183
 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ MICHELE BATISTA PEREIRA DO PRÓXIMO AO DISTA NTE: A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE ESPAÇO GEOGRÁFICO EM CRIANÇAS DO ENSINO FUNDA MENTA L CURITIBA 2008 

Do Próximo Ao Distante - A Construção Do Conceito de Espaço Geográfico Em Crianças Do Ensino Fundamental

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Dissertação de mestrado que foi desenvolvida para analisar, através da análise de mapas mentais, como ocorre o processo de construção da noção de espaço em crianças do ensino fundamental.

Citation preview

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    MICHELE BATISTA PEREIRA

    DO PRXIMO AO DISTANTE: A CONSTRUO DO CONCEITO DE ESPAO GEOGRFICO EM CRIANAS DO

    ENSINO FUNDAMENTAL

    CURITIBA 2008

  • MICHELE BATISTA PEREIRA

    DO PRXIMO AO DISTANTE: A CONSTRUO DO CONCEITO DE ESPAO GEOGRFICO EM CRIANAS DO

    ENSINO FUNDAMENTAL

    Dissertao de mestrado, apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia, do Setor de Cincias da Terra, da Universidade Federal do Paran.

    Orientadora: Salete Kozel

    CURITIBA 2008

  • Dedico este trabalho a todos aqueles que esperaram, escutaram, ouviram, rezaram, opinaram e torceram

    por mim.

  • AGRADECIMENTOS

    Em primeiro lugar a Deus, pelas oportunidades, dificuldades, inspiraes,

    pessoas, msicas, enfim tudo aquilo que fez parte de minha vida nestes ltimos

    anos.

    Ao meu esposo Mrcio que compartilhou comigo as alegrias e tristezas deste

    mestrado, e soube estar ausente e presente nos momentos certos.

    equipe administrativa e pedaggica do CEI Pedro Dallabona pela

    oportunidade de pesquisar, estudar e trabalhar no primeiro ano deste mestrado; Aos

    professores e alunos desta unidade de ensino, aos primeiros pela torcida,

    companheirismo e apoio e aos segundos pela participao no desenvolvimento

    desta pesquisa. Em especial amiga (irm de corao) Joelise, pelo apoio,

    dedicao e torcida.

    Prefeitura Municipal de Curitiba que me proporcionou a oportunidade de

    dedicao exclusiva por um ano, atravs de licena com vencimentos.

    minha me Jane que sempre se preocupa com o meu bem estar e reza

    muito por mim.

    minha cunhada Josiane pelos conselhos, dicas, apoio e incentivo.

    Aos primos Leandro e Aline pela ajuda com as coisas mais concretas.... livros,

    scanner, computador....

    prima e irm Cris pelas muitas conversas que tivemos sobre a vida e sobre

    o mestrado, e pelo apoio e, sobretudo, escuta, das diversas idias que tive at

    chegar a uma nica opinio, que se fez concreta nesta pesquisa, e tambm pelas

    muitas pginas impressas.

    tia e me Nia, pelo apoio, dedicao, escuta e comidinhas...

    A todos os colegas do mestrado, de todas as disciplinas cursadas, pela

    recarga de energia, troca de materiais, idias e aflies.

    Anglica, amiga e colega, que se fez presente nas caronas, vira-voltas de

    nibus, telefonemas, longas, longas mesmo, conversas, verdadeiras aulas sobre

    fenomenologia, Dardel, Kant.... e tantos outros assuntos que tratamos.

    A todos os professores do Programa de Ps-Graduao em Geografia, da

    UFPR, em especial, Salete Kozel, que me ofereceu toda autonomia para gerir este

  • trabalho, porm com sbios puxes de orelha que me traziam de volta para a

    Geografia, para o meu trabalho.

    Agradeo tambm a Francisco Mendona e Silvio Fausto Gil Filho, que

    participaram da minha qualificao e contriburam com vlidas e sbias

    consideraes.

    Luiz Carlos Zem, ou apenas Zem pela amizade, prontido e pelos muitos

    galhos quebrados.

    Aos colegas de mestrado que cuidam do CDM, que embora no sabendo se

    tem, ou onde est esto sempre dispostos a ajudar.

    psicloga Valria, que me acompanhou ao longo da gestao e parto desta

    pesquisa.

    Aos amigos da natao/hidro presentes nos poucos momentos de

    desestress e comilana, bem como nas reflexes, desabafos e euforias deste

    perodo.

    Aos amigos encarnados e desencarnados da SER, pelo incentivo e presena,

    mesmo que virtual.

    Enfim, agradeo a todos que ajudaram de alguma forma na realizao desta

    pesquisa.

  • Voc no sabe O quanto eu caminhei

    Pr chegar at aqui Percorri milhas e milhas

    Antes de dormir Eu nem cochilei

    Os mais belos montes Escalei

    Nas noites escuras De frio chorei, ei , ei

    Ei! Ei! Ei! Ei! Ei!...

    A vida ensina E o tempo traz o tom

    Pr nascer uma cano Com a f do dia-a-dia

    Encontro a soluo Encontro a soluo...

    Quando bate a saudade

    Eu vou pro mar Fecho os meus olhos

    E sinto voc chegar Voc, chegar...

    [...]

    Meu caminho s meu pai

    Pode mudar Meu caminho s meu pai

    Meu caminho s meu pai...

    (A estrada, Toni Garrido, Lazo, Da Gama, Bino)

  • 1 INTRODUO

    A relao dos homens com os lugares geralmente denota afetividade. Uma

    das provas disso a denominao que dada a cada um deles. Toponmia o

    estudo do nome dado a cada lugar. Muitos so os fatores que motivam e influenciam

    na escolha dos nomes dados aos lugares: o nome da amada, do morador mais

    antigo, de uma caracterstica fsica do lugar, a abundancia de alguma espcie

    vegetal, entre outros.

    Alm da denominao, outro aspecto que podemos dar aos lugares a sua

    localizao. Com isto temos atualmente um grande quebra-cabea com lugares

    denominados, localizados e articulados entre si. Para melhor planejamento e

    administrao dos lugares, estes possuem instancias hierrquicas que os

    denominam: local, municipal, estadual, nacional, continental, mundial, sendo que

    cada uma destas instancias apesar de individualizada, mantm relaes nas

    diferentes esferas, que de certa forma so dependentes e complementares no

    contexto atual em que vivemos.

    Desta forma, toda vez que algum menciona o nome de determinado lugar,

    se no o conhecemos, resgatamos em nossa memria o que sabemos dele;

    fazemos imagens com todo o contedo mental que agrupamos desde o nosso

    nascimento; ou do contrrio evocamos lembranas, sentimentos, emoes que o

    simples nome do lugar nos traz. Um dos recursos utilizados para o registro destas

    imagens so os mapas mentais. Atravs do uso destes mapas, encontramos uma

    maneira de captarmos representaes das pessoas, provenientes do senso comum,

    para entendermos contextos e delimitarmos o ponto de partida para o ensino, o

    planejamento e compreenso do comportamento humano.

    Queremos tratar aqui do problema que existe na abstrao de espaos,

    prximos e distantes, problema este que apontado por Tuan (1976) quando diz:

    Algumas pessoas tem falta de um senso formalizado de espao e lugar; elas podem

    achar seu caminho no seu mundo, mas esta habilidade no transformada em

    conhecimento que possa ser passado adiante verbalmente ou em mapas e

    diagramas. Professores de Geografia (e at mesmo de outras reas) de diferentes

    sries, nveis, etapas, demonstram como difcil trabalhar com noes espaciais e

  • espaos em diferentes escalas, devido dificuldade de abstrair, ou seja, transpor o

    que visto de forma tridimensional ao bidimensional. Quando se trata de espaos

    prximos esta abstrao facilitada, pela vivncia com o espao concreto, vivido e

    imediato. Mas como isso ocorre com espaos maiores, cuja percepo direta

    impossvel?

    Assim, pretendemos tratar aqui da noo de espao de alunos do ensino

    fundamental com faixa etria de 7 a 11 anos, evocada atravs do nome de

    determinados lugares, dos quais fazem parte, atravs da representao dos

    mesmos em mapas mentais. O que faremos balizados pelas seguintes perguntas:

    Como se d a construo da noo do espao? De que forma ocorre o processo da

    abstrao de espaos prximos e distantes? Qual a relao existente entre noo

    de espao e mapas mentais? Quais so os fatores que influenciam na construo da

    noo de espao? De que forma o seu desenvolvimento representado em mapas

    mentais? Essas questes so o cerne da nossa pesquisa, com o intuito de

    respond-las, tomaremos por base o enfoque Humanstico/Cultural que tem feito

    parte dos trabalhos de Geografia desde a dcada de 1970. Dentro desta

    perspectiva, os conceitos de espao e lugar norteiam o nosso entendimento.

    O universo da pesquisa emprica ser de vinte alunos do ensino fundamental,

    sendo cinco da primeira srie, cinco da segunda srie, cinco da terceira srie e cinco

    da quarta srie. Partimos da representao de espaos atravs de mapas mentais,

    do mais prximo: a sala de aula, a escola, o bairro, a cidade, o estado, o pas e o

    planeta; todos estes denominados: CEI Pedro Dallabona, rleans, Curitiba, Paran,

    Brasil e Terra; para chegarmos ao longe. O que seria o longe para cada um destes

    alunos? No aspecto emprico temos por principais objetivos: analisar atravs de

    mapas mentais de que forma crianas de diferentes idades e sries, representam

    espaos articulados de forma hierrquica entre si, pela evocao de seus nomes;

    verificar se esta articulao demonstrada de um mapa mental para outro; e

    tambm, averiguar o que estas crianas caracterizam como longe.

    A hiptese a respeito que as crianas em questo so capazes de

    representar espaos de diferentes dimenses pela evocao de seus nomes, porm

    apresentaro dificuldade para articular esses lugares entre si. Acreditamos tambm

    na existncia de diferenas significativas no que diz respeito representao e sua

    relao com as idades analisadas, sendo que supomos que o grau de abstrao

    encontrado nos mapas mentais dos alunos de terceira e quarta srie maior. A

  • respeito do longe julgamos que este conceito muito subjetivo, e que desta forma,

    conforme a noo espacial de cada aluno o longe, que dado pelo conhecimento de

    mundo de cada um, pode ser perto em termos de localizao espacial.

    Diante do exposto, o desenvolvimento do trabalho estruturou-se em trs

    captulos: sendo que os captulos 2 e 3, so destinados fundamentao terico-

    metodolgica necessria para subsidiar a anlise do objeto de estudo desta

    pesquisa, que ser feita no captulo 4 da presente dissertao.

    Deste modo, no captulo 2, buscamos o entendimento das abordagens

    humanistas dentro da geografia. Para isso, fizemos um breve histrico e

    aprofundamos a pesquisa em duas vertentes humanistas: A Geografia do

    Comportamento e da Percepo e a Geografia Humanstica/Cultural. Dentro da

    primeira destacamos os conceitos de cognio, fazendo algumas consideraes

    sobre a Epistemologia Gentica, e percepo. Na segunda enfatizamos o conceito

    de representao.

    No captulo 3 partimos para a anlise e entendimento das duas categorias

    geogrficas que elegemos para nortear o nosso entendimento: espao e lugar;

    dentro da anlise da categoria espao, abordamos de forma epistemolgica o

    conceito de espao, buscando inicialmente a definio que dada pelos gegrafos

    humanos e humanista/culturais. Com o conceito de espao definido, partimos em

    busca de como a noo de espao desenvolvida e percebida pelos seres

    humanos. Desta forma, chegamos ao conceito de espao vivido, que permeado de

    subjetividades e transfere o foco do conceito de espao para o conceito de lugar.

    Num segundo momento, s que neste captulo ainda, partimos para a representao

    do espao, inicialmente atravs da definio de mapa oriunda da cartografia e

    permeada pelo rigor cientfico. Desta forma buscamos atravs das principais

    caractersticas, mecanismos de controle, funes dos mapas, estabelecer um

    parmetro para a definio de pr-mapas e mapas mentais, que apresentam

    elementos diferentes daqueles exigidos pela cientificidade da cartografia, porm

    importantes da mesma forma.

    No captulo 4 partimos para a anlise e interpretao dos mapas mentais

    obtidos, para isso utilizamos a metodologia desenvolvida por Kozel (2001). Optamos

    por dividir a anlise dos mapas em duas partes: uma destinada ao conjunto de

    mapas com espaos previamente estabelecidos que inclui: a sala de aula, a escola,

    o bairro, a cidade, o estado, o pas e o planeta; e outra, destinada ao mapa mental

  • do longe, sem espacialidade indicada pelo pesquisador, portanto livre. Como um

    contraponto entre ambas as partes, analisamos de forma comparativa os resultados

    de todos os mapas obtidos. Como nosso interesse perpassa por espacialidades de

    diferentes escalas, procuramos resgatar atravs de espacialidades j estudas

    anteriormente, de que forma outros pesquisadores relacionam as mesmas aos

    mapas mentais.

    Aps a anlise e interpretao dos mapas mentais, de forma conjunta,

    optamos pelo exame individual de cada aluno e seu conjunto de mapas, para

    verificar se os espaos foram representados de forma articulada. Outra verificao

    que se fez necessria diz respeito aos espaos denominados que surgiram no

    conjunto de mapas mentais obtidos. Desta forma, agrupamos estes nomes para

    verificar quais os mais lembrados de forma generalizada e por srie.

    Enfim, a relao existente entre lugar e espao, prximo e distante, denotam

    muito mais do que as espacialidades que correspondem, vo alm... Denotam a

    cognio, a percepo, o espao vivido e as representaes, interfaces que vem e

    so vistas do/no lugar. A Figura 1 Mapa Conceitual da Pesquisa expressa

    sinteticamente estas relaes.

  • FIGURA 01 - Mapa Conceitual da Pesquisa

    LUGAR

    Sala de aulaEscolaBairroCidadeEstadoPasPlaneta

    ESPAO

    Longe?

    NO

    O D

    E ESPA

    O

    Fonte: O autor (2008)

  • 2 ABORGENS HUMANISTAS NA GEOGRAFIA

    Atravs da abordagem Humanista encontramos algumas linhas de

    pensamento dentro da Geografia que permitem tratar do ser humano de uma forma

    integrada ao seu meio respeitando valores, sentimentos, percepes e vivncias, ou

    seja, aspectos que anteriormente no eram explorados. Num primeiro momento

    trataremos dos antecedentes histricos que conduziram s abordagens humanistas

    na geografia, e posteriormente nos reportaremos de forma mais especfica

    Geografia do Comportamento e da Percepo e Geografia Humanstico-Cultural.

    2.1 ANTECEDENTES HISTRICOS

    Existem muitas maneiras de olhar as coisas, muitos vieses, pontos de vista.

    Isto ocorre com tudo e, sobretudo com a cincia. No meio cientfico esses pontos de

    vista foram denominados paradigma. Kuhn1 define paradigma (1962, 1975, citado

    por AMORIM FILHO, 2007, p. 16) como um supermodelo que fornece regras

    intuitivas e indutivas sobre os tipos de fenmenos que os cientistas de uma

    determinada disciplina deveriam investigar e os melhores mtodos de investigao.

    Cada conjunto de regras, objetivos e mtodos em voga, em toda cincia, inclusive

    na Geografia, precisa ser denominado, classificado e datado.

    Algumas caractersticas encontradas na histria da geografia permitem

    classific-la, desta forma Claval2 (1982, citado por Gomes, 2003, 46) pontua trs

    cortes que distinguem o pensamento geogrfico: o primeiro, no final do sculo XVIII,

    representado pelos nomes de Ritter e Humboldt, caracterizado pela sistematizao

    da explicao e por uma descrio metdica na geografia.; o segundo, no final do

    sculo XIX, caracterizado pela institucionalizao da disciplina e pela

    1 KUHN, T. S. A estrutura das revolues cientficas. So Paulo: Editora perspectiva, 1975. (Edio original, 1962) 2 CLAVAL, P. Les grandes coupures de lhistoire de la gographie. Hrotode, 1982, n 25, p. 129-151.

  • compartimentao do saber geogrfico; e o terceiro, a partir dos anos 50, em que a

    Geografia transforma-se em uma cincia social.

    Esses trs momentos so definidos de forma mais simplificada por Gomes

    (2003, 46) como os tempos hericos, a geografia clssica e a geografia moderna.

    Nossa anlise est inclusa no que Gomes denomina a geografia moderna, fase em

    que a geografia, ou seja, os gegrafos, mais se preocuparam com paradigmas,

    preocupao esta herdada do perodo anterior que conforme vimos a pouco,

    marcado pela institucionalizao da Geografia, no final do sculo XIX. Como

    disciplina, surge necessidade da Geografia adequar-se ao meio cientfico da

    poca, que estava assentado sob o paradigma do positivismo, que propunha um

    conhecimento normativo, atravs da enunciao de leis gerais, de procedimentos

    uniformes e da obedincia a uma racionalidade estrita. (GOMES, 2003, p. 85)

    A lgica cientfica respaldada em paradigmas, previa a necessidade de

    sucesso, ou seja, substituio, sempre com a existncia de um modelo

    hegemnico e que provavelmente viria a ser substitudo por outro. Desta forma

    muitos foram os novos paradigmas geogrficos: quantitativo, sistmico, marxista,

    teortico, neopositivista, neomarxista, neo...

    Mas como toda ao leva a uma reao, em oposio ao paradigma

    hegemnico, sempre existiram outras propostas, outros modos de olhar, que embora

    no fossem a direo central sempre coexistiram com ela. Assim,

    a partir dos primeiros anos do sculo XX, a fsica, a biologia e a psicologia, por exemplo, colocaram problemas dificilmente tratveis atravs da linearidade positivista. [...] os vinte primeiros anos do sc. XX, so caracterizados pela relatividade, pela descontinuidade e, de certa maneira, pelo sentimento de incerteza e de indeterminao na cincia. (Gomes, 2003, p. 225)

    Gomes mais adiante (2003, p.228) afirma que a geografia tambm sofreu as

    repercusses destas crticas e mudana de perspectivas metodolgicas, porm a

    escolha de uma nica forma de analisar os fenmenos ainda estava presente, sendo

    que a grande questo, advinda do fim dos particularismos metodolgicos, a de

    saber qual poderia ser o procedimento capaz de ser satisfatrio para o conjunto das

    disciplinas e de realizar a unificao da cincia. (GOMES, 2003, p. 246)

  • A partir da dcada de 50 a geografia passa por um processo de renovao,

    com o abandono dos pensamentos at ento em voga, resqucios ainda da

    geografia tradicional. De acordo com Mores (1999, p. 94) a partir deste momento

    os gegrafos vo abrir-se para novas discusses e buscar caminhos metodolgicos no trilhados. Isto implica uma disperso das perspectivas, na perda da unidade contida na Geografia Tradicional. Esta crise benfica, pois introduz um pensamento crtico, frente ao passado dessa disciplina e seus horizontes futuros.

    Moraes (op. cit., 95-96) aponta algumas razes para a crise da Geografia

    tradicional, a mudana na base e da realidade social, o monoplio capitalista, a

    revoluo tecnolgica, a ao estatal com o planejamento econmico e territorial, a

    urbanizao, mecanizao da atividade agrcola, economia mundializada e o

    envelhecimento do positivismo clssico, que era a base terica desta geografia.

    Com todas estas mudanas econmicas, polticas, culturais, sociais e filosficas, a

    geografia pautada na realidade positivista no conseguiu acompanhar as

    mudanas, precisando assim passar por um processo de mudana tambm. A

    questo agora qual o melhor caminho seguir. Uma srie de alternativas foi

    apresentada, nas quais, cada autor defendia a sua hiptese e justificava as suas

    escolhas.

    Esse pensamento de unificao persistiu pelo menos na Geografia at a

    dcada de 70, quando ocorreu um maior debate epistemolgico, debate este que se

    tornou mais claro, divulgando suas filiaes filosficas e aceitando o fato de que esta

    uma discusso em torno da legitimidade metodolgica. (GOMES, op. cit., p. 272)

    Com relao s propostas de mudana apresentadas no interior da geografia

    Amorim Filho (2007, p. 25) indica trs grandes orientaes mais importantes da

    Geografia durante a dcada de 1970 e os primeiros anos de 1980: as Geografias

    Teortico-Quantitativas, as Geografias Radicais/Crticas e as Geografias

    Humanistas, cujo de nosso interesse tratar.

    Com as duas ltimas propostas a necessidade de entender o humano foi aos

    poucos ganhando espao nos interesses dos gegrafos, que se propuseram a

    entender relaes, homem-meio, sociedade-natureza, porm, apesar de ser

    considerada como uma cincia social, conforme encontramos em Claval (2002, p.

    20), a geografia [...] fala muito pouco de homens, preocupa-se com a formao de

    paisagens econmicas, porm as supe racionais, como se estes fossem apenas

  • nmeros e dados estatsticos, que poderiam ser manipulados e orientados por

    modelos quantitativos que conduziriam e moldariam o espao.

    A geografia humana no v o homem, seu foco apenas a sociedade como

    um todo que parece ser nico e uniforme. Essa atitude levou tentativa de uma

    generalizao, que apontada por Gomes (2003, p. 311) como

    uma perda relativa dos contextos particulares, que so precisamente os elementos fundadores da cultura. , assim, que a explicao pelo procedimento da generalizao toma os fatos por aquilo que no so. As abstraes explicativas lgicas partem, portanto, de premissas globais falsas que reduzem a importncia dos verdadeiros artesos da atividade humana, isto , a cultura, os valores, e as significaes.

    Foi com este objetivo que os estudos de percepo adentraram na seara

    geogrfica. Como nos aponta Oliveira (2002, p. 189) Desde a dcada de 80, aps a

    traduo e publicao da Topofilia e do Espao e lugar, os gegrafos brasileiros se

    voltaram para a natureza, no mais dicotomicamente, separada da sociedade, mas

    com uma viso holstica, como um todo: natureza/sociedade.

    2.2 GEOGRAFIA DO COMPORTAMENTO E DA PERCEPO

    Holzer (1997, p. 8) assinala o surgimento da geografia comportamental no

    incio da dcada de 60, abordagem esta que de acordo com Goodey e Gold (1986,

    p. 11), no ocorreu apenas no seio da geografia, mas tambm entre arquitetos e

    planejadores que passaram a mostrar como diferentes percepes de lugares

    podem ser usadas para reforar a futura imagem desses lugares, e para reiterar a

    importncia das percepes individuais e institucionais no processo de tomada-de-

    deciso.

    A Geografia da Percepo e Cognio pode ser intitulada geografia do

    comportamento, ou da percepo, ou interpretativa, entre outros termos que

    poderiam ser utilizados. Goodey e Gold (1986, 11) descrevem como sendo o seu

    objetivo principal a valorizao das geografias pessoais, atravs da simpatia por

  • lugares, indicao de certas direes no espao, preferncias, esteretipos etc que

    interferem na nossa ao.

    A respeito da denominao geografia da percepo Goodey e Gold (1986,

    p. 12) justificam que o termo percepo talvez no tenha sido nunca o mais

    correto, mas a causa e a abordagem que ele acabou por representar tm um

    significado central para a geografia, e fornece um meio fcil para o intercmbio com

    aqueles que foram treinados em outras reas de estudo e pesquisa..

    Visando a compreenso do comportamento humano, com base em

    concepes subjetivas do mundo a geografia do comportamento e da percepo de

    acordo com Goodey e Gold (1986, p. 15) no uma subdisciplina rigidamente

    constituda, mas, ao contrrio, um amplo movimento no mbito da geografia.

    Os mesmos autores (1986, p. 11) apontam trs reas de pesquisa no seio

    desta geografia: a percepo regional, a percepo da forma urbana e o

    desenvolvimento da percepo espacial em crianas. Podemos afirmar que os dois

    primeiros enfoques estariam mais voltados ao planejamento urbano e regional,

    podendo ser de interesse ao desenvolvimento turstico.

    J o terceiro, no qual o nosso interesse mais especfico, busca atravs da

    percepo das crianas as suas relaes com o desenvolvimento de sua viso

    geogrfica. Outro foco possvel o trabalho com a percepo e a educao

    ambiental.

    Andrade (1987, p. 113) a respeito dos temas estudados pela geografia do

    comportamento e da percepo afirma que eles levaro a

    Uma tendncia idealizao de tantos espaos quantos forem os indivduos a perceb-los, fazendo com que haja volta a uma posio ideogrfica. Esta posio bsica dificulta qualquer reflexo objetiva, coletiva, de vez que a percepo de cada lugar ser realizada de forma diferente entre os indivduos, sobretudo quando oriundos de classes diferentes [...] No haveria assim uma concepo do espao, quando se passasse do individual ao social, mas uma superposio de espaos para um mesmo lugar.

    Essas singularidades que so atribudas aos espaos so prprias do ser

    humano, que atravs do seu corpo, suas sensaes e percepes, capta, concebe e

    entende o(s) espao(s). Desta forma Andr (1998, p. 3) aponta que La gographie

    doit pouvoir faire comprendre et faire apprendre comment les hommes produisent et

    cosomment lespace, comment les relations culturelles, conomiques, estructurelles

  • quils entretiennent avec celui-ci influent sur les transformations des paysages."

    Assim, os alunos seriam considerados como produtores do espao, atuando e

    compreendendo criticamente o seu espao.

    A geografia da percepo no Brasil teve o seu incio na Universidade de Rio

    Claro, com a professora Lvia de Oliveira, que utiliza as slidas bases tericas de

    Piaget e seus intrpretes (GOODEY E GOLD 1986, p. 11). Sendo tambm tradutora

    das obras de Yi-Fu Tuan, fundamentais para este tema. Claval (2007, p. 9) aponta

    tambm a contribuio de Lucy Machado e do Professor Lineu Bley na UFPR, que a

    ser ver lanaram as bases da Geografia da Percepo e cognio o os

    fundamentos da abordagem Humanista-Cultural em Geografia no Brasil.

    Como vimos a cognio e a percepo foram conceitos trazidos de outras

    reas, sobretudo, da psicologia, para os estudos geogrficos como uma proposta de

    melhor conhecer o ser humano e consequentemente as suas prticas. Lvia de

    Oliveira, gegrafa e professora que foi considerada como um expoente da Geografia

    do Comportamento e da Percepo no Brasil, escolheu como base maior parte de

    seus estudos a Teoria da Epistemologia Gentica de Jean Piaget, isso fez com que

    procurssemos de certa forma aprofundar nossos conhecimentos sobre cognio e

    percepo na referida teoria. Neste momento se faz necessrio uma anlise mais

    acurada destes termos.

    1.2.1 A cognio

    Cognio o ato de conhecer, Ladrire3 (1992, p. 822 apud ANDR, 1998, p.

    9-10) vai um pouco alm deste conceito Conhecer uma coisa, entretanto,

    assimilar, se tornar interior, fazer suas, e assim se tornar presente aos sentidos o

    mais forte... (traduo).

    Edgard Morin4 (1986, p. 19 apud ANDR, p. 31) comenta que o

    conhecimento do conhecimento somente emergiu como problema fundamental com

    a revoluo copernicana de Emmanuel Kant que fez do conhecimento o objeto

    3 LADRIRE J. Reprsentation et connaissance. Encyclopdia Universalis, 1992 4 MORIN, E. La connaissance de la connaissance. Paris: Seuil, 1986.

  • central do conhecimento. A reflexividade kantiana efetua uma objetivao

    fundamental da atividade cognitiva, a qual torna-se ento o objeto de um

    conhecimento de segunda ordem... Para Kant (1781, p. 3), existem dois tipos de

    conhecimento, um que deriva da experincia, considerados por ele a posteriori e o

    outro adquirido independente da experincia, considerado a priori.

    Os conhecimentos a priori, considerados por ele conhecimentos puros,

    investigaes da nossa razo, com temas como: Deus, a liberdade e a imortalidade,

    estudados, sobretudo pela Metafsica. (KANT 1781, p. 5)

    Sobre a Metafsica, Kant (1781, p. 10) afirma que a a Metafsica existiu

    sempre e existir onde esteja o homem, porm, Kant (1781, p. 11) faz uma

    ressalva: Por isso ser mister muita firmeza para que a dificuldade intrnseca e a oposio externa no nos afastem de um cincia to indispensvel razo humana, cuja raiz no poderia estragar-se ainda que cortassem todos os seus ramos exteriores, e que, mediante um mtodo diferente e oposto ao que at hoje tem sido empregado, pode adquirir um til e fecundo desenvolvimento.

    Com relao ao conhecimento a posteriori, considerado emprico Kant

    (1781, p.13) define: O conhecimento humano tem duas origens e que talvez ambas

    procedam de uma comum raiz desconhecida para ns; estas so: a sensibilidade e

    o entendimento; pela primeira os objetos nos so dados, e pelo segundo,

    concebidos.. A partir destes dois conceitos: sensibilidade e entendimento pode-se

    definir que a sensibilidade A capacidade de receber (a receptividade)

    representaes dos objetos segundo a maneira como eles nos afetam. Porm

    pelo entendimento que elas (intuies) so pensadas, sendo dele que surgem os

    conceitos. (KANT, 1781, p. 15).

    No que concerne a importncia de cada conceito neste sistema de relao do

    indivduo com o mundo atravs dos objetos (intuio), Kant pondera que: [...] Nenhuma destas propriedades prefervel outra. Sem sensibilidade, no nos seriam dados os objetos, e sem o entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem contedo so vazios, intuies sem certos conceitos, so cegos. Assim, necessrio tornar sensveis os conceitos (quer dizer, fornecer-lhes o objeto dado na intuio), bem como tornar inteligveis as intuies (submetendo-as a conceitos). Estas duas faculdades ou capacidades no podem trocar de funes. O entendimento no pode perceber e os sentidos no podem pensar

  • coisa alguma, Somente quando se unem, resulta o conhecimento. (KANT, 1781, p. 31).

    Como complemento a este pensamento, citamos Piaget (1970, p. 6): O conhecimento resultaria de interaes que se produzem a meio caminho entre os dois [sujeito e o objeto], dependendo, portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas em decorrncia de uma indiferenciao completa e no de intercmbio entre formas distintas. [...] o problema inicial do conhecimento ser pois o de elaborar tais mediadores. A partir da zona de contato entre o corpo prprio e as coisas eles se empenharo ento sempre mais adiante nas duas direes complementares do exterior e do interior, e desta dupla construo progressiva que depende a elaborao solidria do sujeito e dos objetos.

    Assim, o processo do conhecimento vai ocorrendo, atravs destes, que

    podemos considerar como opostos complementares: sensibilidade-entendimento,

    pensamentos-contedos, intuio-conceitos, sujeito-objeto, corpo-coisas e interior-

    exterior, que constituem ingredientes fundamentais para o desenvolvimento do

    conhecimento.

    Buscando a origem do conhecimento, encontramos a referncia a duas

    posies filosficas: o inatismo, que afirma que nossa mente possui conhecimentos

    inatos, fundamentais para o ato de conhecer; e o empirismo, que alega que todo o

    nosso conhecimento o resultado de nosso contato com a realidade. Segundo

    Delval (2001, p. 71) A filosofia critica de Kant tratou de fazer uma sntese de ambas as posies, mostrando que a mente tem categorias que servem para organizar a experincia, mas que esta igualmente imprescindvel. Por isso, sustentou-se que a noo de objeto, ou as categorias de, de tempo, de causalidade, de nmero, que se tornam necessrias para organizar nossa experincia, so inatas.

    Fazendo um contraponto entre o inatismo e o empirismo, o mesmo autor

    (DELVAL, 2001, p. 72) completa que O empirismo enfrenta dificuldades para explicar muitas coisas bem conhecidas, [...], como as diferenas de concepes em indivduos aos quais foi ensinada a mesma coisa e, sobretudo, a produo de conhecimentos novos. Alm disso, os estudos sobre histria e teoria da cincia mostraram que a cincia uma construo, e no uma simples cpia da realidade, e que tem muito de inveno. Por sua vez, o inatismo no explica muito pois, se sustentarmos que a conduta e o conhecimento humanos so o resultado de capacidades inatas, estaremos esquivando-nos de explicar como

  • surgem e, principalmente, por que so diferentes em distintos indivduos.

    Sobre isso ainda Kant (1781, p. 3) j afirmava: No se pode duvidar de que todos os nossos conhecimentos comeam com a experincia, porque, com efeito, como haveria de exercitar-se a faculdade de se conhecer, se no fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte, produzem por si mesmos representaes, e de outra parte, impulsionam a nossa inteligncia a compar-los entre si, a reuni-los ou separ-los [...]. No tempo, pois, nenhum conhecimento precede a experincia, todos comeam por ela.

    De acordo com os argumentos expostos acima, mas sobretudo buscando

    ainda mais repostas, aceitamos o exposto por Piaget e suas justificativas (1970, p.

    37) De um modo geral, as razes biolgicas dessas estruturas e a explicao do fato de que elas se tornam necessrias no deveriam ser procuradas nem no sentido de uma ao exclusiva do meio, nem de uma pr-formao base de puro inatismo, mas das auto-regulaes com seu funcionamento em circuitos e sua tendncia intrnseca ao equilbrio. [negrito nosso]

    Acreditando que o principal elemento entre o sujeito e o objeto no a

    percepo, mas sim a ao, Piaget (1970, p. 6) vai um pouco alm Com efeito, o instrumento de troca inicial no a percepo, [...], mas, antes, a prpria ao em sua plasticidade muito maior. Sem dvida, as percepes desempenham um papel essencial, mas elas dependem em parte da ao em seu conjunto, e certos mecanismos perceptivos que se poderiam acreditar inatos ou muito primitivos [...] s se constituem a certo nvel da construo dos objetos.

    Piaget sempre esteve preocupado em pesquisar de que forma se d a

    aquisio e desenvolvimento da aprendizagem humana. Aps anos de estudos e

    experimentos, formulou a teoria da Epistemologia Gentica, que prev uma srie de

    fases que orientam o desenvolvimento humano. Pereira (2007, p. 3) descreve de

    forma resumida as fases do desenvolvimento de Piaget

    Piaget (1970, 1972) divide a cognio humana em quatro etapas: sensrio-motora, que vai do nascimento at aproximadamente 18 meses caracterizada pela ausncia da linguagem e conseqentemente do pensamento; pr-operatria, que vai at 7/8 anos, demarcada pelo incio da representao (funo simblica),

  • que se desenvolve a partir da linguagem; operaes concretas, dos 7 aos 12 anos, caracterizada por uma certa lgica para organizar, classificar e seriar, porm que depende ainda de objetos concretos; e operaes formais, a partir dos 12 anos, quando o adolescente ter um raciocnio hipottico e dedutivo sobre proposies.

    Piaget (1970) define a teoria da Epistemologia Gentica como o estudo da

    passagem dos estados inferiores do conhecimento aos estados mais complexos ou

    rigorosos. Outro aspecto de sua teoria, o carter interdisciplinar, tanto ao que se

    refere aplicao, bem como a de sua prpria elaborao enquanto teoria:

    [...] tal pesquisa pressupe a colaborao de especialistas em epistemologia da cincia considerada, psiclogos, historiadores das cincias, lgicos, matemticos, cultures da ciberntica, lingstica, etc. Este tem sido sempre o mtodo de nosso Centro Internacional de Epistemologia Gentica em Genebra, cuja atividade integral tem consistido sempre de um trabalho de equipe.

    No pargrafo a seguir, transcrevemos o que foi escrito por Piaget (1970, p.5)

    para explicar o que pretende e como analisa as coisas dentro dos parmetros da

    Epistemologia Gentica [...] uma epistemologia que naturalista sem ser positivista, que pe em evidncia a atividade do sujeito sem ser idealista, que se apia tambm no objeto sem deixar de consider-lo como um limite (existente, portanto, independente de ns, mas jamais completamente atingido) e que, sobretudo, v no conhecimento uma elaborao contnua [...].

    Partindo do princpio que a ao entre o sujeito e o objeto o ponto de

    partida, existem dois marcos referenciais que direcionam a anlise das fases do

    desenvolvimento:

    [...] o das aes sensrio-motoras anteriores a qualquer linguagem ou a toda conceptualizao representativa, e o das aes completadas por estas novas propriedades, a propsito dos quais se coloca ento o problema da tomada de conscincia dos resultados, intenes e mecanismos dos atos, isto , da sua traduo em termos de pensamento conceptualizado. (PIAGET, 1970, P.7)

    Nesse sentido, podemos compreender a importncia da linguagem no

    processo do desenvolvimento cognitivo humano, pois a partir do seu

    desenvolvimento que o ser humano comea a pensar em termos de representao,

  • que assunto de interesse em diversas reas do conhecimento, mas,

    principalmente para a Geografia.

    Com base nisso, a partir das questes como, para qu e para quem ensinar

    geografia escolar Castellar aponta a utilizao da epistemologia gentica para o

    entendimento do processo de aprendizagem, sobretudo, para o entendimento da

    relao entre didtica e aprendizagem da geografia.

    1.2.1.1 Epistemologia Gentica: algumas consideraes

    O desenvolvimento humano no ocorre de forma estanque, uniforme e sem

    complicadores. Existem ritmos diferentes no crescimento individual, sendo que a

    reconstruo necessria a cada novo conhecimento.

    A respeito dos nveis de desenvolvimento: sensrio-motor, pr-operatrio,

    operaes concretas e operaes formais, descritos por Piaget (1970, 1972) pode-

    se dizer que eles apresentam uma sucesso constante, sendo necessrias pr-

    estruturas, que resultaro em uma hierarquia. Desta maneira necessrio passar

    por todas as espcies de etapas das quais cada uma necessria para a conquista

    da seguinte. (PIAGET, 1972, p. 222)

    Com base nisso, pode-se afirmar que o varia a durao, sendo assim, a

    noo de tempo fundamental, pois, ele que d condies para que os

    aprendizados se estruturem, um sobre o outro, subindo cada vez mais um degrau.

    Partindo deste princpio, nas diferentes sociedades podem ocorrer adiantamentos ou

    atrasos coletivos, a essa diferena cronolgica encontrada nos diferentes estgios

    nas diversas sociedades, Piaget (1972, p. 237) denomina atravs do termo

    decalagem, que a reproduo ou repetio do mesmo processo formador em

    diferentes idades, e considerado como um obstculo generalizao dos

    estgios.

    Convm destacar tambm, que este desenvolvimento por estgios no pode

    ser aplicado a todos os setores do desenvolvimento, Piaget (1972, p. 237) coloca

    como exceo os conhecimentos relativos linguagem e percepo;

  • Piaget (1972, p. 224) distingue quatro fatores que explicam as diferenas que

    ocorrem nos nveis de desenvolvimento por ele descritos. So eles: a

    hereditariedade; a experincia fsica (ao dos objetos); transmisso social

    (educao); e a equilibrao. No quadro 01, sintetizamos as suas principais

    caractersticas, a qualidade da sua influncia sobre o processo de desenvolvimento

    como um todo e a justificativa (explicao) dada por Piaget sobre esta influncia.

    QUADRO 01 Fatores que Influem no Desenvolvimento FATORES CARACTERSTICAS QUALIDADE DA

    INFLUNCIA JUSTIFICATIVA

    HEREDITARIEDADE

    Maturao interna Insuficiente No existe no estado puro e isolado

    EXPERINCIA

    Contato com os objetos

    Insuficiente A atividade do sujeito que fundamental

    TRANSMISSO SOCIAL

    Educao Insuficiente A criana deve assimilar o que lhe ensinado

    EQUILIBRAO

    Regulao e compensaes feitas em resposta s perturbaes

    Fundamental Reconstruo de noes j obtidas a novos contextos

    Fonte: O autor com base em Piaget, 1972.

    Sobre a hereditariedade, que a maturao interna, Piaget considera sua

    influncia insuficiente, pelo fato de no agir isoladamente. A experincia fsica, ou

    seja, a ao sobre objetos, tambm tida como insuficiente, pois neste caso a

    atividade do sujeito que fundamental, e no simplesmente a presena ou no de

    objetos. No que diz respeito transmisso social, obtida atravs da educao, no

    vale s a inteno de ensinar, a criana precisa ter estruturas de assimilao, para

    que compreenda o que pretendido, sendo desta forma insuficiente tambm.

    Fundamental ento, neste processo, a equilibrao, que ocorre entre os fatores

    acima mencionados e indo alm, a reconstruo necessria de noes j possudas

    aplicadas a novas situaes, feitas atravs de compensaes e regulaes. Esta

    equilibrao ainda no um equilbrio, ela vai ocorrendo progressivamente, de uma

    forma mais ou menos rpida, sendo que o equilbrio demanda tempo.

    Apesar de considerar insuficientes as influncias da hereditariedade, da

    experincia ambiental e da transmisso social, Piaget, mesmo com suas

  • justificativas no as desconsidera. Portanto pode-se finalizar afirmando que, em se

    tratando de desenvolvimento humano, dificilmente um fator apenas seria

    responsvel pelo avano ou atraso. Sendo que em cada contexto encontrado, deve-

    se analisar todas as possveis influncias. Sem esquecer, do que Piaget considerou

    como sendo fundamental: o processo de equilibrao.

    1.2.2 A percepo

    De acordo com Oliveira (ibidem) A percepo geogrfica est atrelada ao

    conceito de atividade perceptiva, como preconiza Piaget. Piaget e Inhelder (1993,

    p.32) definem a percepo como sendo o conhecimento dos objetos resultante de

    um contato direto com eles. De uma forma mais ampla encontramos em Davidoff

    (2001, p. 141) a definio do termo percepo, que o processo de organizao e

    interpretao dos dados sensoriais (sensaes) para desenvolver a conscincia do

    meio ambiente e de ns mesmos. A percepo envolve interpretao; a sensao,

    no

    Logo a atividade perceptiva, conceituada por Piaget e Inhelder (1993, p.32)

    como o prolongamento da inteligncia sensria-motora em ao antes da apario

    da representao seu incio se d com as mudanas de centralizao (ou

    descentralizao) e que consiste em comparaes, transposies, antecipaes,

    etc. Os autores justificam a necessidade de distingui-las, pelo fato da percepo ser

    relativamente constante com a idade. Sobre isto justifica Piaget (1972, p. 235),

    dizendo que

    seria incapaz de lhes dar um quadro de estgios como o que tenho a honra de lhes propor do ponto de vista das operaes intelectuais, porque encontramos essa continuidade do ponto de vista orgnico, continuidade que podemos detalhar de uma maneira convencional, mas que no apresenta cortes naturais bem ntidos.

    J a atividade perceptiva aumenta progressivamente com a evoluo, sendo

    que a atividade perceptiva, em oposio percepo como tal, a fonte da

    imitao, que prolonga as acomodaes dela e, em conseqncia da prpria

    imagem, que uma imitao interiorizada. De modo que o movimento intervm

  • no somente desde os incios da percepo, mas ainda que desempenhe um papel

    cada vez maior graas atividade perceptiva. (PIAGET E INHELDER, 1993, p. 31).

    Para Tuan (1983, p. 14) a diferena entre percepo e atividade perceptiva

    no existe, a percepo para ele possui intrinsecamente o conceito de atividade

    perceptiva de Piaget e Inhelder (1993). Explica assim

    A percepo uma atividade, um estender-se para o mundo. Os rgos dos sentidos so pouco eficazes quando no so ativamente usados. Nosso sentido ttil muito delicado, mas para verificar a textura ou a dureza das superfcies no suficientemente colocar um dedo sobre elas; o dedo tem que se movimentar sobre elas. possvel ter olhos e no ver; ouvidos e no ouvir.

    Desta forma, o nosso corpo atravs dos sentidos e da atividade motora capta

    os estmulos do ambiente, que so resignificados pela nossa percepo, ou seja,

    pela nossa atividade perceptiva. Alm do envolvimento dos sentidos, do movimento,

    da resignificao, a percepo diz respeito tambm a escolhas. Sobre isso escreve

    Tuan (1980, p. 4)

    Percepo tanto a resposta dos sentidos aos estmulos externos, como a atividade proposital, na qual certos fenmenos so claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou so bloqueados. Muito do que percebemos tem valor para ns, para a sobrevivncia biolgica, e para propiciar algumas satisfaes que esto enraizadas na cultura.

    Neste sentido a cultura tem um carter fundamental, principalmente no que se

    refere s atividades e exploraes que vo sendo direcionadas por valores culturais.

    Embora todos os seres humanos tenham rgos dos sentidos similares, o modo como as suas capacidades so usadas e desenvolvidas comea a divergir numa idade bem precoce. Como resultado, no somente as atitudes para com o meio ambiente diferem, mas difere a capacidade real dos sentidos, de modo que uma pessoa em determinada cultura pode desenvolver um olfato aguado para perfumes, enquanto os de outra cultura adquirem profunda viso estereoscpica. Ambos os mundos so predominantemente visuais: um ser enriquecido por fragncias (sic), o outro pela agudeza tridimensional dos objetos e espaos. (Tuan, 1976)

    Assim, quando um estudo est alicerado no conceito de percepo, sabe-se

    que o enfoque pretendido de cunho subjetivo, pois dois indivduos dificilmente

    comungam da mesma percepo, porque as experincias e o conhecimento de

  • mundo sempre sero diversos por mais que se os estmulos e meios sejam os

    mesmos. Portanto, indispensvel aos estudos com enfoque humanista o

    conhecimento de que o homem possuidor de subjetividade.

    2.3 A GEOGRAFIA HUMANSTICA/CULTURAL

    Com o intuito de ir alm das apreciaes baseadas no comportamento e na

    percepo e, sobretudo, na procura de um mtodo que desse suporte s analises

    humanistas, gegrafos como Lowenthal, Tuan, Relph, Buttimer, Entrikin entre outros

    do a essa geografia um novo enfoque, que passa agora a ser tratado como

    Geografia Humanstica, que segundo Tuan (1976, in Christofoletti, 1982, p. 143)

    procura um entendimento do mundo humano atravs do estudo das relaes das

    pessoas com a natureza, do seu comportamento geogrfico bem como dos seus

    sentimentos e idias a respeito do espao e do lugar.

    Inicialmente a denominao era Geografia Humanista, porm devido sua

    proposta ao estudo dos aspectos do homem que so mais distintamente humanos:

    significaes, valores, meta e propsitos (ENTRIKIN 1976, p. 5)5, os gegrafos

    passaram a denomin-la humanstica, assim encontrarmos ambas denominaes

    caracterizando a mesma maneira de pensar.

    O seu surgimento num momento em que a ditadura paradigmtica ainda

    persistia, fez com que fosse considerada por alguns como um marco. Holzer (1997,

    p. 18) afirma que

    a movimentao provocada pela geografia humanista nas dcadas de 70 e 80, com seu ataque ao idealismo e ao empirismo, sua procura de mtodos alternativos, sua valorizao do indivduo e da espacialidade humana e sua averso pelos paradigmas, apontam para um contexto mais amplo, extra-geografia: o do surgimento do ps modernismo.

    5 In: Boletim de Geografia Teortica, Rio Claro, 10 (19): 5-30, 1980

  • Neste momento houve uma recusa ao conceito de paradigma, sobretudo o

    paradigma humanista, sendo que para Relph6 (1981, citado por Holzer, 1997, p.

    16) o termo humanista era antiparadigmtico.

    A respeito do mtodo, Entrikin (op. cit.,1976, p. 19) afirma que o gegrafo

    humanista melhor caracterizado pelo seu ecletismo no que se refere a mtodo,

    apesar desta afirmao, podemos afirmar que muitos gegrafos preferiram utilizar

    em suas abordagens a fenomenologia e o existencialismo (Relph, Buttimer, Dardel,

    Tuan). Como explica Kozel (2007, 118)

    Esta abordagem tem como base o estudo do indivduo frente ao mundo e fundamentada nas correntes filosficas da fenomenologia e do existencialismo. Assim a geografia privilegia novas qualidades como a subjetividade, intuio, sentimentos, experincias e simbolismos, acentuando assim o singular e no o geral, [...] seu principal objetivo a compreenso desse mundo e do ser humano na sua pluralidade.

    A respeito do uso da fenomenologia e do existencialismo na geografia

    humanista encontramos algumas consideraes de Holzer (1997, p. 13) que convm

    destacar

    A fenomenologia existencialista no foi, porm, o trao de identificao mais forte da geografia humanista. Na verdade o aporte filosfico foi, na palavra dos prprios humanistas, tomado de maneira implicita, como Pickles (1985) apontaria mais tarde. Deste modo, do mtodo fenomenolgico foram apropriados, principalmente, os conceitos de mundo vivido (Lebenswelt) e de ser-no-mundo, que na geografia seria identificado com o conceito de lugar. No houve, no entanto, uma preocupao de aplicao rigorosa do mtodo proposto por Husserl, considerado de difcil compreenso pelos prprios membros do coletivo. [negrito do autor]

    Sobre a aplicao do mtodo fenomenolgico nos estudos geogrficos, uma

    referncia positiva o livro de Eric Dardel, Lhomme et la terre - nature de la ralit

    gographique, escrito em 1952, que considerado por Holzer (2001, p. 108) o

    melhor tratado de geografia fenomenolgica at hoje escrito.

    Na geografia humanstica as questes culturais sempre estiveram presentes.

    Porm de forma diferente da Geografia Cultural que teve incio na dcada de 30,

    com as escolas: Alem, Norte Amrica e Francesa, cujo enfoque era dado aos

    6 RELPH, E. Rational landscapes and Humanisric Geography. London: Croon Helm, 1981.

  • instrumentos e artefatos culturais, ignorando as dimenses sociais e psicolgicas da

    cultura que agora esto em voga. Nesse sentido encontramos em Holzer (1997, p.

    18, baseado em Tuan, 1989) que no final dos anos 80

    o contexto da geografia j havia sido tomado por muitos temas do humanismo, que agora podia ser identificado como uma cultural-humanist geography (geografia cultural-humanista) [ou geografia humanista-cultural], que se interroga como este mundo e como pode ser descrito e que, mais uma vez, aponta um elenco de temas que podem ser seguidos.

    Corra (1995) afirma que embora a percepo do ambiente tenha fortes

    razes culturais, a relao entre elas parece ser muito mais complexa. A relao

    existente a geografia humanista e a geografia cultural tambm abordada por

    Amorim Filho (2007, p. 24) quando afirma que Estas duas orientaes

    epistemolgicas apresentam as caractersticas, aparentemente contraditrias, mas

    primordiais, e serem ao mesmo tempo plurais e manterem a unidade maior da

    Geografia, inclusive no separando a humanidade de seu meio ambiente natural.

    Neste sentido o mesmo autor (2007, p. 16) justifica que A presena de

    abordagens humanistas/culturais na Geografia no se torna desejvel apenas pela

    riqueza em pluralidade que elas representam mas, sobretudo, pela humanizao e

    beleza que elas trazem s atividades geogrficas

    Podemos dizer que a geografia agora denominada Humanstica/cultural, que

    vem sendo construda conforme aponta Kozel (2007, 118) desde os anos 1960 e

    1970, e cuja abordagem focaliza o espao local e especfico, o lugar, contrapondo-o

    ao espao geomtrico-abstrato. E que tem como principal objetivo: a compreenso

    [do] mundo e do ser humano na sua pluralidade.(Kozel, 2007, p. 118) uma

    possibilidade de renovao geogrfica, que possibilita a conversa com outras

    cincias e saberes, e que apesar de possuir mtodos prprios, no desconsidera a

    possibilidade de novos olhares e novas formas de olhar. Conforme afirma Sahr

    (2007, p. 59) A idia bsica da geografia cultural trabalhar o mundo, ou melhor, os

    mundos, atravs da pluralidade das suas expresses, sejam estas vividas ou

    interpretadas. Atravs do entendimento do processo de cognio que envolve a

    percepo, neste caso a percepo ambiental, e a representao, a geografia

    Humanstica/cultural busca atravs de instrumentos como os mapas mentais, por

    exemplo, captar a viso que as pessoas tem da realidade, subsdio compreenso

  • das formas de agir no meio social. Neste sentido, cabe aqui um melhor

    entendimento do termo representao, conceito que vem sendo abordado com

    maior nfase nos estudos geogrficos atuais.

    1.3.1 A representao

    O termo representao muito amplo e aborda aspectos muito diferenciados,

    o que nos leva necessidade de uma delimitao mais especfica. No de hoje

    que a geografia se utiliza das representaes como meio de alcanar alguns de

    seus objetivos, segundo KOZEL (2002, p. 215) O conceito de representao

    espacial para os gegrafos se estrutura na fuso de vrias correntes

    contemporneas, incorporando o conceito de representao social oriundo da

    psicologia.

    Os estudos em representao possuem duas vertentes bem distintas, porm

    complementares. Uma a abordada por Moscovici (2003, p. 49) denominada

    representao social, que definida por ele

    como um instrumento explanatrio e se referem a uma classe geral de idias e crenas (cincia, mito, religio, etc.), para ns so fenmenos que necessitam ser descritos e explicados. So fenmenos especficos que esto relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar - um modo que cria tanto a realidade como o senso comum.

    A outra vertente denominada representao espacial, que visa estudar as

    relaes que ocorrem em determinado espao euclidiano, segundo KOZEL (2002, p.

    216) As representaes em geografia constituem se em situaes individuais e

    sociais de esquemas mentais estabelecidos a partir da realidade espacial inerente a

    uma situao ideolgica, abrangendo um campo que vai alm da leitura aparente do

    espao realizada pela observao, descrio e localizao das paisagens e fluxos,

    classificados e hierarquizados.

    As duas vertentes se encontram na medida em que atravs da representao,

    alguns valores sociais e pessoais acabam sendo inconscientemente expressos, e

    so objeto de estudo para o entendimento das relaes das pessoas com um meio,

  • com a sociedade e consigo mesmas. Um estudo em geografia geralmente tem por

    objeto as representaes espaciais.

    Andr (1998, p. 3) aponta o uso do conceito de representao como

    instrumento metodolgico e subsdio aos professores, utilizao esta que

    possibilitaria uma mudana de enfoque: do conhecimento geogrfico e

    epistemolgico para o aluno como portador de representaes e conhecimentos pr-

    cientficos, sendo que os segundos correspondem base para a aquisio dos

    primeiros.

    De acordo com ANDR (1998): No se trata portanto de um novo instrumento/ferramenta simples a juntar nas ferramentas dos professores. Porque, trabalhar com as representaes, e notadamente na geografia quelas que as sociedades e os indivduos constroem os espaos prximos ou distantes, entrar no domnio complexo e redobrado das teorias do conhecimento. Aceitar a problemtica geral das representaes, considerar que o esprito humano o suporte das representaes que so os produtos cognitivos resultantes das interaes do indivduo com o mundo. (traduo nossa)

    Sendo assim a representao uma forma de conhecimento. Mesmo que

    tempo e espao gerem determinadas formas de representao, na dualidade

    sujeito-objeto que reside o denominador comum que pode conceber toda forma de

    representao. (GIL FILHO, 2005) Isso quer dizer que toda a representao

    representao de alguma coisa por algum.

    Para Moscovici (2003, p. 216) Representar significa, a uma vez e ao mesmo

    tempo, trazer presentes as coisas ausentes e apresentar coisas de tal modo que

    satisfaam as condies de uma coerncia argumentativa, de uma racionalidade e

    da integridade normativa do grupo. Muitas so as formas expressar a

    representao, citamos aqui, a linguagem em suas diversas formas, escrita, falada,

    gestual, desenhada, e para isso o uso de signos fundamental, no sentido em que

    Cada signo apenas uma possvel interpretao da vida real e no a vida real em

    si e, por isso, no pode se justificar uma superioridade da interpretao cientfica,

    inclusive da teoria, em relao s demais interpretaes, inclusive a da experincia

    vivida das pessoas. (SAHR, 2007, p. 63)

    Para Kozel (2007, p. 123-124) Um signo s existe quando se materializa

    objetivamente, gerando significados, dentro de um determinado contexto social,

    fortalecido pelo processo de comunicao, ao impregnar valores quer sociais,

  • econmicos ou polticos dentro de um determinado momento histrico. Neste

    sentido todo signo integra um sistema de representaes que constitudo social

    e historicamente como forma e significado, seja em nvel de sinais ou de

    significados. (KOZEL, 2007, p. 125)

    A relao existe entre a representao, o uso de linguagens atravs de signos

    e a sua interpretao nos faz questionar qual a relao deste processo com a

    cincia. Neste sentido Moscovici (2003, p. 60) afirma que a cincia e

    representaes sociais so to diferentes entre si e ao mesmo tempo to

    complementares que ns temos de pensar e falar em ambos os registros. Mais

    adiante justifica, a cincia era antes baseada no senso comum e fazia o senso

    comum menos comum; mas agora senso comum cincia comum. (MOSCOVICI

    2003, p. 60) Para o referido autor (2003, p. 95) O senso comum est continuamente

    sendo criado e re-criado em nossas sociedades, especialmente onde o

    conhecimento cientfico e tecnolgico est popularizado.

    Desta forma muito do que aprendemos no atravs da instruo formal e

    sim ao nvel do subconsciente (TUAN 1983, p. 221), isto faz com que as idias das

    pessoas comuns sobre muitos aspectos da vida que lhes cerca apresentam o

    problema de no estarem sistematizadas como as da cincia, mas, tm uma certa

    coerncia, bastante persistncia e no so facilmente substitudas por outras.

    (DELVAL, 2001, p. 48) As representaes que temos nos servem para darmos

    sentido ao mundo.

    Kozel (2002, p. 218) aponta a recusa de alguns em aceitar o trabalho com

    conhecimentos do senso comum na pesquisa geogrfica, questionando a sua

    validade e utilidade. O pensamento de Andr (1998, p. 35) justifica de certa o seu

    uso e reafirma a sua validade

    A representao deve, portanto, ser pensada como outra coisa que um simples reflexo da realidade. Ela atividade intelectual complexa, ela se nutre do real e do imaginrio, ela o real e o imaginrio, e h sempre um no outro. E a esta concepo englobante da representao, conhecedora e conhecvel, que se deve encostar a didtica e a geografia.

    No trecho acima de Andr fica claro o enfoque que dado ao ensino, no qual

    as representaes servem tambm como diagnstico e demarcao de um

    provvel ponto de partida, porm sua rea de aplicao exposta por Kozel (2002,

  • p. 221) como estando em constante expanso propiciando a anlise de fenmenos

    socioespaciais, como xodo rural, urbanizao, planejamento ambiental, turismo,

    pois os agentes ou atores sociais so pressionados pelos processos econmicos,

    tecnicismo, globalizao.

    De uma forma mais ampla Gil Filho, (2005) aponta que uma Geografia das

    Representaes uma geografia do conhecimento simblico. Assume as

    representaes sociais como ponto de partida para uma Geografia Cultural do

    mundo banal, da cultura cotidiana, do universo consensual impactado pelo universo

    reificado da cincia e da poltica.

    Enfim, a possibilidade do uso das representaes em geografia abre

    oportunidade para novos elementos de anlise, que provm tanto do individual e do

    social, importantes para o entendimento do que o espao e do que ele pode vir a

    ser.

  • 3 DO ESPAO AO LUGAR

    Espao sempre foi um dos conceitos de maior destaque nos estudos

    geogrficos, porm, como dissemos anteriormente, existem diversas forma de olhar.

    Aqui o enfoque dado o da Geografia humanstica/cultural, onde a definio de

    espao est mais prxima das particularidades do lugar. Apesar disso, pretendemos

    tambm compreender o espao em suas dimenses maiores, para buscar o

    entendimento e at mesmo as diferenas entre espao e lugar.

    3.1 O QUE ESPAO?

    O que espao? Refletindo a respeito do significado deste termo podemos

    perceber o quanto este conceito abrangente, podendo ser definido por vrias

    acepes em vrios campos do conhecimento. Pois tudo e est no espao. Desta

    forma, muitas podem ser as respostas a esta pergunta. Para Andr (1998, p. 56) O

    estudo do espao foi, e est colocado, ante certas escolhas epistemolgicas que

    determinam, seno escolas, ao menos orientaes. De maneira generalizada ele

    aponta para duas escolhas possveis que os gegrafos podem fazer, ambas como o

    espao sendo abordado como sendo social: na primeira o espao visto como

    organizao que se adapta evolui sem cessar sob o efeito das modificaes dos

    meios econmicos, sociais, fsicos.; na segunda ele uma unidade no qual a

    organizao e o funcionamento decorrem das relaes scio-espaciais que o

    animam.

    Lacoste7 (1981, p. 152, citado por SANTOS, 1991, p. 24) j apontava para

    esta mesma observao existem tantas concepes do espao geogrfico ou do

    espao social quanto tendncias de escolas em geografia, sociologia ou etnologia;

    no limite, existem tantas maneiras de ver as coisas quanto individualidades

    conduzindo uma investigao sobre uma dmarche cientfica (...). Com o intuito de 7 LACOSTE, Y. Georges Condaminas. Lespace social. A props de lAsie du Sud-est. Herodote, n 21, avr.- juin. 1881, p. 1946-152.

  • acabar com ambigidades e em busca de uma nica definio Santos (1991) se

    prope a definir o espao da geografia, seja ela uma geografia renovada ou

    redefinida, e estabelecer assim seu objeto e limites.

    No queremos aqui expor uma extensa lista com nomes de autores e escolas

    geogrficas e suas respectivas definies do que venha a ser o espao, mas sim

    gostaramos de captar o espao enquanto uma idia abrangente, conforme Santos

    (1997, p. 51) concebeu O espao formado por um conjunto indissocivel, solidrio

    e tambm contraditrio, de sistemas de objetos e sistemas de aes, no

    considerados isoladamente, mas como o quadro nico no qual a histria se d.

    Mais adiante, o autor (1997, p. 59) define o que so os objetos para os gegrafos

    so tudo o que existe na superfcie da Terra, toda a herana da histria natural e

    todo resultado da ao humana que se objetivou. Os objetos so esse extenso, essa

    objetividade, isso que se cria fora do homem e se torna instrumento material de sua

    vida, em ambos os casos uma exterioridade. Apesar de definir o que seriam esses

    objetos, Santos afirma que eles no so o mais importante, e sim a preocupao

    com os mtodos e os conceitos, que so a base de anlise geogrfica a qualquer

    objeto encontrado.

    Com relao ao sistema de aes Santos (1997, p. 63) cita a frase de

    Philippe e Gnvieve Pinchemel8 (1988, p. 40) que os homens so seres de ao:

    eles agem sobre si mesmos, sobre os outros, sobre as coisas da Terra, desta forma

    conclui que um ato no um comportamento qualquer, mas um comportamento

    orientado, neste sentido entram em cena, elementos como a motivao, a inteno,

    a subjetividade, o conhecimento, entre outros. Com base em Braun e Joerges9

    (1992, p. 81-82) que definem trs formas distintas de agir (tcnico, formal e

    simblico) Santos (1997, p. 67) descreve a existncia de trs ordens que agem de

    forma paralela:

    A ordem da forma tcnica, a ordem da forma jurdica e a ordem do simblico. O cotidiano se d mediante essas trs ordens. Mas se, por um lado, a ordem tcnica e a ordem da norma se impe como dados, por outro lado, a fora de transformao e mudana, a surpresa e a recusa do passado, vm agir do simblico, onde o que fora est na afetividade, nos modelos de significao e representao. A importncia do lugar na formao da conscincia vem do fato de que

    8 PINCHEMEL, P. e G. La face de l aterre, lments de gographie. Paris: Armand Colin, 1988. 9 BRAUN, I. e JOERGES, B. Techniques du quotidien et macrosystmes techniques. In JOERGES, G.; SCARDIGLI. Sociologie des techniques de la vie quotidienne. Paris: Harmatan, 1992.

  • essas formas do agir so inseparveis, ainda que, em cada circunstncia, sua importncia relativa no seja a mesma.

    Sendo assim Santos (1997, p. 70) conclui O espao geogrfico deve ser

    considerado como algo que participa igualmente da condio do social e do fsico,

    um misto, um hbrido.

    Fizemos este breve resumo sobre o conceito de espao de Milton Santos,

    porque pretendamos aqui tecer um conceito de espao o mais abrangente e

    completo possvel. Mas o nosso ponto principal o que Santos considera, porm

    no aprofunda em sua obra, ou seja, a ordem do simblico, aspecto que

    amplamente estudado e difundido na Geografia Humanstica/cultural.

    Dentro desta perspectiva encontramos a definio de Bailly (1995, p. 27) que

    considera espao como uma poro de superfcie terrestre onde homens de

    ideologias diferentes buscam impor suas representaes e suas prticas. Cada

    espao est, ento carregado de valores econmicos, sociais e mentais.

    Diferentemente do conceito de Santos que foi descrito acima, Bailly, considera em

    seu conceito os mesmos aspectos: objetos (poro da superfcie terrestre) e aes

    (representaes e prticas), porm a diferena significativa neste dois conceitos

    que Santos deixa subentendido, o que Bailly expressa claramente, com um enfoque

    bem humanista, por admitir a existncia de homens, de ideologias, de

    representaes, de prticas, e de valores de diferentes esferas.

    Antes de aprofundarmos a anlise do espao sob a perspectiva da Geografia

    Humanstica/Cultural, queremos trabalhar com o conceito de espacialidade sob a

    perspectiva de Silva (2001). A autora em questo, assim como Milton Santos define

    espao segundo uma concepo de totalidade, partindo deste princpio Silva (2001,

    p. 22) considera a espacialidade como o suporte do que geogrfico, sendo uma

    continuidade material de espaos, com contornos definidos. Silva (2001) analisa o

    espao geogrfico atravs do processo produtivo, onde o espao se concretiza

    atravs de momentos espaciais, que extrapolam as fronteiras municipais,

    estaduais ou continentais, sendo o espao geogrfico impossvel de ser delimitado

    em termos de extenso, ele heterogneo, descontnuo e sobreposto. Partindo

    desta anlise, optamos em trabalhar com o conceito de espacialidade proposto por

    Silva (2001), por que no delimitamos um momento espacial para a nossa anlise,

    mas sim espaos articulados em escalas hierrquicas (segundo a diviso poltico-

  • administrativa: local, municipal, estadual, nacional e planetria), onde a continuidade

    material de espaos considerada. Aps esta ressalva, partiremos para o espao

    como os humanistas o concebem.

    Para Tuan (1983, p. 134) o espao adquire formas subjetivas e objetivas. O

    primeiro pertence ao mundo mental: significa o corao das coisas, o aspecto

    interno da experincia; e o segundo essencialmente um plano horizontal

    orientado nas quatro dimenses cardeais.

    Ao longo do livro Espao e Lugar (1983) Tuan vai definindo esses dois

    conceitos fazendo um contraponto entre um e outro. Neste sentido a idia de

    movimento (ao) tambm est presente, sendo que de o espao permite

    movimento lugar pausa (TUAN, 1983, p. 6) e o espao experienciado quando

    h lugar para se mover (1983, p. 13) e ao movimento que Tuan (1983, p. 132)

    atribui a construo do nosso sentido de espao. Esta idia de movimento faz com

    que Tuan (1983, p. 61) afirme que o espao um smbolo de liberdade no mundo

    ocidental, sendo o lugar um sinnimo de segurana e de pausa.

    Sempre fazendo correspondncia entre os dois conceitos, em vrios trechos

    de seu livro Tuan utiliza-se do primeiro para definir o segundo desta forma espao

    mais abstrato que lugar. O que comea como espao indiferenciado transforma-

    se em lugar medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. (TUAN

    1983, p. 6); O espao fechado e humanizado lugar. Comparado com o espao, o

    lugar um centro calmo de valores estabelecidos. (p. 61); Quando o espao nos

    inteiramente familiar, torna-se lugar.; O espao transforma-se em lugar na medida

    em que adquire definio e significado. (1983, p. 151)

    Acreditamos que a dificuldade e at mesmo inteno de Tuan, que para

    definir espao sempre se reporta ao conceito de lugar, traar um paralelo entre o

    antes e o depois. O conceito de espao sempre foi um conceito hegemnico e vlido

    na geografia positivista, ao relacionar este conceito j consolidado, com o conceito

    de lugar, Tuan prope uma mudana de enfoque: do geral para o particular, do

    racional (considerado objetivo) para o subjetivo buscando a compreenso ao invs

    da explicao.

  • 3.1.1 A noo de espao

    Desde que nascemos sempre tivemos o espao ao nosso redor, de acordo

    com Oliveira (1999, p. 200) a aprendizagem do espao fundamental para a

    sobrevivncia do organismo humano e, dadas as propores do espao terrestre, o

    homem necessita manipular esse espao de forma vicria ou simulada. Desta

    forma, conforme o nosso desenvolvimento biolgico e cognitivo foi ocorrendo, este

    espao foi sendo ampliado. De acordo com Piaget (1972, p. 218) no recm nascido,

    no existe um espao como continente, pois no existe objeto [inclusive o corpo

    prprio que no naturalmente concebido como um objeto]. Existe uma srie de

    espaos heterogneos uns aos outros, e todos centrados sobre o corpo prprio.

    Assim os espaos vo sendo vinculados possibilidade de explorao que a criana

    possui: o espao bucal, ao espao visual, o espao tctil e o espao auditivo. Como

    se a cada sentido da criana, um novo e distinto espao fosse formado, sem

    coordenao alguma entre eles, o que s ir ocorrer mais tarde, com o incio do

    processo de descentrao, que segundo Castrogiovanni (2003, p. 35) consiste em

    compreender a posio e o movimento dos objetos exteriores no mais em relao a

    si prprio (observador), mas com relao a outros objetos. Neste sentido Tuan

    (1983, p. 151) aponta que o espao da criana se amplia e se torna mais bem

    articulado medida que ela reconhece e atinge mais objetos e lugares

    permanentes.

    Esta evoluo (revoluo) espacial ocorre naturalmente, na qual a criana s

    precisa de seu corpo, de objetos e de interaes que lhe promovam descobertas,

    sendo que o processo de abstrao prende-se no mais s propriedades dos

    objetos, mas s aes exercidas sobre eles, isto , s coordenaes das aes, ou

    ainda s estruturas mentais do sujeito (OLIVEIRA, 1999, p. 200). O que se torna

    evidente aqui, que o desenvolvimento da concepo da noo de espao inicia-se

    antes do perodo de escolarizao da criana, que, em nosso pas, comea por volta

    de 7 anos com seu ingresso no primeiro grau (ALMEIDA e PASSINI, 1994, p. 11).

    Na escola, toda essa construo espacial progressiva, dever ser sistematizada

    voltada para a compreenso das formas pelas quais a sociedade organiza seu

    espao o que s ser plenamente possvel com o uso de representaes formais

    (ou convencionais) desse espao. (ALMEIDA e PASSINI, 1994, p. 11) Alm disso,

  • de uma forma prtica e cotidiana, todos precisamos nos localizar, representar,

    informar e procurar lugares, isto , manter relaes espaciais.

    A construo da noo de espao no pode ser ensinada, mas sim

    desenvolvida. Este desenvolvimento/construo, conforme j mencionamos acima,

    tem haver com o processo de descentrao pelo qual a criana passa, sendo que

    inicialmente a criana possui um egocentrismo radical nos termos de Piaget (1970)

    e/ou primitivo por Castrogiovanni (2003), mesmo ainda sem ter conscincia do

    prprio corpo. Com o passar do tempo, atravs das interaes que a criana vai

    estabelecendo, ela vai se desvinculando progressivamente do egocentrismo

    radical/primitivo rumo descentralizao, isto , agora existem outros centros que

    no apenas a criana, podendo-se agora compreender a posio e os movimentos

    dos objetos uns com relao aos outros. Com isto os espaos vo se ampliando

    tambm, pois a criana delimita os espaos conforme consegue conceb-los. O

    desenvolvimento da noo de espao ocorre de forma simultnea evoluo

    cognitiva da criana. Na escola, no existe uma disciplina exclusiva que seja

    responsvel por este desenvolvimento. Mas considera-se essencial, que dentro dos

    contedos de Geografia, o trabalho com o desenvolvimento das noes espaciais

    seja valorizado, pois o ensino de Geografia posterior depender de estruturas

    constitudas na infncia, onde s ser possvel compreender espaos abstratos

    (mapas e representaes) com as relaes espaciais iniciais bem constitudas.

    Almeida e Passini (1994, p. 26 - 28) explicam que a psicognese da noo

    de espao passa por nveis prprios da evoluo geral da criana na construo do

    conhecimento: do vivido ao percebido e deste ao concebido. Ainda segundo as

    autoras o espao vivido, o espao de ao da criana, desvendado atravs do

    movimento e deslocamento; no espao percebido os espaos podem ser

    rememorados, sem a necessidade imediata da experimentao fsica; e o espao

    concebido, que compreendido a partir dos 12 anos, no qual se torna possvel a

    relao entre espaos e elementos apenas atravs de sua representao.

    Paralelamente ao desenvolvimento da noo de espao, ocorre a tomada de

    conscincia do espao corporal, sob dois aspectos: o esquema corporal e a

    lateralidade. O esquema corporal desenvolve-se progressivamente do nascimento

    at a adolescncia, ele a base cognitiva sobre qual se delineia a explorao do

    espao que depende tanto de funes motoras, quanto da percepo do espao

  • imediato (ALMEIDA e PASSINI, 1994, p. 28). a partir dele, que a criana

    perceber o seu corpo, o seu espao e as respectivas relaes entre eles.

    No que diz respeito noo de lateralidade, que a percepo da existncia

    de dois lados no corpo (direita e esquerda), e a predominncia de um lado sobre as

    aes corporais, sabe-se que a tomada de conscincia por parte da criana, inicia-

    se a partir dos 5 anos.

    Simultaneamente ao desenvolvimento da noo de espao, ocorre o

    desenvolvimento das relaes espaciais. Piaget e Inhelder, em seu livro: A

    representao do espao na criana (1981), denominam trs tipos de relaes

    espaciais: as relaes topolgicas elementares; as relaes com o espao projetivo

    e as relaes com o espao euclidiano, fundamentais para a criana conceber e

    representar o espao.

    De acordo com Almeida e Passini (1994, p. 31 33) as primeiras relaes

    formadas pela criana so as topolgicas elementares, que se estabelecem no

    espao mais prximo, usando referenciais elementares como: dentro, fora, ao lado,

    na frente, atrs, perto, longe, etc., consideradas a base para a constituio das

    relaes posteriores mais complexas, utilizadas de forma cotidiana, bem como no

    trabalho sobre o espao geogrfico e cartogrfico. As relaes espaciais se

    processam na seguinte ordem: vizinhana (ao lado); separao (os objetos no

    esto ligados uns com os outros, existem fronteiras entre eles); ordem (antes, entre

    e depois); envolvimento (entorno, trechos que se encaixam) e continuidade (na

    impossibilidade da ausncia de espao, faz-se recortes espaciais). Para o

    desenvolvimento dessas noes, na escola, o professor dever trabalhar com

    atividades ldicas e rtmicas, tendo como base referencial o corpo da criana.

    Com relao s capacidades espaciais de acordo com Lowenthal (1961, in

    Christofoletti, 1982, p. 111) as crianas so incapazes de organizarem os objetos

    no espao, de imaginarem lugares fora do seu alcance, ou para generalizarem a

    partir de experincias perceptivas, as crianas so especialmente pobres

    gegrafos. Neste sentido Almeida e Passini (1994, p. 26) e Castrogiovanni (2003, p.

    22) assinalam que a partir do momento em que a criana comea a conceber a

    posio dos objetos em espaos mais amplos, utilizando estruturas de relaes

    espaciais que vo alm das topolgicas elementares, que podemos iniciar o ensino

    de Geografia com as crianas, o que ocorre a partir do momento em que a criana

  • concebe o espao com perspectiva, passando a conservar a posio dos objetos e a

    alterar o ponto de vista.

    O professor poder aproveitar este momento em que as crianas por si s

    tem um gosto maior pelo desenho e iniciar com elas a alfabetizao cartogrfica.

    Muitos se assustam com o termo cartografia, por no compreenderem o seu

    significado. Holzer W. e Holzer S. (2006, p. 201) definem cartografia como: Um ato

    de comunicao intersubjetivo, tambm uma maneira de se colocar no mundo, a

    arte ou a cincia de represent-lo, de se orientar, trazer o l para o aqui, tornar o

    espao familiar, torn-lo um lugar.

    Partindo deste conceito, rumo ao ensino de Geografia mais abstrato, os

    alunos sero mapeadores de espaos prximos e conhecidos, o corpo, a escola, a

    casa, etc., sero elementos representados com prazer, que com o auxlio do

    professor, podem receber, ttulos, legendas, orientao, ou seja, estrutura de

    primeiros mapas, mas com elementos que vo alm da cartografia sistemtica,

    esto a tambm, as pessoas, os sentimentos, os gostos e desgostos.

    Esta a base fundamental para o surgimento das relaes projetivas

    (compreenso de relaes mtrica) e euclidianas (coordenar pontos de vista), que

    so a possibilidade de manter relaes entre objetos apenas em sua representao.

    A sua construo implica a conservao de distncia, comprimento e superfcie e a

    construo da medida de comprimento. (ALMEIDA E PASSINI, 1994 p. 39)

    As relaes projetivas e euclidianas so o embasamento necessrio para a

    aquisio de conhecimentos geogrficos abstratos, como as coordenadas

    geogrficas (paralelos e meridianos) e consequentemente o entendimento de

    convenes cartogrficas universais. Este desenvolvimento ocorre de forma gradual,

    facilitado ou no pela estimulao ambiental, vivncia scio-cultural, bem como de

    mecanismos biolgicos prprios, como a hereditariedade.

  • 3.1.2 Espao vivido

    Segundo Kozel (2001, p. 147) o conceito de espao vivido surge na obra de

    Armand Frmond10, que diferencia a relao dos homens com os lugares em duas

    diferentes escalas: o espao de alienao e o espao vivido. O primeiro espao

    destitudo de valores, sendo apenas uma soma de lugares regulados por

    mecanismos de apropriao e condicionamentos da reproduo social; enquanto no

    segundo o espao passa a ser analisado em sua dimenso afetiva e imaginria,

    refletindo o vivido, que pode ser observado em diferentes escalas. De acordo com

    Gomes (2003, p. 320) Frmont utiliza-se da psicologia gentica e da psicanlise

    para a investigao do vivido, pois para ambas o comportamento humano no pode

    ser estudado independentemente da conscincia, que diferencia a conduta humana

    daquela dos outros organismos.

    Frmont11 (1988, p. 68, citado por BAILLY, 1995, p. 157) justifica que procura

    atravs da palavra vivido sintetizar relaes complexas dos homens e seus

    espaos de vida, materiais, ecolgicos e psicolgicos, no havendo neutralidade

    nem no olhar do gegrafo que tambm possuem espaos vividos.

    Gomes (2003, p. 317) afirma que o espao vivido visto como uma das

    dimenses da geografia, e o racionalismo outra, considerando a pluralidade

    necessria e complementar. Os estudos abordados sob o aspecto de espao vivido,

    tambm tem como base os estudos regionais, sendo considerado a relao de

    empatia entre o pesquisador e o espao.

    O vis do espao vivido na cincia geogrfica tem como objetivo principal

    fornecer um quadro interpretativo s realidades vividas espacialmente. (GOMES,

    2003, p. 320) neste contexto, o gegrafo torna-se um personagem ativo na

    comunidade estudada.

    De acordo com Gomes (2003, p. 325) as abordagens do espao vivido so

    similares quelas da geografia fenomenolgica, que pretendem de certa forma

    consolidar uma unio entre o discurso geogrfico e as bases tericas e

    metodolgicas da fenomenologia. Unio esta que segundo Buttimer (1976, in

    10 FREMONT, A. La Rgion, espace vcu. Paris: PUF, 1976. 11 FREMONT, A. Le gographe et l vcu. Revue ds sciences morales et politiques, 1, p. 67-78.

  • Christofoletti, 1982, p. 171) apresenta dificuldades, e que segundo a autora vale a

    pena dirigir-se mais para o esprito do propsito fenomenolgico do que para a

    prtica dos procedimentos fenomenolgicos.

    Com base na fenomenologia de Edmund Husserl12, na dcada de 70, o

    conceito de espao vivido denominado mundo vivido, definido como conjunto de

    coisas, valores, bens e mitos inerentes a um mundo subjetivo, onde o fato cultural

    portador de sentido e gerador de significados, que so pessoais e constroem o

    mundo atravs da troca de significaes. (KOZEL, 2001, p. 147)

    Segundo Kozel (2007, p. 120) o conceito de mundo vivido passa a ser um

    aporte significativo para entender os mapas mentais, no s como uma construo

    cognitiva que visa imitar a realidade, mas como uma construo sociocultural.

    Juntamente com o conceito de mundo vivido, outro conceito que

    revalorizado pela Geografia Humanstica/Cultural, o conceito de lugar, que

    tambm est envolto em significaes, preferncias, proximidades e

    representaes.

    3.2 O QUE LUGAR?

    A palavra lugar denota um sentido de localizao. O que caracteriza os

    lugares so as suas diferenas, o oposto nos leva a crer que todos os lugares

    seriam iguais. Na Geografia Humanstica/Cultural, o lugar, que anteriormente levava

    caracterizao das reas, recebe um novo significado, um novo sentido: o de

    pertencimento, familiaridade.

    Quando definimos espao (item 3.1) citamos vrios trechos do livro Espao e

    lugar, de Tuan, escrito em 1983, onde o autor, em alguns momentos, faz um

    paralelo entre espao e lugar. Para definir lugar, utiliza-se das seguintes palavras:

    pausa, segurana, conhecimento, valor, fechado, humanizado, calma, familiaridade,

    definio, significado, entre outras. Nesse sentido, o lugar no possui um escala

    definida, pode ser uma pessoa, um objeto ou um espao maior como a casa ou o

    12 HUSSERL, E. The crisis of European science and transcendental Phenomenology. New York: Orthwestern University Press, 1970.

  • bairro, por exemplo, desta forma a me pode ser considerada como o primeiro lugar

    da criana (TUAN, 1983, p. 32). Assim sendo, o aumento da escala impossibilita,

    progressivamente, um relacionamento espacial direto (BONNEMAISON13, 1981,

    citado por W. e S. HOLZER, 2006, p. 210), o que faz com que no se possa

    considerar um espao como lugar em escalas aumentadas.

    Segundo Tuan (1983, p. 198) O lugar um mundo de significado organizado.

    essencialmente um conceito esttico. Se vssemos o mundo como processo, em

    constante mudana, no seramos capazes de desenvolver nenhum sentido de

    lugar. Isso explica o fato deste conceito ter surgido no seio desta geografia, que se

    preocupa muito mais com particularidades do que com as generalidades do mundo.

    Tuan (1983, p. 199) descreve trs categorias de lugar: a meta, o lar e as

    parada no caminho. O lar o mundo estvel a ser transcendido, a meta o mundo

    estvel a ser alcanado, e os acampamentos so paradas de descanso no caminho

    de um mundo para o outro. Podemos dizer que as categorias definidas por Tuan

    transformam um ponto qualquer no espao em lugar, na medida em que um local

    como a casa, de onde provm parte de nossa subsistncia, torna-se algo mais,

    torna-se lar, envolvendo sentimentos de amor, tranqilidade e at mesmo saudade.

    Kozel (2001, p. 153) com base na fenomenologia, abordagem que tambm

    fundamenta os estudos do lugar, afirma que o homem percebe o mundo

    atravs de seu corpo, da ao e dos sentidos que ele constri ao se apropriar do espao, sendo que o lugar se reflete nesta poro apropriada para se viver: a casa, a praa, a rua, o bairro, vivida, sentida e reconhecida. Estes lugares a medida em que se inserem no cotidiano dos homens vo obtendo significados, provenientes do uso.

    Desta forma podemos dizer que na medida em que nos apropriamos do

    espao, atravs do nosso mundo vivido, transformamos espaos em lugares.

    A definio de lugar de Bailly (1995, p. 27) feita de forma conjunta com a de

    territrio, para ele

    o sentido do lugar se manifesta pelo sentimento de pertencimento espaos definidos, sentimentos que corresponde ao mesmo tempo prticas e aspiraes territoriais. Um lugar, qualquer que seja, no

    13 BONNEMAISON, J. Voyage autour du teritorie. LEspace Gographique, v. 10, n 4, 1981.

  • pode nunca ser tomado em si mesmo; ele s ganha sentido em relao s sociedades que criaram sua histria e forjam seu futuro.

    O conceito de lugar e de mundo vivido e de lugar na Geografia

    Humanstica/Cultural serem para explicar o ilgico, o irracional que certa forma

    tambm nos conduzem e moldam espaos. Por que moramos, compramos e

    trabalhamos em determinado lugar? Se existem lugares mais perto, mais baratos,

    mais bvios, por que nos deslocamos tanto? Prevalece muitas vezes a lgica da

    emoo, do sentimento, da preferncia, e isso, dificilmente a lgica do capital

    conseguir entender.

    3.3 ESPAO E REPRESENTAO: OS MAPAS, PR-MAPAS E

    MAPAS MENTAIS

    Para representar e localizar espaos geralmente nos utilizamos de mapas.

    Existem diversas formas de mapear espaos, cientficas ou no, que geralmente

    revelam muito mais do que espaos, revelam tambm idias e contextos. nesse

    sentido que queremos desvendar o que h por trs dos mapas.

    3.3.1 OS MAPAS

    O mapa mais antigo que se tem notcia foi descoberto em 1963, numa

    escavao arqueolgica em atal Hyk, na regio centro-ocidental da Turquia,

    representava um lugar sagrado do povoado neoltico do mesmo nome, foi elaborado

    a 6000 anos a.C. (HARLEY14, 1991, p. 5 in KOZEL, 2001, p. 166). Levando em

    considerao que um dos acontecimentos mais marcantes da humanidade foi a

    14 HARLEY, J. B. A nova histria da Cartografia. O Correio da Unesco. So Paulo: FGV, v. 19, n. 8, p. 4-9, 1991. (Mapas e Cartgrafos)

  • escrita, que ocorreu por volta de 4000 a 3200 a.C. (SILVA, 1985, p. 25) podemos

    concluir que o mapeamento antecede a escrita. (OLIVEIRA, 2006, p. 229)

    Mas afinal, o que mapa? Fomos buscar esta resposta com base na

    Cartografia, cincia que apesar de ter sido denominada como tal pela ONU apenas

    em 1949 (KOZEL, 2001, p. 168) j estuda mapas h muito tempo.

    Desta forma encontramos em Vieira et al. (2004, p. 2) que a palavra mapa

    oriunda da Idade Mdia, da palavra latina mappae, empregada para denominar o

    mapa do mundo, em latim mappae mundi, que denota pano do mundo. Com base

    nos conceitos de KEATES15 (1988, p.3) e Natural Resources Canad16 (2004