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i TEORIA GERAL DO NEGÓCIO JURÍDICO Sumário: 6.1 Fatos, atos e negócios jurídicos. Conceitos iniciais - 62 Do ato jurídico em sentido estrito ou ato jurídico strícto sensu - 6.3 Do negócio jurídico: 6.3.1 Principais classificações dos negócios jurídicos; 6.3.2 Os elementos constitutivos do negócio jurídico - 6.4 Resumo esquemático - 6.5 Questões correlatas. 6.1 FATOS, ATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS. CONCEITOS INICIAIS Um dos pontos primordiais para entender as relações jurídicas é conhecer profundamente os conceitos basilares de Direito Pri vado, quais sejam as concepções de fato, ato e negócio jurídico. Esses conceitos, aliás, nào interessam somente ao Direito Civil, mas também à Teoria Geral do Direito. Para a compreensão do âmbito jurídico, tais construções são ferramentas básicas que devem sempre ser usadas pelos estudiosos do direito, principalmente por aqueles que se preparam para as provas de graduação, de pós-graduação e para os concursos públicos. Inicialmente, é interessante conhecer o conceito de fato, que significa qualquer ocorrência que interessa ou não ao direito, ao âmhito Jurídico. Dentro desse mundo dos fatos, surgem os fatos nao

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TEORIA GERALDO NEGÓCIO JURÍDICO

Sumário: 6.1 Fatos, atos e negócios jurídicos. Conceitos iniciais- 62 Do ato jurídico em sentido estrito ou ato jurídico stríctosensu - 6.3 Do negócio jurídico: 6.3.1 Principais classificaçõesdos negócios jurídicos; 6.3.2 Os elementos constitutivos donegócio jurídico - 6.4 Resumo esquemático - 6.5 Questõescorrelatas.

6.1 FATOS, ATOS E NEGÓCIOS JURÍDICOS. CONCEITOSINICIAIS

Um dos pontos primordiais para entender as relações jurídicasé conhecer profundamente os conceitos basilares de Direito Privado, quais sejam as concepções de fato, ato e negócio jurídico.Esses conceitos, aliás, nào interessam somente ao Direito Civil, mastambém à Teoria Geral do Direito. Para a compreensão do âmbitojurídico, tais construções são ferramentas básicas que devem sempreser usadas pelos estudiosos do direito, principalmente por aquelesque se preparam para as provas de graduação, de pós-graduação epara os concursos públicos.

Inicialmente, é interessante conhecer o conceito de fato, quesignifica qualquer ocorrência que interessa ou não ao direito, aoâmhito Jurídico. Dentro desse mundo dos fatos, surgem os fatos nao

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jurídicos, que não nos interessam como objeto de estudo, e os jatosjurídicos; qualquer ocorrência com repercussão para o direito, ouseja. jatos com repercussões jurídicas. Como bem elucida FranciscoCavalcanti Pontes de Miranda, o mundo jurídico nada mais é doque o mundo dos jatos jurídicos:

"Tudo que aqui pudéssemos dizer nào seria mais do que resumocio que se expôs na Introdução. O mundo jurídico confina com omundo dos fatos (materiais, ou enérgicos, econômicos, políticos, decostumes, morais, artísticos, religiosos, científicos), donde as múltiplasinterferências de um no outro. O mundo jurídico nào é mais do queo mundo dos fatos jurídicos, isto é. daqueles suportes fácticos quelogram entrar no mundo jurídico. A soma. tecido ou aglomerado desuportes táticos que passaram à dimensão jurídica, ao jurídico, é omundo jurídico. Nem todos os fatos jurídicos sào idênticos. Dondeo problema inicial de os distinguir e de os classificar.

O fato jurídico provém do mundo tático, porém nem tudo que ocompunha entra, sempre, no mundo jurídico. A entrada no mundodo direito, selecionam-se os fatos que entram. É o mesmo dizer--se que à soma dos elementos do que. no mundo tático, teríamoscomo fato. ou como complexo de fatos, nem sempre correspondesuporte tático de regra jurídica: no dizer o que é que cabe nosuporte fático da regra jurídica, ou. melhor, no que recebe a suaimpressão, a sua incidência, a regra jurídica discrimina o que háde entrar e. pois. por omissão, o que nào pode entrar" (Tratado....1974. t. II. p. 183).

Também amparando os conceitos na doutrina, consignem-se aspalavras de Sílvio de Salvo Venosa para quem "são fatos jurídicostodos os acontecimentos que, de forma direta ou indireta, ocasionam efeito jurídico. Nesse contexto, admitimos a existência de fatosjurídicos em geral, em sentido amplo, que compreendem tanto osfatos naturais, sem interferência do homem, como os fatos humanos,relacionados com a vontade humana" (Direito civil. Parte geral....2003, p. 365).

Assim, os fatos jurídicos podem ser subdivididos emfatos naturais e humanos. O Código Civil de 2002 dedica o Livro III da ParteGeral aos fatos jurídicos, tratando, a partir do art. 104. especificamente,do negócio jurídico. De qualquer forma, conforme será exposto, osnegócios jurídicos são fatos jurídicos, o que acaba justificando essetratamento. Vejamos tais conceitos no quadro a seguir:

Fatos

jurídicos

Cap. 6 - TEORIA P,FRAL_DO NEGÓCIO JURÍDICO,

Fatos naturais

Fatos humanos

Ordinários

Extraordinários

Lícitos

(atojurídico /atosensu)

lícitos

Alo|uridicosfr/ctosensu,

Negócio jurídico.

Ato-ía.o jurídico.

321

O fato jurídico natural à aquele que independe da atuaçãohumana podendo ser conceituado também como fato juríd.co stricto*Zu Mesmo nào havendo oelemento volitivo, oíato natural produz efeitos jurídicos com o objetivo de criação, alteração ou mesmoextinto de direitos edeveres (PONTES DE MIRANDA. FranciscoCavalcanti. Tratado..., I974, tomo li. p. 187).

Ofato jurídico stricto sensu pode ser classificado da seguinte:

a) Fato jurídico natural ordinário - éoevento natural previsívele comum de" ocorrer, como é o caso da morte, do nascimema dodecurso de prazo, da prescrição e da decadência. Oque se pe cbportanto, éque ofato jurídico natural ordinário sofre forte influenciado elemento tempo.

b) Fato jurídico natural extraordinário - éoevento decorrenteda natureza, como o caso fortuito (evento totalmente 'mprev.s.veOou a força maior (evento previsível, mas inevitável ou wesistrvef).Como exemplo de caso fortuito pode ser Cada uma J™£alienígenas na cidade de São Paulo. Como exemple> dfoi-.a maior.uma enchente acometendo uma cidade do interior de Minas Gerais,onde a enchente nào é comum, pois nunca ocorreu.

Nào existe unanimidade doutrinária ou jurisprudência! quanto à conceituacâo de caso fortuito e força maior, sendo certo quseguimos, nas diferenças apontadas, os ensinamentos de OrlandoGomes {Obrigações.... 2003. p. I7« e de Sérgio «^ „(Programa . 2003. p. 84). Essa diferenciação pode sei letuacU oa -393. parágrafo único, do CC. pelo qual: "O caso fortu to ou

de força maior verifica-se no lato necessário, cujos efetos naopossível evitar ou impedir". Como se vê, od.spositivo eva emçona inevitobilidade ea irresistibilidade do evento. ..ao considera*»ele decorre da natureza ou de fato humano.

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Entretanto, alguns autores, como Amoldo Wald, têm entendimento pelo qual tais conceitos seriam, pelo Direito Civil brasileirosinônimos (Curso..., 2000, p. I4l). Também no âmbito jurispruden-cial, alguns julgados tratam o caso fortuito e a força maior comoexpressões sinônimas. A título de ilustração:

"Recurso especial. Administrativo. Responsabilidade civil doestado. Acidente em buraco (voçoroca) causado por erosão pluvial.Morte de menor. Indenização. Caso fortuito e força maior. Inexistência. Segundo o acórdão recorrido, a existência da voçorocae sua potencialidade lesiva era de 'conhecimento comum', o queafasta a possibilidade de eximir-se o Município sob a alegativa decaso fortuito e força maior, já que essas excludentes do dever deindenizar pressupõem o elemento 'imprevisibilidade'. Nas situaçõesem que o dano somente foi possível em decorrência da omissãodo Poder Público (o serviço nào funcionou, funcionou mal outardiamente), deve ser aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva. Se o Estado não agiu, nào pode ser ele o autor do dano.Se nào foi o autor, cabe responsabilizá-lo apenas na hipótese deestar obrigado a impedir o evento lesivo, sob pena de convertê-loem 'segurador universal'. Embora a municipalidade tenha adotadomedida de sinalização da área afetada pela erosão pluvial, deixoude proceder ao seu completo isolamento, bem como de provercom urgência as obras necessárias à segurança do local, fato quecaracteriza negligência, ensejadora da responsabilidade subjetiva"(STJ, REsp 135.542/MS, Rei. Ministro Castro Meira. 2.a Turma,j. 19.10.2004. DJ 29.08.2005 p. 233).

Ao lado do fato natural, ou fato jurídico stricto sensu, há o fatojurídico humano. Parte da doutrina denomina o fato humano comojato jurígeno, pela presença da vontade humana (elemento volitivo),incluindo os atos lícitos e os ilícitos (VENOSA, Sílvio de Salvo.Direito civil..., 2003, v. I, p. 366). O fato humano ou jurígeno podeser assim classificado:

a) Ato jurídico em sentido amplo ou ato jurídico lato sensu -também denominado ato voluntário e que também possuiimportante subclassificaçào, conforme será ainda analisado.

b) Ato ilícito - é a conduta voluntária ou involuntária que estáem desacordo com o ordenamento jurídico. O ilícito pode serpenal, administrativo ou civil, havendo independência entreessas três esferas, o que pode ser percebido pela leitura daprimeira parte do art. 935 do CC ("a responsabilidade civil

Cap. 6 - TEORIA GERAL DO NEGÓCIO JURÍDICO 323

independe da criminal"). Essa independência, no entanto, nàoé absoluta, mas relativa, pois uma conduta pode influir nastrês órbitas, como ocorre em um acidente de transito ou nodano ambiental. O conceito de ato ilícito consta do art. 186do atual Código, pelo qual "Aquele que, por ação ou omissãovoluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causardano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete atoilícito". Esse dispositivo tem estudo aprofundado no próximovolume desta coleção, que trata da responsabilidade civil(TARTUCE, Flávio. Direito civil.... 2011. v. 2).

Este autor está filiado ao entendimento pelo qual o ato ilícitonào é ato jurídico, pois este deve ser necessariamente lícito.

Seguindo essa corrente e citando doutrina para amparar seuentendimento (Orosimbo Nonato, Vicente Ráo, Pablo Stolze e RodolfoPamplona). ensina Zeno Veloso que:

"A nosso ver, embora gerando efeitos jurídicos, o ato ilícito nàodeve se chamado de ato jurídico, que. por definição, é licito. Porém,pelos efeitos jurídicos que enseja, o ato ilícito, sem dúvida, é umfato jurídico (em sentido lato). Oato ilícito, ou contrár.o ao direito, ejurídico, à medida em que provoca um efeito jurídico, fazendo nasceruma responsabilidade civil, base de uma obrigação de ressarcir, deindenizar, a cargo do autor, e de um crédito atribuído à vitima, aolesado, podendo também dele resultar outra espécie de responsabilidade, a criminal. Mas gera confusão chamar o ato ilícito 'ato jurídico',só por causa dos efeitos jurídicos que proporciona. Virtude e crimetêm efeitos jurídicos e nem por isto recebem a mesma denominação.E. se nos permitem o exemplo, nào se pode. só porque ambas têmasas. e voam. chamar pelo mesmo nome a borboleta e a andorinha'(Invalidado.... 2005. p. 15).

Conclui-se. por tais palavras, que o ato ilícito é fato jurígeno.pela presença da vontade humana, mas nào constitui ato jurídicoem sentido amplo.

Entretanto, frise-se que alguns autores, caso de Silvio Venosa, têmentendimento contrário (Direito civil..., 2003. v. 1. p. 366). opinandoque o ato ilícito também é ato jurídico. No mesmo sentido. José Lai-los Moreira Alves, relator do anteprojeto da Parte Geral do CódigoCivil (A parte geral do Projeto de Código Civil.... 2003) e Pontesde Miranda (Tratado de direito privado.... t. II. 1974. p. 447).

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Como ficou claro, este autor fica com o primeiro posicionam,to: oato il.c.to nào constitui ato jurídico, pois oQue\ ZThI'nao e jurídico. Todavia, a questão é controvertida miJun^o

O Código Civil de 2002 compara a verdadeiro ato ilícito ,conduta da pessoa que excede um direito que possui comlVmanifestamente ofim sócia, ou econômico de u^HEíSou os bons costumes. Consagra, assim, oatual Código Civil a tltàoobusode direito como ato ilícito, conforme previsto no seu «

staXT(mRTUCE <^.°?**>™ P™™ volumeuesia coieçao (1AKIUCE, Flavio. Direito civil..., 2012, v. 2)Superados tais conceitos, parte-se, agora, á análise do ato iu

ndico lato sensu, que pode ser assim subclassificado:

- Ato jurídico em sentido estrito (ou ato jurídico stricto sensu)- configura-se quando houver objetivo de mera realização davontade do titular de um determinado direito, não havendoa criação de instituto jurídico próprio para regular direitos edeveres, muito menos composição de vontade entre as partesenvolvidas. No ato jurídico stricto sensu os efeitos da manifestação de vontade estão predeterminados pela lei. Podemser citados como exemplos de atos jurídicos stricto sensu aocupação de um imóvel, o pagamento de uma obrigação e oreconhecimento de um filho.

- Negócio jurídico - é o fato jurídico, com elemento volitivoqualificado, cujo conteúdo seja lícito, visando a regular direitos e deveres específicos de acordo com os interesses daspartes envolvidas. Diante de uma composição de vontade departes, que dita a existência de efeitos, há a criação de uminstituto jurídico próprio, visando a regular direitos e deveres.A expressão tem origem na construção da negação do ócioou descanso (neg + otium). ou seja, na idéia de movimento.Como faz Antônio Junqueira de Azevedo, pode-se afirmarque o negócio jurídico constitui o principal exercício da autonomia privada, da liberdade negociai. Para o doutrinador,"/// concreto, negócio jurídico é todo fato jurídico consistenteem declaração de vontade, a que todo o ordenamento jurídicoatribui os efeitos designados como queridos, respeitados ospressupostos de existência, validade e eficácia impostos pelanorma jurídica que sobre ete incide" (Negócio jurídico...,2002, p. 16). Ou ainda, como quer Álvaro Villaça Azevedo,

Cap. 6 - TEORIA GERAL DO NEGÓCIO JURÍDICO 325

no negócio jurídico "as partes interessadas, ao manifestaremsua vontade, vinculam-se, estabelecem, por s. mesmas normasregulamentadoras de seus próprios interesses" (AZLVtDO,Álvaro Villaça. Teoria..., 2012, p. 169). Onegócio jurídico eoponto central principal da Parte Geral do Código Civil, sendoo seu conceito vital para conhecer o contrato e o casamento,seus exemplos típicos. Relembre-se que a origem da palavravem de neg ócio, ou seja, negação do ócio. Assim, ha umaidéia de movimento no instituto.

Além dos conceitos apontados, alguns autores defendem aindaa existência do denominado ato-fato jurídico, um fato jurídico qualificado por uma atuação humana, por uma vontade não relevantejuridicamente. Sobre essa categoria, merecem destaque as palavrasde Sílvio de Salvo Venosa:

"Nesse caso, é irrelevante para o direito se a pessoa teve ounão a intenção de praticá-lo. O que se leva em conta e o efeitoresultante do ato que pode ter repercussão jurídica, inclusive ocasionando prejuízos a terceiros. Como dissemos, toda a seara da teoriados atos e negócios jurídicos é doutrinária, com muitas opiniõesa respeito Nesse sentido, costuma-se chamar à exemphficaçao osatos praticados por uma criança, na compra e venda de pequenosefeitos. Não se nega, porém, que há um sentido de negocio jurídicodo infante que compra confeitos em um botequim. Ademais emque pese à excelência dos doutrinadores que sufragam essa doutrina 'em alguns momentos, torna-se bastante difícil diferenciar oato-fato jurídico do ato jurídico em sentido estrito categoria abaixoanalisada. Isso porque, nesta última a despeito de atuar a vontadehumana, os efeitos produzidos pelo ato encontram-se previamentedeterminados pela lei, não havendo espaço para a autonomia davontade' (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO. 2002: 306)" (Direitocivil. Parte geral..., 2003. p. 367).

Ao tratar dos atos-fatos jurídicos, Pontes de Miranda desenvolveo conceito de atos-reais, nos seguintes termos:

"Os atos reais, ditos, assim por serem mais dos fatos, das coisas,que dos homens - ou atos naturais, se separamos natureza e psique^ou atos meramente externos, se assim os distinguirmos, por abstraíremeles do que se passa no interior do agente - sào os atos humanosa cujo suporte fático se dá entrada, como fato jurídico, no mundo

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jurídico, sem se atender, portanto, a vontade dos aeentes- s-io-atos jundicos Nem e preciso que haja querido ajurididzaçàcda?"ncn. cjortiori, a nradiaçào de efeitos. Nos atos reais, a vontade ?'e elemento do suporte fático (= o suporte tático seria uficien/ ?°sem ela, Exemplos de ato, reais. São os principais «oZs*T<o™da de posse ou aquisição da posse, bj atransmissão daZ e! ,a»**W t, oaW™„ llaposse: d) 0Anotou do tefoZ P"

«/ aW,/W„, (rw(/é * efeto /,,/V^..., 1974. t. II. p/373)

Relativamente a essa categoria jurídica, é de se concordar i«egralmente com as palavras de Sílvio Venosa. Na verdad o Zedenomina ato-fato jurídico pode se enquadrar no conceito de Zjund.eo. no de ato jurídico stricto sensu. ou mesmo no de ££

jurídico. Desse modo, cabe análise caso a caso pelo estudioso doAfeito Oconceito e mutante, metamorjo. ou nômade, pod ndo senquadrar em outras categorias jurídicas.

Ilustrando, o exemplo da criança que compra um confeitomuma padaria seria de um negócio jurídico, até porque aToa-fé

P,UTeS f prescrvada- ° estudado Enunciado n. 138 doCJF/STJ aprovado na /// Jornada de Direito Civil, aponta que avontade dos menores absolutamente incapazes pode ser juridicamenterelevante se eles demonstrarem discernimento bastante'para tanto.

Outro exemplo apontado como sendo de ato-fato jurídico é oachado de um tesouro que não está sendo procurado, o que gerariauma posse como ato-fato jurídico. Nesse caso. há. em nossa opi-mao. um ato jurídico, pois decorre da vontade humana. Vale lembrarque o achado do tesouro continua tratado pelo Código Civil, entreos seus arts. 1.264 a 1.266. Pelo primeiro dispositiva o tesouro éconceituado como "O depósito antigo de coisas preciosas, oculto, eae cujo dono nào haja memória".

Superada essa analise conceituai inicial, passa-se. pela ordem,ao estudo especifico do ato jurídico stricto sensu e do negóciojurídico.

6.2 DO ATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO OU ATOJURÍDICO stricto sensu

Conforme foi analisado, no ato jurídico em sentido estrito háuma manifestação de vontade do agente, mas as suas conseqüências

Cap. 6 - TEORIA GERAL DO NEGÓCIO JURÍDICO 327

o as previstas em lei e não na vontade das partes, ausente qualquer composição volitiva entre os seus envolvidos. Ademais, nãohá criação de um instituto jurídico próprio, visando a regulamentarinteresse das partes.

Como bem ensina Marcos Bernardes de Mello, destacado intérprete da obra de Pontes de Miranda, o ato jurídico stricto sensué um "fato jurídico que tem por elemento nuclear do suporte fático

manifestação ou declaração unilateral de vontade cujos efeitosjurídicos são prefixados pelas normas jurídicas e invariáveis, nãocabendo às pessoas qualquer poder de escolha da categoria jurídica0u de estruturação do conteúdo das relações respectivas" (Teoria dojato.... 1995, p. 137).

Um bom exemplo de ato jurídico stricto sensu. visando adiferenciá-lo do negócio jurídico, é o reconhecimento de um filho.Imagine-se que uma pessoa teve um filho fora do casamento e, comopai, queira reconhecê-lo. Com o reconhecimento surgem efeitos legais,como o direito do filho usar o nome do pai. o dever do último deprestar alimentos, direitos sucessórios, dever de apoio moral, entreoutros. Sendo reconhecido um filho, os efeitos decorrentes do atonão dependem da vontade da pessoa que fez o reconhecimento, masda lei. da norma jurídica. Como é notório, não pode o pai limitaresses direitos decorrentes de lei. Sendo assim, prevê o art. 1.613 doCC que o reconhecimento de filho nào pode ter eficácia sujeita acondição ou a termo. A titulo de exemplo, não pode o suposto paidizer que reconhecerá um filho se não tiver que pagar alimentos.

O pagamento direto de uma obrigação também constitui umtípico ato jurídico em sentido estrito. A obrigação já existia anteriormente, cabendo ao devedor pagá-la a fim de eximir-se do vínculo deladecorrente e das conseqüências advindas do inadimplcmento. comoa responsabilidade patrimonial consagrada no art. 391 do CC. Como pagamento, ausente qualquer composição de vontades, o devedorlivra-se desse vínculo.

Por fim. a ocupação de um imóvel do mesmo modo é umato jurídico stricto sensu. O imóvel já existe, havendo no ato deocupação efeitos de origem puramente legal. Preenche-se um espaço vazio, simbologia que demonstra muito bem o ato jurídicoem sentido estrito. Assim, para este autor, ao contrário do queaduz Pontes de Miranda, a ocupação, como tomada da posse, nãoconstitui um ato-fato jurídico (ato real), mas um ato jurídico emsentido estrito.

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O ato jurídico stricto sensu constitui um fato jurídico, bemcomo um fato jurígeno, pela presença do elemento volitivo. Constitui também um ato jurídico lato sensu. Pode-se afirmar que o atojurídico stricto sensu está previsto no art. 185 do CC/2002, pe|0qual: "Aos atos jurídicos lícitos, que nào sejam negócios jurídicosaplicam-se, no que couber, as disposições do Título anterior". Dessemodo, as regras que serão expostas quanto ao negócio jurídico, apartir de agora, devem ser aplicadas também aos atos jurídicos emquestão. Ilustrando, pode-se sustentar a anulabilidade do pagamentodireto pela presença de um vício do consentimento.

6.3 DO NEGOCIO JURÍDICO

O negócio jurídico é uma espécie do gênero ato jurídico emsentido amplo (lato sensu), constituindo ainda um fato jurídico, particularmente um fato jurígeno, pela presença da vontade.

Esse instituto pode ser conceituado como sendo toda a açãohumana, de autonomia privada, com a qual os particulares regulampor si os próprios interesses, havendo uma composição de vontades,cujo conteúdo deve ser lícito. Constitui um ato destinado à produção de efeitos jurídicos desejados pelos envolvidos e tutelados pelanorma jurídica.

O negócio jurídico típico é o contrato, concebido como umnegócio jurídico bilateral ou plurilateral que visa à criação, à modificação ou à extinção de direitos e deveres, com conteúdo patrimonial- conceito clássico ou moderno retirado do art. 1.321 do CódigoCivil Italiano de 1942. É imperioso repetir que todo contrato constitui negócio jurídico, sem exceção; o que justifica a importância dateoria geral do negócio jurídico para a seara contratual.

Dessa forma, o negócio jurídico é o principal instrumento queas pessoas têm para realizar seus interesses, sendo relevante salientar a importância da Parte Geral do Código Civil para a própriaconcepção do contrato.

Quando se estudam os elementos do negócio jurídico igualmentese estudam os elementos do contrato. Os vícios do negócio jurídicotambém são vícios contratuais. Os casos de nulidade ou anulabilidadedo negócio geram o contrato nulo e anulável, respectivamente.

Cap. 6- TF^Tgfg^00 NEGÓCIO JURÍDICO

Além do contrato, ocasando^~J^" Znegócio jurídico, especial " *^' ^ ,á Jponlo centralisso, é costume afirmar que o negocio junuiv,An Direito Civil Contemporâneo.

*"'.a doutnna renovada, ^J^Jf^^^P? »,eoria do negócio jurídico, desenvolvida brilhantemente pelosC'aSS, !nn oassado sem aNecessária advertência de que mintas dessas

SSS2K-^«SÜS era rigidamente mu,ave,?"(Novo..., 2003, p. 315). , , -

Ora conforme é abordado nos demais volumes desta coleção.

pelas quais passou o mundo civilizado.Relativamente aos negócios patrimoniais ^<™£<°J>-

KSl. «~«- «*>* fUt0acr'dose —ôobjetiva, trouxeram uma nova forma de visualização dos contratos.Oceme principal do negócio, amanifestação da.vontade^heu

um verdadeiro impacto, apontando alguns autores qu« Pra 1C""moossível hoje a sua manifestação inequívoca e plena. Na prattca.51os pactos de adesão, ocorrendo adenom.nada.estonda,-dizaçâo contratual. Porque hoje se tornaram raras as ™«»ede vontade plenas e inequívocas nos contratos em gera chegaramaiJnY autores a apontar a morte ou a crise dos contratos. Mas naveTde o ontaufnào tende adesaparecer, estando em seu apoge*Essa «oressão crise não significa derrota, mas, mudança de estruturaf^RTUCE Fia' ia Fttnçàl social.... 2007). Ejustamente isso que£mTon-endo com os contratos enegócios jur, icos em gr Ma

civil.... 2012, v. 3).

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E basilar perceber que o Código Civil de 2002, nesse pontodistante da simplicidade, não buscou conceituar tanto o ato jurídicostricto sensu quanto o negócio jurídico, demonstrando somente quaissao os seus elementos estruturais (art. I04 do CC). Assinala-se queo Código Civil de I916 conceituava o ato jurídico em seu art 81da seguinte forma: "Todo o ato lícito, que tenha por fim imediatoadquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos sedenomina ato jurídico". Esse conceito, apesar de não mais constarda atual codificação, ainda pode ser utilizado para fins categóricosdidáticos e metodológicos.

Na atual codificação também não constam as principais classificaçõesdos negócios jurídicos, matéria doutrinária que se passa a estudar.

6.3.1 Principais classificações dos negócios jurídicos

Aclassificação do negócio jurídico tem como objetivo enquadrarum determinado instituto jurídico, bem como demonstrar a naturezajurídica do mesmo. Busca-se, assim, o que se denomina como cate-gorizaçào jurídica. Pelo que consta no art. 185 da atual codificação,as classificações a seguir servem tanto para os negócios quanto paraos atos jurídicos stricto sensu.

Vejamos os principais enquadramentos de tais institutos:

I) Quanto às manifestações de vontade dos envolvidos:

• Negócios jurídicos unilaterais - são aqueles atos e negóciosem que a declaração de vontade emana de apenas uma pessoa,com um único objetivo. São exemplos de negócios jurídicosunilaterais o testamento, a renúncia a um crédito e a promessade recompensa.

Os negócios unilaterais podem ainda ser classificados emrecepticios - aqueles em que a declaração deve ser levadaa conhecimento do seu destinatário para que possa produzirefeitos - e em não recepticios - em que o conhecimento pelodestinatário é irrelevante. Apromessa de recompensa está dentrodos primeiros e o testamento, dos últimos.

• Negócios jurídicos bilaterais - são aqueles em que há duasmanifestações de vontade coincidentes sobre o objeto ou bemjurídico tutelado. O negócio jurídico bilateral por excelência

Cap. 6 - TEORIA GERAL DO NEGÓCIO JURÍDICO 331

r

é o contrato. Repita-se, portanto, que os contratos sào semprenegócios jurídicos, pelo menos bilaterais.

• Negócios jurídicos p/urilaferais - são os negócios jurídicosque envolvem mais de duas partes, com interesses coincidentesno plano jurídico. Exemplos de negócio jurídico plurilateralsão o contrato de consórcio e o contrato de sociedade entrevárias pessoas.

II) Quanto às vantagens patrimoniais para os envolvidos:

• Negócios jurídicos gratuitos - sào os atos de liberalidade, queoutorgam vantagens sem imporao beneficiado a obrigação de umacontraprestação. Nào envolvem, portanto, sacrifício patrimonial detodas as partes, situações em que uma parte só tem vantagens,nào assumindo deveres. Exemplo é o contrato de doação pura.

° Negócios jurídicos onerosos - são os atos que envolvem sacrifícios e vantagens patrimoniais para todas as partes no negócio,como é o caso dos contratos de locação e de compra e venda. Noprimeiro caso a remuneração é o aluguel, no segundo, o preço.

Aqui. a doutrina aponta mais duas outras modalidades de negócios (GAGLIANO. Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO. Rodolfo.Novo.... 2003. p. 323), que devem ser consideradas:

• Negócios jurídicos neutros - são aqueles em que nào há umaatribuição patrimonial determinada, nào podendo ser enquadrados como gratuitos ou onerosos, caso da instituição deum bem de família voluntário ou convencional (arts. 1.711a 1.722 do CC).

° Negócios jurídicos bifrontes - sào aqueles que tanto podem sergratuitos como onerosos, o que depende da autonomia privada, da intenção das partes. Podem ser citados os contratos dedepósito e de mandato, que podem assumir as duas formas,pela presença ou não da remuneração.

III) Quanto aos efeitos, no aspecto temporal:

• Negócios jurídicos inter vivos - são aqueles destinados a produzir efeitos desde logo. isto é. durante a vida dos negociantes