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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO MARANHÃO
CENTRO DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS EXATAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA
CURSO DE HISTÓRIA
WALLAS MEIRELES GOUVEIA
DO CATIVEIRO PARA A LIBERDADE:
mobilidades de alforriados em São Luís do Maranhão
(1830-1845)
SÃO LUÍS
2014
2
WALLAS MEIRELES GOUVEIA
DO CATIVEIRO PARA A LIBERDADE:
mobilidades de alforriados em São Luís do Maranhão (1830-1845)
Monografia apresentada ao curso
de História da Universidade
Estadual do Maranhão para
obtenção do grau de licenciado em
História.
Orientador: Prof. Dr. José
Henrique de Paula Borralho.
SÃO LUÍS
2014
3
Gouveia, Wallas Meireles.
Do cativeiro para a liberdade: mobilidades de alforriados em São Luís do
Maranhão (1830-1845) / Wallas Meireles Gouveia.– São Luís, 2014.
64 f.
Monografia (Graduação) – Curso de História, Universidade Estadual do
Maranhão, 2014.
Orientador: Prof. José Henrique de Paula Borralho
1.Alforria. 2.Liberdade. 3.Escravidão. I.Título
CDU: 84(812.1).056
4
WALLAS MEIRELES GOUVEIA
DO CATIVEIRO PARA A LIBERDADE:
mobilidades de alforriados em São Luís do Maranhão (1830-1845)
Monografia apresentada ao curso
de História da Universidade
Estadual do Maranhão para
obtenção do grau de licenciado em
História.
Orientador: Prof. Dr. José
Henrique de Paula Borralho
Aprovada em ___/ ___/ ______
BANCA EXAMINADORA
_______________________________________________________
Prof. Dr. José Henrique de Paula Borralho (Orientador)
Universidade Estadual do Maranhão
________________________________________________________
1º Examinador(a)
________________________________________________________
2º Examinador(a)
SÃO LUIS
2014
5
Às três mulheres da minha vida:
Ester, Jô e Luana.
6
AGRADECIMENTOS
Aos Deuses pela proteção.
À minha avó Ester (In Memoriam), meu alicerce.
À minha mãe Jô, presente em todos os momentos da minha vida, exemplo
de mãe que sempre acreditou e apostou em mim.
Ao meu irmão Josimar, com quem sempre pude contar.
Ao meu padrasto Ismar, que sempre me ajudou à sua maneira.
À minha namorada Luana, pelo amor, carinho e apoio em todas as horas,
sem os quais eu não seria nada.
Ao professor Henrique Boralho pela orientação e apoio desde a iniciação
científica até a monografia.
Aos amigos que fiz nos mais de quatro anos de graduação.
Aos amigos de cursinho, rua e a tantos outros.
7
As correntes da escravidão só prendem as
mãos. É a mente que faz livre o escravo.
Franz Grillparzer
8
RESUMO
Os estudos sobre mobilidade de escravos têm avançado nas últimas décadas, porém os
estudos sobre o cativeiro ainda continuam mais expressivos numericamente. Este
trabalho investiga o processo de transição para a liberdade de alguns sujeitos
escravizados em São Luís do Maranhão no período de 1830 a 1845. Partimos do
pressuposto de que a liberdade para um cativo poderia ter diversos significados, cada
sujeito almejava um tipo de liberdade, não havendo uma liberdade padrão ou absoluta.
A partir dos testamentos e inventários de alforriados traçamos um pouco de suas
trajetórias, desde o processo de superação do cativeiro até mobilidade ou inércia social.
Estes processos de transição e as relações sociais criadas por eles nos dão base para
pontuar acerca de suas mobilidades.
Palavras-chave: Liberdade. Alforria. Mobilidade. Transição.
9
ABSTRACT
Studies on mobility of slaves have advanced in recent decades, but studies on captive
are still more significant numerically. This work investigates the process of transition to
free some enslaved subjects in Sao Luis in the period 1830-1845. We assumed that
freedom for a captive could have several meanings, each subject craved a kind of
freedom, not there is a pattern or absolute freedom. From the wills and inventories a
little freed traced their trajectories, since the process of overcoming the bondage to
mobility or social inertia. These processes of transition and social relationships created
by them give us a basis for scoring on their mobilities.
Keywords: Freedom. Enfranchisement. Mobility. Transition.
10
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO……………………………………………………………………….11
1. TRÁFICO E ESCRAVIDÃO: a criação da dependência. ....................................15
1.1 AS RELAÇÕES CRIADAS POR ESCRAVIZADOS: verticais e horizontais........21
1.2 ESCRAVO NÃO, ESCRAVIZADO! FORMAS DE NÃO ACEITAÇÃO DO
CATIVEIRO. ............................................................................................................25
2. UMA SOCIEDADE MARCADA PELA PRESENÇA AFRICANA: a ilha de
São Luís no oitocentos (1830 – 1845). .........................................................................31
2.1 PÓS-CATIVEIRO: continuidades e descontinuidades. ...........................................37
3. EXCEÇÕES: a mobilidade socioeconômica de alforriados em terras
ludovicenses no início dos oitocentos. .........................................................................45
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................................58
5. REFERENCIAS.........................................................................................................60
11
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é fruto de algumas indagações surgidas no início da
graduação. Desde o início do curso sempre possuí interesse pelo tema da escravidão, o
processo de coisificação e escravização dos africanos em terras americanas eram temas
que me interessavam. Durante a maior parte do curso tive contato com algumas obras
voltadas para a temática. Na metade do curso, em uma conversa com o professor Dr.
Josenildo Pereira1, o mesmo me indicou alguns livros que analisavam a escravidão por
vários ângulos. A partir da gradual leitura dessas obras, fui descobrindo o que realmente
iria pesquisar. Debruçado sobre livros e textos acerca do Brasil escravista, interessei-me
pela perspectiva da liberdade, retomada da liberdade, considerando-se que os africanos
aqui desembarcados nasceram livres e cá foram escravizados. A temática da liberdade
de escravos2 é deveras ampla, o presente trabalho objetiva pensar a vida - em liberdade -
de alguns libertos, analisando-se desde a forma pela qual essa liberdade foi obtida até a
mobilidade, ou não, destes nas esferas econômica e social.
O inicio efetivo desta pesquisa se deu no segundo semestre do ano de 2013,
quando junto ao Professor Dr. José Henrique de Paula Borralho3 tive a oportunidade de
ingressar no mundo da iniciação científica, obtendo uma bolsa BIC/UEMA. A pesquisa
tem ocorrido em paralelo com a escrita deste trabalho de conclusão de curso. Em junho
de 2013, iniciei, no Arquivo do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, uma busca
por documentação referente a escravos alforriados. A princípio, objetivava encontrar
cartas de alforria, sem sucesso passei a pesquisar testamentos e inventários pertencentes
a libertos. Esta documentação foi o ponto de partida definitivo que norteou e limitou
minha pesquisa, a partir da sua leitura e transcrição, percebi a riqueza documental que
tinha em mãos.
Nestes testamentos e inventários da primeira metade do século XIX, pude
perceber as relações verticais e horizontais desenvolvidas por libertos e libertas, dando
1 Docente da Universidade Federal do Maranhão.
2 Aplicando-se o termo aos africanos aqui escravizados e/ou seus descendentes
3 Professor Doutor do departamento de história e geografia da UEMA, do Programa de Pós-Graduação –
História, Ensino, Narrativas.
12
base para análises da mobilidade social e econômica e auxiliando na reconstrução das
expectativas da vida livre destes sujeitos que a pouco haviam “superado” o cativeiro.
A obtenção de uma carta de alforria dependia de inúmeras variáveis, as
quais serão consideradas no decorrer deste trabalho. Havia vários padrões de
manumissão e a relação vertical senhor-escravo era fator determinante na facilidade ou
dificuldade do processo,
Em relação especificamente à alforria, o numero de trabalhos hoje
existentes ainda é relativamente pequeno, mas aponta na mesma
direção daqueles que se dedicam especificamente à escravidão,
buscando demonstrar a manumissão como resultado de um longo
processo de negociação entre o senhor e seu escravo. Processo esse
que nem sempre era finalizado com a própria concessão da liberdade,
não só por que muitas alforrias eram condicionais, mas também por
que o liberto era obrigado a demonstrar respeito e gratidão pelo seu
antigo senhor, sob ameaça de ser reescravizado4.
Espacialmente a pesquisa situa-se na capital da província do Maranhão entre
os anos de 1830 a 1845. O trabalho se insere em um período no qual o tráfico
transatlântico ainda era a principal forma de renovação dos plantéis de escravos. Alguns
anos depois essa prática perderá espaço para o tráfico interprovincial, vide pressões
inglesas para o fim do tráfico, que começam com a “proibição” da importação de
escravos em 7 de novembro de 1831. Essas leis só tiveram maior vigor no inicio da
segunda metade do século, quando se intensificaram as pressões inglesas.
Pode-se enquadrar este estudo histórico como de caráter social, pautado no
estudo prioritário de experiências coletivas de determinados grupos socioeconômicos:
Sob o signo mais forte dos Annales, desenvolvia-se, desde a década de
1930, uma “historia econômica e social”. Apesar da maior ênfase na
historia econômica, nos primeiros anos da revista, a “psicologia
coletiva” e as hierarquias e diferenciações sociais também
encontravam-se presentes. A oposição a historiografia rankiana e a
definição do social se construía, assim, a partir de uma pratica
historiográfica que afirmava a prioridade dos fenômenos coletivos
sobre os indivíduos e das tendências a longo prazo sobre os eventos na
4 LARA, Sílvia H. Campos da violência. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1986, págs. 248 – 268 e BELLINI,
Lígia. “Por amor e por interesse: a relação senhor-escravo em cartas de alforria”. In: REIS, João
José (org.). Escravidão e invenção da liberdade: estudos sobre o negro no Brasil. São Paulo:
Brasiliense, 1988, pág. 73 – 86.
13
explicação histórica, ou seja, que propunha a história como ciência
social.5
A documentação que aqui será utilizada não se restringe somente aos
testamentos e inventários, utilizarei também alguns jornais encontrados no acervo
digital da Biblioteca Nacional. Este segundo aporte documental contribui diretamente
no nossa trabalho de reconstrução da vivência de libertos durante o período escravista
ludovicense abordado no presente trabalho. O documento é resultado de uma montagem
consciente, ou inconsciente, da sociedade que o produziu e também das épocas
sucessivas durante as quais continuou a viver esquecido ou manipulado, como disse
Maria Helena Capelato em seu Imprensa e História do Brasil (1988), por isso a
utilização da referida documentação ocorrerá de modo cauteloso, considerar-se-á as
restrições documentais e, principalmente, não se tomará o documento como um
fragmento de verdade, mas como algo dotado de interesses de classe bem delimitados
ou diluídos em suas linhas.
O acesso a novas fontes documentais possibilitou novas abordagens aos
velhos temas. Na atual situação historiográfica, quase tudo pode ser utilizado como
fonte, desde que se tome os cuidados já advertidos anteriormente. Além dos testamentos
e inventários pertencentes aos libertos, resolvi - quase de “última hora” - utilizar
também testamentos de pessoas livres, membros da elite local ludovicense. Com essa
documentação, é possível analisar como os senhores, no leito de morte, procediam em
alforriar ou não seus escravos. Pretendo perceber quais padrões esses senhores seguiam
(alforrias incondicionais, alforrias condicionais, alforrias pagas, gratuitas e etc.), a partir
daí poderei pensar quais variáveis inferiam no ato de concessão das cartas de alforria.
Portanto, de modo geral, o trabalho busca pensar a alforria sob duas
principais perspectivas. Primeiro a perspectiva da mobilidade social e/ou econômica, na
qual alforriados que conseguiram legar seus bens e mesmo possuir escravos são o foco.
E por último, a perspectiva das variáveis que interferiam no ato de alforriar, essa parte
diz respeito à capacidade do escravo em acumular pecúlio e também às suas relações
com seus senhores, pessoas livres e com a comunidade escrava. Enfim, os processos de
5 CASTRO, Hebe, O surgimento da história social, pág. 79, IN CARDOSO, Ciro Flamarion,
VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia, Rio de Janeiro:
Campus, 1997.
14
obtenção e consumação ou não da liberdade por escravos são os objetivos deste
trabalho. Buscarei demonstrar e existência ou não de um abismo entre cativeiro e
liberdade. Adianto que a maioria dos casos aqui abordados são exceções, sujeitos que
conseguiram transpor as barreiras do cativeiro de maneira mais incisiva, e
desenvolveram um modo de vida distante da realidade anterior de cativeiro,
Infelizmente a grande maioria dos escravos não conseguiu tal feito.
Havia finalmente o incentivo supremo da liberdade por meio da
alforria. Como veremos, isso não era exatamente uma “miragem”,
pois as manumissões no Brasil eram comuns e podiam der obtidas não
só com bom comportamento, mas também por compra; a alforria
estava pois relacionada à capacidade do escravo de acumular capital.
Um cativo mulato ou crioulo com ocupação especializada ou
experiência em supervisão no engenho não só podia ter esperanças de
finalmente um dia tornar-se livre, mas também podia ter relativa
certeza de conseguir emprego após liberto. [...] Os senhores de
engenho descobriram que a melhor maneira de obter a desejada
quantidade e qualidade do trabalho era com um misto de punições e
recompensas: os escravos perceberam que em tal sistema havia
oportunidades para melhorarem sua vida. 6
Estruturalmente o trabalho encontra-se dividido em três capítulos. No
primeiro, analiso a primeira metade do século XIX, a dependência da sociedade
brasileira em relação à mão-de-obra escrava, as pressões inglesas para o fim do tráfico e
a manutenção deste.
No segundo, adentrarei a realidade ludovicense, buscando perceber como a
sociedade livre se relacionava com a escravidão. Iniciarei a análise sobre a vida dos
libertos e suas perspectivas de futuro, assim como as possibilidades de obtenção da
liberdade.
Por fim, me voltarei para a parte que julgo mais intrigante. Neste último
capítulo, utilizarei os testamentos e inventários pertencentes aos libertos para analisar
suas relações de mobilidade social e/ou econômica, essas relações nos darão base para
pensar como estes sujeitos se relacionavam com o mundo livre e com o mundo escravo.
Estas exceções sociais poderão nos mostrar que a marginalização social não
impossibilitava a mobilidade de libertos. Em alguns casos, estes conseguiam uma
6 SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: Engenhos e Escravos na Sociedade Colonial, São Paulo, Companhia
das Letras, 1995, p. 141 – 142.
15
equiparação com o status senhorial, possuindo e negociando escravos, rompendo com o
antigo paradigma do cativeiro.
1. TRÁFICO E ESCRAVIDÃO: a criação da dependência.
A colonização portuguesa na América, em seu princípio, foi decepcionante
para os ditos colonizadores. As riquezas inimagináveis descritas pelos viajantes se
traduziram em uma situação que só traria lucratividade a médio ou longo prazo. A
frustração trouxe consigo o ímpeto de buscar novas formas de extrair lucros da jovem
colônia lusitana. Mesmo diante dessa situação, Portugal buscou aplicar à sua colônia um
modelo de colonização no qual a produção fosse articulada com as necessidades
metropolitanas. Dessa forma, buscava-se fortalecer a metrópole a partir da acumulação
de capital através da produção no interior da colônia. Diferente de outras nações
europeias Portugal desde o início buscou extrair o máximo possível de suas colônias,
durante o período colonial a grande prioridade era suprir as necessidades portuguesas,
buscou-se com sistemas como as Capitanias Hereditárias e os Governos Gerais
incentivar a colonização e consequentemente a maior acumulação de bens para a
metrópole.
E aqui tocamos no ponto nevrálgico; a colonização, segundo a análise
que estamos tentando, organizava-se no sentido de promover a
primitiva acumulação capitalista nos quadros da economia europeia ou
noutros termos, estimular o progresso burguês nos quadros da
sociedade ocidental. É esse sentido profundo que articula todas as
peças do sistema: assim, em primeiro lugar o regime do comércio se
desenvolve nos quadros do exclusivismo metropolitano; daí, a
produção colonial orienta-se para aqueles produtos indispensáveis ou
complementares às economias centrais; enfim, a produção se organiza
de molde a permitir o funcionamento global do sistema. Em outras
palavras: não bastava produzir os produtos com procura crescente nos
mercados europeus, era indispensável produzi-los de modo que a sua
comercialização promovesse estímulos à originária acumulação
burguesa nas economias europeias. 7
A atividade colonial iniciada em meados do século XVI, mesmo contando
com vultuosos investimentos de particulares, foi gerenciada pela monarquia portuguesa.
Portugal influenciou na formação de uma classe dominante diretamente vinculada à si,
os senhores de engenho foram quase que exclusivamente os donos do poder durante
7 NOVAIS, Fernando A. Estrutura e Dinâmica do Antigo Sistema Colonial, 5ª edição, Editora
Brasiliense, 1990, p. 77).
16
grande parte do período colonial. Essa classe em formação possuía a necessidade de
alguns produtos: o primeiro deles era a terra, produto este concedido em larga escala
pela metrópole, outro produto era o capital para tocar a nova empreitada, este capital
quase sempre era próprio do colono, a última necessidade era a mão-de-obra, essa num
primeiro momento foi obtida através da exploração dos nativos, posteriormente inseriu-
se a obtenção de mão-de-obra numa lógica extremamente lucrativa, o tráfico de
africanos escravizados para as Américas. Pode-se dizer que a utilização do braço
indígena nas lavouras de cana caracterizou-se como uma fase intermediária, a
lucratividade do tráfico transatlântico é o argumento mais plausível para a substituição
de índios por africanos enquanto braços de trabalho.
Stuart Schwartz (1995), em sua obra Segredos Internos, caracteriza o início
da economia açucareira brasileira como um período tragicamente marcado pelo contato
entre portugueses e indígenas, os últimos enquanto mão-de-obra com custo quase nulo
foram utilizados na capitalização da atividade açucareira. Dessa forma, o lucro obtido a
partir da produção com braço indígena deu base para a fase posterior em que se
começou a inserir africanos traficados via atlântico como nova fonte produtiva.
A escravidão na colônia enquanto fruto do modelo colonial implantado por
Portugal tornou-se algo indispensável para a manutenção do ciclo produtivo assentado
no antigo modelo colonial. A atividade produtiva nos engenhos era dependente direta da
escravidão. Nos séculos finais do período colonial e durante o império toda a sociedade
formada a partir da colonização portuguesa estará vinculada direta ou indiretamente à
escravidão. No final do século XVI e início do XVII, era impensável desassociar
produção de mão de obra africana, tal dualidade manteve-se até a abolição da
escravidão. Mesmo com o aumento da população livre, a escravidão mantinha-se
enquanto instituição fortemente enraizada na sociedade brasileira. A ausência de
iniciativas de fomento à formação da mão-de-obra livre, como a inserção de colonos
europeus em massa, só contribuíram para o fortalecimento da atividade escravista, pois
os portugueses se inseriram num novo mercado, um mercado que trazia africanos para
América a fim de escraviza-los.
Ora, a produção colonial era, basicamente como já vimos, produção
para o mercado metropolitano, isto é, produção mercantil. Na
economia de mercado, contudo, é salariato o regime mais rentável; as
formas de trabalho compulsório, por seu lado, vincularam-se
17
(escravismo antigo e, sobretudo, a servidão feudal) às economias pré-
mercantis (economia dominial fechada da Idade Média): exatamente, a
emergência da economia mercantil (o desenvolvimento do comércio)
tende a promover o desatamento dos laços servis, criando lentamente
condições para a expansão do trabalho “livre” – era o processo em
curso na Europa da Época Moderna. Neste sentido , o regime de
trabalho prevalecente no mundo ultramarino do antigo regime se
apresente como um contra-senso. 8
A escravidão não foi uma invenção da colonização, porém a atividade
colonizadora exercida por nações europeias deu novo sentido a outras formas de
escravidão preexistentes. Para Kátia Mattoso (2001), a escravidão já existia em algumas
sociedades africanas, em especial as muito hierarquizadas, porém somente era numerosa
no Benin e nas regiões sudado-saelinas, nesses casos específicos o cativo integrava-se
na família e não poderia ser vendido. É uma escravidão quase patriarcal, diferente da
lógica de tráfico transatlântico. O tráfico introduziu a atividade escravista em sociedades
que nunca haviam convivido com tal realidade.
Até a década de 1850, milhões de africanos foram desembarcados nos
portos ao longo da costa brasileira. Esses sujeitos eram trazidos em navios chamados
“tumbeiros”. Nessas embarcações vinham amontoados, muitas vezes acorrentados, sob
o julgo da fome, da sede e de doenças que podiam ser facilmente transmitidas devido às
condições desumanas. A morte era uma realidade presente e até calculada pelos
traficantes. As perdas de africanos durante a travessia do Atlântico mesmo atingindo
números que às vezes superavam os 50% continuavam deixando o negócio lucrativo.
Nos portos brasileiros eram vendidos a preços altíssimos fazendo do tráfico um negócio
autossustentado e certo de lucratividade.
Mesmo hoje, com o avanço das pesquisas em diversas áreas, ainda se
difunde uma visão do continente africano como um continuum homogêneo, como se no
continente houvesse uma única cultura e um único povo. Desde os primórdios de sua
existência o continente sempre foi marcado pela diversidades – geográficas, climáticas,
culturais, sociais, econômicas, etc. No contexto do tráfico transatlântico não foram
todas as civilizações africanas que se envolveram com a prática do tráfico. Parte da
8 Idem. pág. 80.
18
historiografia contribuiu para a formação de uma visão que vitimiza os africanos
durante o tráfico de forma integral, é inegável o fato de as maiores e únicas vitimas do
tráfico terem sido os africanos, porém isso não anula o fato de parte dos africanos terem
se envolvido na lógica do tráfico. John Thornton (2004)9 toca neste ponto em que parte
dos africanos foram sujeitos atuantes no tráfico ao se associarem com os europeus, a fim
de escravizar africanos oriundos de nações vizinhas, muitas vezes inimigos.
O tráfico na África já ocorria antes da chegada dos europeus, as
transformações desencadeadas pelo contato com estes modificaram o tráfico africano de
forma trágica, até antes do contato não havia uma concepção mercadológica do escravo,
os europeus através de trocas comerciais com lideranças de algumas nações africanas
fizeram muitas dessas nações abandonarem suas tradicionais práticas produtivas para se
inserirem na lógica do tráfico. Muitas nações africanas essencialmente agrícolas ou
pastoris mobilizaram-se em prol de aprisionar outros africanos para comercializá-los
com os negociantes europeus.
Na América e em outras partes do mundo, os africanos já escravizados
produziam os bens que novamente seriam utilizados nas trocas na África para adquirir
novos africanos que novamente seriam escravizados. Dessa forma cruel os próprios
africanos produziam a riqueza que seria utilizada pela compra de seus “irmãos”, essa
face cruel do tráfico permanece no Brasil até a década de 1850, quando as pressões
inglesas depois de um longo período tiveram efeito real,
Nunca a participação africana nesse tráfico foi geral. Certos povos do
interior o ignoravam. Sociedades costeiras destruíam os navios e
saqueavam os equipamentos dos navios negreiros. Para outras, o
tráfico agitava as estruturas socioeconômicas e políticas. Outras ainda
se fortaleciam com uma gestão autoritária e exclusiva do sistema.
Então, os interesses negros e brancos coincidiam num tráfico
florescente. Produtores e distribuidores africanos de mão de obra
exportável prosperavam graças a este ramo da economia e ao
comércio exterior da costa. Durante o século XVIII, foram
comercializados cerca de 7 milhões de indivíduos contra
aproximadamente 300 milhões de piastras (libras) em mercadorias
específicas no “comércio da Guiné”, das quais talvez 80 milhões em
armas de fogo. No mesmo período, o tráfico transaariano deportava
mais de 700.000 pessoas, e o comércio pelo Oceano Índico ao redor
de 200.000. Na outra extremidade da travessia atlântica, os
negociantes negreiros trocavam os 6 milhões de africanos
9 THORNTON, John K, A África e os africanos na formação do mundo atlântico (1400-1800).
Tradução Marisa Rocha Morta; Coordenação editorial Mary dei Priore; Revisão técnica, Márcio
Scalercio. Rio de Janeiro, Editora Campus / Elsivier, 2004.
19
sobreviventes – 40% de mulheres e crianças – pelo produto do
trabalho dos escravos, que era vendido cada vez melhor do lado
europeu do oceano. Lá, entretanto, alguns intelectuais cujas
sensibilidade e moral se chocavam com tais práticas condenavam o
consumo de um açúcar tingido pelo sangue dos “esquecidos de todo o
universo”. Eles clamavam pela abolição do tráfico. 10
A campanha inglesa contra o tráfico de africanos foi um processo gradual e
que muitas vezes só foi possível graças ao seu enorme potencial econômico-industrial.
Desde fins do século XVIII o abolicionismo tendencioso inglês já dava as caras no
cenário mundial. As Guerras Napoleônicas fizeram as pressões inglesas contra o tráfico
diminuírem e mesmo cessarem. A Paz de 1815 trouxe novamente o tráfico negreiro à
vida, até então as rotas marítimo-comerciais encontravam-se fechadas ou dificultadas
pela expansão napoleônica. As pressões inglesas foram retomadas, porém as nações
mais dependentes do tráfico demonstraram resistência (Portugal/Brasil, Estados Unidos,
Espanha e França). A Inglaterra propôs um sistema de investigação mútua onde cada
nação possuía o direito de investigar e ser investigada, dessa forma navios podiam ser
parados em alto mar para revistas, naqueles em que fosse detectado qualquer
envolvimento com o tráfico de africanos, caberia a apreensão. Muitas nações com medo
de possíveis boicotes ingleses fracamente se sensibilizaram, o tráfico de africanos foi
gradualmente sendo abolido.
Portugal burlou as pressões inglesas o máximo possível, porém somente em
1850 o medo de sanções inglesas levou a abolição do tráfico no Brasil. A abolição da
escravidão viria algumas décadas depois, também sob o julgo das pressões inglesas.
Após várias discussões, em 23 de novembro de 1826, foi assinado
entre o Brasil e a Inglaterra, um tratado antitráfico que estabelecia a
abolição desse comércio em três anos (...). A assinatura do tratado
seguiu-se de um aumento imediato nas importações de escravos no
Brasil com o objetivo de garantir o suprimento de mão de obra (...).
Várias foram as estratégias para burlar a vigilância da Inglaterra, que
naquele momento já assinara uma série de tratados com vários países,
permitindo a vistoria e apreensão de navios negreiros (...). A falta de
acordo entre os governos brasileiro e inglês levou a uma medida
unilateral deste ultimo, que em 1845, promulgou uma lei conhecida
como Bill Aberdeen, permitindo que as autoridades desse país
apreendessem qualquer embarcação envolvida com esse comércio de
10
DAGET, Sarget, A abolição do tráfico de escravos. In: História geral da África, VI: África do século
XIX à década de 1880 / editado por J. F. Ade Ajayi. – Brasília: UNESCO, 2010, págs. 77- 78.
20
negros, além de estabelecer que os infratores fossem julgados pela
prática de pirataria. 11
No século XIX a escravidão no Brasil já era uma instituição madura. O
tráfico de africanos, que foi iniciado séculos antes, se encontrava em fase de apogeu. A
grande colônia portuguesa, que em 1822 torna-se “independente”, era totalmente
dependente da escravização dos africanos e do tráfico transatlântico, tanto que nas
primeiras décadas do oitocentos a intensificação da pressão inglesa fez Portugal utilizar
inúmeras estratégias para burlar o sistema inglês. Estes sujeitos – os africanos - e seus
descendentes estavam ligados às mais diversas atividades produtivas – lavouras,
engenhos, trabalhos domésticos, artesanato, transportes, construção e etc. A escravidão
difundiu-se de modo que a todos atingia, a posse de escravos não era privilégio dos
setores mais abastados. A historiografia nos prova cada vez mais esta afirmação, mesmo
famílias com poucas posses possuíam um ou dois escravos, e muitas vezes esses
escravos sustentavam diretamente essas famílias.
O reverendo Robert Walsh, que esteve no Rio em 1828-29, disse algo
muito similar para o rio, ao se reportar a uma forra, cujo o único bem
era uma escrava. A proprietária a alugava “a quem que que fosse e
para qualquer fim, o que lhe dava um bom meio de vida. Muitas
pessoas na redondezas do Rio, tanto brancas quanto negras, [viviam]
dessa maneira”. Possuíam um único escravo que, pela manhã saía “em
busca de trabalho e à noite” retornava. Para Thomas Ewbank, presente
na cidade entre 1845 – 1846, “centenas e centenas de famílias
[tinham] um ou dois escravos, cujos ganhos [constituíam] sua única
fonte de sustento. 12
Nessa realidade de relativa facilidade de posse de escravaria, escravos que
conseguiam obter sua liberdade das mais variadas formas conseguiram possuir escravos
e muitas vezes viver da exploração destes. A ideia de um ex-escravo proporcionar o
mesmo sofrimento por ele vivenciado a um “semelhante” nos parece incompreensível e
pode nos levar a interpretar isso como o antigo “olho por olho, dente por dente”. Porém,
na realidade do Brasil escravista do século XIX, a posse de escravos era uma forma de
poder econômico e simbólico, ser senhor de si e ser senhor de outros era uma
11
JACINTO, Cristiane Pinheiro Santos, Fazendeiros, Negociantes e Escravos: dinâmica e
funcionamento do tráfico interprovincial de escravos no Maranhão (1846 – 1885). In: O Maranhão
Oitocentista, GALVES, Marcelo Cheche e COSTA, Yuri (ORG). São Luís, MA: Editora UEMA 2009,
pág. 72 – 74. 12
FLORENTINO, Manolo, Tráfico, Cativeiro e Liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, pág. 234.
21
demonstração de ser dominante. Os ex-escravos que haviam vivenciado o status quo de
dominados agora buscavam dominar para demonstrar socialmente que haviam superado
o status de dominados. O psiquiatra martinicano Frantz Fanon analisa em uma de suas
obras13
algumas formas de dominação as quais os negros se submetiam para ser
socialmente aceitos no mundo branco-dominante, uma dessas formas de dominação
propostas pelo autor era a submissão linguística, na qual os negros buscavam a
aproximação com o idioma dominante (na obra em questão o francês), essa busca visava
uma maior aproximação com a classe dominante e é vista pelo autor como uma forma
de ajuste à cultura dominante. Na realidade brasileira muitos africanos escravizados
praticaram consciente ou inconscientemente um tipo de estratégia parecida na qual
adotavam práticas similares as de seus senhores (língua, religião, posse de escravos
quando libertos, etc.), estes ajustes à cultura dominante em muitos casos foram
determinantes na obtenção de benefícios para os africanos e/ou seus descendentes.
1.1 AS RELAÇÕES CRIADAS POR ESCRAVIZADOS: verticais e horizontais
Desembarcados nos portos brasileiros, milhões de africanos tiveram seus
destinos modificados das formas mais variadas e inimagináveis. O Brasil dos fins da
colônia e início do Império possuía uma estrutura produtiva pautada principalmente no
primeiro setor (agricultura e pecuária), a produção para exportação no mercado europeu
ainda era o grande ponto de acumulação de capital brasileiro. As elites locais vinculadas
a essa lógica enriqueceram a partir da produção executada quase que totalmente por
braços escravos. Aqui já foi dito que os escravos no Brasil desempenhavam as mais
variadas tarefas, haviam escravos do eito, escravos mestres de açúcar, pedreiros,
barbeiros, marinheiros, cozinheiros, tropeiros, escravos sem ofício, enfim a mão de obra
escrava enraizou-se na estrutura produtiva.
A aquisição de escravos era um negócio que proporcionava quase total
certeza de lucro, os senhores buscavam sempre extrair o máximo de lucratividade de
seus escravos-mercadoria, para isso utilizavam os mais variados métodos que podiam
ser positivos ou negativos para os escravos. Esses métodos variavam de senhor para
13
FANON, Frantz, Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA, 2008.
22
senhor e dependiam de diversos fatores, dos quais a relação do cativo com o senhor era
ponto chave.
Muitos senhores empregavam rotinas compulsivas de trabalho a seus
escravos, outros ditavam maior flexibilidade nessa rotina, proporcionando ao cativo
certa liberdade, esse último caso era mais comum nas realidades urbanas onde escravos
de ganho, ou aluguel, eram mais numerosos. No âmbito rural, nos grandes engenhos a
rotina de trabalho geralmente era massiva, quase ininterrupta. Stuart Schwartz, em
estudo sobre a escravidão nos engenhos baianos, pontua que o trabalho em um engenho
brasileiro era ininterrupto, sendo as atividades pertinentes aos canaviais realizadas
durante o dia e as atividades da moenda durante a noite. Desse modo percebe-se que o
rigor de trabalho era massivo, essa é sem dúvida uma das grandes razões da baixa
expectativa de vida e fecundidade dos africanos aqui escravizados e seus descendentes.
As péssimas condições de vida de muitos escravos faziam com que estes buscassem
evitar a reprodução, pois não pretendiam legar a seus descendentes o fardo do cativeiro.
A realidade escravista brasileira, diferente de outras realidades, mostrava-se
muito mais dependente do tráfico transatlântico. A renovação dos plantéis quase não
contava com a reprodução natural da escravaria, não haviam grandes incentivos por
parte dos senhores para a formação da família escrava. As escravas eram preteridas pois
“eram menos produtivas que os homens”, dessa forma os plantéis brasileiros eram
renovados via tráfico negreiro, a lógica produtiva brasileira por esse e outros motivos
era bastante sensível às variações internacionais. Fora isso havia uma questão
econômica básica, para um senhor de escravos era muito oneroso criar um escravo
desde o nascimento até a entrada deste na vida produtiva, que mesmo começando muito
cedo tornava a criação de um escravo custosa. A desproporção entre escravos e escravas
dificultava a formação da família escrava, em todos os momentos da história da
escravidão brasileira o numero de escravas sempre foi inferior ao numero de escravos, a
mortalidade infantil sempre fora elevada e a expectativa de vida dos cativos era
sensivelmente baixa, por motivos óbvios.
Diante de tantas dificuldades vivenciadas pelos africanos trazidos para o
Brasil e seus descendentes, esses sujeitos buscavam maneiras de amenizar o sofrimento
23
do cativeiro que lhes foi imposto: uns buscaram formas pacificas, outros não fugiram à
luta contra seus algozes. A escravidão era dotada de um jogo de simbolismos onde a
autoridade senhorial não poderia ser questionada. Desse modo, muitos escravos
buscavam manter boas relações com seus senhores pretendendo, assim, obter algum
“lucro”.
Esse tipo de relação vertical poderia ser muito produtiva para ambos. Os
escravos que possuíam um bom relacionamento com seus senhores muitas vezes
recebiam tratamento diferenciado, e em alguns casos eram alforriados via testamento.
Além disso, um bom relacionamento com os senhores e com outras pessoas livres
facilitava o processo de transição para a vida livre, seja para o próprio cativo, seja para
seus filhos. Por outro lado, uma maior proximidade com os senhores poderia se tornar
um empecilho para os escravos, a maior proximidade como a tida pelos escravos
domésticos poderia proporcionar um maior nível de fiscalização o que diminuiria
drasticamente os espaços de liberdade dos cativos.
A realidade escravista brasileira possuía várias micro realidades, haviam
situações que proporcionavam aos escravos maiores chances de espaços de liberdade, e
outras que as anulavam. Nesse jogo, os escravos buscavam inúmeras formas de ampliar
ou consolidar seus espaços de liberdade. Quase sempre os escravos urbanos
vivenciavam maior autonomia nesses espaços. A lógica rural era mais exigente, as
jornadas eram quase ininterruptas para os escravos do eito, já nas cidades havia muitos
escravos de ganho que gozavam de grande autonomia,
Por toda parte em todos os ofícios encontrava-se o escravo: pedreiros,
carpinteiros, sapateiros, funileiros, a trabalhar por conta do senhor, a
quem entregava o que ganhavam. Havia no Rio de Janeiro senhores
que mantinham no “ganho” até trezentos negros. O senhor taxava por
dia ou por semana. (...) Nas cidades, as ocasiões de sobrevivência dos
ritos africanos eram maiores do que nas zonas rurais, dada a
concentração de escravos da mesma nação e a relativa liberdade com
que se deslocavam de um lado para outro.” 14
Para a lógica escravista brasileira pouco se pode dizer de forma
generalizante, devido às diferenças regionais e contextuais, muito deve ser relativizado,
14
DA COSTA, Emília Viotti. Da senzala à colônia. Unesp, 2012, págs. 280-282).
24
porém grande parte da historiografia concorda com o fato de os escravos urbanos
gozarem de maior autonomia quando comparados com os do eito.
Além das relações que existiam entre senhores e escravos, havia relações
mais sólidas, muitas vezes criadas ainda no interior dos navios negreiros. As relações
entre escravos eram tão fortes e produtivas quanto as verticalizadas. A inserção ante à
coletividade, para o escravo, era uma forma de compartilhar com seus iguais o
sofrimento cotidiano, além de uma maneira de melhor jogar o jogo da transição para a
liberdade. Os escravos brasileiros quase sempre buscaram formar alianças dentro das
senzalas, essas relações de apadrinhamento, compadrio, casamentos solidificavam esses
sujeitos enquanto classe.
Para Edward P. Thompson15
, a classe ocorre quando alguns homens, como
resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a
identidade de seus interesses entre si, contra outros homens cujos interesses diferem (e
geralmente se opõem) dos seus. Dessa forma havia um processo de quase atração-
repulsão entre senhores e escravos. Nesse jogo cada classe buscava obter maior
vantagem da outra, os senhores visavam sempre extrair mais trabalho/capital de seus
escravos, enquanto estes buscavam aproximação com os senhores visando suplantar o
cativeiro. Os senhores levavam vantagem, pois estavam acima hierarquicamente dos
escravos, o que não anula o fato de muitos escravos terem conseguido extrair vantagem
das suas relações com senhores e outros escravos. Na realidade, para um escravizado
quanto mais articulado ele fosse no mundo livre e no cativo, melhores eram suas
chances de transpor o cativeiro. Geralmente os projetos de obtenção de liberdade não
eram individuais, muitas famílias escravas trabalhavam para adquirir uma a uma as
cartas de alforria de seus membros A liberdade não suplantava os laços criados durante
o cativeiro, muitas vezes haviam poucas diferenças reais entre ex-escravos e escravos.
Nos limites do que os autos puderam reconstruir nos pequenos
fragmentos da vida desses africanos, revela-se a importância dos laços
próximos ao parentesco, por eles desenvolvidos ao longo de sua
escravização, e que acrescidos do solidificados por casamentos e
compromissos de compadrio, tratariam de manter após a liberdade ou
15 THOMPSON, Edward P. Formação da classe operária inglesa. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987,
vol.1: A árvore da liberdade.
25
a emancipação. Traçam na experiência concreta desses grupos, a
permanência de linhas continuas entre as vivências pregressas e a da
liberdade, configurando nessa continuidade os suportes de
aprendizado social e a textura de seus vínculos de solidariedade e
ajuda mútua, vincados também por tensões.16
Em linhas gerais, a família escrava era uma boa estratégia. Dependendo da
relação dos escravos com seus senhores a prole poderia nascer com a liberdade
garantida. Longe de ignorantes, os senhores de escravos perceberam que a liberdade era
o incentivo perfeito para extrair o máximo de lucratividade de seus escravos, mais que
uma ilusão a liberdade era uma realidade que os senhores souberam utilizar muito bem a
seu favor. O ato de “concessão” da liberdade, mesmo que essa fosse comprada pelo
escravo, era feito de modo que parecesse um presente senhorial, desse modo, a
autoridade senhorial não seria questionada. Esse fator simbólico era uma das bases do
sistema escravista brasileiro.
Além da busca por relações verticais e horizontais, muitos escravos
encontravam meios mais rápidos e radicais para transpor o cativeiro: fugas, assassinatos
de senhores e feitores, formação de quilombos, suicídios, boicotes, etc. Neste tópico que
seguirá abordarei esta perspectiva de transposição para a liberdade por meio da
resistência escrava, afinal, nem todos os escravos buscaram manter boas relações com
seus senhores. Muitos africanos não se adaptaram ao cativeiro e buscaram as mais
variadas formas de escapar da escravidão que lhes era imposta enquanto nova realidade
de vida.
1.2 ESCRAVO NÃO, ESCRAVIZADO! FORMAS DE NÃO ACEITAÇÃO DO
CATIVEIRO.
O processo exclusão e marginalização de certos grupos em determinada
sociedade não pode ser analisado como um fenômeno contemporâneo. Desde a
antiguidade classes “dominaram” outras classes, pelos mais distintos interesses,
variando na forma e na finalidade, o que não implica afirmar que o grupo “dominado”
estaria fadado a tal condição até o fim de sua existência.
16
WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Sonhos africanos, vivências ladinas: escravos e forros em
São Paulo, 1850-1880. Vol. 4. Editora Hucitec, 1998, pág.138.
26
Inúmeras foram e são as formas encontradas pelos “dominados” para romper
com tal status quo: fugas, rebeliões, sabotagens, assassinatos e mesmo suicídios, foram
comuns quando um grupo subjugou outro. Esse “conflito” constante entre dominados e
dominadores – escravos e senhores – mesmo sendo uma luta desigual para os primeiros,
havia momentos em que os dominados rompiam com o julgo de seus dominadores
direta ou indiretamente. Esses momentos quase sempre partiam de iniciativas coletivas,
o fortalecimento da comunidade escrava, a formação da família e outros fatores
contribuíam para facilitar o distanciamento da dominação senhorial.
A grande colônia portuguesa que no século XIX torna-se Império recebeu
desde o início do período colonial um contingente considerável de africanos, oriundos
de inúmeras regiões daquele continente. Estes sujeitos eram excluídos e explorados de
todas as formas possíveis. O homem preto, mercadoria, objeto do tráfico, passa de mão
em mão; comprado, vendido e revendido, percorre circuitos balizados por todo um
conjunto de relações, costumes, praxes, regulamentos, armadilhas, que é preciso
delimitar (MATTOSO: 2003, pág. 23). Essa exploração constante não os tornava mais
submissos, pelo contrário, os horrores do cativeiro lançavam os escravos na busca pela
liberdade, havia os que acumulavam pecúlio a fim de comprar suas manumissões, e
havia os que fugiam paras as matas e quilombos, além dos que cometiam suicídio e
outras formas e escapismo à árdua realidade escravista brasileira.
Muitos escravos fugiam para outros municípios, e na nova realidade se
passavam por libertos. Nesse processo, em muitos casos contavam com o auxílio de
pessoas livres brancas ou alforriados. Em praticamente todos os processos da vida do
escravo, ser bem articulado era um divisor de águas, possuir amigos livres era fator
determinante no caminho para a liberdade, tanto pela via da alforria quanto pela via das
fugas. Muitos alforriados auxiliavam escravos em fuga, lhes concedendo abrigo,
dinheiro e moradia.
Os escravos fugidos contavam, além dos abrigos naturais, já com a
presença de contingentes de homens negros livres aí estabelecidos,
muitos deles recém-saídos da escravidão e que, de uma maneira ou
de outra, se mostravam dispostos a assisti-los. As alianças que os
libertos estabeleciam com tais escravos poderiam concretizar-se de
várias formas: acolhendo a quilombolas em suas moradias ou
oferecendo-lhes comida ou trabalho para se “vestirem e firmarem”,
27
ou ainda, simplesmente facilitando seus disfarces de homens livres,
na fluidez de tipos físicos e sócias existentes em suas
aglomerações.17
Além das fugas, muitos escravos praticavam furtos, ou sabotagens de
grande e pequeno porte. Essas práticas podem ser analisadas como formas de
descontentamento com a condição escrava. Os furtos poderiam servir para o aumento do
pecúlio que seria utilizado na compra da alforria do próprio escravo ou de um ente seu,
no caso de escravos com família a transição para a liberdade era um processo pensado
coletivamente, os membros acumulavam e compravam a liberdade membro por
membro.
Muitas escravas buscavam relacionamentos com homens livres, às vezes
com seus próprios senhores, no anseio destes concederem-lhes a carta de alforria.
Algumas escravas foram bem sucedidas nesse processo, outras contaram com os
esforços de seus cônjuges ainda cativos ou de si próprias. O menor custo das escravas, a
facilidade de criar relacionamentos, o maior envolvimento em atividades comerciais são
motivos que podem justificar a superioridade feminina no que diz respeito ao número de
escravos livres. Mesmo que numericamente inferiores em termos absolutos, as escravas
eram maioria quando o assunto era concessão de liberdade.
Talvez o último recurso de ruptura com a escravidão adotado por muitos
escravos era o suicídio. O ato de tirar a própria vida mostra que alguns escravos
mantiveram-se tão inadaptados ao cativeiro que chegaram a optar pelo suicídio para dar
um fim ao sofrimento por eles vivenciado. Para os senhores o suicídio era uma perda
direta de capital investido, na realidade todas as manifestações por parte dos escravos
eram prejudiciais ao senhor, daí a forte repressão e vigilância com os escravos,
principalmente na lógica rural.
Para diminuir o ímpeto das fugas, rebeliões e todo tipo de manifestações dos
escravos, muitos senhores utilizavam-se do recurso de incentivar seus cativos a serem
leais através de promessas de alforria. Outros modos de contenção da rebeldia escrava
eram a família e a religião. Geralmente os escravos com família optavam pelo caminho
da aquisição da liberdade e não da fuga, pois uma fuga coletiva mostrava-se mais difícil.
17
Idem.
28
A imposição do catolicismo era uma forma de desafricanizar o escravizado
tornando-o mais suscetível à aceitação do que lhe era imposto. Em última análise, o
catolicismo para o escravo era uma forma de aproximação com o modelo senhorial
dominante. Mesmo sendo uma realidade, a imposição do catolicismo aos escravos
nunca conseguiu ser hegemônica, na prática muitos escravos ditos católicos
manifestavam simultaneamente seus cultos de origem africana. O escravo que batucava,
incomodava e amedrontava as elites era muitas vezes o escravo batizado na fé católica e
que tentava seguir os preceitos da religião ocidental.
Por outro lado, a própria estrutura escravista bloquearia a
possibilidade de inversões tecnológicas; o escravo, por isso mesmo
que escravo, há que manter-se em níveis culturais infra-humanos, para
que não se desperte a sua condição humana, isto é, parte indispensável
da dominação escravista. Logo, não é apto a assimilar processos
tecnológicos mais adiantados. Em certas situações os colonos-
senhores chegaram à maravilha de opor-se à catequese dos negro (que
enfim era o argumento com o qual se justificava a sua vinda da
África) pois já isto era perigoso: aprendia uma língua comum, podiam
comunicar-se os vários grupos africanos. Lembre-se de passagem que
é uma ilusão supor-se como às vezes se faz, estável a sociedade
escravista: muito ao contrário foram frequentes as fugas e rebeliões,
os troncos não eram de longe objetos decorativos.18
É inegável afirmar que as grandes aglomerações de escravos despertavam o
pavor em muitos senhores, os mais “inteligentes” segundo a historiografia, mesclavam
incentivos e castigos a fim de extrair o máximo de rendimento de seus cativos sem que
isso gerasse a ira da classe escrava. As elites brasileiras temiam revoltas em massa, por
isso, muitos senhores eram cautelosos em não agrupar muitos africanos de mesma etnia
em seus plantéis, fato que na realidade muito pouco adiantava, os laços criados entre
muitos escravos se iniciava num momento em que estes começavam a se ver como uma
classe, independentemente de suas diferenças étnicas autóctones ao continente africano.
A vida de um escravo brasileiro era cercada de dualismos e contradições, a
nova e a antiga realidade se contrastavam, era praticamente impossível para os africanos
abandonar integralmente seu modo de vida em detrimento da nova lógica que lhes era
imposta, esses sujeitos mesclaram elementos oriundos dos dois lados do atlântico,
contribuindo ativamente no seu processo de constituição enquanto classe e no processo
18
NOVAIS, Fernando A. Estrutura e Dinâmica do Antigo Sistema Colonial, 5ª edição, Editora
Brasiliense, 1990, pág. 94-95.
29
de formação social, econômico e cultural do povo brasileiro. A historiografia quase
sempre delegou aos africanos apenas sua contribuição na formação cultural brasileira,
porém devemos partir da premissa da contribuição desses sujeitos agentes enquanto
formadores nas dinâmicas social e econômica, assim como na cultural. Não esqueçamos
que a economia e a sociedade brasileira durante cerca de 300 anos foram sustentadas
pelo trabalho africano.
A escravização de africanos na América Portuguesa era justificada por
velhos argumentos europeus. O arcaico discurso de levar o progresso e a civilização,
incluso no pacote o catolicismo ocidental, foram as prerrogativas europeias que
tentaram justificar o escravismo, sabe-se, porém, que a lucratividade do tráfico era o
grande motor do processo que durou cerca de trezentos anos. As elites brasileiras se
associaram ao uso de mão de obra africana e toda a sociedade tornou-se dependente da
escravidão, a existência desta era um grande empecilho para o desenvolvimento interno,
o trabalho livre era minoritário, em algumas regiões, quase inexistente, e a
industrialização era uma miragem muito distante. A escravidão em última análise e a
associação das elites a ela propiciaram o desenvolvimento de uma sociedade atrasada,
aos moldes da Europa feudal, os europeus viram na América uma forma de recriar um
passado arcaico e lucrativo, dessa forma a exploração colonial no Brasil sempre buscou
suprir as necessidades das nações europeias.
Ao se tornar “independente”, a ex-colônia portuguesa sob o julgo de
pressões inglesas buscou uma maior aproximação com outras nações em especial com a
Inglaterra, esta desde fins do século XVIII iniciou um voraz processo que visava o fim
do tráfico de africanos, não por defesa dos interesses africanos ou por benevolência,
mas por interesses diretos de mercado. A Inglaterra industrializada buscava a todo custo
expandir seus mercados consumidores, para isso a escravidão nas colônias deveria ser
combatida a todo custo. A ruptura com a escravidão no Império brasileiro sobreviveu
quase mais um século após o início das pressões inglesas, porém já durante o contexto
do começo do século XIX inicia-se no Brasil um discurso que aponta a escravidão como
um passado de atraso, mesmo sendo uma velha instituição arcaica. Superar a escravidão
numa sociedade tão dependente foi um processo complexo e marcado por várias fases
30
distintas, pouco a pouco parte da elite brasileira foi se aproximando dos ideais
abolicionistas, uma outra parcela manteve-se “fiel” à escravidão até o fim.
O processo de ruptura com o modelo escravista mostrou-se cheio de
contradições, o discurso abolicionista brasileiro muitas vezes mostrou-se apenas como
discurso, abolida a escravidão o movimento abolicionista sentiu-se no dever cumprido e
houve um processo de esquecimento da causa.
A escravidão vai aceleradamente perdendo sua base moral, não
somente na opinião comum, mas até em círculos conservadores. Logo
depois da Independência já a vemos alvo da crítica geral. Aceita-se e
se justifica, mas como uma "necessidade", um mal momentaneamente
inevitável. Ninguém ousa defendê-la abertamente; e seu
desaparecimento num futuro mais ou menos próximo é reconhecido
fatal. A discussão se trava apenas em torno da oportunidade. Tal
posição dúbia explica, aliás a atitude incoerente e contraditória das
opiniões da época: enquanto se critica a escravidão, sustenta-se
energicamente sua manutenção; reconhecem-se seus males, mas raros
ousam ainda combatê-la francamente e propor medidas efetivas e
concretas para sua extinção. É que realmente a escravidão constituía
ainda a mola mestra da vida do país. Nela repousam todas as suas
atividades econômicas; e não havia aparentemente substituto possível.
Efetivamente, é preciso reconhecer que as condições da época ainda
não estavam maduras para a abolição imediata do trabalho servil. A
posição escravista reforçar-se-á aliás depois da Independência, com a
ascensão ao poder e à direção política do novo Estado, da classe mais
diretamente interessada na conservação do regime: os proprietários
rurais que se tornam sob o Império a força política e socialmente
dominadora. 19
A escravidão é tema diretamente vinculado ao objetivo central deste
trabalho, porém não será o fato tratado mais minunciosamente, a superação da
escravidão e a vida em liberdade de ex-escravos serão nossos problemas aqui
abordados. Nesta primeira parte pensamos a escravidão enquanto fenômeno que se
tornou endêmico na sociedade brasileira. A escravidão será vista de forma secundária,
será discutida a prerrogativa da vida pós-cativeiro, o processo de superação da
escravidão, as estratégias, os padrões e por fim a mobilidade ou não destes sujeitos na
sociedade brasileira, para tal utilizaremos alguns documentos de nosso recorte (1830 a
1845) como jornais, inventários, testamentos, etc.
19
PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, vol. 25, 2006, pág.
104.
31
2. UMA SOCIEDADE MARCADA PELA PRESENÇA AFRICANA: a ilha de São
Luís no oitocentos (1830 – 1845).
Segundo o historiador Mário Meireles, desde meados do século XVII, em
terras maranhenses já eram desembarcados africanos escravizados. Regularmente o
tráfico de africanos se intensifica um século depois com a Companhia Geral do Grão-
Pará e Maranhão. Na fase inicial da chegada dos africanos, eram utilizados
paralelamente como mão de obra, os nativos. Gradualmente os nativos foram sendo
substituídos pelos africanos, esse foi um processo que ocorreu em boa parte das regiões
escravistas brasileiras, como pontua Stuart Schwartz referindo-se à zona açucareira
brasileira na Bahia,
Os primórdios da economia açucareira no Brasil foram tragicamente
marcados pela história do contato dos portugueses e indígenas ao
longo da costa. A escravização de índios e o uso de sua mão-de-obra
no plantio e beneficiamento da cana revelaram-se etapa transitória no
desenvolvimento da economia açucareira, durante a qual se empregou
uma forma de trabalho relativamente barata e prontamente acessível
até que a atividade se encontrasse totalmente capitalizada. Outros
trabalhadores viriam substituí-los nas lides do engenho em fins do
século XVI e princípios do XVII – os escravos africanos, mercadorias
de um rentável ramo do comércio atlântico. Esse foi, porém um
processo gradual e de forma alguma inevitável. 20
A transição da mão de obra indígena para a africana dentre tantos motivos
contou com o apoio dos jesuítas, estes se apresentavam como um entrave aos colonos
que buscavam escravizar os nativos. Os africanos sem a mesma “sorte” dos índios
foram lançados às mais diversas formas de exploração, a sociedade maranhense em
especial a da capital associou-se à escravização de africanos a ponto destes estarem
presentes em quase todo tipo de situação vinculada a trabalho. Os africanos foram aqui
escravizados e transformados em mercadorias com preço e prazo de validade presentes
em todos os cantos e atividades, atingindo todas as camadas sociais.
O século XIX, em especial a sua primeira metade, caracteriza o apogeu da
atividade escravista em São Luís. Neste período a capital já havia recebido milhares de
africanos, e a sociedade já se encontrava dependente do braço escravo até mesmo para a
20
SCHWARTZ, Stuart B. Segredos Internos: Engenhos e Escravos na Sociedade Colonial, São Paulo,
Companhia das Letras, 1995, pág. 40.
32
execução de tarefas simples – como a locomoção em vias públicas feita por escravos
que carregavam senhores e senhoras em liteiras. Nessa época, os plantéis contavam com
africanos recém-desembarcados, africanos que já estavam há mais tempo na capital e
seus descendentes pretos ou mestiços. Na cidade, estes sujeitos possuíam maiores
espaços de sociabilidade com outros escravos e com o mundo livre. Esse fator era
determinante numa relativa menor dificuldade da vida escrava e nas chances de
transição para a vida em liberdade.
Na historiografia brasileira, é ponto comum o fato de existirem maiores
espaços de sociabilidade para escravos na lógica urbana. No caso rural a maior
necessidade do braço escravo e a sua vinculação direta com a produção o tornava mais
preso ao eito e mais suscetível a fiscalização. Nas cidades havia mais meios de
fiscalização, porém o volume gigantesco de escravos, utilizados nas mais diversas
tarefas, inviabilizava qualquer tentativa de fiscalização mais efetiva. Desse modo, os
documentos têm nos mostrado inúmeros casos de escravos urbanos burlando a
fiscalização senhorial, essas pequenas ações podem e devem ser vistas como forma de
resistência escrava. Em muitos casos, cativos se passavam por forros e tinham sucesso
na empreitada.
A sociedade maranhense oitocentista, assim como a sociedade brasileira
desse período, encontrava-se num estado em que a escravidão se enraizara em todos os
tipos de relações. O último século da escravidão no Brasil possuiu várias facetas as
quais impossibilitam qualquer análise do período como um continuum. O presente
trabalho baseia-se num período em que o tráfico transatlântico ainda era a principal
forma de renovação dos plantéis de escravos. Alguns anos depois essa prática perderá
espaço para o tráfico interprovincial, vide as pressões inglesas para o fim do tráfico, que
começam desde a proibição da importação de escravos pela lei de 7 de novembro de
1831. Essas leis só terão mais vigor no início da segunda metade do século, quando se
intensificarão as pressões inglesas.
A província do Maranhão recebeu um grande volume de africanos, quase
sempre estando entre as quatro primeiras províncias em número de africanos
desembarcados. Esses africanos vinham na maioria dos casos da Costa da Mina, de
33
Angola e de Moçambique, geralmente estes sujeitos aqui chegavam muito jovens,
alguns ainda eram crianças, muitos destes declaravam não ter conhecido seus familiares
naturais na África, como nos mostra um trecho do testamento de uma alforriada:
“Declaro que sou natural da Costa da Africa de Nação Cacheo, e que vim para esta
terra da idade de seis annos e por isso não conheci Pai, nem May” 21
.
Esses sujeitos que em terras maranhenses chegavam, em especial no porto
da capital da província, estavam lançados à própria sorte, suas vidas a partir do
momento de desembarque tinham infinitas possibilidades de fim, a maioria desses fins
foram trágicos, porém alguns poucos sujeitos conseguiram ter um final relativamente
feliz. Depois de desembarcados, esses sujeitos seriam comercializados como qualquer
mercadoria comum, seus destinos estavam nas mãos de seus possuidores.
No mundo escravista, cativeiro e liberdade nem sempre eram situações
antagônicas, havia situações intermediárias entre os dois mundos. O deslocamento
poderia ocorrer nos dois sentidos: um escravo poderia se libertar (por compra ou por
ganho) ou um ex-escravo poderia ser reescravizado (já que as cartas de alforria eram
revogáveis). Havia um emaranhado de relações entre senhores e escravos, os dois lados
utilizavam as armas que possuíam para tirar proveito da outra parte, os senhores
exploravam ao máximo a capacidade de gerar capital dos escravos, e muitos destes
buscavam boas relações com seus senhores e com a sociedade ao seu redor, além de
acumular o máximo de capital para uma futura compra de alforria, seja do próprio
escravo, seja de algum familiar deste.
Havia finalmente o incentivo supremo da liberdade por meio da
alforria. Como veremos, isso não era exatamente uma “miragem”,
pois as manumissões no Brasil eram comuns e podiam der obtidas não
só com bom comportamento, mas também por compra; a alforria
estava pois relacionada à capacidade do escravo de acumular capital.
Um cativo mulato ou crioulo com ocupação especializada ou
experiência em supervisão no engenho não só podia ter esperanças de
finalmente um dia tornar-se livre, mas também podia ter relativa
certeza de conseguir emprego após liberto. [...] Os senhores de
engenho descobriram que a melhor maneira de obter a desejada
quantidade e qualidade do trabalho era com um misto de punições e
21
MARANHÃO, 1831, Testamento da preta forra Clara Joaquina, Arquivo Histórico do Tribunal de
Justiça do Maranhão, 12 de outubro de 1831, pág. 136.
34
recompensas: os escravos perceberam que em tal sistema havia
oportunidades para melhorarem sua vida.22
Longe de algo inatingível, as alforrias eram uma realidade presente em todo
o período escravista brasileiro. Na São Luís oitocentista, através de testamentos e
inventários de ex-escravos, fica clara a relativa alcançabilidade da alforria
principalmente quando consideramos os escravos urbanos. Na capital onde
desempenhavam as mais diversas tarefas, muitos cativos conseguiam acumular seus
pecúlios e variando no tempo alguns conseguiam adquirir suas cartas de alforria.
Por mais que pareça fácil o processo de acúmulo de pecúlio e aquisição de
alforria a obtenção desta não dependia somente disso. A escravidão à brasileira era
dotada de simbolismos, os senhores jamais permitiam que os escravos adquirissem sua
liberdade somente pagando o seu “valor de mercado”, a aquisição de uma carta de
alforria mesmo sendo paga integralmente pelo escravo deveria ser demonstrada como
uma dádiva concedida pelo senhor, caso contrário a base moral da escravidão estaria
quebrada, pois qualquer escravo que conseguisse acumular seu “preço” poderia se
libertar. Tal ideia não era interessante para os senhores, desse modo, muitos
dificultavam o processo de compra de alforria para escravos que conseguiam acumular
seu valor de mercado. Geralmente a alforria de um escravo ocorria quando o senhor já
estava negociando a aquisição de outro, fora isso havia outros padrões de alforriamento.
Nos testamentos que transcrevi, quase 20% dos senhores de escravos
ludovicenses deixavam um ou mais de seus escravos livres, esta era uma forma comum
de alforriamento, classifico-a como alforria de leito de morte, pois diante de uma
situação de grave enfermidade e no ímpeto de uma salvação espiritual muitos senhores
libertavam um ou mais escravos de confiança. Esse tipo de prática era fruto do modelo
elitista brasileiro de forte influência católica. O discurso de fazer o bem, para muitos
senhores só ocorria em seus últimos momentos de vida quando este alforriava alguns de
seus cativos, talvez por medo de uma condenação numa possível vida após a morte. Isso
nos mostra que a elite tinha total consciência do quão maléfica era a escravidão e que
suas bases no âmbito do discurso eram falsas. Os fragmentos a seguir nos mostram
casos comuns em que senhores alforriavam escravos em seus testamentos de última
22
SCHWARTZ, Stuart, Op. cit. págs. 141- 142.
35
vontade, um deles inclusive deixa dinheiro para que os escravos pudessem comprar
roupas pretas para o luto,
Deixo forros a minha mulata Joanna e Joaquim Carapina de
Nação Mandinga que meu Testamenteiro lhe dará suas cartas de
liberdade dentro de oito dias sem que para isso seja preciso
procedimento Judicial, assim como lhes dará a cada um a
quantia de dez mil reis e igual quantia de dez mil reis a cada um
dos meus escravos para fazerem as suas rôpas pretas de luto.23
.
Deixo libertos, e isentos de todo captiveiro as minhas duas
mulatinhas Luiza e Theodora, filhas da minha escrava Maria
Joana, já falecida, pelo muito amor que lhes tenho; mas obrigo-
as a viverem em companhia de minhas Irmans athe serem
maiores.24
.
Havia muitos casos em que os senhores libertavam filhos de seus escravos
mais próximos na cerimônia de batizado da criança, era uma espécie de alforria por
apadrinhamento. Fora estes dois casos podemos considerar ainda o alforriamento de
escravos idosos, alforriamento de escravas com quem os senhores mantinham relações e
seus filhos “bastardos” e por fim a auto aquisição, que dependia de vários fatores, sendo
o principal a relação do senhor com o escravo aspirante à liberdade.
Nos dois exemplos citados acima podemos perceber mais duas variações no
padrão de alforriamento. O primeiro caso é o de uma alforria incondicional onde o
senhor deixa livre dois de seus escravos, tal fato deve ter ocorrido pela confiança
conquistada ao longo da convivência do senhor com estes escravos, a boa relação entre
as partes deve ter sido o fator determinante, ou mesmo o pagamento de parte do valor ao
testamenteiro, mas esta hipótese é menos provável. No segundo caso vemos um
exemplo também muito comum na realidade da São Luís oitocentista, o alforriamento
condicional. Em alguns dos testamentos que transcrevi, assim como no acima citado,
alguns senhores libertavam um ou mais escravos desde que estes permanecessem
trabalhando para algum parente ou pessoa indicada pelo senhor-testador, geralmente o
23
MARANHÃO, 1833, Testamento de Antonio Pinto Machado Lobo, natural de Porto, Arquivo
Histórico do Tribunal de Justiça do Maranhão, 1833. 24
MARANHÃO, 1833 Testamento de Angelica Rosa de Jesus, Arquivo Histórico do Tribunal de
Justiça do Maranhão, 1833.
36
senhor prefixava um tempo que depois de superado obrigava os responsáveis a conceder
a alforria ao escravo.
Estes eram os padrões mais comuns utilizados pelos senhores para alforriar
seus escravos através de testamentos. Fora deste contexto de leito de morte, as alforrias
eram concedidas em maior número a mulheres e crianças, isto pelo seu menor valor
comercial e pelo fato de os homens quase sempre estarem diretamente ligados a
atividades produtivas mais indispensáveis ao senhor. Tal fato também é consenso na
historiografia, mulheres e crianças eram preferidas quando se ia alforriar. Além dessas,
escravos nascidos no Brasil – crioulos – também eram preferidos, por vários fatores que
serão vistos mais detalhadamente ainda neste trabalho,
Enquanto os mancípios eram majoritariamente do sexo masculino,
haviam nascido na África e encontravam-se em idade produtiva, entre
os alforriados predominavam, segundo esses mesmos estudos, as
mulheres e os crioulos, além de haver um percentual
proporcionalmente elevado de crianças. 25
Na historiografia, é quase consenso o fato das mulheres serem preferidas na
concessão de cartas de liberdade, pelos fatores acima citados, além do fato de muitas
mulheres africanas aqui escravizadas trazerem uma bagagem cultural das lides
comerciais predominantemente executadas por elas no continente africano, o que
facilitava o acúmulo de pecúlio e também garantia uma relativa fonte de renda quando a
alforria já fosse uma realidade.
Escravos com ofícios geralmente tinham grande vantagem em acumular
pecúlio, o que poderia se refletir numa maior facilidade na obtenção da carta de alforria.
Poderia, pois se o senhor fosse muito dependente do capital obtido por este escravo
dificilmente o venderia. Tal prerrogativa nos leva a outro fato, o grau de dependência de
um senhor em relação a um escravo era primordial na sua maior facilidade ou
dificuldade em se desfazer dele. Quanto mais dependente fosse o senhor em relação ao
escravo, menores seriam as chances do senhor o alforriar, o que quer dizer que os
senhores com poucos escravos e que dependiam do trabalho destes diretamente para
25
FLORENTINO, Manolo, Tráfico, Cativeiro e Liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, pág. 300.
37
sobreviver nunca ou quase nunca alforriavam, levando-nos a afirmar que a alforria era
uma realidade mais comum nos plantéis maiores, pois a dependência do senhor em
relação a um ou alguns poucos escravos não era tão primordial.
2.1 PÓS-CATIVEIRO: continuidades e descontinuidades
A tênue linha entre cativeiro e liberdade não possuía espaços bem
delimitados. O gozo pleno da liberdade por um ex-escravo nem sempre era uma
realidade, assim como um escravo não necessariamente vivenciaria somente momentos
de cativeiro. Ser alforriado não necessariamente seria um sinônimo de gozo da vida
livre, tudo dependia de inúmeros fatores. A transição de um escravo para a vida livre
podia ser rápida ou gradual dependendo de suas capacidades individuais e de suas
relações no mundo livre e cativo.
Um escravo bem articulado no mundo livre tinha boas chances de
conseguir emprego em liberdade, quase em geral essa transição tinha uma origem
coletiva onde famílias acumulavam pecúlio em conjunto e adquiriam suas cartas de
liberdade uma a uma, muitas vezes outros libertos ou organizações de caráter religioso
como as irmandades também poderiam auxiliar no processo. Logo, podemos afirmar
que as virtudes individuais e as relações coletivas de um escravo eram fatores
determinantes na execução de sua transição para o mundo livre, muitos libertos eram
marginalizados vivenciando as velhas barreiras já conhecidas desde os tempos de
escravidão.
Para muitos forros, o sonho da liberdade quando obtido tornava-se
frustrante, pois a esperança de mudanças reais se traduzia em permanências constantes,
a inferiorização social os acompanharia até os últimos dias. Um preto forro geralmente
levava essa designação até o momento de sua morte, a grande prova de tal argumento
são os testamentos e inventários que em sua descrição trazem exatamente as
designações “preto forro”, “preta forra”, “preto liberto”, “preta liberta”, “mulato(a)
liberto(a)”, enfim. A designação era classificatória e ao mesmo tempo inferiorizante,
significava que mesmo sendo livres e, extraordinariamente, mesmo tendo muitas posses
estes sujeitos haviam vivenciado a escravidão, e se a liberdade fosse algo que pudesse
38
ser quantificado para a sociedade da época estes sujeitos estariam em grande
desvantagem. Creio que para as elites, minar essas possibilidades de mobilidade era fato
vital, pois as inviabilizara qualquer concorrência em certos espaços, para a elite local
delimitar os espaços sociais restringindo-os de ex-escravos era a forma de se manter
hegemônica nestes espaços, porém:
A liberdade é um processo de conquistas, que podem ou não ser
alcançadas durante o correr de uma vida. É o desdobramento de um
conjunto de direitos que podem ser adquiridos, ou perdidos, um a um
com o tempo. É, portanto, um caminho a ser percorrido, e não uma
situação estática e definitiva. Não existe, portanto, liberdade absoluta.
E, mesmo no caso de sua mais radical ausência, resta sempre uma
escolha final entre a vida e a morte. 26
A liberdade consiste num processo. Para um africano nascido livre e
escravizado numa nação distante, totalmente alheia à sua realidade anterior, a liberdade
era um bem a ser reconquistado a todo custo. A necessidade de romper com o status quo
de escravo impulsionou estes sujeitos à busca pela liberdade, uns a buscaram através do
trabalho, outros através de fugas, quilombos, assassinatos – de senhores e feitores – e
outros através de uma pseudo-docilidade. Engana-se quem analisa os africanos
escravizados apenas como sujeitos passivos ao processo de escravidão, todas estas
manifestações citadas acima nos mostram que estes sujeitos tinham percepção de que a
liberdade podia e deveria ser reconquistada, para isso foram utilizados infinitos meios.
Na realidade escravista ludovicense oitocentista e na brasileira de modo
geral havia dois conceitos principais de liberdade que acabaram se mesclando, o
conceito burguês ocidental de liberdade vinculado a propriedade individual e o conceito
de muitas sociedades africanas e mesmo indígenas onde liberdade era sinônimo de
pertencimento social, ser livre era pertencer a um grupo tendo poder de ação compatível
com o dos demais. Estes dois conceitos incidiram nos anseios de muitos escravos. No
Maranhão oitocentista, ser livre era sinônimo de não ser propriedade, mas também era
sinônimo de pertencer à sociedade dominante. Por isso para o gozo da liberdade um
indivíduo deveria preencher estes dois requisitos: não ser escravo e pertencer à
sociedade. Muitos escravos conseguiram deixar de ser escravos através de cartas de
26
CARVALHO, Marcus J. M. de. Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo. Recife, 1822-1850,
Recife, Editora Universitária da UFPE, 1998, pág. 214.
39
alforria, porém sua mobilidade no interior da sociedade livre era um processo muito
mais complexo. Para pertencer à sociedade dominante o alforriado deveria estar
articulado com pessoas já pertencentes ao mundo livre, as relações criadas por um
liberto eram fundamentais para o seu processo transitório rumo ao status de liberdade.
Essas observações, em grande parte, em grande parte servem para a
noção de liberdade no Brasil oitocentista. Aqui o cativo não era um
cidadão, pois o direito o reconhecia como pessoa apenas quando o
tornava imputável criminalmente. Para os demais atos jurídicos, era
uma coisas, ou quando muito, um menor, como nos casos em que era
chamado a depor na justiça, não servindo de prova o seu testemunho,
mas apenas para informar o processo. Quanto a denunciar o senhor
nem pensar. O escravo era portanto um estranho à sociedade dos
homens livres. Mesmo quando havia nascido no país, não tinha
nenhum dos direitos inerentes à noção de cidadania. A rigor ele não
“pertencia” à nação brasileira.27
No período de 1830 a 1845 no Maranhão, quando a escravidão africana
estava “a todo vapor”, muitas barreiras impostas pela sociedade ludovicense branco-
dominante eram a base de sustentação do sistema escravista. Barrar a mobilidade
socioeconômica de ex-escravos era uma maneira de não aguçar seu ímpeto de
pertencimento ao mundo livre. A ideia de possibilidade de ruptura imediata com o
status de escravo quebraria a base de dominação social branco-dominante, pois qualquer
escravo que se tornasse judicialmente livre poderia se equiparar ao status dominante,
essa equiparação era evitada a todo custo pela classe senhorial, que inferiorizava, ao
máximo, escravos e alforriados, muitas vezes tratando-os ou reportando-os como classe
similar, freando todas as possibilidades de pertencimento ao “mundo livre”.
Os estereótipos criados pela sociedade dominante visavam equiparar
alforriados a escravos e davam sustentáculo às inferiorizações impostas aos africanos e
seus descendentes. Na realidade histórica do Maranhão oitocentista, a liberdade de um
escravo não rompia com seus antigos laços (família, amigos e compadrio) criados ainda
no cativeiro. Estes laços eram mantidos durante a vida em liberdade do alforriado,
muitos destes auxiliavam aqueles que ainda não haviam se libertado, com dinheiro,
roupas alimento, ou mesmo dando abrigo numa possível fuga. Os mesmos laços que
27
CARVALHO, Marcus, Op. Cit. págs. 218-219.
40
poderiam facilitar o acesso à vida em liberdade poderiam também se tornar verdadeiras
prisões para um escravo em transição.28
Muitos senhores incentivavam a família escrava
com o objetivo de frear quaisquer tentativas de fugas ou rebeliões, este tipo de incentivo
em parte dava certo, já que fugas coletivas eram muito mais difíceis de serem
executadas.
A família escrava poderia e foi uma estratégia utilizada em favor de
senhores como foi exemplificado acima, mas também dos próprios escravos.
Geralmente uma família de escravos em sua segunda ou terceira geração pertencente ao
mesmo senhor gozaria de muitos privilégios se comparada a um escravo recente e sem
família. Novamente entra em questão a perspectiva de pertencimento utilizada por
Marcus Carvalho (1998), um escravo que pertencia ao grupo mais antigo dos escravos
de uma senzala possuía maior confiança de seu senhor o que poderia resultar em uma
maior facilidade em obter uma carta de alforria, pelo fato do senhor confiar nesse
escravo a ponto de criar um vínculo que o levasse a alforriá-lo. O mesmo fator poderia
ser desfavorável ao escravo, pois a maior proximidade e confiança poderiam tornar o
escravo ou grupo insubstituíveis a ponto de minar as chances de libertação do escravo
ou grupo.
Assim posso afirmar que na lógica escravista da cidade de São Luís no
século XIX e mesmo em grande parte do Brasil o mesmo fator poderia ser positivo ou
negativo para um escravo quando este estava em busca de uma transição ou
retransição29
para a liberdade. Neste caso todo e qualquer resultado dependia de uma
gigantesca infinidade de variáveis, o mesmo fato poderia ser interpretado de inúmeras
formas variando de senhor para senhor e de suas relações com o mundo livre e com a
classe escrava. A proximidade escravo-senhor em um caso poderia levar o escravo à
liberdade e em outro ao cativeiro eterno.
Mesmo diante de tantas variáveis, muitos senhores de escravos ludovicenses
tinham o hábito de “conceder” cartas de alforria a seus escravos. A alforria sempre foi
uma realidade do Brasil escravista, não sendo diferente no caso aqui analisado, os
28
Refiro-me à transição para a vida livre. 29
Utilizo o termo transição referindo-me àqueles que nasceram no cativeiro e retransição para os
africanos nascidos livres e escravizados em terras brasileiras
41
relatos de libertações estão em várias documentações inclusive nos testamentos
(documentação que trabalho) de muitos senhores maranhenses do século XIX, os
principais padrões pelos quais os senhores alforriavam escravos foram exemplificados
nesta parte do trabalho.
Os escravos urbanos da Capital da Província do Maranhão vivenciavam
contatos constantes com o mundo livre, com certeza podemos afirmar que o maior
contato com pessoas livres não só poderia facilitar a transição para a liberdade como
também norteava os anseios de futuro dos escravos. A busca pela vida livre era uma
realidade constante para os africanos aqui escravizados, porém suas perspectivas de vida
livre ocidentalizaram-se no Maranhão escravista da primeira metade do século XIX ser
livre englobava vários fatores.
Os africanos chegando num mundo distinto do seu, um mundo em que a
posse de escravos se traduzia num status de liberdade senhorial, buscaram muitas vezes
superar o status de cativo e se aproximar ao status senhorial. Isto pode explicar o fato
talvez paradoxal de ex-escravos possuírem algumas vezes escravos, estes possuidores
em última análise estavam buscando uma aproximação com a cultura branco-
dominante, algo parecido com a análise do psiquiatra Frantz Fanon (2008) já explicitada
anteriormente. Para quem vivenciou a escravidão o ponto alto da mobilidade talvez
fosse se tornar senhor, em alguns casos podemos analisar a escravização por parte de
africanos com africanos não como um ato insano de crueldade, mas como uma busca
pela aproximação com a cultura senhorial, espelho para muitos escravos brasileiros de
todos os períodos dos mais de trezentos anos de escravização de africanos no Brasil.
Mesmo o anseio senhorial sendo um estigma muito marcante nas mentalidades
escravas, muitos escravos compreendiam e buscavam pequenas liberdades, liberdades
voltadas para o cotidiano, longe de uma busca pela talvez utópica liberdade absoluta,
A noção de liberdade manejada pelos escravos confundia-se com a
possibilidade de, em graus diversos, dispor de si. Sem nenhuma
garantia de êxito, a grande maioria buscava dispor de si no dia-a-dia,
na lida impetuosa ou malemolente, associando a “liberdade” a
42
pequenas conquistas tendentes a alargar sua autonomia na
escravidão.30
É complexo determinar quais eram os principais anseios de escravos no que
diz respeito à busca pela liberdade. Na realidade, a concepção de liberdade de um
escravo é um enorme paradigma, podemos delimitar que os horizontes de liberdade dos
escravos maranhenses estavam entre a busca por pequenas melhorias (mais comum) e a
busca pela mobilidade socioeconômica (exceções que serão apresentadas no próximo
capitulo). A diferença no tipo de liberdade que o escravo possuía, na maioria dos casos,
estava fortemente vinculada à forma pela qual este chegou à liberdade ou às
experiências vivenciadas por este, alguns podiam incorporar o modelo social outros
poderiam criar repulsa ao mesmo, a ponto de buscar sempre fugir ou burlar o sistema
escravista.
Em contato com testamentos e inventários de senhores e alforriados
ludovicenses (entre 1830-1845), percebi que os escravos que conseguiram adquirir sua
carta de alforria comprando a mesma, geralmente gozavam de maior autonomia quando
livres, sendo maioria absoluta entre as exceções de mobilidade. Aqueles escravos que
receberam suas cartas de alforria sem pagar valor algum, estando “livres” somente pela
“gratidão” de seus senhores tinham menos chances de autonomia, muitas vezes havendo
uma manutenção da tutela senhorial mesmo não sendo mais escravos teoricamente. A
revogabilidade das cartas de alforria foi uma carta na manga dos senhores para manter
seus ex-escravos tutelados, mesmo livres os alforriados deveriam manter a gratidão a
seus antigos senhores, mesmo em casos em que o escravo pagou seu “valor integral”.
Além de mulheres e crianças serem preferidas nas concessões de alforrias,
como já foi explicitado anteriormente, os escravos crioulos (nascidos no Brasil) também
eram preferidos nas concessões, os motivos são variados, mas quase sempre estão
ligados ao maior vínculo criado entre senhores e crioulos, sendo estes muitas vezes
nascidos na senzala e estando em contato com os senhores desde crianças. Fora isso, é
possível destacar casos de crioulos apadrinhados por senhores ou outras pessoas livres,
ou casos de crioulos filhos “bastardos” entre senhores e escravas, mesmo não sendo
30
FLORENTINO, Manolo, Tráfico, Cativeiro e Liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, pág. 338.
43
registrados oficialmente muitos senhores alforriavam seus filhos-escravos em seus
testamentos post-mortem. Colocando em ordem decrescente de nível de preferência nas
alforrias estavam mulheres, crianças, crioulos, idosos e por fim africanos. Esta ordem é
longe de ser absoluta e variou contextualmente.
As alforrias quantitativamente estavam fortemente vinculadas ao contexto
externo. No recorte temporal deste trabalho (1830-1845), quando as pressões inglesas
estavam ocorrendo sem muita efetividade e o tráfico de africanos supria relativamente
as necessidades dos senhores de escravos, a concessão de cartas de alforria manteve-se
dentro da normalidade, cerca de 1 a cada 100 escravos conseguia se libertar. Na segunda
metade do século XIX, quando o tráfico de africanos é proibido e a renovação dos
plantéis estava impossibilitada, o número de alforrias diminui significativamente, fato
vinculado à diminuição da oferta de africanos e ao seu consequente aumento de preços.
É neste contexto que se inicia um massivo deslocamento de africanos do nordeste para
as regiões cafeeiras (sul e sudeste) numa espécie de tráfico interprovincial.
Por mais que muitos escravos buscassem a vida em liberdade, a sociedade
dominante sempre os viu num grau inferior a ponto de para estes um alforriado jamais
possuir a possibilidade de equiparar-se a um senhor. A elite utilizou-se de todas as
armas que possuía para manter seu status e também para evitar ascensões de quem havia
estado na base da pirâmide social. Em alguns jornais da primeira metade do século XIX,
encontrei fragmentos de discursos de membros da elite acerca de uma possível equidade
entre a velha elite e aqueles que estavam em fase de mobilidade,
Ora, Sr. L... não lhe parece uma asneira quererem, que o Cidadão seja
igual perante a Ley? Então n‟esse caso um meu escravo, é igual a
mim, logo que for forro!! Forte desaforo! Olhe Sr. L... aqui queria eu
pilhar esses modernos dos infernos, que queria ver suas rasões ao
meus argumentos.31
O sucinto fragmento de jornal é bem objetivo em seu propósito, um
“cidadão brasileiro” oitocentista jamais poderia estar equiparado a alguém que
vivenciou o cativeiro. Mesmo já estando em liberdade um alforriado carregava consigo
a cor e o estigma do cativeiro até seus últimos dias.
31 JORNAL FAROL MARANHENSE, edição 00002, pasta (1827-1831) Acervo Digital da Biblioteca
nacional, pág. 235.
44
Os jornais eram um canal da elite muito bem utilizado para manutenção de
seu status dominante. A elite que naquela época era composta por comerciantes,
fazendeiros e alguns outros cargos os quais não possuíam interesses numa sociedade
com mobilidade socioeconômica. Para estes o quão difícil fosse a transição para o status
dominante, melhor. O topo da pirâmide social era muito bem delimitado, porém a base e
as classes intermediárias muitas vezes se confundiam. Em inúmeros jornais, relatos de
parte do dia, documentos da Secretária de Polícia do Largo do Carmo e em outros
documentos, encontrei trechos que narraram casos de escravos que se passavam por
livres. Essa era uma prática comum em todo o Brasil escravista, o difícil controle da
sociedade livre facilitava a execução deste tipo de manobra, em alguns casos estes
“pseudo-libertos” contavam com auxílio de pessoas livres, alforriados ou cativos.
A José dos Santos Villaça morador nesta cidade, lhe fugio hum preto
de nome Julião, Nação Caboverde, de idade 22 annos, altura mediana,
reforçado, muito solfista, com huma pega na perna, metade da orelha
esquerda de menos, com signaes pelo corpo de castigo anda em título
de forro, e calçado: quem o pegar e entregar a seu Sr. receberá
generosa recompença.32
Por maior que fosse a vigilância exercida por senhores, feitores e polícia,
era impossível se ter um controle absoluto acerca de quem era liberto e quem era
escravo. O volume de sujeitos nas duas condições e a proximidade entre as duas classes
(motivada por laços já descritos neste trabalho) levavam a parcela dominante a tratar as
classes muitas vezes como uma só, o aparato de segurança pública agia
semelhantemente, muitos alforriados foram presos por motivos “banais” se pensarmos
que estes já se encontravam em liberdade.
O Jornal “O Publicador Maranhense” de 29 de maio de 1843 relata que: “os
soldados Manoel Francisco da Paixão e Gabriel Antônio de Juzus, prenderam as 8 horas
da noite no beco de S. Antonio, o preto forro Evangelista, por trazer uma navalha”.
Percebamos que o simples fato de um ex-escravo estar portando uma navalha foi motivo
para este ser preso, este tipo de prisão era comum com escravos. Se pensarmos o liberto
como um sujeito livre, ser punido por este “crime” é um fato inimaginável, porém aos
32
Jornal A Revista, Acervo Digital da Biblioteca Nacional, edição 00438, 4/4, 1843, pág. 1.
45
olhos da sociedade dominante da São Luís oitocentista quase sempre escravos e libertos
eram categorias similares, assim sendo, deveriam ser punidos e tratados de igual forma.
Esta forma de tratamento a libertos foi a regra da capital maranhense no
início do século XIX, porém existiram exceções. No capítulo que se seguirá analisarei
alguns casos de alforriados que conseguiram vivenciar um processo de mobilidade
dentro da fechada sociedade oitocentista aqui utilizada. Casos raros de sujeitos que
vivenciaram os dois lados situacionais, alguns que foram escravos e posteriormente
viraram senhores de escravos. Todos os casos que serão analisados a seguir foram
encontrados em testamentos e inventários dos próprios alforriados, localizados no
Arquivo Histórico do TJ-MA.
3. EXCEÇÕES: a mobilidade socioeconômica de alforriados em terras
ludovicenses no início dos oitocentos.
A sociedade da capital da província do Maranhão na primeira metade do
século XIX mostrava-se bastante fechada à mobilidade de ex-escravos. Creio que quase
todas as sociedades do Brasil Império compartilhavam este fechamento à mobilidade. O
modelo de sociedade oitocentista de forte herança colonial pautado em “formas de
trabalho compulsório”, como afirmou Fernando Novais (1990), por si só dificultava a
mobilidade no sentido ascendente. Para um sujeito que outrora fora escravizado, ser
alforriado não trazia automaticamente o gozo de ser um cidadão livre, haviam marcas
do cativeiro que jamais seriam esquecidas pela sociedade branco-dominante, para um
ex-escravo em transição o sucesso econômico era o primeiro passo para uma melhor
aceitação no mundo livre.
O sucesso financeiro e aproximação com o modelo dominante eram
obrigações implícitas para uma maior aceitação no mundo livre. O catolicismo era uma
instituição dominada pelos setores superiores, a aproximação com a fé cristã, mesmo
coexistindo com outros cultos de matriz africana era uma porta de entrada, uma forma
de melhorar a imagem social de um alforriado bem sucedido. Muitos alforriados
enfatizavam a vivência da fé cristã, esta aproximação poderia ser proposital ou
inconsciente. Nos testamentos33
que transcrevi (um total de 27 entre 1809 e 1869, dos
33
Toda essa documentação encontra-se no Arquivo do TJ-MA.
46
quais utilizo parte neste trabalho) todos fazem alusão à vivência da fé cristã, chegando a
ser quase padrão a afirmação:
“Estando inferma, porem em meu perfeito Juizo, e entendimento que
Deos me deu faço este meu testamento da forma seguinte =
Primeiramente encomendo minha alma a Deos, ea sua May Maria
Santissima, que a criarão, e declaro que sou Catholica Romana, e
nesta fé pertendo morrer e salvar-me, pelos infinitos merecimentos de
meu Senhor Jezus Christo”34
A identidade destes sujeitos estava em constante processo de construção. A
contragosto estavam vinculados ao mundo cativo, porém ansiavam ascender ao mundo
dominante sem que, para a obtenção deste status, houvesse uma quebra no vínculo com
o mundo cativo. Dessa forma havia um “mix” de rupturas e continuísmos. Esse estágio
intermediário ocupado por libertos não era uniforme. Nos testamentos percebi que havia
casos de libertos sem muitas posses e mais próximos ao mundo cativo, muitas vezes
compartilhando vínculos familiares com escravos e até competindo com estes por
espaços no mundo do trabalho. E havia casos de libertos mais afastados do passado
cativo, estes encontravam-se social e principalmente economicamente mais próximos ao
mundo senhorial, neste pequeno grupo enquadram-se os libertos possuidores de
escravos, geralmente estes senhores libertos ou libertos senhores eram minoria,
aproximadamente 11% do total de alforriados aqui analisados.
Percebe-se que entre os libertos não havia uma uniformidade, isso por que a
alforria ocorria de formas muito variadas, muitas vezes a forma como a liberdade foi
obtida definia parâmetros da vida em liberdade. Os escravos que compravam sua
liberdade através do pecúlio geralmente possuíam mobilidade mais acentuada quando
comparados àqueles que “ganharam” suas cartas de liberdade como manifestação da
pseudo ou real benevolência de senhores de escravos, isso porquê o acumulo de pecúlio
estava ligado a trabalho, um escravo com ofício ao alforriar-se tinha enormes chances
de obter trabalho e consequentemente se auto sustentar.
Os sujeitos aqui analisados foram sujeitos em estado de exceção, sujeitos
que tiveram condições econômicas de ir a um cartório e encomendar a produção de um
testamento/inventário. Tal fato aparentemente simples já nos é um indicio de
mobilidade, haja vista que um inventário pressupõe bens, e um testamento bens e
herdeiros. Nos casos analisados encontrei ex-escravos que possuíam casas, ouro,
escravos, móveis e outros bens, os quais eram passados geralmente pra afilhados ou
34
MARANHÃO, 1834, Testamento da preta forra Maria dos Santos das Neves, Arquivo Histórico do
Tribunal de Justiça do Maranhão, 1834.
47
parentes. Essa característica de apadrinhar talvez tenha sido fruto do convívio com a
cultura branco-dominante, acostumada com o apadrinhamento, e também às baixas
taxas de fertilidade das ex-escravas, o que inviabilizava a transmissão da herança aos
filhos do testador(a). Tal fato atingia tanto escravos quanto libertos. O que muito já foi
dito e se pode reproduzir é que os plantéis de escravos não se renovavam nas senzalas
(via reprodução natural), mas sim nos navios negreiros, ou seja, o tráfico era a principal
via de renovação dos plantéis de escravos e consequentemente de futuros
libertos/alforriados.
Se considerarmos todo o processo para reconquista da vida em liberdade,
vivenciado pelos africanos que vieram para ser escravizados no Brasil, a obtenção da
alforria por si só já consiste num processo de ascensão social, mesmo quando as
mudanças na prática eram muito pequenas e as barreiras a serem transpostas muito
grandes.
Na capital da província do Maranhão, desde o século XVII, já havia a
presença de escravos africanos, porém a atividade escravista intensifica-se nos dois
séculos seguintes. No período oitocentista ludovicense35
a escravidão já era uma
instituição que a todos atingia, a posse de escravos era algo relativamente comum, não
era tão difícil o fato de ex-escravos possuírem escravos. Na trajetória desses sujeitos me
interessou não somente os ex-escravos que possuíam escravos, mas aqueles que
conseguiram mudar seu padrão de vida.
Esses ex-escravos ou “pretos forros(as)”, como consta em seus testamentos,
só pelo fato de conseguirem legar seus bens a seus herdeiros por meio de um
Testamento e, além disso, descrever todos os seus bens num Inventário, já demonstram
que sua ascensão social e econômica foi mais acentuada. Esses testamentos e
inventários eram feitos em cartórios, e geralmente pelo fato de não saberem ler e
escrever, os forros ou forras ditavam ao escrivão, que transcrevia suas falas. Nos
testamentos e inventários que transcrevi, é nítido que esses sujeitos não estavam
integralmente marginalizados, pelo contrário, fica claro que estes sujeitos desenvolviam
inúmeras relações sociais e econômicas no mundo livre e no mundo cativo, muitas
vezes agindo como intermediadores.
35
Oriundo ou natural de São Luís do Maranhão.
48
Declaro que Francisco Cardozo de Miranda, e João Cardozo de
Miranda, vindos da ilha de Cabo verde, e que forão escravos do finado
José Luiz dos Santos, me são devedores athe hoje da quantia de
sessenta mil reis, digo de sessenta mil trezentos reis valor da quantia
que eu lhe emprestei para as suas alforrias36
.
O fragmento citado acima consta no testamento da preta forra Maria dos
Santos das Neves, também natural da ilha de Cabo Verde No trecho fica claro que a
forra auxiliou dois escravos, possivelmente irmãos, emprestando uma alta quantia para
que estes pudessem comprar sua liberdade. Esse tipo de relação era muito comum, esse
sentimento de ajuda mútua talvez seja ainda mais intenso nos casos em que quem ajuda
e quem recebe o auxilio são oriundos da mesma localidade do continente africano, como
no caso acima. Essa mesma preta forra tinha como seu testamenteiro um Primeiro
Tenente da Armada Nacional, de nome Joaquim Eugenio Avelino, e a mesma também
se envolvia em negociações com pessoas forras e livres das classes intermediárias,
Declaro mais que a preta fôrra Camilla escrava que foi do Amorim,
me he devedora de seis pessas em renda de prata = Declaro que o
Official de Justiça Antonio Madeira de Matos me he devedor de vinte
oito mil reis procedidos de huma escrava que lhe vendi = Declaro que
o alfferes de pedestre Edmundo de Leal que eh Declarante de Rozario
me he devedor de desesseis mil reis, resto de maior quantia de huma
obrigação minha que elle tem em seu poder = Declaro que o preto
fôrro Francisco de Barros me he devedor de dez mil reis = Declaro
que emprestei a Cafuza Maria Raimunda, escrava que foi de Dona
Joana, huma volta de contas grossas com quatro duzias, tendo cada
conta meia oitava, e todas de Ouro37
.
Neste outro trecho do mesmo testamento, demonstra-se as relações
econômicas da preta forra, que deveria ser comerciante, emprestava e vendia para
forros, funcionários públicos, um Oficial de Justiça etc. Nessa negociação, fica claro
que Maria dos Santos das Neves possuía escravos e inclusive vendeu uma para o Oficial
de Justiça. De todos os testamentos que transcrevi, este é o melhor exemplo de ascensão
social e econômica. Fica claro que Neves estava articulada socialmente e que soube tirar
proveito disso para melhorar sua vida.
Outro testamento, de um preto forro que possuía menos posses que a forra
citada anteriormente, nos mostra o exemplo de um ex-escravo casado e que possuía uma
escrava,
36
MARANHÃO, 1834, Testamento da preta forra Maria dos Santos das Neves, Arquivo Histórico do
Tribunal de Justiça do Maranhão, 1834. 37
Idem.
49
Declaro que sou Cazado com a preta forra Anna Thereza, e deste
matrimonio não tenho filhos = Declaro que não tenho herdeiro alguns
forrados e por isso posso adispor dos meus bens da maneira
seguinte=Declaro que possuo uma área de cazas na rua de Santa Rita
desta cidade, huma Negrinha de nome Maria de Nação Cassanga, cuja
comprei ao Senhor Felippe Diaz Borges, para cuja compra vendi de
minha mulher o ouro que ella tinha38
.
Tal fato nos mostra que esses sujeitos não estavam totalmente
marginalizados ou distantes das instituições religiosas, em todos os testamentos que
fotografei, há sempre menção ao nome de Deus e da fé Católica. Essa era uma forma de
se aproximar ao modelo “dominante”. Os libertos, e mesmo os escravos, buscavam
sempre uma aproximação com o modo de vida dos seus ex-senhores e senhores,
respectivamente. Por isso, mesmo sendo escravizados num passado próximo, muitos
libertos possuíram escravos. A posse de escravos era uma atividade altamente rentável,
além de se traduzir em status. Para os libertos as duas coisas eram importantes, talvez
mais importante que o próprio fato de proporcionar o cativeiro a seus “semelhantes”. O
psiquiatra e escritor Frantz Fanon39
pontua voltando-se para outro contexto que, os
“dominados” tendem a se aproximar do modo de vida (ou da cultura) de seus
dominadores, algo parecido acontecia no nosso contexto, havia uma tendência dos ex-
escravos buscarem o ideal senhorial, mas sem se desvincular totalmente de seus antigos
laços criados no cativeiro. Enfim, o mundo dos libertos pairava entre as relações com o
mundo novo de ascendência senhorial e com o velho mundo de que estes haviam a
pouco se libertado.
É muito complexo medir o nível de mobilidade social e econômica de
indivíduos em qualquer tempo histórico, no caso aqui analisado lidamos com um grupo
de sujeitos teoricamente no mesmo status (o de liberto/alforriado), porém não há
uniformidade quanto às trajetórias destes, por isso é praticamente impossível proferir
alguma afirmação geral, analiso as trajetórias destes ex-escravos quase de forma
individual, vez por outra analisando coletivamente alguns elementos mais homogêneos.
A maior parte desses escravos, que produziram testamentos e inventários, deveria
possuir algum ofício ou lidar com comércio, geralmente estas atividades já eram de
conhecimento destes sujeitos desde os tempos em que viviam no continente africano.
Muitos africanos, principalmente do sexo feminino, tinham conhecimento de práticas
38
MARANHÃO, 1834, Testamento do preto forro Luiz Antônio, Arquivo Histórico do Tribunal de
Justiça do Maranhão, primeiro de agosto de 1834, livro 25, p.201. 39
Ver FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. EDUFBA, 2008.
50
comerciais e aqui conseguiram tirar bom proveito disso, conseguindo a emancipação e o
sucesso econômico quando em liberdade.
Os casos de libertos que em seus testamentos/inventários relataram um
número maior de posses tanto materiais (casas, objetos, joias, dinheiro) quanto humanas
(escravos) são casos menos frequentes. Geralmente, os escravos que conseguiam se
alforriar obtinham algumas pequenas liberdades, o que já pode ser considerado um tipo
de mobilidade. Na realidade, qualquer passo para além da inércia social do cativeiro, a
meu ver, consiste num tipo de mobilidade. Essas pequenas liberdades poderiam ser o
recebimento de alguma remuneração pelos trabalhos executados, terras para cultivo,
parte na produção em terras senhoriais, etc.
É bem verdade que, neste jogo de relações, os senhores sabiam muito bem
intercalar benefícios e exigências, assim como os escravos ou libertos tutelados
conseguiam tirar algum proveito. As relações de poder ali estabelecidas nunca foram
unilaterais, escravos e libertos também foram sujeitos ativos no processo de busca por
melhorias e emancipações.
Apesar das especificidades de cada processo de emancipação, as
pesquisas têm convergido ao perceberem o fim da escravidão como
um momento de profunda mudança dos referenciais culturais, que até
então norteavam as relações econômicas, a convivência social e as
relações de poder nas áreas escravistas das Américas. Neste contexto,
libertos, ex-senhores, os demais homens e mulheres livres e o próprio
Estado viram-se forçados a rever atitudes e estratégias, frente a um
processo social que, mesmo estruturalmente condicionado e apesar
das diferenças de recursos econômicos, políticos ou culturais, nenhum
de seus atores lograva efetivamente controlar.40
Esse processo de mudança nos referenciais culturais vivenciados por muitos
ex-escravos visou quase sempre a aproximação com o modelo branco-dominante.
Superado o cativeiro, o ideal cultural a ser alcançado quase sempre era o modelo
senhorial, alguns raros sujeitos lograram êxito em tal percurso e conseguiram vivenciar
a experiência de ser “senhor”. Esta pequena parcela da classe senhorial, mesmo gozando
de um status diferenciado, vivenciava empecilhos jamais vivenciados pela parcela
branca da elite, esses tipos de empecilhos podem ser percebidos, por exemplo, nos
matrimônios. Nos testamentos de libertos da capital da província do Maranhão no
recorte estudado dos libertos que possuíam cônjuges nenhum destes cônjuges era
40
DE CASTRO, Hebe Maria Mattos. Das cores do silêncio. Significados da liberdade no sudeste
escravista. Brasil século XIX, Rio, 1995, pág. 16.
51
branco, praticamente 100% dos casos consistia em relacionamentos entre dois ex-
escravos ou entre um(a) ex-escravo(a) e um(a) escrava(o).
Esse dado nos mostra que as opções matrimoniais nas elites ainda
privilegiavam brancos. Mesmo em casos em que o liberto possuía mais bens materiais
que o branco, a preferência permaneceu sendo o branco. Em algumas regiões do Brasil
escravista essa preferência por brancos ocasionou um processo de ascensão social e
econômica de muitos indivíduos brancos sem muitas posses. As elites delimitaram
muito bem até que ponto a mobilidade de um sujeito que vivenciou o cativeiro outrora
poderia ir, mesmo bem sucedido um liberto jamais se equiparia a um branco aos olhos
da sociedade da época.
O recurso à mobilidade espacial era comum a „ricos‟ e „pobres‟,
mesmo considerando-se as expressivas diferenças que a posse de
alguns escravos ou outros bens móveis podia representar nas
oportunidades abertas de reinserção social. Era um recurso da
liberdade, primeira e fundamental marca de seu exercício. Não só
processos de empobrecimento, porém, produziam o homem móvel. A
obtenção de alforrias também gerava continuamente novos livres, à
procura de laços. A inserção social destes homens na sociedade
colonial se fez, entretanto, profundamente marcada por uma
hierarquização racial, que separava, até mesmo na prática religiosa,
pretos, brancos e pardos.41
Por mais que a sociedade ludovicense não fosse integralmente fechada
juridicamente à inserção de libertos no mundo branco-dominante, na prática havia
espaços muito bem delimitados, no mundo religioso, na administração pública e em
alguns outros setores que não possuíam e até hoje não possuem a presença de negros.
Em última análise, a sociedade ludovicense escravista na primeira metade do século
XIX era aberta à mobilidade de ex-escravos até certo ponto. A cor da pele ainda
consistia num empecilho direto à mobilidade, os termos “preto” e “escravo” ainda eram
sinônimos; a associação direta entre cor da pele e cativeiro vetava muitas possibilidades
de vivência da experiência da liberdade. Mesmo livres, os forros continuavam pretos, e
vários setores da sociedade continuariam a notá-los como escravos, talvez a cor da pele
dentro da sociedade escravista fosse o maior obstáculo para qualquer um que ansiava a
ascensão. Daí surge a justificativa para a constante busca pelo branqueamento alguns
anos mais tarde, ser branco era quase sinônimo de ser livre, assim como ser preto
equiparava-se a ser cativo.
41
DE CASTRO, Hebe Maria Mattos, Op.Cit. pág. 29.
52
É complexo afirmar até que ponto os escravos e libertos tinham consciência
das barreiras que a sociedade os impunha. Percebi que estes sujeitos que vivenciaram a
experiência do cativeiro na capital da província do Maranhão tinham noção do
tratamento diferenciado que teriam ao se tornarem “livres”. Não se pode negar que um
escravo ou liberto sabia que o mundo das elites era encabeçado por brancos, mesmo
nesta situação, muitos libertos conseguiram uma aproximação com o modo de vida
branco-dominante. Talvez sem se preocupar com o fato de como seriam vistos
socialmente, percebo que muitos libertos buscavam o sucesso econômico sem cogitar
um distanciamento de seus antigos laços dos tempos de cativeiro, por mais sucesso
econômico que o liberto tivesse e considerando os casos que analisei, todos sem
exceções mantinham algum tipo de relação com o mundo escravo, é bem verdade que a
escravidão em São Luís atingia a todos independentemente da posição socioeconômica
ocupada.
Na verdade, o escravo que cultivava o favor do senhor não podia
dispensar a “amizade” de seus parceiros. Se assim fizesse, poderia
alvo do revanchismo deles. [...] O mundo do cativeiro permanecia um
mundo imprevisível, por mais que os escravos se empenhassem em
reduzir o perigo em suas vidas. Mesmo os que tinham chances de ficar
com o prêmio gordo, a alforria, sabiam que as possibilidade de deixar
para trás uma vida de insegurança e privações como libertos eram
poucas.42
A vida de um liberto era cercada de dicotomias. Um sujeito liberto, fosse ele
africano ou brasileiro,43
sempre estava dividido entre o mundo cativo e o mundo branco-
dominante. O anseio por liberdades é fato comum a qualquer ser que vivencia a
experiência do cativeiro. Liberdade não era e não é um conceito fechado, na realidade
cada liberto possuía seus próprios anseios de vida em liberdade, anseios que variavam
desde pequenas liberdades até a busca por uma vida senhorial. Como já foi dito, liberto
na capital maranhense oitocentista nunca foi sinônimo de ser livre, o grau de mobilidade
social e econômica de um ex-escravo pode ser medido a partir do distanciamento com a
antiga realidade, quanto mais próximo à realidade de cativeiro um liberto estava, menor
era seu grau de mobilidade.
42
SLENES, Robert W. Senhores e subalternos no Oeste paulista. IN: ALENCASTRO, Luiz Felipe de
(org). Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, pág. 280.
(“História da Vida privada no Brasil”, volume 2). 43
Refiro-me aos escravos já nascidos no Brasil.
53
Vale ainda ressaltar, que mesmo para os homens a alforria não era
necessariamente sinônimo de liberdade. Ela era um passo a mais, se
bem que, regra geral, pudesse ser o mais importante naquela direção.
Juridicamente, a alforria transformava uma “coisa” num “homem”,
concedendo o direito de formar uma família e adquirir uma
propriedade. Mas era só o direito que era cedido e não a realidade de
um grupo para se “pertencer” – uma conquista que dependia do
próprio liberto. Também não ficava garantida a aquisição de riqueza
suficiente para a manutenção da autonomia individual, principalmente
à noite. Até 1871 a alforria poderia ser revogada devido a um simples
ato de desrespeito ao antigo senhor mesmo 16 depois de lavrada a
carta.44
A mobilidade de alguns libertos com que trabalho é extraordinária. Estes
viviam num contexto em que as cartas de alforria eram revogáveis e a sociedade branco-
dominante os lançava para a dependência, e ainda assim conseguiram alçar o sucesso
econômico e social, como a Preta forra Maria dos Santos das Neves que produziu seu
testamento em 1834. Segundo a documentação, a alforriada relata possuir inúmeras
peças de ouro, casas, escravos, além de se mostrar perfeitamente articulada com a
sociedade dominante, negociando com estes e tendo alguns destes como seus
testamenteiros. Casos como este nos levam a pensar que mesmo diante de tantas
adversidades uma escrava poderia alcançar um status parecido com o senhorial. A
disparidade entre a posição jurídica de um liberto e sua realidade, juntamente com o
modelo de sociedade senhorial aqui desenvolvidos, tornavam as perspectivas de futuro
de qualquer liberto muito incertas, mesmo tendo pago por suas cartas de alforria a
gratidão eterna aos antigos senhores deveria se manter.
Para vencer num mundo tão adverso a melhor arma utilizada pelos libertos
foi a união, seja com outros libertos, seja com brancos livres, seja com outros escravos.
Unidos, os libertos conseguiam mutuamente se beneficiar. A historiografia já nos
mostrou casos de libertos que auxiliavam escravos em fuga, senhores que alforriavam
escravos gratuitamente, senhores que concediam terra, trabalho e outros benefícios a
libertos. Em 1845, a preta forra Constancia Maria da Conceição, estando no leito de
morte, deixou todos os seus bens ao preto forro Fernando José Domingues, ambos de
nação mina, e solicitou que caso este fosse vender os bens herdados o mesmo deveria
dar parte do valor a outro forro. Neste caso percebe-se primeiramente a concepção de
auxílio a sujeitos oriundos da mesma localidade em África (a região da Costa da Mina
44
CARVALHO, Marcus J. M. de. Liberdade: rotinas e rupturas do escravismo. Recife, 1822-1850,
Recife, Editora Universitária da UFPE, 1998, pág. 226.
54
neste caso) e o sentimento de coletividade entre alforriados. Esse tipo de relação era
muito comum, a preta forra Maria dos Santos das Neves, já várias vezes citada neste
trabalho, emprestou dinheiro para dois escravos oriundos da sua mesma nação de
origem para que estes comprassem suas alforrias, este fenômeno não foi isolado pelo
contrário era amplamente comum.
Declaro que instituo como unico e universal herdeiro de todos os
meus bens a Fernando José Domingues, preto forro e Nação mina por
amor e esmola que lhe tenho e pelo bem que me tem tratado em
minhas moléstias com a condição de deixar morar nas cazas enquanto
vivo for o preto forro Francisco da Cunha emquanto este for vivo pelo
amor e esmola que lhe faço; e caso o meu herdeiro acima declarado
quiser vender as ditas cazas, do producto dellas dará a quantia de cem
mil reis ao preto forro Francisco da Cunha.45
A ajuda mútua entre sujeitos que compartilhavam laços e as mesmas
complexidades de uma sociedade pautada no elitismo branco foi o sucesso de muitos
libertos. Em muitos jornais, já citados neste trabalho, fica claro que a sociedade
dominante não se preocupava muito em diferenciar hierarquicamente libertos e
escravos. Muitos libertos foram reprimidos como se fossem escravos, os jornais
diariamente descreviam casos de libertos sendo presos por embriaguez ou por falar
palavras “injuriosas” direcionadas a seus antigos senhores ou a outras pessoas livres. A
sociedade dominante se articulou e restringiu fortemente as chances de mobilidade de
escravos e libertos, alguns sujeitos extraordinários conseguiram transpor o bloqueio das
elites e vivenciaram experiências distantes da vivencia do cativeiro.
No dia-a-dia, os escravos e libertos tiveram de se defrontar com os
encargos do sobreviver, com as exigências impostas pelo viver
citadino e improvisar respostas compatíveis à resistência contra a
escravidão. Transformaram as vicissitudes da discriminação, da
escassez de recurso e da ausência de instituições que lhes assistissem,
num duro aprendizado de experiência da liberdade. 46
Na constante luta de classes, a classe “dominante” tinha consciência da
força da classe “dominada”. Para que não houvesse embates constantes, muitos
senhores concediam alguns benefícios a seus cativos, a fim de evitar maiores prejuízos.
Esse jogo foi muito bem jogado pelos dois lados, cada um sabia o que e como poderia
extrair o melhor da outra parte. Essas concessões por parte dos senhores são analisadas
45
MARANHÃO 1845, Testamento da preta forra Constancia Maria da Conceição, Arquivo Histórico
do Tribunal de Justiça do Maranhão. 46
WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Sonhos africanos, vivências ladinas: escravos e forros em
São Paulo, 1850-1880. Vol. 4. Editora Hucitec, 1998, pág. 15.
55
por Josenildo Pereira (2006) como readaptações dos proprietários diante das fugas e
ouras manifestações de seus escravos. Algumas cartas de alforria também podem ser
enquadradas nesse conjunto de concessões, levando em consideração que nem todos os
cativos possuíam condições de acumular pecúlio para adquirir suas cartas de liberdade.
Como já foi dito, a acumulação por parte de cativos dependia de uma série de fatores
como possuir oficio, ter espaços de sociabilidade, ter contato com pessoas livres, ter
boas relações com seus senhores, etc.
As classes dominantes possuíam os recursos econômicos necessários à
produção de artigos primários para exportação: algodão, arroz e
açúcar, isto é, a terra, as ferramentas, os equipamentos e a força de
trabalho escrava. Na luta pela concentração da propriedade da terra e
do controle dos meios de produção, os proprietários rurais faziam-se
como classes procurando garantir os seus interesses em detrimento
dos interesses de trabalhadores escravos e livres pobres submetidos à
sua exploração econômica, dominação social e política de forma direta
ou por intermédio de seus interlocutores, investidos de poder
institucional, na condição de autoridades públicas como vereadores,
deputados, juízes e delegados de polícia, entre outras funções.
Contudo, convém esclarecer que se utiliza o conceito de classe
dominante numa acepção limitada, segundo a qual essa categoria não
significa uma classe social toda poderosa, ou que possa realizar os
próprios interesses sem encontrar resistências e sofrer ocasionais
derrotas mais ou menos severas. Pois, de acordo com Marx, “para se
poder oprimir uma classe, têm de lhe ser assegurada as condições em
que possa pelo menos ir arrastando a sua existência servil”.47
A elite ludovicenses ocupava os mais altos cargos, possuía os maiores e
melhores recursos, porém sabia que era impossível subjugar as duas principais classes
“inferiores” (escravos e libertos). Nesse xadrez, os senhores de escravos, longe de
ignorantes, sabiam muito bem o que estava em jogo, por isso alimentavam o sonho da
liberdade de seus cativos, que quando alcançado os senhores buscavam mantê-los
tutelados, além de frear suas possibilidades de mobilidade. Os escravos e libertos não se
mantiveram passivos a tal situação, talvez a mobilidade socioeconômica de libertos
fosse vista com maus olhos pelos antigos senhores. Mesmo com tantos obstáculos,
inúmeros sujeitos conseguiram melhorar suas condições de vida. Os sujeitos com os
quais tenho trabalhado foram um pouco mais além, pois conseguiram possuir bens e
legá-los a seus entes próximos. Os testamentos por mim analisados são prova crucial da
47
MARX, K. & ENGELS, Manifesto do partido Comunista. p. 93. In: CARONE, Edgar. A trajetória
dopartido Comunista no Brasil. São Paulo: Novos Rumos, 1986. IN: PEREIRA, Josenildo de Jesus. As
representações da escravatura na imprensa jornalística do Maranhão na década de 1880. (Tese de
doutorado) Programa de Pós-Graduação em História Social USP, São Paulo 2006. pág. 30.
56
mobilidade de ex-escravos em São Luís-MA, pois legitimam o argumento da posse de
bens por ex-escravos, além de demonstrar como estavam suas relações sociais verticais
e horizontais.
Diante do numero de africanos que o tráfico transatlântico trouxe para
o Brasil (cerca de três milhões e seiscentos mil – soma escandalosa, se
comparada aos aproximados quatrocentos mil africanos embarcados
para os EUA), a obtenção de uma carta de alforria devia parecer como
ser contemplado com a sorte grande. Mas o importante é que eram
recorrentes o suficiente para influir decisivamente nos costumes da
época, em todos os quadrantes da vida social, na economia, na
política, na cultura. Tratava-se, em ultima instância, até mesmo pelo
predomínio das alforrias incondicionais, de um constante alargamento
de áreas de aderência ao sistema escravista por parte de ex-escravos
(particularmente de ex-cativas) 48
.
O ato de alforriar era costumeiro como pontuou Manolo Florentino (2005).
A sociedade branco-dominante, como já foi dito, utilizava as alforrias e outras
concessões como forma de amenizar as tensões com o mundo cativo-liberto. Os
próprios escravos quando libertos praticavam o mesmo ato. Alguns libertos que tiveram
melhores condições socioeconômicas alforriaram seus cativos como um espelho de seus
senhores, alguns sujeitos desde os tempos de cativeiro ansiavam à vida senhorial, a
posse de escravos por libertos demonstra a concretização do espelhamento com o
modelo social, tal fato estava longe de ser uma regra, muitos escravos buscaram a
liberdade apenas para “dispor de si”, os casos mais comuns são os casos de libertos sem
muitas posses como o caso do preto forro José Dias que produziu seu testamento em
1845:
Declaro que fui escravo do dito Ayres Carneiro Homem de Santo
Maior, e por fallecimento deste fui abandado em quinhão do herdeiro
Antonio Carneiro Homem de Santo Maior a quem dei a quantia de
cento e oitenta mil reis por minha alforria, e declaro outro sem sou
filho natural de uma escrava d‟aquelle Ayres Carneiro de nome
Regenia, a qual depois de forra faleceo e não conheci Pay = Declaro
que sou senhor e proprietário de uma morada de Cazas cobertas de
pindova e taipa de varas, da qual morada de Cazas não tenho titulo
algum por ser terreno perdido, a qual ordeno, que assim que meo filho
chegar de Pernambuco , o dito Felippe, será vendida para reunir sua
liberdade.49
48
FLORENTINO, Manolo, Tráfico, Cativeiro e Liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX. Rio de
Janeiro, Civilização Brasileira, 2005, pág. 373. 49
MARANHÃO, 1845 Testamento do preto forro Manoel Pereira d’Araujo, Arquivo Histórico do
Tribunal de Justiça do Maranhão, 1845.
57
O Caso do preto forro Manoel Pereira é interessante pela riqueza de detalhes
descritos, sua liberdade foi adquirida mediante o pagamento de uma quantia, cento e
oitenta mil reis, um valor bem alto o que nos leva a concluir que Manoel possuía um
ofício que lhe proporcionava acumular pecúlio, pois a quantia é relativamente alta e
provavelmente deve ter sido resultado de um longo período de acúmulo. Fica claro que
depois de alforriado o preto forro conseguiu manter sua fonte de renda, pois ao afirmar
que possuía uma “morada de cazas”, pressupõe-se que o mesmo teve renda para
construir e manter a propriedade, mesmo sem ter título algum da propriedade. Tal fato
nos dá legitimidade para concordar com a historiografia no que diz respeito a maior
facilidade dos cativos que possuíam ofício na aquisição (via compra) das cartas de
alforria. Possuir oficio geralmente era característica de escravos de ganho que gozavam
de maior autonomia, estes sujeitos, na maioria urbanos, eram acostumados com o viver
em liberdade, para estes a alforria era a legitimação de sua liberdade de dispor de si.
O usufruto da liberdade fora relativo. Havia cativos de ganho, em São Luís,
que gozavam de muitíssima liberdade, muitos escravos com oficio se alugavam para
vários tipos de trabalhos e pagavam, diária, semanal ou mensalmente parte de seus
ganhos a seus senhores. Essa autonomia em dispor de si foi determinante no acúmulo de
pecúlio para compra de alforria. Do mesmo modo, havia libertos que viviam tutelados
aos seus “antigos” senhores, principalmente pelo fato destes serem maioria naqueles que
recebiam a alforria sem pagar valor algum, o nível de dependência estava bastante
ligado à forma como a alforria foi obtida, nos casos em que analisei, os escravos que
compraram sua liberdade tiveram melhor mobilidade quando comparados àqueles que
receberam a alforria “gratuitamente”.
58
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos sobre alforrias, mobilidade de libertos e transição para a
liberdade ainda são relativamente pouco expressivos quando comparados aos estudos
que analisam diretamente a temática da escravidão. O cativeiro no Brasil escravista tem
muito mais estudos que a liberdade, porém a historiografia vem evoluindo gradualmente
no que se refere aos estudos sobre a liberdade escrava. Neste trabalho tentou-se
apresentar uma perspectiva ainda pouco analisada: a mobilidade social e econômica de
cativos a partir de seus testamentos e inventários. Utilizei o período de 1830 a 1845 em
São Luís, capital da Província do Maranhão, por ser um período em que a escravidão no
nordeste vivia seu apogeu. Na segunda metade do século XIX, com a proibição do
tráfico transatlântico o nordeste torna-se um polo exportador de cativos para outras
regiões do Brasil, situação que dificultou o processo de obtenção de alforrias e
consequentemente diminuiu as chances de mobilidade socioeconômica.
Apenas cerca de 1% dos africanos escravizados conseguiam se libertar. Esse
processo possuía várias formas de ocorrer, ao longo do trabalho foram explicitadas as
principais formas e estratégias de escravos e senhores nos processos de obtenção e
concessão de cartas de alforrias. Essa minoria esmagadora que conseguia se libertar
quase sempre continuava a vivenciar situações parecidas com o cativeiro. Muitas vezes
havia processos de competição entre cativos e alforriados, porém tal fato não foi uma
regra geral, houve uma minoria dentro da minoria dos 1% que conseguiu se libertar e
também conseguiu vivenciar uma realidade bem diferente do cativeiro. Esta minoria de
alforriados que conseguiram se libertar e tiveram uma mobilidade mais acentuada foi
analisada de forma particular, alguns cativos conseguiram se libertar do status quo do
cativeiro e tornaram se senhores, este processo ficou claro em seus testamentos e
inventários.
Diferentemente da ideia que eu possuía antes do contato com a
documentação e do estudo mais detalhado, nem todos os libertos tiveram uma vida sem
muitas mudanças, houve casos extraordinários (exceções, claro) de cativos inseridos no
mundo dominante. Mesmo com tantas barreiras e com uma sociedade fechada à
ascensão de ex-cativos, alguns raros sujeitos como a preta forra Maria dos Santos das
Neves conseguiram se relacionar com a sociedade senhorial através de vínculos de
afetividade e também de relações econômicas. Socialmente a vida dos libertos era uma
vida de continuidades e rupturas, estes dois processos são fundamentais para o bom
59
entendimento do modo de vida dos libertos na capital São Luís e em qualquer outra
parte do Brasil. Ser livre para um escravo poderia ser várias coisas, haja vista que
liberdade não é e jamais será um conceito absoluto, os sujeitos que conseguiram se
libertar do mundo de cativeiro foram vencedores independentemente dos meios
utilizados para tal, numa realidade de exploração do homem pelo homem, toda vitória
dos explorados foi válida e gloriosa.
60
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Histórico do Tribunal de Justiça do Maranhão, 1822.
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Histórico do Tribunal de Justiça do Maranhão, 1823.
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Histórico do Tribunal de Justiça do Maranhão, 1823.
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MARANHÃO, 1833 Testamento de Angelica Rosa de Jesus, Arquivo Histórico do
Tribunal de Justiça do Maranhão, 1833.
MARANHÃO, 1833, Testamento de Antonio Pinto Machado Lobo, natural de
Porto, Arquivo Histórico do Tribunal de Justiça do Maranhão, 1833.
MARANHÃO, 1834, Testamento da preta forra Maria dos Santos das Neves,
Arquivo Histórico do Tribunal de Justiça do Maranhão, 1834.
MARANHÃO, 1834, Testamento do preto forro Luiz Antônio, Arquivo Histórico do
Tribunal de Justiça do Maranhão, primeiro de agosto de 1834.
MARANHÃO 1845, Testamento da preta forra Constancia Maria da Conceição,
Arquivo Histórico do Tribunal de Justiça do Maranhão.
MARANHÃO, 1845 Testamento do preto forro Manoel Pereira d’Araujo, Arquivo
Histórico do Tribunal de Justiça do Maranhão, 1845.