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Dissertação de mestrado que foi desenvolvida para analisar, através da análise de mapas mentais, como ocorre o processo de construção da noção de espaço em crianças do ensino fundamental.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN
MICHELE BATISTA PEREIRA
DO PRXIMO AO DISTANTE: A CONSTRUO DO CONCEITO DE ESPAO GEOGRFICO EM CRIANAS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
CURITIBA 2008
MICHELE BATISTA PEREIRA
DO PRXIMO AO DISTANTE: A CONSTRUO DO CONCEITO DE ESPAO GEOGRFICO EM CRIANAS DO
ENSINO FUNDAMENTAL
Dissertao de mestrado, apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Geografia, do Setor de Cincias da Terra, da Universidade Federal do Paran.
Orientadora: Salete Kozel
CURITIBA 2008
Dedico este trabalho a todos aqueles que esperaram, escutaram, ouviram, rezaram, opinaram e torceram
por mim.
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar a Deus, pelas oportunidades, dificuldades, inspiraes,
pessoas, msicas, enfim tudo aquilo que fez parte de minha vida nestes ltimos
anos.
Ao meu esposo Mrcio que compartilhou comigo as alegrias e tristezas deste
mestrado, e soube estar ausente e presente nos momentos certos.
equipe administrativa e pedaggica do CEI Pedro Dallabona pela
oportunidade de pesquisar, estudar e trabalhar no primeiro ano deste mestrado; Aos
professores e alunos desta unidade de ensino, aos primeiros pela torcida,
companheirismo e apoio e aos segundos pela participao no desenvolvimento
desta pesquisa. Em especial amiga (irm de corao) Joelise, pelo apoio,
dedicao e torcida.
Prefeitura Municipal de Curitiba que me proporcionou a oportunidade de
dedicao exclusiva por um ano, atravs de licena com vencimentos.
minha me Jane que sempre se preocupa com o meu bem estar e reza
muito por mim.
minha cunhada Josiane pelos conselhos, dicas, apoio e incentivo.
Aos primos Leandro e Aline pela ajuda com as coisas mais concretas.... livros,
scanner, computador....
prima e irm Cris pelas muitas conversas que tivemos sobre a vida e sobre
o mestrado, e pelo apoio e, sobretudo, escuta, das diversas idias que tive at
chegar a uma nica opinio, que se fez concreta nesta pesquisa, e tambm pelas
muitas pginas impressas.
tia e me Nia, pelo apoio, dedicao, escuta e comidinhas...
A todos os colegas do mestrado, de todas as disciplinas cursadas, pela
recarga de energia, troca de materiais, idias e aflies.
Anglica, amiga e colega, que se fez presente nas caronas, vira-voltas de
nibus, telefonemas, longas, longas mesmo, conversas, verdadeiras aulas sobre
fenomenologia, Dardel, Kant.... e tantos outros assuntos que tratamos.
A todos os professores do Programa de Ps-Graduao em Geografia, da
UFPR, em especial, Salete Kozel, que me ofereceu toda autonomia para gerir este
trabalho, porm com sbios puxes de orelha que me traziam de volta para a
Geografia, para o meu trabalho.
Agradeo tambm a Francisco Mendona e Silvio Fausto Gil Filho, que
participaram da minha qualificao e contriburam com vlidas e sbias
consideraes.
Luiz Carlos Zem, ou apenas Zem pela amizade, prontido e pelos muitos
galhos quebrados.
Aos colegas de mestrado que cuidam do CDM, que embora no sabendo se
tem, ou onde est esto sempre dispostos a ajudar.
psicloga Valria, que me acompanhou ao longo da gestao e parto desta
pesquisa.
Aos amigos da natao/hidro presentes nos poucos momentos de
desestress e comilana, bem como nas reflexes, desabafos e euforias deste
perodo.
Aos amigos encarnados e desencarnados da SER, pelo incentivo e presena,
mesmo que virtual.
Enfim, agradeo a todos que ajudaram de alguma forma na realizao desta
pesquisa.
Voc no sabe O quanto eu caminhei
Pr chegar at aqui Percorri milhas e milhas
Antes de dormir Eu nem cochilei
Os mais belos montes Escalei
Nas noites escuras De frio chorei, ei , ei
Ei! Ei! Ei! Ei! Ei!...
A vida ensina E o tempo traz o tom
Pr nascer uma cano Com a f do dia-a-dia
Encontro a soluo Encontro a soluo...
Quando bate a saudade
Eu vou pro mar Fecho os meus olhos
E sinto voc chegar Voc, chegar...
[...]
Meu caminho s meu pai
Pode mudar Meu caminho s meu pai
Meu caminho s meu pai...
(A estrada, Toni Garrido, Lazo, Da Gama, Bino)
1 INTRODUO
A relao dos homens com os lugares geralmente denota afetividade. Uma
das provas disso a denominao que dada a cada um deles. Toponmia o
estudo do nome dado a cada lugar. Muitos so os fatores que motivam e influenciam
na escolha dos nomes dados aos lugares: o nome da amada, do morador mais
antigo, de uma caracterstica fsica do lugar, a abundancia de alguma espcie
vegetal, entre outros.
Alm da denominao, outro aspecto que podemos dar aos lugares a sua
localizao. Com isto temos atualmente um grande quebra-cabea com lugares
denominados, localizados e articulados entre si. Para melhor planejamento e
administrao dos lugares, estes possuem instancias hierrquicas que os
denominam: local, municipal, estadual, nacional, continental, mundial, sendo que
cada uma destas instancias apesar de individualizada, mantm relaes nas
diferentes esferas, que de certa forma so dependentes e complementares no
contexto atual em que vivemos.
Desta forma, toda vez que algum menciona o nome de determinado lugar,
se no o conhecemos, resgatamos em nossa memria o que sabemos dele;
fazemos imagens com todo o contedo mental que agrupamos desde o nosso
nascimento; ou do contrrio evocamos lembranas, sentimentos, emoes que o
simples nome do lugar nos traz. Um dos recursos utilizados para o registro destas
imagens so os mapas mentais. Atravs do uso destes mapas, encontramos uma
maneira de captarmos representaes das pessoas, provenientes do senso comum,
para entendermos contextos e delimitarmos o ponto de partida para o ensino, o
planejamento e compreenso do comportamento humano.
Queremos tratar aqui do problema que existe na abstrao de espaos,
prximos e distantes, problema este que apontado por Tuan (1976) quando diz:
Algumas pessoas tem falta de um senso formalizado de espao e lugar; elas podem
achar seu caminho no seu mundo, mas esta habilidade no transformada em
conhecimento que possa ser passado adiante verbalmente ou em mapas e
diagramas. Professores de Geografia (e at mesmo de outras reas) de diferentes
sries, nveis, etapas, demonstram como difcil trabalhar com noes espaciais e
espaos em diferentes escalas, devido dificuldade de abstrair, ou seja, transpor o
que visto de forma tridimensional ao bidimensional. Quando se trata de espaos
prximos esta abstrao facilitada, pela vivncia com o espao concreto, vivido e
imediato. Mas como isso ocorre com espaos maiores, cuja percepo direta
impossvel?
Assim, pretendemos tratar aqui da noo de espao de alunos do ensino
fundamental com faixa etria de 7 a 11 anos, evocada atravs do nome de
determinados lugares, dos quais fazem parte, atravs da representao dos
mesmos em mapas mentais. O que faremos balizados pelas seguintes perguntas:
Como se d a construo da noo do espao? De que forma ocorre o processo da
abstrao de espaos prximos e distantes? Qual a relao existente entre noo
de espao e mapas mentais? Quais so os fatores que influenciam na construo da
noo de espao? De que forma o seu desenvolvimento representado em mapas
mentais? Essas questes so o cerne da nossa pesquisa, com o intuito de
respond-las, tomaremos por base o enfoque Humanstico/Cultural que tem feito
parte dos trabalhos de Geografia desde a dcada de 1970. Dentro desta
perspectiva, os conceitos de espao e lugar norteiam o nosso entendimento.
O universo da pesquisa emprica ser de vinte alunos do ensino fundamental,
sendo cinco da primeira srie, cinco da segunda srie, cinco da terceira srie e cinco
da quarta srie. Partimos da representao de espaos atravs de mapas mentais,
do mais prximo: a sala de aula, a escola, o bairro, a cidade, o estado, o pas e o
planeta; todos estes denominados: CEI Pedro Dallabona, rleans, Curitiba, Paran,
Brasil e Terra; para chegarmos ao longe. O que seria o longe para cada um destes
alunos? No aspecto emprico temos por principais objetivos: analisar atravs de
mapas mentais de que forma crianas de diferentes idades e sries, representam
espaos articulados de forma hierrquica entre si, pela evocao de seus nomes;
verificar se esta articulao demonstrada de um mapa mental para outro; e
tambm, averiguar o que estas crianas caracterizam como longe.
A hiptese a respeito que as crianas em questo so capazes de
representar espaos de diferentes dimenses pela evocao de seus nomes, porm
apresentaro dificuldade para articular esses lugares entre si. Acreditamos tambm
na existncia de diferenas significativas no que diz respeito representao e sua
relao com as idades analisadas, sendo que supomos que o grau de abstrao
encontrado nos mapas mentais dos alunos de terceira e quarta srie maior. A
respeito do longe julgamos que este conceito muito subjetivo, e que desta forma,
conforme a noo espacial de cada aluno o longe, que dado pelo conhecimento de
mundo de cada um, pode ser perto em termos de localizao espacial.
Diante do exposto, o desenvolvimento do trabalho estruturou-se em trs
captulos: sendo que os captulos 2 e 3, so destinados fundamentao terico-
metodolgica necessria para subsidiar a anlise do objeto de estudo desta
pesquisa, que ser feita no captulo 4 da presente dissertao.
Deste modo, no captulo 2, buscamos o entendimento das abordagens
humanistas dentro da geografia. Para isso, fizemos um breve histrico e
aprofundamos a pesquisa em duas vertentes humanistas: A Geografia do
Comportamento e da Percepo e a Geografia Humanstica/Cultural. Dentro da
primeira destacamos os conceitos de cognio, fazendo algumas consideraes
sobre a Epistemologia Gentica, e percepo. Na segunda enfatizamos o conceito
de representao.
No captulo 3 partimos para a anlise e entendimento das duas categorias
geogrficas que elegemos para nortear o nosso entendimento: espao e lugar;
dentro da anlise da categoria espao, abordamos de forma epistemolgica o
conceito de espao, buscando inicialmente a definio que dada pelos gegrafos
humanos e humanista/culturais. Com o conceito de espao definido, partimos em
busca de como a noo de espao desenvolvida e percebida pelos seres
humanos. Desta forma, chegamos ao conceito de espao vivido, que permeado de
subjetividades e transfere o foco do conceito de espao para o conceito de lugar.
Num segundo momento, s que neste captulo ainda, partimos para a representao
do espao, inicialmente atravs da definio de mapa oriunda da cartografia e
permeada pelo rigor cientfico. Desta forma buscamos atravs das principais
caractersticas, mecanismos de controle, funes dos mapas, estabelecer um
parmetro para a definio de pr-mapas e mapas mentais, que apresentam
elementos diferentes daqueles exigidos pela cientificidade da cartografia, porm
importantes da mesma forma.
No captulo 4 partimos para a anlise e interpretao dos mapas mentais
obtidos, para isso utilizamos a metodologia desenvolvida por Kozel (2001). Optamos
por dividir a anlise dos mapas em duas partes: uma destinada ao conjunto de
mapas com espaos previamente estabelecidos que inclui: a sala de aula, a escola,
o bairro, a cidade, o estado, o pas e o planeta; e outra, destinada ao mapa mental
do longe, sem espacialidade indicada pelo pesquisador, portanto livre. Como um
contraponto entre ambas as partes, analisamos de forma comparativa os resultados
de todos os mapas obtidos. Como nosso interesse perpassa por espacialidades de
diferentes escalas, procuramos resgatar atravs de espacialidades j estudas
anteriormente, de que forma outros pesquisadores relacionam as mesmas aos
mapas mentais.
Aps a anlise e interpretao dos mapas mentais, de forma conjunta,
optamos pelo exame individual de cada aluno e seu conjunto de mapas, para
verificar se os espaos foram representados de forma articulada. Outra verificao
que se fez necessria diz respeito aos espaos denominados que surgiram no
conjunto de mapas mentais obtidos. Desta forma, agrupamos estes nomes para
verificar quais os mais lembrados de forma generalizada e por srie.
Enfim, a relao existente entre lugar e espao, prximo e distante, denotam
muito mais do que as espacialidades que correspondem, vo alm... Denotam a
cognio, a percepo, o espao vivido e as representaes, interfaces que vem e
so vistas do/no lugar. A Figura 1 Mapa Conceitual da Pesquisa expressa
sinteticamente estas relaes.
FIGURA 01 - Mapa Conceitual da Pesquisa
LUGAR
Sala de aulaEscolaBairroCidadeEstadoPasPlaneta
ESPAO
Longe?
NO
O D
E ESPA
O
Fonte: O autor (2008)
2 ABORGENS HUMANISTAS NA GEOGRAFIA
Atravs da abordagem Humanista encontramos algumas linhas de
pensamento dentro da Geografia que permitem tratar do ser humano de uma forma
integrada ao seu meio respeitando valores, sentimentos, percepes e vivncias, ou
seja, aspectos que anteriormente no eram explorados. Num primeiro momento
trataremos dos antecedentes histricos que conduziram s abordagens humanistas
na geografia, e posteriormente nos reportaremos de forma mais especfica
Geografia do Comportamento e da Percepo e Geografia Humanstico-Cultural.
2.1 ANTECEDENTES HISTRICOS
Existem muitas maneiras de olhar as coisas, muitos vieses, pontos de vista.
Isto ocorre com tudo e, sobretudo com a cincia. No meio cientfico esses pontos de
vista foram denominados paradigma. Kuhn1 define paradigma (1962, 1975, citado
por AMORIM FILHO, 2007, p. 16) como um supermodelo que fornece regras
intuitivas e indutivas sobre os tipos de fenmenos que os cientistas de uma
determinada disciplina deveriam investigar e os melhores mtodos de investigao.
Cada conjunto de regras, objetivos e mtodos em voga, em toda cincia, inclusive
na Geografia, precisa ser denominado, classificado e datado.
Algumas caractersticas encontradas na histria da geografia permitem
classific-la, desta forma Claval2 (1982, citado por Gomes, 2003, 46) pontua trs
cortes que distinguem o pensamento geogrfico: o primeiro, no final do sculo XVIII,
representado pelos nomes de Ritter e Humboldt, caracterizado pela sistematizao
da explicao e por uma descrio metdica na geografia.; o segundo, no final do
sculo XIX, caracterizado pela institucionalizao da disciplina e pela
1 KUHN, T. S. A estrutura das revolues cientficas. So Paulo: Editora perspectiva, 1975. (Edio original, 1962) 2 CLAVAL, P. Les grandes coupures de lhistoire de la gographie. Hrotode, 1982, n 25, p. 129-151.
compartimentao do saber geogrfico; e o terceiro, a partir dos anos 50, em que a
Geografia transforma-se em uma cincia social.
Esses trs momentos so definidos de forma mais simplificada por Gomes
(2003, 46) como os tempos hericos, a geografia clssica e a geografia moderna.
Nossa anlise est inclusa no que Gomes denomina a geografia moderna, fase em
que a geografia, ou seja, os gegrafos, mais se preocuparam com paradigmas,
preocupao esta herdada do perodo anterior que conforme vimos a pouco,
marcado pela institucionalizao da Geografia, no final do sculo XIX. Como
disciplina, surge necessidade da Geografia adequar-se ao meio cientfico da
poca, que estava assentado sob o paradigma do positivismo, que propunha um
conhecimento normativo, atravs da enunciao de leis gerais, de procedimentos
uniformes e da obedincia a uma racionalidade estrita. (GOMES, 2003, p. 85)
A lgica cientfica respaldada em paradigmas, previa a necessidade de
sucesso, ou seja, substituio, sempre com a existncia de um modelo
hegemnico e que provavelmente viria a ser substitudo por outro. Desta forma
muitos foram os novos paradigmas geogrficos: quantitativo, sistmico, marxista,
teortico, neopositivista, neomarxista, neo...
Mas como toda ao leva a uma reao, em oposio ao paradigma
hegemnico, sempre existiram outras propostas, outros modos de olhar, que embora
no fossem a direo central sempre coexistiram com ela. Assim,
a partir dos primeiros anos do sculo XX, a fsica, a biologia e a psicologia, por exemplo, colocaram problemas dificilmente tratveis atravs da linearidade positivista. [...] os vinte primeiros anos do sc. XX, so caracterizados pela relatividade, pela descontinuidade e, de certa maneira, pelo sentimento de incerteza e de indeterminao na cincia. (Gomes, 2003, p. 225)
Gomes mais adiante (2003, p.228) afirma que a geografia tambm sofreu as
repercusses destas crticas e mudana de perspectivas metodolgicas, porm a
escolha de uma nica forma de analisar os fenmenos ainda estava presente, sendo
que a grande questo, advinda do fim dos particularismos metodolgicos, a de
saber qual poderia ser o procedimento capaz de ser satisfatrio para o conjunto das
disciplinas e de realizar a unificao da cincia. (GOMES, 2003, p. 246)
A partir da dcada de 50 a geografia passa por um processo de renovao,
com o abandono dos pensamentos at ento em voga, resqucios ainda da
geografia tradicional. De acordo com Mores (1999, p. 94) a partir deste momento
os gegrafos vo abrir-se para novas discusses e buscar caminhos metodolgicos no trilhados. Isto implica uma disperso das perspectivas, na perda da unidade contida na Geografia Tradicional. Esta crise benfica, pois introduz um pensamento crtico, frente ao passado dessa disciplina e seus horizontes futuros.
Moraes (op. cit., 95-96) aponta algumas razes para a crise da Geografia
tradicional, a mudana na base e da realidade social, o monoplio capitalista, a
revoluo tecnolgica, a ao estatal com o planejamento econmico e territorial, a
urbanizao, mecanizao da atividade agrcola, economia mundializada e o
envelhecimento do positivismo clssico, que era a base terica desta geografia.
Com todas estas mudanas econmicas, polticas, culturais, sociais e filosficas, a
geografia pautada na realidade positivista no conseguiu acompanhar as
mudanas, precisando assim passar por um processo de mudana tambm. A
questo agora qual o melhor caminho seguir. Uma srie de alternativas foi
apresentada, nas quais, cada autor defendia a sua hiptese e justificava as suas
escolhas.
Esse pensamento de unificao persistiu pelo menos na Geografia at a
dcada de 70, quando ocorreu um maior debate epistemolgico, debate este que se
tornou mais claro, divulgando suas filiaes filosficas e aceitando o fato de que esta
uma discusso em torno da legitimidade metodolgica. (GOMES, op. cit., p. 272)
Com relao s propostas de mudana apresentadas no interior da geografia
Amorim Filho (2007, p. 25) indica trs grandes orientaes mais importantes da
Geografia durante a dcada de 1970 e os primeiros anos de 1980: as Geografias
Teortico-Quantitativas, as Geografias Radicais/Crticas e as Geografias
Humanistas, cujo de nosso interesse tratar.
Com as duas ltimas propostas a necessidade de entender o humano foi aos
poucos ganhando espao nos interesses dos gegrafos, que se propuseram a
entender relaes, homem-meio, sociedade-natureza, porm, apesar de ser
considerada como uma cincia social, conforme encontramos em Claval (2002, p.
20), a geografia [...] fala muito pouco de homens, preocupa-se com a formao de
paisagens econmicas, porm as supe racionais, como se estes fossem apenas
nmeros e dados estatsticos, que poderiam ser manipulados e orientados por
modelos quantitativos que conduziriam e moldariam o espao.
A geografia humana no v o homem, seu foco apenas a sociedade como
um todo que parece ser nico e uniforme. Essa atitude levou tentativa de uma
generalizao, que apontada por Gomes (2003, p. 311) como
uma perda relativa dos contextos particulares, que so precisamente os elementos fundadores da cultura. , assim, que a explicao pelo procedimento da generalizao toma os fatos por aquilo que no so. As abstraes explicativas lgicas partem, portanto, de premissas globais falsas que reduzem a importncia dos verdadeiros artesos da atividade humana, isto , a cultura, os valores, e as significaes.
Foi com este objetivo que os estudos de percepo adentraram na seara
geogrfica. Como nos aponta Oliveira (2002, p. 189) Desde a dcada de 80, aps a
traduo e publicao da Topofilia e do Espao e lugar, os gegrafos brasileiros se
voltaram para a natureza, no mais dicotomicamente, separada da sociedade, mas
com uma viso holstica, como um todo: natureza/sociedade.
2.2 GEOGRAFIA DO COMPORTAMENTO E DA PERCEPO
Holzer (1997, p. 8) assinala o surgimento da geografia comportamental no
incio da dcada de 60, abordagem esta que de acordo com Goodey e Gold (1986,
p. 11), no ocorreu apenas no seio da geografia, mas tambm entre arquitetos e
planejadores que passaram a mostrar como diferentes percepes de lugares
podem ser usadas para reforar a futura imagem desses lugares, e para reiterar a
importncia das percepes individuais e institucionais no processo de tomada-de-
deciso.
A Geografia da Percepo e Cognio pode ser intitulada geografia do
comportamento, ou da percepo, ou interpretativa, entre outros termos que
poderiam ser utilizados. Goodey e Gold (1986, 11) descrevem como sendo o seu
objetivo principal a valorizao das geografias pessoais, atravs da simpatia por
lugares, indicao de certas direes no espao, preferncias, esteretipos etc que
interferem na nossa ao.
A respeito da denominao geografia da percepo Goodey e Gold (1986,
p. 12) justificam que o termo percepo talvez no tenha sido nunca o mais
correto, mas a causa e a abordagem que ele acabou por representar tm um
significado central para a geografia, e fornece um meio fcil para o intercmbio com
aqueles que foram treinados em outras reas de estudo e pesquisa..
Visando a compreenso do comportamento humano, com base em
concepes subjetivas do mundo a geografia do comportamento e da percepo de
acordo com Goodey e Gold (1986, p. 15) no uma subdisciplina rigidamente
constituda, mas, ao contrrio, um amplo movimento no mbito da geografia.
Os mesmos autores (1986, p. 11) apontam trs reas de pesquisa no seio
desta geografia: a percepo regional, a percepo da forma urbana e o
desenvolvimento da percepo espacial em crianas. Podemos afirmar que os dois
primeiros enfoques estariam mais voltados ao planejamento urbano e regional,
podendo ser de interesse ao desenvolvimento turstico.
J o terceiro, no qual o nosso interesse mais especfico, busca atravs da
percepo das crianas as suas relaes com o desenvolvimento de sua viso
geogrfica. Outro foco possvel o trabalho com a percepo e a educao
ambiental.
Andrade (1987, p. 113) a respeito dos temas estudados pela geografia do
comportamento e da percepo afirma que eles levaro a
Uma tendncia idealizao de tantos espaos quantos forem os indivduos a perceb-los, fazendo com que haja volta a uma posio ideogrfica. Esta posio bsica dificulta qualquer reflexo objetiva, coletiva, de vez que a percepo de cada lugar ser realizada de forma diferente entre os indivduos, sobretudo quando oriundos de classes diferentes [...] No haveria assim uma concepo do espao, quando se passasse do individual ao social, mas uma superposio de espaos para um mesmo lugar.
Essas singularidades que so atribudas aos espaos so prprias do ser
humano, que atravs do seu corpo, suas sensaes e percepes, capta, concebe e
entende o(s) espao(s). Desta forma Andr (1998, p. 3) aponta que La gographie
doit pouvoir faire comprendre et faire apprendre comment les hommes produisent et
cosomment lespace, comment les relations culturelles, conomiques, estructurelles
quils entretiennent avec celui-ci influent sur les transformations des paysages."
Assim, os alunos seriam considerados como produtores do espao, atuando e
compreendendo criticamente o seu espao.
A geografia da percepo no Brasil teve o seu incio na Universidade de Rio
Claro, com a professora Lvia de Oliveira, que utiliza as slidas bases tericas de
Piaget e seus intrpretes (GOODEY E GOLD 1986, p. 11). Sendo tambm tradutora
das obras de Yi-Fu Tuan, fundamentais para este tema. Claval (2007, p. 9) aponta
tambm a contribuio de Lucy Machado e do Professor Lineu Bley na UFPR, que a
ser ver lanaram as bases da Geografia da Percepo e cognio o os
fundamentos da abordagem Humanista-Cultural em Geografia no Brasil.
Como vimos a cognio e a percepo foram conceitos trazidos de outras
reas, sobretudo, da psicologia, para os estudos geogrficos como uma proposta de
melhor conhecer o ser humano e consequentemente as suas prticas. Lvia de
Oliveira, gegrafa e professora que foi considerada como um expoente da Geografia
do Comportamento e da Percepo no Brasil, escolheu como base maior parte de
seus estudos a Teoria da Epistemologia Gentica de Jean Piaget, isso fez com que
procurssemos de certa forma aprofundar nossos conhecimentos sobre cognio e
percepo na referida teoria. Neste momento se faz necessrio uma anlise mais
acurada destes termos.
1.2.1 A cognio
Cognio o ato de conhecer, Ladrire3 (1992, p. 822 apud ANDR, 1998, p.
9-10) vai um pouco alm deste conceito Conhecer uma coisa, entretanto,
assimilar, se tornar interior, fazer suas, e assim se tornar presente aos sentidos o
mais forte... (traduo).
Edgard Morin4 (1986, p. 19 apud ANDR, p. 31) comenta que o
conhecimento do conhecimento somente emergiu como problema fundamental com
a revoluo copernicana de Emmanuel Kant que fez do conhecimento o objeto
3 LADRIRE J. Reprsentation et connaissance. Encyclopdia Universalis, 1992 4 MORIN, E. La connaissance de la connaissance. Paris: Seuil, 1986.
central do conhecimento. A reflexividade kantiana efetua uma objetivao
fundamental da atividade cognitiva, a qual torna-se ento o objeto de um
conhecimento de segunda ordem... Para Kant (1781, p. 3), existem dois tipos de
conhecimento, um que deriva da experincia, considerados por ele a posteriori e o
outro adquirido independente da experincia, considerado a priori.
Os conhecimentos a priori, considerados por ele conhecimentos puros,
investigaes da nossa razo, com temas como: Deus, a liberdade e a imortalidade,
estudados, sobretudo pela Metafsica. (KANT 1781, p. 5)
Sobre a Metafsica, Kant (1781, p. 10) afirma que a a Metafsica existiu
sempre e existir onde esteja o homem, porm, Kant (1781, p. 11) faz uma
ressalva: Por isso ser mister muita firmeza para que a dificuldade intrnseca e a oposio externa no nos afastem de um cincia to indispensvel razo humana, cuja raiz no poderia estragar-se ainda que cortassem todos os seus ramos exteriores, e que, mediante um mtodo diferente e oposto ao que at hoje tem sido empregado, pode adquirir um til e fecundo desenvolvimento.
Com relao ao conhecimento a posteriori, considerado emprico Kant
(1781, p.13) define: O conhecimento humano tem duas origens e que talvez ambas
procedam de uma comum raiz desconhecida para ns; estas so: a sensibilidade e
o entendimento; pela primeira os objetos nos so dados, e pelo segundo,
concebidos.. A partir destes dois conceitos: sensibilidade e entendimento pode-se
definir que a sensibilidade A capacidade de receber (a receptividade)
representaes dos objetos segundo a maneira como eles nos afetam. Porm
pelo entendimento que elas (intuies) so pensadas, sendo dele que surgem os
conceitos. (KANT, 1781, p. 15).
No que concerne a importncia de cada conceito neste sistema de relao do
indivduo com o mundo atravs dos objetos (intuio), Kant pondera que: [...] Nenhuma destas propriedades prefervel outra. Sem sensibilidade, no nos seriam dados os objetos, e sem o entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem contedo so vazios, intuies sem certos conceitos, so cegos. Assim, necessrio tornar sensveis os conceitos (quer dizer, fornecer-lhes o objeto dado na intuio), bem como tornar inteligveis as intuies (submetendo-as a conceitos). Estas duas faculdades ou capacidades no podem trocar de funes. O entendimento no pode perceber e os sentidos no podem pensar
coisa alguma, Somente quando se unem, resulta o conhecimento. (KANT, 1781, p. 31).
Como complemento a este pensamento, citamos Piaget (1970, p. 6): O conhecimento resultaria de interaes que se produzem a meio caminho entre os dois [sujeito e o objeto], dependendo, portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas em decorrncia de uma indiferenciao completa e no de intercmbio entre formas distintas. [...] o problema inicial do conhecimento ser pois o de elaborar tais mediadores. A partir da zona de contato entre o corpo prprio e as coisas eles se empenharo ento sempre mais adiante nas duas direes complementares do exterior e do interior, e desta dupla construo progressiva que depende a elaborao solidria do sujeito e dos objetos.
Assim, o processo do conhecimento vai ocorrendo, atravs destes, que
podemos considerar como opostos complementares: sensibilidade-entendimento,
pensamentos-contedos, intuio-conceitos, sujeito-objeto, corpo-coisas e interior-
exterior, que constituem ingredientes fundamentais para o desenvolvimento do
conhecimento.
Buscando a origem do conhecimento, encontramos a referncia a duas
posies filosficas: o inatismo, que afirma que nossa mente possui conhecimentos
inatos, fundamentais para o ato de conhecer; e o empirismo, que alega que todo o
nosso conhecimento o resultado de nosso contato com a realidade. Segundo
Delval (2001, p. 71) A filosofia critica de Kant tratou de fazer uma sntese de ambas as posies, mostrando que a mente tem categorias que servem para organizar a experincia, mas que esta igualmente imprescindvel. Por isso, sustentou-se que a noo de objeto, ou as categorias de, de tempo, de causalidade, de nmero, que se tornam necessrias para organizar nossa experincia, so inatas.
Fazendo um contraponto entre o inatismo e o empirismo, o mesmo autor
(DELVAL, 2001, p. 72) completa que O empirismo enfrenta dificuldades para explicar muitas coisas bem conhecidas, [...], como as diferenas de concepes em indivduos aos quais foi ensinada a mesma coisa e, sobretudo, a produo de conhecimentos novos. Alm disso, os estudos sobre histria e teoria da cincia mostraram que a cincia uma construo, e no uma simples cpia da realidade, e que tem muito de inveno. Por sua vez, o inatismo no explica muito pois, se sustentarmos que a conduta e o conhecimento humanos so o resultado de capacidades inatas, estaremos esquivando-nos de explicar como
surgem e, principalmente, por que so diferentes em distintos indivduos.
Sobre isso ainda Kant (1781, p. 3) j afirmava: No se pode duvidar de que todos os nossos conhecimentos comeam com a experincia, porque, com efeito, como haveria de exercitar-se a faculdade de se conhecer, se no fosse pelos objetos que, excitando os nossos sentidos, de uma parte, produzem por si mesmos representaes, e de outra parte, impulsionam a nossa inteligncia a compar-los entre si, a reuni-los ou separ-los [...]. No tempo, pois, nenhum conhecimento precede a experincia, todos comeam por ela.
De acordo com os argumentos expostos acima, mas sobretudo buscando
ainda mais repostas, aceitamos o exposto por Piaget e suas justificativas (1970, p.
37) De um modo geral, as razes biolgicas dessas estruturas e a explicao do fato de que elas se tornam necessrias no deveriam ser procuradas nem no sentido de uma ao exclusiva do meio, nem de uma pr-formao base de puro inatismo, mas das auto-regulaes com seu funcionamento em circuitos e sua tendncia intrnseca ao equilbrio. [negrito nosso]
Acreditando que o principal elemento entre o sujeito e o objeto no a
percepo, mas sim a ao, Piaget (1970, p. 6) vai um pouco alm Com efeito, o instrumento de troca inicial no a percepo, [...], mas, antes, a prpria ao em sua plasticidade muito maior. Sem dvida, as percepes desempenham um papel essencial, mas elas dependem em parte da ao em seu conjunto, e certos mecanismos perceptivos que se poderiam acreditar inatos ou muito primitivos [...] s se constituem a certo nvel da construo dos objetos.
Piaget sempre esteve preocupado em pesquisar de que forma se d a
aquisio e desenvolvimento da aprendizagem humana. Aps anos de estudos e
experimentos, formulou a teoria da Epistemologia Gentica, que prev uma srie de
fases que orientam o desenvolvimento humano. Pereira (2007, p. 3) descreve de
forma resumida as fases do desenvolvimento de Piaget
Piaget (1970, 1972) divide a cognio humana em quatro etapas: sensrio-motora, que vai do nascimento at aproximadamente 18 meses caracterizada pela ausncia da linguagem e conseqentemente do pensamento; pr-operatria, que vai at 7/8 anos, demarcada pelo incio da representao (funo simblica),
que se desenvolve a partir da linguagem; operaes concretas, dos 7 aos 12 anos, caracterizada por uma certa lgica para organizar, classificar e seriar, porm que depende ainda de objetos concretos; e operaes formais, a partir dos 12 anos, quando o adolescente ter um raciocnio hipottico e dedutivo sobre proposies.
Piaget (1970) define a teoria da Epistemologia Gentica como o estudo da
passagem dos estados inferiores do conhecimento aos estados mais complexos ou
rigorosos. Outro aspecto de sua teoria, o carter interdisciplinar, tanto ao que se
refere aplicao, bem como a de sua prpria elaborao enquanto teoria:
[...] tal pesquisa pressupe a colaborao de especialistas em epistemologia da cincia considerada, psiclogos, historiadores das cincias, lgicos, matemticos, cultures da ciberntica, lingstica, etc. Este tem sido sempre o mtodo de nosso Centro Internacional de Epistemologia Gentica em Genebra, cuja atividade integral tem consistido sempre de um trabalho de equipe.
No pargrafo a seguir, transcrevemos o que foi escrito por Piaget (1970, p.5)
para explicar o que pretende e como analisa as coisas dentro dos parmetros da
Epistemologia Gentica [...] uma epistemologia que naturalista sem ser positivista, que pe em evidncia a atividade do sujeito sem ser idealista, que se apia tambm no objeto sem deixar de consider-lo como um limite (existente, portanto, independente de ns, mas jamais completamente atingido) e que, sobretudo, v no conhecimento uma elaborao contnua [...].
Partindo do princpio que a ao entre o sujeito e o objeto o ponto de
partida, existem dois marcos referenciais que direcionam a anlise das fases do
desenvolvimento:
[...] o das aes sensrio-motoras anteriores a qualquer linguagem ou a toda conceptualizao representativa, e o das aes completadas por estas novas propriedades, a propsito dos quais se coloca ento o problema da tomada de conscincia dos resultados, intenes e mecanismos dos atos, isto , da sua traduo em termos de pensamento conceptualizado. (PIAGET, 1970, P.7)
Nesse sentido, podemos compreender a importncia da linguagem no
processo do desenvolvimento cognitivo humano, pois a partir do seu
desenvolvimento que o ser humano comea a pensar em termos de representao,
que assunto de interesse em diversas reas do conhecimento, mas,
principalmente para a Geografia.
Com base nisso, a partir das questes como, para qu e para quem ensinar
geografia escolar Castellar aponta a utilizao da epistemologia gentica para o
entendimento do processo de aprendizagem, sobretudo, para o entendimento da
relao entre didtica e aprendizagem da geografia.
1.2.1.1 Epistemologia Gentica: algumas consideraes
O desenvolvimento humano no ocorre de forma estanque, uniforme e sem
complicadores. Existem ritmos diferentes no crescimento individual, sendo que a
reconstruo necessria a cada novo conhecimento.
A respeito dos nveis de desenvolvimento: sensrio-motor, pr-operatrio,
operaes concretas e operaes formais, descritos por Piaget (1970, 1972) pode-
se dizer que eles apresentam uma sucesso constante, sendo necessrias pr-
estruturas, que resultaro em uma hierarquia. Desta maneira necessrio passar
por todas as espcies de etapas das quais cada uma necessria para a conquista
da seguinte. (PIAGET, 1972, p. 222)
Com base nisso, pode-se afirmar que o varia a durao, sendo assim, a
noo de tempo fundamental, pois, ele que d condies para que os
aprendizados se estruturem, um sobre o outro, subindo cada vez mais um degrau.
Partindo deste princpio, nas diferentes sociedades podem ocorrer adiantamentos ou
atrasos coletivos, a essa diferena cronolgica encontrada nos diferentes estgios
nas diversas sociedades, Piaget (1972, p. 237) denomina atravs do termo
decalagem, que a reproduo ou repetio do mesmo processo formador em
diferentes idades, e considerado como um obstculo generalizao dos
estgios.
Convm destacar tambm, que este desenvolvimento por estgios no pode
ser aplicado a todos os setores do desenvolvimento, Piaget (1972, p. 237) coloca
como exceo os conhecimentos relativos linguagem e percepo;
Piaget (1972, p. 224) distingue quatro fatores que explicam as diferenas que
ocorrem nos nveis de desenvolvimento por ele descritos. So eles: a
hereditariedade; a experincia fsica (ao dos objetos); transmisso social
(educao); e a equilibrao. No quadro 01, sintetizamos as suas principais
caractersticas, a qualidade da sua influncia sobre o processo de desenvolvimento
como um todo e a justificativa (explicao) dada por Piaget sobre esta influncia.
QUADRO 01 Fatores que Influem no Desenvolvimento FATORES CARACTERSTICAS QUALIDADE DA
INFLUNCIA JUSTIFICATIVA
HEREDITARIEDADE
Maturao interna Insuficiente No existe no estado puro e isolado
EXPERINCIA
Contato com os objetos
Insuficiente A atividade do sujeito que fundamental
TRANSMISSO SOCIAL
Educao Insuficiente A criana deve assimilar o que lhe ensinado
EQUILIBRAO
Regulao e compensaes feitas em resposta s perturbaes
Fundamental Reconstruo de noes j obtidas a novos contextos
Fonte: O autor com base em Piaget, 1972.
Sobre a hereditariedade, que a maturao interna, Piaget considera sua
influncia insuficiente, pelo fato de no agir isoladamente. A experincia fsica, ou
seja, a ao sobre objetos, tambm tida como insuficiente, pois neste caso a
atividade do sujeito que fundamental, e no simplesmente a presena ou no de
objetos. No que diz respeito transmisso social, obtida atravs da educao, no
vale s a inteno de ensinar, a criana precisa ter estruturas de assimilao, para
que compreenda o que pretendido, sendo desta forma insuficiente tambm.
Fundamental ento, neste processo, a equilibrao, que ocorre entre os fatores
acima mencionados e indo alm, a reconstruo necessria de noes j possudas
aplicadas a novas situaes, feitas atravs de compensaes e regulaes. Esta
equilibrao ainda no um equilbrio, ela vai ocorrendo progressivamente, de uma
forma mais ou menos rpida, sendo que o equilbrio demanda tempo.
Apesar de considerar insuficientes as influncias da hereditariedade, da
experincia ambiental e da transmisso social, Piaget, mesmo com suas
justificativas no as desconsidera. Portanto pode-se finalizar afirmando que, em se
tratando de desenvolvimento humano, dificilmente um fator apenas seria
responsvel pelo avano ou atraso. Sendo que em cada contexto encontrado, deve-
se analisar todas as possveis influncias. Sem esquecer, do que Piaget considerou
como sendo fundamental: o processo de equilibrao.
1.2.2 A percepo
De acordo com Oliveira (ibidem) A percepo geogrfica est atrelada ao
conceito de atividade perceptiva, como preconiza Piaget. Piaget e Inhelder (1993,
p.32) definem a percepo como sendo o conhecimento dos objetos resultante de
um contato direto com eles. De uma forma mais ampla encontramos em Davidoff
(2001, p. 141) a definio do termo percepo, que o processo de organizao e
interpretao dos dados sensoriais (sensaes) para desenvolver a conscincia do
meio ambiente e de ns mesmos. A percepo envolve interpretao; a sensao,
no
Logo a atividade perceptiva, conceituada por Piaget e Inhelder (1993, p.32)
como o prolongamento da inteligncia sensria-motora em ao antes da apario
da representao seu incio se d com as mudanas de centralizao (ou
descentralizao) e que consiste em comparaes, transposies, antecipaes,
etc. Os autores justificam a necessidade de distingui-las, pelo fato da percepo ser
relativamente constante com a idade. Sobre isto justifica Piaget (1972, p. 235),
dizendo que
seria incapaz de lhes dar um quadro de estgios como o que tenho a honra de lhes propor do ponto de vista das operaes intelectuais, porque encontramos essa continuidade do ponto de vista orgnico, continuidade que podemos detalhar de uma maneira convencional, mas que no apresenta cortes naturais bem ntidos.
J a atividade perceptiva aumenta progressivamente com a evoluo, sendo
que a atividade perceptiva, em oposio percepo como tal, a fonte da
imitao, que prolonga as acomodaes dela e, em conseqncia da prpria
imagem, que uma imitao interiorizada. De modo que o movimento intervm
no somente desde os incios da percepo, mas ainda que desempenhe um papel
cada vez maior graas atividade perceptiva. (PIAGET E INHELDER, 1993, p. 31).
Para Tuan (1983, p. 14) a diferena entre percepo e atividade perceptiva
no existe, a percepo para ele possui intrinsecamente o conceito de atividade
perceptiva de Piaget e Inhelder (1993). Explica assim
A percepo uma atividade, um estender-se para o mundo. Os rgos dos sentidos so pouco eficazes quando no so ativamente usados. Nosso sentido ttil muito delicado, mas para verificar a textura ou a dureza das superfcies no suficientemente colocar um dedo sobre elas; o dedo tem que se movimentar sobre elas. possvel ter olhos e no ver; ouvidos e no ouvir.
Desta forma, o nosso corpo atravs dos sentidos e da atividade motora capta
os estmulos do ambiente, que so resignificados pela nossa percepo, ou seja,
pela nossa atividade perceptiva. Alm do envolvimento dos sentidos, do movimento,
da resignificao, a percepo diz respeito tambm a escolhas. Sobre isso escreve
Tuan (1980, p. 4)
Percepo tanto a resposta dos sentidos aos estmulos externos, como a atividade proposital, na qual certos fenmenos so claramente registrados, enquanto outros retrocedem para a sombra ou so bloqueados. Muito do que percebemos tem valor para ns, para a sobrevivncia biolgica, e para propiciar algumas satisfaes que esto enraizadas na cultura.
Neste sentido a cultura tem um carter fundamental, principalmente no que se
refere s atividades e exploraes que vo sendo direcionadas por valores culturais.
Embora todos os seres humanos tenham rgos dos sentidos similares, o modo como as suas capacidades so usadas e desenvolvidas comea a divergir numa idade bem precoce. Como resultado, no somente as atitudes para com o meio ambiente diferem, mas difere a capacidade real dos sentidos, de modo que uma pessoa em determinada cultura pode desenvolver um olfato aguado para perfumes, enquanto os de outra cultura adquirem profunda viso estereoscpica. Ambos os mundos so predominantemente visuais: um ser enriquecido por fragncias (sic), o outro pela agudeza tridimensional dos objetos e espaos. (Tuan, 1976)
Assim, quando um estudo est alicerado no conceito de percepo, sabe-se
que o enfoque pretendido de cunho subjetivo, pois dois indivduos dificilmente
comungam da mesma percepo, porque as experincias e o conhecimento de
mundo sempre sero diversos por mais que se os estmulos e meios sejam os
mesmos. Portanto, indispensvel aos estudos com enfoque humanista o
conhecimento de que o homem possuidor de subjetividade.
2.3 A GEOGRAFIA HUMANSTICA/CULTURAL
Com o intuito de ir alm das apreciaes baseadas no comportamento e na
percepo e, sobretudo, na procura de um mtodo que desse suporte s analises
humanistas, gegrafos como Lowenthal, Tuan, Relph, Buttimer, Entrikin entre outros
do a essa geografia um novo enfoque, que passa agora a ser tratado como
Geografia Humanstica, que segundo Tuan (1976, in Christofoletti, 1982, p. 143)
procura um entendimento do mundo humano atravs do estudo das relaes das
pessoas com a natureza, do seu comportamento geogrfico bem como dos seus
sentimentos e idias a respeito do espao e do lugar.
Inicialmente a denominao era Geografia Humanista, porm devido sua
proposta ao estudo dos aspectos do homem que so mais distintamente humanos:
significaes, valores, meta e propsitos (ENTRIKIN 1976, p. 5)5, os gegrafos
passaram a denomin-la humanstica, assim encontrarmos ambas denominaes
caracterizando a mesma maneira de pensar.
O seu surgimento num momento em que a ditadura paradigmtica ainda
persistia, fez com que fosse considerada por alguns como um marco. Holzer (1997,
p. 18) afirma que
a movimentao provocada pela geografia humanista nas dcadas de 70 e 80, com seu ataque ao idealismo e ao empirismo, sua procura de mtodos alternativos, sua valorizao do indivduo e da espacialidade humana e sua averso pelos paradigmas, apontam para um contexto mais amplo, extra-geografia: o do surgimento do ps modernismo.
5 In: Boletim de Geografia Teortica, Rio Claro, 10 (19): 5-30, 1980
Neste momento houve uma recusa ao conceito de paradigma, sobretudo o
paradigma humanista, sendo que para Relph6 (1981, citado por Holzer, 1997, p.
16) o termo humanista era antiparadigmtico.
A respeito do mtodo, Entrikin (op. cit.,1976, p. 19) afirma que o gegrafo
humanista melhor caracterizado pelo seu ecletismo no que se refere a mtodo,
apesar desta afirmao, podemos afirmar que muitos gegrafos preferiram utilizar
em suas abordagens a fenomenologia e o existencialismo (Relph, Buttimer, Dardel,
Tuan). Como explica Kozel (2007, 118)
Esta abordagem tem como base o estudo do indivduo frente ao mundo e fundamentada nas correntes filosficas da fenomenologia e do existencialismo. Assim a geografia privilegia novas qualidades como a subjetividade, intuio, sentimentos, experincias e simbolismos, acentuando assim o singular e no o geral, [...] seu principal objetivo a compreenso desse mundo e do ser humano na sua pluralidade.
A respeito do uso da fenomenologia e do existencialismo na geografia
humanista encontramos algumas consideraes de Holzer (1997, p. 13) que convm
destacar
A fenomenologia existencialista no foi, porm, o trao de identificao mais forte da geografia humanista. Na verdade o aporte filosfico foi, na palavra dos prprios humanistas, tomado de maneira implicita, como Pickles (1985) apontaria mais tarde. Deste modo, do mtodo fenomenolgico foram apropriados, principalmente, os conceitos de mundo vivido (Lebenswelt) e de ser-no-mundo, que na geografia seria identificado com o conceito de lugar. No houve, no entanto, uma preocupao de aplicao rigorosa do mtodo proposto por Husserl, considerado de difcil compreenso pelos prprios membros do coletivo. [negrito do autor]
Sobre a aplicao do mtodo fenomenolgico nos estudos geogrficos, uma
referncia positiva o livro de Eric Dardel, Lhomme et la terre - nature de la ralit
gographique, escrito em 1952, que considerado por Holzer (2001, p. 108) o
melhor tratado de geografia fenomenolgica at hoje escrito.
Na geografia humanstica as questes culturais sempre estiveram presentes.
Porm de forma diferente da Geografia Cultural que teve incio na dcada de 30,
com as escolas: Alem, Norte Amrica e Francesa, cujo enfoque era dado aos
6 RELPH, E. Rational landscapes and Humanisric Geography. London: Croon Helm, 1981.
instrumentos e artefatos culturais, ignorando as dimenses sociais e psicolgicas da
cultura que agora esto em voga. Nesse sentido encontramos em Holzer (1997, p.
18, baseado em Tuan, 1989) que no final dos anos 80
o contexto da geografia j havia sido tomado por muitos temas do humanismo, que agora podia ser identificado como uma cultural-humanist geography (geografia cultural-humanista) [ou geografia humanista-cultural], que se interroga como este mundo e como pode ser descrito e que, mais uma vez, aponta um elenco de temas que podem ser seguidos.
Corra (1995) afirma que embora a percepo do ambiente tenha fortes
razes culturais, a relao entre elas parece ser muito mais complexa. A relao
existente a geografia humanista e a geografia cultural tambm abordada por
Amorim Filho (2007, p. 24) quando afirma que Estas duas orientaes
epistemolgicas apresentam as caractersticas, aparentemente contraditrias, mas
primordiais, e serem ao mesmo tempo plurais e manterem a unidade maior da
Geografia, inclusive no separando a humanidade de seu meio ambiente natural.
Neste sentido o mesmo autor (2007, p. 16) justifica que A presena de
abordagens humanistas/culturais na Geografia no se torna desejvel apenas pela
riqueza em pluralidade que elas representam mas, sobretudo, pela humanizao e
beleza que elas trazem s atividades geogrficas
Podemos dizer que a geografia agora denominada Humanstica/cultural, que
vem sendo construda conforme aponta Kozel (2007, 118) desde os anos 1960 e
1970, e cuja abordagem focaliza o espao local e especfico, o lugar, contrapondo-o
ao espao geomtrico-abstrato. E que tem como principal objetivo: a compreenso
[do] mundo e do ser humano na sua pluralidade.(Kozel, 2007, p. 118) uma
possibilidade de renovao geogrfica, que possibilita a conversa com outras
cincias e saberes, e que apesar de possuir mtodos prprios, no desconsidera a
possibilidade de novos olhares e novas formas de olhar. Conforme afirma Sahr
(2007, p. 59) A idia bsica da geografia cultural trabalhar o mundo, ou melhor, os
mundos, atravs da pluralidade das suas expresses, sejam estas vividas ou
interpretadas. Atravs do entendimento do processo de cognio que envolve a
percepo, neste caso a percepo ambiental, e a representao, a geografia
Humanstica/cultural busca atravs de instrumentos como os mapas mentais, por
exemplo, captar a viso que as pessoas tem da realidade, subsdio compreenso
das formas de agir no meio social. Neste sentido, cabe aqui um melhor
entendimento do termo representao, conceito que vem sendo abordado com
maior nfase nos estudos geogrficos atuais.
1.3.1 A representao
O termo representao muito amplo e aborda aspectos muito diferenciados,
o que nos leva necessidade de uma delimitao mais especfica. No de hoje
que a geografia se utiliza das representaes como meio de alcanar alguns de
seus objetivos, segundo KOZEL (2002, p. 215) O conceito de representao
espacial para os gegrafos se estrutura na fuso de vrias correntes
contemporneas, incorporando o conceito de representao social oriundo da
psicologia.
Os estudos em representao possuem duas vertentes bem distintas, porm
complementares. Uma a abordada por Moscovici (2003, p. 49) denominada
representao social, que definida por ele
como um instrumento explanatrio e se referem a uma classe geral de idias e crenas (cincia, mito, religio, etc.), para ns so fenmenos que necessitam ser descritos e explicados. So fenmenos especficos que esto relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar - um modo que cria tanto a realidade como o senso comum.
A outra vertente denominada representao espacial, que visa estudar as
relaes que ocorrem em determinado espao euclidiano, segundo KOZEL (2002, p.
216) As representaes em geografia constituem se em situaes individuais e
sociais de esquemas mentais estabelecidos a partir da realidade espacial inerente a
uma situao ideolgica, abrangendo um campo que vai alm da leitura aparente do
espao realizada pela observao, descrio e localizao das paisagens e fluxos,
classificados e hierarquizados.
As duas vertentes se encontram na medida em que atravs da representao,
alguns valores sociais e pessoais acabam sendo inconscientemente expressos, e
so objeto de estudo para o entendimento das relaes das pessoas com um meio,
com a sociedade e consigo mesmas. Um estudo em geografia geralmente tem por
objeto as representaes espaciais.
Andr (1998, p. 3) aponta o uso do conceito de representao como
instrumento metodolgico e subsdio aos professores, utilizao esta que
possibilitaria uma mudana de enfoque: do conhecimento geogrfico e
epistemolgico para o aluno como portador de representaes e conhecimentos pr-
cientficos, sendo que os segundos correspondem base para a aquisio dos
primeiros.
De acordo com ANDR (1998): No se trata portanto de um novo instrumento/ferramenta simples a juntar nas ferramentas dos professores. Porque, trabalhar com as representaes, e notadamente na geografia quelas que as sociedades e os indivduos constroem os espaos prximos ou distantes, entrar no domnio complexo e redobrado das teorias do conhecimento. Aceitar a problemtica geral das representaes, considerar que o esprito humano o suporte das representaes que so os produtos cognitivos resultantes das interaes do indivduo com o mundo. (traduo nossa)
Sendo assim a representao uma forma de conhecimento. Mesmo que
tempo e espao gerem determinadas formas de representao, na dualidade
sujeito-objeto que reside o denominador comum que pode conceber toda forma de
representao. (GIL FILHO, 2005) Isso quer dizer que toda a representao
representao de alguma coisa por algum.
Para Moscovici (2003, p. 216) Representar significa, a uma vez e ao mesmo
tempo, trazer presentes as coisas ausentes e apresentar coisas de tal modo que
satisfaam as condies de uma coerncia argumentativa, de uma racionalidade e
da integridade normativa do grupo. Muitas so as formas expressar a
representao, citamos aqui, a linguagem em suas diversas formas, escrita, falada,
gestual, desenhada, e para isso o uso de signos fundamental, no sentido em que
Cada signo apenas uma possvel interpretao da vida real e no a vida real em
si e, por isso, no pode se justificar uma superioridade da interpretao cientfica,
inclusive da teoria, em relao s demais interpretaes, inclusive a da experincia
vivida das pessoas. (SAHR, 2007, p. 63)
Para Kozel (2007, p. 123-124) Um signo s existe quando se materializa
objetivamente, gerando significados, dentro de um determinado contexto social,
fortalecido pelo processo de comunicao, ao impregnar valores quer sociais,
econmicos ou polticos dentro de um determinado momento histrico. Neste
sentido todo signo integra um sistema de representaes que constitudo social
e historicamente como forma e significado, seja em nvel de sinais ou de
significados. (KOZEL, 2007, p. 125)
A relao existe entre a representao, o uso de linguagens atravs de signos
e a sua interpretao nos faz questionar qual a relao deste processo com a
cincia. Neste sentido Moscovici (2003, p. 60) afirma que a cincia e
representaes sociais so to diferentes entre si e ao mesmo tempo to
complementares que ns temos de pensar e falar em ambos os registros. Mais
adiante justifica, a cincia era antes baseada no senso comum e fazia o senso
comum menos comum; mas agora senso comum cincia comum. (MOSCOVICI
2003, p. 60) Para o referido autor (2003, p. 95) O senso comum est continuamente
sendo criado e re-criado em nossas sociedades, especialmente onde o
conhecimento cientfico e tecnolgico est popularizado.
Desta forma muito do que aprendemos no atravs da instruo formal e
sim ao nvel do subconsciente (TUAN 1983, p. 221), isto faz com que as idias das
pessoas comuns sobre muitos aspectos da vida que lhes cerca apresentam o
problema de no estarem sistematizadas como as da cincia, mas, tm uma certa
coerncia, bastante persistncia e no so facilmente substitudas por outras.
(DELVAL, 2001, p. 48) As representaes que temos nos servem para darmos
sentido ao mundo.
Kozel (2002, p. 218) aponta a recusa de alguns em aceitar o trabalho com
conhecimentos do senso comum na pesquisa geogrfica, questionando a sua
validade e utilidade. O pensamento de Andr (1998, p. 35) justifica de certa o seu
uso e reafirma a sua validade
A representao deve, portanto, ser pensada como outra coisa que um simples reflexo da realidade. Ela atividade intelectual complexa, ela se nutre do real e do imaginrio, ela o real e o imaginrio, e h sempre um no outro. E a esta concepo englobante da representao, conhecedora e conhecvel, que se deve encostar a didtica e a geografia.
No trecho acima de Andr fica claro o enfoque que dado ao ensino, no qual
as representaes servem tambm como diagnstico e demarcao de um
provvel ponto de partida, porm sua rea de aplicao exposta por Kozel (2002,
p. 221) como estando em constante expanso propiciando a anlise de fenmenos
socioespaciais, como xodo rural, urbanizao, planejamento ambiental, turismo,
pois os agentes ou atores sociais so pressionados pelos processos econmicos,
tecnicismo, globalizao.
De uma forma mais ampla Gil Filho, (2005) aponta que uma Geografia das
Representaes uma geografia do conhecimento simblico. Assume as
representaes sociais como ponto de partida para uma Geografia Cultural do
mundo banal, da cultura cotidiana, do universo consensual impactado pelo universo
reificado da cincia e da poltica.
Enfim, a possibilidade do uso das representaes em geografia abre
oportunidade para novos elementos de anlise, que provm tanto do individual e do
social, importantes para o entendimento do que o espao e do que ele pode vir a
ser.
3 DO ESPAO AO LUGAR
Espao sempre foi um dos conceitos de maior destaque nos estudos
geogrficos, porm, como dissemos anteriormente, existem diversas forma de olhar.
Aqui o enfoque dado o da Geografia humanstica/cultural, onde a definio de
espao est mais prxima das particularidades do lugar. Apesar disso, pretendemos
tambm compreender o espao em suas dimenses maiores, para buscar o
entendimento e at mesmo as diferenas entre espao e lugar.
3.1 O QUE ESPAO?
O que espao? Refletindo a respeito do significado deste termo podemos
perceber o quanto este conceito abrangente, podendo ser definido por vrias
acepes em vrios campos do conhecimento. Pois tudo e est no espao. Desta
forma, muitas podem ser as respostas a esta pergunta. Para Andr (1998, p. 56) O
estudo do espao foi, e est colocado, ante certas escolhas epistemolgicas que
determinam, seno escolas, ao menos orientaes. De maneira generalizada ele
aponta para duas escolhas possveis que os gegrafos podem fazer, ambas como o
espao sendo abordado como sendo social: na primeira o espao visto como
organizao que se adapta evolui sem cessar sob o efeito das modificaes dos
meios econmicos, sociais, fsicos.; na segunda ele uma unidade no qual a
organizao e o funcionamento decorrem das relaes scio-espaciais que o
animam.
Lacoste7 (1981, p. 152, citado por SANTOS, 1991, p. 24) j apontava para
esta mesma observao existem tantas concepes do espao geogrfico ou do
espao social quanto tendncias de escolas em geografia, sociologia ou etnologia;
no limite, existem tantas maneiras de ver as coisas quanto individualidades
conduzindo uma investigao sobre uma dmarche cientfica (...). Com o intuito de 7 LACOSTE, Y. Georges Condaminas. Lespace social. A props de lAsie du Sud-est. Herodote, n 21, avr.- juin. 1881, p. 1946-152.
acabar com ambigidades e em busca de uma nica definio Santos (1991) se
prope a definir o espao da geografia, seja ela uma geografia renovada ou
redefinida, e estabelecer assim seu objeto e limites.
No queremos aqui expor uma extensa lista com nomes de autores e escolas
geogrficas e suas respectivas definies do que venha a ser o espao, mas sim
gostaramos de captar o espao enquanto uma idia abrangente, conforme Santos
(1997, p. 51) concebeu O espao formado por um conjunto indissocivel, solidrio
e tambm contraditrio, de sistemas de objetos e sistemas de aes, no
considerados isoladamente, mas como o quadro nico no qual a histria se d.
Mais adiante, o autor (1997, p. 59) define o que so os objetos para os gegrafos
so tudo o que existe na superfcie da Terra, toda a herana da histria natural e
todo resultado da ao humana que se objetivou. Os objetos so esse extenso, essa
objetividade, isso que se cria fora do homem e se torna instrumento material de sua
vida, em ambos os casos uma exterioridade. Apesar de definir o que seriam esses
objetos, Santos afirma que eles no so o mais importante, e sim a preocupao
com os mtodos e os conceitos, que so a base de anlise geogrfica a qualquer
objeto encontrado.
Com relao ao sistema de aes Santos (1997, p. 63) cita a frase de
Philippe e Gnvieve Pinchemel8 (1988, p. 40) que os homens so seres de ao:
eles agem sobre si mesmos, sobre os outros, sobre as coisas da Terra, desta forma
conclui que um ato no um comportamento qualquer, mas um comportamento
orientado, neste sentido entram em cena, elementos como a motivao, a inteno,
a subjetividade, o conhecimento, entre outros. Com base em Braun e Joerges9
(1992, p. 81-82) que definem trs formas distintas de agir (tcnico, formal e
simblico) Santos (1997, p. 67) descreve a existncia de trs ordens que agem de
forma paralela:
A ordem da forma tcnica, a ordem da forma jurdica e a ordem do simblico. O cotidiano se d mediante essas trs ordens. Mas se, por um lado, a ordem tcnica e a ordem da norma se impe como dados, por outro lado, a fora de transformao e mudana, a surpresa e a recusa do passado, vm agir do simblico, onde o que fora est na afetividade, nos modelos de significao e representao. A importncia do lugar na formao da conscincia vem do fato de que
8 PINCHEMEL, P. e G. La face de l aterre, lments de gographie. Paris: Armand Colin, 1988. 9 BRAUN, I. e JOERGES, B. Techniques du quotidien et macrosystmes techniques. In JOERGES, G.; SCARDIGLI. Sociologie des techniques de la vie quotidienne. Paris: Harmatan, 1992.
essas formas do agir so inseparveis, ainda que, em cada circunstncia, sua importncia relativa no seja a mesma.
Sendo assim Santos (1997, p. 70) conclui O espao geogrfico deve ser
considerado como algo que participa igualmente da condio do social e do fsico,
um misto, um hbrido.
Fizemos este breve resumo sobre o conceito de espao de Milton Santos,
porque pretendamos aqui tecer um conceito de espao o mais abrangente e
completo possvel. Mas o nosso ponto principal o que Santos considera, porm
no aprofunda em sua obra, ou seja, a ordem do simblico, aspecto que
amplamente estudado e difundido na Geografia Humanstica/cultural.
Dentro desta perspectiva encontramos a definio de Bailly (1995, p. 27) que
considera espao como uma poro de superfcie terrestre onde homens de
ideologias diferentes buscam impor suas representaes e suas prticas. Cada
espao est, ento carregado de valores econmicos, sociais e mentais.
Diferentemente do conceito de Santos que foi descrito acima, Bailly, considera em
seu conceito os mesmos aspectos: objetos (poro da superfcie terrestre) e aes
(representaes e prticas), porm a diferena significativa neste dois conceitos
que Santos deixa subentendido, o que Bailly expressa claramente, com um enfoque
bem humanista, por admitir a existncia de homens, de ideologias, de
representaes, de prticas, e de valores de diferentes esferas.
Antes de aprofundarmos a anlise do espao sob a perspectiva da Geografia
Humanstica/Cultural, queremos trabalhar com o conceito de espacialidade sob a
perspectiva de Silva (2001). A autora em questo, assim como Milton Santos define
espao segundo uma concepo de totalidade, partindo deste princpio Silva (2001,
p. 22) considera a espacialidade como o suporte do que geogrfico, sendo uma
continuidade material de espaos, com contornos definidos. Silva (2001) analisa o
espao geogrfico atravs do processo produtivo, onde o espao se concretiza
atravs de momentos espaciais, que extrapolam as fronteiras municipais,
estaduais ou continentais, sendo o espao geogrfico impossvel de ser delimitado
em termos de extenso, ele heterogneo, descontnuo e sobreposto. Partindo
desta anlise, optamos em trabalhar com o conceito de espacialidade proposto por
Silva (2001), por que no delimitamos um momento espacial para a nossa anlise,
mas sim espaos articulados em escalas hierrquicas (segundo a diviso poltico-
administrativa: local, municipal, estadual, nacional e planetria), onde a continuidade
material de espaos considerada. Aps esta ressalva, partiremos para o espao
como os humanistas o concebem.
Para Tuan (1983, p. 134) o espao adquire formas subjetivas e objetivas. O
primeiro pertence ao mundo mental: significa o corao das coisas, o aspecto
interno da experincia; e o segundo essencialmente um plano horizontal
orientado nas quatro dimenses cardeais.
Ao longo do livro Espao e Lugar (1983) Tuan vai definindo esses dois
conceitos fazendo um contraponto entre um e outro. Neste sentido a idia de
movimento (ao) tambm est presente, sendo que de o espao permite
movimento lugar pausa (TUAN, 1983, p. 6) e o espao experienciado quando
h lugar para se mover (1983, p. 13) e ao movimento que Tuan (1983, p. 132)
atribui a construo do nosso sentido de espao. Esta idia de movimento faz com
que Tuan (1983, p. 61) afirme que o espao um smbolo de liberdade no mundo
ocidental, sendo o lugar um sinnimo de segurana e de pausa.
Sempre fazendo correspondncia entre os dois conceitos, em vrios trechos
de seu livro Tuan utiliza-se do primeiro para definir o segundo desta forma espao
mais abstrato que lugar. O que comea como espao indiferenciado transforma-
se em lugar medida que o conhecemos melhor e o dotamos de valor. (TUAN
1983, p. 6); O espao fechado e humanizado lugar. Comparado com o espao, o
lugar um centro calmo de valores estabelecidos. (p. 61); Quando o espao nos
inteiramente familiar, torna-se lugar.; O espao transforma-se em lugar na medida
em que adquire definio e significado. (1983, p. 151)
Acreditamos que a dificuldade e at mesmo inteno de Tuan, que para
definir espao sempre se reporta ao conceito de lugar, traar um paralelo entre o
antes e o depois. O conceito de espao sempre foi um conceito hegemnico e vlido
na geografia positivista, ao relacionar este conceito j consolidado, com o conceito
de lugar, Tuan prope uma mudana de enfoque: do geral para o particular, do
racional (considerado objetivo) para o subjetivo buscando a compreenso ao invs
da explicao.
3.1.1 A noo de espao
Desde que nascemos sempre tivemos o espao ao nosso redor, de acordo
com Oliveira (1999, p. 200) a aprendizagem do espao fundamental para a
sobrevivncia do organismo humano e, dadas as propores do espao terrestre, o
homem necessita manipular esse espao de forma vicria ou simulada. Desta
forma, conforme o nosso desenvolvimento biolgico e cognitivo foi ocorrendo, este
espao foi sendo ampliado. De acordo com Piaget (1972, p. 218) no recm nascido,
no existe um espao como continente, pois no existe objeto [inclusive o corpo
prprio que no naturalmente concebido como um objeto]. Existe uma srie de
espaos heterogneos uns aos outros, e todos centrados sobre o corpo prprio.
Assim os espaos vo sendo vinculados possibilidade de explorao que a criana
possui: o espao bucal, ao espao visual, o espao tctil e o espao auditivo. Como
se a cada sentido da criana, um novo e distinto espao fosse formado, sem
coordenao alguma entre eles, o que s ir ocorrer mais tarde, com o incio do
processo de descentrao, que segundo Castrogiovanni (2003, p. 35) consiste em
compreender a posio e o movimento dos objetos exteriores no mais em relao a
si prprio (observador), mas com relao a outros objetos. Neste sentido Tuan
(1983, p. 151) aponta que o espao da criana se amplia e se torna mais bem
articulado medida que ela reconhece e atinge mais objetos e lugares
permanentes.
Esta evoluo (revoluo) espacial ocorre naturalmente, na qual a criana s
precisa de seu corpo, de objetos e de interaes que lhe promovam descobertas,
sendo que o processo de abstrao prende-se no mais s propriedades dos
objetos, mas s aes exercidas sobre eles, isto , s coordenaes das aes, ou
ainda s estruturas mentais do sujeito (OLIVEIRA, 1999, p. 200). O que se torna
evidente aqui, que o desenvolvimento da concepo da noo de espao inicia-se
antes do perodo de escolarizao da criana, que, em nosso pas, comea por volta
de 7 anos com seu ingresso no primeiro grau (ALMEIDA e PASSINI, 1994, p. 11).
Na escola, toda essa construo espacial progressiva, dever ser sistematizada
voltada para a compreenso das formas pelas quais a sociedade organiza seu
espao o que s ser plenamente possvel com o uso de representaes formais
(ou convencionais) desse espao. (ALMEIDA e PASSINI, 1994, p. 11) Alm disso,
de uma forma prtica e cotidiana, todos precisamos nos localizar, representar,
informar e procurar lugares, isto , manter relaes espaciais.
A construo da noo de espao no pode ser ensinada, mas sim
desenvolvida. Este desenvolvimento/construo, conforme j mencionamos acima,
tem haver com o processo de descentrao pelo qual a criana passa, sendo que
inicialmente a criana possui um egocentrismo radical nos termos de Piaget (1970)
e/ou primitivo por Castrogiovanni (2003), mesmo ainda sem ter conscincia do
prprio corpo. Com o passar do tempo, atravs das interaes que a criana vai
estabelecendo, ela vai se desvinculando progressivamente do egocentrismo
radical/primitivo rumo descentralizao, isto , agora existem outros centros que
no apenas a criana, podendo-se agora compreender a posio e os movimentos
dos objetos uns com relao aos outros. Com isto os espaos vo se ampliando
tambm, pois a criana delimita os espaos conforme consegue conceb-los. O
desenvolvimento da noo de espao ocorre de forma simultnea evoluo
cognitiva da criana. Na escola, no existe uma disciplina exclusiva que seja
responsvel por este desenvolvimento. Mas considera-se essencial, que dentro dos
contedos de Geografia, o trabalho com o desenvolvimento das noes espaciais
seja valorizado, pois o ensino de Geografia posterior depender de estruturas
constitudas na infncia, onde s ser possvel compreender espaos abstratos
(mapas e representaes) com as relaes espaciais iniciais bem constitudas.
Almeida e Passini (1994, p. 26 - 28) explicam que a psicognese da noo
de espao passa por nveis prprios da evoluo geral da criana na construo do
conhecimento: do vivido ao percebido e deste ao concebido. Ainda segundo as
autoras o espao vivido, o espao de ao da criana, desvendado atravs do
movimento e deslocamento; no espao percebido os espaos podem ser
rememorados, sem a necessidade imediata da experimentao fsica; e o espao
concebido, que compreendido a partir dos 12 anos, no qual se torna possvel a
relao entre espaos e elementos apenas atravs de sua representao.
Paralelamente ao desenvolvimento da noo de espao, ocorre a tomada de
conscincia do espao corporal, sob dois aspectos: o esquema corporal e a
lateralidade. O esquema corporal desenvolve-se progressivamente do nascimento
at a adolescncia, ele a base cognitiva sobre qual se delineia a explorao do
espao que depende tanto de funes motoras, quanto da percepo do espao
imediato (ALMEIDA e PASSINI, 1994, p. 28). a partir dele, que a criana
perceber o seu corpo, o seu espao e as respectivas relaes entre eles.
No que diz respeito noo de lateralidade, que a percepo da existncia
de dois lados no corpo (direita e esquerda), e a predominncia de um lado sobre as
aes corporais, sabe-se que a tomada de conscincia por parte da criana, inicia-
se a partir dos 5 anos.
Simultaneamente ao desenvolvimento da noo de espao, ocorre o
desenvolvimento das relaes espaciais. Piaget e Inhelder, em seu livro: A
representao do espao na criana (1981), denominam trs tipos de relaes
espaciais: as relaes topolgicas elementares; as relaes com o espao projetivo
e as relaes com o espao euclidiano, fundamentais para a criana conceber e
representar o espao.
De acordo com Almeida e Passini (1994, p. 31 33) as primeiras relaes
formadas pela criana so as topolgicas elementares, que se estabelecem no
espao mais prximo, usando referenciais elementares como: dentro, fora, ao lado,
na frente, atrs, perto, longe, etc., consideradas a base para a constituio das
relaes posteriores mais complexas, utilizadas de forma cotidiana, bem como no
trabalho sobre o espao geogrfico e cartogrfico. As relaes espaciais se
processam na seguinte ordem: vizinhana (ao lado); separao (os objetos no
esto ligados uns com os outros, existem fronteiras entre eles); ordem (antes, entre
e depois); envolvimento (entorno, trechos que se encaixam) e continuidade (na
impossibilidade da ausncia de espao, faz-se recortes espaciais). Para o
desenvolvimento dessas noes, na escola, o professor dever trabalhar com
atividades ldicas e rtmicas, tendo como base referencial o corpo da criana.
Com relao s capacidades espaciais de acordo com Lowenthal (1961, in
Christofoletti, 1982, p. 111) as crianas so incapazes de organizarem os objetos
no espao, de imaginarem lugares fora do seu alcance, ou para generalizarem a
partir de experincias perceptivas, as crianas so especialmente pobres
gegrafos. Neste sentido Almeida e Passini (1994, p. 26) e Castrogiovanni (2003, p.
22) assinalam que a partir do momento em que a criana comea a conceber a
posio dos objetos em espaos mais amplos, utilizando estruturas de relaes
espaciais que vo alm das topolgicas elementares, que podemos iniciar o ensino
de Geografia com as crianas, o que ocorre a partir do momento em que a criana
concebe o espao com perspectiva, passando a conservar a posio dos objetos e a
alterar o ponto de vista.
O professor poder aproveitar este momento em que as crianas por si s
tem um gosto maior pelo desenho e iniciar com elas a alfabetizao cartogrfica.
Muitos se assustam com o termo cartografia, por no compreenderem o seu
significado. Holzer W. e Holzer S. (2006, p. 201) definem cartografia como: Um ato
de comunicao intersubjetivo, tambm uma maneira de se colocar no mundo, a
arte ou a cincia de represent-lo, de se orientar, trazer o l para o aqui, tornar o
espao familiar, torn-lo um lugar.
Partindo deste conceito, rumo ao ensino de Geografia mais abstrato, os
alunos sero mapeadores de espaos prximos e conhecidos, o corpo, a escola, a
casa, etc., sero elementos representados com prazer, que com o auxlio do
professor, podem receber, ttulos, legendas, orientao, ou seja, estrutura de
primeiros mapas, mas com elementos que vo alm da cartografia sistemtica,
esto a tambm, as pessoas, os sentimentos, os gostos e desgostos.
Esta a base fundamental para o surgimento das relaes projetivas
(compreenso de relaes mtrica) e euclidianas (coordenar pontos de vista), que
so a possibilidade de manter relaes entre objetos apenas em sua representao.
A sua construo implica a conservao de distncia, comprimento e superfcie e a
construo da medida de comprimento. (ALMEIDA E PASSINI, 1994 p. 39)
As relaes projetivas e euclidianas so o embasamento necessrio para a
aquisio de conhecimentos geogrficos abstratos, como as coordenadas
geogrficas (paralelos e meridianos) e consequentemente o entendimento de
convenes cartogrficas universais. Este desenvolvimento ocorre de forma gradual,
facilitado ou no pela estimulao ambiental, vivncia scio-cultural, bem como de
mecanismos biolgicos prprios, como a hereditariedade.
3.1.2 Espao vivido
Segundo Kozel (2001, p. 147) o conceito de espao vivido surge na obra de
Armand Frmond10, que diferencia a relao dos homens com os lugares em duas
diferentes escalas: o espao de alienao e o espao vivido. O primeiro espao
destitudo de valores, sendo apenas uma soma de lugares regulados por
mecanismos de apropriao e condicionamentos da reproduo social; enquanto no
segundo o espao passa a ser analisado em sua dimenso afetiva e imaginria,
refletindo o vivido, que pode ser observado em diferentes escalas. De acordo com
Gomes (2003, p. 320) Frmont utiliza-se da psicologia gentica e da psicanlise
para a investigao do vivido, pois para ambas o comportamento humano no pode
ser estudado independentemente da conscincia, que diferencia a conduta humana
daquela dos outros organismos.
Frmont11 (1988, p. 68, citado por BAILLY, 1995, p. 157) justifica que procura
atravs da palavra vivido sintetizar relaes complexas dos homens e seus
espaos de vida, materiais, ecolgicos e psicolgicos, no havendo neutralidade
nem no olhar do gegrafo que tambm possuem espaos vividos.
Gomes (2003, p. 317) afirma que o espao vivido visto como uma das
dimenses da geografia, e o racionalismo outra, considerando a pluralidade
necessria e complementar. Os estudos abordados sob o aspecto de espao vivido,
tambm tem como base os estudos regionais, sendo considerado a relao de
empatia entre o pesquisador e o espao.
O vis do espao vivido na cincia geogrfica tem como objetivo principal
fornecer um quadro interpretativo s realidades vividas espacialmente. (GOMES,
2003, p. 320) neste contexto, o gegrafo torna-se um personagem ativo na
comunidade estudada.
De acordo com Gomes (2003, p. 325) as abordagens do espao vivido so
similares quelas da geografia fenomenolgica, que pretendem de certa forma
consolidar uma unio entre o discurso geogrfico e as bases tericas e
metodolgicas da fenomenologia. Unio esta que segundo Buttimer (1976, in
10 FREMONT, A. La Rgion, espace vcu. Paris: PUF, 1976. 11 FREMONT, A. Le gographe et l vcu. Revue ds sciences morales et politiques, 1, p. 67-78.
Christofoletti, 1982, p. 171) apresenta dificuldades, e que segundo a autora vale a
pena dirigir-se mais para o esprito do propsito fenomenolgico do que para a
prtica dos procedimentos fenomenolgicos.
Com base na fenomenologia de Edmund Husserl12, na dcada de 70, o
conceito de espao vivido denominado mundo vivido, definido como conjunto de
coisas, valores, bens e mitos inerentes a um mundo subjetivo, onde o fato cultural
portador de sentido e gerador de significados, que so pessoais e constroem o
mundo atravs da troca de significaes. (KOZEL, 2001, p. 147)
Segundo Kozel (2007, p. 120) o conceito de mundo vivido passa a ser um
aporte significativo para entender os mapas mentais, no s como uma construo
cognitiva que visa imitar a realidade, mas como uma construo sociocultural.
Juntamente com o conceito de mundo vivido, outro conceito que
revalorizado pela Geografia Humanstica/Cultural, o conceito de lugar, que
tambm est envolto em significaes, preferncias, proximidades e
representaes.
3.2 O QUE LUGAR?
A palavra lugar denota um sentido de localizao. O que caracteriza os
lugares so as suas diferenas, o oposto nos leva a crer que todos os lugares
seriam iguais. Na Geografia Humanstica/Cultural, o lugar, que anteriormente levava
caracterizao das reas, recebe um novo significado, um novo sentido: o de
pertencimento, familiaridade.
Quando definimos espao (item 3.1) citamos vrios trechos do livro Espao e
lugar, de Tuan, escrito em 1983, onde o autor, em alguns momentos, faz um
paralelo entre espao e lugar. Para definir lugar, utiliza-se das seguintes palavras:
pausa, segurana, conhecimento, valor, fechado, humanizado, calma, familiaridade,
definio, significado, entre outras. Nesse sentido, o lugar no possui um escala
definida, pode ser uma pessoa, um objeto ou um espao maior como a casa ou o
12 HUSSERL, E. The crisis of European science and transcendental Phenomenology. New York: Orthwestern University Press, 1970.
bairro, por exemplo, desta forma a me pode ser considerada como o primeiro lugar
da criana (TUAN, 1983, p. 32). Assim sendo, o aumento da escala impossibilita,
progressivamente, um relacionamento espacial direto (BONNEMAISON13, 1981,
citado por W. e S. HOLZER, 2006, p. 210), o que faz com que no se possa
considerar um espao como lugar em escalas aumentadas.
Segundo Tuan (1983, p. 198) O lugar um mundo de significado organizado.
essencialmente um conceito esttico. Se vssemos o mundo como processo, em
constante mudana, no seramos capazes de desenvolver nenhum sentido de
lugar. Isso explica o fato deste conceito ter surgido no seio desta geografia, que se
preocupa muito mais com particularidades do que com as generalidades do mundo.
Tuan (1983, p. 199) descreve trs categorias de lugar: a meta, o lar e as
parada no caminho. O lar o mundo estvel a ser transcendido, a meta o mundo
estvel a ser alcanado, e os acampamentos so paradas de descanso no caminho
de um mundo para o outro. Podemos dizer que as categorias definidas por Tuan
transformam um ponto qualquer no espao em lugar, na medida em que um local
como a casa, de onde provm parte de nossa subsistncia, torna-se algo mais,
torna-se lar, envolvendo sentimentos de amor, tranqilidade e at mesmo saudade.
Kozel (2001, p. 153) com base na fenomenologia, abordagem que tambm
fundamenta os estudos do lugar, afirma que o homem percebe o mundo
atravs de seu corpo, da ao e dos sentidos que ele constri ao se apropriar do espao, sendo que o lugar se reflete nesta poro apropriada para se viver: a casa, a praa, a rua, o bairro, vivida, sentida e reconhecida. Estes lugares a medida em que se inserem no cotidiano dos homens vo obtendo significados, provenientes do uso.
Desta forma podemos dizer que na medida em que nos apropriamos do
espao, atravs do nosso mundo vivido, transformamos espaos em lugares.
A definio de lugar de Bailly (1995, p. 27) feita de forma conjunta com a de
territrio, para ele
o sentido do lugar se manifesta pelo sentimento de pertencimento espaos definidos, sentimentos que corresponde ao mesmo tempo prticas e aspiraes territoriais. Um lugar, qualquer que seja, no
13 BONNEMAISON, J. Voyage autour du teritorie. LEspace Gographique, v. 10, n 4, 1981.
pode nunca ser tomado em si mesmo; ele s ganha sentido em relao s sociedades que criaram sua histria e forjam seu futuro.
O conceito de lugar e de mundo vivido e de lugar na Geografia
Humanstica/Cultural serem para explicar o ilgico, o irracional que certa forma
tambm nos conduzem e moldam espaos. Por que moramos, compramos e
trabalhamos em determinado lugar? Se existem lugares mais perto, mais baratos,
mais bvios, por que nos deslocamos tanto? Prevalece muitas vezes a lgica da
emoo, do sentimento, da preferncia, e isso, dificilmente a lgica do capital
conseguir entender.
3.3 ESPAO E REPRESENTAO: OS MAPAS, PR-MAPAS E
MAPAS MENTAIS
Para representar e localizar espaos geralmente nos utilizamos de mapas.
Existem diversas formas de mapear espaos, cientficas ou no, que geralmente
revelam muito mais do que espaos, revelam tambm idias e contextos. nesse
sentido que queremos desvendar o que h por trs dos mapas.
3.3.1 OS MAPAS
O mapa mais antigo que se tem notcia foi descoberto em 1963, numa
escavao arqueolgica em atal Hyk, na regio centro-ocidental da Turquia,
representava um lugar sagrado do povoado neoltico do mesmo nome, foi elaborado
a 6000 anos a.C. (HARLEY14, 1991, p. 5 in KOZEL, 2001, p. 166). Levando em
considerao que um dos acontecimentos mais marcantes da humanidade foi a
14 HARLEY, J. B. A nova histria da Cartografia. O Correio da Unesco. So Paulo: FGV, v. 19, n. 8, p. 4-9, 1991. (Mapas e Cartgrafos)
escrita, que ocorreu por volta de 4000 a 3200 a.C. (SILVA, 1985, p. 25) podemos
concluir que o mapeamento antecede a escrita. (OLIVEIRA, 2006, p. 229)
Mas afinal, o que mapa? Fomos buscar esta resposta com base na
Cartografia, cincia que apesar de ter sido denominada como tal pela ONU apenas
em 1949 (KOZEL, 2001, p. 168) j estuda mapas h muito tempo.
Desta forma encontramos em Vieira et al. (2004, p. 2) que a palavra mapa
oriunda da Idade Mdia, da palavra latina mappae, empregada para denominar o
mapa do mundo, em latim mappae mundi, que denota pano do mundo. Com base
nos conceitos de KEATES15 (1988, p.3) e Natural Resources Canad16 (2004