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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” AVM FACULDADE INTEGRADA A VERDADE NA SEARA JURÍDICO-PENAL Por: Rosemary Morais Guedes Nuñes Orientador Prof. Jean Alves Rio de Janeiro 2014 DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL

DOCUMENTO PROTEGIDO PELA LEI DE DIREITO AUTORAL · outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A VERDADE NA SEARA JURÍDICO-PENAL

Por: Rosemary Morais Guedes Nuñes

Orientador

Prof. Jean Alves

Rio de Janeiro

2014

DOCUMENTO PROTEGID

O PELA

LEI D

E DIR

EITO AUTORAL

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A VERDADE NA SEARA JURÍDICO-PENAL

REAL OU PROCESSUAL???

Apresentação de monografia à AVM Faculdade

Integrada como requisito parcial para obtenção do

grau de especialista em Direito e Processo Penal.

Por: Rosemary Morais Guedes Nuñes

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de agradecer primeiramente,

a Deus, que me ilumina e me fortalece.

À minha filha que é sempre uma razão

para eu me tornar um ser melhor.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais Alaide e Monteiro, pela

minha formação moral e intelectual que

me permitiu chegar até aqui.

Ao meu marido, o responsável pela

conclusão do meu Curso de graduação

em Direito e por tudo que eu represento

neste universo.

À minha filha, minha eterna douçura, para

que a minha determinação lhe sirva de

inspiração.

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RESUMO

O presente artigo faz uma sintética abordagem da busca da verdade

no processo penal frente às normas constitucionais. Instrumento fundamental

que motiva um pronunciamento judicial, que conduz, efetivamente, à realidade

mais próxima possível do fato criminoso, entrementes, não espanca a

possibilidade de ter-se dado a formação de uma falsa certeza. Afinal, vem de

longa data a busca da verdade para a solução dos conflitos sociais,

necessitando ao menos uma visão geral sobre esta trajetória.

Deste modo, destacam-se as provas ilícitas, que são aquelas que

violam a moral, os bons costumes e os princípios gerais de direito e também,

as provas ilegítimas, que são aquelas que violam uma norma instrumental. A

Carta Magna veda expressamente o uso das provas obtidas ilicitamente, no

processo. Entretanto, a doutrina e a jurisprudência seguiram o entendimento

de que seria necessário uma mitigação do texto constitucional, adotando a

teoria da proporcionalidade que serve de escopo para soluções de eventuais

conflitos sobre o uso das provas ilícitas envolvendo dois ou mais princípios

constitucionais, servindo ainda para o caso das provas ilícitas por derivação

processual penal acusatório adotado pela Constituição de 1988.

Ademais, busca-se semear a reflexão acerca da colheita da prova

pelo juiz e os direitos constitucionais do acusado, que possibilite uma decisão

que atenda à finalidade do próprio processo penal, a justiça.

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METODOLOGIA

Pesquisa bibliográfica realizada através de análise de livros, leis,

reportagens e jurisprudência dos Tribunais, demonstrando a real necessidade

de uma releitura do tema a ser tratado, com enfoque constitucional, diante do

sistema processual penal acusatório adotado que possam vir a ferir algumas

garantias fundamentais, como os princípios do contraditório e da ampla defesa.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULO I – Busca pela Verdade. 10

CAPÍTULO II – A Verdade no Processo Judicial 12

CAPÍTULO III –A Prova no Processo Penal 20

CAPÍTULO IV- Dignidade da Pessoa Humana como Princípio 29 Fundamental da Constituição Federal de 1988 CAPÍTULO V- A Justiça como Valor e Fim Ético-Jurídico 34

CONCLUSÃO 41

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43

ÍNDICE 45

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INTRODUÇÃO

É mister reconhecer que o conhecimento do homem sobre a

verdade, do ponto de vista universal, é apenas parcial. Conduzindo a questão

para a ciência do Direito, revela-se indiscutível a sua importância para

aplicação da Lei. Assim, no processo penal ou civil que seja, o juiz só pode

buscar a verdade processual, em substituição à velha dicotomia verdade real,

que nada mais é do que o estágio mais próximo possível da certeza, por

apresentar como espelho de um moderno Estado de Direito Democrático,

vinculado à garantia mínima dos direitos fundamentais. Portanto, o presente

trabalho tem por objetivo demonstrar a evolução do sistema processual penal

em buscar o necessário e almejado acerto na sanção penal, amparado pelo

garantismo constitucional dos direitos individuais do acusado.

Nesse compasso destacou-se as manifestações doutrinárias e jurisprudenciais

à respeito dos poderes conferidos ao juiz em matéria de investigação

probatória, dentro dessa moderna visão de alcançar a verdade. O tema

permanece atual e desafiador na doutrina processual.

Perpassadas estas análises, ressalta-se que para a apropriada atuação do

processo penal é importante que o mesmo tenha como finalidade precípua

compor, no caso em concreto, a justiça penal, a qual é alcançada pela busca

da verdade fática, ainda que esta se apresente de maneira aproximada, para

evitar que o poder estatal incorra em erro.

Como bem acentua Duclerc (2008, p. 384): É preciso lembrar [...] que não há

nada que nos imunize de cometer, eventualmente, um erro judiciário. Por mais

provada que pareça a tese acusatória, será sempre possível suspeitar dela. [...]

Jamais será possível ao juiz, portanto, ter a certeza absoluta de que decidiu de

forma acertada ao condenar ou absolver. A única certeza que pode ter, na

verdade, porque isso depende dele, em cada ato do processo, é que todas as

garantias processuais foram respeitadas, e aí, ainda que venha a cometer uma

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injustiça, ele (o Estado) terá pelo menos a certeza de que o erro era realmente

inevitável.

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CAPÍTULO I

BUSCA PELA VERDADE.

O homem sempre teve admiração pela verdade e, por isso, sempre

houve a persecução do real, haja vista que a verdade é resultado do somatório

entre o que é real e o intelecto humano. Marco Antônio de Barros1diz que a

verdade, em si mesma, é apreciada há milênios pelos maiores cultores da

filosofia, tanto que Aristóteles2 ressaltou ser essa admiração uma das causas

que levou os homens a filosofar. Aduz, ainda, que essa seria a essência dessa

ciência de amor ao saber, pois ela tem como última finalidade a investigação

da verdade, sendo o amor à verdade requisito mínimo que se exige do

candidato a filósofo.

No âmbito processual, sua busca se dá por meio de um processo de

reconstrução histórica dos fatos, sendo que o objetivo do presente tópico é

justamente analisar as diferentes formas de tratamento jurídico previstas nas

legislações cíveis e criminais que conferem à verdade atestado de maior ou

menor relevância na solução de um caso concreto.

1.1 – Conceito - O que é verdade??

Verdade, segundo Aurélio Buarque de Holanda3, vem do latim

veritate e é conformidade com o real. Santo Agostinho define a verdade de

maneira simples: a verdade é o que é dez. Na definição ordinária, portanto, a

1 BARROS, Marco Antonio de. A Busca da Verdade no Processo Penal.São Paulo: RT, 2002. p. 14 2 Aristóteles, considerado um dos maiores pensadores de todos os tempos e criador do pensamento lógico, nasceu em 384 a.C., em Estagira, na Calcídia, Macedônia. Foi discípulo de Platão (367 a.C.) em Atenas. Morreu em Cálcis, na Eubeia, ilha do Mar Egeu, em 322 a.C. (ARISTÓTELES. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Arist%C3%B3teles>. Acesso em: 02.mai.2010.).

3 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

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verdade é a harmonia entre o intelecto; a inteligência; a razão com a realidade;

com o ser.

Note-se que a busca pela verdade, perpetrada pelos amantes do

saber, dá-se de maneira árdua, haja vista que será por meio da conjugação

entre a capacidade de percepção do homem e a realidade propriamente dita

que será possível chegar-se a conclusões acerca do real. Saber o que é

verdade sempre aguçou os estudos nas mais diversas áreas do conhecimento

e possibilitou reflexões sobre a questão, tanto que Pôncio Pilatos indagou a

Jesus: “Que é a verdade?”4

Para Marco Antônio de Barros5, as coisas devem ser inteligíveis

para que possam ser declaradas verdadeiras. Assim, apenas o que está ao

alcance do conhecimento humano é que poderá ser considerado verdadeiro,

do contrário estar-se-á diante de algo considerado falso por aquele que não

consegue captar a realidade. É nessa esteira que Antônio RochaFadista6

entende que a verdade supõe três coisas: o objeto que se apresenta à

inteligência, a inteligência que julga, e a relação de conformidade entre o juízo

e o objeto apresentado. Essa é a verdade lógica ou verdade do conhecimento,

pela qual o ser só é verdadeiro se existir a capacidade intelectual de firmar um

juízo sobre a realidade de tal ser.

Nessa linha de raciocínio, é possível afirmar a concepção de que

não existe, entre os homens, a verdade lógica absoluta, uma vez que os

conceitos e definições são considerados verdadeiros, pois são frutos da

captação da inteligência do homem, que crê que isso ou aquilo tem

conformidade com o real.

Nesse ponto, vale destacar o seguinte texto de Fernando Pessoa:

4 Disse-lhe Pilatos: “Portanto, tu és rei?” E Jesus respondeu: “Tu o disseste: eu sou rei. Para isto é que nasci e para isto é que vim ao mundo: para dar testemunho da verdade. Todo aquele que ama a verdade, escuta a minha voz”. Perguntou-lhe então Pilatos: “Que é a verdade?...” (Evangelho narrado por João, 18, 37-38 – Bíblia Sagrada, tradução dos originais feita pelo Centro Bíblico Católico. 93 ed. São Paulo: Ave-Maria, 1994. p. 1409.) 5 BARROS, Marco Antonio de. A Busca da Verdade no Processo Penal.São Paulo: RT, 2002. p. 14 6FADISTA, António Rocha. A Verdade. Disponível em: http://www.maconaria.net/portal/index.php?view article&catid=1%3Aartigos-a-pranchas&id=18%3Aa-verdade&option=com_content&Itemid=2>. Acesso em: 29.abr.2010

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“Encontrei hoje em ruas, separadamente, dois amigos meus que se

haviam zangado um com o outro. Cada um me contou a narrativa de por

que se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me

contou a suas razões. Ambos tinham razão. Ambos tinham toda a razão.

Não era um que via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado das

coisas e outro um lado diferente. Não: cada um via as coisas exatamente

como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do

outro, mas cada um via uma coisa diferente, e cada um, portanto, tinha

razão.

Fiquei confuso desta dupla existência da verdade. (Alguns textos de

Barão de Teive).

Logo, segundo Marco Antônio de Barros7, não falta quem afirme ser

impossível atingir a verdade suprema, transcendental, que está fora do alcance

humano, sendo as ideias verdadeiras aquelas que se pode assimilar, validar,

corroborar e verificar, enquanto as falsas aquelas com as quais isso não se

afigura possível.

CAPÍTULO II

A VERDADE NO PROCESSO JUDICIAL

A busca da verdade, no âmbito processual, se dá por meio de um

processo de reconstrução histórica dos fatos.

Segundo o professor Ernani Fidélis dos Santos (1996)8, todo pedido

deduzido em juízo fundamenta-se em uma causa de pedir. Esta, por sua vez,

constitui-se do fato que originou o conflito e que tem que ser provados, e dos

fundamentos jurídicos que são a parte do ordenamento objetivo, em razão da

qual a pretensão é formulada. Os fundamentos jurídicos do pedido são razões

para pedir, as justificativas extraídas dos fatos. Fato, por sua vez, é matéria de

prova; e prova, a confirmação do fato alegado. Somente os fatos devidamente

7 BARROS. op. cit., p. 15 8 Rev.SJRJ, Rio de Janeiro, v. 17, n.29, p.321-341, dez.2010

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comprovados deveriam servir para a construção de uma sentença, que seria a

aplicação da hipótese legal ao caso descrito no processo.

Não se encerra o ciclo probatório com a produção de provas. Com a

produção completa a parte propriamente processual da instrução. Até

então tudo ou quase tudo, no processo probatório, é movimento, é

contato entre o juiz e partes com a matéria perceptível, com pessoas,

coisas e documentos, que afirmam ou atestam fatos. Com a produção de

provas se aparelha o processo daquilo que permite ao espírito persuadir-

se da verdade com referência à relação jurídica controvertida: esta

fornecida a prova no sentido de elemento de prova (SANTOS, M. 1995)9.

Nesse trecho, Amaral dos Santos(1995) cita Malatesta, que diz que

trabalhando o espírito com esses elementos de prova chegar-se-á à certeza

quanto à verdade dos fatos. Um ou mais exames dos mesmos elementos ,

confrontado os motivos convergentes e divergentes que o levaram àquela

certeza, permitirão a formação do convencimento. Certeza é a crença da

verdade; convicção, por sua vez, é a opinião da certeza como legítima10

Ao chegar a esse ponto, a prova conseguiu seu fim. Só então pode dizer

que está, concluída a prova. Prova, assim, é a verdade resultante das

manifestações dos elementos probatórios, decorrente do exame,

estimação e ponderação desses elementos; é a verdade que nasce da

avaliação do juiz, dos elementos probatórios. Daí definir-se a avaliação:

processo intelectual destinado a estabelecer a verdade produzida pelas

provas. Ainda para Amaral dos Santos, na avaliação se desenvolve

trabalho intelectual do juiz. É ato seu. É ele que pensa e estima as

provas. Ele foi quem a coligiu, dirigiu, inspecionou, é quem delas vai

extrair a verdade. Certamente, as partes poderão, mesmo deverão,

elucidar, fornecer subsídios para a avaliação, mas é o juiz quem a faz, e,

erra ou certa, é a única admissível no processo(SANTOS, M, 1995).

9 Rev.SJRJ op. Cit. P. p.322 10 SANTOS, Amaral. Primeiras linhas do direito processual civil: Teoria Geral do Direito Processual civil e Processo de conhecimento V. I, 14, Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995

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Vale registrar que, das mais remotas legislações é possível extrair

que o homem preocupa-se em descobrir a verdade, seja pelo enunciado do

nono11 mandamento de Deus: “não levantarás falso testemunho contra teu

próximo”; seja pelo ritual de juramento de dizer a verdade, colocando-se a mão

sobre a Bíblia, sob a proteção de Deus (ainda existentes em alguns sistemas);

seja pela de imposição de severas penalidades em razão da mentira ou

limitação às qualificações sociais daqueles que poderiam testemunhar.

O Código de Hammurabi12 famoso pelo talião – olho por olho, dente

por dente13, cominava, para o falso testemunho, as penas correspondentes ao

resultado do processo, verbis:

Art. 3º14

– Se um homem livre, em processo, se apresenta como testemunha de

acusação e não prova o que disse, se o processo importa em perda de

vida, ele deverá ser morto.

Art. 4º – Se se apresentou com testemunho falso em causa de grão ou

de prata, ele carregará a pena desse processo.

Ensina Diomar ACKEL FILHO que a verdade buscada pelo processo

aponta em duas direções:

11 Para a igreja Luterana este seria o oitavo Mandamento. Isso porque, enquanto as demais religiões cristãs consideram o décimo Mandamento como sendo “Não cobiçarás”, a referida igreja, o divide em “Não cobiçarás a casa do teu próximo”, nono, e “Não cobiçarás a mulher do teu próximo nem seus servos ou servas, nem seu boi ou jumento, nem coisa alguma que lhe pertença”, décimo

12 Hammurabi, também cognominado Kamu-Rabi, rei da Babilônia, viveu no século XXIII a. C., era filho de Gin-Mabullit e foi o sexto soberano da primeira dinastia babilônica. (...) Dotado de profundo espírito de justiça, promulgou o código de leis que hoje tem o seu nome, decalcado nas antigas leis da Caldéia.”. (LIMA, João Batista de Souza. As Mais Antigas Normas de Direito. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983. p. 01).

13 Art. 198 – Se um homem livre destruiu um olho de outro homem livre, destruirão o seu olho. Art. 200 – Se um homem arrancou um dente de um outro homem livre igual a ele, arrancarão o seu dente.”.(Ibid., p. 24)

14 Interessante notar que o Código de Hammurabi, na origem não era dividido em artigos, mas tão-somente em proposições isoladas. Posteriormente, houve a enumeração de tais proposições em artigos, “codificando-as”.

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No processo civil, com a admissão das presunções que

determinam a chamada verdade ficta. No processo penal, com

a rejeição das ficções e das verdades retratadas de modo

artificial, por obra das indigitadas presunções. No processo civil

prepondera, portanto, a verdade forma e no processo penal, a

verdade real.15

Assim, no âmbito processual, a busca da verdade se dá por meio de

um processo de reconstrução histórica dos fatos, porém deve pautar-se em

regras definidas pelo ordenamento jurídico de cada sociedade.

Logo, aqui é importante analisar a diferenciação entre verdade real e

verdade processual, haja vista que os limites à perquirição da verdade serão

determinados de acordo com esses conceitos, que darão base para o sistema

processual penal adotado em cada ordenamento.

2.1 – Verdade real ou Processual A distinção entre verdade real e verdade processual surge diante

das peculiaridades do processo penal em relação ao processo civil. Enquanto

este trabalha com a ideia de lide, conflito de interesses, em regra, privados, e

segurança jurídica, o processo penal lida com a preponderância da justiça, na

medida em que está em jogo a liberdade ambulatorial do acusado e o

interesse social na resolução do caso penal16

15 Verdade formal e verdade real. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado

de São Paulo, 1988, p. 8. 16 (“[...] nosso legislador constituinte não acolheu a idéia de lide penal, tanto que no art. 5º, LV, da Constituição, consta ‘aos litigantes’ (litigantes=lide=processo civil) e aos ‘acusados em geral’ (acusados=pretensão acusatória=processo penal) são assegurados o contraditório e a ampla defesa. Do contrário, não faria tal distinção entre litigantes e acusados (em geral, destaque-se, para desde logo avisar que também incide na fase pré-processual). [...] O conceito de pretensão não se reduz à construção carneluttiana. [...] Não se trata de uma pretensão que nasce de um conflito de interesses, mas sim do direito potestativo de acusar (Estado-acusação) decorrente do ataque a um bem jurídico e cujo exercício é imprescindível para que se permita a efetivação do poder de penar (Estado-juiz), tudo isso em decorrência do princípio da necessidade inerente à falta de realidade concreta do Direito Penal.” (LOPES Jr., Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional –Vol. I. 3. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2008. p. 79/82).

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Nesse sentido, doutor e mestre em Processo Civil Antonio Cláudio

da Costa Machado, esclarece:

Ao Estado, entretanto, só importa o interesse efetivamente existente.

Por isso o extremo cuidado quanto à verificação dos fatos e a

colocação de um outro órgão ao lado do juiz, que supra as possíveis

deficiências e omissões das partes, impedindo, assim, que o

magistrado deixe a sua condição de neutralidade na tentativa de ir

buscar as provas que faltem ao conhecimento fático da causa. Em

termos processuais diz-se, então, que o processo civil se aproxima do

penal porque o órgão jurisdicional não se dará por satisfeito com a

verdade formal, mas unicamente com a verdade real...Uma coisa é a

necessidade premente de realização de um interesse em função da

extrema relevância do seu conteúdo; à ordem social e jurídica não

importa o titular do direito, nem, em contrapartida, o titular da

obrigação..., porque importa unicamente o interesse (ou direito)

indisponível, o Ministério Público se posiciona, assim como o juiz, inter

et supra partes, fazendo o que eventualmente qualquer das partes

não faça, porquanto seja imprescindível, antes de qualquer coisa,

saber se o interesse existe ou não existe”. 17

Como bem analisado por Nelson Finotti Silva, professor em Direito

Processual Civil:

(...) adota-se a verdade formal como consequência de um

procedimento permeado por inúmeras formalidades para a colheita

das provas, por inúmeras presunções legais definidas

aprioristicamente pelo legislador, tais como, preclusão, coisa julgada,

revelia, confissão. Em outras palavras, enquanto no processo penal

só a verdade real interessa, no processo civil serve a verdade

aparente.(...)18

17 Machado, A. C. da C. A intervenção do Ministério Público no processo civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 221.

18 Publicada na Revista Síntese – Direito Civil e Processo Civil – novembro/dezembro 2002 – v. 20 – páginas 17/21

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Contudo, pela doutrina moderna do direito processual, tais diferenças

estão sendo abolidas gradativamente. Pela atualidade tanto o processo penal

como o processo civil discutem interesses fundamentais da pessoa humana.

Como por exemplo, no processo civil se lida com a família e a própria

capacidade jurídica do indivíduo.

Salienta-se que o Cândido Rangel Dinamarco oferece crítica a

respeito destas diferenciações, cita-se:

A verdade e a certeza são dois conceitos absolutos e, por isso, jamais se

tem a segurança de atingir a primeira e jamais se consegue a segunda, em

qualquer processo (a segurança jurídica, como resultado do processo, não

se confunde com a suposta certeza, ou segurança, com base na qual o juiz

proferiria os seus julgamentos). O máximo que se pode obter é um grau

muito elevado de probabilidade, seja quanto ao conteúdo das normas, seja

quanto aos fatos, seja quanto à subsunção destes nas categorias

adequadas. No processo de conhecimento, ao julgar, o juiz há de contentar-

se com a probabilidade, renunciando à certeza, porque o contrário

inviabilizaria os julgamentos. A obsessão pela certeza constitui fator de

injustiça, sendo tão injusto julgar contra o autor por falta dela, quanto julgar

contra o réu (a não ser em casos onde haja sensíveis distinções entre os

valores defendidos pelas partes); e isso conduz a minimizar o ônus da prova,

sem contudo alterar os critérios para a sua distribuição.” 19

Pode-se concluir que é inadequada a dicotomia verdade real e

verdade formal incorporada na teoria geral do processo. E, ainda, com a

diferenciação da verdade real como objetivo do processo penal e a verdade

formal objetivo do processo civil.

Sem dúvida, no processo está intrínseca a busca por uma verdade e

é justamente este caminho que leva a justiça. Porém, esta verdade não pode

ser meia verdade e também não é uma verdade absoluta, mas é uma verdade.

Este conceito deve ser aplicado não apenas ao processo civil ou ao processo

penal, mas sim há ambos.

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18

Frise-se, ainda, que o Código de Processo Penal brasileiro foi

editado no ano de 1941, época do Estado Novo, “período que abrange parte

do Governo de Getúlio Vargas (1937-1945) que encomendou ao jurista

Francisco Campos uma nova Constituição, extraparlamentar, revogando a

então Constituição legitimamente outorgada ao país por uma Assembleia

Nacional Constituinte (1934)” (MOREIRA, 2001, p. 134). Ademais, o referido

Código, quando elaborado, sofreu os influxos da legislação processual italiana

da década de 30, marcadamente fascista (Código de Rocco).

No Direito Positivo pátrio, o art. 156, segunda parte, do Código de

Processo Penal, ao conceder ao magistrado poderes para, antes de proferir a

sentença, determinar, de ofício, diligências que possam resolver dúvida sobre

ponto relevante, é, entre outros, um exemplo vivo da positivação do princípio

da verdade real. Segundo a interpretação, costumeiramente, dada a este

dispositivo, o juiz só se desincumbirá de seu múnus quando encontrar a

essência do objeto de sua procura, isto é, a verdade absoluta.

Assim, a busca da verdade real no processo exige um largo poder

instrutório do juiz. Ele detém, de acréscimo, o livre convencimento das provas

e das versões, se é que podemos diferenciá-los tanto assim. Entretanto, o

garantismo processual tende a restringir o alcance desse poder apenas ao que

consta das peças do processo, seguindo aquele velho jargão latino - “"quod

non est in actis, non est in mundo" (o que não está nos autos não está no

mundo) -.

Vale aqui destacar que a iniciativa probatória do Juiz aparece,

justificada pela busca à verdade real, nitidamente naturalizada, sem que haja

qualquer alusão à incompatibilidade dessa iniciativa com o sistema acusatório

adotado, segundo parte da doutrina, pela Constituição de 1988. A

representação elaborado pelo julgador a respeito do assunto é que se ele não

tiver iniciativa probatória, não poderá fazer justiça e “verdade dos fatos” estão

permanentemente associadas no discurso dos Juízes explicitam que, sem a

descobrir a verdade real, eles ficam impedidos de fazer justiça.

19 DINAMARCO, C. R. A instrumentalidade do processo. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

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19

Por outro lado, Geraldo Prado20 chama atenção para a

incompatibilidade entre a iniciativa probatória do juiz e o sistema acusatório

quando examina as características do princípio acusatório. O autor faz ampla

revisão na doutrina jurídica estrangeira e conclui, afirmando o “princípio

acusatório se distingue por um tipo característico de processo que está

alicerçado entre três diferentes sujeitos das tarefas de acusar, defender e

julgar”, Aduz que, no modo inquisitório de processo, prevalece o objetivo de

realização do direito penal material, enquanto no processo acusatório é a

defesa dos direitos fundamentais do acusado contra a possibilidade do arbítrio

do poder de punir que define o horizonte do mencionado processo.

Logo, conclui-se que a verdade real, portanto, merece ser encarada

sob outro prisma; por uma nova perspectiva, de maneira a tornar o processo

penal compatível com a CRFB/88, não podendo ser justificante dos meios

usados para obtenção da verdade. Não se pode admitir o uso de meios

desumanos para obtenção de provas, não se pode coagir o réu a produzir

provas contra si mesmo – nemo tenetur se detegere, devem ser

desentranhadas as provas ilícitas e obtidas por meios ilícitos, não pode haver

comprometimento da imparcialidade do magistrado.

Contudo, a função atribuída à atividade judicante, seja em matéria

civil seja em matéria criminal, não é administrar conflitos, nem entregar a

prestação jurisdicional ao cidadão, nem garantir a igualdade jurídica aos

jurisdicionados, pedra fundamental do Estado democrático de

direito(FERRAJOLI 2002)21,mas descobrir a verdade real dos fatos, e, a partir

dela, fazer justiça.

Assim, a verdade que serve à decisão não é nem a verdade real,

nem a verdade formal, mas a verdade possível: a verdade possível é aquela

que pode ser reconstruída de acordo com os limites do devido processo legal.

Há quem diga que a verdade do processo é a verdade mais próxima possível

do real, é aquela que pode ser reconstruída na medida do possível.

20 PRADO,Geraldo.Sistema Acusatório: a conformidade constitucionais das leis processuais, Rio de Janeiro, Lumen júris, 2006 p.104

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20

CAPÍTULO III

A PROVA NO PROCESSO PENAL

Segundo Demercian e Maluly prova é tudo aquilo que pode ser

utilizado para que se possa demonstrar os fatos alegados e perseguidos no

processo. São os instrumentos essenciais para que seja comprovada a

existência ou não da veracidade de um fato.

Meio de prova é tudo o que possa ser utilizado para a demonstração

da ocorrência dos fatos alegados e perseguidos no processo. São os

instrumentos necessários para comprovar a existência ou não da

verdadede um fato22.

Assim, meio de prova é tudo aquilo que serve para comprovar os

fatos alegados pelas partes, de maneira que deve-se sempre buscar a

comprovação da verdade real.

Porém, adverte Tornaghi, apud Mossin (1998, p. 210):

É preciso cuidado para evitar a confusão, muito frequente, de meio

com sujeito ou objeto de prova. Assim, por exemplo, a testemunha é

sujeito, e não meio de prova. O depoimento dela, este, sim, é meio de

prova. O lugar inspecionado é objeto de prova; a inspeção do local é

meio de prova. Meio é tudo aquilo que serve para alcançar um fim,

seja o instrumento usado ou o caminho percorrido.

Os meios de prova podem ser históricos ou críticos. Os meios de

prova históricos são aqueles que representam um fato, que pode ser o

depoimento de uma testemunha ou um documento. Já o meio de prova crítico

apenas indica, como é o que acontece com os indícios.

21 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. São Paulo, RT 2002, p. 22 DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 3 ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2005.

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21

Os meios de prova podem ainda ser reais ou pessoais. Os meios

reais são aqueles que são representados por uma coisa ou algo exterior ao

homem, como por exemplo, um revólver utilizado para a prática de um delito.

Os meios de prova pessoais, por sua vez, relacionam-se com a personalidade

de um determinado sujeito, com a sua consciência e um exemplo é o

depoimento pessoal.

Contudo, os meios de prova não são taxativos, ou seja, não

precisam estar especificados pelo legislador de maneira exaustiva, bastando

apenas que na lei não haja nenhum obstáculo ou restrição à produção daquela

determinada prova.

Como bem salientou Vicente Greco Filho23 , que “outros, porém, são

admissíveis, desde que consentâneos com a cultura do processo moderno, ou

seja, que respeitem os valores da pessoa humana e a racionalidade”.

Sendo a previsão legal apenas exemplificativa, essas provas que

não estão previstas na legislação são as chamadas provas inominadas. Elas

existem pelo fato de ser humanamente impossível prever todos os meios de

prova existentes.

Embora, a liberdade probatória não é absoluta, é certo que vamos

encontrar restrições impostas pela lei para determinados casos.

Devemos atentar que a presunção de inocência ou de não

culpabilidade é um instrumento que dispomos para instaurar um estado de

incerteza no processo. Assim toda a meta de uma condenação, que tem a

pretensão de ter uma condenação num lastro de legimação politica, a

acusação tem que eliminar a incerteza. Portanto, não se pode limitar atuação

do Ministério público, negando meios para fazer esta ultrapassagem, que de

certa forma traz uma garantia ao acusado que só terá uma condenação

legítima se ultrapassar essa barreira da incerteza.

Assim, a presunção de inocência pode ser superada e dar ensejo a

uma condenação legítima, através de mecanismo probatório.

Neste contexto, a opção de politica criminal de arbitramento de

responsabilidade penal sem o necessário lastro probatório elimina as barreiras

23 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 5.ed. São Paulo: Saraiva,1998, p. 199.

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22

que o processo deveria edificar, construir para reprimir o poder punitivo. O

método processual que dispense uma atividade probatoria para definição de

responsabilidade penais ele é o reconhecimento de que se abdica do

conceito de culpabilidade no plano de direito material.

3.1. Prova Proibida

O doutrinador Julio Fabbrini Mirabete bem define que “a prova é

proibida toda vez que caracterizar violação de normas legais ou de princípios

do ordenamento de natureza processual ou material”24.

Por proibir entende-se impedir que se faça e a origem etimológica

da palavra vem de prohibere, que significava conservar à distância. Sendo

assim, prova proibida é toda aquela que deve ser conservada à distância pelo

ordenamento jurídico.

3. 2 Provas Ilícitas e Provas Ilícitas Por Derivação

Prevê o artigo 5º, LVI da Constituição Federal:

Art.5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer

natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes

no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à

segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LVI – São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios

ilícitos.

O ordenamento jurídico limita a produção de provas quando estas

violarem a lei. Se a prova for proibida, no caso de ter contrariado normas de

24 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 153.

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23

direito material ou princípios constitucionais, quer quanto ao meio ou quanto ao

modo de obtenção, ela será ilícita.

Para Eugênio Pacelli de Oliveira25

A norma assecuratória da inadmissibilidade das provas obtidas com

violação de direito, com efeito, presta-se, a um só tempo, a tutelar

direitos e garantias individuais, bem como a própria qualidade do

material probatório a ser introduzido e valorado no processo.

Por força de preceito constitucional, serão proibidas no processo

penal, todas as provas cuja colheita tenha como origem um meio ilícito.

Sendo assim, uma sentença não pode ter fundamento em provas

que violem princípios constitucionais ou normas infraconstitucionais, como

violação de correspondência, de transmissão telegráfica e de dados, e com a

captação não autorizada judicialmente das conversas telefônicas (art.5º, XII,

CF), entre outros.

Ensina Heráclito Antônio Mossin26

É de cristalina evidência que muitas vezes por intermédio da prova

não autorizada pelo direito se pode chegar à descoberta da verdade

real, fim coliminado pelo processo, reconstruindo-se de modo nítido o

fato histórico que é o thema probandum. Entretanto, par vir legis,

somente são admissíveis as provas obtidas por meio lícito, ou seja,

que não forem contrárias à moral e aos bons costumes e

principalmente quando não forem atentatórias à dignidade e liberdade

de expressão do indiciado ou réu.

Porém, Adalberto José Q. T. Camargo Aranha27 complementa esse

conceito dizendo:

25 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. Belo Horizonte: Del Rey,2002, p. 267 26 MOSSIN, Heráclito Antônio. Curso de processo penal. v. 2. São Paulo: Atlas, 1998, 219 27 ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2006., p. 51

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24

A violação a um princípio de direito material pode ser ampla, não se

resumindo não oposição à lei; é possível ofender os bons costumes

(exteriorizar segredo obtido em confessionário), a boa-fé (usar

gravador disfarçado), a moral (recompensar parceiro para conseguir a

prova do adultério) etc.

Destarte, a confissão obtida mediante a prática de tortura, a

apreensão de documento realizada mediante a violação de domicílio, a

captação de uma conversa por meio do crime de interceptação telefônica, são

alguns dos vários meios de provas ilícitas existentes.

Entretanto, não serão ilícitas as provas admitidas quando o

interessado consentir na violação de seus direitos assegurados

constitucionalmente ou pela legislação infraconstitucional, desde que tais

direitos sejam disponíveis. Nestas hipóteses deixa de haver a ilicitude exigida

na Constituição para que tal prova seja proibida.

A garantia constitucional de não aceitar a utilização de provas

obtidas por meios ilícitos consagrou também a doutrina norte-americana do

fruits of the poisonous tree (frutos da arvore envenenada) que prega que não

só a prova ilícita, mas a que se origina desta não pode ser usada pelo julgador

para que seja formada sua convicção, ou seja, uma árvore podre só pode dar

frutos podres. Assim, quando a prova for lícita em si mesma, mas produzida a

partir de um fato ilícito, ela será uma prova ilícita por derivação.

Acerca dessa posição, Júlio Fabbrini Mirabete28 discorreu que “na

falta de regulamentação específica, vigora em nosso ordenamento jurídico a

regra do direito americano revelada pela expressão fruits of the poisonous tree

(frutos da árvore envenenada), que implica nulidade das provas subsequentes

obtidas com fundamento na original ilícita”.

Assim sendo, as provas originadas de outras provas ilícitas também

não poderão ser usadas pelo juiz para a formação de seu convencimento.

Contudo, a ilicitude das provas originárias ou derivadas não

comprometem a existência do processo se sua produção não tiver sido com

28 MIRABETE, Júlio Fabbrini, ob. Cit. 257

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25

base em violação à norma de direito processual como também não levam à

absolvição do acusado se sua condenação foi proferida com fundamento em

outras provas regularmente introduzidas no processo.

Ensina o doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira29:

Com isso, nem sempre que estivermos diante de uma prova obtida

ilicitamente teremos como consequência a inadmissibilidade de todas

aquelas outras provas a elas subsequentes. Será preciso, no exame

cuidadoso de cada situação concreta, avaliar a eventual derivação da

ilicitude.

Prevalece então a ideia da incomunicabilidade entre as provas, ou

seja, a prova ilícita não irá contaminar as provas que dela não decorrerem. A

respeito, o STF decidiu, no julgado RE 583937 QO-RG, j. 19.11.2009, rel. Min.

Cezar Peluso, que se “o órgão da persecução penal demonstrar que obteve,

legitimamente, novos elementos de informação a partir de uma fonte autônoma

de prova — que não guarde qualquer relação de dependência nem decorra da

prova originariamente ilícita, com esta não mantendo vinculação causal —, tais

dados probatórios revelar-se-ão plenamente admissíveis, porque não

contaminados pela mácula da ilicitude originária” (STF, RHC 90.376/RJ, j.

03.04.2007, rel. Min. Celso de Mello). Neste caso, percebe-se que inexiste

nexo causal, sequer podendo-se falar em ilicitude por derivação. Em outro

julgado, decidiu o STF: “encontro fortuito de prova da prática de crime punido

com detenção. (...) O Supremo Tribunal Federal, como intérprete maior da

Constituição da República, considerou compatível com o art. 5º, XII e LVI, o

uso de prova obtida fortuitamente através de interceptação telefônica

licitamente conduzida, ainda que o crime descoberto, conexo ao que foi objeto

da interceptação, seja punido com detenção. (STF, AI 626.214-AgR, rel. Min.

Joaquim Barbosa, 2.a T., j. 21.09.2010).

Nesse sentido, segue julgado do STF:

29 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de , ob. Cit. 283

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26

PRÁTICA DELITUOSA (LEI Nº 8.069/90, ART. 241). FOTOS QUE

FORAM FURTADAS DO CONSULTÓRIO PROFISSIONAL DO RÉU

E QUE, ENTREGUES À POLÍCIA PELO AUTOR DO FURTO,

FORAM UTILIZADAS CONTRA O ACUSADO, PARA INCRIMINÁ-LO.

INADMISSIBILIDADE (CF, ART. 5º, LVI). - A cláusula constitucional

do due process of law encontra, no dogma da inadmissibilidade

processual das provas ilícitas, uma de suas mais expressivas

projeções concretizadoras, pois o réu tem o direito de não ser

denunciado, de não ser processado e de não ser condenado com

apoio em elementos probatórios obtidos ou produzidos de forma

incompatível com os limites ético-jurídicos que restringem a atuação

do Estado em sede de persecução penal. - A prova ilícita - por

qualificar-se como elemento inidôneo de informação - é repelida pelo

ordenamento constitucional, apresentando-se destituída de qualquer

grau de eficácia jurídica. - Qualifica-se como prova ilícita o material

fotográfico, que, embora alegadamente comprobatório de prática

delituosa, foi furtado do interior de um cofre existente em consultório

odontológico pertencente ao réu, vindo a ser utilizado pelo Ministério

Público, contra o acusado, em sede de persecução penal, depois que

o próprio autor do furto entregou à Polícia as fotos incriminadoras que

havia subtraído. No contexto do regime constitucional brasileiro, no

qual prevalece a inadmissibilidade processual das provas ilícitas,

impõe-se repelir, por juridicamente ineficazes, quaisquer elementos

de informação, sempre que a obtenção e/ou a produção dos dados

probatórios resultarem de transgressão, pelo Poder Público, do

ordenamento positivo, notadamente naquelas situações em que a

ofensa atingir garantias e prerrogativas asseguradas pela Carta

Política(RTJ 163/682 - RTJ 163/709), mesmo que se cuide de

hipótese configuradora de ilicitude por derivação (RTJ 155/508), ou,

ainda que não se revele imputável aos agentes estatais o gesto de

desrespeito ao sistema normativo, vier ele a ser concretizado por ato

de mero particular. Doutrina.

A esse respeito, o seguinte julgado do STJ:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – PROCESSUAL

PENAL – CONSTITUCIONAL – ESTELIONATO – GRAVAÇÃO

TELEFÔNICA PELA VÍTIMA DE CRIME – PROVA ILÍCITA –

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27

INCARACTERIZAÇÃO – 1. "As liberdades públicas não podem ser

utilizadas como um verdadeiro escudo protetivo da prática de

atividades ilícitas, tampouco como argumento para afastamento ou

diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob

pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de

Direito. Dessa forma, aqueles que, ao praticarem atos ilícitos,

inobservarem as liberdades públicas de terceiras pessoas e da

própria sociedade, desrespeitando a própria dignidade da pessoa

humana, não poderão invocar, posteriormente, a ilicitude de

determinadas provas para afastar suas responsabilidades civil e

criminal perante o Estado (...)" (Alexandre de Morais, in Constituição

do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, 2ª Edição, 2003,

São Paulo, Editora Atlas, páginas 382/383). 2. Não há falar em

ilicitude da prova que se consubstancia na gravação de conversação

telefônica por um dos interlocutores, vítima, sem o conhecimento do

outro, agente do crime. 3. Recurso improvido. (STJ– RHC 12266 – SP

– 6ª T. – Rel. Min. Hamilton Carvalhido – DJU 20.10.2003 – p. 00298).

Assim, embora, como regra sejam inadmissíveis as provas ilícitas e

as provas delas derivadas, consideram-se admissíveis as provas derivadas

quando “puderem ser obtidas por uma fonte independente das primeiras”

(artigo 157, parágrafo 1º, 2ª parte do CPP).

Portanto, vigora, sob a égide da atual CR, o regime de

inadmissibilidade das provas ilícitas no processo de conhecimento. No entanto,

esse preceito não deve ser utilizado de forma rígida. No entanto, isso não deve

ser tido de forma absoluta. Em alguns casos o STF utiliza a teoria da

proporcionalidade para corrigir distorções advindas da aplicação rígida do

preceito constitucional e admitido o uso da prova viciada quando em favor do

acusado.

Em relação à doutrina dos frutos da árvore envenenada, o STF e o

STJ entendem que as provas ilícitas contaminam as que são exclusivamente

delas decorrentes. O objetivo disso é evitar que se transponha o mandamento

constitucional que veda o uso de provas ilícitas no processo penal.

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28

O uso de provas ilícitas no processo por uma das partes gera na

outra o direito de ver essas provas desentranhadas dos autos e talvez o

trancamento da ação penal fundada única e exclusivamente nas provas ilícitas.

Oportuno dizer que a prova ilícita sempre foi objeto de divergência

já que a Constituição Federal se manteve silente quanto a admisisbilidade

dessas provas. Cumpre ressaltar que a Lei 11690/08 trouxe a positivação da

teoria dos frutos da árvore envenenada na seara do direito processual penal,

sobre a qual se baseia o entendimento acima.

Vale, ainda, salientar que há situações de obtenção de provas

mediante autorização judicial, como a interceptação telefônica autorizada em

observância ao art. 5º, XII da CF, em que ocorre o encontro de provas de fatos

referentes a delitos diversos daquele que se buscou provar. Em relação a

essas provas encontradas, há discussão sobre a possibilidade de sua

utilização ou não, já que a autorização judicial não teria por objetivo a colheita

dessa prova.

Reza o artigo 157 que as provas ilícitas devem ser desentranhadas

do processo. Em complemento, seu § 3º determina que elas devem ser

inutilizadas: preclusa a decisão de desentranhamento da prova declarada

inadmissível, esta será inutilizada por decisão judicial, facultado às partes

acompanhar o incidente.

Ressalte-se que a decisão que determina o desentranhamento da prova

declarada inadmissível não é recorrível. Assim sendo, pode-se cogitar da

impetração de Habeas Corpus ou de Mandado de Segurança,

respectivamente, conforme a decisão seja prejudicial à defesa ou à acusação.

Somente quando forem desrespeitadas as disposições processuais

que possam refletir no devido processo legal é que se poderá falar em

inadmissibilidade, assim, uma prova testemunhal obtida em juízo sem a

presença do defensor deverá ser considerada ilícita, portanto, inadmissível por

estar incorrendo em violação à ampla defesa.

Pela limitação da fonte independente a ilicitude da prova fica

afastada se for demonstrado que a prova não é decorrente de prova ilícita, ou

seja, se for comprovado que não há nexo de causa e efeito com a prova ilícita

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ou quando as provas derivadas puderem ser obtidas por uma fonte

independente da primeira.

As discussões em torno da admissibilidade das provas obtidas por

meios ilícitos são várias e crescentes, merecendo por isso atenção. Entretanto,

a apreciação dessas provas deve ser feita de forma excepcional, em

observância ao princípio que veda a admissibilidade dessas provas, já que por

violar direitos e garantias do indivíduo poderá trazer consequências

irreparáveis.

CAPÍTULO IV

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCÍPIO

FUNDAMENTAL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Os princípios fundamentais constituem-se em diretrizes basilares

que impulsionam decisões de cunho político indispensáveis ao

estabelecimento do Estado Democrático de Direito, definindo-lhe a forma de

ser.58 Observe-se que o adjetivo fundamental denota a ideia de algo

extremamente necessário, sem o qual não se permitiria a existência de

qualquer alicerce, pelo o que esta inserção na Magna Carta demonstra o intuito

do nobre constituinte em elevar os princípios à função de normas que

sustentam a ordem constitucional, sendo, deste modo, admitidos como

fundamentos da República e do Estado Democrático de Direito.

No plano jurídico, a valorização da noção da dignidade humana está

intimamente ligada aos movimentos constitucionalistas modernos, sobretudo

ao constitucionalismo francês e ao americano. Embora ao longo da história

sejam encontradas algumas manifestações axiológico-constitucionais

destinadas à finalidade de organização da estrutura do poder e algumas até de

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30

defesa da liberdade individual, o constitucionalismo somente se avulta

significativamente com o advento das Cartas da segunda metade do século

XVIII, sob influência das Revoluções Burguesas, do Contratualismo e do

Iluminismo.

A constituição moderna, de caráter nitidamente liberal, surgiu com a

finalidade de declarar direitos, de fundamentar a organização do governo e de

limitar o poder político, limitação essa que era o maior anseio dos mentores

burgueses setecentistas.

O valor moral da dignidade da pessoa humana foi consagrado como

valor constitucional na Declaração de Direitos de Virgínia, que precedeu a

Constituição americana de 1787, e na Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão de 1789, que resultou da Revolução Francesa. Neste aspecto, ambos

os documentos se fundamentavam nas doutrinas de LOCKE, MONTESQUIEU

e ROUSSEAU influenciadas pela noção humanista de reserva da integridade e

da potencialidade do indivíduo.

Com o passar do tempo, a figura da Constituição, nas suas

principais aparições, preservou o provimento à dignidade humana e englobou

gradativamente outros valores e outros desideratos mais amplos do que

aqueles iniciais, assumindo a função de garantia dos interesses sociais e de

limitação do poder econômico até adquirir, nos tempos atuais, um caráter

programático e democrático voltado para a concretização dos valores por ela

enunciados.

Apesar de ser possível sua dedução dos textos constitucionais mais

antigos que tutelavam as liberdades fundamentais, a expressa positivação do

ideal da dignidade da pessoa humana é bastante recente. Com algumas

exceções, somente após sua consagração na Declaração Universal da ONU

de 1948 é que o princípio foi expressamente reconhecido na maioria das

Constituições.

Ressalte-se que, embora inegável a importância do reconhecimento

expresso do princípio para a afirmação do ideal, esse recente movimento de

sua positivação na ordem constitucional não é pioneiro na criação da

obrigatoriedade da proteção da dignidade, já que essa necessidade já era

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31

patente, mesmo que implicitamente, nos movimentos anteriores, notadamente

a partir daquele constitucionalismo do século XVIII.

No Brasil, país cuja trajetória constitucional foi bastante conturbada

e cuja realidade política esteve sempre sob o jugo de períodos ditatoriais

poucas vezes atenuados, o ideal de proteção da dignidade da pessoa humana

somente foi reconhecido formalmente na ordem positiva com a promulgação

da Constituição de 1988.

O advento da nossa Constituição consagrou o valor da dignidade da

pessoa humana como princípio máximo e o elevou, de maneira inconteste, à

uma categoria superlativa em nosso ordenamento, na qualidade de norma

jurídica fundamental.

Estabelece-se no artigo 1° da Constituição Federal de 1988, o rol de

princípios fundamentais, dos quais, está presente o princípio da dignidade da

pessoa humana.

Seguindo os passos de outros países, a Constituição brasileira

confere ao princípio da dignidade da pessoa humana caráter normativo amplo,

visto que apresenta reflexo perante todo sistema político, social e jurídico.

Além disso, expressa, de forma veemente, a importância que o Estado atribui à

pessoa humana, uma vez que aquele existe em razão desta.

Portanto, o ser humano representa a motivação de toda a atividade

estatal. Nesse aspecto, destaca o doutrinador Gustavo TEPEDINO30 que:

A dignidade da pessoa humana torna-se o objetivo central da

República, funcionalizando em sua direção a atividade econômica

privada, a empresa, a propriedade, as relações de consumo. Trata-se

não mais do individualismo do século XVIII, marcado pela supremacia

da liberdade individual, mas de um solidarismo inteiramente diverso,

em que a autonomia privada e o direito subjetivo são remodelados em

função dos objetivos sociais definidos pela Constituição e que, em

última análise, voltam-se para o desenvolvimento da personalidade e

para a emancipação do homem.

30 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

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32

Acerca da relevância da dignidade da pessoa humana, ensina

CANOTILHO31:

Concebido como referência constitucional unificadora de todos os

direitos fundamentais, o conceito de dignidade humana obriga a uma

densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido

normativo constitucional e não uma qualquer ideia apriorística do

homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à

defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-se nos casos

de direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da

personalidade individual, ignorando-a quando se trate de garantir as

bases da existência humana.

Clarividente, portanto, a consagração do valor que se atribui a

dignidade da pessoa humana, a qual compõe o núcleo dos direitos

fundamentais e é apreciada como pressuposto de limite ético e jurídico

extraído da noção de Estado Democrático de Direito à busca da verdade na

área do processo penal, representa um princípio que agrega a essência

protetiva dos demais e tem como a finalidade promover a justiça, sem,

contudo, ofender a base da ordem jurídica atual.

4.1 Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais.

É comum ver atribuída a primeira enunciação do princípio da

dignidade humana ao pensamento de Immanuel Kant. Certamente tal

atribuição decorre do fato de Kant ter sido o primeiro teórico a reconhecer que

ao homem não se pode atribuir valor – assim entendido como preço –,

justamente na medida em que deve ser considerado como um fim em si

mesmo e em função da sua autonomia enquanto ser racional.

Conseqüentemente, cada homem é fim em si mesmo. E se o texto

31 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7ª ed. Edições Almedina. Coimbra.

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33

constitucional diz que a dignidade da pessoa humana é fundamento da

República Federativa do Brasil, importa concluir que o Estado existe em função

de todas as pessoas e não estas em função do Estado. Aliás, de maneira

pioneira, o legislador constituinte, para reforçar a idéia anterior, colocou,

topograficamente, o capítulo dos direitos fundamentais antes da organização

do Estado. Assim, toda e qualquer ação do ente estatal deve ser avaliada, sob

pena de inconstitucional e de violar a dignidade da pessoa humana,

considerando se cada pessoa é tomada como fim em si mesmo ou como

instrumento, como meio para outros objetivos. Ela é, assim, paradigma

avaliativo de cada ação do Poder Público e um dos elementos imprescindíveis

de atuação do Estado brasileiro .

No entanto, tomar o homem como fim em si mesmo e que o Estado

existe em função dele, não nos conduz a uma concepção individualista da

dignidade da pessoa humana. Ou seja, que num conflito indivíduo versus

Estado, privilegie-se sempre aquele. Com efeito, a concepção que aqui se

adota, denominada personalista, busca a compatibilização, a inter-relação

entre os valores individuais e coletivos; inexiste, portanto, aprioristicamente,

um predomínio do indivíduo ou o predomínio do todo. A solução há de ser

buscada em cada caso, de acordo com as circunstâncias, solução que pode

ser tanto a compatibilização, como, também, a preeminência de um ou outro

valor. A pessoa é, nesta perspectiva, o valor último, o valor supremo da

democracia, que a dimensiona e humaniza.

A dignidade da pessoa humana possui duas dimensões que lhe são

constitutivas: uma negativa e outra positiva. Aquela significa que a pessoa não

venha ser objeto de ofensas ou humilhações. Daí o nosso texto constitucional

dispor, coerentemente, que "ninguém será submetido à tortura nem a

tratamento desumano ou degradante" (art. 5º, III, CF).

Com efeito, a dignidade pressupõe a autonomia vital da pessoa, a

sua autodeterminação relativamente ao Estado, às demais entidades públicas

e às outras pessoas. Impõe-se, por conseguinte, a afirmação da integridade

física e espiritual do homem como dimensão irrenunciável da sua

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34

individualidade autonomamente responsável; a garantia da identidade e

integridade da pessoa através do livre desenvolvimento da personalidade; etc.

Por sua vez, a dimensão positiva presume o pleno desenvolvimento de cada

pessoa, que supõe, de um lado, o reconhecimento da total autodisponibilidade,

sem interferências ou impedimentos externos, das possibilidades de atuação

próprias de cada homem; de outro, a autodeterminação que surge da livre

projeção histórica da razão humana, antes que uma predeterminação dada

pela natureza.

Viu-se que a proclamação do valor distinto da pessoa humana

teve como conseqüência lógica a afirmação de direitos específicos de cada

homem. A dignidade da pessoa humana é, por conseguinte, o núcleo essencial

dos direitos fundamentais, a fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais ,

a fonte ética, que confere unidade de sentido, de valor e de concordância

prática ao sistema dos direitos fundamentais. Daí falar-se, em conseqüência,

na centralidade dos direitos fundamentais dentro do sistema constitucional,

que eles apresentam não apenas um caráter subjetivo, mas também cumprem

funções estruturais. Ou seja, as normas de direito fundamental ocupam o grau

superior da ordem jurídica; estão submetidas a processos dificultosos de

revisão; constituem limites materiais da própria revisão; vinculam

imediatamente os poderes públicos; significam a abertura a outros direitos

fundamentais. Dessa maneira, a interpretação dos demais preceitos

constitucionais e legais há de fazer-se à luz daquelas normas constitucionais

que proclamam e consagram direitos fundamentais, as normas de direito

fundamental.

CAPITULO V

A JUSTIÇA COMO VALOR E FIM ÉTICO-JURÍDICO

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35

O fim precípuo do direito é promover a paz social, já o disse Ihering.

Porém, pode-se, destacar como fim imediato e ético do direito a justiça, tendo

em vista que a balança do direito pesa-o a fim de dar a cada um o que é seu, a

medida do seu direito, o que lhe cabe por justiça.

A concepção de justiça reflete numa gama de expectativas

delineadas no curso da história, resultando inúmeras correntes sobre o justo e

o injusto, dentre elas: teoria sofista, socrática, platônica, aristotélica, cristã,

agostiniana, tomista, rousseauniana, kantiana, hegeliana, kelseniana,

rawlsiana. Entretanto, estas sofreram a forte influência do pensamento

ocidental, as quais são destacadas, em síntese, por Paulo Dourado

GUSMÃO32, da seguinte forma: a) de Platão advém uma herança segundo a

qual a justiça é virtude suprema; b) de Aristóteles advém uma herança

segundo a qual a justiça é igualdade/proporcionalidade; c) dos juristas

romanos advém uma herança segundo a qual a justiça é vontade de dar a

cada um o seu (iustitia est constans et perpetua voluntas ius suum cuique

tribuendi).

Ressalte-se o fato de que as tendências contemporâneas da teoria

jurídica têm considerado a importância desta para as experiências jurídicas,

opondo-se ao formalismo da filosofia positivista no campo dos pensamentos

jurídicos do século XX. Alcançar o magistrado decisão intitulada como justa,

deve ser o desígnio norteador de toda atividade jurisdicional, sendo que a

orientação desta meta cabe à doutrina e à teoria do direito.

Do ponto de visto positivista, a justiça é algo não possível de ser

conceituada. Contudo, doutrina como a de Chain PERELMAN33 destaca vasta

definição de justiça, a partir do uso da teoria da argumentação, que viabiliza a

análise de todas as oportunidades que são postas para discussão racional dos

sistemas axiológicos envolvidos, fazendo surgir respostas razoáveis. Desta

forma, estudar justiça é estudar valores, e valores relativos, os quais se

discutem historicamente, socialmente, culturalmente.

32 GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. Rio de Janeiro: Forense, 1999. 33 PERELMAN, Chaim. Ética e Direito; tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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36

Quanto ao “pensamento e a terminologia”, diz E. DUPRÉEL34

desde sempre incitaram a confundir o valor da justiça o da moralidade

inteira. A literatura moral e religiosa reconhece no justo o homem

integralmente honesto e benfazejo; a justiça é o nome comum de

todas as formas de mérito, e os clássicos expressariam sua idéia

fundamental dizendo que a ciência moral não tem outro objeto senão

ensinar o que é justo fazer e ao que é justo renunciar. Ela diria

também que a justiça deve ensinar-nos a distinção entre o justo e o

injusto, em que consiste toda a ciência do bem e do mal. Assim, a

justiça que, de um lado, é uma virtude entre as outras, envolve, do

outro, toda a moralidade.

O ensinamento deste autor denota que todo ideal de justiça

apresenta uma condicionante que é representada por outros valores, que,

muitas vezes são distintos aos da justiça, isto é, a base sistêmica do justo é

determinada por valores ditados por seus próprios princípios. Chaim

PERELMAN aceita quando alega que todo o sistema de justiça possui

somente progresso de um dentre os inúmeros valores, cuja denotação

arbitrária está ligada à natureza deles, o que permite concluir que não há que

se falar em único sistema de justiça, pois há tantos quantos valores diversos

existirem.

Nesse aspecto, Hans KELSEN, no estudo acerca da justiça, afirma

que todo o juízo de valor é irracional, visto que está embasado na fé, o que não

admite indicar de forma científica – ou seja, racional, um valor que seja

preterido em razão do outro. Confira-se:

se no problema da justiça partirmos de um ponto de vista racional-

científico, não-metafísico, e reconhecermos que há muitos ideais de

justiça diferentes uns dos outros e contraditórios entre si, nenhum dos

quais exclui a possibilidade de um outro, então apenas nos será lícito

34 Apud PERELMAN, op. cit., p. 7

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37

conferir uma validade relativa aos valores da justiça constituídos

através desses ideais35.

.

Assim sendo, não é possível determinar numa justiça absoluta.

Eduardo BITTAR, ante a íntima relação entre direito e justiça,

adverte que:

A justiça não é coercível, é autônoma, correspondendo a uma norma

moral, e não a uma norma jurídica. Normas jurídicas absorvem

conteúdos de normas de justiça, funcionam como fonte de compelir

coercitivamente comportamentos injustos, de proscrevê-los

socialmente, mas não há que se negar a natureza da justiça como

norma moral, e não jurídica.

Certamente que a busca da verdade é alvo de interesses de todas

as áreas do conhecimento, visto que representa o desejo da alma do ser

humano. A autora Marilena CHAUÍ vaticina que “a busca da verdade está

ligada a uma decepção, a uma desilusão, a uma dúvida, a uma insegurança

ou, então, a um espanto e a uma admiração diante de algo novo ou insólito"36.

Na seara jurídica, em especial no processo penal, a perquirição à

verdade afigura-se indispensável para o adequado emprego da lei e para o

alcance da justiça. Neste aspecto, o Direito e a verdade possuem afinidade,

pois, como destaca Marco Antônio de BARROS:

Direito e verdade complementam-se na medida em que o primeiro

estabelece as regras ou as formas legais de verificação da infração

penal, entre as quais encontram-se aquelas que visam esclarecer a

segunda. Assim sendo, pode-se dizer que a verdade é um elemento

fundamental que o Direito persegue e visa atingir.37

35 KELSEN, Hans. O Problema da Justiça, tradução de João Baptista Machado. 3ª ed. São Paulo: Martins

Fontes, 1998, p. 17. 36 CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 9. Ed. São Paulo: Ática, 1997, p. 90, apud Eduardo CAMBI,

Verdade Processual Objetivável e Limites da Razão Jurídica Iluminista, Revista de Processo, 1999, p. 234.

37 BARROS, Marco Antonio. A busca da verdade no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais 2002, p. 23.

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38

Todavia não se pode afirmar que a verdade compõe a finalidade

precípua do processo, uma que representa apenas o meio e não o fim do

processo, de modo que o magistrado não está autorizado a deixar de julgar

determinada situação, pelo fato de não a ter encontrado. Sobre o assunto,

veja-se o posicionamento da autora Ada Pellegrini GRINOVER:

Ninguém melhor que o juiz, a quem o julgamento está afeto, para

decidir se as provas trazidas pelas partes são suficientes para a

formação de seu convencimento. Isto não significa que a busca da

verdade seja o fim do processo e que o juiz só deva decidir quando a

tiver encontrado. Verdade e certeza são conceitos absolutos,

dificilmente atingíveis, no processo ou fora dele. Mas é imprescindível

que o juiz diligencie a fim de alcançar o maior grau de probabilidade

possível38

Importa enfatizar que inexiste, neste estudo acadêmico, esgotar ou

até adentrar na espinhosa discussão sobre a (im)possibilidade de se

apreender a verdade real sobre um caso em concreto. Posto isto, não se

discutirá sobre a verdade absoluta ou infalível. Porém, é imperativo o

reconhecimento da subsistência de argumentação no sentido de que a

verdade é inalcançável, pois a verdade processual tem o fito de permitir que se

encontre, ainda que de forma aproximada, a verdade real, por via da análise

de um fato que se corrobora pela prova de um fato pretérito.

A concepção de justiça deve ser objeto de tentativa veemente pelos

operadores desse sistema, contudo, o fato realmente pertinente é construir um

modo do qual se possa realizá-la, principalmente, tendo como instrumento o

direito. Paulo GUSMÃO resume, com propriedade, esta noção, ao sustentar

que “o direito é norma executável coercitivamente, enquanto a justiça é um

ideal, ou melhor, uma experiência constante, um valor, que pode ou não ser

acolhido pelo legislador, apesar de dever sê-lo".

38 GRINOVER, Ada Pellegrini. A iniciativa instrutória do Juiz no Processo Penal acusatório, Revista Brasileira de Ciências Criminais, 1999, p. 73-4.

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Com efeito, na busca processual pela verdade, afora as naturais

reservas da falibilidade e limitações humanas, todo o meio de prova possível

deve ser utilizado na revelação exata da autoria, da existência e de todas as

circunstâncias de uma infração penal. É preciso, porém, preservar a dignidade

humana na realização da justiça e, portanto, gizar os contornos dos limites

éticos na busca pela verdade dentro do processo penal, de modo que se possa

equilibrar as garantias necessárias do cidadão com o direito da sociedade à

justiça, ética e verdadeira.

Dessarte, se a dignidade da pessoa humana é o postulado ético-

jurídico de primazia no plano do direito internacional, pelo reconhecimento que

as declarações de direitos do homem lhe conferiram, bem como a viga mestra

da constituição dos estados democráticos de direito, mormente a do Brasil,

cujo conteúdo é fundamento do próprio Estado − "fonte e medida de todos os

valores", então o seu respeito nas projeções e explicitações através da

observância dos direitos e garantias fundamentais do homem há de ser o

parâmetro norteador, também, da atividade estatal envolvida no processo

penal.

Desponta indiscutível, pois, a dignidade da pessoa humana,

presente no conteúdo essencial de cada direito fundamental do homem, como

patamar de limite ético e jurídico imposto pela própria noção de princípio

fundante do Estado Democrático de Direito à busca da verdade dentro do

processo penal. Ainda que valores muito importantes, como de fato são,

aqueles instrumentalizados pelo processo, não há falar em ultrapassar a

barreira da dignidade humana na sua concretização, salvo, excepcionalmente,

quando o objetivo seja o de tutelar os portadores de igual dignidade, num juízo

concreto e acurado de ponderação de interesses conflitantes. Ao inverso,

resulta que, em regra, não há óbice outro justificável para tolher a busca da

verdade com pressuposto à realização da justiça penal. Em outras palavras, há

que se buscar sempre uma maior amplitude e esgotamento dos meios de

apuração da verdade, sem restrições inúteis ou equivocadas, sob pena de

transigirmos com um dos principais fins do processo penal: a justiça. Um limite

apenas: o respeito à dignidade da pessoa humana.

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Importante ressaltar que o homem é livre para a escolha do caminho

a ser seguido e isso é um pressuposto da própria ética. Agora, é pela escolha

adotada que se medirá o (des)valor moral de sua conduta. Como referido

acima, em qualquer sistema ético, quando se transige com a verdade, qualquer

outro valor pode ser falseado à vontade, tornando-se antivalor. Quando se

invoca o "respeito" à pessoa humana para legitimar o direito de mentir, então

tudo está perdido.

É preciso ter em mente, definitivamente, que não mais se sustenta a

visão processual de desigualdade entre o Estado e o acusado, tendo aquele

como opressor e este como oprimido, ao ponto de manter absurdas

prerrogativas legais em benefício do réu.

Urge restabelecer a isonomia processual, equilibrar as posições,

pois se o poder público tem o dever de agir eticamente para provar a culpa do

acusado, a recíproca deve ser verdadeira em relação à inocência. Este, é

lógico, não necessita provar a sua inocência, que vem presumida, mas não é

por isso que lhe é permitido assumir posturas processuais eticamente

reprováveis para atrapalhar a realização da justiça.

Assim, é possível asseverar que na dignidade da pessoa humana

encontra-se o conteúdo ético para construir e fundamentar, já no plano jurídico

positivo, todo o sistema de direitos fundamentais, notadamente porque estes

constituem nada mais do que explicitações, em maior ou menor grau de

intensidade, daquela. A necessidade de observância e, principalmente,

concretização dos direitos fundamentais importa não no reconhecimento da

dignidade da pessoa, qualidade inata de todo ser humano, mas em

desdobramentos de seus específicos conteúdos e na imperiosa necessidade

de impedir a sua violação.

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CONCLUSÃO

Por todo o exposto neste estudo, podemos concluir que a busca da

verdade visa garantir a correta aplicação da norma penal, permitindo assim

que se alcance a verdadeira justiça.

Insta salientar que o Estado é o detentor do jus puniend, ou seja, é

ele quem tem o poder-dever de punir o indivíduo que pratica um ilícito, e a

justificação da vedação das provas ilícitas está no fato de que como o Estado

exerce o monopólio da Justiça ele deve praticar atos lícitos para condenar um

cidadão.

Para o Estado exercer o jus puniend é preciso que haja provas para

que o juiz tome conhecimento dos fatos, a fim de formar a sua convicção,

busca-se, no processo penal, a verdade real, assim o juiz não é mero

espectador das provas produzidas pelas partes, ele pode diligenciar para

descobrir a veracidade dos fatos.

No artigo 5°, da Constituição Federal, encontramos juntamente com

o dispositivo que veda a utilização das provas ilícitas, outros direitos

fundamentais, tais como: direito à vida, liberdade, intimidade, privacidade. No

entanto, não existe direito absoluto, nem mesmo o direito à prova, de forma

que deve existir uma relativização dos direitos, pois, às vezes, deve-se

sobrepesar os valores em questão e proceder a uma escolha ao de maior

importância.

Desta forma, muitas vezes pode haver conflito entre esses e outros

bens igualmente tutelados pelo legislador, assim, o juiz deve sobrepesar os

direitos em jogo e buscar a justiça no caso concreto.

Não se defende no presente trabalho a violação dos direitos

fundamentais assegurados na Constituição Federal, contudo, é em defesa

deles que o princípio da inadmissibilidade das provas ilícitas deve ser

abrandado.

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Ressaltamos que o princípio da proporcionalidade pro reo, ou seja,

quando a prova ilícita é utilizada em favor do acusado, é aceito sem problemas

pela doutrina, uma vez que, sem dúvida, não interessa ao Estado a punição de

um inocente nem a impunidade do verdadeiro culpado. Entretanto, o princípio

da proporcionalidade pro societate não é aceito pela doutrina, à medida que o

Estado possui inúmeras maneiras legítimas de realizar a persecução penal e

repreender um criminoso, assim, o Estado não poderia utilizar uma prova ilícita

para condenar um indivíduo apenas para absolver, consagrando o princípio da

proporcionalidade pro reo.

Todavia, cabe lembrar, que o princípio da proporcionalidade deve

ser utilizado somente em casos excepcionais e de extrema gravidade, que

poderia causar um dano muito maior ao indivíduo, desde que a verdade dos

fatos não pudesse ser alcançada por outros meios, pois por ter caráter

subjetivo poderia abalar a segurança jurídica do ordenamento.

Enfim, não há que se falar em princípio da inadmissibilidade das

provas ilícitas sem ressalvas, pois, conforme foi elucidado não existe direito

absoluto, e o princípio da proporcionalidade existe justamente para proteger

outros direitos fundamentais previstos na Constituição Federal.

Neste contexto, verdade real ou processual??. Pouco importa a

denominação. São apenas vocábulos que, de uma forma geral, designam a

falsa representação de uma realidade, algo imaginário, não científico. São

termos que demonstram o quão é inalcançável a verdade absoluta dentro do

processo, seja qual for o seu conteúdo – civil ou penal.

Contudo, a concepção de justiça deve ser objeto de tentativa

veemente pelos operadores desse sistema, contudo, o fato realmente

pertinente é construir um modo do qual se possa realizá-la, principalmente,

tendo como instrumento o direito.

.

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

1. BARROS, Marco Antonio. A Busca da Verdade no Processo Penal. São

Paulo: RT, 2002.

2. BARROSO, Luis Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. 3

ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 1999.

3. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da

Constituição. 7ª ed. Edições Almedina. Coimbra.

4. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. 9. Ed. São Paulo: Ática, 1997, p.

90, apud Eduardo CAMBI, Verdade Processual Objetivável e Limites da

Razão Jurídica Iluminista, Revista de Processo, 1999,

5. FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua

Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.

6. GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 5.ed. São Paulo:

Saraiva,1998, p. 199.

7. GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. Rio de

Janeiro: Forense, 1999.

8. Machado, A. C. da C. A intervenção do Ministério Público no processo

civil brasileiro. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998..

9. MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 10 ed. São Paulo: Atlas,

2000.

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10. NUCCI, Guilherme Souza. Leis Penais e Processuais Penais

Comentadas. 5 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos

Tribunais, 2010.

11. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. Belo

Horizonte: Del Rey,2002, p. 267

12. PRADO,Geraldo.Sistema Acusatório: a conformidade constitucionais

das leis processuais, Rio de Janeiro, Lumen júris, 2006 p.104

13. RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 21 ed. São Paulo: Atlas,

2013.

14. .SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional. 26 ed. São

Paulo: Malheiros Editores, 2006.

15. TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar,

2001.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

METODOLOGIA 6

SUMÁRIO 7

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I

BUSCA PELA VERDADE 10

1.1- Conceito:O que é verdade? 10

CAPÍTULO II

A VERDADE NO PROCESSO JUDICIAL 12

2.1. Verdade Real ou Processual? 15

CAPÍTULO III

A PROVA NO PROCESSO PENAL 18

3.1. Prova Proibida 21

3.2. Provas ilícitas e Provas ilícitas por derivação 22

CAPÍTULO IV

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PRINCÍPIO 29 FUNDAMENTAL DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 4.1 . Dignidade da pessoa Humana e Direitos Fundamenais 32

CAPÍTULO V A JUSTIÇA COMO VALOR E FIM ÉTICO-JURÍDICO 34

CONCLUSÃO 41

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43

ÍNDICE 45