Upload
richard-fernandes
View
23
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
REDE DE REFERENCIAO HOSPITALAR
DE
PSIQUIATRIA DA INFNCIA
E DA ADOLESCNCIA
(DOCUMENTO TCNICO DE SUPORTE)
CNSM - Coordenao Nacional para a Sade Mental ACSS Administrao Central do Sistema de Sade
3
GRUPO DE TRABALHO
CNSM
Cristina Marques
Marco Torrado
ACSS
Adriano Natrio
Maria Jos Proena
COM O CONTRIBUTO DE:
Pedro Caldeira da Silva
Teresa Cepda
Teresa Goldschmidt
Margarida Marques
Ana Moscoso
Lus Simes Ferreira
Miguel Xavier
Agradecimento:
A todos os outros colegas que colaboraram neste documento com os seus pareceres e
sugestes, enriquecendo-o e conferindo-lhe uma perspectiva mais abrangente.
4
NDICE
CONCEITO DE REDE DE REFERENCIAO 6
1. INTRODUO 7
2. MBITO DA ESPECIALIDADE 13
3. EPIDEMIOLOGIA 16
3.1. Dados de Estudos Epidemiolgicos 17
3.1.1. Dados epidemiolgicos dos Estados Unidos 17
3.1.2. Dados epidemiolgicos de pases europeus 18
3.1.3. Dados epidemiolgicos na Primeira Infncia e Idade Pr-escolar 18
3.1.4. Dados epidemiolgicos de estudos nacionais 19
3.2. Continuidade da Psicopatologia na Infncia e Adolescncia 20
3.3. Peso das Perturbaes Mentais da Infncia e Adolescncia 21
4. CONTEXTO INTERNACIONAL 22
4.1. Estruturas 23
4.2. Recursos Humanos 24
4.3. Internato Mdico 25
5. CARACTERIZAO DA REALIDADE PORTUGUESA 27
5.1. Estruturas 27
5.1.1. Estruturas Hospitalares 27
5.1.2. Estruturas no Sector Privado 30
5.1.3. Cuidados Continuados Integrados de Sade Mental 30
5.2. Desempenho 32
5.2.1. Internamento 32
5.2.2. Consulta Externa 33
5.2.3. Hospital de Dia, interveno na comunidade, exames periciais e
outras actividades 34
5.3. Recursos Humanos 34
5.4. Idoneidade Formativa 36
5.5. Evoluo do Internato Mdico 37
6. NECESSIDADES EM SADE 38
6.1. Internamento 38
6.2. Consulta Externa 40
6.3. Hospital de Dia 42
6.4. Exames Mdico-Legais 42
6.5. Articulao com Estruturas da Comunidade 42
5
7. PRINCPIOS E MODELO ORGANIZATIVO 44
7.1. Princpios organizacionais 44
7.2. Recursos Humanos 44
7.3. Formao de Psiquiatras da Infncia e Adolescncia 45
7.4. Modelo organizativo 46
8. ETAPAS DE DESENVOLVIMENTO DA REDE 56
9. AVALIAO DA QUALIDADE DE SERVIOS SELECO DE INDICADORES 57
10. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 60
11. ARQUITECTURA DA REDE 62
ANEXOS 76
6
CONCEITO DE REDE DE REFERENCIAO
As Redes de Referenciao (RR) so sistemas atravs dos quais se pretende regular as
relaes de complementaridade e de apoio tcnico entre todas as instituies de sade, de
modo a garantir o acesso de todos os doentes aos servios e unidades prestadoras de cuidados
de sade, sustentado num sistema integrado de informao interinstitucional.
Uma RR traduz-se por um conjunto de especialidades mdicas e de tecnologias permitindo:
- Articulao em rede, varivel em funo das caractersticas dos recursos disponveis,
das determinantes e condicionantes regionais e nacionais e do tipo de especialidade
em questo;
- Explorao de complementaridades de modo a aproveitar sinergias. Concentrar
experincias permitindo o desenvolvimento do conhecimento e a especializao dos
tcnicos com a consequente melhoria da qualidade dos cuidados;
- Concentrao de recursos permitindo a maximizao da sua rentabilidade.
No desenho e implementao de uma RR deve-se:
- Considerar as necessidades reais das populaes;
- Aproveitar a capacidade instalada;
- Adaptar a especificidades e condicionalismos loco-regionais;
- Integrar numa viso de Rede Nacional de Cuidados de Sade;
- Envolver os servios de internamento e de ambulatrio.
Como princpio as redes devem ser construdas numa lgica centrada nas necessidades da
populao com base em critrios de distribuio e rcios, previamente definidos, de instalaes,
equipamentos e recursos humanos.
7
1. INTRODUO
As crianas e os adolescentes devem ser reconhecidos como cidados com os seus prprios
interesses e direitos e ser tratados como agentes activos da sociedade e no receptores
passivos de cuidados.
Estes direitos esto plenamente consagrados na Conveno sobre os Direitos da Criana,
ratificada por Portugal em 1990, sendo o direito sade um de entre muitos outros.
A Sade Mental da Infncia e da Adolescncia integra-se no contexto mais alargado da Sade e
Bem-estar, em que a sade mental e fsica so interdependentes (1).
Os problemas de sade mental resultam de uma interaco complexa entre a criana ou
adolescente, a famlia e o meio scio-cultural em que esto inseridos (1).
No momento actual, existem mltiplas razes importantes para se investir no
desenvolvimento de intervenes eficazes de sade mental para crianas e adolescentes
(2):
1) As perturbaes psiquitricas desta faixa etria trazem grandes encargos
sociedade. Algumas delas so especficas de determinadas fases do desenvolvimento,
pelo que programas e intervenes para estas perturbaes podem ser direccionados
para a fase na qual existe a maior probabilidade da sua ocorrncia, diminuindo o seu
impacto negativo;
2) Existe um importante grau de continuidade entre muitas perturbaes da infncia, e
principalmente entre as da adolescncia, e as da idade adulta. A interveno precoce
pode prevenir ou reduzir a probabilidade de incapacidade a longo prazo;
3) O investimento nesta rea a aco com melhor relao custo/eficcia para
contrariar o aumento contnuo dos problemas mentais a que assistimos actualmente em
todos os grupos etrios (3). Intervenes eficazes reduzem o custo das perturbaes de
sade mental no s para o indivduo e sua famlia, mas tambm para os sistemas de
sade e para as comunidades.
Em Portugal tm sido desenvolvidos nos ltimos anos esforos no sentido de colmatar as
necessidades que existem neste mbito. Embora as fragilidades continuem a fazer-se sentir, h
que salientar alguns aspectos positivos, nomeadamente a existncia de:
- Uma especialidade autnoma de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia, com
internato mdico hospitalar desde 1983;
- Legislao e normas orientadoras favorveis, em particular o Decreto-Lei 35/99,
revogado pelo Decreto-Lei 304/2009, o qual estabelece os princpios orientadores da
8
organizao, gesto e avaliao dos servios de psiquiatria e sade mental; e a Circular
Normativa n 6/DSPSM da Direco-Geral da Sade, de 17/06/2005, que estabelece
estes princpios para a sade mental da infncia e da adolescncia;
- Uma atitude mais activa das famlias de crianas com necessidades especiais, que tm
vindo a desenvolver esforos para se organizarem em associaes, promotoras da
criao de novos recursos;
- Um modelo organizacional estruturado dos servios de Psiquiatria da Infncia e da
Adolescncia a nvel nacional, com equipas multidisciplinares, nas quais se privilegia
uma abordagem global e integrada da criana e se valorizam as intervenes de
articulao com a comunidade, nomeadamente o trabalho de proximidade com escolas
e Centros de Sade;
- Um Plano Nacional de Sade Mental 2007-2016 (PNSM) aprovado em Resoluo de
Conselho de Ministros em Abril 2008, com normas orientadoras para os servios de
sade mental da infncia e da adolescncia (4).
HISTRIA DA ESPECIALIDADE (5, 6)
Considera-se habitualmente a realizao em Paris, em 1937, do 1 Congresso Internacional de
Psiquiatria Infantil como marcando a data da fundao da Pedopsiquiatria como especialidade
mdica autnoma.
Antes, muitas actividades precursoras existiram:
os cuidados assistenciais e educativos a deficientes sensoriais profundos,
nomeadamente surdos (de que a obra de Jacob Rodrigues Pereira sc. XVIII foi um
exemplo marcante) e cegos;
a descrio de cuidados a crianas doentes, perdidas ou abandonadas privadas de
convvio humano de que o relato de Itard sobre a criana selvagem de Aveyron um
caso;
o livro de 1888 de Moreau de Tours intitulado La Folie chez les Enfants (A Loucura nas
Crianas);
no princpio do Sc. XX, a tentativa de encontrar quadros psiquitricos nas crianas
semelhantes aos que se acabavam de descrever nos adultos (a demncia
precocssima de Sante de Sanctis ou a Esquizofrenia Infantil de Lutz, Bender e
outros);
a criao dos primeiros testes psicomtricos (Binet e Simon) para, em resposta
9
obrigatoriedade do ensino primrio universal, poder distinguir quais as crianas que
poderiam aprender com ajuda das que no teriam capacidades para isso;
as diversas correntes psicopedaggicas surgidas (Pestalozzi, Montessori, Dcroly) e,
nomeadamente: a) Claparde, com as classes especiais que introduziu no ensino
pblico suo; b) Bourneville, que criou o primeiro Centro Mdico-Pedaggico; c)
Esquirol (mdico) e Sguin (educador) que formaram o primeiro esboo conhecido de
Equipa Teraputica;
o aparecimento e divulgao da Psicanlise, com a importncia que veio dar s
experincias da infncia na construo do adulto e possibilidade de nelas se intervir
atravs de intervenes psicoteraputicas diversas.
Quadro 1 - Cronologia de acontecimentos significativos na rea da Pedopsiquiatria em Portugal.
ANO
1937
1959
1965
1969
1974
1976
1983
1989
1990
1992
1999
2001
2004
2007
1 Congresso Internacional de Psiquiatria Infantil, em Paris
Criao da Especialidade de Neuropsiquiatria Infantil, na Ordem dos Mdicos;
Criao do Centro de Sade Mental Infantil de Lisboa;
Criao do Centro de Sade Mental Infantil de Coimbra;
Criao do Internamento Infantil e Juvenil no Hospital Magalhes de Lemos;
Criao do C.S. Mental Infantil e Juvenil do Porto dependente do C.S. Mental do Porto;
Criao do Internato Hospitalar de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia (Pedopsiquiatria);
Criao da Associao Portuguesa de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia (APPIA);
I Encontro Nacional de Pedopsiquiatria (a APPIA organiza anualmente estes Encontros, at
hoje) e incio da publicao da Revista Portuguesa de Pedopsiquiatria, semestral at agora;
Extino dos Centros de Sade Mental, com a sua integrao nos Hospitais, criando os
Departamentos de Psiquiatria e Sade Mental da Infncia e da Adolescncia;
Publicao do Decreto-Lei 35/99, sobre a Organizao dos Servios de Sade Mental, que
mantm a sua integrao nos Hospitais - Abertura progressiva de cerca de vinte Unidades ou
Servios de Pedopsiquiatria em Hospitais Gerais;
Abertura da Unidade de Internamento de Pedopsiquiatria no Hospital Dona Estefnia, em
Lisboa;
Publicao da Rede de Referenciao de Psiquiatria e Sade Mental, pela Direco Geral da
Sade;
Criao de Centros Hospitalares, como Entidades Pblicas Empresariais, englobando os
Hospitais em que estavam integrados os Departamentos de Pedopsiquiatria;
Aprovao e publicao do Plano de Aco para a Reestruturao e Desenvolvimento dos
Servios de Sade Mental em Portugal 2007-2016, com normas orientadoras para os servios
de sade mental da infncia e da adolescncia.
10
A MDICO-PEDAGOGIA
Em Portugal, houve dois precursores mais importantes da Pedopsiquiatria: o Dr. Antnio Aurlio
da Costa Ferreira (1874-1922), licenciado em Medicina e em Filosofia, antroplogo e professor,
introduziu o estudo cientfico das crianas deficientes e o seu ensino, no Instituto Mdico-
Pedaggico da Casa Pia de Lisboa; e o Prof. Vtor Fontes (1895-1974), mdico psiquiatra,
professor de Anatomia da Faculdade de Medicina de Lisboa, pedagogo, que ter continuado e
desenvolvido a obra do primeiro, interessando-se especialmente pelas anomalias craneanas
dos deficientes mentais. O Instituto Mdico-Pedaggico transformou-se, em 1936, no Instituto
Antnio Aurlio da Costa Ferreira (IAACF) e Vtor Fontes dirigiu-o at sua jubilao, em 1964.
A abriu a primeira escola para professores primrios especializados e foram criadas as
primeiras classes especiais, ligadas ao Ministrio da Educao. Criou uma Biblioteca sobre
temas da psicologia, psiquiatria e pedagogia que se tornou numa das melhores da poca e
editou uma revista, A Criana Portuguesa, a partir de 1942 e durante vinte anos. Em 1945,
foram atribudas ao IAACF funes de Dispensrio de Higiene Mental Infantil, que depois foi
destacado do Ministrio da Educao para a rea do Ministrio da Sade, posteriormente
deslocado para o Hospital Dona Estefnia (1961) e finalmente integrado no Centro de Sade
Mental Infantil. Entretanto, os contactos e participaes internacionais de Vtor Fontes
granjearam-lhe grande prestgio, logo desde o 1 Congresso Internacional de 1937. Foi eleito
Vice-Presidente e depois Presidente da Associao Internacional de Psiquiatria Infantil e das
Profisses Afins, criada em 1948 e em 1963 foi eleito Presidente de Honra da Unio Europeia
de Pedopsiquiatria. Antes, em 1958, teve lugar em Lisboa o IV Congresso Internacional de
Psiquiatria Infantil, presidido por Vtor Fontes, com grande impacto nacional e no estrangeiro. Foi
na sua esteira que foi criada em Portugal, no ano seguinte (1959), a especialidade mdica de
Neuropsiquiatria Infantil, na Ordem dos Mdicos.
Aps muitas vicissitudes, o IAACF veio a ser extinto e desmembrado em 1989.
A SADE MENTAL INFANTIL
Joo dos Santos (1913-1987), mdico psiquiatra e psicanalista, por quase todos considerado o
fundador da Pedopsiquiatria portuguesa moderna; inicialmente professor de Educao Fsica,
depois mdico, psiquiatra do IAACF e do Hospital Jlio de Matos. A, foi responsvel pelo
Pavilho Infantil de Rapazes (inaugurado em 1944), depois pelo das Raparigas e ainda por
algumas Enfermarias de adultos, na Seco Asilar podia chegar a ter 100 doentes. Pede em
1945 escusa das suas funes, desgostado pelas condies de trabalho; mas, entretanto,
obrigado a sair do pas por razes polticas. Vai para Paris, trabalha no Laboratrio de Henri
Wallon, nos servios do 13 Bairro de Paris e faz formao psicanaltica. Regressa a Lisboa no
11
final dos anos 40, volta ao Hospital Jlio de Matos, comea a trabalhar com grupos de
voluntrios de vrias profisses que anima e vai formando. Fomenta, assim, a criao das
seguintes Associaes:
- Associao Portuguesa de Surdos (1956)
- Liga Portuguesa de Deficientes Motores (1956), que deu lugar, posteriormente,
criao da Associao Portuguesa de Paralisia Cerebral
- Liga Portuguesa contra a Epilepsia (1971)
- Scio n1 do Instituto de Apoio Criana (IAC) (1983)
- Liga Portuguesa de Higiene Mental
- Associao Educao pela Arte
- Movimento da Escola Moderna.
Por outro lado, integra tambm pela primeira vez, em 1952, uma valncia de Sade Mental para
bebs num Centro de Sade Materno-Infantil, o Centro Sofia Abecassis, na freguesia de Sta.
Isabel, em Lisboa, trabalhando principalmente com as enfermeiras, para as quais criou as
primeiras standing orders para lidar com as diversas queixas (das mes) referidas s crianas.
Este trabalho serviu de modelo para o que veio, mais tarde, a ser feito no Centro Materno-Infantil
do Bom Sucesso (Restelo) e no Centro Materno-Infantil Domingos Barreiro (Marvila). Apoiou,
ainda, projectos na Maternidade Alfredo da Costa e a criao do Centro Helen Keller, com a
integrao pedaggica, nas mesmas salas, de crianas cegas, amblopes e com viso normal.
Participou tambm na criao dos Centros Psicopedaggicos de A Voz do Operrio (onde
orientou pesquisa sobre sintomas reactivos) e do Colgio Claparde.
Por fim, cria em 1965 o Centro de Sade Mental Infantil de Lisboa onde, com o grupo de
tcnicos que vinha formando, pe em prtica o primeiro servio pblico de Sade Mental Infantil
em Portugal, a partir da sua concepo dinmica do funcionamento mental das crianas e das
perspectivas de sade pblica que foi desenvolvendo. A partir do seu ncleo inicial, o Centro foi
crescendo, diferenciando-se em vrias equipas multidisciplinares e unidades especializadas.
Joo dos Santos foi o seu Director at se jubilar, em 1982, sendo a Casa da Praia a ltima
Equipa do Centro que criou, a partir da sua perspectiva da Pedagogia Teraputica como a via
de abordagem privilegiada de crianas deprimidas com dificuldades de aprendizagem marcadas.
Os Centros de Sade Mental Infantil de Coimbra e do Porto foram criados a seguir ao de Lisboa,
em 1969 e 1976, respectivamente.
12
A PEDOPSIQUIATRIA HOSPITALAR
Em 1982, o Centro de Sade Mental Infantil de Lisboa e o Centro de Sade Mental Infantil e
Juvenil do Porto passam a ser considerados estabelecimentos ou hospitais centrais, para efeito
de concursos da carreira hospitalar.
Em 1983, criado o Internato Complementar da Especialidade de Pedopsiquiatria.
Em 1992, so extintos todos os Centros de Sade Mental do pas, incluindo os de Sade Mental
Infantil; estes so transformados em Departamentos de Psiquiatria e Sade Mental da Criana e
do Adolescente e integrados em hospitais peditricos especializados: em Lisboa, no Hospital
Dona Estefnia; em Coimbra, no Centro Hospitalar de Coimbra e no Porto, no Hospital Maria
Pia.
Em 1999, publicado o Decreto-Lei 35/99, sobre a Organizao dos Servios de Sade Mental,
que mantm essa integrao e a dos servios e unidades distritais nos Departamentos de
Psiquiatria dos Hospitais Gerais, que entretanto vo sendo criados por todo o pas (cerca de
vinte).
Em 2001, d-se a abertura da Unidade de Internamento de Pedopsiquiatria no Hospital Dona
Estefnia, a primeira a ser criada em Portugal num hospital peditrico.
Em 2004, publicada a primeira Rede de Referenciao de Psiquiatria e Sade Mental, da
Direco-Geral da Sade, que inclua todos os servios e unidades de Pedopsiquiatria.
A partir de 2007, so criados novos Centros Hospitalares, como Entidades Pblicas
Empresariais (E.P.E.), englobando os hospitais em que estavam integrados os Departamentos
de Pedopsiquiatria.
O Plano Nacional de Sade Mental 2007-2016 (PNSM) encontra-se em fase de
implementao desde o incio de 2008. Desde ento e at Maro de 2011 foram criadas 10
novas estruturas de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia em Centros Hospitalares e
Hospitais Distritais.
13
2. MBITO DA ESPECIALIDADE
A Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia uma especialidade mdica que assegura a
prestao de cuidados e intervenes diferenciadas na rea da sade mental populao de
idade peditrica (dos zero aos 18 anos).
O seu campo de interveno abrange um espectro alargado de actividades que englobam (2):
- Aces de promoo e preveno universal e selectiva, com o objectivo de reduzir
factores de risco/ vulnerabilidade e aumentar factores de proteco;
- Estratgias de preveno e interveno precoces, para casos com os primeiros sinais
de perturbao;
- Avaliao diagnstica e tratamento, para aqueles que apresentam j uma perturbao
definida;
- Programas de cuidados continuados e reabilitao psicossocial, para situaes com
sequelas em resultado de uma perturbao.
A actividade do Psiquiatra da Infncia e Adolescncia envolve assim a promoo da sade
mental, a avaliao, diagnstico e definio de estratgias teraputicas para situaes de
perturbao mental e tambm a interveno preventiva em grupos de risco.
Este trabalho desenvolve-se em articulao com especialidades mdicas e no mdicas,
como as restantes especialidades da idade peditrica, a medicina familiar, a psiquiatria e
a psicologia, entre outras.
O Psiquiatra da Infncia e Adolescncia est habitualmente integrado e coordena uma equipa
multidisciplinar, com actividades de consulta externa, consultoria, exames mdico-legais,
hospital de dia, internamento e urgncia.
Uma rea importante desenvolvida por estas equipas envolve a articulao com os Cuidados de
Sade Primrios e outras estruturas da comunidade, nomeadamente servios sociais, escolas e
jardins-de-infncia, Equipas de Interveno Precoce da Infncia, projectos de interveno
psicossocial, Comisses de Proteco de Crianas e Jovens e Tribunais.
A grande diversidade de apresentao dos quadros psicopatolgicos durante a infncia e
adolescncia exige do especialista uma elevada diferenciao para permitir o diagnstico e a
implementao de intervenes adequadas s vrias etapas do desenvolvimento. No s cada
uma delas apresenta um grupo de patologias especficas dessa faixa etria, como tambm a
expresso sintomtica de uma determinada patologia se manifesta de forma distinta ao longo do
desenvolvimento.
14
Por outro lado, os quadros frequentes de co-morbilidade, bem como os problemas associados
deficincia mental, no limitam a interveno rea da Psiquiatria da Infncia e Adolescncia,
trazem dificuldades acrescidas no seu manejo e ilustram bem a importncia do trabalho
multidisciplinar.
PERODO PERI-NATAL E PRIMEIRA INFNCIA (DOS ZERO AOS 3 ANOS)
prioritrio o apoio funo parental, o rastreio de situaes de risco psicopatolgico e a
interveno precoce em patologias com impacto no desenvolvimento, como as Perturbaes do
Espectro do Autismo. Estas ltimas requerem a organizao de programas teraputicos
intensivos, prolongados, que promovam o desenvolvimento, preservem as expectativas e
envolvam e apoiem as famlias.
IDADE PR -ESCOLAR E ESCOLAR
Neste perodo assume particular importncia o diagnstico e a interveno em patologias com
impacto no desempenho escolar, como a Hiperactividade com Dfice de Ateno (PHDA), as
Perturbaes de Oposio ou as problemticas do foro ansioso e depressivo. O trabalho de
colaborao com a escola fundamental nesta etapa.
ADOLESCNCIA
As problemticas da ansiedade, da depresso, do risco suicidrio e de outros comportamentos
de risco tm uma prevalncia significativa nesta faixa etria. Comeam a tornar-se tambm mais
frequentes as patologias aditivas, requerendo novas especificidades ao nvel da avaliao e
tratamento.
Em todas estas etapas, mas com prevalncia crescente ao longo do desenvolvimento,
podem surgir patologias mais graves que requerem obrigatoriamente a interveno da
Psiquiatria da Infncia e Adolescncia, como as Perturbaes Psicticas ou as
Perturbaes do Espectro Bipolar. A sua identificao precoce tem implicaes
importantes no prognstico.
As Perturbaes do Comportamento Disruptivo exigem frequentemente articulao
pluridisciplinar e com estruturas da comunidade, sociais e por vezes da Justia. A
15
preveno da evoluo destes quadros para Perturbaes da Personalidade, situaes de
difcil tratamento na idade adulta, um dos campos que se pode revelar promissor (7).
A interface com as outras especialidades da idade peditrica fundamental nas patologias
pedopsiquitricas com repercusso orgnica importante, como no caso das Perturbaes do
Comportamento Alimentar, e nas doenas somticas de evoluo crnica, prolongada ou de
prognstico muito reservado.
Outra rea de interveno prioritria so as crianas e adolescentes com pais portadores de
perturbaes mentais. Muitos deles, por apresentarem um risco elevado de desenvolver
problemas de sade mental, devem ser alvo de avaliao e requerem frequentemente uma
articulao prxima entre servios de Psiquiatria da Infncia e Adolescncia e de Psiquiatria
Geral.
da maior importncia que a criana ou adolescente e sua famlia estejam motivados e
disponveis para as intervenes propostas e que sejam envolvidos no planeamento dos
cuidados.
16
3. EPIDEMIOLOGIA
As perturbaes mentais so presentemente o principal problema de sade pblica na Europa, e
um dos principais em todo o mundo, para todos os grupos etrios.
A Organizao Mundial de Sade (OMS) estima que cerca de 20% das crianas e adolescentes
apresente pelo menos uma perturbao mental antes de atingir os 18 anos de idade (8). Esta
estimativa confirmada pelos dados da OMS - Regio Europeia (9) e da Academia Americana
da Psiquiatria da Infncia e Adolescncia (10), indicando que uma em cada cinco crianas
apresenta evidncia de problemas mentais e que destas, cerca de metade tem uma perturbao
psiquitrica.
Existem em Portugal escassos estudos epidemiolgicos que forneam dados relevantes para o
planeamento de servios de sade mental para a populao infantil e juvenil. de notar em
particular a ausncia de referncia a estudos de vigilncia epidemiolgica de perturbaes do
desenvolvimento e sade mental infantil do Instituto Nacional de Sade Dr. Ricardo Jorge.
Diversos estudos mostram que a maioria das crianas com perturbaes psiquitricas no
recebe tratamento especializado (11,12). Trabalhos realizados na Holanda evidenciam que
apenas 1/3 das crianas com problemas significativos recebe tratamento (13,14), num padro
semelhante ao que se passa noutros pases. Estes nmeros so ainda menos satisfatrios em
grandes regies do mundo em vias de desenvolvimento (15).
Os resultados do estudo sobre a prevalncia de doenas mentais na populao adulta
portuguesa (16) sugerem que Portugal o pas da Europa com a maior prevalncia de doenas
mentais na populao adulta: No ltimo ano, um em cada cinco portugueses sofreu de uma
doena psiquitrica (23%) e quase metade (43%) j teve uma destas perturbaes durante a
vida (17). Considerando o que repetidamente declarado sobre a importncia preventiva dos
programas de sade mental infantil, estes dados podem servir como indicadores do grave dfice
ao nvel da preveno e interveno precoce nos problemas de sade mental em Portugal.
semelhana deste estudo, realizado recentemente para a populao adulta, torna-se
fundamental investir num estudo epidemiolgico nacional que possa fornecer dados fiveis na
rea da sade mental da infncia e adolescncia. Perante a inexistncia de um estudo similar
para a populao com menos de 18 anos em Portugal, apresentamos dados epidemiolgicos de
outros pases.
17
3.1 Dados de Estudos Epidemiolgicos
3.1.1. Dados epidemiolgicos dos Estados Unidos
- O MECA Study (Methodology for Epidemiology of Mental Disorders in Children and
Adolescents) (10) estimou que nos EUA cerca de 21% das crianas e adolescentes entre os 9 e
os 17 anos apresentavam uma perturbao mental significativa ou comportamentos aditivos.
de salientar que este estudo considera um grau moderado de incapacidade em termos do
funcionamento psicossocial, justificando uma prevalncia mais elevada do que nos outros
estudos apresentados, mas correspondendo ainda assim a um indicador de psicopatologia
significativa.
Prevalncia das Perturbaes Mentais e Abuso de Substncias em Crianas e Adolescentes dos 9 aos 17 anos nos EUA (MECA Study) (%)
DIAGNSTICO 9-17 anos
Qualquer Perturbao 20,9
Pert. Humor 13,0
Pert. Depressivas 6,2
Pert. de Comportamento Disruptivo 10,3
Pert. Abuso de Substncias 2,0
Escala de Avaliao Global 70 (incapacidade global moderada)
Quadro 2 - Mental Health: A Report of the Surgeon General, U. S. Department of Health and Human Services,
Substance Abuse and Mental Health Services Administration (NIMH, 1999).
- O Great Smoky Mountains Study (12) um estudo epidemiolgico de referncia, prospectivo,
com recurso a 3 coortes entre os 9 e os 13 anos e follow-up at aos 16 anos, permitindo avaliar
a forma como a psicopatologia se vai modificando ao longo do desenvolvimento. Confirma uma
elevada prevalncia para o perodo do estudo (3 anos) e permite ainda estimar que, para todo o
perodo da infncia e adolescncia, 1 em cada 5 a 6 crianas apresentar uma perturbao
mental significativa, confirmando os dados j referidos por outros estudos e relatrios da OMS.
Prevalncia e Desenvolvimento das Perturbaes Psiquitricas na Infncia e Adolescncia, North Carolina, EUA (Great Smoky Moutains Study)
DIAGNSTICO Coortes ao longo das idades Todas as idades
9-10 11 12 13 14 15 16 Masculino Feminino Todos Qualquer Perturbao 19,5 12,7 8,3 12,7 9,7 14,2 12,7 15,8 10,6 13,3
Pert. Ansiedade 4,6 2,6 0,9 2,0 1,8 2,8 1,6 2,0 2,9 2,4
Pert. Depressivas 0,5 1,9 0,4 2,6 2,7 3,7 3,1 1,6 2,8 2,2
Pert. Comportamento 4,8 4,0 4,6 6,0 5,9 7,2 3,8 7,3 3,3 5,4
Pert. Hiperactividade 2,2 1,4 1,4 0,5 0,3 0,4 0,3 1,5 0,3 0,9
Quadro 3 - Prevalence and Development of Psychiatric Disorders in Childhood and Adolescence (Costello J. et al., 2003).
18
interessante notar a descida de prevalncia aos 12 anos, pela diminuio das patologias mais
frequentes na infncia (fobias simples, ansiedade de separao, perturbaes do controlo de
esfncteres, PHDA, Perturbaes de Oposio), ainda antes da instalao dos quadros clnicos
da adolescncia (ansiedade generalizada, Fobia Social, Perturbaes de Pnico, Perturbaes
do Humor, Perturbaes do Comportamento). A co-morbilidade, situao que implica um
agravamento substancial do quadro clnico em termos do funcionamento psicossocial, foi
bastante comum, estando presente em 25,5% das crianas e adolescentes com psicopatologia.
Foi frequente a co-morbilidade entre vrias Perturbaes do Comportamento (em especial da
Perturbao de Oposio com a PHDA), da Perturbao de Oposio com a depresso, mas
tambm entre a ansiedade e a depresso.
3.1.2. Dados epidemiolgicos de pases europeus
No que diz respeito aos pases europeus apresentam-se dados da Gr-Bretanha.
O estudo de Green e colaboradores (18) permite identificar as diferenas de prevalncias das
perturbaes mentais na infncia e nos primeiros anos da adolescncia, verificando-se variaes
na linha das j identificadas no Great Smoky Moutains Study, com as Perturbaes de Oposio
e a PHDA a diminurem, enquanto as Perturbaes da Ansiedade, do Humor e do
Comportamento aumentam.
Prevalncia das Perturbaes Mentais na Gr Bretanha, 2004 (%)
DIAGNSTICO 5 aos 10 anos 11 aos 16 anos 5 aos 16 anos
Masculino Feminino Todos Masculino Feminino Todos Masculino Feminino Todos
Qualquer Perturbao 10,2 5,1 7,7 12,6 10,3 11,5 11,4 7,8 9,6
Pert. Ansiedade 2,2 2,4 2,2 3,6 5,2 4,4 2,9 3,8 3,3
Pert. Depressivas 0,2 0,3 0,2 1,0 1,9 1,4 0,6 1,1 0,9
Pert. Comportam. Disrup. 6,9 2,8 4,9 8,1 5,1 6,6 7,5 3,9 5,8
Pert. Oposio 4,5 2,4 3,5 3,5 1,7 2,6 4,0 2,0 3,0
Outras Pert. Comportamento 2,4 0,4 1,4 4,5 3,5 4,0 1,8 1,8 2,7
Pert. Hiperactividade 2,7 0,4 1,6 2,4 0,4 1,4 2,6 0,4 1,5
Pert. menos comuns 2,2 0,4 1,3 1,6 1,1 1,4 1,9 0,8 1,3
Pert. Espectro do Autismo 1,9 0,1 1,0 1,0 0,5 0,8 1,4 0,3 0,9
Pert. Comp. Alimentar 0,5 0,2 0,3 0,6 0,1 0,4 0,5 0,1 0,3
Quadro 4 - Mental Health of Children and Young People in Great Britain (Green H et al., 2004).
3.1.3. Dados epidemiolgicos na Primeira Infncia e Idade Pr-escolar
Poucos estudos epidemiolgicos foram realizados nas faixas etrias mais baixas, onde se
verifica, como se pode constatar nos dados apresentados, uma prevalncia j elevada,
implicando a necessidade de uma interveno especializada dos servios de sade mental.
19
Prevalncia de Perturbaes Mentais na Primeira Infncia numa populao dinamarquesa (%)
DIAGNSTICO DC:0-3 18 meses
Qualquer Perturbao 18,0
Pert. Multissistmica 3,3
Pert. Regulatria 7,1
Pert. Afecto 2,8
Pert. Reactiva da Vinculao 0,5
Pert. Comport. Alimentar 2,4
Pert. Sono 1,4
Pert. Adaptao 0,9
Eixo II Pert. Relao 8,5
Quadro 5 - Prevalence of mental health problems in children 1 years of age
the Copenhagen Child Cohort 2000 (Skvogaard, A. et al, 2007).
Foi utilizada neste estudo dinamarqus (19) uma classificao diagnstica especfica para a
Primeira Infncia, a DC:0-3.
relevante neste estudo o grupo de perturbaes multissistmicas (a que correspondem as
Perturbaes do Espectro do Autismo) que tem registado a nvel mundial um aumento muito
importante de incidncia nas ltimas duas dcadas, por motivos que ainda no so claros (20).
Prevalncia de Perturbaes Mentais em Crianas dos 2 aos 5 anos (Populao no referenciada, EUA)
DIAGNSTICO Angold et al
n = 307, DSM IV Lavigne et al
n = 510, DSM III R Keenan at al
n = 104, DSM III R
Qualquer Perturbao 16,2 21,4 26,4
Pert. Ansiedade 9,4 2,5 8,4
Pert. Humor 2,1 0,3 1,1
Pert. Comportamento 9,6 16,8 12,6
Pert. Hiperactividade 3,3 2,0 5,7
Quadro 6 - Common Emotional and Behavioral Disorders in Preschool Children: presentation, nosology and epidemiology (Egger H & Angold A, 2006).
Os dados da idade pr-escolar, dos dois aos 5 anos, reportam-se a uma reviso (21) de estudos
epidemiolgicos nesta faixa etria, identificando uma alta prevalncia, com predomnio nos trs
estudos das Perturbaes de Comportamento, situao que como vimos se mantm ao longo de
toda a infncia e parte significativa da adolescncia, remetendo de novo para a necessidade de
intervenes precoces neste domnio.
3.1.4. Dados epidemiolgicos de estudos nacionais
Poucos tm sido os estudos epidemiolgicos realizados no nosso pas. Iremos referir dois, um
de mbito nacional e outro de mbito regional.
20
Em 1999/2000 foi realizado por Oliveira et al. (22) um estudo de mbito nacional sobre as
Perturbaes do Espectro do Autismo que revelou uma prevalncia global em Portugal
Continental de 9,2/10.000 (8,1-10,0 - intervalo de confiana de 95%).
Em 2003/2004 foi realizado por Freitas et al. (23) um estudo sobre a prevalncia da depresso
na Ilha da Madeira, tendo sido obtida uma prevalncia de sintomas depressivos de 7,52% ( 2,3
- intervalo de confiana de 95%) em 505 pr-adolescentes e adolescentes da populao escolar
do 3 ciclo do Funchal, com predomnio no sexo feminino.
3.2. Continuidade da Psicopatologia na Infncia e Adolescncia
Inmeros estudos epidemiolgicos, quer prospectivos quer retrospectivos tm vindo a confirmar
a noo emprica que muitas das patologias psiquitricas dos adultos tm incio, de facto, antes
dos 18 anos de idade.
Escolhemos citar dois deles:
- um estudo longitudinal de Newman e colaboradores (24), dos 11 aos 21 anos, em que se
verificou um aumento da prevalncia das perturbaes mentais ao longo do tempo. Aos 21 anos
mais de 50% dos casos apresentavam co-morbilidades, que agravavam significativamente os
quadros clnicos em termos do funcionamento psicossocial. de salientar que 73,8% dos
adultos com diagnsticos aos 21 anos tinham histria prvia de perturbao mental.
- Kessler e colaboradores (25), numa reviso dos vrios surveys de sade mental realizados
pela OMS, concluram que cerca de 50% das patologias psiquitricas persistentes
comeavam antes dos 14 anos e 75% antes dos 24 anos.
Estes dados realam e reforam a necessidade de intervenes no mbito da sade mental
infantil e juvenil, no sentido de tratar ou diminuir as consequncias negativas da psicopatologia a
longo prazo.
Perturbaes do Comportamento Disruptivo
A Perturbao de Oposio na infncia foi identificada como precursora da Perturbao do
Comportamento, para ambos os sexos (26). Este aspecto relevante e obriga a uma maior
ateno s Perturbaes de Oposio, pelo elevado peso que representa para as famlias e para
a sociedade a Perturbao do Comportamento (patologia mais grave, no s ao longo do
desenvolvimento, mas tambm na idade adulta), uma vez que evolui frequentemente para
Perturbaes da Personalidade.
21
Perturbaes da Ansiedade e do Humor
de referir a continuidade homotpica (do mesmo quadro psicopatolgico) que se verifica para a
ansiedade de separao, a ansiedade generalizada, Fobia Social e Perturbao de Pnico, esta
ltima s para o sexo feminino (27); existe ainda uma continuidade heterotpica (com um quadro
psicopatolgico diferente) entre as vrias Perturbaes da Ansiedade e tambm com as
Perturbaes Depressivas, podendo a afectividade negativa como trao temperamental explicar
esta continuidade (27). Esta ficou tambm claramente demonstrada num estudo retrospectivo, o
Maudsley Study, para a Perturbao Depressiva Major (28).
Perturbaes Psicticas
Embora a prevalncia das Perturbaes Psicticas seja baixa na populao adulta e tambm
nos adolescentes, importante o seu diagnstico precoce para permitir uma interveno
atempada que possa minimizar o impacto negativo em termos do funcionamento cognitivo e
psicossocial dos indivduos doentes (29). de salientar a elevada validade preditiva positiva
deste diagnstico na adolescncia, que tem a sua continuidade homotpica na idade adulta (30).
3.3. Peso das Perturbaes Mentais da Infncia e Adolescncia
O peso global das perturbaes mentais para a sociedade um dado reconhecido pela
comunidade cientfica e comprovado por inmeros estudos (31), com uma impressionante
traduo em termos de DALYs (Disability Adjusted Life Years).
Na infncia e adolescncia, tendo em conta a elevada prevalncia das perturbaes mentais
associada a uma alta taxa de co-morbilidade e a continuidade frequente da psicopatologia,
torna-se imprescindvel o reconhecimento do peso econmico e social que estas perturbaes
determinam. Este peso tem vindo a ser demonstrado pela evidncia cientfica (32, 33, 34, 35, 36)
e vai muito para alm do peso econmico directo inerente aos custos para os servios de sade.
Face ao exposto, imperioso investir no reforo da rede de servios de sade mental
especificamente dirigidos infncia e adolescncia.
22
4. CONTEXTO INTERNACIONAL
A Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia uma especialidade mdica, reconhecida na maioria
dos pases, embora em alguns deles tenha ainda o estatuto de sub-especialidade.
Numa perspectiva histrica, as origens da especialidade surgiram ligadas a disciplinas de
interface, como a Neurologia, a Psiquiatria, a Pediatria e a Psicologia. Desde o incio do sculo
XX, delinearam-se na Europa quatro correntes ideolgicas principais, cujo desenvolvimento
decorreu em simultneo (e no sequencialmente). Estas correntes tm vindo a fazer tradio e
ainda hoje influenciam a investigao e a prtica clnica nos diferentes pases; so elas a
corrente neuropsiquitrica; a psicodinmica-psicanaltica; a emprica, epidemiolgica e
estatstica; e a psicossomtica (37).
Nos ltimos anos tem-se acentuado e generalizado na Europa a tendncia para uma abordagem
emprica, mais focalizada em aspectos biolgicos da etiopatogenia, da psicopatologia e do
tratamento.
Apesar desta abordagem estar mais prxima da dos EUA e de ter sido influenciada pelos
trabalhos de investigao americanos, foi principalmente impulsionada e consolidada pelo
trabalho de Michael Rutter e seus seguidores, em Inglaterra.
O desenvolvimento dos servios e grau de diferenciao na prestao de cuidados varia
consideravelmente entre os diversos pases da Europa.
Em alguns deles existe uma longa tradio nesta rea e um sistema bem estruturado, com boa
acessibilidade e diversidade de estruturas, como so o caso da Frana e da Alemanha, pases
em que a especialidade foi fundada em 1937 e 1940, respectivamente.
Em muitos pases continuam a existir muitas lacunas, identificadas por diversos estudos da
OMS, e confirmadas atravs do Projecto ATLAS - Country Resources for Child and Adolescent
Mental Health (38), uma das primeiras tentativas sistematizadas para recolher informao sobre
os recursos da sade mental da infncia e da adolescncia.
Estas fragilidades, que tambm partilhamos em Portugal, tm contribudo em larga escala para
uma insuficincia na prestao de cuidados de qualidade e continuados neste mbito (2):
- Fraca formao em sade mental da criana e do adolescente;
- Pouca percepo da importncia das questes de sade mental da criana e do
adolescente;
- Coordenao deficiente entre os diferentes nveis de actuao;
- Fraca colaborao intersectorial;
23
- Processos precrios de melhoria da qualidade;
- Escassa distribuio de recursos para a sade mental da criana e do adolescente;
- Sistemas de informao inadequados.
Presentemente, existe em muitos pases europeus, principalmente nos pases do Norte da
Europa, uma clara aposta na implementao de programas de preveno.
As estratgias de promoo e preveno so, alis, fortemente incentivadas pelo Pacto Europeu
para a Sade Mental e Bem-estar, lanado em 13 Junho de 2008, na Conferncia Europeia de
Alto Nvel Together for Mental Health and Well-being 1.
O Pacto Europeu, ratificado por Portugal, abre a possibilidade de cooperao entre organizaes
governamentais e no-governamentais dos vrios pases e centra-se em 5 reas prioritrias:
- Preveno da Depresso e Suicdio;
- Sade Mental e Educao na Infncia e Adolescncia;
- Sade Mental nos Locais de Trabalho;
- Sade Mental do Idoso;
- Combater o Estigma e a Excluso Social;
Em relao infncia e adolescncia, o Pacto Europeu recomenda a aposta em estratgias de
preveno a vrios nveis, nomeadamente nos primeiros anos de vida, propondo a
implementao de programas de visitao domiciliria e de treino de competncias parentais;
junto dos servios de sade; em escolas e na comunidade em geral.
4.1. Estruturas
A nvel europeu existem mltiplas estruturas de atendimento e tratamento para crianas e
adolescentes com problemas de sade mental (Quadro 7) (39):
1 http://saudemental.pt/wp-content/uploads/2011/02/pactoeuropeu-saudemental.pdf
24
Quadro 7 - Tipos de servios de sade mental para crianas e adolescentes disponveis na maioria dos pases europeus
Tipos de servios de sade mental
Servios de Ambulatrio
Departamentos/servios hospitalares com Consulta Externa; Servios de Psiquiatria da Infncia e Adolescncia em servios de sade pblica; Child guidance clinics e servios de aconselhamento familiar; Centros de interveno precoce, servios sociais de apoio a crianas; Psiquiatras da Infncia e Adolescncia em servios privados; Psicoterapeutas em servios privados.
Hospitais de Dia
Hospitais de Dia (dois tipos: integrados em servios de internamento ou independentes); Hospitais de noite.
Servios de Internamento
Servios de Internamento em Hospitais universitrios; Servios de Internamento em Hospitais psiquitricos pblicos; Servios de Internamento em Hospitais gerais ou Hospitais peditricos.
Servios Complementares
Servios de reabilitao para grupos especiais (por ex. crianas com leses cerebrais graves, epilepsia); Diferentes tipos de residncias; Grupos residenciais para adolescentes.
4.2. Recursos Humanos
Existe a nvel mundial, mesmo em pases desenvolvidos, um nmero de Psiquiatras da Infncia
e da Adolescncia bastante inferior ao desejvel para responder s necessidades das
populaes.
O nmero reduzido de especialistas e a tendncia que se tem verificado nos ltimos anos para
um maior reconhecimento e aceitao das perturbaes mentais, nomeadamente da PHDA e
das Perturbaes do Espectro do Autismo, tem vindo a exercer uma presso crescente sobre os
servios de sade mental infantil e juvenil.
Os rcios de Psiquiatras da Infncia e da Adolescncia actualmente aconselhados em outros
pases europeus e nos EUA so muito superiores ao rcio existente em Portugal, de cerca de
0,9/100.000 habitantes (4,9/100.000 da populao com menos de 18 anos), no sector pblico.
Apresentamos os rcios e recomendaes de alguns pases:
Frana: em 2005 o Conseil National de lOrdre des Mdecins considerou a Psiquiatria
da Infncia e da Adolescncia como uma especialidade em crise, com um nmero
insuficiente de especialistas. O rcio de 2,12/100.000 habitantes (40), isto , 1/11.200
crianas e adolescentes (41).
Irlanda: existe actualmente um rcio de 1/16,150 crianas e adolescentes dos 0 aos 16
anos. O Irish College of Psychiatrists Child and Adolescent Psychiatry Section
recomenda rcios de 1/33.000 habitantes (3,3/100.000 habitantes) para os Psiquiatras
da Infncia e Adolescncia, Psiclogos, Enfermeiros e Tcnicos de Servio Social e de
1/66.000 habitantes (1,5/100.000 habitantes) para os restantes elementos da equipa
25
multidisciplinar. Prope ainda a criao de uma unidade especializada em adolescentes
por cada 100.000 habitantes (42).
Finlndia: existe um rcio de 3,16/100.000 habitantes, com um rcio de 1/6.000
crianas e adolescentes dos 0 aos 19 anos (43).
EUA: existem cerca de 7.000 Psiquiatras da Infncia e da Adolescncia, com uma
mdia de 8,7/100.000 crianas e adolescentes, isto , um rcio de 1/11.500 desta
populao (2006), mas com enormes desigualdades na distribuio entre os diferentes
estados. Em 1980, era recomendado um aumento do nmero de especialistas para
10.000 em 1990, no entanto presentemente estima-se que sejam necessrios 12.624
especialistas para fazer face s necessidades crescentes da populao (44).
Canad: a Canadian Academy of Child Psychiatry mantm a recomendao de 2002
de um rcio de 1/4.000 crianas e adolescentes (cerca de 6/100.000 habitantes da
populao geral). Este rcio o aconselhado apenas para dar resposta s
necessidades clnicas da populao e no engloba as necessidades para as reas de
investigao, formao e organizao de servios (45).
4.3. Internato Mdico
A especializao em Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia difere nos vrios pases da Unio
Europeia e est ainda longe de ser homognea. Assim, a formao pode variar desde 5 anos at
apenas 1 ano, como acontece na Letnia. A sua autonomia tambm varia nos vrios pases:
existem pases europeus em que a especialidade est separada da Psiquiatria Geral, como
Portugal, Alemanha, Blgica, Dinamarca e recentemente Espanha, enquanto noutros mantm-se
integrada na formao em Psiquiatria Geral (Finlndia, Frana, Holanda, Reino Unido, para dar
alguns exemplos).
A prtica de psicoterapia no mbito da especialidade recomendada em muitos pases
europeus, embora o grau de exigncia varie. Um caso curioso o da Alemanha, onde esta
valncia fundamental e quer a formao em psicoterapia, quer as psicoterapias individuais tm
a comparticipao do Estado. A investigao tem tido lugar de destaque nas ltimas dcadas,
aparecendo no plano formal da especialidade. Em alguns pases, como Reino Unido, Irlanda e
Turquia, faz parte do horrio de trabalho.
26
Foram feitas tentativas e recomendaes no sentido de homogeneizar formao. Assim, a
EUMS CAP (European Union of Medical Specialists in Child and Adolescent Psychiatry2) e a
EFPT (European Federation of Psychiatric Trainees3) aconselham uma formao
profissionalizante com a durao de 5 anos, que inclua 1 ano de formao em Psiquiatria Geral
e formao tambm em Pediatria, esta com durao varivel.
Neste sentido, Portugal cumpre as recomendaes propostas. A EFPT realizou um extenso
questionrio a nvel europeu que inclui dados de 34 pases, 28 dos quais tm programa
especfico nesta especialidade; est a elaborar um documento sobre a formao em Psiquiatria
da Infncia e Adolescncia na Europa, que ser publicado em breve e permitir o acesso a estas
informaes de forma detalhada.
2 http://www.uems-cap.eu/ 3 http://www.efpt.eu/
27
5. CARACTERIZAO DA REALIDADE PORTUGUESA
5.1. ESTRUTURAS
5.1.1. ESTRUTURAS HOSPITALARES
Continente
DEPARTAMENTOS EM CENTROS HOSPITALARES
Existem actualmente trs departamentos no contexto desta especialidade, que desenvolvem
actividades especficas, para alm das praticadas nos servios:
- Departamento de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia do Centro Hospitalar do
Porto, E.P.E. - Hospital Central Especializado de Crianas Maria Pia;
- Departamento de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia do Centro Hospitalar e
Universitrio de Coimbra, E.P.E. Hospital Peditrico de Coimbra;
- rea de Pedopsiquiatria do Grupo Hospitalar do Centro de Lisboa, E.P.E. Hospital
Dona Estefnia.
No quadro 8 apresentamos algumas caractersticas destes departamentos.
Quadro 8 Caracterizao do internamento, atendimento urgente e hospital de dia dos Departamentos
INTERNAMENTO ATENDIMENTO URGENTE HOSPITAL DE DIA
Centro Hospitalar do Porto
10 camas
- 8-20 horas/ 7 dias por semana: presena fsica de especialista - 20-24 horas/ 7 dias por semana: preveno (ao internamento)
0-8 anos - 10 lugares
Centro Hospitalar e Universitrio de
Coimbra - Consulta aberta das 8h s 20h / dias teis 0-12 anos 8 a 10 lugares
Grupo Hospitalar do Centro de
Lisboa 10 camas
24 horas/ 7 dias por semana: - 8-20horas: presena fsica de interno da especialidade, com apoio do especialista - 20-8horas: presena fsica de especialista
6-12 anos -10 a 12 lugares 13-17 anos - 15 lugares
As unidades de internamento admitem situaes agudas e esto direccionadas para
intervenes/programas teraputicos de curta durao.
A Unidade do Departamento de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia do Centro
Hospitalar do Porto interna adolescentes (dos 12 aos 17 anos e 364 dias); ocasionalmente
so internadas crianas com idade inferior a 12 anos.
28
A Unidade da rea de Pedopsiquiatria do Grupo Hospitalar do Centro de Lisboa Hospital
Dona Estefnia interna a faixa etria at aos 15 anos e 364 dias, embora por vezes sejam
admitidos adolescentes com 16 e 17 anos.
Foi aprovada a abertura durante o ano de 2011 de uma Unidade de Internamento com
lotao de 10 camas no Departamento de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia do
Centro Hospitalar e Universitrio de Coimbra Hospital Peditrico.
SERVIOS EM HOSPITAIS, CENTROS HOSPITALARES OU UNIDADES LOCAIS DE SADE
Actualmente existem formalizados seis servios de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia,
que desenvolvem actividades de mbito muito diverso e que so descritas mais adiante (vide
ponto 7.4):
- C.H de Trs-os-Montes e Alto Douro, E.P.E.
- C.H. Cova da Beira, E.P.E
- C. H. Baixo Vouga, E.P.E.
- C.H. Lisboa Ocidental (Hospital S. Francisco Xavier), E.P.E.
- Hospital Distrital de Santarm, E.P.E.
- Unidade Local de Sade Baixo Alentejo, E.P.E.
UNIDADES EM HOSPITAIS, CENTROS HOSPITALARES OU UNIDADES LOCAIS DE SADE
Em treze estabelecimentos do SNS existem unidades desta especialidade que desenvolvem o
mesmo tipo de actividades dos servios, embora com recursos mais escassos (vide ponto 7.4):
- Unidade Local de Sade do Alto Minho, E.P.E.
- Hospital de Braga
- C.H. Vila Nova de Gaia-Espinho, E.P.E.
- C. H. Tmega e Sousa, E.P.E.
- C.H. do Nordeste, E.P.E.
- Unidade Local de Sade da Guarda, E.P.E.
- C.H. Tondela-Viseu, E.P.E
- Hospital Distrital da Figueira da Foz, E.P.E.
- C. H. Lisboa Norte, E.P.E. (Hospital de St. Maria)
29
- Hospital Garcia de Orta, E.P.E.
- C.H. Barreiro-Montijo, E.P.E. (Hospital N. Sr. do Rosrio)
- C.H. Setbal, E.P.E.
- C.H. Mdio Tejo, E.P.E.
CONSULTAS EM HOSPITAIS, CENTROS HOSPITALARES OU UNIDADES LOCAIS DE SADE
Utilizamos a denominao de Consulta para designar projectos de Unidade em que o Psiquiatra
da Infncia e da Adolescncia trabalha com recursos fsicos e humanos muito limitados, sem
estatuto reconhecido dentro da estrutura hospitalar onde se encontra integrado. Esta situao
ocorre em locais onde a actividade da especialidade teve um incio recente e est, portanto, em
fase inicial do seu desenvolvimento, ou em locais nos quais, por motivos de mbito diverso, no
tem conseguido implantar-se de forma slida. Existe este modelo nos seguintes hospitais:
- C. H. S. Joo / Valongo, E.P.E.
- C. H. do Alto Ave, E.P.E.
- C. H. do Mdio Ave, E.P.E.
- C. H. Pvoa do Varzim / Vila do Conde, E.P.E.
- Unidade Local de Sade de Castelo Branco, E.P.E.
- C. H. Leiria-Pombal, E.P.E.
- Hospital Fernando da Fonseca, E.P.E.
- Hospital do Esprito Santo, E.P.E.
- Hospital Distrital de Faro, E.P.E.
Os Centros Hospitalares de S. Joo/ Valongo e de Lisboa Norte tm situaes particulares e
distintas das restantes estruturas a nvel nacional.
Ambos tm Psiquiatras da Infncia e da Adolescncia divididos entre os servios de Pediatria e
Psiquiatria, sem que exista um servio da especialidade no organigrama hospitalar. Neste
mbito, deve ser cumprida a legislao em vigor e o preconizado no PNSM (4):
- a autonomia dos servios/unidades de Psiquiatria da Infncia e Adolescncia face aos
Departamentos ou Servios onde se encontram integrados deve ser assegurada;
30
- estas unidades e servios hospitalares devem ser chefiados por um Psiquiatra da
Infncia e da Adolescncia.
Sem pr em causa a colaborao intensa que deve existir entre estas 3 especialidades,
recomendada a criao de um Servio de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia em ambos
os Centros Hospitalares.
Estas directrizes esto em consonncia com as normas orientadoras europeias e da OMS onde
se sublinha a necessidade de autonomia destes servios (2).
A evoluo das estruturas hospitalares de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia do sector
pblico encontra-se descrita nos Quadros A1 a A5 do Anexo A.
Regies Autnomas
- 1 Servio no Hospital Dr. Nlio Mendona, E.P.E. (R. A. Madeira):
- 1 Consulta no Hospital do Divino Esprito Santo, E.P.E. (S. Miguel - R. A. Aores)
-
Quadro 9 Caracterizao do internamento, atendimento urgente e hospital de dia nas Regies Autnomas
INTERNAMENTO ATENDIMENTO URGENTE HOSPITAL DE DIA
Hospital Dr. Nlio Mendona
Quartos Particulares do servio de Pediatria
Preveno: 8-20 horas/ 7 dias por semana
-
Hospital do Divino Esprito Santo
- Preveno: 16.30-24 horas/ dias teis 8-24 horas / dias no teis
-
5.1.2. Estruturas no Sector Privado
Para alm das estruturas do sector pblico existem consultas de Psiquiatria da Infncia e da
Adolescncia em alguns hospitais privados e em consultrios.
5.1.3. Cuidados Continuados Integrados de Sade Mental
O Decreto-Lei n 8/2010 de 28 de Janeiro4, republicado pelo Decreto-Lei n 22/2011 de 10 de
Fevereiro5, cria um conjunto de unidades e equipas de cuidados continuados integrados de
sade mental (CCISM) destinado s pessoas com doena mental grave de que resulte
incapacidade psicossocial. Estas respostas, integradas na rede nacional de cuidados
4 http://saudemental.pt/wp-content/uploads/2011/02/Decreto-Lei-8_2010.pdf 5 http://saudemental.pt/wp-content/uploads/2011/02/Alteracao-ao-Decreto-Lei-8_2010.pdf
31
continuados integrados (RNCCI), logo, do mbito dos Ministrios da Sade e da Solidariedade e
da Segurana Social, contemplam tipologias especficas para crianas e adolescentes.
Trata-se de estruturas comunitrias que, devidamente articuladas com as estruturas hospitalares
de psiquiatria da infncia e da adolescncia, visam proporcionar programas de reabilitao
psicossocial a crianas e adolescentes cuja problemtica de sade mental requer cuidados
especializados e diferenciados daqueles que so disponibilizados em ambulatrio ou em
internamento pedopsiquitrico. privilegiada uma interveno estreita e articulada com os
recursos comunitrios (de sade, interveno social e educao) numa perspectiva de
maximizao da funcionalidade e da integrao psicossocial. igualmente dada prioridade
promoo de competncias junto da criana/adolescente e sua famlia.
As tipologias de CCISM para crianas e adolescentes contemplam equipas multidisciplinares
muito diversificadas, conforme estabelecido na Portaria n 149/20116, visando o efectivo
desenvolvimento de planos individuais de interveno, centrados nas necessidades prprias de
cada utente em termos de reabilitao em sade mental.
A referida portaria define as condies de organizao e o funcionamento das unidades e
equipas prestadoras de CCISM, em geral. Estabelece igualmente, no mbito da infncia e da
adolescncia, que os programas de reabilitao desenvolvidos nas unidades residenciais sejam
clinicamente coordenados por um Psiquiatra da Infncia e da Adolescncia. A interveno das
unidades scio-ocupacionais e das equipas de apoio domicilirio so definidas em articulao
efectiva com as estruturas hospitalares da especialidade, beneficiando da sua consultoria e
superviso tcnica.
A referenciao s unidades e equipas de CCISM da competncia das estruturas hospitalares
acima referidas, de acordo com critrios clnicos pr-definidos, sendo para tal requerida a
aplicao de Instrumento nico de Avaliao (IUA), a ser objecto de publicao em Portaria.
Face inexistncia de estruturas em Portugal neste domnio especfico de interveno, embora
j h vrios anos sejam desenvolvidas a nvel internacional, foi estipulado um perodo em que
tero lugar experincias-piloto de mbito residencial, scio-ocupacional e de apoio domicilirio,
conforme o Despacho n 8677/2011.
O Anexo B apresenta uma sntese relativa tipificao das unidades e equipas de CCISM,
assim como dos destinatrios, finalidade de cada tipologia, durao do programa de reabilitao
e lotao de cada uma das tipologias.
6 http://www.saudemental.pt/wp-content/uploads/2011/04/Portaria-149_2011.pdf
32
5.2. Desempenho
Continente
Uma das caractersticas da especialidade que no se enquadra
completamente no modelo de recolha da actividade clnica
hospitalar. Uma das consequncias deste facto que a actividade
das equipas multidisciplinares mal traduzida na simplicidade dos
nmeros existentes.
Urge pois pensar numa forma de registo que permita reflectir a
realidade de forma mais aproximada, sob pena de se continuar a
subvalorizar o trabalho na sade mental da infncia e adolescncia.
A recolha desajustada dos dados pode promover a adopo de
mecanismos de distoro dos critrios de registo, contribuindo desta
forma para acentuar desigualdades entre as estruturas, com
eventuais penalizaes no desempenho e consequentemente no
financiamento das que no aderem a este tipo de situaes.
5.2.1.Internamento
De acordo com os GDH de 2008 ocorreram 712 internamentos de
crianas e adolescentes com idade inferior a 18 anos; os episdios
ocorreram em vrios hospitais, cuja distribuio se apresenta
noQuadro 10, sendo os GDH principais os explicitados no Quadro
11.
Quadro 10 Distribuio do n de episdios de internamento por vrios hospitais.
HOSPITAIS N EPISDIOS
P005 3
P007 12
P010 7
P012 17
P013 7
P014 17
P015 6
P017 3
P018 8
P020 5
P023 1
P024 6
P027 7
P051 22
P066 3
P068 2
P070 21
P071 1
P072 2
P074 14
P078 9
P079 19
P081 21
P085 9
P087 5
P090 14
P093 2
P094 21
P096 105
P098 11
P099 9
P105 28
P107 4
P108 1
P110 154
P117 13
P120 1
P121 4
P128 7
P129 12
P132 6
P134 22
P139 4
P141 5
P143 1
P145 18
P146 27
P147 12
P148 4
Total Geral 712
33
Quadro 11 Principais episdios de internamento e respectivos diagnsticos ICD-9 em 2008
Diagnstico ICD-9-CM
PRINCIPAIS EPISDIOS DE INTERNAMENTO DOS 0-17 ANOS - 2008 N
DDX1 311 Perturbaes depressivas 41 307.59 Outras perturbaes alimentares no especificadas 33 312.9 Alteraes do comportamento no especificadas 32 300.00 Estados de ansiedade 25 300.11 Perturbao de Converso 24 300.4 Depresso neurtica 24 298.9 Psicose SOE 23 319 Atraso mental SOE 21 296.20 Psicose depressiva inespecfica 19 309.4 Perturbao de ajustamento com alterao mista das emoes e da conduta 18 309.0 Perturbao de ajustamento com humor depressivo 16 309.1 Reaco depressiva prolongada 16 301.9 Alterao inespecfica da personalidade 14 313.9 Distrbio emocional inespecfico da infncia ou adolescncia 14 307.54 Vmito psicognico 12 307.7 Encoprese 12 300.9 Alterao mental inespecfica no psictica 11 307.9 Outros sintomas especiais ou sndromes inespecficos 11 315.9 Atraso no desenvolvimento 11 299.00 Autismo 9 301.83 Perturbao borderline da personalidade 9 315.8 Outros atrasos especficos no desenvolvimento 9 318.2 Atraso mental profundo 9 296.80 Perturbao bipolar inespecfica 8 308.0 Alterao predominante das emoes 8 312.82 Perturbao do comportamento, tipo incio adolescente 8 300.3 Perturbaes obsessivo-compulsivas 7 309.3 Perturbao de ajustamento com alterao do comportamento 7 313.89 Perturbao reactiva da vinculao da infncia ou da primeira infncia 7 318.0 Atraso mental moderado 7 () () Total 712
5.2.2.Consulta Externa
Apesar das limitaes referidas e de acordo com os dados apresentados pelos hospitais na
ACSS/SICA/Contratualizao 2011, especificamente na especialidade de Psiquiatria da Infncia
e da Adolescncia, que se apresentam no quadro 12, contabilizam-se valores na ordem das
75.175 consultas externas anuais.
34
Quadro 12 - Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia Consulta Externa - 2009
ARS Entidade 1s consultas Consultas subsequentes Total de consultas
Norte Unidade Local de Sade do Alto Minho 479 2.773 3.252
Hospital de Braga, PPP a) 487 2.582 3.069
Centro Hospitalar do Mdio Ave a) 412 572 984
Centro Hospitalar do Porto 3.576 13.643 17.219
Centro Hospitalar do Tmega e Sousa 1.245 2.926 4.171
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho 859 2.809 3.668
Centro Hospitalar de Trs-os-Montes e Alto Douro 401 1.252 1.653
Centro Hospitalar do Nordeste 213 1.337 1.550
Centro Centro Hospitalar de Coimbra 704 3.249 3.953
Hospital da Figueira da Foz 134 557 691
Centro Hospitalar do Baixo Vouga 299 2.130 2.429
Hospital de So Teotnio 200 881 1.081
Unidade Local de Sade da Guarda 246 662 908
Centro Hospitalar da Cova da Beira 92 795 887
Hospital de Santo Andr 223 809 1.032
LVT Centro Hospitalar de Lisboa Central 1.836 14.066 15.902
Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental 841 5.129 5.970
Hospital de Santarm 407 1.234 1.641
Hospital Garcia de Orta 277 2.346 2.623
Centro Hospitalar Barreiro-Montijo 24 143 167
Alentejo Unidade Local de Sade do Norte Alentejano 39 106 145
Hospital do Esprito Santo -vora a) 274 455 729
Unidade Local de Sade do Baixo Alentejo 177 980 1.157
Algarve Hospital Distrital de Faro a) 76 218 294
Total 13.521 61.654 75.175
Fonte:ACSS/SICA_Contratualizao 2011_realizado 2009 a) estimado 2010
5.2.3. Hospital de dia, interveno na comunidade, exames periciais e outras actividades
Devido s limitaes j apresentadas no dispomos de informao suficiente sobre estas
valncias, que representam uma parte importante da actividade exercida pela especialidade.
5.3. Recursos Humanos
Continente
Os nmeros referentes aos mdicos e restantes profissionais das equipas multidisciplinares do
sector pblico encontram-se descritos nos Quadros A6 a A10 e nos Quadros A11 a A15,
respectivamente (Anexo A).
Psiquiatras da Infncia e da Adolescncia: 88
Internos da especialidade: 41 (vide ponto 5.5)
35
Apesar do esforo formativo realizado nos 3 ltimos anos, de acordo com as
recomendaes do PNSM, o nmero de Psiquiatras da Infncia e da Adolescncia
continua a ser insuficiente face s necessidades. Verificamos que em 16 hospitais
existe apenas um especialista, em alguns deles sem equipa prpria e com um estatuto
pouco definido.
Equipa multidisciplinar:
A multidisciplinaridade das equipas dos servios/unidades imprescindvel (Decreto-
Lei 35/99, revogado pelo 304/2009) mas verificamos que a diversidade dos tcnicos
que as constitui continua a ser muito limitada. A maioria dos servios e unidades tm
profissionais partilhados com os servios de Pediatria ou Psiquiatria, com um nmero
de horas muito reduzido para desenvolver actividades com crianas e adolescentes.
Quadro 13 Recursos Humanos em 31 de Maro de 2011
N profissionais por Regio de Sade (Total de horas semanais)
Regio Norte
Regio Centro
Regio Lisboa e Vale do Tejo
Regio Alentejo Regio Algarve *
Psiquiatras da Infncia e da Adolescncia
33 (1290h)
16 (612h)
36 (1309,5h)
2 (75h)
1 (40h)
Internos da especialidade
13 3 25 - -
Psiclogos 27
(677h) 15
(354h) 32
(1076h) 9
(217,5h) 1
(35h)
Enfermeiros 19
(543,5h) 5
(136h) 28
(1020h) 3
(75h) -
Tcnicos de Servio Social 10
(179h) 8
(171h) 8
(187h) 2
(24,5h) -
Terapeutas Ocupacionais 6
(63h) 3
(90h) 5
(130h) 1
(35h) 1
(2h)
Terapeutas da Fala
- 1
(40h) 3
(91h) 3
(110h) -
Psicomotricistas - 1
(40h) 3
(57h) 1
(40h) -
Educadores/Professores 1 (DREN) 3
(105h) 3
(74h) 3
(105h) -
Outros 1
(30h) - - - -
* Na Regio de Sade do Algarve existem 8 equipas multidisciplinares GASMI Grupo de Apoio Sade Mental Infantil nos ACES, tuteladas pela ARS do Algarve, que atendem crianas dos 3 aos 12 anos de idade com problemas de sade mental. Estas equipas tm superviso de Psiquiatras da Infncia e da Adolescncia da rea de Pedopsiquiatria do G. H. do Centro de Lisboa - Hospital Dona Estefnia.
36
Regies Autnomas
Quadro 14 Recursos Humanos em 1 de Maio de 2011
N profissionais por Regio de Sade
(Total de horas semanais)
R. A. Aores R. A. Madeira
Psiquiatras da Infncia e da Adolescncia 1
(42h) 4
(154h)
Psiclogos 2
(8h) 3
(105h)
Enfermeiros - 1
(nos quartos particulares)
Tcnicos de Servio Social 1
(3h) 1
(5h)
Outros 2
(4h) -
5.4. Idoneidade Formativa
Os 3 Departamentos de Lisboa, Porto e Coimbra e o Servio do Centro Hospitalar de Lisboa
Ocidental asseguram a formao dos mdicos internos da especialidade. Existem cursos
organizados de formao terica e terico-prtica, com periodicidade semanal, alm da
formao prtica tutelada desenvolvida nas equipas multidisciplinares.
Os internos de Psiquiatria Geral realizam um estgio obrigatrio com durao de 6 meses e os
internos de outras especialidades efectuam estgios opcionais de durao varivel.
Idoneidade Formativa Total
- Departamento de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia do Centro Hospitalar do
Porto;
- Departamento de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia do Grupo Hospitalar do
Centro de Lisboa Hospital Dona Estefnia.
Idoneidade Formativa Parcial
- Departamento de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia do Centro Hospitalar e
Universitrio de Coimbra;
- Servio de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia do Centro Hospitalar de Lisboa
Ocidental.
37
Face ao escasso nmero de especialistas recomenda-se a avaliao pelo Colgio da
Especialidade de outros servios de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia com vista
atribuio de idoneidade formativa parcial.
5.5. Evoluo do Internato Mdico (vide ponto 7.3)
De acordo com o proposto pelo PNSM verificou-se um aumento do nmero de vagas desde
2009.
Quadro 15 - Evoluo do nmero de internos no perodo 2000 - 2011
Especialidade PSIQUIATRIA da INFNCIA e da ADOLESCNCIA
Ano de Ingresso Colocados por Ano
de Ingresso Concurso Colocados por Concurso
2000 8 IC 2000 8
2001 9 IC 2001 9
2002 9 IC 2002 9
2003 9 IC 2003 9
2004 7 IC 2004 7
2005 7 IC 2005 3
IM FE 2005 4
2006 4
IM 2 T. 2005 4
IM FE EXTRA 2006 0
2007 5 IM 2006 A - FE 5
IM 2007 - B 0
2008 3 IM 2007 A - FE 2
IM 2008 - B 1
2009 10 IM 2008 A - FE 9
IM 2009 - B 1
2010 10 IM 2009 A - FE 8
2010 - B 2
2011 11 2010 A - FE 10
2011 - B 1
Total 92 92
Fonte: ACSS/UOPRH, 2011
38
6. NECESSIDADES EM SADE
6.1. Internamento
O conceito de internamento pedopsiquitrico refere-se a uma estrutura hospitalar para prestao
de cuidados a tempo completo para situaes agudas, com capacidade para responder a
pedidos de admisso urgentes.
Existem actualmente em Portugal, no sector pblico, apenas duas unidades de internamento
com estas caractersticas, com lotao de 10 camas cada, claramente insuficientes face s
necessidades.
Para alm deste tipo de resposta, devem existir estruturas direccionadas para a prestao de
cuidados teraputicos e de reabilitao psicossocial a tempo completo para casos com
necessidades de tratamento intensivo de mdio/longo prazo.
Estes dois tipos de estrutura devem funcionar em estreita articulao, de forma a flexibilizar o
recurso a qualquer deles sempre que tal se revele adequado face situao clnica.
No esto criadas unidades deste ltimo tipo em Portugal. As unidades a desenvolver no mbito
dos CCISM podero num futuro prximo vir a preencher parcialmente esta grave lacuna.
No existe neste momento uma metodologia formal e consensual para definir/calcular as
necessidades de internamento pedopsiquitrico. Desta forma, na larga maioria dos pases
europeus, o nmero de camas no calculado com base nas necessidades.
no entanto consensual que, para uma determinada populao, o nmero de camas deve ser
estimado com base numa avaliao compreensiva e multisectorial das necessidades. Esta deve
ter em conta (46):
- a prevalncia e incidncia dos problemas de sade mental;
- as caractersticas scio-demogrficas da populao, incluindo o ndice de pobreza;
- a geografia local e acessibilidade aos servios de sade mental no ambulatrio,
nomeadamente a hospitais de dia;
- a disponibilidade e acessibilidade a outro tipo de recursos da comunidade no mbito
educacional e social.
Apesar de muito superior ao existente em Portugal, o nmero de camas para internamento
pedopsiquitrico considerado insuficiente na maioria dos pases.
39
Situao actual no Reino Unido:
Em 2003 existia uma mdia de 7,1 camas por 100.000 crianas e adolescentes com menos de
18 anos em todo o Reino Unido (47); na Esccia existiam 4,4/ 100.000 (48).
Os resultados do NICAPS National In-patient Child and Adolescent Psychiatry Study (46)
mostraram que cerca de 1/3 das crianas e adolescentes internada inapropriadamente em
servios de Pediatria e de Psiquiatria Geral por falta de vagas nas unidades pedopsiquitricas.
Este e outros estudos internacionais tm revelado que o tipo de cuidados nestes servios so
distintos dos praticados nas unidades de pedopsiquiatria e no so totalmente adequados a esta
populao.
Em 2005, e a reforar estes dados, estimou-se que cerca de 72% dos pedidos de admisso de
urgncia ficaram sem resposta (46).
Tomando em considerao a capacidade de internamento de 7,1 camas por 100.000
crianas e adolescentes, estima-se que 1 em cada 1000 com problemas de sade mental
pode necessitar de ser admitida numa unidade de internamento pedopsiquitrico (47).
Recomendaes internacionais:
Para satisfazer as necessidades de internamento de curta durao (incluindo as admisses de
urgncia) e de tratamentos intensivos de mdia e longa durao da populao com menos de 18
anos com problemas graves de sade mental, so recomendadas:
1) No Reino Unido, 24 a 40 camas por milho de habitantes da populao total;
recomendada uma taxa de ocupao de 85%, de forma a dar resposta aos pedidos
urgentes (46).
2) Na Esccia (populao total 5,1 milhes, com 18% com menos de 16 anos) (49), um
dos poucos estudos mais detalhados neste mbito prope uma metodologia de
avaliao que estima serem necessrias 60 a 65 camas, com a ressalva que este
nmero s ser suficiente se existir uma rede de servios de ambulatrio com boa
acessibilidade e recursos humanos adequados (48).
Extrapolando estes dados para Portugal, e tomando em considerao o estudo da Esccia,
teriam que existir 120 a 130 camas. Este nmero inclui camas para internamento de casos
agudos e para tratamentos intensivos de longa/mdia durao. Destas estima-se que seria
necessrio um mnimo de 50 a 60 camas para internamento de situaes agudas.
40
Apresentamos os resultados preliminares de um estudo sobre o nmero de internamentos de
crianas e adolescentes referente aos anos de 2008 e 2009 (50) (Quadro 16).
Quadro 16 Internamentos de crianas e adolescentes referente aos anos de 2008 e 2009
Dados* / Estruturas Hospitalares Departamentos de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia
Servios de Psiquiatria de Hospitais Psiquitricos, Centros Hospitalares
e Hospitais Distritais
N utentes internados 585 376
N episdios de internamento Dados insuficientes
Idade mdia 13,11 16,10
Categorias Diagnsticas Principais (DSM-IV-TR)
1 307.1 / 307.51 / 307.50 Perturbaes
do Comportamento Alimentar 311.00 Perturbao
Depressiva SOE
2 312.9 Perturbaes
do Comportamento SOE 301.9 Perturbao
da Personalidade SOE
N dias de internamento 5627 (sem o CHP) 3551
Demora mdia 20.93 14.68
* No foram disponibilizados dados por parte da Unidade Local de Sade do Alto Minho, E.P.E., C. H. Trs-os-Montes e Alto Douro, E.P.E., Hospital Magalhes de Lemos e C. H. Lisboa Ocidental, E.P.E. .
Verificamos que so internados principalmente adolescentes. Relativamente aos diagnsticos
principais, surgem como primeiros diagnsticos as Perturbaes de Comportamento Alimentar e
a Perturbao Depressiva SOE.
A listagem de Grupos de Diagnsticos Homogneos (GDH) de 2008, referente ao internamento
de utentes com menos de 18 anos, identifica a Perturbao Depressiva SOE como diagnstico
principal mais frequente de entre os 712 episdios de internamento registados.
Este estudo (50) confirma a j referida falta de capacidade de resposta das unidades de
internamento de pedopsiquiatria, que leva a que um nmero significativo de doentes no seja
admitido ou seja internado em servios de Psiquiatria Geral ou de Pediatria.
6.2. Consulta Externa
De acordo com as orientaes da OMS para o planeamento estratgico dos servios de sade
mental, os dados epidemiolgicos, nomeadamente a prevalncia das doenas mentais, podem
ser usados para calcular as necessidades das populaes neste mbito.
No entanto, os dados de prevalncia conduzem a uma sobre-estimativa da provvel utilizao
dos servios, pelo que devem ser utilizados com precauo e sustentados por informao
acerca das carncias e recursos locais (51).
Baseados neste pressuposto, apresentamos a ttulo exemplificativo, a estimativa das
necessidades nacionais em funo do clculo do nmero anual mdio de consultas de
Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia de acordo com a gravidade da psicopatologia (casos
41
com incapacidade grave Quadro 17; casos com grau moderado de incapacidade Quadro 18)
por 100.000 habitantes da populao geral (18.000 crianas e adolescentes).
Quadro 17 Clculo do nmero anual mdio de consultas para casos com incapacidade grave
calculado para populao de 18.000 crianas e adolescentes por 100.000 habitantes
Diagnsticos Prev. Anual (%)* total pop. doente
esperada casos inc. grave
(%) casos inc. grave (n)
consultas ano (mdia)
consultas ano (nmero)
Perturbaes do Humor
0.9 16200 40% 6480 12 77760
Perturbaes da Ansiedade
3.3 59400 10% 5940 6 35640
Perturbaes do Comportamento
5.8 104400 20% 20880 12 250560
PHDA 1.5 27000 5% 1350 4 5400
Perturbao Globais do Desenvolvimento
0.9 16200 50% 8100 6 48600
Perturbaes Comportamento
Alimentar 0.3 5400 50% 2700 12 32400
POC 0.2 3600 80% 2880 12 34560
Psicose no Afectiva**
0.1 1800 100% 1800 12 21600
Total 13 234000 50130 76
Total Consultas/Ano 506520 *Green et al. (2005). Mental health of Children and Young People in Great Britain. Office for National Statistics, London. **Waddell , C., Sheperd, C. (2002). Prevalence of mental Disorders in Children and Youth. Research update, Univeraity of British Columbia.
Quadro 18 - Clculo do nmero anual mdio de consultas para casos com moderado grau de incapacidade por 100.000 calculado para a populao de 18.000 crianas e adolescentes por 100.000 habitantes
Diagnsticos Prev. Anual (%)* total pop. doente
esperada casos inc.
moderada (%) casos inc.
moderada (n) consultas ano
(mdia) consultas ano
(nmero)
Perturbaes do Humor
0.9 16200 30% 4860 5 24300
Perturbaes da Ansiedade
3.3 59400 40% 23760 4 95040
Perturbaes do Comportamento
5.8 104400 40% 41760 5 208800
PHDA 1.5 27000 5% 1350 2 2700
Perturbao Globais do Desenvolvimento
0.9 16200 20% 3240 4 12960
Perturbaes Comportamento
Alimentar 0.3 5400 30% 1620 6 9720
POC 0.2 3600 20% 720 6 4320
Psicose no Afectiva**
0.1 1800 0% 0 6 0
Total 13 234000 77310 Total Consultas/Ano 357840
*Green et al. (2005). Mental health of Children and Young People in Great Britain. Office for National Statistics, London. **Waddell , C., Sheperd, C. (2002). Prevalence of mental Disorders in Children and Youth. Research update, Univeraity of British Columbia.
42
6.3. Hospital de Dia
A forma como registada a actividade de hospital de dia no homognea entre os vrios
hospitais, o que dificulta uma leitura correcta da situao actual e consequentemente a
estimativa das necessidades.
Recomenda-se que se considere actividade de hospital de dia a proposta do Anexo PCAH 3
ed., ao Glossrio da DGS, 2005 (52), a qual define:
Modalidade de internamento a tempo parcial, em sesses teraputicas iguais ou superiores a 4
horas/dia efectuadas em dias sequenciais ou alternados, no ultrapassando 90 sesses.
Durante este perodo so fornecidos cuidados assistenciais mdicos, medicamentos e meios
auxiliares de diagnstico e teraputica, de enfermagem, psicossociais, hoteleiros e outros.
importante que, para alm dos Departamentos, os Servios tambm possam dispor desta
valncia teraputica, quer para crianas, quer para adolescentes.
Estima-se serem necessrios 3 lugares de hospital de dia por cada 100.000 habitantes da
populao geral.
6.4. Exames Mdico-Legais
Nos ltimos anos, o grande aumento do nmero de pedidos de exames periciais tem trazido um
acrscimo importante de trabalho aos servios de Psiquiatria da Infncia e Adolescncia.
fundamental que o Ministrio da Justia crie equipas mdico-psicolgicas especializadas,
ligadas ao Instituto de Medicina Legal, para a realizao de exames periciais e elaborao de
pareceres. Estas equipas podem funcionar em articulao com as estruturas hospitalares
de Psiquiatria da Infncia e Adolescncia.
Estima-se que a nvel nacional sejam necessrios 450 exames periciais/ano, com a
demora aproximada de 10 horas por exame (inclui observao e relatrio).
6.5. Articulao com estruturas da comunidade
Uma rea importante do trabalho multidisciplinar envolve a articulao com os Cuidados de
Sade Primrios e outras estruturas da comunidade, nomeadamente servios sociais, escolas e
jardins-de-infncia, Equipas de Interveno Precoce da Infncia, projectos de interveno
psicossocial e Comisses de Proteco de Crianas e Jovens.
43
Estima-se que sejam necessrias em mdia 2 horas semanais por mdico para o
desenvolvimento deste trabalho. Os restantes elementos da equipa multidisciplinar devem ter
tambm tempos atribudos para estas funes, a definir de acordo com as necessidades de cada
servio.
44
7. PRINCPIOS E MODELO ORGANIZATIVO
O modelo organizativo da RR que se apresenta procura corresponder ao preconizado no
PNSM.
A Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia como especialidade mdica organizada deve existir
em todos os hospitais que integram a rede de urgncia/ emergncia (como hospitais mdico-
cirrgicos ou como hospitais polivalentes).
7.1. Princpios organizacionais
As estruturas de Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia sustentam-se nos seguintes
princpios:
- Atendem a populao dos zero aos 17 anos e 364 dias da rea de atraco do
respectivo hospital, em consonncia com as demais redes hospitalares;
- Devem garantir a acessibilidade e equidade de acesso a todas as crianas e
adolescentes menores de 18 anos com problemas de sade mental;
- Os cuidados so prestados por departamentos, servios ou unidades especializadas,
atravs de equipas multidisciplinares (mdico, enfermeiro, psiclogo, tcnico de
servio social, terapeuta ocupacional, psicomotricista, terapeuta da fala, terapeutas para
valncias especficas);
- O trabalho das equipas deve envolver a articulao prxima com os Cuidados de
Sade Primrios e outras estruturas da comunidade, outras especialidades da idade
peditrica e Psiquiatria Geral;
- Devem integrar um conjunto diversificado de intervenes e programas
teraputicos de forma a dar resposta s necessidades da populao utente;
- Devem envolver activamente a criana, adolescente e sua famlia na tomada de
decises e planeamento de cuidados;
- O rcio de Psiquiatras da Infncia e da Adolescncia necessrio para responder s
necessidades de uma rea assistencial calculado com base na populao dos zero
aos 17 anos e 364 dias da rea de atraco de um hospital (vide ponto 7.2).
7.2. Recursos Humanos
Tendo em conta o escasso nmero de especialistas e a reduzida capacidade formativa dos
servios, recomenda-se um rcio de psiquiatras da infncia e da adolescncia de 1 para 12.000
45
habitantes da populao com menos de 18 anos (1,5/100.000 da populao total; 8,3/100.000
crianas e adolescentes), a ser atingido ao longo dos prximos seis anos 150 especialistas.
Este nmero no ainda suficiente, pelo que se recomenda que o rcio deve aumentar para
1/9.000 crianas e adolescentes nos 4 anos seguintes (200 Psiquiatras da Infncia e
Adolescncia), para posteriormente ser possvel atingir o preconizado em outros pases (vide
item 4).
no entanto fundamental acompanhar a evoluo do crescimento da populao e os estudos de
prevalncia das perturbaes mentais para os prximos anos e efectuar os necessrios ajustes
e correces a estas estimativas. Os resultados do Censo 2011, ainda no conhecidos por altura
da elaborao desta Rede, devem ser tidos em conta, nomeadamente em relao populao
jovem de zonas sub-urbanas, que pode sofrer alteraes significativas num curto espao de
tempo.
O tempo dedicado pelos especialistas actividade clnica directa (que inclui no apenas
primeiras consultas e consultas subsequentes mas tambm intervenes teraputicas como
psicoterapia individual, terapia familiar ou grupos teraputicos) deve ser 2/3 do seu horrio FTE
(equivalente a tempo completo).
Para os restantes elementos da equipa multidisciplinar, o rcio preconizado pela Direco-
Geral da Sade (Circular Normativa n 6/DSPSM, de 17/06/2005,) era de 1/66.000 habitantes
para os psiclogos, enfermeiros e tcnicos do servio social e 1/200.000 habitantes para
tcnicos com outras formaes. Presentemente, considerado insuficiente em muitos pases,
que recomendam rcios superiores.
Desta forma, dever ser apenas orientador para o planeamento dos recursos humanos das
equipas, uma vez que devem tambm ser atendidas as recomendaes das respectivas
associaes e ordens profissionais.
7.3. Formao de Psiquiatras da Infncia e Adolescncia (vide ponto 5.4. e 5.5)
Para atingir os 150 especialistas no prazo de 6 anos ser necessrio formar no mnimo 76, uma
vez que se prevem entre 14 a 18 sadas por reforma neste perodo.
Este nmero exige formar 12 a 13 especialistas/ano no mnimo, o que significa que tm que abrir
a nvel nacional 15 vagas/ano (para cobrir eventuais desistncias, sadas para outros pases,
mudanas de especialidade, entre outros).
46
Recomenda-se que as estruturas com idoneidade formativa faam um esforo acrescido e que o
Colgio da Especialidade considere a hiptese de conceder idoneidade a novos servios de
Psiquiatria da Infncia e da Adolescncia que cumpram os critrios exigidos.
7.4. Modelo organizativo
A prestao de cuidados nesta rea especializada da responsabilidade das seguintes
estruturas hospitalares:
Departamentos
Devem existir 3 no Pas, resultantes da integrao nos hospitais peditricos, em 1992,
dos 3 Centros de Sade Mental Infantil e Juvenil de Lisboa, Porto e Coimbra.
Servios
Devem existir nos hospitais com rea de influncia igual ou superior a 250.000
habitantes e urgncia polivalente ou mdico-cirrgica;
Unidades
Devem existir nos hospitais com rea de infl