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Bendita louvada seja a Benzedeira Terezinha

Dona Terezinha Benzedeira

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Eu só rezo, quem cura é Deus.” Simples assim. Dona Terezinha rezou e alguém melhorou das suas dores de cabeça, dos pés, das mãos, do estômago e até do coração. Porque o coração também tem dores, às vezes até de amores mal criados, mal cuidados, mal terminados. Sabe-se lá que tantas são essas dores que tanta cura necessitam. Dona Terezinha sempre reza e Deus quase sempre atende.

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Bendita louvada seja a

Benzedeira

Terezinha

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Eu só rezo, quem cura é Deus.” Simples assim. Dona Terezinha rezou e alguém melhorou das suas dores de cabeça, dos pés, das mãos, do estômago e até

do coração. Porque o coração também tem dores, às vezes até de amores mal criados, mal cuidados, mal terminados. Sabe-se lá que tantas são essas dores que tanta cura necessitam. Dona Terezinha sempre reza e Deus quase sempre atende. Tem sido assim desde que ela virou benzedeira. Ou rezadeira. Ou feiticeira. Quem sabe até bruxa, como alguns a chamam. E ela nem liga. “Às vezes meus filhos brincam comigo quando estou tentando ajudar alguém: ‘Lá vai a bruxa, dizem. Ou lá vai a feiticeira...’. Se fosse ligar para isso não atenderia ninguém”, dispara.

Estamos falando de Terezinha Nunes Fernandes, 66 anos, casada com Joaquim Roberto Fernandes, mãe de Da-niel, Ismael, Josué e Jesuana, avó de cinco netos. “Benzer é um dom que Deus deixou para mim, uma missão que eu tenho que cumprir”, explica, lembrando que tudo começou com a mãe. “Ela era uma indiazinha danada, uma bugrona atrevida que não comia nada enrolado”, conta sorrindo,

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referindo-se a Maria Josefa Araújo, que era índia mesmo, na segunda geração. “Bugrona invocada que só vendo.” E Dona Terezinha lembra do pai, um cigano. “Cigano mesmo. Ele era meu pai e guia. Era cego. Cego com uns olhos azuis encantadores. Um cego que tinha três olhos. Ele coloca-va o dedo bem no meio da testa e dizia que ali estava o seu terceiro olho. E dizia que via tudo o que ninguém via com o seu terceiro olho. Dizia e provava isso. Ela via a alma das pessoas. Morreu com 84 anos. E eu senti um baque. Mas a partir dali sentia que também tinha ganhado um terceiro olho, bem no meio da testa. E passei a ver o mundo melhor”, emociona-se

Dona Terezinha orgulha-se de suas raízes. “A partir de mim criou-se uma raça que não existe: cigano com índio. O cigano é um ser muito criativo, muito sonhador, muito avo-ado. O índio também. Tudo isso ficou cravado em mim, na alma e no coração. Minha mãe era benzedeira. E meu pai também tinha um certo lado místico, afinal os ciganos co-nhecem muito de tratamentos com folhas, com raízes, sim-patias, essas coisas.”

Ela volta a insistir que gosta de ajudar as pessoas que sofrem. Só reza, “quem cura é Deus”, repete. Benzedeira, rezadeira, feiticeira ou bruxa, Deus costuma atender suas preces. “Juntou o lado de meu pai e o lado de minha mãe e deu nisso. No principio eu não entendia nada. Sempre vi minha mãe como uma pessoa daquelas bem “esquentadi-nhas”. Com o tempo percebi que aquela era uma maneira de me educar.” Terezinha conta que sua mãe é que era a grande benzedeira da família, sempre requisitada, sempre fazia “seus milagres”. “E fez tantos... Quer um?”

E Terezinha lembra um surto de varicela popularmente conhecida no Brasil como catapora, uma doença infecciosa aguda, comum na infância, altamente contagiosa. Aconte-ceu quando era criança, lá nos confins ou nos altos das Mi-nas Gerais, num povoado onde morava. “Aquilo foi muito

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triste, matou muita gente. Não se tinha remédios no lugar, nenhuma assistência, morreu muita gente mesmo. O ce-mitério foi pequeno para receber tanta gente, as pessoas passaram a ser enterradas nos pastos mesmo. Uma tristeza. Não tinha quem levasse até algum centro médico ou quem levasse para enterrar em outro cemitério... A doença provo-cava febres altas. Tão fortes que as pessoas fediam. “Todos em casa tiveram essa febre. Nós éramos treze filhos. A gen-te pegava fios de cabelo, puxava e eles vinham nas mãos. O que curava a gente era o ‘Cardo santo’. Cardo-santo é planta medicinal, também conhecida como Cardo Bento ou Car-do Bendito, muito utilizada em remédios caseiros. Minha mãe, a bugrona, descobriu essa planta salvadora por lá. Ia no campo, tirava um monte daquela planta verde e cheia de espinhos, chegava em casa, tocava tudo dentro de uma lata dessas que antigamente se usava para óleo, fervia tudo aquilo num fogão de lenha. Fervia, virava e tirava um suco tão amargo, mas tão amargo que eu fico com a boca amarga até hoje só de lembrar o amargor.”

Terezinha se emociona. Esconde uma lágrima e diz que todos tomavam uma caneca daquele líquido. Várias vezes. E sua mãe rezava. “Com certeza Deus ouviu. Ela misturava tudo aquilo com carqueja, uma planta que oferece inúme-ros benefícios para o organismo e com propriedades anti-térmicas, baixava a febre. Ela fervia tudo aquilo despejava numa gamela grande e dava até banho na gente. Morreu muita gente até que as plantas e as rezas de minha mãe co-meçaram a funcionar. Essas cenas não me saem da cabe-ça...”. Nem as lágrimas deixam de cair dos olhos de Dona Terezinha enquanto lembra tanta dor.

E como foi que Dona Terezinha passou a ser essa benze-deira, essa feiticeira, essa bruxa que tanto tem ajudado a tanta gente daqui e de fora, já que tantos vêm por aqui em busca de tantas curas? “Bem, na sequencia de nossa vida viemos para cá. E minha mãe, a bugrona, já estava cansa-

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da de tanto ajudar com suas rezas e bênçãos. Chegou um tempo que ela ficava brigando com todo mundo por qual-quer coisa. As pessoas chegavam precisando de ajuda, de uma benção, de uma atenção e ela, cansada, dizia que não ia atender. E ela dizia: “atenda você.” Eu? “Sim, você”, ela res-pondia. Eu dizia que só ela sabia e ela respondia: “aprenda. Você, tem que saber”. Meu pai, que sempre ficava ao lado, ouvindo, dizia: “minha filha, não deixe a família ir embora sem benzer a criança. Traz ela aqui, eu ensino você a ben-zer. E eu retrucava: pai, como é que você vai me ensinar? A benzedeira é ela e não nós. Ele tornava a dizer: eu sei, mas eu vou ensinar alguma coisa e você vai aprendendo aos pou-cos. Como eu disse, meu pai era deficiente visual, mas dizia que tinha três olhos e enxergava com os olhos do coração. E foi assim. Quando minha mãe queria benzer eu levava as pessoas necessitadas para dentro da minha casa ela benzia e tudo. Às vezes ela me chamava para ajudar”, conta e acres-centa o ponto principal: “Benzer vem de dentro da gente.”

Se teve casos constatados de que as bênçãos de Dona Te-rezinha funcionaram? Muitos. É por isso que vem gente de todo lugar, de todo o país para receber suas bênçãos, seus cuidados, seus olhares que nunca são pagos, pois ela não aceita pagamentos. “Um ou outro presentinho quando in-sistem muito. E geralmente eu dou os presentes de presente para quem precisa...”, diz, em sua humildade e humanidade. A prova de que a coisa funciona está no pé do repórter que fez esta entrevista. Ele recebeu uma benção e o conselho de que fizesse um escalda-pé com plantas e um preparado que só Dona Terezinha conhece.

“Prepare o escalda-pé, coloque o pé na água e reze. Reze muito para São Gonçalo, o santo que cuida de problemas como o seu. Eu também vou rezar para ele ajudar você.” Fiz o que ela mandou. E rezei. Pelo sim, pelo não, devagar, quase parando, meu pé ficou e as dores estão indo embora. Dona Terezinha só reza. Quem cura é Deus. ■