo da palmeira de babaccedilu que aleacutem da amecircndoa - maior

parte eacute comercializada - as famiacutelias rurais produzem azeite utilizado na preparaccedilatildeo de

alimentos e comercializaccedilatildeo em pequena escala exploram ainda o endocarpo na produccedilatildeo de carvatildeo O autor destaca que a matildeo de obra feminina tem nessa atividade

sua principal fonte de renda Segundo Welthem (2012) os aspectos materiais e imateriais natildeo surgem mais como aacutereas separadas mas como um conjunto uacutenico e

coerente de manifestaccedilotildees muacuteltiplas complexas e interdependentes dos inuacutemeros

componentes da cultura material de um grupo social estruturando a sua produtividade aleacutem de sua apreensatildeo enquanto elemento patrimonial

Antes do consumo dos bolos eacute realizada uma missa para reunir a Comunidade do Poccedilo Verde quanto agrave importacircncia da morte e ressureiccedilatildeo de Cristo consagraccedilatildeo e

agradecimento pela fartura na agricultura e pecuaacuteria vida longa para os idosos bom

parto para as graacutevidas e sauacutede para os enfermos (FIGURA 3)

Figura 3 Missa do encontro da comunidade na missa da Paixatildeo de Cristo

Fonte autoria proacutepria

2a 2b 2c

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Posteriormente todos satildeo convidados para degustar os bolos produzidos

(FIGURAS 4a e 4b) acompanhado de cafeacute leite e sucos de frutas (bacuri cajaacute e sapoti) As pessoas que natildeo puderam comparecer satildeo agraciadas com porccedilotildees generosas de

diferentes bolos entregues em cestos de palha em suas residecircncias Esse ato de solidariedade eacute para que nenhum membro se sinta excluiacutedo no evento lituacutergico

promovido pela comunidade do Poccedilo Verde

Figuras 4a e 4b Mesa de degustaccedilatildeo dos bolos apoacutes a missa

Fonte autoria proacutepria

34 Ficha Teacutecnica dos Bolos da Comunidade do poccedilo Verde

Na comunidade pesquisada as senhoras comeccedilam apoacutes o carnaval a armazenar

ovos de capoeira (FIGURA 5a) tambeacutem conhecido como caipira onde todas as famiacutelias

da comunidade tecircm a sua criaccedilatildeo oacuteleo de babaccedilu (FIGURA 5b) massa de mandioca

(FIGURA 5c) este uacuteltimo que apoacutes ser ralada eacute juntada e congelada

Figuras 5 - ovos de capoeira (5a) oacuteleo de babaccedilu (5b) e massa de mandioca (5c)

Fonte autoria proacutepria

Quadro 1 Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo de Puba

5a 5b 5c

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BOLO DE PUBA

Ingredientes Quantidade

Ovos de galinha caipira 40 unidades

Puba (massa de mandioca) 4kilogramas

Oacuteleo de coco de babaccedilu 1 litro

Leite Quanto baste

Sal 20gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes natildeo precisa fermento porque senatildeo racha fica

igual a pele de idosa

Utilizar folhas de bananeira para forrar a forma e asse por 6-7h em um forno de

barro

Fonte autoria proacutepria

Figura 6 Confecccedilatildeo e apresentaccedilatildeo do Bolo de Puba

Fonte autoria proacutepria Na figura 6 observamos que pelo volume de massa a ser misturada as senhoras fazem o esforccedilo em conjunto E no final colocam na mesa para degustaccedilatildeo os bolos

embrulhados nas folhas de bananeira

Quadro 2 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO MANGULAtildeO

Ingredientes Quantidade

Polvilho doce 2 kilogramas

Ovos de galinha caipira 18 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 500 mililitro

Leite Quanto baste

Erva doce Quanto baste

Sal 15gramas

Modo de Preparo

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Hidrate o polvilho com o leite depois cozinhe ateacute formar grumos e soltar da panela junte todos os ingredientes restantes e leve ao forno de barro ateacute que o palito seja

retirado da massa natildeo esteja melado

Fonte autoria proacutepria

Figuras 7a e 7b Assamento do Bolo Mangulatildeo (a) e Bolo Pau de Porteiro (b)

Fonte autoria proacutepria

De acordo com a Figura 7a observamos que eacute utilizado forno de barro para cocccedilatildeo dos bolos aquecido previamente com a queima das cascas do babaccedilu Quando

a temperatura atinge entre 200degC a 250degC eacute retirado o resiacuteduo do carvatildeo e colocado os

bolos para assar A destreza e agilidade com que as senhoras colocam e retiram as bandejas de bolo a capacidade de observaccedilatildeo na transformaccedilatildeo da massa cru em ponto

certo do assado mostram a grande habilidade na arte da culinaacuteria local Figuras 7a e

7b

Quadro 3 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO CACETE OU PAU DE PORTEIRO

Ingredientes Quantidade

Tapioca 1Kilograma

Ovos de galinha caipira 6 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 125mililitro

Leite quente 500 mililitro

Accediluacutecar 400gramas

Sal 7gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes decirc o formado ciliacutendrico e alongado enrole na folha

de bananeira e leve ao forno de barro ateacute que o palito quando espetado saia sem

estar melado

Fonte autoria proacutepria

O uso de folhas de bananeiras para envolver as preparaccedilotildees no processo de

assamento dos alimentos na comunidade descende dos costumes dos iacutendios brasileiros

7a 7b

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tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

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haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

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Page 5: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

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3 Resultados e Discussatildeo

31 Brasil Culinaacuterio

Comer eacute mais que ingerir um alimento significa tambeacutem as relaccedilotildees pessoais

sociais e culturais que estatildeo envolvidas naquele ato A cultura alimentar estaacute diretamente ligada com a manifestaccedilatildeo das pessoas na sociedade Alimento eacute um dos

requerimentos baacutesicos para a existecircncia de um povo e a aquisiccedilatildeo desta comida desempenha um papel importante na formaccedilatildeo de qualquer cultura Os meacutetodos de

procurar e processar estes alimentos estatildeo intimamente ligados agrave expressatildeo cultural e

social de um povo A comida eacute uma expressatildeo cultural distinta que envolve aspectos relacionais e interaccedilatildeo social no ato de ingestatildeo de alguns alimentos (LEONARDO

2009)

A padronizaccedilatildeo cultural da alimentaccedilatildeo natildeo reflete senatildeo o fato baacutesico de que a

organizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais entre os homens e a satisfaccedilatildeo de suas necessidades

eacute regulada atraveacutes de normas siacutembolos e valores coletivamente partilhados Do mesmo modo que o homem regulamenta a comunicaccedilatildeo atraveacutes de siacutembolos (o siacutembolo em si

mesmo uma regra que estabelece como as coisas devem ser denominadas) estabelece normas para sua alimentaccedilatildeo A culinaacuteria pois do ponto de vista socioloacutegico mais natildeo

eacute senatildeo um conjunto de preceitos referente agrave preparaccedilatildeo de alimentos Como ocorre

com a linguagem a consolidaccedilatildeo da culinaacuteria de um povo natildeo se faz senatildeo ao cabo de longa experiecircncia cultural Natildeo haacute duacutevida que a culinaacuteria se trata de um dos mais

sofisticados produtos da cultura Imaginem a longa e paciente experiecircncia de

combinaccedilotildees de aproveitamento novo da flora e da fauna tropical de experimentaccedilatildeo

ldquoalquiacutemicardquo no Brasil veio a resultar sua culinaacuteria proacutepria (MAIOR 2012)

A origem do nosso povo acrescida de fatores como a geografia do paiacutes fez com que a cozinha brasileira variasse bastante de um lugar para outro embora existam

caracteriacutesticas comuns a determinadas aacutereas Satildeo esses traccedilos caracteriacutesticos que

determinam vaacuterias cozinhas regionais em nosso paiacutes cozinhas essas que estatildeo se trocando constantemente de norte a sul com modificaccedilotildees e adaptaccedilotildees locais Para

se entender a culinaacuteria nordestina eacute necessaacuterio compreender que no Brasil natildeo existe um nordeste mas sim vaacuterios cada um com a sua cultura a cultura da heroacuteica resistecircncia

agraves estiagens ou da fartura do litoral com praias beliacutessimas e uacutenicas (LEAL 1998)

A culinaacuteria brasileira eacute produto da tradiccedilatildeo cultural dos valores da populaccedilatildeo bem como da localizaccedilatildeo geograacutefica da regiatildeo em questatildeo As diversificadas

preparaccedilotildees surgiram em funccedilatildeo da cultura indiacutegena africana dos grupos europeus

que colonizaram determinadas regiotildees da proximidade com rios ou com o mar e ateacute mesmo das condiccedilotildees pluviomeacutetricas e do solo (PHILIPPI 2006) Nesses cinco seacuteculos

o Brasil cultivou a diversidade alimentar agrave qual se conjugaram resquiacutecios da cultura indiacutegena com a superposiccedilatildeo de etnias de diferentes culturas fatores que se

encarregaram de formar nossos haacutebitos alimentares De norte a sul do paiacutes

encontramos uma riqueza culinaacuteria com influecircncias indiacutegenas portuguesas e africanas somadas agraves diversas outras etnias que imigraram para o Brasil e contribuiacuteram para a

formaccedilatildeo da culinaacuteria brasileira (ARAUacuteJO TENSER 2006)

Festa tem que ter comida e bebida A festa seraacute um sucesso se tiver quantidade

e variedade de pratos A festa eacute um bom motivo para as pessoas se reunirem e comer

juntas partilhar celebrar em torno de uma mesa de uma esteira em que lugar for pois a comida une aproxima e revive os traccedilos mais antigos de todas as memoacuterias Feacute

religiosa reuniatildeo de famiacutelias datas ciacutevicas grandes acontecimentos regionais nacionais e internacionais datas pessoais particulares tecircm sempre um ponto em

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comum a comida comida proacutepria para cada tipo dia contexto em que se daacute a

comemoraccedilatildeo (LODY 2008)

A histoacuteria registra que a elaboraccedilatildeo de bolos exista desde o Egito Antigo na forma de patildees adoccedilados com xarope de frutas tacircmaras passas Os antigos gregos e romanos

o aperfeiccediloaram Ainda comenta ndash se que Nero por exemplo os apreciava A real

diferenccedila entre patildees e bolos somente veio a ser caracterizada durante o Renascimento A denominaccedilatildeo teria vindo de bola e os bolos teriam formas associadas a lua e agrave cone

O bolo eacute um alimento agrave base de massa de farinha geralmente doce e cozido no forno

Ainda atualmente os bolos satildeo um dos componentes principais das festas como as de aniversaacuterio e casamento por vezes ornamentados artisticamente e ocupando o lugar

central da mesa No entanto tambeacutem satildeo feitos para serem comidos em lanches ou no cafeacute-da-manhatilde (BARCELO et al 2014)

32 Culinaacuteria Maranhense

Se a histoacuteria do Brasil fosse contada por gastrocircnomos e cozinheiros tudo que noacutes aprendemos na escola teria de ser estudado de novo Como exemplo o caso da

invasatildeo francesa no Maranhatildeo do ponto de vista militar essa tentativa de estabelecer

a chamada Franccedila Equinocial no Brasil foi um rematado fracasso Os franceses fundaram Satildeo Luiacutes em 1612 e apenas dois anos mais tarde foram definitivamente

desalojados de laacute Do ponto de vista gastronocircmico no entanto seu feito foi glorioso Comandada por trecircs aristocratas Daniel de la Touche senhor de la Ravardiegravere o

almirante Franccedilois de Rasilly senhor de Aumers e o financista Nicolas de Sancy senhor

de La Motte e de Gros-Bois a expediccedilatildeo francesa incluiacutea inuacutemeros amigos da boa mesa Enquanto estiveram por aqui comeram do bom e do melhor explorando com meacutetodo

gosto e uma maravilhosa ausecircncia de preconceitos dos recursos culinaacuterios da regiatildeo

(CAVALCANTI 2007) O Maranhatildeo sofreu influecircncia de povos que tiveram grande importacircncia na

formaccedilatildeo do estado o negro iacutendio aacuterabe e o portuguecircs Os doces ou bolos de espeacutecies satildeo uma tradiccedilatildeo portuguesa na eacutepoca das festas natalinas Satildeo doces preparados com

especiarias levada pelos aacuterabes para a Ibeacuteria O oacuteleo de babaccedilu eacute extraiacutedo das

amecircndoas do coco do babaccedilu (Attalea speciosa) palmeira nativa da regiatildeo como pode ser observado nas Figuras 2a 2b e 2c Eacute um oacuteleo finiacutessimo (FIGURA 4b) cujo sabor

lembra levemente o do coco da Bahia (FERNANDES 2005) No Maranhatildeo em 1565 o padre portuguecircs Antocircnio Vieira informava natildeo haver em todo o estado ldquoaccedilougue nem

ribeira nem horta nem tendas onde vendessem as coisas usuais para comer

ordinaacuteriordquo mostrando que a produccedilatildeo ainda era precaacuteria mas que existiam produtos da terra bem explorada pelos indiacutegenas (ORNELLAS 2008)

A mandioca o patildeo no Brasil eacute originaacuteria da Ameacuterica do Sul e confundida

inicialmente pelos portugueses com o inhame africano logo foi reconhecido como alimento fundamental do iacutendio o que prevalece ateacute os dias de hoje Para grande parte

da populaccedilatildeo do Norte e Nordeste do Brasil eacute uma cultura de susbsistecircncia Em regiotildees bem pobres as populaccedilotildees se alimentam quase que exclusivamente de mandioca Satildeo

inuacutemeros os subprodutos da mandioca goma polvilho farinhas de vaacuterias qualidades

beiju puba ou massa de mandioca tapioca sagu Puba ou massa de mandioca eacute uma massa uacutemida de cheiro e sabor azedo obtidas atraveacutes da fermentaccedilatildeo da mandioca As

raiacutezes satildeo mergulhadas em aacutegua por alguns dias ateacute entrarem em decomposiccedilatildeo Nesse estaacutegio satildeo colocadas em sacos de pano friccionadas muito bem lavadas em aacutegua

corrente e transformadas em massa uacutemida Usada em biscoitos bolos e pudins eacute o

principal ingrediente do tradicional bolo Souza Leatildeo de Pernambuco que ficou famoso desde a eacutepoca em que a puba era a principal substituta da cara e escassa farinha de

trigo (KOVESI et al 2007)

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Segundo Cascudo (2004) bolo de mandioca tem como ingredientes massa de mandioca mole ou carimatilde leite de coco ovos accediluacutecar branco sal manteiga Mistura-

se bem e peneira-se a massa levando-a ao forno em forma untada de manteiga Estaraacute pronto quando metendo-se um palito esta sai enxuto Tira-se com cuidado da forma

porque o bolo pode rachar A ciecircncia eacute conseguir a crosta bem assada e o conteuacutedo

ligado mas tenro por igual Eacute o mais prestigiado dos bolos de mandioca Na grande festa oferecida ao Conde drsquoEu e Princesa Isabel em outubro de 1889 quando das bodas

de prata laacute estava o gacircteau manioca

Inventaram-se nas casas grandes do Nordeste brasileiro doces e bolos que tomaram nomes de famiacutelia ou de engenhos Souza Leatildeo Guararapes Dr Constacircncio

Cavalcanti Tia Sinhaacute Dona Dondon cujas receitas se conservaram por muito tempo em segredo agraves vezes passando de matildee para filha Houve no Brasil uma maccedilonaria

das mulheres ao lado da maccedilonaria dos homens a das mulheres especializando-se em

guardar segredo das receitas de doces e bolos de famiacutelia (LIMA 1999 SHINOHARA et al 2013)

Ningueacutem sabe que prodiacutegios teriam produzido a cozinha maranhense se os franceses tivessem conseguido se firmar na cidade de Satildeo Luiacutes entretanto a cozinha

da regiatildeo foi se enriquecendo atraveacutes dos seacuteculos com os temperos e os alimentos que

iam chegando da Aacutefrica e da Europa sem nunca perder o gosto indiacutegena pela diversidade tropical No interior do estado ainda se cultiva a arte dos ensopados de

pacas tatus veados e capivaras preparados no oacuteleo de babaccedilu No sertatildeo o mais comum a qualquer hora do dia eacute o bolo de macaxeira ou de tapioca acompanhando as

travessas de batata doce e fruta patildeo (CAVALCANTI 2007)

No Nordeste satildeo peccedilas regionais ou tradicionais ligadas ao preparo e agrave apresentaccedilatildeo de doces e bolos o pilatildeo de pau o grande para pilar milho o pequeno

para machucar os temperos a colher de pau a grande e pequena consideradas

insubstituiacuteveis para mexer certos doces o quengo de coco o raspador de coco o ralo a urupema a peneira de taquara o abano A folha de bananeira eacute indispensaacutevel na

apresentaccedilatildeo ortodoxa da tapioca molhada jaacute na apresentaccedilatildeo da pamonha natildeo pode faltar a palha do milho (LIMA 1999)

Foram agraves mulheres as responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do gosto brasileiro

detentoras do patrimocircnio culinaacuterio e da transmissatildeo oral dessa cultura secular As tradiccedilotildees familiares e a oralidade permitem a transmissatildeo e a repeticcedilatildeo de receitas que

correspondem ao elo de restauraccedilatildeo da cozinha familiar e tocam o imaginaacuterio afetivo de cada indiviacuteduo A origem quase miacutetica de certos pratos tem uma dimensatildeo afetiva

que vai desde sua preparaccedilatildeo ateacute sua degustaccedilatildeo evocando a magia e o espiacuterito do

lugar (ARAUacuteJO TENSER 2006)

33 Comunidade do Poccedilo Verde

Na comunidade estudada as pessoas sobrevivem de atividades agropecuaacuteria

comercial e de subsistecircncia chamando carinhosamente de roccedilado criando gado de corte e leite galinha caipira suiacutenos e na agricultura principalmente arroz macaxeira

mandioca (produccedilatildeo de puba) jerimum (aboacutebora) feijatildeo milho e pequi As frutas como

o caju manga bacuri pitomba cajaacute seriguela goiaba banana tem em todo quintal As pessoas tambeacutem participam de accedilotildees e programas governamentais

complementando a renda com programas de assistecircncia governamental como bolsa famiacutelia e aposentadoria rural

Uma atividade bastante cultural eacute a coleta e processamento do coco de babaccedilu

observamos nas figuras 2a 2b e 2c desde o peacute da palmeira ateacute a quebra do coco para obtenccedilatildeo de um precioso liacutequido que origina o oacuteleo de babaccedilu para uso culinaacuterio e

produccedilatildeo do sabatildeo em barra da palha para finalidade de artesanato cestos aacutebanos peneiras e esteiras na construccedilatildeo de casas das folhas secas como telhados janelas e

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cercas nos quintais O resultado da obtenccedilatildeo das amecircndoas surge as cascas que iratildeo alimentar os fogotildees e fornos de barros

Figuras 2 2a- palmeira de babaccedilu 2b e 2c- extraccedilatildeo das amecircndoas Fonte autoria proacutepria

Segundo LUZ (2012) confirma que na produccedilatildeo extrativa vegetal do babaccedilu no

Maranhatildeo os principais produtos satildeo o carvatildeo vegetal lenha madeira em tora e oacuteleo Segundo destaca-se a exploraccedilatildeo da palmeira de babaccedilu que aleacutem da amecircndoa - maior

parte eacute comercializada - as famiacutelias rurais produzem azeite utilizado na preparaccedilatildeo de

alimentos e comercializaccedilatildeo em pequena escala exploram ainda o endocarpo na produccedilatildeo de carvatildeo O autor destaca que a matildeo de obra feminina tem nessa atividade

sua principal fonte de renda Segundo Welthem (2012) os aspectos materiais e imateriais natildeo surgem mais como aacutereas separadas mas como um conjunto uacutenico e

coerente de manifestaccedilotildees muacuteltiplas complexas e interdependentes dos inuacutemeros

componentes da cultura material de um grupo social estruturando a sua produtividade aleacutem de sua apreensatildeo enquanto elemento patrimonial

Antes do consumo dos bolos eacute realizada uma missa para reunir a Comunidade do Poccedilo Verde quanto agrave importacircncia da morte e ressureiccedilatildeo de Cristo consagraccedilatildeo e

agradecimento pela fartura na agricultura e pecuaacuteria vida longa para os idosos bom

parto para as graacutevidas e sauacutede para os enfermos (FIGURA 3)

Figura 3 Missa do encontro da comunidade na missa da Paixatildeo de Cristo

Fonte autoria proacutepria

2a 2b 2c

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Posteriormente todos satildeo convidados para degustar os bolos produzidos

(FIGURAS 4a e 4b) acompanhado de cafeacute leite e sucos de frutas (bacuri cajaacute e sapoti) As pessoas que natildeo puderam comparecer satildeo agraciadas com porccedilotildees generosas de

diferentes bolos entregues em cestos de palha em suas residecircncias Esse ato de solidariedade eacute para que nenhum membro se sinta excluiacutedo no evento lituacutergico

promovido pela comunidade do Poccedilo Verde

Figuras 4a e 4b Mesa de degustaccedilatildeo dos bolos apoacutes a missa

Fonte autoria proacutepria

34 Ficha Teacutecnica dos Bolos da Comunidade do poccedilo Verde

Na comunidade pesquisada as senhoras comeccedilam apoacutes o carnaval a armazenar

ovos de capoeira (FIGURA 5a) tambeacutem conhecido como caipira onde todas as famiacutelias

da comunidade tecircm a sua criaccedilatildeo oacuteleo de babaccedilu (FIGURA 5b) massa de mandioca

(FIGURA 5c) este uacuteltimo que apoacutes ser ralada eacute juntada e congelada

Figuras 5 - ovos de capoeira (5a) oacuteleo de babaccedilu (5b) e massa de mandioca (5c)

Fonte autoria proacutepria

Quadro 1 Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo de Puba

5a 5b 5c

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BOLO DE PUBA

Ingredientes Quantidade

Ovos de galinha caipira 40 unidades

Puba (massa de mandioca) 4kilogramas

Oacuteleo de coco de babaccedilu 1 litro

Leite Quanto baste

Sal 20gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes natildeo precisa fermento porque senatildeo racha fica

igual a pele de idosa

Utilizar folhas de bananeira para forrar a forma e asse por 6-7h em um forno de

barro

Fonte autoria proacutepria

Figura 6 Confecccedilatildeo e apresentaccedilatildeo do Bolo de Puba

Fonte autoria proacutepria Na figura 6 observamos que pelo volume de massa a ser misturada as senhoras fazem o esforccedilo em conjunto E no final colocam na mesa para degustaccedilatildeo os bolos

embrulhados nas folhas de bananeira

Quadro 2 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO MANGULAtildeO

Ingredientes Quantidade

Polvilho doce 2 kilogramas

Ovos de galinha caipira 18 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 500 mililitro

Leite Quanto baste

Erva doce Quanto baste

Sal 15gramas

Modo de Preparo

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Hidrate o polvilho com o leite depois cozinhe ateacute formar grumos e soltar da panela junte todos os ingredientes restantes e leve ao forno de barro ateacute que o palito seja

retirado da massa natildeo esteja melado

Fonte autoria proacutepria

Figuras 7a e 7b Assamento do Bolo Mangulatildeo (a) e Bolo Pau de Porteiro (b)

Fonte autoria proacutepria

De acordo com a Figura 7a observamos que eacute utilizado forno de barro para cocccedilatildeo dos bolos aquecido previamente com a queima das cascas do babaccedilu Quando

a temperatura atinge entre 200degC a 250degC eacute retirado o resiacuteduo do carvatildeo e colocado os

bolos para assar A destreza e agilidade com que as senhoras colocam e retiram as bandejas de bolo a capacidade de observaccedilatildeo na transformaccedilatildeo da massa cru em ponto

certo do assado mostram a grande habilidade na arte da culinaacuteria local Figuras 7a e

7b

Quadro 3 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO CACETE OU PAU DE PORTEIRO

Ingredientes Quantidade

Tapioca 1Kilograma

Ovos de galinha caipira 6 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 125mililitro

Leite quente 500 mililitro

Accediluacutecar 400gramas

Sal 7gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes decirc o formado ciliacutendrico e alongado enrole na folha

de bananeira e leve ao forno de barro ateacute que o palito quando espetado saia sem

estar melado

Fonte autoria proacutepria

O uso de folhas de bananeiras para envolver as preparaccedilotildees no processo de

assamento dos alimentos na comunidade descende dos costumes dos iacutendios brasileiros

7a 7b

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tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

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haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

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Page 6: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

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comum a comida comida proacutepria para cada tipo dia contexto em que se daacute a

comemoraccedilatildeo (LODY 2008)

A histoacuteria registra que a elaboraccedilatildeo de bolos exista desde o Egito Antigo na forma de patildees adoccedilados com xarope de frutas tacircmaras passas Os antigos gregos e romanos

o aperfeiccediloaram Ainda comenta ndash se que Nero por exemplo os apreciava A real

diferenccedila entre patildees e bolos somente veio a ser caracterizada durante o Renascimento A denominaccedilatildeo teria vindo de bola e os bolos teriam formas associadas a lua e agrave cone

O bolo eacute um alimento agrave base de massa de farinha geralmente doce e cozido no forno

Ainda atualmente os bolos satildeo um dos componentes principais das festas como as de aniversaacuterio e casamento por vezes ornamentados artisticamente e ocupando o lugar

central da mesa No entanto tambeacutem satildeo feitos para serem comidos em lanches ou no cafeacute-da-manhatilde (BARCELO et al 2014)

32 Culinaacuteria Maranhense

Se a histoacuteria do Brasil fosse contada por gastrocircnomos e cozinheiros tudo que noacutes aprendemos na escola teria de ser estudado de novo Como exemplo o caso da

invasatildeo francesa no Maranhatildeo do ponto de vista militar essa tentativa de estabelecer

a chamada Franccedila Equinocial no Brasil foi um rematado fracasso Os franceses fundaram Satildeo Luiacutes em 1612 e apenas dois anos mais tarde foram definitivamente

desalojados de laacute Do ponto de vista gastronocircmico no entanto seu feito foi glorioso Comandada por trecircs aristocratas Daniel de la Touche senhor de la Ravardiegravere o

almirante Franccedilois de Rasilly senhor de Aumers e o financista Nicolas de Sancy senhor

de La Motte e de Gros-Bois a expediccedilatildeo francesa incluiacutea inuacutemeros amigos da boa mesa Enquanto estiveram por aqui comeram do bom e do melhor explorando com meacutetodo

gosto e uma maravilhosa ausecircncia de preconceitos dos recursos culinaacuterios da regiatildeo

(CAVALCANTI 2007) O Maranhatildeo sofreu influecircncia de povos que tiveram grande importacircncia na

formaccedilatildeo do estado o negro iacutendio aacuterabe e o portuguecircs Os doces ou bolos de espeacutecies satildeo uma tradiccedilatildeo portuguesa na eacutepoca das festas natalinas Satildeo doces preparados com

especiarias levada pelos aacuterabes para a Ibeacuteria O oacuteleo de babaccedilu eacute extraiacutedo das

amecircndoas do coco do babaccedilu (Attalea speciosa) palmeira nativa da regiatildeo como pode ser observado nas Figuras 2a 2b e 2c Eacute um oacuteleo finiacutessimo (FIGURA 4b) cujo sabor

lembra levemente o do coco da Bahia (FERNANDES 2005) No Maranhatildeo em 1565 o padre portuguecircs Antocircnio Vieira informava natildeo haver em todo o estado ldquoaccedilougue nem

ribeira nem horta nem tendas onde vendessem as coisas usuais para comer

ordinaacuteriordquo mostrando que a produccedilatildeo ainda era precaacuteria mas que existiam produtos da terra bem explorada pelos indiacutegenas (ORNELLAS 2008)

A mandioca o patildeo no Brasil eacute originaacuteria da Ameacuterica do Sul e confundida

inicialmente pelos portugueses com o inhame africano logo foi reconhecido como alimento fundamental do iacutendio o que prevalece ateacute os dias de hoje Para grande parte

da populaccedilatildeo do Norte e Nordeste do Brasil eacute uma cultura de susbsistecircncia Em regiotildees bem pobres as populaccedilotildees se alimentam quase que exclusivamente de mandioca Satildeo

inuacutemeros os subprodutos da mandioca goma polvilho farinhas de vaacuterias qualidades

beiju puba ou massa de mandioca tapioca sagu Puba ou massa de mandioca eacute uma massa uacutemida de cheiro e sabor azedo obtidas atraveacutes da fermentaccedilatildeo da mandioca As

raiacutezes satildeo mergulhadas em aacutegua por alguns dias ateacute entrarem em decomposiccedilatildeo Nesse estaacutegio satildeo colocadas em sacos de pano friccionadas muito bem lavadas em aacutegua

corrente e transformadas em massa uacutemida Usada em biscoitos bolos e pudins eacute o

principal ingrediente do tradicional bolo Souza Leatildeo de Pernambuco que ficou famoso desde a eacutepoca em que a puba era a principal substituta da cara e escassa farinha de

trigo (KOVESI et al 2007)

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Segundo Cascudo (2004) bolo de mandioca tem como ingredientes massa de mandioca mole ou carimatilde leite de coco ovos accediluacutecar branco sal manteiga Mistura-

se bem e peneira-se a massa levando-a ao forno em forma untada de manteiga Estaraacute pronto quando metendo-se um palito esta sai enxuto Tira-se com cuidado da forma

porque o bolo pode rachar A ciecircncia eacute conseguir a crosta bem assada e o conteuacutedo

ligado mas tenro por igual Eacute o mais prestigiado dos bolos de mandioca Na grande festa oferecida ao Conde drsquoEu e Princesa Isabel em outubro de 1889 quando das bodas

de prata laacute estava o gacircteau manioca

Inventaram-se nas casas grandes do Nordeste brasileiro doces e bolos que tomaram nomes de famiacutelia ou de engenhos Souza Leatildeo Guararapes Dr Constacircncio

Cavalcanti Tia Sinhaacute Dona Dondon cujas receitas se conservaram por muito tempo em segredo agraves vezes passando de matildee para filha Houve no Brasil uma maccedilonaria

das mulheres ao lado da maccedilonaria dos homens a das mulheres especializando-se em

guardar segredo das receitas de doces e bolos de famiacutelia (LIMA 1999 SHINOHARA et al 2013)

Ningueacutem sabe que prodiacutegios teriam produzido a cozinha maranhense se os franceses tivessem conseguido se firmar na cidade de Satildeo Luiacutes entretanto a cozinha

da regiatildeo foi se enriquecendo atraveacutes dos seacuteculos com os temperos e os alimentos que

iam chegando da Aacutefrica e da Europa sem nunca perder o gosto indiacutegena pela diversidade tropical No interior do estado ainda se cultiva a arte dos ensopados de

pacas tatus veados e capivaras preparados no oacuteleo de babaccedilu No sertatildeo o mais comum a qualquer hora do dia eacute o bolo de macaxeira ou de tapioca acompanhando as

travessas de batata doce e fruta patildeo (CAVALCANTI 2007)

No Nordeste satildeo peccedilas regionais ou tradicionais ligadas ao preparo e agrave apresentaccedilatildeo de doces e bolos o pilatildeo de pau o grande para pilar milho o pequeno

para machucar os temperos a colher de pau a grande e pequena consideradas

insubstituiacuteveis para mexer certos doces o quengo de coco o raspador de coco o ralo a urupema a peneira de taquara o abano A folha de bananeira eacute indispensaacutevel na

apresentaccedilatildeo ortodoxa da tapioca molhada jaacute na apresentaccedilatildeo da pamonha natildeo pode faltar a palha do milho (LIMA 1999)

Foram agraves mulheres as responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do gosto brasileiro

detentoras do patrimocircnio culinaacuterio e da transmissatildeo oral dessa cultura secular As tradiccedilotildees familiares e a oralidade permitem a transmissatildeo e a repeticcedilatildeo de receitas que

correspondem ao elo de restauraccedilatildeo da cozinha familiar e tocam o imaginaacuterio afetivo de cada indiviacuteduo A origem quase miacutetica de certos pratos tem uma dimensatildeo afetiva

que vai desde sua preparaccedilatildeo ateacute sua degustaccedilatildeo evocando a magia e o espiacuterito do

lugar (ARAUacuteJO TENSER 2006)

33 Comunidade do Poccedilo Verde

Na comunidade estudada as pessoas sobrevivem de atividades agropecuaacuteria

comercial e de subsistecircncia chamando carinhosamente de roccedilado criando gado de corte e leite galinha caipira suiacutenos e na agricultura principalmente arroz macaxeira

mandioca (produccedilatildeo de puba) jerimum (aboacutebora) feijatildeo milho e pequi As frutas como

o caju manga bacuri pitomba cajaacute seriguela goiaba banana tem em todo quintal As pessoas tambeacutem participam de accedilotildees e programas governamentais

complementando a renda com programas de assistecircncia governamental como bolsa famiacutelia e aposentadoria rural

Uma atividade bastante cultural eacute a coleta e processamento do coco de babaccedilu

observamos nas figuras 2a 2b e 2c desde o peacute da palmeira ateacute a quebra do coco para obtenccedilatildeo de um precioso liacutequido que origina o oacuteleo de babaccedilu para uso culinaacuterio e

produccedilatildeo do sabatildeo em barra da palha para finalidade de artesanato cestos aacutebanos peneiras e esteiras na construccedilatildeo de casas das folhas secas como telhados janelas e

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cercas nos quintais O resultado da obtenccedilatildeo das amecircndoas surge as cascas que iratildeo alimentar os fogotildees e fornos de barros

Figuras 2 2a- palmeira de babaccedilu 2b e 2c- extraccedilatildeo das amecircndoas Fonte autoria proacutepria

Segundo LUZ (2012) confirma que na produccedilatildeo extrativa vegetal do babaccedilu no

Maranhatildeo os principais produtos satildeo o carvatildeo vegetal lenha madeira em tora e oacuteleo Segundo destaca-se a exploraccedilatildeo da palmeira de babaccedilu que aleacutem da amecircndoa - maior

parte eacute comercializada - as famiacutelias rurais produzem azeite utilizado na preparaccedilatildeo de

alimentos e comercializaccedilatildeo em pequena escala exploram ainda o endocarpo na produccedilatildeo de carvatildeo O autor destaca que a matildeo de obra feminina tem nessa atividade

sua principal fonte de renda Segundo Welthem (2012) os aspectos materiais e imateriais natildeo surgem mais como aacutereas separadas mas como um conjunto uacutenico e

coerente de manifestaccedilotildees muacuteltiplas complexas e interdependentes dos inuacutemeros

componentes da cultura material de um grupo social estruturando a sua produtividade aleacutem de sua apreensatildeo enquanto elemento patrimonial

Antes do consumo dos bolos eacute realizada uma missa para reunir a Comunidade do Poccedilo Verde quanto agrave importacircncia da morte e ressureiccedilatildeo de Cristo consagraccedilatildeo e

agradecimento pela fartura na agricultura e pecuaacuteria vida longa para os idosos bom

parto para as graacutevidas e sauacutede para os enfermos (FIGURA 3)

Figura 3 Missa do encontro da comunidade na missa da Paixatildeo de Cristo

Fonte autoria proacutepria

2a 2b 2c

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

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Posteriormente todos satildeo convidados para degustar os bolos produzidos

(FIGURAS 4a e 4b) acompanhado de cafeacute leite e sucos de frutas (bacuri cajaacute e sapoti) As pessoas que natildeo puderam comparecer satildeo agraciadas com porccedilotildees generosas de

diferentes bolos entregues em cestos de palha em suas residecircncias Esse ato de solidariedade eacute para que nenhum membro se sinta excluiacutedo no evento lituacutergico

promovido pela comunidade do Poccedilo Verde

Figuras 4a e 4b Mesa de degustaccedilatildeo dos bolos apoacutes a missa

Fonte autoria proacutepria

34 Ficha Teacutecnica dos Bolos da Comunidade do poccedilo Verde

Na comunidade pesquisada as senhoras comeccedilam apoacutes o carnaval a armazenar

ovos de capoeira (FIGURA 5a) tambeacutem conhecido como caipira onde todas as famiacutelias

da comunidade tecircm a sua criaccedilatildeo oacuteleo de babaccedilu (FIGURA 5b) massa de mandioca

(FIGURA 5c) este uacuteltimo que apoacutes ser ralada eacute juntada e congelada

Figuras 5 - ovos de capoeira (5a) oacuteleo de babaccedilu (5b) e massa de mandioca (5c)

Fonte autoria proacutepria

Quadro 1 Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo de Puba

5a 5b 5c

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BOLO DE PUBA

Ingredientes Quantidade

Ovos de galinha caipira 40 unidades

Puba (massa de mandioca) 4kilogramas

Oacuteleo de coco de babaccedilu 1 litro

Leite Quanto baste

Sal 20gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes natildeo precisa fermento porque senatildeo racha fica

igual a pele de idosa

Utilizar folhas de bananeira para forrar a forma e asse por 6-7h em um forno de

barro

Fonte autoria proacutepria

Figura 6 Confecccedilatildeo e apresentaccedilatildeo do Bolo de Puba

Fonte autoria proacutepria Na figura 6 observamos que pelo volume de massa a ser misturada as senhoras fazem o esforccedilo em conjunto E no final colocam na mesa para degustaccedilatildeo os bolos

embrulhados nas folhas de bananeira

Quadro 2 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO MANGULAtildeO

Ingredientes Quantidade

Polvilho doce 2 kilogramas

Ovos de galinha caipira 18 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 500 mililitro

Leite Quanto baste

Erva doce Quanto baste

Sal 15gramas

Modo de Preparo

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71

Hidrate o polvilho com o leite depois cozinhe ateacute formar grumos e soltar da panela junte todos os ingredientes restantes e leve ao forno de barro ateacute que o palito seja

retirado da massa natildeo esteja melado

Fonte autoria proacutepria

Figuras 7a e 7b Assamento do Bolo Mangulatildeo (a) e Bolo Pau de Porteiro (b)

Fonte autoria proacutepria

De acordo com a Figura 7a observamos que eacute utilizado forno de barro para cocccedilatildeo dos bolos aquecido previamente com a queima das cascas do babaccedilu Quando

a temperatura atinge entre 200degC a 250degC eacute retirado o resiacuteduo do carvatildeo e colocado os

bolos para assar A destreza e agilidade com que as senhoras colocam e retiram as bandejas de bolo a capacidade de observaccedilatildeo na transformaccedilatildeo da massa cru em ponto

certo do assado mostram a grande habilidade na arte da culinaacuteria local Figuras 7a e

7b

Quadro 3 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO CACETE OU PAU DE PORTEIRO

Ingredientes Quantidade

Tapioca 1Kilograma

Ovos de galinha caipira 6 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 125mililitro

Leite quente 500 mililitro

Accediluacutecar 400gramas

Sal 7gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes decirc o formado ciliacutendrico e alongado enrole na folha

de bananeira e leve ao forno de barro ateacute que o palito quando espetado saia sem

estar melado

Fonte autoria proacutepria

O uso de folhas de bananeiras para envolver as preparaccedilotildees no processo de

assamento dos alimentos na comunidade descende dos costumes dos iacutendios brasileiros

7a 7b

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tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

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haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

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Page 7: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

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Segundo Cascudo (2004) bolo de mandioca tem como ingredientes massa de mandioca mole ou carimatilde leite de coco ovos accediluacutecar branco sal manteiga Mistura-

se bem e peneira-se a massa levando-a ao forno em forma untada de manteiga Estaraacute pronto quando metendo-se um palito esta sai enxuto Tira-se com cuidado da forma

porque o bolo pode rachar A ciecircncia eacute conseguir a crosta bem assada e o conteuacutedo

ligado mas tenro por igual Eacute o mais prestigiado dos bolos de mandioca Na grande festa oferecida ao Conde drsquoEu e Princesa Isabel em outubro de 1889 quando das bodas

de prata laacute estava o gacircteau manioca

Inventaram-se nas casas grandes do Nordeste brasileiro doces e bolos que tomaram nomes de famiacutelia ou de engenhos Souza Leatildeo Guararapes Dr Constacircncio

Cavalcanti Tia Sinhaacute Dona Dondon cujas receitas se conservaram por muito tempo em segredo agraves vezes passando de matildee para filha Houve no Brasil uma maccedilonaria

das mulheres ao lado da maccedilonaria dos homens a das mulheres especializando-se em

guardar segredo das receitas de doces e bolos de famiacutelia (LIMA 1999 SHINOHARA et al 2013)

Ningueacutem sabe que prodiacutegios teriam produzido a cozinha maranhense se os franceses tivessem conseguido se firmar na cidade de Satildeo Luiacutes entretanto a cozinha

da regiatildeo foi se enriquecendo atraveacutes dos seacuteculos com os temperos e os alimentos que

iam chegando da Aacutefrica e da Europa sem nunca perder o gosto indiacutegena pela diversidade tropical No interior do estado ainda se cultiva a arte dos ensopados de

pacas tatus veados e capivaras preparados no oacuteleo de babaccedilu No sertatildeo o mais comum a qualquer hora do dia eacute o bolo de macaxeira ou de tapioca acompanhando as

travessas de batata doce e fruta patildeo (CAVALCANTI 2007)

No Nordeste satildeo peccedilas regionais ou tradicionais ligadas ao preparo e agrave apresentaccedilatildeo de doces e bolos o pilatildeo de pau o grande para pilar milho o pequeno

para machucar os temperos a colher de pau a grande e pequena consideradas

insubstituiacuteveis para mexer certos doces o quengo de coco o raspador de coco o ralo a urupema a peneira de taquara o abano A folha de bananeira eacute indispensaacutevel na

apresentaccedilatildeo ortodoxa da tapioca molhada jaacute na apresentaccedilatildeo da pamonha natildeo pode faltar a palha do milho (LIMA 1999)

Foram agraves mulheres as responsaacuteveis pela formaccedilatildeo do gosto brasileiro

detentoras do patrimocircnio culinaacuterio e da transmissatildeo oral dessa cultura secular As tradiccedilotildees familiares e a oralidade permitem a transmissatildeo e a repeticcedilatildeo de receitas que

correspondem ao elo de restauraccedilatildeo da cozinha familiar e tocam o imaginaacuterio afetivo de cada indiviacuteduo A origem quase miacutetica de certos pratos tem uma dimensatildeo afetiva

que vai desde sua preparaccedilatildeo ateacute sua degustaccedilatildeo evocando a magia e o espiacuterito do

lugar (ARAUacuteJO TENSER 2006)

33 Comunidade do Poccedilo Verde

Na comunidade estudada as pessoas sobrevivem de atividades agropecuaacuteria

comercial e de subsistecircncia chamando carinhosamente de roccedilado criando gado de corte e leite galinha caipira suiacutenos e na agricultura principalmente arroz macaxeira

mandioca (produccedilatildeo de puba) jerimum (aboacutebora) feijatildeo milho e pequi As frutas como

o caju manga bacuri pitomba cajaacute seriguela goiaba banana tem em todo quintal As pessoas tambeacutem participam de accedilotildees e programas governamentais

complementando a renda com programas de assistecircncia governamental como bolsa famiacutelia e aposentadoria rural

Uma atividade bastante cultural eacute a coleta e processamento do coco de babaccedilu

observamos nas figuras 2a 2b e 2c desde o peacute da palmeira ateacute a quebra do coco para obtenccedilatildeo de um precioso liacutequido que origina o oacuteleo de babaccedilu para uso culinaacuterio e

produccedilatildeo do sabatildeo em barra da palha para finalidade de artesanato cestos aacutebanos peneiras e esteiras na construccedilatildeo de casas das folhas secas como telhados janelas e

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cercas nos quintais O resultado da obtenccedilatildeo das amecircndoas surge as cascas que iratildeo alimentar os fogotildees e fornos de barros

Figuras 2 2a- palmeira de babaccedilu 2b e 2c- extraccedilatildeo das amecircndoas Fonte autoria proacutepria

Segundo LUZ (2012) confirma que na produccedilatildeo extrativa vegetal do babaccedilu no

Maranhatildeo os principais produtos satildeo o carvatildeo vegetal lenha madeira em tora e oacuteleo Segundo destaca-se a exploraccedilatildeo da palmeira de babaccedilu que aleacutem da amecircndoa - maior

parte eacute comercializada - as famiacutelias rurais produzem azeite utilizado na preparaccedilatildeo de

alimentos e comercializaccedilatildeo em pequena escala exploram ainda o endocarpo na produccedilatildeo de carvatildeo O autor destaca que a matildeo de obra feminina tem nessa atividade

sua principal fonte de renda Segundo Welthem (2012) os aspectos materiais e imateriais natildeo surgem mais como aacutereas separadas mas como um conjunto uacutenico e

coerente de manifestaccedilotildees muacuteltiplas complexas e interdependentes dos inuacutemeros

componentes da cultura material de um grupo social estruturando a sua produtividade aleacutem de sua apreensatildeo enquanto elemento patrimonial

Antes do consumo dos bolos eacute realizada uma missa para reunir a Comunidade do Poccedilo Verde quanto agrave importacircncia da morte e ressureiccedilatildeo de Cristo consagraccedilatildeo e

agradecimento pela fartura na agricultura e pecuaacuteria vida longa para os idosos bom

parto para as graacutevidas e sauacutede para os enfermos (FIGURA 3)

Figura 3 Missa do encontro da comunidade na missa da Paixatildeo de Cristo

Fonte autoria proacutepria

2a 2b 2c

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Posteriormente todos satildeo convidados para degustar os bolos produzidos

(FIGURAS 4a e 4b) acompanhado de cafeacute leite e sucos de frutas (bacuri cajaacute e sapoti) As pessoas que natildeo puderam comparecer satildeo agraciadas com porccedilotildees generosas de

diferentes bolos entregues em cestos de palha em suas residecircncias Esse ato de solidariedade eacute para que nenhum membro se sinta excluiacutedo no evento lituacutergico

promovido pela comunidade do Poccedilo Verde

Figuras 4a e 4b Mesa de degustaccedilatildeo dos bolos apoacutes a missa

Fonte autoria proacutepria

34 Ficha Teacutecnica dos Bolos da Comunidade do poccedilo Verde

Na comunidade pesquisada as senhoras comeccedilam apoacutes o carnaval a armazenar

ovos de capoeira (FIGURA 5a) tambeacutem conhecido como caipira onde todas as famiacutelias

da comunidade tecircm a sua criaccedilatildeo oacuteleo de babaccedilu (FIGURA 5b) massa de mandioca

(FIGURA 5c) este uacuteltimo que apoacutes ser ralada eacute juntada e congelada

Figuras 5 - ovos de capoeira (5a) oacuteleo de babaccedilu (5b) e massa de mandioca (5c)

Fonte autoria proacutepria

Quadro 1 Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo de Puba

5a 5b 5c

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BOLO DE PUBA

Ingredientes Quantidade

Ovos de galinha caipira 40 unidades

Puba (massa de mandioca) 4kilogramas

Oacuteleo de coco de babaccedilu 1 litro

Leite Quanto baste

Sal 20gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes natildeo precisa fermento porque senatildeo racha fica

igual a pele de idosa

Utilizar folhas de bananeira para forrar a forma e asse por 6-7h em um forno de

barro

Fonte autoria proacutepria

Figura 6 Confecccedilatildeo e apresentaccedilatildeo do Bolo de Puba

Fonte autoria proacutepria Na figura 6 observamos que pelo volume de massa a ser misturada as senhoras fazem o esforccedilo em conjunto E no final colocam na mesa para degustaccedilatildeo os bolos

embrulhados nas folhas de bananeira

Quadro 2 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO MANGULAtildeO

Ingredientes Quantidade

Polvilho doce 2 kilogramas

Ovos de galinha caipira 18 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 500 mililitro

Leite Quanto baste

Erva doce Quanto baste

Sal 15gramas

Modo de Preparo

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Hidrate o polvilho com o leite depois cozinhe ateacute formar grumos e soltar da panela junte todos os ingredientes restantes e leve ao forno de barro ateacute que o palito seja

retirado da massa natildeo esteja melado

Fonte autoria proacutepria

Figuras 7a e 7b Assamento do Bolo Mangulatildeo (a) e Bolo Pau de Porteiro (b)

Fonte autoria proacutepria

De acordo com a Figura 7a observamos que eacute utilizado forno de barro para cocccedilatildeo dos bolos aquecido previamente com a queima das cascas do babaccedilu Quando

a temperatura atinge entre 200degC a 250degC eacute retirado o resiacuteduo do carvatildeo e colocado os

bolos para assar A destreza e agilidade com que as senhoras colocam e retiram as bandejas de bolo a capacidade de observaccedilatildeo na transformaccedilatildeo da massa cru em ponto

certo do assado mostram a grande habilidade na arte da culinaacuteria local Figuras 7a e

7b

Quadro 3 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO CACETE OU PAU DE PORTEIRO

Ingredientes Quantidade

Tapioca 1Kilograma

Ovos de galinha caipira 6 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 125mililitro

Leite quente 500 mililitro

Accediluacutecar 400gramas

Sal 7gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes decirc o formado ciliacutendrico e alongado enrole na folha

de bananeira e leve ao forno de barro ateacute que o palito quando espetado saia sem

estar melado

Fonte autoria proacutepria

O uso de folhas de bananeiras para envolver as preparaccedilotildees no processo de

assamento dos alimentos na comunidade descende dos costumes dos iacutendios brasileiros

7a 7b

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tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

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haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

Referecircncia Bibliograacutefica

Arauacutejo W M C Tenser C M R (2006) Gastronomia Cortes amp Recortes Brasiacutelia

Senac 2006

Barcelo DMS Antocircnio LC Rodrigues JPM Oliveira LF Itamar Pereira de Oliveira IP (2014) Processamento e anaacutelise sensorial de bolo de chocolate com

farelo de mandioca desidratado Revista Faculdade Montes Belos (FMB) v 7 ndeg 1

2014 p (114-129) ISSN 1808-8597

Bona D F (2010) O Ceacuteu na Boca Rio de Janeiro Tinta Negra 2010

Cascudo L C (2004) Histoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasil Satildeo Paulo Global 2004

Cavalcanti P (2007) A Paacutetria nas Panelas Histoacuteria e Receitas da Cozinha

Brasileira Satildeo Paulo Senac 2007

Fernandes C (2005) Viagem Gastronocircmica atraveacutes do Brasil Satildeo Paulo Senac

2005

Freixa D Chaves G (2009) Gastronomia no Brasil e no Mundo Rio de Janeiro

Senac Nacional 2009

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica [IBGE] Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=210770ampsearch=mar

anhao|paraibano|infograficos-historico Acesso em 25 de outubro de 2017

Kovesi B Siffert C Crema C Martinoli G (2007) 400g Teacutecnicas de Cozinha

Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2007

Leal M L M S (1998) A Histoacuteria da Gastronomia Rio de Janeiro Senac 1998

Leonardo M (2009) ANTROPOLOGIA DA ALIMENTACcedilAtildeO ANTROPOS ndash Revista de

Antropologia ndash Volume 3 Ano 2 Dezembro de 2009 ndash ISSN 1982-1050

Lima C (1999) Tachos e Panelas Historiografia da Alimentaccedilatildeo Brasileira

Recife Aurora 1999

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

74

Lody R (2008) Brasil Bom de Boca Satildeo Paulo Senac 2008

LUZ D S (2012) Programa de Accedilatildeo Nacional de Combate agrave Desertificaccedilatildeo e

Mitigaccedilatildeo dos Efeitos da Seca Disponiacutevel em

wwwmmagovbrestruturassedr_desertif_panorama_maranhaodoc

Montanari M (2009) O Mundo na Cozinha Histoacuteria Identidade e Trocas Satildeo

Paulo Estaccedilatildeo Liberdade 2009

Ornellas L H (2008) A Alimentaccedilatildeo atraveacutes dos Tempos Florianoacutepolis UFSC

2008

Pereira E (2015) As mulheres por traacutes da face de Cristo apropriaccedilotildees performances e ambivalecircncias da Verocircnica Revista Religiatildeo e Sociedade Rio de

Janeiro v 35 n 1 p193-215 June2015 Disponiacutevel em httpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0100-

85872015000100193amplng=enampnrm=isogt Acessado em 24 July 2017

Philippi S T (2006) Nutriccedilatildeo e Teacutecnica Dieteacutetica Satildeo Paulo Manole 2006

Portal Brasil httpwwwbrasilgovbrcultura200910gastronomia

Shinohara N K S martins C oliveira K K G padilha M R F pinto I M A (2013) O Bolo Souza Leatildeo Pernambuco dos Sabores Culturais Revista Contexto

da Alimentaccedilatildeo v1 n1 2013

Souto Maior M (2012) Comes e Bebes do Nordeste Recife Massangana 2012

Page 8: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

68

cercas nos quintais O resultado da obtenccedilatildeo das amecircndoas surge as cascas que iratildeo alimentar os fogotildees e fornos de barros

Figuras 2 2a- palmeira de babaccedilu 2b e 2c- extraccedilatildeo das amecircndoas Fonte autoria proacutepria

Segundo LUZ (2012) confirma que na produccedilatildeo extrativa vegetal do babaccedilu no

Maranhatildeo os principais produtos satildeo o carvatildeo vegetal lenha madeira em tora e oacuteleo Segundo destaca-se a exploraccedilatildeo da palmeira de babaccedilu que aleacutem da amecircndoa - maior

parte eacute comercializada - as famiacutelias rurais produzem azeite utilizado na preparaccedilatildeo de

alimentos e comercializaccedilatildeo em pequena escala exploram ainda o endocarpo na produccedilatildeo de carvatildeo O autor destaca que a matildeo de obra feminina tem nessa atividade

sua principal fonte de renda Segundo Welthem (2012) os aspectos materiais e imateriais natildeo surgem mais como aacutereas separadas mas como um conjunto uacutenico e

coerente de manifestaccedilotildees muacuteltiplas complexas e interdependentes dos inuacutemeros

componentes da cultura material de um grupo social estruturando a sua produtividade aleacutem de sua apreensatildeo enquanto elemento patrimonial

Antes do consumo dos bolos eacute realizada uma missa para reunir a Comunidade do Poccedilo Verde quanto agrave importacircncia da morte e ressureiccedilatildeo de Cristo consagraccedilatildeo e

agradecimento pela fartura na agricultura e pecuaacuteria vida longa para os idosos bom

parto para as graacutevidas e sauacutede para os enfermos (FIGURA 3)

Figura 3 Missa do encontro da comunidade na missa da Paixatildeo de Cristo

Fonte autoria proacutepria

2a 2b 2c

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

69

Posteriormente todos satildeo convidados para degustar os bolos produzidos

(FIGURAS 4a e 4b) acompanhado de cafeacute leite e sucos de frutas (bacuri cajaacute e sapoti) As pessoas que natildeo puderam comparecer satildeo agraciadas com porccedilotildees generosas de

diferentes bolos entregues em cestos de palha em suas residecircncias Esse ato de solidariedade eacute para que nenhum membro se sinta excluiacutedo no evento lituacutergico

promovido pela comunidade do Poccedilo Verde

Figuras 4a e 4b Mesa de degustaccedilatildeo dos bolos apoacutes a missa

Fonte autoria proacutepria

34 Ficha Teacutecnica dos Bolos da Comunidade do poccedilo Verde

Na comunidade pesquisada as senhoras comeccedilam apoacutes o carnaval a armazenar

ovos de capoeira (FIGURA 5a) tambeacutem conhecido como caipira onde todas as famiacutelias

da comunidade tecircm a sua criaccedilatildeo oacuteleo de babaccedilu (FIGURA 5b) massa de mandioca

(FIGURA 5c) este uacuteltimo que apoacutes ser ralada eacute juntada e congelada

Figuras 5 - ovos de capoeira (5a) oacuteleo de babaccedilu (5b) e massa de mandioca (5c)

Fonte autoria proacutepria

Quadro 1 Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo de Puba

5a 5b 5c

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

70

BOLO DE PUBA

Ingredientes Quantidade

Ovos de galinha caipira 40 unidades

Puba (massa de mandioca) 4kilogramas

Oacuteleo de coco de babaccedilu 1 litro

Leite Quanto baste

Sal 20gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes natildeo precisa fermento porque senatildeo racha fica

igual a pele de idosa

Utilizar folhas de bananeira para forrar a forma e asse por 6-7h em um forno de

barro

Fonte autoria proacutepria

Figura 6 Confecccedilatildeo e apresentaccedilatildeo do Bolo de Puba

Fonte autoria proacutepria Na figura 6 observamos que pelo volume de massa a ser misturada as senhoras fazem o esforccedilo em conjunto E no final colocam na mesa para degustaccedilatildeo os bolos

embrulhados nas folhas de bananeira

Quadro 2 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO MANGULAtildeO

Ingredientes Quantidade

Polvilho doce 2 kilogramas

Ovos de galinha caipira 18 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 500 mililitro

Leite Quanto baste

Erva doce Quanto baste

Sal 15gramas

Modo de Preparo

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

71

Hidrate o polvilho com o leite depois cozinhe ateacute formar grumos e soltar da panela junte todos os ingredientes restantes e leve ao forno de barro ateacute que o palito seja

retirado da massa natildeo esteja melado

Fonte autoria proacutepria

Figuras 7a e 7b Assamento do Bolo Mangulatildeo (a) e Bolo Pau de Porteiro (b)

Fonte autoria proacutepria

De acordo com a Figura 7a observamos que eacute utilizado forno de barro para cocccedilatildeo dos bolos aquecido previamente com a queima das cascas do babaccedilu Quando

a temperatura atinge entre 200degC a 250degC eacute retirado o resiacuteduo do carvatildeo e colocado os

bolos para assar A destreza e agilidade com que as senhoras colocam e retiram as bandejas de bolo a capacidade de observaccedilatildeo na transformaccedilatildeo da massa cru em ponto

certo do assado mostram a grande habilidade na arte da culinaacuteria local Figuras 7a e

7b

Quadro 3 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO CACETE OU PAU DE PORTEIRO

Ingredientes Quantidade

Tapioca 1Kilograma

Ovos de galinha caipira 6 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 125mililitro

Leite quente 500 mililitro

Accediluacutecar 400gramas

Sal 7gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes decirc o formado ciliacutendrico e alongado enrole na folha

de bananeira e leve ao forno de barro ateacute que o palito quando espetado saia sem

estar melado

Fonte autoria proacutepria

O uso de folhas de bananeiras para envolver as preparaccedilotildees no processo de

assamento dos alimentos na comunidade descende dos costumes dos iacutendios brasileiros

7a 7b

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

72

tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

73

haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

Referecircncia Bibliograacutefica

Arauacutejo W M C Tenser C M R (2006) Gastronomia Cortes amp Recortes Brasiacutelia

Senac 2006

Barcelo DMS Antocircnio LC Rodrigues JPM Oliveira LF Itamar Pereira de Oliveira IP (2014) Processamento e anaacutelise sensorial de bolo de chocolate com

farelo de mandioca desidratado Revista Faculdade Montes Belos (FMB) v 7 ndeg 1

2014 p (114-129) ISSN 1808-8597

Bona D F (2010) O Ceacuteu na Boca Rio de Janeiro Tinta Negra 2010

Cascudo L C (2004) Histoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasil Satildeo Paulo Global 2004

Cavalcanti P (2007) A Paacutetria nas Panelas Histoacuteria e Receitas da Cozinha

Brasileira Satildeo Paulo Senac 2007

Fernandes C (2005) Viagem Gastronocircmica atraveacutes do Brasil Satildeo Paulo Senac

2005

Freixa D Chaves G (2009) Gastronomia no Brasil e no Mundo Rio de Janeiro

Senac Nacional 2009

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica [IBGE] Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=210770ampsearch=mar

anhao|paraibano|infograficos-historico Acesso em 25 de outubro de 2017

Kovesi B Siffert C Crema C Martinoli G (2007) 400g Teacutecnicas de Cozinha

Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2007

Leal M L M S (1998) A Histoacuteria da Gastronomia Rio de Janeiro Senac 1998

Leonardo M (2009) ANTROPOLOGIA DA ALIMENTACcedilAtildeO ANTROPOS ndash Revista de

Antropologia ndash Volume 3 Ano 2 Dezembro de 2009 ndash ISSN 1982-1050

Lima C (1999) Tachos e Panelas Historiografia da Alimentaccedilatildeo Brasileira

Recife Aurora 1999

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

74

Lody R (2008) Brasil Bom de Boca Satildeo Paulo Senac 2008

LUZ D S (2012) Programa de Accedilatildeo Nacional de Combate agrave Desertificaccedilatildeo e

Mitigaccedilatildeo dos Efeitos da Seca Disponiacutevel em

wwwmmagovbrestruturassedr_desertif_panorama_maranhaodoc

Montanari M (2009) O Mundo na Cozinha Histoacuteria Identidade e Trocas Satildeo

Paulo Estaccedilatildeo Liberdade 2009

Ornellas L H (2008) A Alimentaccedilatildeo atraveacutes dos Tempos Florianoacutepolis UFSC

2008

Pereira E (2015) As mulheres por traacutes da face de Cristo apropriaccedilotildees performances e ambivalecircncias da Verocircnica Revista Religiatildeo e Sociedade Rio de

Janeiro v 35 n 1 p193-215 June2015 Disponiacutevel em httpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0100-

85872015000100193amplng=enampnrm=isogt Acessado em 24 July 2017

Philippi S T (2006) Nutriccedilatildeo e Teacutecnica Dieteacutetica Satildeo Paulo Manole 2006

Portal Brasil httpwwwbrasilgovbrcultura200910gastronomia

Shinohara N K S martins C oliveira K K G padilha M R F pinto I M A (2013) O Bolo Souza Leatildeo Pernambuco dos Sabores Culturais Revista Contexto

da Alimentaccedilatildeo v1 n1 2013

Souto Maior M (2012) Comes e Bebes do Nordeste Recife Massangana 2012

Page 9: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

69

Posteriormente todos satildeo convidados para degustar os bolos produzidos

(FIGURAS 4a e 4b) acompanhado de cafeacute leite e sucos de frutas (bacuri cajaacute e sapoti) As pessoas que natildeo puderam comparecer satildeo agraciadas com porccedilotildees generosas de

diferentes bolos entregues em cestos de palha em suas residecircncias Esse ato de solidariedade eacute para que nenhum membro se sinta excluiacutedo no evento lituacutergico

promovido pela comunidade do Poccedilo Verde

Figuras 4a e 4b Mesa de degustaccedilatildeo dos bolos apoacutes a missa

Fonte autoria proacutepria

34 Ficha Teacutecnica dos Bolos da Comunidade do poccedilo Verde

Na comunidade pesquisada as senhoras comeccedilam apoacutes o carnaval a armazenar

ovos de capoeira (FIGURA 5a) tambeacutem conhecido como caipira onde todas as famiacutelias

da comunidade tecircm a sua criaccedilatildeo oacuteleo de babaccedilu (FIGURA 5b) massa de mandioca

(FIGURA 5c) este uacuteltimo que apoacutes ser ralada eacute juntada e congelada

Figuras 5 - ovos de capoeira (5a) oacuteleo de babaccedilu (5b) e massa de mandioca (5c)

Fonte autoria proacutepria

Quadro 1 Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo de Puba

5a 5b 5c

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

70

BOLO DE PUBA

Ingredientes Quantidade

Ovos de galinha caipira 40 unidades

Puba (massa de mandioca) 4kilogramas

Oacuteleo de coco de babaccedilu 1 litro

Leite Quanto baste

Sal 20gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes natildeo precisa fermento porque senatildeo racha fica

igual a pele de idosa

Utilizar folhas de bananeira para forrar a forma e asse por 6-7h em um forno de

barro

Fonte autoria proacutepria

Figura 6 Confecccedilatildeo e apresentaccedilatildeo do Bolo de Puba

Fonte autoria proacutepria Na figura 6 observamos que pelo volume de massa a ser misturada as senhoras fazem o esforccedilo em conjunto E no final colocam na mesa para degustaccedilatildeo os bolos

embrulhados nas folhas de bananeira

Quadro 2 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO MANGULAtildeO

Ingredientes Quantidade

Polvilho doce 2 kilogramas

Ovos de galinha caipira 18 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 500 mililitro

Leite Quanto baste

Erva doce Quanto baste

Sal 15gramas

Modo de Preparo

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

71

Hidrate o polvilho com o leite depois cozinhe ateacute formar grumos e soltar da panela junte todos os ingredientes restantes e leve ao forno de barro ateacute que o palito seja

retirado da massa natildeo esteja melado

Fonte autoria proacutepria

Figuras 7a e 7b Assamento do Bolo Mangulatildeo (a) e Bolo Pau de Porteiro (b)

Fonte autoria proacutepria

De acordo com a Figura 7a observamos que eacute utilizado forno de barro para cocccedilatildeo dos bolos aquecido previamente com a queima das cascas do babaccedilu Quando

a temperatura atinge entre 200degC a 250degC eacute retirado o resiacuteduo do carvatildeo e colocado os

bolos para assar A destreza e agilidade com que as senhoras colocam e retiram as bandejas de bolo a capacidade de observaccedilatildeo na transformaccedilatildeo da massa cru em ponto

certo do assado mostram a grande habilidade na arte da culinaacuteria local Figuras 7a e

7b

Quadro 3 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO CACETE OU PAU DE PORTEIRO

Ingredientes Quantidade

Tapioca 1Kilograma

Ovos de galinha caipira 6 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 125mililitro

Leite quente 500 mililitro

Accediluacutecar 400gramas

Sal 7gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes decirc o formado ciliacutendrico e alongado enrole na folha

de bananeira e leve ao forno de barro ateacute que o palito quando espetado saia sem

estar melado

Fonte autoria proacutepria

O uso de folhas de bananeiras para envolver as preparaccedilotildees no processo de

assamento dos alimentos na comunidade descende dos costumes dos iacutendios brasileiros

7a 7b

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

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tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

73

haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

Referecircncia Bibliograacutefica

Arauacutejo W M C Tenser C M R (2006) Gastronomia Cortes amp Recortes Brasiacutelia

Senac 2006

Barcelo DMS Antocircnio LC Rodrigues JPM Oliveira LF Itamar Pereira de Oliveira IP (2014) Processamento e anaacutelise sensorial de bolo de chocolate com

farelo de mandioca desidratado Revista Faculdade Montes Belos (FMB) v 7 ndeg 1

2014 p (114-129) ISSN 1808-8597

Bona D F (2010) O Ceacuteu na Boca Rio de Janeiro Tinta Negra 2010

Cascudo L C (2004) Histoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasil Satildeo Paulo Global 2004

Cavalcanti P (2007) A Paacutetria nas Panelas Histoacuteria e Receitas da Cozinha

Brasileira Satildeo Paulo Senac 2007

Fernandes C (2005) Viagem Gastronocircmica atraveacutes do Brasil Satildeo Paulo Senac

2005

Freixa D Chaves G (2009) Gastronomia no Brasil e no Mundo Rio de Janeiro

Senac Nacional 2009

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica [IBGE] Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=210770ampsearch=mar

anhao|paraibano|infograficos-historico Acesso em 25 de outubro de 2017

Kovesi B Siffert C Crema C Martinoli G (2007) 400g Teacutecnicas de Cozinha

Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2007

Leal M L M S (1998) A Histoacuteria da Gastronomia Rio de Janeiro Senac 1998

Leonardo M (2009) ANTROPOLOGIA DA ALIMENTACcedilAtildeO ANTROPOS ndash Revista de

Antropologia ndash Volume 3 Ano 2 Dezembro de 2009 ndash ISSN 1982-1050

Lima C (1999) Tachos e Panelas Historiografia da Alimentaccedilatildeo Brasileira

Recife Aurora 1999

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

74

Lody R (2008) Brasil Bom de Boca Satildeo Paulo Senac 2008

LUZ D S (2012) Programa de Accedilatildeo Nacional de Combate agrave Desertificaccedilatildeo e

Mitigaccedilatildeo dos Efeitos da Seca Disponiacutevel em

wwwmmagovbrestruturassedr_desertif_panorama_maranhaodoc

Montanari M (2009) O Mundo na Cozinha Histoacuteria Identidade e Trocas Satildeo

Paulo Estaccedilatildeo Liberdade 2009

Ornellas L H (2008) A Alimentaccedilatildeo atraveacutes dos Tempos Florianoacutepolis UFSC

2008

Pereira E (2015) As mulheres por traacutes da face de Cristo apropriaccedilotildees performances e ambivalecircncias da Verocircnica Revista Religiatildeo e Sociedade Rio de

Janeiro v 35 n 1 p193-215 June2015 Disponiacutevel em httpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0100-

85872015000100193amplng=enampnrm=isogt Acessado em 24 July 2017

Philippi S T (2006) Nutriccedilatildeo e Teacutecnica Dieteacutetica Satildeo Paulo Manole 2006

Portal Brasil httpwwwbrasilgovbrcultura200910gastronomia

Shinohara N K S martins C oliveira K K G padilha M R F pinto I M A (2013) O Bolo Souza Leatildeo Pernambuco dos Sabores Culturais Revista Contexto

da Alimentaccedilatildeo v1 n1 2013

Souto Maior M (2012) Comes e Bebes do Nordeste Recife Massangana 2012

Page 10: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

70

BOLO DE PUBA

Ingredientes Quantidade

Ovos de galinha caipira 40 unidades

Puba (massa de mandioca) 4kilogramas

Oacuteleo de coco de babaccedilu 1 litro

Leite Quanto baste

Sal 20gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes natildeo precisa fermento porque senatildeo racha fica

igual a pele de idosa

Utilizar folhas de bananeira para forrar a forma e asse por 6-7h em um forno de

barro

Fonte autoria proacutepria

Figura 6 Confecccedilatildeo e apresentaccedilatildeo do Bolo de Puba

Fonte autoria proacutepria Na figura 6 observamos que pelo volume de massa a ser misturada as senhoras fazem o esforccedilo em conjunto E no final colocam na mesa para degustaccedilatildeo os bolos

embrulhados nas folhas de bananeira

Quadro 2 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO MANGULAtildeO

Ingredientes Quantidade

Polvilho doce 2 kilogramas

Ovos de galinha caipira 18 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 500 mililitro

Leite Quanto baste

Erva doce Quanto baste

Sal 15gramas

Modo de Preparo

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

71

Hidrate o polvilho com o leite depois cozinhe ateacute formar grumos e soltar da panela junte todos os ingredientes restantes e leve ao forno de barro ateacute que o palito seja

retirado da massa natildeo esteja melado

Fonte autoria proacutepria

Figuras 7a e 7b Assamento do Bolo Mangulatildeo (a) e Bolo Pau de Porteiro (b)

Fonte autoria proacutepria

De acordo com a Figura 7a observamos que eacute utilizado forno de barro para cocccedilatildeo dos bolos aquecido previamente com a queima das cascas do babaccedilu Quando

a temperatura atinge entre 200degC a 250degC eacute retirado o resiacuteduo do carvatildeo e colocado os

bolos para assar A destreza e agilidade com que as senhoras colocam e retiram as bandejas de bolo a capacidade de observaccedilatildeo na transformaccedilatildeo da massa cru em ponto

certo do assado mostram a grande habilidade na arte da culinaacuteria local Figuras 7a e

7b

Quadro 3 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO CACETE OU PAU DE PORTEIRO

Ingredientes Quantidade

Tapioca 1Kilograma

Ovos de galinha caipira 6 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 125mililitro

Leite quente 500 mililitro

Accediluacutecar 400gramas

Sal 7gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes decirc o formado ciliacutendrico e alongado enrole na folha

de bananeira e leve ao forno de barro ateacute que o palito quando espetado saia sem

estar melado

Fonte autoria proacutepria

O uso de folhas de bananeiras para envolver as preparaccedilotildees no processo de

assamento dos alimentos na comunidade descende dos costumes dos iacutendios brasileiros

7a 7b

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

72

tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

73

haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

Referecircncia Bibliograacutefica

Arauacutejo W M C Tenser C M R (2006) Gastronomia Cortes amp Recortes Brasiacutelia

Senac 2006

Barcelo DMS Antocircnio LC Rodrigues JPM Oliveira LF Itamar Pereira de Oliveira IP (2014) Processamento e anaacutelise sensorial de bolo de chocolate com

farelo de mandioca desidratado Revista Faculdade Montes Belos (FMB) v 7 ndeg 1

2014 p (114-129) ISSN 1808-8597

Bona D F (2010) O Ceacuteu na Boca Rio de Janeiro Tinta Negra 2010

Cascudo L C (2004) Histoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasil Satildeo Paulo Global 2004

Cavalcanti P (2007) A Paacutetria nas Panelas Histoacuteria e Receitas da Cozinha

Brasileira Satildeo Paulo Senac 2007

Fernandes C (2005) Viagem Gastronocircmica atraveacutes do Brasil Satildeo Paulo Senac

2005

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Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica [IBGE] Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=210770ampsearch=mar

anhao|paraibano|infograficos-historico Acesso em 25 de outubro de 2017

Kovesi B Siffert C Crema C Martinoli G (2007) 400g Teacutecnicas de Cozinha

Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2007

Leal M L M S (1998) A Histoacuteria da Gastronomia Rio de Janeiro Senac 1998

Leonardo M (2009) ANTROPOLOGIA DA ALIMENTACcedilAtildeO ANTROPOS ndash Revista de

Antropologia ndash Volume 3 Ano 2 Dezembro de 2009 ndash ISSN 1982-1050

Lima C (1999) Tachos e Panelas Historiografia da Alimentaccedilatildeo Brasileira

Recife Aurora 1999

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

74

Lody R (2008) Brasil Bom de Boca Satildeo Paulo Senac 2008

LUZ D S (2012) Programa de Accedilatildeo Nacional de Combate agrave Desertificaccedilatildeo e

Mitigaccedilatildeo dos Efeitos da Seca Disponiacutevel em

wwwmmagovbrestruturassedr_desertif_panorama_maranhaodoc

Montanari M (2009) O Mundo na Cozinha Histoacuteria Identidade e Trocas Satildeo

Paulo Estaccedilatildeo Liberdade 2009

Ornellas L H (2008) A Alimentaccedilatildeo atraveacutes dos Tempos Florianoacutepolis UFSC

2008

Pereira E (2015) As mulheres por traacutes da face de Cristo apropriaccedilotildees performances e ambivalecircncias da Verocircnica Revista Religiatildeo e Sociedade Rio de

Janeiro v 35 n 1 p193-215 June2015 Disponiacutevel em httpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0100-

85872015000100193amplng=enampnrm=isogt Acessado em 24 July 2017

Philippi S T (2006) Nutriccedilatildeo e Teacutecnica Dieteacutetica Satildeo Paulo Manole 2006

Portal Brasil httpwwwbrasilgovbrcultura200910gastronomia

Shinohara N K S martins C oliveira K K G padilha M R F pinto I M A (2013) O Bolo Souza Leatildeo Pernambuco dos Sabores Culturais Revista Contexto

da Alimentaccedilatildeo v1 n1 2013

Souto Maior M (2012) Comes e Bebes do Nordeste Recife Massangana 2012

Page 11: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

71

Hidrate o polvilho com o leite depois cozinhe ateacute formar grumos e soltar da panela junte todos os ingredientes restantes e leve ao forno de barro ateacute que o palito seja

retirado da massa natildeo esteja melado

Fonte autoria proacutepria

Figuras 7a e 7b Assamento do Bolo Mangulatildeo (a) e Bolo Pau de Porteiro (b)

Fonte autoria proacutepria

De acordo com a Figura 7a observamos que eacute utilizado forno de barro para cocccedilatildeo dos bolos aquecido previamente com a queima das cascas do babaccedilu Quando

a temperatura atinge entre 200degC a 250degC eacute retirado o resiacuteduo do carvatildeo e colocado os

bolos para assar A destreza e agilidade com que as senhoras colocam e retiram as bandejas de bolo a capacidade de observaccedilatildeo na transformaccedilatildeo da massa cru em ponto

certo do assado mostram a grande habilidade na arte da culinaacuteria local Figuras 7a e

7b

Quadro 3 Roteiro de confecccedilatildeo para produccedilatildeo do Bolo Mangulatildeo

BOLO CACETE OU PAU DE PORTEIRO

Ingredientes Quantidade

Tapioca 1Kilograma

Ovos de galinha caipira 6 unidades

Oacuteleo de coco de babaccedilu 125mililitro

Leite quente 500 mililitro

Accediluacutecar 400gramas

Sal 7gramas

Modo de Preparo

Misture todos os ingredientes decirc o formado ciliacutendrico e alongado enrole na folha

de bananeira e leve ao forno de barro ateacute que o palito quando espetado saia sem

estar melado

Fonte autoria proacutepria

O uso de folhas de bananeiras para envolver as preparaccedilotildees no processo de

assamento dos alimentos na comunidade descende dos costumes dos iacutendios brasileiros

7a 7b

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

72

tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

73

haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

Referecircncia Bibliograacutefica

Arauacutejo W M C Tenser C M R (2006) Gastronomia Cortes amp Recortes Brasiacutelia

Senac 2006

Barcelo DMS Antocircnio LC Rodrigues JPM Oliveira LF Itamar Pereira de Oliveira IP (2014) Processamento e anaacutelise sensorial de bolo de chocolate com

farelo de mandioca desidratado Revista Faculdade Montes Belos (FMB) v 7 ndeg 1

2014 p (114-129) ISSN 1808-8597

Bona D F (2010) O Ceacuteu na Boca Rio de Janeiro Tinta Negra 2010

Cascudo L C (2004) Histoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasil Satildeo Paulo Global 2004

Cavalcanti P (2007) A Paacutetria nas Panelas Histoacuteria e Receitas da Cozinha

Brasileira Satildeo Paulo Senac 2007

Fernandes C (2005) Viagem Gastronocircmica atraveacutes do Brasil Satildeo Paulo Senac

2005

Freixa D Chaves G (2009) Gastronomia no Brasil e no Mundo Rio de Janeiro

Senac Nacional 2009

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatiacutestica [IBGE] Disponiacutevel em

httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=210770ampsearch=mar

anhao|paraibano|infograficos-historico Acesso em 25 de outubro de 2017

Kovesi B Siffert C Crema C Martinoli G (2007) 400g Teacutecnicas de Cozinha

Satildeo Paulo Companhia Editora Nacional 2007

Leal M L M S (1998) A Histoacuteria da Gastronomia Rio de Janeiro Senac 1998

Leonardo M (2009) ANTROPOLOGIA DA ALIMENTACcedilAtildeO ANTROPOS ndash Revista de

Antropologia ndash Volume 3 Ano 2 Dezembro de 2009 ndash ISSN 1982-1050

Lima C (1999) Tachos e Panelas Historiografia da Alimentaccedilatildeo Brasileira

Recife Aurora 1999

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

74

Lody R (2008) Brasil Bom de Boca Satildeo Paulo Senac 2008

LUZ D S (2012) Programa de Accedilatildeo Nacional de Combate agrave Desertificaccedilatildeo e

Mitigaccedilatildeo dos Efeitos da Seca Disponiacutevel em

wwwmmagovbrestruturassedr_desertif_panorama_maranhaodoc

Montanari M (2009) O Mundo na Cozinha Histoacuteria Identidade e Trocas Satildeo

Paulo Estaccedilatildeo Liberdade 2009

Ornellas L H (2008) A Alimentaccedilatildeo atraveacutes dos Tempos Florianoacutepolis UFSC

2008

Pereira E (2015) As mulheres por traacutes da face de Cristo apropriaccedilotildees performances e ambivalecircncias da Verocircnica Revista Religiatildeo e Sociedade Rio de

Janeiro v 35 n 1 p193-215 June2015 Disponiacutevel em httpwwwscielobrscielophpscript=sci_arttextamppid=S0100-

85872015000100193amplng=enampnrm=isogt Acessado em 24 July 2017

Philippi S T (2006) Nutriccedilatildeo e Teacutecnica Dieteacutetica Satildeo Paulo Manole 2006

Portal Brasil httpwwwbrasilgovbrcultura200910gastronomia

Shinohara N K S martins C oliveira K K G padilha M R F pinto I M A (2013) O Bolo Souza Leatildeo Pernambuco dos Sabores Culturais Revista Contexto

da Alimentaccedilatildeo v1 n1 2013

Souto Maior M (2012) Comes e Bebes do Nordeste Recife Massangana 2012

Page 12: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

Contextos da Alimentaccedilatildeo ndash Revista de Comportamento Cultura e Sociedade

Vol 6 no 1 ndash Dezembro de 2018

72

tatildeo bem registrado por Cacircmara Cascudo (2004) em sua obra ldquoHistoacuteria da Alimentaccedilatildeo no Brasilrdquo

Figuras 8a e 8b Roteiro de confecccedilatildeo do Bolo Cacete ou pau de porteiro

Fonte autoria proacutepria

Segundo informaccedilotildees das mulheres da comunidade o nome de pau de porteiro (Figuras 8a e 8b) eacute porque esta se parece com o pau que fecha a porteira que eacute o

portatildeo de entrada das propriedades rurais Na Figura 8a o bolo estava moldado para ir ao forno e na Figura 8b apoacutes a cocccedilatildeo no forno de barro

Na culinaacuteria tanto quem cozinha quanto quem come deve saber combinar

tradiccedilatildeo com criaccedilatildeo A tradiccedilatildeo estaacute no saber do povo eacute ligada a terra e agrave exploraccedilatildeo dos produtos da regiatildeo e das estaccedilotildees Jaacute a criaccedilatildeo estaacute relacionada agrave invenccedilatildeo a

renovaccedilatildeo e experimentaccedilotildees Desse modo toda cozinha tem a marca do passado da histoacuteria da sociedade do povo e da naccedilatildeo a qual pertence Cozinhar eacute uma accedilatildeo cultural

que nos liga sempre ao que fomos somos e seremos e tambeacutem com o que

produzimos cremos projetamos e sonhamos (LEAL 1998) Com certeza a formaccedilatildeo de calendaacuterios festivos eacute profundamente religiosa

unindo motivos sociais econocircmicos poliacuteticos esteacuteticos e luacutedicos Um ciclo importante eacute a semana santa integrando o saacutebado de aleluia e a paacutescoa conhecido como

Quaresma A semana santa assume forte significado em todo o paiacutes apresentando

maneiras regionais de comunidades interpretando trazendo memoacuterias atualizando os rituais sociais expressando a nossa diversidade e a nossa multiculturalidade

Manifestaccedilotildees aproximam-se de um imaginaacuterio da Idade Meacutedia outras trazem

elementos eacutetnicos indiacutegenas povos africanos de imigrantes europeus do Oriente construindo sempre ldquobrasilidadesrdquo identidades de povo de paiacutes de naccedilatildeo (LODY

2008) Mesmo com todas as solicitaccedilotildees dos produtos industrializados as famiacutelias ainda

guardam algumas tradiccedilotildees que cingem o imaginaacuterio afetivo e se manifestam

principalmente em comemoraccedilotildees como o Natal a Paacutescoa e aniversaacuterios Nessas comemoraccedilotildees eacute que vamos buscar nossas reminiscecircncias de infacircncia em analogias

surpreendentes do olfato e do paladar O patrimocircnio culinaacuterio expresso nas receitas tradicionais faz parte da memoacuteria afetiva de cada um de noacutes e sobrevive agrave modernidade

(ARAUacuteJO TENSER 2006)

Segundo Gilberto Freyre quando a culinaacuteria de um povo comeccedila a se transformar a se descaracterizar pode ter certeza de que eacute a cultura toda que estaacute se

descaracterizando As transformaccedilotildees culinaacuterias nos haacutebitos alimentares do povo satildeo

a evidecircncia da descaracterizaccedilatildeo cultural e natildeo a causa Pois os haacutebitos alimentares culturalmente formados satildeo entre os padrotildees culturais dos mais arraigados no

homem quando as pessoas comeccedilam a admitir como natural a modificaccedilatildeo desses

8a 8b

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haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

4 Conclusatildeo

Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

algumas das diversas estrateacutegias agroalimentares que comunidades tradicionais tecircm

para manter e garantir a alimentaccedilatildeo e a cultura religiosa local

Agradecimentos Famiacutelia do patriarca Sr Pitoacute e Dona Dadaacute

Referecircncia Bibliograacutefica

Arauacutejo W M C Tenser C M R (2006) Gastronomia Cortes amp Recortes Brasiacutelia

Senac 2006

Barcelo DMS Antocircnio LC Rodrigues JPM Oliveira LF Itamar Pereira de Oliveira IP (2014) Processamento e anaacutelise sensorial de bolo de chocolate com

farelo de mandioca desidratado Revista Faculdade Montes Belos (FMB) v 7 ndeg 1

2014 p (114-129) ISSN 1808-8597

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httpcidadesibgegovbrpainelhistoricophplang=ampcodmun=210770ampsearch=mar

anhao|paraibano|infograficos-historico Acesso em 25 de outubro de 2017

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Recife Aurora 1999

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Page 13: Divino Culinário no Maranhão (Nordeste do Brasil): Bolos da … · 2019-01-04 · Em 1920, chegava ao local onde hoje se situa a cidade, o paraibano Antônio Brito Lira, acompanhado

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haacutebitos podemos estar certos de que outras transformaccedilotildees mais profundas jaacute se operaram na sua mente no seu modo de ver o mundo na sua maneira de encarar as

coisas Quando os homens mudam os seus valores e as suas normas na praacutetica da alimentaccedilatildeo eacute porque jaacute mudaram as suas atitudes e o seu comportamento em outros

setores da vida social (SOUTO MAIOR 2012) Portanto a preservaccedilatildeo do patrimocircnio

culinaacuterio eacute um fator de constante avaliaccedilatildeo e reavaliaccedilatildeo dos valores do pertencimento e assim influenciar as novas geraccedilotildees da importacircncia da tradiccedilatildeo culinaacuteria religiosa

pois esta cultura alimentar deve ser protegida para manutenccedilatildeo da identidade e feacute

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Observa-se que os quintais da mesorregiatildeo do Maranhatildeo em especial a

Comunidade de poccedilo Verde representam extensatildeo cultural de tradiccedilotildees alimentares

locais revelam agro biodiversidade notavelmente rica cuja conservaccedilatildeo e proteccedilatildeo satildeo

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