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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES DO DESENHO À ILUSTRAÇÃO INFANTIL Marta Sofia Diogo Ribeiro MESTRADO EM DESENHO 2011

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

DO DESENHO À ILUSTRAÇÃO INFANTIL

Marta Sofia Diogo Ribeiro

MESTRADO EM DESENHO

2011

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

DO DESENHO À ILUSTRAÇÃO INFANTIL

Marta Sofia Diogo Ribeiro

MESTRADO EM DESENHO

Dissertação orientada pelo Professor Doutor Pedro Saraiva

2011

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I

Resumo

O trabalho de dissertação que seguidamente se apresenta é acerca do desenho e da

ilustração infantil, duas formas de expressão gráfica que acompanham e fazem parte

integrante do desenvolvimento da personalidade da criança dos nossos dias.

Estudamos sintéticamente a importância que a criança foi adquirindo a partir do séc.

XVII, para com a sociedade e em como foi estabelecido o primeiro passo para a criação

dos livros adaptados à condição do bom desenvolvimento infantil.

Por meio do percurso do livro infantil, chegamos ao presente e à comunicação

transferida entre ilustradores e crianças, pais e filhos. Assim, exploramos e analisamos a

obra de Katsumi Komagata, que retrata alguns dos princípios desenvolvidos pelo

ilustrador e designer do séc. XX, Bruno Munari, através de um trabalho com uma

grande metodologia e atenção para com a infância.

Por fim, na componente prática desenvolvemos um conjunto de trabalhos realizados em

paralelo com a componente teórica e que a complementa como um único corpo de tese.

Palavras-chave: Infância – Desenho – Ilustrador – Didáctica – Livro Infantil

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II

Abstract

The following dissertation work concerning the children’s draw and illustration, two

ways of expression that nowadays follow and are an essential part of the children’s

development.

It is important to study the status that the child has been acquiring in society since the

XVII century and how the first steps to the creation of children’s books were important

to a better growth in childhood.

The evolution of children’s books leads us to the present and to the present way of

communication between illustrators and children’s, between parents and sons. With this

purpose we explored and analyzed the work of Katsumi Komagata, where he portrait

some of the principles developed by the illustrator and designer of the XX century,

Bruno Munari, through a work with a big methodology and childhood preoccupation.

At last, we did a group of manual works in line with the current investigation.

Keywords: Childhood – Draw – Illustration – Didactic Method – Children’s Book

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III

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a todas as pessoas amigas que de forma directa ou indirecta me

forneceram tempo, incentivos e experiência para a criação e conclusão desta

Dissertação.

Agradeço à minha família, ao meu pai Luís Miguel Ribeiro pelo tempo disponibilizado

no acompanhamento e leitura dos ensaios produzidos, à minha mãe Maria Manuela

Ribeiro pelas sábias palavras de conforto e à minha irmã Sara Ribeiro pelas discussões e

melhoramentos de ideias.

Expresso a minha gratidão para com todas as crianças que são a razão pela qual vive o

meu gosto pela ilustração. Em especial, as do colégio Claude Fauriel, de Saint Étienne,

França. Por se terem mostrado bastante participativas durante a minha proposta de

atelier de desenho e me terem oferecido os seus desenhos, sobre a ilustração de Marc

Chagall, O Leão vai à Guerra de La Fontaine, como material de estudo para o

desenvolvimento do meu trabalho prático. Desta forma, agradeço também ao

encarregado e amigo do atelier do colégio, Clément Senequier-Crozet, por ter tornado

esta partilha de ideias possível.

Para concluir, gostaria de expressar o meu «obrigado» ao Professor Pedro Saraiva, por

ter aceite o meu projecto, que sempre acompanhou e orientou com dedicação,

sinceridade e amizade. Mostrando-se sempre disponível até à conclusão do mesmo.

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Índice

Introdução……………………………………………………………………….……..1

Capítulo I………………………….………………….……………………….…….….5

1. O Desenho Infantil…………………………………………………………………...5

1.2. A Linguagem Plástica Infantil………………………………….…………….…….6

1.3. A evolução do Desenho Infantil………………………………………….…….…..7

1.3.1. G. H. Luquet, as quatro fases da evolução gráfica da criança…………….……...9

1.3.2. Jean Piaget, a evolução gráfica da criança na Teoria Cognitiva………………...13

1.4. A arte como influência na criança…………………………………………………19

1.4.1. A interpretação do desenho Infantil…………………………………….……….20

Capítulo II………………………………………………………….………………….22

2. Ilustração Infantil……………………………………………………………………22

2.1. Breve introdução à história da Ilustração………………………………………….23

2.2. Os primórdios da Ilustração Infantil……………………………………………….26

2.2.1. Fábulas/ Contos de Fadas/ Contos de Moral…………………………………….31

2.2.2. “Livros Objecto”: Pop-ups, brinquedos e jogos…………………………………34

2.2.3. A ilustração do século XIX e XX: John Tenniel, George Cruikshank, Richard

Doyle, Enrico Mazzanti, Beatrix Potter, William Denslow, Dr.Seuss…………………39

Capítulo III………………………………………………………………………….…46

3. Estudo de Caso: Katsumi Komagata e os ensinamentos de Bruno Munari…….…...46

Capítulo IV…………………………………………………………………………….56

4.Trabalho prático………………………………………………………………………56

4.1. “Passeio no Parque”……………………………………………………………….56

4.2.”Fugitivos disfarçados de Ovelhas”………………………………………………..57

4.3. “Casa Pássaro”…………………………………………………………………….59

4.4. “A Sardinha e o Croissant”…………………………………………………...…...60

4.5. “Pop-ups em branco”…………………………………………………………...…61

4.6. “Fábulas de La Fontaine. O Leão vai à Guerra “……………………………….…62

5.Conclusão……………………………………………………………………………63

6.Bibliografia…………………………………………………………………….…....65

7.Anexos……………………………………………………………………………….68

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1

Introdução

“A vista chega antes das palavras. A criança olha e vê antes de falar”

(BERGER, 1972, p.11)

A seguinte dissertação possui uma componente teórico-prática e encontra-se inserida no

Mestrado em Desenho da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.

No presente tema de dissertação, Do desenho à ilustração Infantil, pretendemos abordar

a interligação entre o desenho infantil e a ilustração, ou seja, a comunicação mútua entre

a criança e o adulto e como estas duas disciplinas acompanham a evolução infantil.

A razão pela qual resolvemos abordar esta temática, deveu-se ao gosto e à motivação

cujo objectivo é contribuir para enriquecer visual e didacticamente a ilustração infantil

para que, assim, o olhar da criança seja atraído para o mundo dos livros. É importante

na ilustração infantil sentir-se um grande interesse pelo universo das crianças; só

compreendendo-as somos capazes de encontrar respostas a todas as perguntas e

inquietações.

Hoje em dia, a ilustração é um ponto de apoio didáctico e visual a todos os educadores

para explicar, esclarecer e retratar problemas das crianças.

Este estudo é desenvolvido em quatro capítulos, que passo a apresentar:

O capítulo I aborda a plasticidade do desenho e o desenho Infantil, como este tem a

potencialidade de estimular a criatividade das crianças. Em paralelo o adulto pode

acompanhar a evolução do grafismo infantil tendo como base os estudos de G. H.

Luquet e de Jean Piaget que ajudam a compreender, através das suas interpretações, os

comportamentos psicológicos da criança.

Para se entender o mundo infantil, devemos alcançar todos os dados que as crianças nos

oferecem, pois estes fazem parte da sua própria linguagem. O Desenho Infantil é assim,

e em primeiro lugar, uma forma de comunicação das crianças para com os adultos.

Porém, pretendemos também o inverso: quais os meios que permitem que o adulto

comunique com a criança? A Ilustração Infantil é uma das respostas a esta pergunta, a

qual tentámos apresentar no segundo capítulo desta investigação. Os livros infantis,

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desenhados pelos ilustradores, permitem que os pais tenham o apoio que precisam para

viverem experiências únicas de cumplicidade com os seus filhos. Estas obras ganham

assim uma memória de ser mais do que um conjunto de páginas ilustradas, mais do que

um auxiliar para a infância. Os livros infantis passam a ser uma lembrança para a vida.

No capítulo II, abordamos os primórdios da Ilustração Infantil, para compreendermos

como à criança se passou a dar outra importância na sociedade. Antes do século XII, os

livros não eram produzidos com o intuito de serem vistos pelo público infantil. O

primeiro livro que mostrou alguma preocupação com as crianças foi a enciclopédia de

John Amos Comenius, Orbis Sensualium Pictus, 1658. A partir deste momento, a

literatura infantil foi impulsionada pelo subsequente aparecimento das fábulas, contos

de fadas e de moral, bem como do “livro objecto”. Neste último encontram-se inseridos

os Pop-up, verdadeiras engenharias do papel surgidas para as crianças no séc. XVIII e

que abordaremos também no capítulo IV desta dissertação.

Ainda no capítulo II, referiremos a importância de alguns autores até ao séc. XX, como:

William Blake, François Chauveau, Gustave Doré, John Tenniel, George Cruikshank,

Richard Doyle, Enrico Mazzanti, Beatrix Potter, William Denslow e Dr. Seuss. Estes

demonstram que as preocupações da ilustração se vão alterando, assim como as

temáticas abordadas. Simultaneamente assistimos a uma evolução nos materiais devido

ao salto tecnológico da Revolução Industrial, o que permite chegar a técnicas superiores

de impressão. Conhecer a história da Ilustração Infantil, e o que já foi realizado,

potencia a criação e a imaginação do ilustrador. Existem verdadeiras obras de arte que

continuam a prevalecer através das suas particularidades e são importantes fontes de

referência.

O capítulo III é dedicado à actualidade ilustrativa do artista Katsumi Komagata e da

sua inspiração resultante de Bruno Munari. Para uma maior eficácia na criação de livros

infantis, os ilustradores devem conhecer o universo das crianças e perceber as suas fases

evolutivas. É por esta razão que considero fundamental o estudo destes dois autores.

Tal como no desenho infantil, onde são apresentadas diferentes fases de manifestações

gráficas consoante a faixa etária das crianças, também na ilustração infantil

compreender a faixa etária é um aspecto chave. É consensual que um livro, para os

primeiros meses de vida de uma criança, não aborde os mesmos temas que um livro de

ilustração para uma criança com seis anos. Crianças de idades diferentes exigem formas

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de comunicação distintas. Esta foi a metodologia empregue por Komagata na sua série

Little Eyes.

Komagata desenvolveu, igualmente, uma preocupação táctil para os seus livros.

Conferiu às suas obras a riqueza de serem sentidas por todos. Para as crianças invisuais,

o tacto é a sobreposição do visual, a ausência de relevo não compõe uma imagem. O

autor mostra em todos os seus trabalhos uma preocupação especial com os materiais e

recortes que possam ajudar a transmitir sensações tácteis. Realizou ainda workshops

com crianças, que para além de providenciarem a extraordinária recompensa de

contactar com crianças, permitem identificar as suas reacções e retirar ideias para a

futura criação de livros. Este facto é tão mais importante uma vez que este é o seu

público-alvo. Na verdade, estar junto das crianças ajuda-nos a perceber quais os seus

gostos, o que querem ver e quais as temáticas que lhe suscitam interesse e divertimento.

A constante pesquisa e carácter observador do ilustrador é um importante factor para o

desenvolvimento de um bom trabalho. Boas ilustrações contribuem para o

desenvolvimento geral da criança pela estimulação da sua imaginação, alimentando o

seu conhecimento e desenvolvendo o seu potencial criativo.

O capítulo IV corresponde à componente prática da tese e cujo trabalho, reportado por

meio de fotografias, foi desenvolvido em concordância com o conteúdo teórico

abordado. Neste capítulo são apresentados quatro livros de ilustração, desenvolvidos a

pensar na criança, dois deles destinados às crianças da pré-escola que ainda não sabem

ler e escrever, enquanto os restantes já apresentam e exploram a relação entre a imagem

e texto. Outra fase da componente prática do presente trabalho são os desenhos

realizados em França por crianças de 11 anos do colégio Claude Fauriel de Saint-

-Étienne. Estas frequentavam um atelier, onde o objectivo proposto foi trabalhar a

criatividade e a forma como as crianças encontram particularidades em tudo o que

vêem, mostrando ao adulto que existem variados aspectos numa imagem que não nos

apercebemos. A nossa ligação com estas crianças surgiu em resultado da nossa estada

em Saint-Étienne, aquando da realização do programa Erasmus na École Superieure

d’Arte et Design.

Como complemento deste capítulo apresenta-se um conjunto de Pop-ups marcados pelo

seu efeito visual e táctil. Esta técnica suscita o interesse das crianças desde o séc. XVIII,

devido ao elemento de constante surpresa que lhe é característico.

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Por fim, como método de pesquisa, utilizou-se como ferramenta, a leitura de registos

bibliográficos, nomeadamente na biblioteca da Faculdade de Belas-Artes da

Universidade de Lisboa, na biblioteca da Fundação Calouste Gulbenkian e em duas

bibliotecas francesas, a biblioteca Municipal de Carnot, em Saint-Étienne e na

biblioteca Municipal do Centre-Ville, em Grenoble. Ainda em termos bibliográficos

recorreu-se à tradução livre de obras em língua inglesa e francesa. Também foi

efectuada a leitura de catálogos de ilustração e recorreu-se à informação disponível na

plataforma da internet.

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Capítulo I

1. O Desenho Infantil

“ Muita gente pensa que as crianças têm uma grande fantasia porque vê nos seus

desenhos ou ouve no que elas dizem coisas fora da realidade. Ou então acredita na

grande fantasia das crianças porque eles, os adultos, estão de tal modo condicionados e

bloqueados que nunca poderão pensar em coisas semelhantes.” (MUNARI, 1987,p.32)

O desenho infantil veio adquirindo ao longo do tempo um papel fundamental na

compreensão da criança e também na sua educação e aprendizagem.

O referido desenho é essencialmente ideográfico, e daqui advém associarem-se outras

características como a transparência, a humanização e a perspectiva afectiva1. Assim,

ele proporciona-nos conhecer o grau de conhecimentos das crianças e entender o seu

relacionamento com o mundo.

“Todas as crianças começam por desenhar espontaneamente. Desenham-se a si e ao

mundo que conhecem.” (RIDEAU, 1977, p.147)

O ideografismo consiste em representar muito mais o que se sabe do que aquilo que se

vê, reduzindo as formas a esquemas figurativos que sintetizam ideias ou noções

adquiridas.

O desenho funciona como uma terapia, porque ajuda a criança a transmitir e a retratar os

seus desejos e medos.

“Pode-se dizer que ela povoa o seu universo imaginário de objectos colhidos na

natureza, mas transpostos à sua escala e necessidades. (…) Na sua obra a criança

exprime o que não pode verbalizar.” (STERN, 1974, pp.30-31)

“ O indivíduo na infância não deve ser sufocado por imposições, constrangido em

esquemas que não são os seus, obrigado a copiar modelos. Uma das formas mais

comuns de anular qualquer possível acto de criatividade consiste em levar a fazer, a

estes indivíduos e nesta idade, por exemplo, um desenho sobre um tema, igual para

1 A perspectiva afectiva encontra-se presente na fase figurativa do desenho infantil. A criança visa

aumentar o tamanho de um elemento do desenho conforme a afectividade que esta tem perante um

objecto ou pessoa.

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todos, a realizar com instrumentos iguais para todos, sejam canetas de feltro ou

aguarelas”. (MUNARI, 1987, p.124)

Desta forma, são vários os autores que utilizaram o desenho como uma ponte de

comunicação com as crianças, também abordando e estudando a relação entre o desenho

infantil e o desenvolvimento físico e psicológico da criança.

Os desenhos iniciais são representados pelas garatujas e resultam do prolongamento do

braço através de um objecto riscador, que deixa marcas ao acaso e não representativas

numa superfície. Com o tempo, a criança começa a ter noção do controlo do seu corpo e

dos objectos que a rodeiam, percebendo que os seus riscos podem passar a ser

representativos do mundo que gira em seu redor.

1.2. A Linguagem Plástica Infantil

A plasticidade conferida pelo desenho estimula a criatividade da criança. A criança que

desenha é uma criança que beneficia de características sensoriais e intelectuais.

O desenho é a forma de expressão própria da criança, constitui parte integrante do seu

vocabulário. A mesma aprende a desenhar, antes de escrever e o desenho está

interiormente ligado com o posterior desenvolvimento da escrita.

Se os primeiros rabiscos são instintivos e, por vezes, descontrolados, numa fase

posterior a criança executa grafismos mais controlados, isto é, mais minuciosos e

intencionais. Por volta dos 3 anos de idade, começa a imitar a escrita do adulto, fazendo

traçados horizontais e paralelos, da esquerda para a direita e de cima para baixo.

A escrita exerce um enorme fascínio sobre a criança, por fazer parte do universo adulto.

Um dos primeiros registos surge da tentativa de reprodução da escrita. Contudo, quando

ela entra para a escola, a escrita subjuga o desenho, fazendo com que a realização

gráfica desta passe para um plano secundário.

A criança sente prazer ao deixar a sua marca pelos locais por onde passa, tal afirmação,

resulta também como uma chamada de atenção ao adulto. O sentimento de posse faz

com que esta desenvolva um egocentrismo próprio da sua idade. Como tal, as suas

primeiras garatujas surgem, quase sempre, sobre livros e folhas aparentemente

estimados pelo adulto, trata-se de uma dominação sobre o tão admirado universo adulto.

As concepções relativas à infância foram progressivamente evoluindo. A descoberta,

por vários autores que procuraremos estudar, de leis próprias da psicologia infantil e a

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demonstração da singularidade do seu desenvolvimento, conduziram a aceitação da

especificidade desse universo. Para os psicólogos, os desenhos são vistos como um

meio de comunicação entre a criança e o adulto incluindo a possibilidade de uma futura

resolução de conflitos existentes no seu universo.

Por esta razão, os psicólogos aconselham aos educadores e professores que estimulem a

criatividade das crianças por meio do desenho, de forma a compreender a sua

linguagem.

“ Assim se quisermos que a criança se torne uma pessoa criativa, dotada de uma fantasia

desenvolvida e não sufocada (como a de muitos adultos), deveremos fazer que ela

memorize o maior número de dados possível, no limite das suas capacidades, para lhe

permitir que estabeleça o máximo de relações possível, tornando-a apta a resolver os

seus problemas sempre que estes se apresentem”. (MUNARI, 1987, p.32)

A criança desenha para se exprimir, sendo os seus desenhos uma exteriorização de um

impulso. Resultam assim duas vertentes da criação infantil, em primeiro lugar o acto

criador com o seu valor educativo; secundariamente, a obra criada como valor estético.

Já na primeira fase, denominada de garatuja, em que a criança é ainda incapaz de

representar objectos, esta comunica através do papel que é rabiscado ou manchado

aleatoriamente.

No desenho a criança exercita faculdades diferentes das que utiliza quando pinta. Com

um simples traço deixado pelo lápis, representa um homem, um animal, uma casa. O

seu mundo é tal como ela o vê e conhece.

“A criança adquire facilmente os seus meios de expressão, e, logo que os adquire,

emprega-os para traduzir a sua visão da melhor maneira e não a visão do adulto.”

(STERN, 1974, p.28).

1.3. A evolução do Desenho Infantil

Como anteriormente referido, o desenho surge com a versatilidade de ser uma

brincadeira, uma forma de comunicar e de registar momentos. Em cada momento do

desenvolvimento da criança o desenho assume símbolos próprios. Estas fases definem

maneiras de desenhar que são bastante similares em todas as crianças, apesar das

diferenças pessoais de temperamento e sensibilidade.

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A evolução do desenho infantil, não se deve somente a uma evolução temporal, também

os factores culturais e os adultos que as envolvem assumem importância significativa

para o seu desenvolvimento.

“O indivíduo forma-se nos primeiros anos de vida, e assim permanecerá durante toda a

sua vida. Depende dos educadores ser mais tarde criativo ou um simples repetidor de

códigos. Depende destes primeiros anos, da experiência e da memorização dos dados, o

indivíduo vir a ser livre ou condicionado” (MUNARI, 1987, p.37).

Esta temática é já uma preocupação antiga, no final do século XIX, os teóricos

começam a descobrir a singularidade dos desenhos infantis, e a publicar as primeiras

notas e observações sobre esta matéria. De certa forma, transpõem para o domínio do

grafismo a descoberta fundamental de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)2 sobre o

modo próprio de ver e de pensar da criança.

”Pela primeira vez na história, fez um grupo de pessoas acreditar que a infância era

digna da atenção dos adultos, encorajando um interesse no processo de crescimento da

criança” (ROBERSON, 2004, p.407)3.

Rousseau esboça o projecto de uma educação natural para as crianças da sua época,

pensando no desenvolvimento cognitivo e moral desde o nascimento da criança à idade

adulta e a sua futura inserção na sociedade.

Posteriormente a Rousseau, outros estudiosos, seus discípulos, observaram e

procuraram identificar e descrever as etapas gráficas do desenvolvimento do desenho,

entre estes abordaremos o pensamento de George-Henry Luquet (1876-1965)4 e Jean

Piaget (1896-1980)5.

2 Jean-Jacques Rousseau, importante filósofo francês, exerceu a sua actividade como escritor, compositor

e político, sendo um dos precursores do romantismo. Ficou também conhecido pelas suas perspectivas

sobre a educação do séc. XIX. Da sua obra destacam-se “Discurso sobre as Ciências e as Artes” de 1749,

“Do Contrato Social” e “Emílio, ou da Educação” de 1762.

3 Citação constante na obra: KELLY, Donna Darling; Uncovering the History of Children’s Drawing and

Art

4 Georges-Henri Luquet, filósofo francês e pioneiro do estudo do desenho infantil, entre as suas obras

destacam-se Os desenhos de uma criança datado de 1913 e O Desenho Infantil datado de 1927.

5 Sir Jean William Fritz Piaget (1896 - 1980) epistemólogo suíço, considerado o maior expoente do

estudo do desenvolvimento cognitivo, cujos resultados são utilizados por psicólogos e pedagogos.

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1.3.1. G. H. Luquet, as quatro fases da evolução gráfica da criança

De acordo com Luquet, o acto de desenhar obriga a criança a observar o mundo que a

rodeia, fazendo desenvolver nela o sentido de análise e observação. Ao desenhar, a

criança é atraída para motivos que talvez nunca a tenham interessado do ponto de vista

gráfico e psíquico, passando assim à sua representação. Inicialmente a criança não

pretende representar uma imagem, simplesmente rabiscar linhas. A partir do momento

em que as crianças acreditam que podem representar vida, esta convicção passa a

caracterizar-se no desenvolvimento do desenho.

“Nada descreve melhor o desenho infantil no seu geral que o termo realismo”

(LUQUET, 2001, p.77).

“A reacção inicial a esta afirmação pode ser de perplexidade, pois mesmo os desenhos

feitos por crianças de faixas etárias superiores não são fiéis ao “real” e possuem erros de

perspectiva. Mesmo assim, Luquet defende que os desenhos infantis, se desenvolvem

através de diferentes tipos de realismo, em que o ultimo deles é o realismo visual,

somente alcançado por uma parte das crianças.” (JOLLEY, 2010, p.10)

Conforme enunciado por Luquet, os quatro tipos de realismo do desenho infantil são:

• Realismo fortuito

Esta fase desenvolve-se por volta dos 2 anos e põe fim ao período do rabisco. A criança

começa por traçar símbolos sem qualquer objectivo, não existe a intenção de uma

representação gráfica, mas ao fazê-lo descobre, ocasionalmente, uma semelhança com

um objecto e passa a nomear o seu desenho, conforme as similitudes encontradas.

Luquet defende que nestes casos, a criança continua consequentemente a rabiscar, sem

ter uma noção a priori do que é a representação. Com o tempo, as semelhanças dadas

aos rabiscos, aumentam gradualmente. Não existe uma súbita mudança para que a

criança passe a ser um “realista intencional”. Apesar, da força de vontade da criança em

aceitar as suas marcas “acidentais”, esta começa frequentemente um trabalho com uma

intenção “representacional”, de que o seu trabalho interpreta algo facilmente

reconhecível pela maioria das pessoas. Tal aspecto, não é tido em conta da mesma

forma pelos adultos, pois estes têm dificuldade em distinguir as semelhanças visuais

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referidas nas interpretações desenhadas pelas crianças. Contudo, para as crianças, estas

ganham confiança na sua habilidade de representar a realidade.

• Realismo falhado

Este tipo, ocorre geralmente entre os 3 e 4 anos, quando a criança descobre a relação de

identidade forma/objecto e procura reproduzir esta forma. A criança, nesta fase, chega

ao desenho propriamente dito, deseja ser realista mas a sua intenção choca-se com

obstáculos gráficos e psíquicos, que dificultam a sua exteriorização. São exemplo destes

obstáculos, a incapacidade de dirigir os seus movimentos gráficos, o carácter limitado e

descontínuo da atenção infantil e principalmente a incapacidade sintética – quando a

criança não chega a sintetizar num conjunto coerente os diferentes pormenores que

desenha com a preocupação exclusiva de os representar cada um por si.

À medida que a criança fica mais conscientemente “realista”, os seus desenhos

começam a ser característicos do “realismo falhado”, apesar de começarem a

desenvolver uma qualidade mais “representacional” e que os adultos podem assim mais

facilmente entender, há limitações motoras, cognitivas e obstáculos gráficos com que

esta se debate para superar. Isto origina vários “erros” no desenho, uma vez que ela

continua a tentar ganhar controlo sobre os movimentos da mão.

• Realismo intelectual

Esta fase manifesta-se entre os 4 e os 10/12 anos. Caracteriza-se pelo facto da criança

desenhar do objecto não aquilo que vê, mas aquilo que sabe.

Neste período ela mistura diversos pontos de vista (perspectivas), ou seja pretende,

deliberadamente, reproduzir do objecto não só o que se pode ver, mas tudo o que ali

existe, isto é, dar a cada um dos elementos a sua forma exemplar.

O realismo intelectual ou ideografismo leva a criança a usar transparências, ao

representar nos seus desenhos o que não se vê, mas que ela sabe que existe, como por

exemplo, o que está no interior de uma casa. A criança desenha tudo o que sabe,

incluindo o que está oculto, como as diversas cenas que habitualmente acontecem no

interior da casa (Fig.1).

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Fig.1 – Criança Chinesa, Interior de uma casa com pormenor dos seus habitantes.

A transparência é uma das características dominantes do desenho infantil, a que Arno

Stern (n.1924)6 e Viktor Lowenfeld (1903-1960)

7 chamam visão de raios X. Esta

terminologia pretende apenas significar que a representação infantil é ideográfica e que

consiste não propriamente em ver, no sentido realista do termo, “através dos corpos

opacos”, mas sim em mostrar o que está dentro dos corpos, numa perspectiva afectiva,

como acontece na pintura surrealista e onírica de Marc Chagall (1887-1985)8, entre

outros artistas modernos.

6 Arno Stern, artista plástico francês que dedicou a sua vida à pedagogia infantil. Compreendeu e estudou

as crianças através do desenho, provando a importância desta actividade para a infância e classificando o

desenho infantil em diferentes fases, consoante o desenvolvimento físico e psicológico da criança.

Estendeu esta área de estudo às crianças indígenas da Mauritânia, Peru, Nigéria, México, Afeganistão,

Etiópia, Guatemala e Nova Guiné. A sua mensagem alcançou todos aqueles que acreditavam nas

qualidades inexploradas do ser humano. “A minha tarefa pode ser comparada à obra de um explorador

que penetra numa terra desconhecida. Descobrindo um povo, aprendo a sua língua, decifro a sua escrita e

compreendo cada vez melhor a sua civilização. Acontece o mesmo com todos os adultos que estudem a

arte infantil” (STERN).

7 Viktor Lowenfeld, professor de educação artísticas nos Estados Unidos da América, ensinou nas mais

conceituadas universidades, como Havard, Hampton e Pesnsilvânia. Publicou em 1947, o livro Creative

and Mental Growth, o livro mais influente na educação da arte dos Estados Unidos.

8 Marc Chagall, pintor e gravador nascido na Rússia e que desenvolveu trabalho em Paris. O seu trabalho

abrange uma grande paixão pela vida, cor, pelo fantástico e mundo infantil.

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Podemos assim considerar que a criança utiliza a transparência numa perspectiva lógica,

por não encontrar outra maneira de representar, por exemplo, um interior visto por fora

(Fig.2 e Fig.3).

Fig.2 – “ Uma vez, quando eu tinha seis anos, vi um livro sobre a Floresta Virgem intitulado Histórias

Vividas uma gravura maravilhosa. Mostrava uma jibóia a engolir uma fera. (…). Nesse livro dizia-se que

«as jibóias engolem a presa inteira, sem a mastigar. Depois ficam sem poder mexer-se e dormem durante

os seis meses da digestão». Pensei muito, nessa altura, nas aventuras da selva, e consegui então fazer o

meu primeiro desenho a lápis de cor. O meu desenho número 1. (…) Mostrei a minha obra-prima às

pessoas grandes responderam-me: _ Por que havia um chapéu de meter medo?”. Ilustração de Saint-

Exupéry, pág.7,1943.

Fig.3 – “ O meu desenho não representava nenhum chapéu. Representava uma jibóia a digerir um

elefante. Então, desenhei a jibóia transparente, para as pessoas grandes compreenderem. Elas precisam

sempre de explicações. O meu desenho número 2 ficou assim:”. Ilustração de Saint-Exupéry, pág.8,1943.

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• Realismo visual

É geralmente por volta dos 12 anos que ocorre o quarto tipo de Realismo.

Maioritariamente marcado pela descoberta da perspectiva e a submissão às suas leis,

resulta no empobrecimento progressivo do grafismo que tende a assemelhar-se às

produções adultas.

Luquet explica-nos como em certos casos, é próprio desta idade o abandono do

desenho. A principal razão é a perspectiva, os desenhos que as crianças executavam

anteriormente, de acordo com o “realismo intelectual” já não a satisfazem, nem ao

espírito crítico entretanto desenvolvido.

“ As pessoas grandes aconselharam-me a pôr de lado os desenhos das jibóias

transparentes e opacas e a interessar-me antes pela geografia, pela história, pela

matemática e pela gramática. Foi assim que, aos seis anos de idade, desisti de uma

brilhante carreira de pintor. (…). As pessoas grandes nunca compreendem nada

sozinhas, e é cansativo, para as crianças, terem sempre de lhes dar explicações.”

(EXUPÉRY, 1943, p.8)

Porém, Luquet na sua obra “O Desenho Infantil”, além de exemplificar este abandono

do interesse de desenhar, também propõe sugestões de como o evitar. Conforme se

extrai da obra de Luquet, o ensino do desenho deve visar, e não apressar artificialmente,

a evolução espontânea do desenho. Ou seja, não devemos forçar uma criança a desenhar

em “realismo visual” se o seu desejo ainda é o de querer desenhar em “realismo

intelectual”, a criança desenhará em “realismo visual” quando tiver naturalmente essa

intenção.

De acordo com Luquet, a principal atitude do adulto deve ser a de se distanciar,

deixando a criança desenhar o que pretende propondo-lhe temas, sempre que ela

necessite e sobretudo quando lhe pede, mas fazendo com que as sugestões não soem

como imposições.

1.3.2. Jean Piaget, a evolução gráfica da criança na Teoria Cognitiva

“A infância é a história duma socialização progressiva, segundo Piaget. Na sua teoria

sobre a aquisição do conhecimento, a criança ao apropriar-se do real, procura

reconstruí-lo em termos de objecto, espaço, tempo e causalidade. Tal reconstrução faz-

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se inicialmente pela acção do sujeito sobre objectos concretos e depois estende-se para o

plano da representação, da simbologia e do pensamento.” (PILLAR, 1984, p.20)

Através da minuciosa observação dos seus filhos e principalmente de outras crianças.

Piaget criou a Teoria Cognitiva para explicar o desenvolvimento cognitivo humano e

dividiu-a em quatro períodos, correspondentes a quatro etapas do crescimento infantil:

Os períodos, sensório motor, pré-operatório, operatório concreto e operatória formal.

Dentro destes quatro períodos da Teoria Cognitiva, encontram-se igualmente as fases da

evolução gráfica da criança:

Garatuja

Nesta fase, a primeira manifestação gráfica da criança, traduz-se no prazer de riscar

sobre grandes superfícies.

Desde os 18 meses e aproximadamente até aos 2 anos de idade, a criança faz traçados

instintivos e descontrolados, movimentando o braço, o antebraço e o corpo no seu todo.

A garatuja revela, desde logo, as potencialidades expressivas da personalidade infantil.

Nesta perspectiva, há garatujas violentas ou garatujas débeis, agressivas ou calmas,

expansivas ou retraídas, sem se esquecer que o tipo de material utilizado influi na

expressão do grafismo.

Esta atitude faz parte do período sensório motor da Teoria Cognitiva. A criança

demonstra um extremo deleite neste período face ao seu processo de criação. A figura

humana é inexistente ou pode aparecer de forma imaginária. A cor tem um papel

secundário, surgindo sobretudo o interesse pelo contraste, sem existir ainda uma

intenção consciente.

A garatuja, pode ser dividida, em:

Desordenada – quando ocorrem movimentos amplos e desordenados (Fig.4).

Ordenada – quando se estabelecem movimentos longitudinais e circulares;

coordenação visual e motora. A figura humana pode aparecer de maneira

imaginária, dá-se lugar à exploração do traçado; surgindo o interesse pelas

formas (Fig.5).

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Fig.4 Fig.5

Fig.4 – Anónimo, Garatuja Desordenada.

Fig.5 – Anónimo, Garatuja Ordenada.

A garatuja é, muitas vezes, apenas um jogo, mas, ainda neste caso, deve-se deixar que a

criança rabisque o papel com o lápis, porque nesta actividade estão implícitas

importantes funções psicológicas, cujo desenvolvimento só facilita a percepção do que

produzem livremente, o controlo manual e a execução duma actividade limitada a um

certo espaço.

A riqueza e a variedade de estilos encontrados nesta forma de expressão são por si uma

forma importante de verificar correlações entre o temperamento das crianças e o seu

grafismo.

A criança, na fase não figurativa, quando desenha ou pinta fá-lo como um jogo em que

aplica cores, enquanto o adulto visa conscientemente exprimir-se pela arte.

A garatuja, como fase da evolução gráfica, compreende certas, características, que o

autor Arno Stern classificou, por:

Forma e pormenor da mancha: pinceladas grandes e grossas aplicadas com

vigor, ou traços firmes aplicados em pinceladas ligeiras.

Densidade e justaposição: podemos encontrar pequenas e numerosas pinceladas

dispersas, ou grandes placas contínuas.

Coloração: Certas crianças, embora não utilizando sempre a mesma cor,

efectuam diversos quadros monocromáticos, ou ainda, fazem dominar uma cor

num conjunto de cores.

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Estruturação do espaço e organização do quadro: observa-se aqui uma

organização por um sistema de traços, e assim se distinguem os temperamentos

gráficos e coloristas. Como característica da personalidade, tem ainda

importância observarmos a distribuição das cores que podem aparecer, quer sob

a forma de manchas densas, quer mostrando “repetidos” vazios.

Pré- Esquematismo

Esta fase assenta no período pré-operatório da Teoria Cognitiva e compreende a

denominada primeira infância, entre os 2 anos e os 7 anos. Surge a descoberta da

relação entre o desenho, o pensamento e a realidade, também estimulada pelo

aparecimento da linguagem.

Do emaranhado de linhas curvas e angulosas, ou garatujas, surgem as primeiras formas

esquemáticas como, os círculos, quadrados e cruzes. A criança começa a elaborar o seu

vocabulário pré-figurativo ou simbólico. A partir das suas marcas e aglomerados de

símbolos, podem surgir caras ou pessoas e há a primeira tentativa de representá-los

intencionalmente. Esta fase é a associação do período designado por Luquet de

“realismo falhado”, a criança quer que o seu desenho seja real, mas ao desenhar não

consegue concretizar este objectivo.

Por não haver uma consciente relação ainda com a realidade, a utilização das cores

apenas depende do carácter emocional da criança.

A criança começa por representar figuras que parecem flutuar no espaço, de uma forma

arbitrária, desvinculadas umas das outras. Posteriormente, adquire a noção de

vertical/horizontal, oscilando entre a organização própria do espaço cenográfico, onde a

obliquidade passa a sugerir dinamismo (Fig.6).

Fig.6 – Anónimo, Retrato de família com figuras em forma de girino.

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Esquematismo

Faz parte do período operatório concreto da Teoria Cognitiva, é notória nas crianças

entre a idade dos 7 aos 10 anos. O Esquematismo é definido por esboços

representativos, a criança ultrapassa o egocentrismo, presente até à data, e desenvolve

uma sintonia com os sentimentos e as pessoas que a rodeiam. No espaço, onde é feito o

desenho, surge uma linha base que apoia as representações elaboradas pela criança

(Fig.7). A figura humana aparece porém com exagero, descuido ou omitida do conjunto

gráfico. Nesta fase, segundo Piaget, existe a descoberta das relações quanto à cor e o

objecto representado.

Fig.7 – Marta Ribeiro, Paisagem com pessoa, 7 anos.

Realismo

Esta etapa, também faz parte do período operatório concreto, mas já na sua fase final.

Surge então, uma maior consciência da diferença dos sexos, notória pela acentuação das

roupas e formas das figuras do desenho (Fig.8).

A nível do espaço no desenho, a criança descobre os planos e a sobreposição. Na

representação da figura humana verifica-se o abandono das linhas e as formas

geométricas passam a representá-la no seu conjunto. Nesta fase existe mais rigidez e

formalismo no desenho.

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Fig.8 – Marta Ribeiro, Figura Feminina, 8 anos.

Pseudo Naturalismo

Este é a ultima fase em termos de evolução gráfica, começa por volta dos 12 anos e

pertence ao período operatório formal. É o fim de um período de actividade espontânea

e o início da investigação da personalidade, isto é o adolescente já consegue representar

o que vê.

Aparecem aqui, dois tipos de orientação representativa: a objectividade visual e a

expressão da subjectividade.

Verifica-se então que o espaço apresenta profundidade e há preocupação com

experiências emocionais, naturalmente ligadas ao meio sociocultural e à personalidade

do desenhador.

No que concerne à figura humana este apresenta particularidades a nível da

diferenciação do sexo e no desenho de formas proporcionalmente exageradas. Existe a

partir da qual uma maior consciencialização do uso da cor, que pode ser assumida de

modo objectivo ou subjectivo. Apesar de mais realista, o desenho é também mais liberal

e imaginativo, podendo o adolescente “dar largas à imaginação” para criar hipóteses que

complementem a realidade do desenho. Com o decorrer do tempo, a capacidade

impressionante de ponderação instintiva dá lugar à estabilidade que chega com a

proximidade da idade e da personalidade adulta.

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“De acordo com Piaget, as relações entre o sujeito e o seu meio consistem numa

interacção radical, de modo que a consciência não começa pelo conhecimento dos

objectos nem pela actividade do sujeito, mas por um estado indiferenciado sendo desse

estado que derivam dois movimentos complementares, um de incorporação das coisas

ao sujeito, o outro de acomodação às próprias coisas.” (PILLAR, 1984, pp. 20-21)

“Assim, o sujeito, inicialmente indiferenciado do objecto, conhece, assimila e extrai

informações do meio, necessitando de integrá-las e organizá-las num todo coerente. Ele

necessita acomodar-se, isto é, transformar-se para integrar os novos dados. Tal facto

acontece ao desenhar, onde são extraídas informações do meio estruturadas em

sistemas, os quais são modificados e reestruturados para dar conta de novos tipos de

representação.” (PILLAR, 1984, p.21)

1.4. A arte como influência na criança

É na infância que se forma a personalidade, bem como a maioria das orientações para o

desenvolvimento futuro.

A arte exerce uma influência fundamental sobre o desenvolvimento da personalidade

infantil e sobre o futuro das crianças, auxiliando a sua capacidade de adaptação

emocional e fornecendo-lhe os meios para tornar a sua vida mais completa.

A sensibilidade para com as experiências perceptivas, adquiridas através da observação,

do ouvido, do tacto, e da descoberta da beleza, contribuirá muito para o enriquecimento

da vida da criança, como ser em desenvolvimento.

“ (...) A arte não serve unicamente, como válvula de escape emocional, mas também

funciona como fonte permanente de satisfação para a criança, graças à qual esta

organiza os seus pensamentos e sentimentos, utilizando os materiais criadores. Essa

capacidade de organização transforma o caos em ordem e dá significado àquilo que não

tinha sentido.” (LOWENFELD, 1977, p.17)

“Na arte, o que é representado não é o objecto, mas a sua interpretação, ou seja, a

interpretação que o artista lhe atribui num determinado momento. Isto porque o olhar

artístico é um olhar construtivo. O nosso olhar selecciona, organiza, discrimina,

associa... Assim, há uma construção de conhecimentos visuais. O Olhar de cada um está

impregnado com experiências anteriores; o que se vê não é o dado real, mas aquilo que

se consegue captar e interpretar acerca do visto, que nos é significativo. (…). Além

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disso, as artes envolvem aspectos estéticos que estão relacionados à educação da visão,

ao “sabor” das imagens, à leitura do mundo em termos de cores, formas e espaço, e

propiciam ao sujeito construir a sua interpretação do mundo, pensar sobre as artes e por

meio das artes.” (PILLAR, 1984, p.36)

“ (...) a arte pode constituir o equilíbrio necessário entre o intelecto e as emoções. Pode

tornar-se como um apoio que as crianças procuram naturalmente ainda que de modo

inconsciente cada vez que alguma coisa os aborrece.” (LOWENFELD, 1977, p. 19)

No apoio que a arte constitui para a criança, o desenho é certamente uma das

actividades relacionadas com a arte, com a qual a criança mais cedo tem contacto e

incentivo para desenvolver as suas capacidades – tanto pela família como pela escola ou

convivência com outras crianças.

1.5. A interpretação do desenho Infantil

“ (...) Sem dúvida que as crianças vêem mais do que desenham”. (ARNHEIM, 1994,

pp.155, 158)

O desenho, a pintura, a modelagem e o jogo de personagens são algumas das formas de

expressão infantil.

O desenho na arte infantil, como temos vindo a referir, pode ser um teste tradutor da

evolução ou maturação das aptidões intelectuais, das perceptivas e das capacidades

motoras.

Interpretar um desenho infantil significa sobretudo explicá-lo, compreendê-lo no seu

sentido mais ou menos escondido, traduzindo verbalmente aquilo que afinal está patente

e pode ser “lido”.

Podem-se extrair dois tipos de sensações no desenho infantil: o sensorial e o racional.

O tipo sensorial apresenta dinamismo, cores vivas, estrutura ligada do conjunto em

relação com a força criadora da personalidade e com a capacidade de adaptação social e

facilidade de contacto. No tipo racional predomina o rigor geométrico em precisar os

detalhes dos objectos, boas capacidades de observação, facilidade de concentração e

tenacidade em concretizar.

Outro aspecto interessante no estudo do desenho infantil, que ocorre imediatamente a

seguir à visão tipológica que acabamos de referir, de forma a constituir a segunda fase

da sua leitura, é o conteúdo, isto é, o tema principal de cada produção.

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Muitas vezes encontramos uma situação que motiva a escolha da criança na sua

composição. Os factos vividos mais intensamente, podem ser determinantes para a

criação de certas formas de expressão gráfica, quer pelo prazer em reviver essas

situações, quer pelo gosto em reproduzir este ou aquele objecto. Cenas domésticas ou

entre animais, a casa, a família, cenas violentas, agressões, incêndios, mostram as

preocupações, interesses, receios e desejos dos seus pequenos autores.

A análise dos conteúdos do desenho é no entanto tarefa difícil e por isso deve ser feita

em conjunto com a criança que nos pode ajudar a esclarecer.

O desenho regista ainda pela intensidade do traço, pelo vigor, suavidade, ou pela

hesitação, características afectivas que só um estudo atento nos pode dar a conhecer. O

«homem mau» pode ser desenhado com tal vigor que a agressividade sentida se traduza

num traço tão impulsivo que rasgue o papel; mas pode também surgir como uma

sombra, mal definida, pouco nítida, tradutora da angústia sentida; pode até nem ser

figurado.

Quando o adulto quer compreender o mundo da criança deve anotar as explicações e

interpretações que a criança fornece, as razões por que abandona um tema e prefere

outro, as causas dum súbito desinteresse pelo trabalho em determinado dia, o agrado ou

desagrado pelo que está a fazer tudo deve ser tomado em conta.

Em suma, através do desenho de uma criança é possível analisar o seu carácter, a sua

personalidade, temperamento e carências. É possível também através do que a criança

desenha, descobrir e reconhecer as fases pelas quais a criança está a passar, as suas

dificuldades, bem como os seus pontos positivos.

Para o ilustrador infantil este ponto é bastante importante, uma vez que o espaço infantil

constitui um universo cheio de “mundos” a serem explorados.

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Capítulo II

2.Ilustração Infantil

“Uma imagem é uma vista que foi recriada ou reproduzida. É uma aparência, ou um

conjunto de aparências, que foi isolada do local e do tempo em que primeiro se deu o

seu aparecimento, e conservada – por alguns momentos ou por uns séculos.”

(BERGUER, 1972, pág.13)

“O objectivo de toda a arte visual é a produção de imagens. Quando estas imagens são

usadas para comunicar uma informação concreta, a arte geralmente chama-se

ilustração”. (DALLEY, 1980, pág.10).

Segundo o Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, a raiz etimológica da palavra

ilustração, deriva do latim illustratiõne e representa “acto de iluminar, de tornar

brilhante”.

Através da ilustração infantil, o ilustrador pretende auxiliar e complementar o contar de

uma história, para que seja possível imaginar e criar um espaço para a acção.

As crianças dos nossos dias são “bombardeadas” com imagens, que podem produzir

instabilidade emocional, fazendo com que não sejam capazes de distinguir o “certo” do

“errado”. O papel do ilustrador infantil é, também, o de sensibilizar o público infantil,

presenteando-o através do seu universo, com exemplos que o vão ajudar a entender as

pessoas e os lugares que o rodeiam, para que as imagens animadas visionadas na

televisão, nos jogos de computador e na internet, não sejam tidos como a única

realidade das suas vidas.

As imagens ilustradas ajudam a cativa-la e atraem a sua atenção para o universo dos

livros. Um livro ilustrado, combina uma narrativa visual e/ou verbal no formato de

publicação editorial. Os livros infantis são divididos por faixas etárias, de acordo com o

desenvolvimento psíquico e motor da criança. Primeiramente, surgem os livros com

imagens, mais tarde, começam a surgir, acompanhadas das imagens, as letras e as

palavras básicas. Assim, a criança, começa a desenvolver as suas capacidades de leitura,

inicialmente as palavras são lidas pelos pais e mais tarde pelas crianças, quando estas

começam a aprender a ler e escrever. Podemos assim dizer que a ilustração é uma forma

pedagógica de acesso à narrativa.

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2.1. Breve introdução à história da Ilustração

Para alguns autores, a história da ilustração surge referenciada de forma indirecta na

história da arte. Como é sabido a ilustração está presente desde a origem do homem, na

arte da pré-história (Paleolítico Final), através das representações do quotidiano,

maioritariamente, acções de caça. Estas cenas eram pintadas, gravadas ou esculpidas no

interior das cavernas e retinham, segundo alguns autores, o pressentimento do desejo de

sucesso na caçada (Fig.9).

Fig.9 – Sala dos Touros. Lascaux, Dordogne, France, c.15,000-10,000 a.C. Ocre e carvão vegetal.

Posteriormente, no Antigo Egipto e com o desenvolvimento desta civilização, a

ilustração começou a ter o objectivo de ser um complemento narrativo dos manuscritos

e dos papiros ilustrados, que assinalavam os acontecimentos mais importantes da época.

Destacam-se nesta matéria, os primeiros pergaminhos ilustrados, assim como “O Livro

Egípcio dos Mortos” (Fig.10).

Fig.10 – “ O Livro Egípcio dos Mortos”, Cena da morte de Hunefer. Egipto, c.1280 a.C.

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Já na Antiguidade Clássica, os artistas gregos e romanos, defendiam a importância da

ilustração técnica e da perspectiva. Contudo, foi já no Renascimento que se

redescobriram representações de perspectiva, inicialmente efectuadas pelos gregos e

romanos. Estes foram os princípios da perspectiva linear, esquecidos durante toda a

Idade Média, e renascidos por Filippo Brunelleschi (1377-1446)9. Tal condição

revolucionou a arte e o trabalho do ilustrador técnico. Surgiram artistas e ilustradores

como Leonardo da Vinci (1452-1519)10

(Fig.11) e Albrecht Dürer (1471-1528)

11

(Fig.12), que impuseram um alto grau de minuciosidade e claridade de detalhes nos seus

desenhos científicos e arquitectónicos.

Fig.11 Fig.12

Fig.11 – Leonardo da Vinci, Estudos para um Edifício de Planta Centrada. Bibliotheque de l’Institute de

France, Paris, c.1487-1490, pena e tinta.

Fig.12 – Albrecht Dürer, A Young Hare. Albertina, Viena, Áustria, 1502, aguarela e guache.

9 Filippo Brunelleschi, arquitecto e escultor renascentista de Florença. Construiu a catedral Santa Maria

del Fiore, uma das primeiras catedrais do estilo Renascentista.

10 Leonardo di Ser Piero da Vinci foi um polímata italiano. “ Leonardo parece possuir qualidades

intermináveis, que abrangem todas as áreas do conhecimento e da capacidade humanas – artista, cientista,

arquitecto, músico, engenheiro, comediante da corte, inventor e filósofo” (VASARI).

11 Albrecht Dürer, gravador, pintor, ilustrador, matemático e teórico oriundo da Hungria e que marcou a

Renascença Alemã através do seu génio criador.

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Com o surgimento da impressão em papel, a arte medieval do iluminismo foi a

precursora da ilustração de obras e trabalhos impressos. Continha uma temática

religiosa e eram realizadas essencialmente nos mosteiros. Estas ilustrações,

denominadas iluminuras encontravam-se bastante presentes nos saltérios12

e livros de

horas13

.

Très Riches Heures du Duc de Berry (Fig.13) é um livro de horas, que mostra uma

grande perícia na pintura em miniatura, geralmente feita sobre pele de vitela e com a

utilização de cores brilhantes e adornos em ouro.

Desta forma, a ilustração surge ao serviço da religião, assumindo nova função de levar

os ideais da igreja a grande parte da população analfabeta.

Fig.13 – Fevereiro, Très Riches Heures du Duc de Berry. Musée Condé, Chantilly, c.1412-1416, pele de

vitela.

12

Livro da Bíblia que contêm 150 salmos (poemas cantados), usados na religião cristã e judaica. São

caracterizados pelas suas ricas e cuidadosas iluminuras.

13 Manuscrito iluminado muito comum na Idade Média. Contêm uma colecção de textos que servem de

base à leitura litúrgica em determinados horários do dia.

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2.2. Os primórdios da Ilustração Infantil

Os livros infantis surgiram de forma distinta e independente há pouco mais de dois

séculos atrás.

Antes da segunda metade do século XVIII, os livros eram raramente criados

directamente para as crianças e a literatura infantil era mais direccionada para a

educação e para a edificação da sua moral do que para o seu divertimento. A este

propósito poder-se-á referir como exemplo o livro Robin Hood de Joseph Ritson (1752-

1803)14

, criado em 1795, que despertou a atenção entre os mais pequenos e cujo

destinatário era o público adulto (Fig.14 e 15).

Fig.14 Fig.15

Fig.14 e 15 – Joseph Ritson, Robin Hood: A collection of all the Ancient Poems, Songs and Ballads, now

extant, relative to that celebrated Outlaw, 1795.

14

Joseph Ritson, escritor Inglês que ficou conhecido pelos seus contos de fadas e lendas. Alcançou a

notoriedade com o livro Robin Hood e pela compilação de baladas, romances, peças e anedotas

desenvolvidas em torno do mesmo herói.

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27

Os novos pensamentos e atitudes em relação à educação e desenvolvimento na infância,

só começaram a ser desenvolvidos no final do século XVII, quando muitos educadores

apelaram às necessidades das crianças e quando a noção da importância da

aprendizagem começou a ser aceite pela sociedade da época.

Dos filósofos que defendiam e ajudaram a desenvolver esta atitude destacam-se John

Locke (1632-1704) 15

e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)16

.

Em 1693, Locke escreveu Some Thoughts Concerning Education, desenvolvendo o

pensamento, que as crianças devem ser tratadas como criaturas racionais com direitos.

Noutra perspectiva, Rousseau viu a infância como um estado puro e natural e defendeu

que um dos pontos centrais da educação, deve preservar a natureza singular da mesma.

As teorias de Locke e Rosseau influenciaram os educadores e as suas ideias, levando-os

a adoptar uma abordagem mais humana em relação à educação, onde a vontade era

considerada uma ajuda para a aprendizagem.

Foi no século XVII que John Amos Comenius (1592-1670)17

, um importante precursor

da ilustração infantil, escreveu em 1658 a enciclopédia Orbis Sensualium Pictus

(Fig.16), considerada o primeiro livro ilustrado publicado especificamente para

crianças.

Comenius foi um reformista da educação, e o seu livro foi também inovador no

reconhecimento de que existem diferenças fundamentais entre as crianças e os adultos.

15

John Locke filósofo e ideólogo conhecido como o pai do pensamento político liberal Inglês. Visto

como uma referência para variados filósofos como Voltaire, Rousseau e Kant, ajudou a transformar a

sociedade ocidental.

16 Ver nota de rodapé 2, página 8.

17 John Amos Comenius, professor e escritor Checo que escreveu sobre a educação universal, no seu livro

Didactica Magna. É considerado o responsável pela divulgação da educação moderna no séc. XVII.

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28

Fig.16 – Johan Amos Comenius, Pág.1 e 3 do livro Orbis Sensualium Pictus, 1658, gravura.

Características como a fragilidade e a dependência estão associadas às crianças,

cabendo também à escola ajudá-las a prepararem-se para uma vida adulta. Este

princípio começa a tomar forma no séc. XVII, quando a relação entre os livros e a

escola fica mais estreita, fazendo com que as publicações comecem a adoptar uma

postura essencialmente pedagógica. Os livros de alfabeto (Fig.17) exemplificam um dos

primeiros usos das imagens em livros institucionais para crianças.

Fig. 17 - Walter Crane, ilustração de The Alphabet of Old Friends, 1874.

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29

Quando os livros em formato de papel começaram a surgir, já existiam os hornbooks18

(Fig.18 e 19), uma ferramenta pedagógica criada em 1450 em Inglaterra e que se

estendeu até ao séc. XVIII para a aprendizagem do alfabeto na primeira infância.

Fig.18 Fig.19

Fig.18 e 19 – Andrew White Tuer, contextos sociais típicos em que os hornbooks eram usados, History of

the Hornbook, 1896

No início do séc. XVIII o interesse na literatura para as crianças liderou a novos

mercados e contribuiu para o florescimento de novos editores, particularmente na

Inglaterra. Um destes novos editores, John Newbery (1713-1767)19

foi proprietário de

uma livraria em Londres, onde publicou o seu primeiro livro para as crianças, A Little

Pretty Pocket-Book (Fig.20), tratava-se de um catálogo de jogos infantis baseado no

alfabeto, desenhado por ilustradores por si contactados. Newbery transmitia às crianças

o sentimento de que era possível aprender com gosto. Este autor é considerado um

18

Esta ferramenta, não era exactamente um livro e consistia numa folha que continha as letras do

alfabeto, muitas vezes, combinada com escrita religiosa e sobre uma placa de madeira, que também podia

ser de osso ou couro. Estas folhas eram protegidas por uma folha fina de chifre ou por uma mica

transparente. O quadro de madeira tinha com frequência um punho, sendo pendurado geralmente na

cintura da criança.

19 John Newbery, editor Inglês considerado um dos criadores dos livros infantis, trabalhou na sua difusão

e elevou a qualidade das suas publicações de baixo preço intencionalmente para as crianças do séc.

XVIII.

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30

ponto de referência para o desenvolvimento do princípio do prazer de ler no mercado

especializado para as crianças. Anterior, ao surgimento deste paradigma, o mercado de

literatura para a infância era delineado para instruir os mais pequenos, embora existisse

uma grande tradição de contar histórias a crianças e adultos.

Fig.20- John Newbery, A Little Pretty Pocket-Book, 1744, xilogravura.

Em contrapartida, ainda no séc. XVIII surgem publicações de carácter moralista e

religioso como as de William Blake (1757-1827)20

, poeta e gravador que escreveu,

ilustrou e publicou os seus próprios textos, é exemplo disto a obra Songs of Innocence

do Illuminated Book (Fig.21 e 22). Os livros de William Blake pretendiam mostrar o

mundo através dos olhos da criança, não tendo contudo a intenção de serem escritos

para as crianças.

20

William Blake, nascido em Londres, desde muito novo cultivou o gosto de ler e desenhar. Começou a

escrever poesia aos onze anos. Foi o primeiro dos grandes poetas Românticos ingleses e um exímio

gravador. Blake começou a publicar vários dos seus poemas, Song of Innocence, The Book of Thel e The

Marriage of Heaven and Hell, após 1784. A temática dos seus livros era essencialmente religiosa,

escrevia sob a inspiração dos profetas hebreus e escritores apocalípticos.

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31

Fig.21 Fig.22

Fig.21 e 22 – William Blake, Songs of Innocence do Illuminated Book, 1789.

2.2.1 Fábulas/ Contos de Fadas/ Contos de Moral

Jean de La Fontaine (1621-1695)21

foi o escritor francês mais lido do séc. XVII. As suas

fábulas criaram um modelo que influenciaram os subsequentes fabulistas por toda a

Europa, propagando desta forma o seu trabalho.

Les Fables Choisies foram escritas em três partes, cativando até hoje os amantes da

literatura mundial. A sua primeira colecção surgiu em 1668 e continha cento e vinte e

quatro fábulas, repartidas por seis livros que foram dedicadas e oferecidas ao filho mais

velho, de seis anos de idade, do rei Luís XIV de França. A sua segunda colecção de

fábulas foi publicada em 1678 e dedicada à Madame de Montespan, amante de Luís

XIV. Por fim, a terceira colectânea de fábulas, datada de 1694, foi oferecida ao Duque

de Bourgogne, o filho mais novo do rei.

21

Jean de La Fontaine, nascido na pequena cidade de Chateau-Thierry, França. Estudou direito e teologia

em Paris, apesar da sua paixão sempre ter sido a literatura. Começou a escrever e a dedicar colectâneas de

poemas, que o levaram à publicação dos seus primeiros romances. A obra literária, Les Fables Choisies

foi a razão pela qual ficou reconhecido o seu trabalho como escritor de fábulas.

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32

Na sequência do seu trabalho e da sua vida como escritor, La Fontaine publicou fábulas,

até aos setenta e dois anos. Este autor, instruía os homens através dos animais, sendo

estes, que davam vida às suas histórias de moral.

O ilustrador escolhido por La Fontaine para a sua primeira colecção de fábulas foi o

francês François Chauveau (1613-1676)22

. Conhecido pelas suas gravuras, cultura e

imaginação poética, Chauveau deixou uma obra de quase três mil peças (Fig.23).

As fábulas de La Fontaine continuam, ainda hoje, a ser ilustradas por diversos artistas.

Sendo as mesmas ilustradas por cada um deles de forma bastante singular (Fig.24).

Fig.23 Fig.24

Fig.23 – François Chauveau, O corvo e a raposa, Livro I de Les Fables Choisies, séc.XVII, gravura.

Fig.24 – Marc Chagall, O corvo e a raposa, Fables de La Fontaine, 1952, gravura colorida à mão.

Charles Perrault (1628-1703) 23

conduziu a fundação dos contos de fadas em França.

Em 1695, criou uma colecção contos, The Tales of Mother Goose. Livro que

compreendia oito clássicos dos contos infantis, eram estes: Sleeping Beauty, Little Red

Riding Hood, Blue Beard, Puss In Boots, The Fairies, Cinderella, Ricky With The Tuft,

Little Tom Thumb. As histórias de Perrault aproximavam da criança mundos

22

François Chauveau, gravador a água-forte, desenhador e pintor francês. Caracterizado pela sua grande

cultura e imaginação poética. Ilustrou as obras de La Fontaine, Mlle de Scudéry, Scarron, Molière,

Racine, Boileau. Deixando um espólio que conta com a presença de quase três mil de peças.

23 Charles Perrault, poeta e escritor francês, considerado o alicerce dos contos de fadas, o novo género

literário do séc.XVII. É o pai da literatura Infantil e ainda hoje as suas histórias são editadas, traduzidas e

distribuídas nos diversos suportes de comunicação e expressão, como o teatro e o cinema.

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33

encantados, onde tudo era possível por meio da fantasia. No final de cada conto,

Perrault explicava, em síntese, uma moral onde criava um paralelismo com o mundo

real.

As primeiras ilustrações dos seus contos foram executadas por Gustave Doré (1832-

1883)24

, a preto e branco, e eram caracterizadas pela riqueza do detalhe que o ilustrador

conferia ao seu trabalho (Fig.25 e 26).

Fig.25 Fig.26

Fig.25 e 26 – Ilustrações de Gustave Doré, Cinderella( Fig.25) e Little Red Riding Hood (Fig.26),1695,

gravura s/madeira.

Por vezes, os contos de moral eram caracterizados por uma psicologia que se encontrava

ligada à religião. De forma a intimidar as crianças, estes contos defendiam que as

crianças bem comportadas haveriam de ser recompensadas e que as mal comportadas

deveriam ser castigadas pelas suas atitudes.

Apesar das publicações francesas de La Fontaine e Perrault, é na Inglaterra que a

literatura infantil, como produto de consumo, ganha importância fortalecida pelo forte

comércio do país, abundância de matéria-prima e, principalmente, pelo

desenvolvimento que surgiu com a Revolução Industrial.

24

Paul Gustave Doré nascido em França foi pintor e escultor sendo um dos mais bem sucedidos

ilustradores do século XIX. Trabalhava de forma dedicada e veloz tendo ilustrado mais de duzentos

livros. Esboçava os seus desenhos directamente na madeira, sendo os seus auxiliares a gravá-los.

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34

2.2.2 “Livros Objecto”: Pop-ups, brinquedos e jogos

As partes movíveis nos livros começaram por surgir para os adultos nos livros

científicos do século XVI (Fig.27 e 28). Foi no princípio do século XIX, que os “livros

objecto” com partes movíveis e os livros Pop-up25

surgiram como um entretenimento

para as crianças da época.

Fig.27 Fig.28

Fig.27 e 28 – René Descartes, De homine. Yale Medical Library, 1662.

Desde que, no séc.XVIII, o editor John Newbery começou a vender livros

especificamente para crianças, o mercado infantil transformou-se e novos editores

desenvolveram e experimentaram novas ideias para alcançar sucesso no ramo da

literatura infantil. Uma das primeiras tentativas com êxito foi o livro do inglês Robert

Sayer, The Harlequinade26

. A história e o cenário do livro tinham a capacidade de

serem modificados, através do simples levantar e descer de uma das abas que o

constituiam. Esta tipologia de livros movíveis era conhecida como lift-the-flap (Fig.29).

25

Pop-up, “livros objecto” que apresentam, ao serem abertos, uma explosão de imagens em relevo que

contam de forma surpreendente e inesperada uma história às crianças.

26 Uma performance teatral, denominada de Pantomima, a arte objectiva da mímica. Foi adaptada da

Commedia dell’arte italiana (séc. XVI) em que o cómico Harlequin é uma das cinco personagens da

peça.

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35

Fig.29 – Robert Sayer, The Harlequinade, 1765, gravura.

Entre 1810 e 1816, a empresa de brinquedos S.& J. Fuller, estabelecida em Londres,

criou um livro tendo como referência as bonecas de cartão surgidas em França no ano

de 1790. Neste livro, uma boneca de papel, colorida e cortada à mão, era a protagonista

das histórias de moral, juntamente com as suas peças de vestuário. Entre as histórias

criadas pela empresa Fuller a que obteve mais sucesso foi Little Fanny (1811) (Fig.30).

Fig.30 – S.&J.Fuller, LittleFanny, Programa online, como tentativa de reviver as sensações do livro:

http://www.library.unt.edu/rarebooks/exhibits/popup2/flash/fanny.html

No ano de 1820, o pintor de retratos em miniatura William Grimaldi (1751-1830)27

desenvolveu, outro tipo de livro objecto. Tendo como inspiração o toucador da sua

filha, representou em papel, os seus objectos de toilette, Stacy Grimaldi publicou este

livro ilustrado pelo seu pai em 1821, intitulado The Toilet, que representava um móvel

27

William Grimaldi, nascido em Inglaterra, pintou os retratos em miniatura do Príncipe de Gales e do

Duque de York. As suas pinturas, após colocadas em medalhões, eram ostentadas nas jóias de peito das

classes altas do século XIX.

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36

com objectos, que se levantam, relacionados com produtos de beleza, revelando cada

um deles, uma palavra referente a um adjectivo. Por exemplo, por baixo da imagem de

uma caixa de rouge surgia a palavra “modéstia” (Fig.31). Tendo este livro alcançado

grande popularidade, foi reimpresso e bastante imitado pelos editores da época. Em

1823, Stacy publicou outro livro, também baseado nas ilustrações e textos do seu pai,

desta vez para rapazes, com o título A suit of armour for touch, neste livro os objectos

de toilette eram substituídos por peças de armadura e estas peças escondiam um texto

que continha um conceito de moral (Fig.32).

Fig.31 Fig.32

Fig.31 – Stacy Grimaldi, The Toilet. London, 1821.

Fig.32 – Stacy Grimaldi, A suit of armour for youth. London, 1824.

Em 1800, Thomas Dean, fundou em Londres a editora Dean & Son, inicialmente

dedicada à produção em grande escala, dos então denominados, de toy-book. Quando o

filho de Thomas Dean tomou posse da editora, abriu workshops de produção com

artistas e artesãos, que criaram, em 1856, uma série de contos de fadas e aventuras

intitulados, New Scenic Books. As cenas dos livros da editora Dean & Son despontavam

das referências retiradas dos teatros de fantoches, apresentando estes livros, mecanismos

que produziam a entrada das personagens na história (Fig.33).

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37

Fig.33 - Dean & Son, The Royal Punch & Judy as Played before the Queen. London, 1861.

Outras editoras cedo se juntaram ao fenómeno em desenvolvimento dos livros cénicos,

como se verificou com os alemães Raphael Tuck (1821-1900)28

e Ernest Nister (1842-

1909)29

através dos quais a arte da cromolitografia30

foi aprimorada.

Nister aperfeiçoou a técnica dos livros em três dimensões, já iniciada por Dean e Tuck,

onde através de múltiplas camadas era dada a ilusão de profundidade. No livro Wild

Animal Stories é possível visualizar com clareza esta percepção (Fig.34).

28

Raphael Tuck, fundador da editora inglesa Tuck & Sons, em 1870, editora oficial da Rainha Vitoria de

Inglaterra. O contributo desta editora para com os livros movíveis deu-se, em 1890, com a publicação do

livro Father Tuck’s Mechanical Series, até à data faziam-se apenas produções de postais, puzzles e

bonecas de papel.

29 Ernest Nister tinha a sua editora sediada em Nuremberga (Baviera, Alemanha). Entre 1891 e 1900, a

editora produziu muitos livros infantis, com grande qualidade a nível das ilustrações, das impressões e do

mecanismo dos livros movíveis. Os seus livros eram produzidos para a Inglaterra através da sua sede em

Londres e para os Estados Unidos da América através da editora Dutton.

30 Cromolitografia, termo que deriva do grego chroma (cor), lithos (pedra) e gráfico (de graphein,

desenho). Consiste num método da litografia através da qual os desenhos são impressos em cores,

conseguindo, por vezes, assemelhar-se a uma pintura.

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38

Fig.34 – George Manville Fenn, Wild Animal Stories: A Panorama Picture Book. London, E. Nister; New

York, Dutton, 1897.

Nesta técnica de impressão, destacou-se o autor Lothar Meggendorfer (1847-1925)31

,

realizou os mais elaborados e intrigantes livros movíveis do século XIX. Meggendorfer

entrou para o mundo da edição em 1866, como escritor e ilustrador da revista

humorística Flying Pages, desde aí nunca mais largou a indústria de edição de livros.

Em 1878, ilustrou o seu primeiro livro movível para o filho, Living Pictures. Os seus

livros possuíam os mais complexos e inovadores mecanismos criados dentro da edição

infantil. A sua principal obra foi Internationaler Zirkus, uma representação literal de

seis actos da arte circense, estas cenas podiam ser apreciadas pelo observador

individualmente ou em grande plano devido à versatilidade do seu formato em

“acordeão” (Fig.35).

Fig.35 – Lothar Meggendorfer, Internationaler Zirkus, 1887

31

Lothar Meggendorfer ilustrador, designer e engenheiro alemão, ficou conhecido pelos seus cativantes e

extensíveis Pop-ups.

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39

2.2.3. A ilustração do século XIX e XX: John Tenniel, George Cruikshank,

Richard Doyle, Enrico Mazzanti, Beatrix Potter, William Denslow, Dr.Seuss.

O século XIX institucionalizou a ideia que na infância era importante a criança ter

tempo para brincar e se divertir. Muitos dos clássicos da literatura infantil inglesa

surgiram durante a segunda metade do séc.XIX. São exemplo a obra Alice’s Adventures

in Wonderland (1865) (Fig.36, 37 e 38) de Lewis Carroll (1832-1898)32

tornando-se

numa das marcas da fantasia do séc.XIX que ajudou a iniciar uma tradição de contos de

fadas existentes até então, sem a conotação moral óbvia. É o próprio Lewis Carroll a

afirmar na sua vida que “Tudo tem uma moral: é só encontrá-la” (CARROLL,

1934,p.123).

Este autor tinha uma ideia bastante clara, em relação à forma como desejava, que as

ilustrações de Alice’s Adventures in Wonderland se relacionassem e complementassem

com o seu texto. Neste contexto, o escritor escolheu o ilustrador inglês John Tenniel

(1820-1914)33

. Este, desenhou noventa e dois desenhos para a obra, tendo sempre

presente, nos seus esboços, as ideias de Carroll.

Fig.36 Fig.37 Fig.38

Fig.36, 37 e 38 – Jonh Tenniel, Alice’s Adventures in Wonderland, gravura, 1865.

32

Lewis Carroll era o pseudónimo do nome Charles Lutwidge Dodgson. Carroll, romancista, poeta e

matemático britânico que ficou mundialmente famoso após ter escrito Alice’s Adventures in Wonderland.

33 John Tenniel, ilustrador e caricaturista britânico, ficou reconhecido ao ilustrar os livros, Alice’s

Adventures in Wonderland e Through the Looking-Glass. É um dos ilustradores mais facilmente

identificável, ficou para a história como o detentor das mais apreciadas e conhecidas ilustrações infantis

da história do mundo ilustração.

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40

Esta foi também a época da emergência dos livros com imagens, onde cada ilustração

era um complemento qualitativo para o texto. Por esta razão, os artistas deixaram de ser

anónimos, passando a ter também o seu reconhecimento, pelo contributo estético que

davam a cada texto.

O brilhante caricaturista inglês George Cruikshank (1792-1878)34

executou algumas das

mais influentes caricaturas sociais e politicas da sua época. Os seus trabalhos

caracterizavam-se pelo humor e pelo ritmo. Cruikshank foi o primeiro artista inglês que

ousou combinar a imaginação e a sua alegria num livro infantil, acção que o tornou

bastante popular.

São exemplo do seu trabalho, as gravuras que realizou para o livro German Popular

Stories (1823), uma tradução inglesa dos contos folclóricos publicados na Alemanha

alguns anos antes pelos irmãos Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-

1859)35

(Fig.39 e 40). Em Inglaterra, estas gravuras tornaram-se verdadeiros clássicos

da ilustração, sendo referidas por John Ruskin (1819-1900)36

, como as melhores desde

Rembrandt (1606-1669).

Fig.39 Fig.40

Fig.39 e 40 – George Cruikshank, German Popular Stories, vol.1, gravura, 1823.

34

George Cruikshank caricaturista inglês, arte que herdou de seu pai. Cedo começou a vender os seus

desenhos, que tinham como destino as revistas de sátira política da época.

35 Jacob e Wilhelm Grimm eram dois irmãos alemães que se dedicaram ao registo de várias fábulas e

contos infantis, ganhando desta forma notoriedade no mundo literário. Juntos, também contribuíram para

a difusão da língua alemã, através da criação do Deutsches Worterbunch (O Grande Dicionário Alemão).

36 John Ruskin, grande figura da época Vitoriana em Londres, poeta, artista e crítico. Apoiou e

impulsionou os artistas Pré-rafaelistas para que estes ganhassem respeito dentro da sociedade da época.

Ficou também conhecido pela sua ligação à educação e pelo seu livro Elements of Drawing de 1857.

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41

Até à segunda metade do século XIX os livros eram essencialmente editados a preto e

branco, através do método da gravura. O único apontamento de cor que existiria era

dado pelos laboratórios ou então através do longo e caro processo de colorir à mão. Já

na segunda metade deste século, as inovações técnicas e artísticas surgiram e lideraram

a notoriedade dos livros infantis, tornando-os num género artístico maior.

Richard Doyle (1824-1883)37

que ficou célebre pelas suas imagens de elfos e fadas,

elaboradas numa palete de dezasseis cores, para o livro In Fairyland de William

Allingham (Fig.41).

Fig.41 – Richard Doyle, In Fairyland.Londres, grafite e aguarela, 1870.

Em 1881, o escritor italiano Carlo Collodi (1826-1890) de pseudónimo Carlos

Lorenzini, publica Storia di un burattino (História de um Boneco), o primeiro título do

conhecido livro ilustrado por Enrico Mazzanti (1850-1910)38

, The Adventures of

Pinocchio (Fig.42 e 43). Primeiramente publicado em Inglaterra em 1892, esta história é

originária de uma série da revista italiana para crianças Giornale del Bambini, sendo um

conto narrativo dos mais inventivos e complexos do século XIX.

37

Richard Doyle. Notável ilustrador Inglês da época Vitoriana, nascido no seio de uma talentosa família,

era o filho do caricaturista John Doyle. Contribuía com as suas ilustrações e caricaturas políticas para o

jornal Inglês Punch. Colaborou com John Ruskin, ilustrando King of the Golden River de 1851.

38 Enrico Mazzanti. Engenheiro e caricaturista de Florença que ilustrou a primeira edição do livro The

Adventures of Pinochio. Foi, também, o ilustrador das principais editoras italianas, como Le Monnier,

Paravia, Hoepli e Bemporad.

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42

Fig.42 e 43 – Enrico Mazzanti, Le avventure di Pinocchio de Carlo Collodi, 1883.

Já no século XX, os avanços técnicos tornaram possível produzir livros com impressões

de grande qualidade e de forma relativamente económica, promovendo desta forma o

grande crescimento da publicação de livros infantis.

Com o aparecimento da serigrafia39

são feitos avanços consideráveis no âmbito da

produção de tintas, além do desenvolvimento da impressão em meio-tom40

, já

anteriormente utilizada em fotogravura, processo bastante dispendioso que aumentou

substancialmente as possibilidades técnicas de reprodução do ilustrador. No início do

século XX, destacaram-se as obras da ilustradora inglesa Beatrix Potter (1866-1943)41

.

39

Sistema de impressão onde a tinta é derramada através de uma tela (matriz de serigrafia, normalmente

de poliéster ou nylon). A "gravação" da tela é feita pelo processo de fotossensibilidade, onde a matriz

preparada com uma emulsão fotossensível é colocada sobre um fotolito, sendo este conjunto (matriz e

fotolito) colocado por sua vez sobre uma mesa de luz. Os pontos escuros do fotolito correspondem aos

locais que surgirão na tela, permitindo a passagem da tinta pela trama do tecido, e os pontos claros (onde

a luz passará pelo fotolito atingindo a emulsão) são impermeabilizados pelo endurecimento da emulsão

fotossensível que foi exposta a luz. 40

A impressão em meio-tom causa ilusão de óptica. Esta aparência é provocada através dos pontos de

tinta que constituem a imagem, quando se afasta a imagem os pontos parecem unir-se, criando uma figura

uniforme.

41 Beatrix Potter cresceu no seio de uma família da classe média Inglesa e tornou-se num dos fenómenos

de vendas no mundo da ilustração infantil. Cresceu rodeada pela natureza e pelos animais, factor que

despertou a sua curiosidade pela história natural e ilustração científica.

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43

Esta artista começou a desenhar em criança, tendo a paixão que nutria pelo desenho

ajudado a desvendar mundos fantásticos, onde coabitavam humanos e animais como

intervenientes interactivos. Entre outras obras, Beatrix Potter escreveu em 1893, The

Tale of Peter Rabbit. Este livro foi o resultado de uma carta ilustrada para uma criança

doente, do qual em 1901, fez duzentas e cinquenta cópias que vendeu de imediato. No

ano seguinte, a editora Frederick Warne & Co publicou oito mil cópias e até hoje nunca

mais saiu do mercado infantil (Fig.44 e 45).

Beatrix Potter demonstrava grande preocupação com as suas ilustrações e com as

características físicas do livro, de forma a ser facilmente manuseável pelas crianças de

todas as faixas etárias.

Fig.44 – Beatrix Potter, The Tale of Peter Rabbit, 1ªedição.London, 1902.

Fig.45 – Beatrix Potter, Ilustração original (não utilizada), The Tale of Peter Rabbit, 1900.

Outro artista da época merecedor de referência foi William Wallace Denslow (1856-

1915)42

ilustrador norte-americano relembrado pela sua colaboração no livro The

42

William Wallace Denslow, nascido na Filadélfia, estudou na Academia Nacional de Design de Nova

York. Pertencia a uma comunidade reformista de artistas, denominada de Arts and Crafts movement. Para

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44

Wonderful Wizard of Oz do escritor L.Frank Baum (1856-1919) (Fig.46 e 47). Esta obra

destacou-se na época por possuir uma grande inovação cromática na ilustração, em

virtude das vinte e quadro paletas de cor que continha e ainda pelas cem imagens de

duas cores, que variavam consoante o local onde a história do livro se desenrolava.

Fig.46 Fig.47

Fig.46 e 47 - William Wallace Denslow, The Wonderful Wizard of Oz. Chicago, 1900.

Outra referência para a ilustração do século XX é o norte-americano Theodor Seuss

Geisel (1904-1991)43

, mais conhecido como Dr. Seuss. Evocado como caricaturista e

escritor, ficou conhecido pelos seus livros infantis que representavam um mundo

“lógico/ilógico”, onde tudo era possível.

O Dr. Seuss ilustrou e escreveu quarenta e quatro livros, traduzidos em mais de quinze

línguas.

De entre os livros, criados pelo autor, destacaram-se: How the Grinch Stole Christmas

(1957), Green Eggs and Ham (1960), Fox in Socks (1965) e Oh,the Places You’ill Go

(1990) (Fig.48). Mas entre todos houve um livro que definiu a sua carreira e

personalidade, The Cat in the Hat, publicado pela editora Beginner Books, em 1957.

além de The Wonderful Wizard of Oz, Deslow ilustrou outras obras do escritor Baum, como, By the

Candelabra's Glare, Father Gooses e Dot and Tot of Merryland.

43 Theodor Seuss Geisel. Nasceu em Howard Streeet, Springfield, Massachussetts. Os seus projectos

abrigam a riqueza das memórias da sua infância feliz e foram galardoados com dois Academy Awards,

dois Emmy Awards, um Peabody Award e um Pulitzer Prize.

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45

Aqui evidenciou-se o protagonismo, que aparecia em mais seis livros de Dr. Seuss, de

um gato antropomórfico bastante malicioso que usava um chapéu às riscas vermelhas e

brancas e um laço vermelho ao pescoço (Fig.49).

“Oh, the places you’ll go. There is fun to be done! There are points to be scored. There

are games to be won…” (Dr.SEUSS, 1990, p.161).

Fig.48 Fig.49

Fig.48 – Dr. Seuss, compilação de livros do escritor, 1957-1990.

Fig.49 – Dr. Seuss, The Cat in the Hat, 1957.

Assistimos, durante o séc. XX, a um período marcado pela grande variedade de estilos

de ilustrações, estimuladas pelo desenvolvimento tecnológico na área editorial.

A literatura infantil, nos dias de hoje, é comparada à literatura popular adulta na sua

diversidade de géneros, com livros desenhados para leitores em todo o grau de

desenvolvimento, da infância até aos jovens adolescentes. A vitalidade contínua da

publicação infantil e a sua habilidade para nutrir a imaginação e a criatividade

promovem a formação, instrução e o bem-estar de gerações durante o período de

desenvolvimento e crescimento físico e intelectual.

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46

Capítulo III

3. Estudo de Caso: Katsumi Komagata e os ensinamentos de Bruno Munari.

Katsumi Komagata é um designer gráfico, artista e origamista japonês, nascido a 1952

em Shizuoka. Possui uma vasta lista de trabalhos realizados para o público infantil, que

proporcionam o bem-estar visual e táctil. As obras que produz são um convite ao leitor,

mais novo ou mais velho, para que disponha de tempo a descobrir o livro que pega em

mãos.

No início da sua carreira como designer, Komagata aprendeu e desenvolveu trabalho

com o reconhecido designer gráfico Kazumasa Nagai44

.

Em 1977, mudou-se para os Estados Unidos da América, onde trabalhou como designer

gráfico e de embalagens.

Komagata frequentava regularmente o museu de arte moderna de Nova York, o que lhe

proporcionava contacto com as obras de variados ilustradores, entre os quais os que

mais apreciava, designadamente Bruno Munari (1907-1998)45

, Leo Lionni (1900-1999)

46 e Tana Hoban (1917-2006)

47.

44

Kazumasa Nagai nascido a 1929, em Osaka, Japão. É um galardoado Designer Gráfico, influenciado

pelo estilo e valores tradicionais da cultura japonesa. Comunicava através do design, uma mensagem de

simplicidade e elegância pela sua combinação muito própria de texturas e de cores. Foi um activista

ambiental e desenvolveu projectos, bastante receptivos pelo Japão, com preocupações a nível do

ecossistema.

45 Bruno Munari, artista, teórico e designer italiano. Experimentou várias inovações ao nível do design

gráfico, tipografia e ilustração. Percorreu com facilidade e notoriedade, de 1930 a 1990, as décadas no

design Italiano. Escreveu aproximadamente 150 livros e concebeu o design de diversos livros infantis.

46 Leo Lionni, artista e pensador criativo do séc. XX. Nasceu em Amesterdão, criou 40 livros infantis e

ficou conhecido entre os artistas e designers da sua época por nutrir um grande amor e respeito pela

natureza e pelos animais. Lionni desenhava animais porque sentia que as pessoas se identificavam com

estes e que esta era uma maneira afectiva de comunicar com os mesmos.

47 Tana Hoban elevou o desenho a um novo patamar. Tornou-se ilustradora após ter descoberto a

fotografia na Escola de Design para Mulheres, tendo assim publicado uma série de livros conceptuais

para crianças. O seu estilo aliado à fotografia, criou um conceito revolucionário fazendo uso de imagens

de objectos do dia a dia e de pequenos textos de forma a ajudar os pequenos leitores a perceberem o

mundo que os rodeia.

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47

Regressou a Tóquio no ano de 1983. Após o nascimento da sua filha, à semelhança de

Bruno Munari e de outros autores, começou a desenvolver diversos livros infantis.

“A existência do pai é menos conhecida pela criança, porque a mãe e o bebé vivem

juntos 9 meses antes do seu nascimento. Então, eu pensei em como poderia dizer à

minha filha que eu era o seu pai. Comecei por criar cartões para cativar a sua atenção.

Realizei mais de 100 cartões para comunicar com a minha bebé. No princípio, pretendia

apenas, que movesse os seus olhos, para ter a certeza se ela conseguia ver ou não.

Percebi que esta era a melhor forma de estabelecer contacto com ela, mesmo que não

compreendesse palavras esta era o modo de partilharmos algo entre nós e de nos

divertirmos mutuamente. Este foi o primeiro passo para a nossa comunicação e

conhecimento.” (KOMAGATA, Anexo B, p.77)

Estes cartões visuais, apresentados por Komagata como o meio de conhecimento entre

si e a sua filha, tornaram-se na sua primeira sequência de livros, Little Eye. O título, foi

inspirado no nome da sua filha “Aï”, que significa amor em japonês e que rima com a

palavra inglesa “eyes”. Nesta série, Komagata desconstrói a estrutura tradicional do

livro, apresentando uma colecção de dez caixas de papel, facilmente maleáveis e

sensíveis às mãos das crianças, que contêm no seu interior jogos visuais desdobráveis e

sem texto.

“Alguns dos meus livros não são como os típicos livros infantis, para que as pessoas

duvidem se estes são úteis ou não. São também, demasiado sensíveis para que haja

cuidado por parte do leitor no seu manuseamento. Uma das principais razões porque

experimento provocar este sentimento, é porque ao interagir com a minha filha, queria

que existisse surpresa e que ela se divertisse, mesmo ao perceber que as coisas são

efémeras e que se podem estragar. Normalmente, as pessoas querem que as crianças

brinquem com materiais duradouros, é certo que as coisas que se estragam rápido não

são úteis, mas é importante que as crianças aprendam que para algo durar é preciso

serem estimadas, tal como nas relações humanas.” (KOMAGATA, Anexo B, p.77)

Little Eyes, é mais do que um livro, é a construção de um vocabulário artístico que

comunica através do desenho das formas, das superfícies, do ritmo das cores, do volume

dos sólidos e pelos recortes das páginas.

As imagens, em quase todos os livros de Komagata, fazem parte umas das outras, nunca

se substituindo, criando sempre uma relação entre elas. Isto faz parte da maneira

singular em como Komagata comunica a sua forma de ver o mundo.

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48

Esta obra encontra-se dividida em dez categorias, que acompanham os dez passos

importantes a ter em conta no crescimento do bebé e da criança.

No primeiro capítulo da dissertação, foram explanados alguns conceitos acerca da

relação do desenho infantil com o desenvolvimento da criança. Um estudo similar é

levado a efeito na obra, Little Eyes, através do acompanhamento psicológico e físico

que o autor quis fazer com as crianças.

First Look é o primeiro conjunto de desdobráveis da colecção, constituído por 12

desdobráveis dedicados aos bebés desde os 3 meses. Possui representadas a preto e

branco ou recortadas, as formas geométricas do quadrado, triângulo e círculo. Komagata

teve em atenção, a preferência dos bebés nesta idade pelo preto e branco, devido ao

contraste de claro/escuro que lhes está intrínseco de forma a facilitar a leitura das

formas (Fig.50).

Fig.50 – Katsumi Komagata, First Look, editora japonesa Kaisei-Sha, 1990.

Em Meet Colors, constam 12 desdobráveis que apresentam às crianças a vivacidade das

cores, surge como um seguimento do First Look, mas apesar de conter as mesmas

formas geométricas, estas assumem no conjunto da página uma disposição mais

dinâmica. A cor é um dos elementos surpresa, à medida que se desdobram as folhas é

criada uma mutação através das formas e recortes (Fig.51).

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49

Fig.51 – Katsumi Komagata, Meet Colors, editora japonesa Kaisei-Sha, 1990.

O terceiro conjunto de desdobráveis intitulado Play With Color, é constituído

igualmente por 12 desdobráveis com uma surpreendente e constante interacção entre si,

através da utilização de uma maior diversidade de jogos de cores e formas (Fig.52).

Fig.52 – Katsumi Komagata, Play With Colors, editora japonesa Kaisei-Sha, 1990.

Os 12 desdobráveis reunidos em One For Many, resultam na transformação daquilo que

é visível, mantendo no entanto as mesmas figuras que a compunham inicialmente.

Surgem assim, variadas configurações que demonstram como os componentes de uma

figura podem ser igualmente os de outra, mudando a sua leitura. Este processo estimula

a capacidade criativa da criança, fazendo-a entender as potencialidades da imagem

gráfica (Fig.53).

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50

Fig.53 – Katsumi Komagata, One for Many, editora japonesa Kaisei-Sha, 1990.

O quinto conjunto, denominado de 1 to 10, possui 12 desdobráveis que demonstram e

explicam gradual e dinamicamente a contagem dos números de 1 a 10. Os números são

representados pela porção de círculos e a quantidade vai aumentando de página para

página (Fig.54).

Fig.54 – Katsumi Komagata, 1 to 10, editora japonesa Kaisei-Sha, 1990.

What Color? É um conjunto de 12 desdobráveis cuja preocupação é ensinar a relação

das cores predominantes na Natureza, ou seja na sua manifestação através de um fruto,

de um animal ou de uma planta, que pode ser reconhecido no quotidiano da criança.

Aqui a maçã é vermelha, o elefante cinzento, a árvore verde, o céu azul e assim

sucessivamente (Fig.55).

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51

Fig.55 – Katsumi Komagata, What Color?, editora japonesa Kaisei-Sha, 1990.

O sétimo conjunto de Little Eyes, The Animals, abrange 8 desdobráveis leporello48

que

ilustram uma pequena cena animal e natural, onde as imagens contam uma pequena

história à medida que se desdobra o papel. No final dos desdobráveis, tem-se como

resultado uma panorâmica, um jogo de papel em que é possível retroceder na história

consoante a vontade da criança (Fig.56).

Fig.56 – Katsumi Komagata, The Animals, editora japonesa Kaisei-Sha, 1990.

Friends in Nature são 4 pequenos livros referentes à Natureza, onde a imagem inicial

sofre um corte que vai constituir outras imagens integrantes da história. O livro abre-se

da esquerda para a direita, característica presente na cultura tradicional japonesa e que

gera curiosidade, cada vez que uma criança ocidental abre o livro (Fig.57).

48

Desdobráveis leporello, folhetos de formato pequeno que se desdobram numa panorâmica.

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52

Fig.57 – Katsumi Komagata, Friends in Nature, editora japonesa Kaisei-Sha, 1990.

Walk & Look é a nona compilação de 4 desdobráveis leporello onde duas imagens ainda

com temática da Natureza são intercaladas para que a sua leitura seja feita de forma

individualizada de um dos dois extremos do papel. Este desdobrável leporello surge

como um holograma manual. Pretende transmitir à criança uma didáctica da diferença

dos opostos, como a manhã e a noite, onde as cores e os animais são diferentes (Fig.58).

Fig.58 – Katsumi Komagata, Walk & Look , editora japonesa Kaisei-Sha, 1990.

Go Around é o último conjunto da colecção Little Eyes, é constituído por 4

desdobráveis leporello com o mesmo esquema dinâmico de acordeão presente no Walk

& Look e com a mesma narrativa dos opostos mas desta vez a nível do mundo e das

culturas.

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53

Fig.59 – Katsumi Komagata, Go Around, editora japonesa Kaisei-Sha, 1990.

Uma das finalidades de Little Eyes foi a de proporcionar tempo à comunicação entre os

pais e os filhos. Através das reacções visualmente produzidas pelos desdobráveis são

criados momentos únicos de conhecimento e de partilha entre estes.

No ano de 1986 em Tóquio, Komagata fez a opção da auto-publicação, para tal, fundou

a sua própria editora One Stroke. Desejava assim, controlar inteiramente o processo de

difusão e qualidade das obras.

As suas obras continuaram a ter o mesmo propósito de acompanhar o desenvolvimento

psicológico e físico da criança. Neste contexto foi levado até outras preocupações

relacionadas com determinadas limitações infantis, como é o caso do problema da

deficiência visual. Sophie Curtil49

, uma artista e criadora de livros infantis para crianças

invisuais e muito sensível a esta deficiência, convidou Komagata a conceber um livro

táctil.

Desta forma, Komagata reforçou o propósito de que os seus livros deviam ser sentidos

através do toque, como um convite para uma experiência sensorial. Os primeiros livros

tácteis desenvolvido por este autor, para as crianças com limitações visuais, foram Plis

et Plans (Fig.60) e Leaves( Fig.61).

49

Sophie Curtil, nascida em 1949 em França, artista plástica responsável pelo Serviço de Acção

Educativa do Centro Pompidou em Paris, encarrega-se pela visita das pessoas invisuais às colecções do

museu e cria livros tácteis que se encontram presentes na colecção L’Art en Jeu.

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54

Fig.60 – Katsumi Komagata, Plis et Plans, co-editado por One Stroke/ Les Trois Ourses /Les Doigts Qui

Rêvent, 2002.

Fig.61 – Katsumi Komagata, Leaves, co-editado por One Stroke/ Les Trois Ourses /Les Doigts Qui

Rêvent, 2004.

Nas obras de Komagata, as figuras geométricas e os pedaços de papel desdobráveis e

reversíveis, satisfazem o leitor através de um mundo com uma ilusória simplicidade

visual, onde o jogo das formas e da imaginação parece interminável.

“Here it is, it starts slowly slowly

There are empty and full

I move them round

They get longer, they lie down,

A small thing becomes a big thing

A single thing becomes multiple

And everything goes back to place

Slowly slowly.”

(KOMAGATA, 2002, Plis et Plans introdução)

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As criações de Komagata tornam-se possíveis devido ao estudo dinâmico que tem vindo

a desenvolver com as crianças. Bruno Munari é um exemplo dos artistas por quem

Komagata nutre interesse e admiração pelos seus ensinamentos. Munari chamava a

atenção pelas ideias inovadoras e didácticas que apresentava no livro infantil,

característica do grande fascínio que nutria pela infância e pela forma como as crianças

viam o mundo.

“Encontrei um conjunto de livros do Munari chamados de Prebooks em 1981 numa

livraria em Nova York, enquanto trabalhava como designer. No princípio, não tinha a

certeza de que eram livros criados para as crianças, mas eram bastante atractivos e

interessantes. Desde que tive a minha filha, comecei a criar livros com ela para partilhar

e desenvolver a nossa comunicação. Eu mostrei-lhe o livro Prebooks e ela divertia-se e

brincava imenso com ele. Descobri que Munari é realmente um génio para explicar a

essência das coisas às crianças e aos adultos, de forma fácil, simples e inteligente.”

(KOMAGATA, Anexo B, pp.78,79)

Ao visualizarmos os trabalhos de Bruno Munari, como o livro Prebooks,

compreendemos onde Komagata foi buscar as suas referências para a criação de Little

Eyes. Prebooks trata-se de uma colecção de 12 pequenos livros apresentados em

diferentes cores e materiais para serem tocados e explorados pelo bebé e pelas crianças

que ainda não aprenderam a ler e escrever (Fi.62). Bruno Munari afirmava a respeito

destes livros, “eles devem dar a sensação que os livros são de factos objectos feitos para

conter uma larga série de surpresas, a cultura surge das surpresas, dos factos que eram

anteriormente desconhecidos”.

Fig.62 – Bruno Munari, Prebooks, Edizioni Corraini, 10x10cm,1980.

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56

Capítulo IV

4.Trabalho prático

Na componente prática desta dissertação alguns trabalhos, por nós concebidos em

paralelo com a componente teórica, tiveram por objectivo pôr em prática os

conhecimentos adquiridos durante Mestrado em Desenho e nos workshops de

ilustração. Apresentamos ainda desenhos elaborados pelas crianças na cidade de Saint-

-Étienne aquando da nossa estada em França, no seguimento do programa Erasmus,

com as quais tivemos oportunidade de trabalhar.

4.1. “Passeio no Parque”

Fig.63 – Marta Ribeiro, Passeio no Parque, 15x15cm, cartolina, 2011.

Este trabalho de ilustração conta a história de uma criança que passa o dia num parque

de uma cidade. É um livro construído por três cores e quatro cenas. A composição das

páginas resulta do recorte das imagens e da sua posterior colagem.

Sendo um livro de recortes, este trabalho possui, através do seu relevo, a qualidade de

estimular o sentido táctil dos seus leitores. É um livro de imagens, sendo indicado para

as crianças que não aprenderam ainda a ler e escrever.

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4.2. “Fugitivos disfarçados de Ovelhas”

Fig.64 – Marta Ribeiro, Fugitivos disfarçados de Ovelhas, 21x20cm, digital, 2011

Fig.65 – Marta Ribeiro, carimbos esculpidos em borracha utilizados para executar as ilustrações, 2011.

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Fig.66 – Workshop de Ilustração, alfabeto esculpido em batata, 2011.

Este álbum ilustra a história de dois fugitivos argentinos que se evadiram de uma prisão

disfarçados de ovelhas. É produzido na totalidade por carimbos, sendo estes usados

tanto na execução das ilustrações como no trabalho de tipografia. Posteriormente a

composição e a coloração é realizada digitalmente, sendo constituído por três cores em

três cenas.

Neste livro o texto produzido é para ser lido de forma acompanhada, ou seja, é

aconselhável a leitura por um adulto para que a criança consiga entender a narrativa.

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4.3. “Casa Pássaro”

Fig.67 – Marta Ribeiro, Casa Pássaro, 14.5x14.5cm, digital, 2011

Livro ilustrado que apresenta à criança a forma do círculo, do quadrado e do triângulo,

mostra como a partir destas formas se podem constituir desenhos que podem adquirir

formas mais ou menos complexas. A história é narrada pela continuidade das imagens e

como umas se inserem nas outras através dos recortes que as compõe.

São apresentadas três cores e cinco cenas no livro, os recortes estimulam o seu toque.

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Ao ser constituído apenas por imagens é indicado para as crianças que ainda não

aprenderam a ler e a escrever

4.4. “A sardinha e o croissant”

Fig.68 – Marta Ribeiro, A Sardinha e o Croissant, 15x15, digital, 2011

Este livro aborda a diferença cultural, existente entre pessoas de distintas nações, sendo

no entanto evidente que essa diferença não é impeditiva da existência de um

relacionamento intelectual e afectivo.

Neste trabalho foram utilizadas três cores em cada uma das quatro cenas que constituem

o livro, a ilustração complementou a pequena narrativa.

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4.5. “Pop-ups em branco”

Fig.70 – Marta Ribeiro, Pop-ups em Branco, papel, 2011

Neste trabalho levou-se a efeito o estudo do Pop-up e das suas variadas formas e

estruturas, criando-se um álbum sobre esta arte da engenharia do papel onde é

observada a vertente dimensional da folha. Aqui, transforma-se um objecto

bidimensional numa forma tridimensional.

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4.6. “Fábula de La Fontaine. O Leão vai à Guerra”

Fig.69 – Marta Ribeiro, Fábula de La Fontaine. O Leão vai à Guerra, 2011

Estes trabalhos realizados, aquando da nossa estadia em França, são da autoria das

crianças de 11 anos do atelier do Colégio Claude Faurier, de Saint-Étienne.

A ilustração que as crianças observaram foi, “O Leão vai à Guerra” de Marc Chagall.

Esta imagem faz parte das Fábulas de La Fontaine, e por se tratar de uma elaborada

gravura, com diversos componentes gráficos estimulou o visual, levando as crianças a

“fantasiar” durante a sua observação.

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63

5. Conclusão

A ilustração, individualizada ou integrada com o texto aprimora a percepção da criança,

estimulando a sua imaginação e aumentando o seu sentido de observação. O

desenvolvimento da criança pode ser ajudado por boas ilustrações.

Estas podem dar às crianças o sentido da identidade pessoal e uma consciencialização

da sua herança cultural, podem também ajudar a eliminar estereótipos e a corrigir

erradas noções de cultura.

Pode-se concluir a partir deste trabalho de pesquisa, que o desenho infantil é um

importante contributo para o estudo do desenvolvimento da criança. Ao nível do seu

bem-estar e da informação que este pode fornecer a quem realize um trabalho dedicado

à infância, como a ilustração.

As teorias evolutivas desenvolvidas por Jean-Jacques Rousseau e Georges-Henri Luquet

são uma importante fundamentação para o entendimento que o desenho é uma

actividade que propõe à criança a observação do mundo em que vive, representando

assim, algumas das situações que afloram a sua vida e comunicando aos que a rodeiam

as suas vivências e imaginação. Assim, é possível através da interpretação do desenho

infantil compreenderem-se os gostos, as preocupações e todo o mundo imaginário da

criança e tendem-se a criar cenários nos quais as mesmas se sintam fortalecidas.

Reforçando esta ideia, pode-se afirmar que na ilustração infantil são variadas as

histórias e as imagens que ajudam as crianças, fazendo-as compreender os seus medos e

desejos. Uma criança em desenvolvimento conhece pouco do mundo que a rodeia e a

ilustração tem o objectivo de informar e de “dar a conhecer” o que ainda está por saber,

sendo ao mesmo tempo um auxiliar para os pais e educadores que muitas vezes não lhes

conseguem explicar determinadas circunstâncias.

Um livro sem curiosidade não é capaz de alcançar a atenção do espectador infantil. Um

exemplo de um sucesso são os Pop-ups, a surpresa que lhes está conferida cativa o olhar

e convida à desenvoltura da imaginação. É surpreendente como acontece uma explosão

de papel em 3 dimensões a partir de um livro aparentemente equiparável, na sua

bidimensionalidade, a todos os outros.

Numa breve introdução à história da ilustração, fomos capazes de conhecer a origem

desta e o emprego de diversas técnicas, de onde a retenção destas informações é

importante para o ilustrador. Criar algo que ainda não foi feito, só é possível com o

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conhecimento do passado, neste podemos também encontrar referências para futuras

criações. Os primeiros ilustradores são caracterizados por uma grande mestria a nível do

desenho e de singularidades muito próprias de cada um. Foi também, por este motivo

que apresentámos como caso de estudo um ilustrador contemporâneo que teve como

referência anteriores criadores, como é o exemplo de Katsumi Komagata. Este autor é

um caso paradigmático do artista que desenvolveu a paixão pela ilustração infantil

através da consulta de obras para crianças. A este propósito foi referido como Komagata

ao deparar-se com o processo criativo e ilustrativo de Bruno Munari fortaleceu uma

enorme vontade de comunicar de forma igualmente eficiente e dedicada com as

crianças.

Komagata mostra a importância de conhecer os mais novos. Foi com este intuído que

pensámos e realizámos um atelier com as crianças do colégio Claude Fauriel em Saint-

- Étienne, França, para compreender até onde se estende a imaginação dos mesmos e até

que ponto os ilustradores têm de ser dotados de liberdade de pensamento para formular

uma resposta às crianças por meio dos seus livros.

A capacidade de sonhar o impossível é algo que os adultos tendem a esquecer, pois a

realidade do quotidiano impõe-se no dia-a-dia, deixando pouco espaço à imaginação.

Pensamos que seja também por esta razão que muitos pais são incapazes de dialogar

com os seus filhos, pois não conseguem prescindir da interpretação literal das imagens

com que muitas vezes se deparam.

Uma criança tem a capacidade de brincar com o livro e de reinventar as histórias

escritas e ilustradas para si, quando esta criança crescer vai olhar para o livro da sua

infância como uma boa recordação dos momentos que este lhe proporcionou.

Quando se é criança, as coisas não são o que parecem. Pensamos que esta qualidade

vem acrescida da inocência que os adultos perdem com a realidade das suas vidas.

Ilustrar fornece a oportunidade de voltar a contactar com mundos imaginários e

desconhecidos, a ilustração é uma arte imaginativa mas que deve contudo ter a

preocupação de acompanhar o desenvolvimento físico e psicológico infantil.

Por último, este trabalho de dissertação é uma exposição da importante faculdade do

estudo das crianças e dos ilustradores, para que seja possível reproduzir um trabalho

ilustrativo com fundamento e inovação.

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Presença, 1988.

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1981.

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1996.

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LUQUET, Georges-Henri – Arte Infantil. Lisboa: Companhia Editora do Minho, 1969.

LUQUET, Georges-Henri – O desenho infantil. Porto: Editora do Minho, 1969.

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MÈREDIEU, Florence de – O desenho infantil. 11ªed. São Paulo: Cultrix, 2006.

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66

MUNARI, Bruno – Fantasia. 2ªed. Lisboa: Editorial Presença, 1987.

PIAGET, Jean – A formação do símbolo na criança. Rio de Janeiro: Zahar, 1971.

PILLAR, Analice D. – Desenho e construção de conhecimento na criança. Porto Alegre:

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1995.

HURWITZ, Al; DAY, Michael – Children and Their Art. New York: Hoarcourt Brace

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HUYGHE, René – Sentido e destino da Arte. Lisboa: Edições 70, 1986.

RABELLO, Sylvio – Psicologia do Desenho Infantil. São Paulo: Companhia Editora

Nacional, 1935.

READ, Hebert – Educação Através da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1971.

RIDEAU, Alain – Conheça o seu filho. Lisboa: Ática, 1977.

RIOUX, George – Dessin et Structure Mentale. Paris: Presses Universitaires de France,

1951.

ROBERTSON, P. – The History of Childhood, Londres: Souvenir, 1976.

RODRIGUES, Dalila de Alte – A infância da arte, a arte da infância, Lisboa: Asa, 2002.

ROUSSEAU, Jean-Jacques – Emile, Nova Iorque: Basic Books, 1979.

SEUSS, Dr. – Oh, the Places You'll Go!. Nova Iorque: Random House, 1990.

SHULEVITZ, Uri – Writing with Pictures, Watson- Nova Iorque: Guptill Publications,

1997.

SILVEY, Anita – Children’s Books and Their Creators. Nova Iorque: Houghton Mifflin

Company, 1995.

STERN, Arno – Uma nova compreensão da arte infantil. Lisboa: Livros Horizonte,

1974.

WHITTON, Blair – Paper Toys of the World. Grantsville: Hobby House Press, 1986.

ZEEGEN, Lawrence – What Is Illustration?. Inglaterra: RotoVision, 2009.

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Catálogos:

BIENAL INTERNACIONAL DE ILUSTRAÇÃO PARA A INFÂNCIA, Barreiro,

2003 – Ilustrarte.

ENCONTRO SOBRE O LIVRO E O IMAGINÁRIO INFANTIL, 1, São Domingos de

Rana, 2006 – Farol de Sonhos, Katsumi Komagata.

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7. Anexos

Anexo A – Desenhos efectuados pelas crianças durante o atelier realizado

em França no colégio Claude Fauriel, da cidade de Saint-Étienne.

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Anexo B – Entrevista com Katsumi Komagata

De forma a chegar a um conhecimento mais aproximado sobre a vida profissional e das

motivações para o desenvolvimento da ilustração infantil por parte do autor Katsumi

Komagata, seguidamente são apresentadas as perguntas colocadas na entrevista feita a

este autor e que foi realizada no âmbito do presente trabalho. As respostas do autor

constam num texto construído pelo próprio, sobre a sua vida e trabalho e o qual se

encontra transcrito abaixo para uma melhor percepção, uma vez que a entrevista nos foi

concedida através da rede social facebook.

1 - You always felt fascination about children’s illustration and books?

2 - What makes you travel from the Japan to the United States?

3 - What inspires you to create your books?

4 - You have any rule witch you use in your work?

5 - Why it’s important the surprise in your work?

6 - What do you want to communicate when you illustrate to the children’s?

7 - Can you talk a little about the experience of your first children’s book?

8 - When did you felt the necessity of starting to create different illustrations to different

ages?

9 - For you, which are the essentials characteristics that a children’s book must have?

10 - What makes you use papers cut in yours workshops?

11 - I read that you were inspired by the work of Bruno Munari? What is his work that

inspires you the most?

12 - Which public you think it’s more exigent? Children’s or adults?

13 - Why did you decided to create your own publisher “One Stroke”?

14 - At last, what is your advice for someone who wants to be a children's illustrator?

Book as tool for communication - Katsumi Komagata

I started making books since I had my own baby and it was almost 23 years ago. It was

quite difficult to have communication with the baby at the beginning besides I couldn’t

live together with my father because of his illness so that I had no idea being father.

When my daughter became 3 months old, she started looking something. I was not sure

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whether she can see or not, but her eyes moved right to left and left to right. She also

started looking at me as if she was wondering who I am. The existence of the father is

less than mother for the baby because the mother and baby had lived together almost 9

months before the birth. So, I thought how I can tell her that I am her father then I came

up to make cards to get attention from her. I made lot of cards more than 100 cards to

show to my baby. At the beginning, I just wanted to make her eyes move to be sure if

she can see or not, then I realized this is the way to have communication with baby even

though the baby can’t understand any words at all, but it is more important to share the

something in between us and have fun. This will be first step for our communication

and we were surely getting known each other step by step.

I have been working on the books totally more than 20 titles and still go on. I always

try to make different way for each title. Some of them are not like general children’s

books so that people doubt if they are useful or not. Also some of them are too sensitive

to give them away so that people become hesitate. One of the main reason why I try

different way because I have been dealing with my daughter’s growing and I want to

give her surprise and really want to have fun with my daughter. Why I made such as

sensitive book because I want to tell my daughter that the things are breakable.

In generally, people try to give such as strong materials for children’s play. Of course if

the things are too easy to break up, they are not useful. However it is also important for

children to learn the things are breakable so that we take care to treat gently. If the page

of book got torn off by child, then we can fix it by taping or glue, then child will know

to treat gently and not rough. People are the same. We are also sensitive and will be hurt

so therefore we need communication to understand and trust each other.

I also have developing some workshop programs for family and this idea came when I

had first my own exhibit. During this exhibit, the director wanted to know how children

respond to my books and she set up many cards which were fold up and put them in a

carton box. Few days later, she showed me a lot of cards which were drawn by children

and they were obviously influenced by my books besides these activities were not

command and they did just freely.

Since that, I have been working on workshop and I have done so many times and so

many different places. I realized that we give just small hints then children get inspired

for their own creation. I also try to set up the rules so that children can learn how to

follow to the rules with fun. The places for the workshop are mostly library, museum,

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school, and so on. I think there is another door must be opened. Even some children

don’t like to read books, even some people are not good at drawing, even some students

don’t like to follow to the rules, We can have fun with creation at our workshop. I ask to

all the participants to cut papers and glue them together like paper collage so that they

don’t need to draw and they just feel free to express their own imagination and just need

to understand the rules at the beginning only.

I also worked on the projects for blind children and Sophie Curtil who is an artist and

also created Art Play Book series at the Pompidou center, she asked me to create tactile

book which is not only for blind children but also we can have fun and share it together.

I was not sure at the beginning but I came to Paris for the meeting with Sophie. She

showed me such a beautiful book which she worked on and I was so inspired and

decided to work on. I had already made one book which titled Plis et Plans and another

book Leaves was published in 2004.

My activity to create the books to my daughter seems to be end up because she became

15 years old. I keep all the books which she used to play as the one Bruno Munari’s

book Prebooks, Leo Leonni, It’s Mine!. They are all damaged but I will give them back

to my daughter when she will get married. I think the books remind us our memories

and stay with us for good.

Recently my daughter asked me if I keep up creating books more for children with a lot

of surprising and fun. And I answered “I will”. Communication means to share

something by reading book, playing toys, and creating works together.

Let try to share these activities with children and adult. But if they are too childish the

adults may not be interested and if they are forcing too much, then the children will run

away.

Let put small hints to make them read, play, and work so that people could come up

their own imagination freely. Children, they are very eager to know and to absorb many

things.

We, adult could do just to inspire them and give them small hints so that children get

interested in their motivation.

I found Munari's work called Prebooks in 1981 at the book store while I was in New

york and worked as a graphic designer. At the beginning, I was not quite sure the books

was made for children but they are very attractive and looks interesting to me. Since I

had my own child, I have started to make the books with her because I want to share and

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develop our communication. I showed the book of Prebooks to her and she played a lot

and had great fun. I found that Munari is really genius to tell the essence of the things

for not only children but also adults too. He did not say in difficult way and showed us

very simple and smart with a lot of fun and entertainment.

These days there are computer system developed so quickly and they are very

convenient.

I am sure that the children get computer and play with it soon. We really have to care

about physical contact for children. For instance, it is easy to push the keys on computer

and get excitement. But the things are fragile and breakable and people are too.

I think that children have to learn these matter and to become treat the things gently.

Facing the papers as reading books or creating something. Papers are fragile and they

will get torn easily if the child treat roughly. Children are getting to know this matter

and learn how the things have to be handled.

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1

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

DO DESENHO À ILUSTRAÇÃO INFANTIL

(anexo)

Marta Sofia Diogo Ribeiro

MESTRADO EM DESENHO

2011

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2

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

DO DESENHO À ILUSTRAÇÃO INFANTIL

(anexo)

Marta Sofia Diogo Ribeiro

MESTRADO EM DESENHO

Dissertação orientada pelo Professor Doutor Pedro Saraiva

2011

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3

Capítulo IV

Trabalho Prático “Fábula de La Fontaine. O Leão vai à Guerra”

Estes trabalhos realizados, aquando da nossa estadia em França, são da autoria das

crianças de 11 anos do atelier do Colégio Claude Faurier, de Saint-Étienne.

A ilustração que as crianças observaram foi, “O Leão vai à Guerra” de Marc Chagall.

Esta imagem faz parte das Fábulas de La Fontaine, e por se tratar de uma elaborada

gravura, com diversos componentes gráficos estimulou o visual, levando as crianças a

“fantasiar” durante a sua observação.

Fig.1 – Marta Ribeiro, Livro “ O olhar infantil face à ilustração de Marc Chagall” realizado após o atelier

com as crianças do Colégio Claude Faurier de Saint- Étienne, 2011

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4

“A fantasia é a faculdade mais livre de todas: Com efeito, pode não ter em conta a

visibilidade ou o funcionamento daquilo que pensou. Tem a liberdade de pensar

qualquer coisa, mesmo a mais absurda, incrível ou impossível.”

Bruno Munari

Fig.2 - Marc Chagall, O Leão vai à Guerra, Fables de La Fontaine, 1952, gravura.

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5

Desenhos elaborados pelas crianças a partir da ilustração de

Marc Chagall “O Leão vai à Guerra”

Fig.2 – Sala de aula do Colégio Faurier, Saint-Étienne

.

Fig.3 – Desenhos feitos pelas crianças, grafite.

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8

-

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