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Salvador vive “crise estrutural”, enquanto a Islândia enfrenta uma nova realidadeEm parceria com Nelson OliveiraJornal da Facom, nº 20, maio de 2009
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� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � �Salvador vive “crise estrutural”, enquanto a Islândia enfrenta uma nova realidade
NELSON OLIVEIRA
VERENA PARANHOS*
Quem já convive com uma crise estrutural pode aprender a lidar mais
fácil com os males causados pela crise financeira. Muitos brasileiros,
acostumados a conviver com a crise diária, não percebem tanto que suas vidas mudaram após o
crash. Alguns problemas se agra-vam, enquanto outros continuam
a existir, fazendo com que a situa-ção permaneça complicada. Neste contexto, Brasil e Islândia (peque-na ilha próxima ao Ártico) repre-sentam “mundos” antagônicos: o primeiro vive raros momentos fora da crise, enquanto o outro
aprende a lidar com ela após período de bonança.
Como a maioria das capitais brasileiras, Salvador, com seus quase três milhões de habitantes,
convive com altos índices de de-semprego, analfabetismo e violên-
tratam de conjunturas e trajetórias históricas diametralmente opos-tas: uma grande popu-lação, herdeira de uma exploração colonial ferrenha que desen-
cadeou um processo excludente e desigual versus uma pequena
e modesta nação, que
sobreviveu a inóspitas condições climáticas e que, devido a uma
política neoliberal agressiva e recente, as-sumiu com rapidez as
primeiras colocações nos rankings de rique-za e qualidade de vida.
Islândia
Antes da crise, a oferta de emprego era tanta que, além de
imigrantes, o mercado absorvia jovens que muitas vezes nem havi-am concluído a escola: um jovem islandês de 17 anos comum tinha
carro próprio, morava sozinho e
fazia pelo menos duas viagens ao
exterior por ano. No entanto, a derrocada é fruto da administra-ção aventureira de Davíð Oddson,
primeiro-ministro entre 1991 e
2004, que transformou o país, mas
sem preparar bases sustentáveis. Antes pobre e economicamente isolada, a Islândia tornou-se uma economia empresarial e globa-lizada. Neste período, empresas
pesqueiras, sistema bancário e até
o patrimônio genético dos habi-tantes foram privatizados. Os prin-cipais bancos do país (que já atu-avam em outros países europeus) decretaram falência devido a seu insustentável gigantismo, levando toda a economia junto: a Króna, moeda local, sofreu grande des-valorização e já não é mais aceita
no estrangeiro. Os preços subi-ram e a inflação atingiu em março
deste ano a marca de 17,6%.
Em janeiro, poucos meses depois de assumir as dívidas dos bancos e falir o país, todo o gabi-nete do primeiro-ministro Geir Haarde renunciou sob protestos violentos da população. Davíð
Oddson, que havia assumido a
presidência do Banco Central is-landês, foi o último a cair. Em 25
de abril, foram realizadas eleições
antecipadas que asseguraram, pela
primeira vez na história, a maio-ria de esquerda no parlamento.
Jóhanna Sigurdardóttir, que tinha
sido escolhida primeira-ministra interina, continuará como chefe do governo e enfrentará como desafios, além de questões como
a entrada da Islândia na União Européia, um de crescimento de 576,8% no desemprego (avaliada
entre janeiro de 2008 e 2009), que
atinge principalmente jovens e imigrantes.
Em busca do emprego perdido
O jovem islandês Hartmann Ingvarsson sentiu por algum tem-po o que muitos brasileiros estão
acostumados a sentir. Ele aban-donou a escola em 2007 para tra-balhar em uma microempresa do ramo de alimentos. Foi demitido após a crise, mas ficou pouco
tempo desempregado: conseguiu um emprego como entregador de pizzas em Reykjavík, capital do
país. Ele afirma que a rapidez se
deveu a indicação do gerente as-sistente da rede, um amigo seu. “É um trabalho inferior ao que fazia,
mas estou precisando. Tenho que
pagar as prestações do meu carro, do meu notebook, além do básico para viver”, conta.
A brasileira Tatiane Soares da Silva mora na Islândia há dois
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cia. A Islândia, país nórdico com cerca de 300 mil habitantes (cerca
de um décimo da população da capital baiana), por outro lado, foi considerada como o melhor país do mundo em termos de quali-dade de vida, segundo o Índice de Desenvolvimento Humano 2007
(IDH), com excelentes sistemas
de saúde e educação, elevados ín-dices de crescimento econômico e taxas de violência e desemprego quase zero. Para ilustrar: o número
de desempregados da Região Me-tropolitana de Salvador representa dois terços dos habitantes da Is-lândia. São exemplos de realidades distintas, que vivem e enfrentam a
crise à sua maneira.A crise parece ter rearranjado
os papéis: enquanto em Salvador
não ficam tão evidentes seus efei-tos, o país dos gêiseres é conside-rado como o maior prejudicado pela instabilidade do mercado financeiro internacional. Con-tudo, esta comparação não pode ser feita de forma leviana, pois se
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� D� � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � � % & ' ( ' ) * +anos e é um dos imigrantes que
perdeu o emprego com a crise. Ela, que trabalhava em um hos-pital cuidando de idosos, acre-dita que é muito difícil encontrar
outro emprego. Pretende retornar ao Brasil em junho, mas não des-carta a possibilidade de ir morar em outro país escandinavo. “Não consigo ver futuro algum aqui”,
revela. Em meio a todo o pessimismo,
existem aqueles que se encontram
otimistas com o futuro do país. Pedro Videlo, economista e pro-fessor da Universidade de Barce-lona, afirmou a um programa de
televisão islandês que os habitan-tes da ilha não devem entrar em pânico, pois a situação econômica do país não é tão grave quanto a
mídia internacional diz. Para ele,
o crash islandês pode ser com-parado ao de países de tamanho similar, como o Uruguai. “A situa-ção da Islândia não é pior que a
média dos outros países. Haverá aumento de desemprego, queda
de investimentos, mas se políticas econômicas corretas forem toma-das, não existe razão para pânico”,
defende.
Do outro lado do Atlântico
No caso soteropolitano não é diferente: o mau momento da economia afeta principalmente os trabalhadores com menos ex-periência ou tempo de serviço. Segundo o IBGE, em janeiro, a Região Metropolitana de Salvador tinha 206 mil pessoas economi-camente ativas sem emprego, das quais 22% tinham entre 18 e 24
anos. Mesmo com a crise financei-ra mundial, a taxa de desocupação na região diminuiu 0,1%, se com-parada a janeiro de 2008.
Joílson Rodrigues de Souza,
coordenador de Disseminação de
Informações do IBGE na Bahia, destaca que, se a crise não exis-tisse, a oferta de empregos teria aumentado. “O crescimento e a acessibilidade daqueles que bus-cam o primeiro emprego seria
maior”, afirma. Ele também
acredita que o aumento de
ofertas de trabalho no perío-do está atrelado à alta esta-ção e às compras natalinas: “Muitos postos de trabalho em Salvador surgem nesta época do ano”. No entanto, o coordenador afirma que o
comércio sofreu declínio por causa da redução do crédito, influindo diretamente na in-dústria. Caio Gomes, estudante de engenharia mecânica, per-deu seu estágio, porque a
empresa alegou corte de gastos. Assim como Hart-mann, acredita que as indicações
de amigos são o caminho mais rápido para conseguir novo em-prego: “Tenho cadastro no IEL e CIEE, mas acho que é mais fácil
encontrar outro estágio através de contato com conhecidos que
trabalham na área”.
Construindo cidades e em-
pregos
A construção civil é um setor fundamental em tempos de crise, pois é responsável por grande número de contratações. Se o crédito e os investimentos vão bem, o segmento deslancha e propulsiona o crescimento das cidades. Mas, com as incertezas
do momento, comprar um novo imóvel pode ser supérfluo: exa-
tamente por isso, alguns donos de construtoras acabam inter-rompendo obras iniciadas por tempo indeterminado e raramente arriscam em algum novo empreen-dimento. Na Islândia, este foi um dos ramos mais abalados, o que
forçou a interrupção imediata da maior parte das obras: o cenário da região de Reykjavík (que con-centra mais de sessenta por cento da população do país) acabou se transformando em um cemité-rio de guindastes, como conta o brasileiro Pedro Ziviani, dono do blog Vida na Islândia [www.vidan-aislandia.com]. “O setor de cons-
trução civil está completamente parado. As empresas venderam suas máquinas e demitiram seus
funcionários. Reykjavík está cheia de prédios e bairros inteiros ina-cabados e abandonados”.
Em Salvador, os danos ao setor ainda não são muito evidentes. Grande parte das obras em anda-mento não foi interrompida e o crédito tem sido mantido, apesar de algumas demissões. Para New-ton Barretto, empresário do ramo da construção civil, o bom mo-mento vivido pelo mercado nos últimos três anos, propiciado pelo superaquecimento da compra e
venda de imóveis, foi fundamen-tal para que o setor não desem-pregasse tantas pessoas. “O ‘freio de mão’ do fim do ano para cá
não foi tão sentido em relação ao emprego. Na prática foram des-ligados somente aqueles menos
qualificados, que só tinham con-seguido oportunidade pela escas-sez de profissionais”.
Fabio Teles, gerente regional da EBM Incorporações, afirma
que o final de 2008 (comparado
com o final de 2007) apresentou
uma queda de 30% nas vendas.
Todo o ano de 2008, no entanto,
registrou o dobro de vendas do ano anterior. Segundo ele, o prin-cipal problema do setor é a crise de confiança por parte dos clien-tes que deixaram de comprar, ape-
sar das empresas terem condições de entregar as obras.
Barretto afirma que o perigo
se instala quando a falta de confi-ança faz as pessoas pensarem que
as coisas não vão bem: “Aí o em-presário age de forma preventiva, investimentos são postergados, custos são reduzidos e empregos
são cortados”. Para ele, as ações devem ser focadas no estabeleci-mento da confiança entre as di-versas partes, entre elas o Go-verno Federal, que deve exercer
o importante papel de oferecer linhas de crédito e abrir licitações para obras de infraestrutura ou de construções populares como for-ma de estimular as construtoras e gerar empregos.
O Plano Nacional de Habita-ção Minha Casa, Minha Vida, cu-jas inscrições começaram no dia 4 de maio, é uma iniciativa do Go-verno Federal, em parceria com estados e municípios, que visa im-pulsionar a economia e gerar em-pregos, viabilizando a construção
de um milhão de moradias, sendo 80 mil na Bahia. Dessa forma, o
Governo vem afirmando que os
recursos do PAC não serão redu-zidos e por essas “bandas” a crise
não passará de uma marolinha.
*Verena Paranhos fez intercâmbio na
Islândia entre 2005 e 2006. Viveu em
Sauðárkrókur, norte da ilha.
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